#sobre a vida, em longa metragem - livro-1!10!2009

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7/25/2019 #Sobre a Vida, Em Longa Metragem - Livro-1!10!2009 http://slidepdf.com/reader/full/sobre-a-vida-em-longa-metragem-livro-1102009 1/85 PRIMEIRA PARTE Mudanças  A proximidade da adolescência encontrou-me de casa nova. Não era tão nova assim, porue sendo a casa dos meus av!s maternos eu "# con$ecia tudo auilo de lon%a data. &oi  "ustamente ali o re'(%io ue encontramos, depois ue o Pai via"ou - e a Mãe 'oi devolvida ) 'am*lia, acrescida dos "uros de uatro almas, com suas respectivas +ocas, ue ramos n!s, seus 'il$os.  A Av! não pareceu satis'eita com a devolução. Ela $avia criado um nic$o de con'orto, de limpea e de santidade, em parte da casa - para passar a vel$ice. ma casa ue não era como o restante das outras do +airro, tin$a l# as suas peculiaridades, coisa +em pr!pria da nossa 'am*lia - ue sempre sou+e di'erenciar-se. Por exemplo, era a (nica das redondeas a ser dividida em territ!rios.  A primeira parte da casa era a da Av!, com seu uarto, uma sala e outra saleta. A se%unda era a /parte comum0 ou /terra de nin%um0, ue eram a coin$a, um +an$eiro modesto, o %rande uintal dos 'undos e o "ardinin$o 1 +em na 'rente da casa. E $avia ainda uma (ltima parte, reservada ao Av23 seu uarto, dando para o "ardim e, conseuentemente, a um passo da rua - propriamente dita. Essa casa de ue 'alo tin$a, portanto, uma demarcação de 'ronteiras - mais +em vi%iadas ue as americanas. A Av! vi%iava. 4omente ela. E não era pouco. 5 /estado0 da vel$a era proi+ido tanto para n!s, crianças, como tam+m - e principalmente - ao o Av2. Isto se o Av2 tivesse ualuer interesse - e nunca teve - por auele /territ!rio de 6!r%ias0, como c$amava a ala dos santos. Este canto da Av! contin$a um verdadeiro arsenal de ros#rios, cruci'ixos, santos, an"os, sa%rados coraç7es, santas ceias, sant*ssimas trindades e muita na'talina. Auilo ue mais me impressionava era o sortimento de nossas senhoras. Eram da 8l!ria, de &#tima, da Pen$a, de Naar, de 9ourdes e a 8enrica, comandando tudo. :e parte, $avia ainda auela casta inteira ue atuava, de uma 'orma ou de outra, no peri%oso o'*cio de dar ) lu3 das :ores, do  Amparo, da A"uda, da ;onceição, do 6om-Parto, da 6oa-<ora e, por ue não dier tam+m, da 8uia 1 ue talve 'osse a respons#vel pela pontaria. E ainda mais3 da A+adia, da 6oa =ia%em, dos An"os, das Neves, do ;alv#rio 1 sem contar auela in'inidade da alta $ieraruia, ue moravam nas prateleiras mais altas. Tão altas ue nem deixavam ue eu tentasse l$es soletrar os nomes nos peuenos pedestais - ou na parte in'erior das estampas emolduradas. Não sendo tudo, 'ico devendo os nomes das ue não c$e%avam a estar inacess*veis3 ue a min$a mem!ria de menino peueno nunca 'oi das mel$ores. 5s pa*ses de onde vin$am essas nossas sen$oras 'ormavam uma verdadeira assem+lia %eral das Naç7es nidas. Nin%um conse%uiria %uardar direito, ainda ue 'osse %rande. 4! mesmo a Av!. Em peueno não c$e%uei a pensar nisto, mas, depois, "# na adolescência >insti%ado pelas conversas com o Av2, ue aca+avam es+arrando al%umas vees na /Raão0 e, em outras, na /9!%ica0?, comecei a ruminar so+re uem teria sido, a'inal de contas, a Nossa 4en$ora 8enrica, a mãe de todas. E por ue motivo teria procriado tanto. Taman$a resma de nossas sen$oras não poderia ter sa*do do nada - e depois se espal$ado, de maneira descon'orme. Todos precisam ter uma 'am*lia, uma ori%em. 1

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PRIMEIRA PARTE

Mudanças

 A proximidade da adolescência encontrou-me de casa nova. Não era tão nova assim, poruesendo a casa dos meus av!s maternos eu "# con$ecia tudo auilo de lon%a data. &oi "ustamente ali o re'(%io ue encontramos, depois ue o Pai via"ou - e a Mãe 'oi devolvida )

'am*lia, acrescida dos "uros de uatro almas, com suas respectivas +ocas, ue ramos n!s,seus 'il$os.

 A Av! não pareceu satis'eita com a devolução. Ela $avia criado um nic$o de con'orto, delimpea e de santidade, em parte da casa - para passar a vel$ice. ma casa ue não eracomo o restante das outras do +airro, tin$a l# as suas peculiaridades, coisa +em pr!pria danossa 'am*lia - ue sempre sou+e di'erenciar-se. Por exemplo, era a (nica das redondeas aser dividida em territ!rios.

 A primeira parte da casa era a da Av!, com seu uarto, uma sala e outra saleta. A se%unda eraa /parte comum0 ou /terra de nin%um0, ue eram a coin$a, um +an$eiro modesto, o %randeuintal dos 'undos e o "ardinin$o 1 +em na 'rente da casa. E $avia ainda uma (ltima parte,reservada ao Av23 seu uarto, dando para o "ardim e, conseuentemente, a um passo da rua -propriamente dita.

Essa casa de ue 'alo tin$a, portanto, uma demarcação de 'ronteiras - mais +em vi%iadas ueas americanas. A Av! vi%iava. 4omente ela. E não era pouco. 5 /estado0 da vel$a era proi+idotanto para n!s, crianças, como tam+m - e principalmente - ao o Av2. Isto se o Av2 tivesseualuer interesse - e nunca teve - por auele /territ!rio de 6!r%ias0, como c$amava a ala dossantos.

Este canto da Av! contin$a um verdadeiro arsenal de ros#rios, cruci'ixos, santos, an"os,sa%rados coraç7es, santas ceias, sant*ssimas trindades e muita na'talina. Auilo ue mais meimpressionava era o sortimento de nossas senhoras. Eram da 8l!ria, de &#tima, da Pen$a, deNaar, de 9ourdes e a 8enrica, comandando tudo. :e parte, $avia ainda auela castainteira ue atuava, de uma 'orma ou de outra, no peri%oso o'*cio de dar ) lu3 das :ores, do Amparo, da A"uda, da ;onceição, do 6om-Parto, da 6oa-<ora e, por ue não dier tam+m,da 8uia 1 ue talve 'osse a respons#vel pela pontaria.

E ainda mais3 da A+adia, da 6oa =ia%em, dos An"os, das Neves, do ;alv#rio 1 sem contar auela in'inidade da alta $ieraruia, ue moravam nas prateleiras mais altas. Tão altas uenem deixavam ue eu tentasse l$es soletrar os nomes nos peuenos pedestais - ou na parte

in'erior das estampas emolduradas.

Não sendo tudo, 'ico devendo os nomes das ue não c$e%avam a estar inacess*veis3 ue amin$a mem!ria de menino peueno nunca 'oi das mel$ores. 5s pa*ses de onde vin$am essasnossas sen$oras 'ormavam uma verdadeira assem+lia %eral das Naç7es nidas. Nin%umconse%uiria %uardar direito, ainda ue 'osse %rande. 4! mesmo a Av!.

Em peueno não c$e%uei a pensar nisto, mas, depois, "# na adolescência >insti%ado pelasconversas com o Av2, ue aca+avam es+arrando al%umas vees na /Raão0 e, em outras, na/9!%ica0?, comecei a ruminar so+re uem teria sido, a'inal de contas, a Nossa 4en$ora8enrica, a mãe de todas. E por ue motivo teria procriado tanto.

Taman$a resma de nossas sen$oras não poderia ter sa*do do nada - e depois se espal$ado,de maneira descon'orme. Todos precisam ter uma 'am*lia, uma ori%em.

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Na peuena catedral da Av! $avia tam+m um sortimento de 'itas de irmandades, de castiçaiscom velas novas ou meio consumidas - sem esuecer as estampas dos m#rtires da '. Essesso'redores estavam espal$ados com certa displicência estudada. <avia, por exemplo, um 4ão@oauim com um pre%o ue l$e varava o crnio, de um ouvido ao outro, num tormento uesempre ac$ei dos mais criativos - em+ora um pouco extrava%ante.

9e7es devorando cristãosB le7es, outros, ue se tornavam %atin$os e não devoravam nin%um

- desde ue o cristão 'osse santo.=eio da* a min$a vontade de ter um desses le7es >ue não mordiam o dono?, em+ora acontrapartida - ser cristão e, pior, santo - nunca $ouvesse me empol%ado.;ontinuando no paraiin$o da Av!, $avia tam+m ali, pelo pouco ue me lem+ro, uns+esti#rios sortidos das criaturas ue $a+itam o in'erno e ue, de l#, lam+endo os +eiços, nosespreitam. Eram cenas da rotina /das pro'undas03 ima%ens sinceras, como auela ue tin$aum an"o do mal varando o pecador com o tridente, +em no primeiro plano. Eu adorava esta,mas a Av! não ueria ne%oci#-la. Nem em troca de eu levar-l$e treentos recados.

4e $avia o in'erno, e isto não irei omitir, $avia tam+m o reino dos "ustos - em+ora este nãotivesse a menor %raça3 riac$os de leite >numa espcie de inversão do mtodo de 4eu Toton$o,

acusado de colocar rios inteiros no leite ue nos 'ornecia?. Nunca %ostei de leite - e duvido uea ;apela 4istina 'osse mais +em arran"ada e limpa do ue aueles três c2modos peuenosue a Av! $avia or%aniado tão +em.

&omos alo"ados no uarto do Av2, uma espcie de o'icina %eral e dormit!rio. 5 lu%ar estavac$eio de pontas de ci%arro e cusparadas espal$adas pelo c$ão. 5 c$eiro permanente demadeira recm-cortada, de tintas e de vernies ue não existem mais, tudo isso misturado aoodor de ta+aco 'orte, me a%radava +astante. At $o"e, uando sinto al%uns desses c$eiros, "untos ou separados, meu coração dispara de volta )ueles tempos - ue a%ora estão maisdistantes ainda do ue a ;$ina estava, nauela poca, para as crianças ue %ostavam devia"ar.

 A Av! e o Av2 não se %ostavam muito. Ela alimentava um ressentimento surdo e permanentepor ele. 5 vel$o parecia não li%ar - nem para o ressentimento e, ue dir#, para a vel$a. Erauma $ist!ria anti%a, de antes do casamento. Mesmo assim, a Av! não esueceu.6odas de ouro completadas, os dois na i%re"a, o Av2 ol$ando o cu mal pintado na a+!+ada,com auele seu mel$or sorriso om+eteiro - e vestindo um terno novo em 'ol$a, presente demeu Tio Rico, isto eu lem+ro +em.&oi tanto tempo depois do começo desta $ist!ria - e "# vou me perdendo nas cronolo%ias... C omais '#cil de lem+rar3 eu era "# uase um adulto.<avia sido uma ne%ociação delicada, por causa do Av2. Admitiu não dar este des%osto )

sociedade, mas exi%iu em troca uma caçada de passarin$o - a ser iniciada no dia se%uinte aoda cerim2nia. E em terras mais distantes poss*veis de onde estivesse a Av!.Pois, de outra maneira, como se 'aria o Av2 entrar na /lam+ança de uma missa0D :urante amissa das +odas de ouro, a Av! ali, durin$a, ao lado do Av2. Mais postiça ue a pr!priadentadura e +al+uciando o seu latim can2nico.E não esueceu. Nunca. At seu (ltimo dia na Terra.

4e"a como 'or, isto não impediu ue %erassem seis 'il$os, três de cada sexo3 meus tios, tias ea Mãe. Talve tudo não ten$a passado de um mal-entendido. As pessoas, mais ainda do ue'alarem o ue +em entendem, são >pior ainda? de entender auilo ue l$es dito, cada ual damaneira ue mais %osta de entender. :eve provir da* tudo uanto tipo de en%ano.

 A Av! nascera e crescera numa cidade anti%a, distante do Rio de @aneiro, no interior. @# o Av2era tam+m da re%ião, mas morava em lu%ar não sa+ido ao certo pela Av! 1 "# alm da

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'ronteira, ue era pr!xima, no estado de 4ão Paulo. Isto ele in'ormou a ela mais tarde, por carta ue o 'aia candidato ) lon%u*ssima ascendência de +andeirantes e de tudo uanto tipo de $er!i. Ele corte"ava-a, aos domin%os, com passadas e repassadas a cavalo em 'rente )sua "anela. m +elo animal, sem d(vida, mas alu%ado. A Av! desco+riu isto uns uarenta anosdepois. Era uma poca de %randes mudanças. A escravidão aca+ara $avia pouco, uns uine anos

somente. A vida de antes não retomava seu rumo, de "eito al%um. &ortunas $aviam evaporado,'aendas com ricas plantaç7es e criação ca*ram no a+andono, arruinadas pela 'alta do +raço'orte do escravo. Em suma, um va%al$ão $avia passado espal$ando a misria e não paravamais de re'luir, impedindo ue os destroços 'ossem a"eitados.

m dia, sem ue "amais $ouvesse sido trocada uma palavra entre os dois, o cavaleiro deixoude passar de'ronte ) "anela e desapareceu. ;omeçaram então a c$e%ar, uma a uma, cartas doRio de @aneiro, a capital, a anti%a ;orte. Essas cartas lo%o começaram a 'alar em casamento econtin$am sempre, de uma maneira ou de outra em+utida no texto, a 'rase ue entrou para a$ist!ria de min$a 'am*lia3 “Estou edificando nossa casa...” 

5 Av2 tin$a l# as suas letras, %ostava de escrever +onito. Isto não c$e%a a ser conden#vel. :eresto, o papel paciente 1 e %osta de rece+er mais ue simples escrituraç7es comerciais.Pouco mais de um ano durou a troca de cartas. E 'oi mesmo troca, das +oas, porue a Av!não deixou uma s! carta sem resposta. Estava /encal$ada0 nos seus uase deenove anos deidade.

;asaram-se por procuração e ela 'oi despac$ada para o marido, na capital, numa via%em uena poca durava al%uns dias. Min$a av! 'oi rece+ida pelo esposo na anti%a Estação da9eopoldina, depois dos trec$os ue 'iera em lom+o de mula, de um sacole"ante estirão numacaravana de carroças, at ue, 'inalmente, tomou o trem de 'erro, a vel$a maria-'umaça - ueterminava sua via%em na Estação 6arão de Mau#, em 'rente ao ;anal do Man%ue. A Estaçãoda Imperatri.

:esde sempre notei ue os dois evitavam se encontrar pelos c2modos comunit#rios da casa.Pelo contr#rio, cada um procurava estar e reinar em seu pr!prio dom*nio. 4e casualmenteavistavam-se no uintal, no "ardinin$o ou na coin$a, eu podia ouvir a Av! ran%er em direçãoao Av23 “Estou edificando a nossa casa...” Ele mandava uma +anana ou uma careta de volta,mas somente para não deixar min$a av! sem resposta. Não parecia se importar com essaextrava%ncia dela. Nem %uardar m#%oas.

&ui sa+endo aos poucos a $ist!ria desses meus av!s. medida ue ia crescendo, ia tam+m

ouvindo as vers7es - levemente alteradas a cada ve pela pr!pria +oca da Av!. Tam+m ouvias vers7es ue contavam a ala 'eminina e masculina da 'am*lia. Pendiam para um lado e parao outro, dependendo da $ora.

5s 'il$os $omens, meus tios, me contavam vers7es di'erentes entre si. Entretanto, em todaselas, o Av2 tin$a raão em tudo - e com +astante so+ra. As vers7es desses tios eram aindamais variadas ue as da pr!pria Av! e mais suas três 'il$as, uma delas min$a mãe,multiplicadas umas pelas outras. Mas dele mesmo, do Av2, nunca ouvi um pio ue 'osse so+reeste tema. Ele não li%ava para +o+a%ens. Não tin$a tempo. Estava sempre com as mãosocupadas, isto sem contar os ol$os e os ouvidos - ue +uscavam passarin$os o tempo inteiro.

Meu av2 era 'il$o de um 'aendeiro rico, sen$or de vastas terras e ue $avia lutado como%eneral ou marec$al na 8uerra do Para%uai. Tam+m ouvi dier, pela +oca dos tios, ue estemeu +isav2 teria sido capitão-mor  e dono de uma mina de ouro - ou de diamantes. Nem eles

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sa+iam ao certo. Talve ten$a sido tudo isto >um pouco de cada ve?, ou at ao mesmo tempo.5 certo ue o 'im da escravidão destruiu sua 'ortuna, uero dier - para uem uiser entender - l#, do meu +isav2. Porue o Av2 mesmo, de si, não c$e%ou a ver a cor desta'ortuna. 9o%o ele ue, a esta altura, era "# uase mdico diplomado ou en%en$eiro 1 se não+ac$arel em :ireito. Meu 'uturo av2 teve ue a+andonar os estudos, 'altando menos de umasemana para concluir tudo. E tratar de casar one irmãs vir%ens, solteiras, pudicas - das uaisele era o (nico irmão $omem. A vida dur*ssima e os costumes daueles tempos.

@# min$a av! insinuava, reando o terço em+aixo do '*cus, e eu s! ouvindo, esperando $ist!riade escravo contra onça, ue o vel$o era 'il$o de um sacristão de aldeia 1 +e+errão, mal lavadoe pecador. :iia isto )s vees. Em outras, o Av2 rece+ia como pai um tropeiro molam+ento e'alido - devedor procurado. m dia, a Av! resolveu a+rir o coração comi%o, talve con'iada emmin$a discrição. ;on'essou ue meu +isav2, por parte l# do Av2, $avia sido um simples ci%anorene%ado pelo pr!prio +ando, desses ue en%anam as pessoas nas 'eiras 1 e ue teria %eradomeu av2 'ora do casamento, numa criada de coin$a. ;riada de coin$a de outrem. Poruemeu +isav2 era um roto 1 de pai e de mãe, somando-se ainda umas cinco %eraç7es da mesmai%ual$a, se não pior ainda, ue o $aviam precedido. E isto em todos os ramos da #rvore'amiliar do Av2, coitadoF

Mesmo um ladrão de cavalos, ue 'ora pe%o com a +oca na +oti"a e en'orcado, 'oi o pai demeu av2 em dias de trovoada - ue parecia ser a (nica coisa na 'ace da Terra com poder dea+alar min$a av!. Para sermos mais 'rancos, a vel$a 'icava $orroriada e de mau $umor nastempestades de raios, uma antevisão da 'ornal$a do In'erno.

Nunca pude sa+er ao certo onde estava a verdade. =# l#3 descon'io ue, dentre tantas coisasue podem não ser muito $onrosas e outras ue, por sua ve, o são em excesso >e nem por isto con'irmadas, nen$uma delas?, devo traer em doses consider#veis no san%ue umasporç7es +em servidas de toda uma armada de $er!is, de %randes sen$ores e de vice-reis -alm dos va%a+undos, mendi%os e loucos relacionados pela Av!.

 A Av! não era somente vel$a, era anti%a. :iia /enlear num pano0 em ve de enrolar numpano. Tam+m diia /atar com +ar+ante0 e v#rias outras coisas ue s! sa+ia dier nestalin%ua%em semimorta. Era mi(da, clarin$a e enru%ada. Guando a con$eci, estava "# vel$a etin$a as pernas um pouco arueadasB $#+itos severos de limpea, de 'ru%alidade naalimentação, alm de duas ou três doenças %raves 1 no coração. Mas "# tivera, se%undo elamesma me disse, a +elea de uma porcelana in%lesa. E lindos ca+elos, ue arrastavam peloc$ão.

Exi+ia permanentemente, por +aixo do vestido de /vi(va de marido vivo0, um ventre volumoso

como auele de uma mul$er prestes a dar ) lu. Era /o 'lato0 da Av! 1 "unto com a/constipação0.

Guanto ao Av2, era mi(do tam+m. A pele tostada, de $omem ue viveu muita vida so+ o sol.Ele era dono de uma testa lar%a, inteli%ente, encimada por uns ca+elos +ranuin$os como oal%odão 1 ue traia sempre cortados rentes, ) escovin$a. Tin$a o nari levemente adunco,como se 'osse um nari ue $ouvesse resolvido mudar de direção, +em no meio da reta dosepto. 5s ol$os eram o ue mais tin$a de 'ortes e de si%ni'icativos. 5l$os de um verde mus%o- ue nem um de n!s conse%uiu $erdar. 5 sorriso, em+ora vaio de dentes, não mostrava%en%ivas, mas, sim, saltava para os ol$os e iluminava tudo ) sua volta, num +om $umor permanente e ue era a pura ale%ria de estar vivo.

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:e certo mesmo ue o vel$o tin$a o seu latinin$o, seus con$ecimentos so+re passarin$os e'lorestasB dominava com pro'iciência o acervo completo de todas as assom+raç7es ue "#existiram >e ainda tin$a a sa+edoria do caçador virtuoso?.4a+ia construir coisas +onitas - como %aiolas em 'orma de pa%ode c$inês e tudo mais ue sepudesse 'aer com a madeira. Imitava os +ic$os, ) per'eição3 o pintassil%o, o curi!, o san$aço,a onça, o urso. Não 'osse este meu av2, estaria eu >at o dia de $o"e? sem sa+er como 'a umurso. ;edo então me en'iei na sua 'acção, c$e%ando at a odiar a Av! 1 em se%redo e não

muito -, somente para re'orçar as 'ileiras do vel$o.

Min$a "ovem av! c$e%ou assustada ) capital. Nunca tin$a sa*do de onde nascera. A via%em'ora cansativa e poeirenta. No 'inal, auela situação tão di'*cil - ue era encontrar e 'alar pelaprimeira ve com um $omem ue não con$ecia3 seu marido.

Ela, constran%ida, e ele radiante, tomaram o +onde em direção ao En%en$o Novo - ue napoca não passava de um ermo na +eira da estrada de terra ue ia em direção ) 4anta ;ru.:ier ue a noiva 'icou espantada com o nin$o preparado pelo "ovem esposo seria empre%ar mal uma palavra. Era tudo muito %rande3 "anelas e mais "anelas numa 'ac$ada imponente e

+astante arruinada. No interior do casarão $avia tantos c2modos, tantos uartos e recantos,ue o Av2 nem se dera o tra+al$o de mo+ili#-los. 5cupara apenas o uartin$o onde $aviaposto a cama do casal.

 Auele leito parecia "# vir sustentando corpos e son$os al$eios $# dcadas. No mais, $aviaal%uns caixotes de +acal$au servindo de mesa, de +ancos e de arm#rios 1 ue $aviam sidoarran"ados com $a+ilidade e +om %osto pelo Av2.C prov#vel ue min$a av! não ten$a 'icado a+orrecida com o ue parecia ser uma situaçãoprovis!ria, um atraso nas o+ras e na entre%a da mo+*lia. Mas não se vive soin$o nestemundo. E uase sempre $# viin$os - e ali os $avia. Por in'elicidade, eram “patrícias” , ou se"a,imi%rantes portu%uesas, po+res e 'aladeiras3- Ai Jisuis, uma gaja tão verdita! E veio morar no leprosrio aandonado! "ore criatura! 

Enuanto o Av2 se 'irmava na cidade %rande, tra+al$ando como carpinteiro, ou carapina, comoc$amavam então, os 'il$os 'oram vindo, em seuência cerrada. At ue, ap!s o sextonascimento, a Av! se entrinc$eirou com os santos e manteve ) distncia o Av2, ue ele aindanão $avia completado os seus trinta e cinco.

5s 'il$os todos nasceram no casarão do En%en$o Novo. Ali viveram al%uns anos, um poucodi'*ceis - como ocorre mesmo em tudo uanto começo. <avia auelas +ocas todas uerendocomida - e o Av2 aca+ou não conse%uindo uma +oa colocação. Mas tra+al$ava 'irme e sempre

com ale%ria. Passar 'ome a 'am*lia não passou, em+ora $ouvesse c$e%ado uase pr!ximodisto. Mais tarde mudaram-se todos dali, apressadamente, para um su+(r+io ainda maisdistante e ) mar%em da semi-conclu*da Avenida 6rasil. Isto se deu um pouco depois deaca+ada a 8uerra - e uando os 'il$os "# estavam todos taludin$os. No 'ri%ir dos ovos, nãomorreu nin%um.

5uvi desses meus parentes, todos, ue o casarão era mal-assom+rado e ue $avia ali umamovimentação noturna desa%rad#vel - e mesmo peri%osa -, de mdicos #vidos por prescrever,in"etar e internar. En'ermeiras e pacientes de outras pocas ue apareciam e desapareciamse%undo seus pr!prios capric$os. Não posso "urar ue isto ten$a sido exatamente assim.4o+re o 'ato, porm, de ue a 'am*lia inteira 'oi posta na rua depois de uma noite

particularmente ativa no anti%o $ospital, $ouve sempre, estran$amente, uma espcie deconcordncia entre auelas v*timas so+reviventes 1 ue 'aiam parte de min$a pr!pria 'am*lia.Eles me contaram separadamente o epis!dio. =ees incont#veis.

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Em+ora este meu ramo 'amiliar ten$a sido privile%iado em +ons especialistas no ramoso+renatural, o anti%o $ospital parecia estar tão impre%nado ue, nem mesmo com a volta dopr!prio @esus, em pessoa, auilo se limpava. :eram 'oi sorte. Porue tendo aca+ado a8uerra, $avia uma so+ra de materiais e de ideolo%ias. 5 vel$o 8et(lio =ar%as mandou ue seconstru*ssem em nossos capinais estorricados umas peuenas c!pias dos su+(r+iosamericanos - com suas casas t*picas e %in#sios, numa versão po+re e encol$ida.

 Ainda me lem+ro do +airro, uase novo. 9em+ro os %ramados ue $aviam sido domados, )'orça, porue, enuanto uns morriam, outros ueriam virar capinais impenetr#veis e tomar tudo de volta. 9em+ro das cercas vivas, ue $aviam crescido tão +emF E das #rvores, ue nãoexistiam uando meus av!s tornaram-se moradores. Eram 'lam+oHants e $aviam se dadomuito +em por ali. Essas #rvores eram verdadeiros re'ri%rios, il$as de som+ra para auelescristãos ue 'ossem sem um %uarda-sol >o mesm*ssimo %uardac$uvão ne%ro, para o uedesse e viesse?. Não se a+ri%ando o in'eli so+ um ponto som+rio ualuer >a cada cinuentametros, pelo menos?, estaria coido dos miolos e de tudo mais ue $ouvesse, em poucotempo.9em+ro-me do #entro $ocial   e do %rupo Escolar , num estilo ue tão mais tarde eu iria

recon$ecer nos 'ilmes de <ollHood como al%o ue 'ora implantado aui. E do ;inema, ueera parte importante dauele pacote de $a+itação e de ideolo%ia. &oi em sua tela ue al%umas%eraç7es aprenderam o ue ser americano3 "usto, $er!ico, im+at*vel.

8an$amos auele +airro e al%uns outros parecidos, por mrito pr!prio. Não 'oi 'avor nen$um. A'inal de contas n!s 'omos aliados deles. Podia +em ser ue, sem a nossa entrada decisiva,os %rin%os tivessem dado com os +urros nJ#%ua. 4eria $o"e uma Amrica toda 'alando alemão,idioma di'*cil, complicado - e pssimo para 'ilmes.

Terminada a 8uerra, pass#ssemos n!s a apoiar os russos, entr#ssemos para /o 6loco0, a* sim,esueçam. 4eria a ru*na da Amrica.Não tivemos assim tanta sorte na $ora em ue +atiaram o +airro. <avia, então, como sempre$ouve, o $#+ito de se nomear lu%ares $omena%eando descon$ecidos a+solutos, ou, pior ainda, talentos euivocados e nulidades not!rias. 5 +airro não escaparia disto3 @os de Alencar.@ustiça se"a 'eita, nunca o c$amamos assim. 4omente uando era para cartas. ;aso contr#rio,a resposta peri%ava não c$e%ar. Guando meus av!s ali se 'ixaram, se%undo me contavam,ainda, como uma concessão, era Alencar. Pouco depois, somente Alm. E assim 'icou.

Esta 'oi, 'inalmente, a oportunidade ue o Av2 teve de candidata-se ao t*tulo de /propriet#rio0.Em suaves prestaç7es, corri%idas pela %entil &aela "rice - e descontadas em 'ol$a de

pa%amento. Isto uns +ons uine anos ap!s o casamento de meus av!s. :e anos depoisdesta mudança para o novo +airro, eu nasci.

 Antes do começo

@# ia esuecendo de me apresentar. Meu nome @os 8et(lio, para servi-lo. C claro uenunca 'ui c$amado assim, por causa da nossa mania carin$osa dos apelidos3 &utuia, &'ia e&ulho, na in'ncia. :epois, 'inalmente, (et'lio - ue 'oi o ue 'icou.

<ouve um peueno desentendimento, por causa deste nome pelo ual atendo. E isto 'oiacontecer "ustamente na +eira da pia +atismal, entre o Pai e o p#roco, pouco antes da cuia

+an$ada em prata inconsistente e c$eia de #%ua sal%ada 'aer-me entrar, de travs, no seioda ;ristandade. E não 'oi por muito ue uase deixei de ser admitido entre os 'il$os de :eus.Tudo por causa de uma mania dauela poca3 a pol*tica.

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@unto com o +airro, os americanos $aviam nos mandado uma i%re"a - sem santos, sem sinos esem cru. A Av! lo%o providenciou o ue $avia sido esuecido. ;om um tra+al$o incans#vel,de porta em porta, ia recol$endo o din$eiro necess#rio >so+ a lem+rança da doença, da mortes(+ita, do acidente de +onde, de lotação ou de trem?, os ue estavam mal lem+rados dauelesterrores eternos do in'erno, cert*ssimos - principalmente para os ue não coçassem o +olso.Para ela, nascida e criada entre catedrais anti%as, auilo 'aia muita 'alta, ac$o.

@# o padre 'oi um pouco mais di'*cil de ser conse%uido. 5 +airro era novo, po+re, distante. Masa i%re"in$a "# estava pronta. Estando pronta e não consa%rada, sem padre, seria muitoprov#vel ue a Av! >não se sa*sse a ;(ria com um sacerdote, em tempo $#+il?, aca+assedando com o costado em Roma. Advertiria o pr!prio =i%#rio de ;risto, o enxame de cardeaisue estivesse presenteB procuraria o apoio da ;on%re%ação Para a :outrina da & e su%eririaa troca do N(ncio Apost!lico. En'im3 ai do cristianismo se auela i%re"a 'icasse, ainda um mêsue 'osse, sem cele+rante.

&oi assim ue, um pouco a contra%osto, dele, apareceu por l# numa tarde ue era uma'ornal$a, o Padre Arlindo. Andava pelos cinKenta e poucos anos, ainda 'orte, um %i%ante em

estatura para auela %ente ue orçava toda pelo seu metro e sessenta, os mais altos.4endo Alm uma espcie de aldeola su+ur+ana, a c$e%ada de um estran$o, mesmo sendo eleum padre, causou al%uma especulação. E começaram as tentativas de adivin$ação.

ns diiam ue auele padre $avia ca*do em des%raça /por ter sido capelão da ;olunaPrestes0. 5utros, davam-no como anaruista +om+ardeador de cares, sem ao menos teremposto os ol$os em cima dele - somente por inspiração. &inalmente, al%uns dos mais anti%os,em conversas de +oteuim e errando um pouco nos c#lculos, acrescentaram-l$e ) +io%ra'iacerto virtuosismo como de%olador, na 8uerra de ;anudos, "# ordenado mas ainda novato napro'issão de dier missas. Ami%o pessoal e con'idente de Antonio ;onsel$eiro.

5 ue não deixava d(vidas era ue Padre Arlindo não %ostava de 8et(lio. :iia-se ue auiloera coisa anti%a, resu*cios da Revolução de Trinta. Num instante correu a $ist!ria pelo +airrointeiro3 o /Pai dos Po+res0, em plena presidência da rep(+lica, $ouvera "#, em pessoa, l$eestendido a mão e acenado com uma mitra. Rece+eu de Padre Arlindo um não redondo - e oconvite para uma +ri%a de 'aca, ali mesmo, no uintal dos 'undos do Pal#cio do ;atete

Nosso padre, ao c$e%ar a Alm, traia a +atina lon%a daueles tempos "# para l# de surrada.4e um dia 'ora ne%ra, começava a +ranuear 1 tanto ou mais ue os ca+elos 'artos do padre.No rosto escan$oado, impava um nari respeit#vel3 %rande, 'orte, uase musculoso. Eraauele o seu mais not#vel traço 'ision2mico. Guase um marcoB um ponto de re'erência para

uem estivesse distante. ;ontudo, auele ue deixasse de lado a ima%inação e ol$asse comva%ar o rosto do nosso novo p#roco 1 uando ele estivesse distra*do -, veria, por detr#sdauela estampa ameaçadora, uns ol$os cansados 1 e ue expressavam al%uma dor ualuer, +em escondida.;$e%ou traendo um peueno em+rul$o, com uns pertences. Esperava-se, a ualuer momento, a c$e%ada de um camin$ão dos %randes - ue traria os con'ortos e luxos do novopadre. Por estran$o ue possa parecer, este camin$ão "amais aportou em Alm.

Esse padre inau%ural era um $omem de :eus pouco dado a meias-palavras, lo%o se viu. Almdo ue, tin$a o $#+ito das interpretaç7es. 4eria uma espcie de descendente direto de outrospadres, mais anti%os, daueles ue ensinavam as coisas com responsa+ilidade - como o

pr!prio Moiss ensinou, ue+rando as t#+uas ue $aviam sido escritas por :eus, de pr!priopun$o, nas ca+eças dos ue $aviam pedido.

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Padre Arlindo parece ter desco+erto, uase dois mil anos ap!s o Advento, uma maneira maise'iciente de servir a :eus. Nada de %lori'icaç7es, de prostraç7es ou de incensamentos. A coisaera simples3 em ve de tudo isso, o ne%!cio era esma%ar o :em2nio, onde uer ue eleestivesse. P2-lo a+aixo de ero, tornar sua existência intoler#vel, desmascarar seus truues 1antes at ue pudesse ensai#-los direitoB ridiculari#-lo, enxoval$#-lo, mover contra esteinimi%o da $umanidade uma %uerra sem tr%uas, sem trinc$eiras 1 e muito menos ;onvençãode 8ene+ra.

4eus serm7es eram admir#veis, di%nos de serem assistidos, inesuec*veis aos ue tiveram aoportunidade de ouvi-los 1 e de "amais esuecê-los. Al%umas vees escaparam dauela +ocao+literada pelo nari 1 uando calada -, uns vituprios ue não tin$am as vedaç7es docomedimento e iam atin%ir diretamente, na $onrade, sem 'i%uras de ret!rica, a pr!pria mãe do:ia+o - se"a ela uem $ouver sido.

Nosso padre, estando disposto 1 ou inspirado pela ira divina - colocava as palavras de umamaneira ue sacudia os +ancos da i%re"in$a, com os cristãos em cima e tudo. Auele $omemesclareceu muita %ente, mudou o pensamento de muitos. :entre os pecados, diia Padre Arlindo, o mais execr#vel o desrespeito ao 4timo Mandamento3 não rou+ar#s.

Ensinava ue um $omem, em estado de '(ria, de indi%nação, poderia at matar 1 um %randepecado. No entanto, este mesmo $omem ue matou por indi%nação ou '(ria, di'icilmentepassaria a rou+ar, somente pelo 'ato de $aver matado. 5 mesmo não acontecia no sentidooposto.;omeçava-se rou+ando >ele não diia /desviando0? al%umas ver+as ma%ras - para osremendos de um $ospital, por exemplo... :a* não se parava nunca mais. Em conseKênciadisto, matar, adulterar, desonrar pai e mãe 1 e todas as demais violaç7es do ;!di%o 1 vin$amcomo um acrscimo simples /ao v*cio in'eccioso e incur#vel de rou+ar0. Mel$or seria nãocomeçarB nunca, "amais desliar para o lodaçal do /pior de todos os pecados0. Era imposs*veldeixar de entender essas $omilias.

Não $avendo not*cias de tal pecado pelas redondeas, exceto o desaparecimento espor#dicode uma %alin$a, de uma ca+ra desacompan$ada, nosso novo sacerdote não tin$a assim tantoo ue com+ater, de emer%ência, em termos de pecados mortais - pelo menos ali, em Alm.

Pelo +airro, de pecado a sanar s! mesmo a lux(ria dos cães de rua. ma sensualidade uenão poderia ser aplacada com o sacramento do matrim2nio - e ue era então desestimuladapor meio de /#%ua 'ria0, se $ouvesse um +alde c$eio ) mão. 5utras vees, arre%açando a+atina empoeirada, Padre Arlindo p2s termo )uelas li+ertina%ens, sem contemporiaç7es.Pelo menos uando $avia o desrespeito da porta da i%re"a.

;om uma +icuda ue denunciava muito "o%o de +ola no semin#rio, l# se iam pelos ares oscasais en%anc$ados.- =ão 'ornicar no uinto dos in'ernos, s*m+olos de 4atan#sFNunca %ostou de cães. Este era o seu maior de'eito, ue eu lem+re.

<avia al%um tempo, Padre Arlindo andava o+servando a $umanidade e o pr!prio :eus. Aca+ou concluindo ue “algumas mudan)as pe*uenas hão de fa+er mais em do *ue mal sescrituras”...  :auele comecin$o em nossa par!uia - idias maduras mas ainda nãodivul%adas -, 'icar# aui a lacuna. 4omente depois, uando Padre Arlindo concluiu seutra+al$o de pensadorLle%islador - e mandou imprimir o Novo Evan%el$o na tipo%ra'ia de 4eu Antero -, ue começaram os pro+lemas ue iriam 'aer dele pr!prio uma 'i%ura +*+lica.

4e a I%re"a ;at!lica Apost!lica Romana A Roc$a, nosso Alm, miseravelin$o, c$e%ou aser, num triste dia, a pr!pria @erusalm de uns dois mil anos atr#s. Mas isto 'oi +em depois.

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5 desentendimento entre Padre Arlindo e o Pai começou nauele 'im de tarde em ue este e aMãe 'oram casados. <avia na 'am*lia do Pai a mania con%ênita das 'umaças da pompa, deuma determinada %randea - não "usti'ic#vel, se"amos "ustos. E isto se mani'estavaexclusivamente no reino vocaularial .

Era no altar e era tam+m o dia do casamento de meus pais. No au%e da cerim2nia, uandoPadre Arlindo 'e a per%unta /aceita como le%*tima esposa...0 o Pai respondeu3

- Per'eitamenteFEra considerado 'in*ssimo na 'am*lia de meu pai dier /excelente0 em ve de +om,/per'eitamente0, em ve de sim, /evidentemente0 no lu%ar de um simples /ac$o0.Padre Arlindo 'e ue não ouviu a resposta e começou novamente a lon%a per%unta. 5 pai nãovacilou e respondeu pela se%unda ve3- Per'eitamenteF@# meio roxo, e se aproximando do ouvido de meu 'uturo pai, nosso padre esclareceu3- C sim ou não, est(pidoF&alou isto em vo moderada, de modo ue somente o Pai e a Mãe pudessem ouvir.Porm, nauilo ue $o"e con$ecido carin$osamente como /dano colateral0, uns convidadosdas primeiras 'ilas >"ustamente os parentes do pai, ue não admitiam palavras c$ãs?,

aca+aram tam+m por ouvir. At o pipoueiro, ue 'aia ponto 'ixo no lado de 'ora e esperava com pipocas doces esal%adas, 'resuin$as, apan$ar o ue pudesse em 're%uesia, disse ter ouvido - e +em -,em+ora $ouvesse, nauele exato instante, um panelão das sal%adas em plena eclosão.

5 Pai, perce+endo o alcance da intervenção, 'oi vin%ativo. E retrucou empostando a vo3- , anal'a+eto, não con$ece os sin2nimosDF

Pronto. Estava 'eita uma inimiade ue duraria, pelo ue sei, at a (ltima ve ue seuscamin$os cruaram. E 'oi sempre por pouco ue os dois não partiram para a luta corporal,previs*vel "#, a cada encontro casual. E, ve"am, sendo os dois %randal$udos, di'*ceis deapartar. 6astava ue se avistassem na rua ou em ualuer outro lu%ar para ue $ouvesseauelas trocas r#pidas3- 4antarrão, papa-$!stias, 'ila-+!ia. 4e não usasse saia...- Por +aixo da +atina, encontrar#s $omem, %a+olaF

No entanto o Padre Arlindo não podia e nem dese"ava 'u%ir )s suas o+ri%aç7es sacerdotais. Alm disso, a Av! tampouco aceitou ue eu deixasse de ser +atiado - em+ora isto ten$aocorrido somente uando eu "# corria, +al+uciava al%umas palavras e 'utucava coisas.

5 Pai conse%uiu remanc$ear um +om tempo. &oi então ue um res'riado +ravo ue tive 'e

min$a alma correr o risco de padecer o casti%o eterno, caso partisse sem o sal da salvação. Apressaram tudo e sortearam os padrin$os entre os tios. Menos de vinte minutos ap!s o meudia%n!stico de morte certa, assinado por min$a av!, "# estavam socando a porta do uartin$oparouial, nos 'undos da i%re"a, comi%o nos +raços. Nove parentes consan%K*neos, +emcontados e capitaneados pela mãe de min$a mãe 1 ue, por via das d(vidas, "# ia num lutoainda mais 'ec$ado ue o $a+itual. Iam acrescentados pelos os namorados das tias, pelasnoivas dos tios, por al%uns ami%os despertados )s pressas, alm dos +ic7es ue, não tendosido convidados 1 e nem tampouco expulsos 1 vieram presenciar o meu des'ec$o.:uas e meia da madru%ada.

Padre Arlindo c$e%ou com os petrec$os de +atiar enrolados na estola 1 e esta, entalada

em+aixo do sovaco da +atina. Parou pr!ximo a pia +atismal e enlaçou o pescoço %rosso com aestola amarrotada. ;ravou então os ol$os sonolentos no cu do teto da i%re"a, mãos postas 1

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mas em atitude de +oxeador. 5l$ava para o vaio e tin$a uma expressão martiriada ue'alava por si3 /por ue, dentre tantos, "ustamente eu, meu :eusDF0

 Assim 'icou, por al%uns instantes, mas 'oi despertado de sua meditação pela pressa ue o Paitin$a. Não a de ue eu 'osse +atiado, mas a de sair dali3- Então, isto não vaiD...- ;omo vai se c$amar o pa%ãoD 1 rosnou Padre Arlindo mirando com o nari%ão a direção de

onde viera a vo detestada - em ve de apont#-lo contra meu padrin$o, ue estava num outrocanto, distante do Pai, de vela acesa na mão.5 Pai mesmo respondeu3- 8et(lio.- Isto não nome de santo, nem de cristão. Muito pelo contr#rio. Não pode serF- Pelo ue me consta, Arlindo tam+m não %raça de santo...- Arlindo de @esus, todos aui sa+em distoF- :# no mesmoF Ainda se 'osse @esus de Arlindo...- Não 'icaria m#sculoF- Mas @esus era casto...- Mas não era 'rescoF @os 8et(lio, eu te +atio em nome do Pai, do &il$o...

- &il$o da putaF&oi o ue 'icou lavrado no livro parouial. Isto depois ue voltamos todos da peuenadele%acia, ue 'uncionava numa casa, i%ualin$a )s outras do +airro - e era comandada pelo4eu Rolin, comiss#rio de pol*cia. Era um vel$in$o manso, ue 'reKentava centro esp*rita demesa, em outro +airro. 4im, em outro. Porue o nosso 'oi considerado solo do =aticano,inviol#vel, enuanto a Av! viveu.

4eu Rolin, ue os 'ora da lei locais c$amavam /4eu Rolin$a0, pelas costas, auela criaturapl#cida ue não passava %rande coisa de seu metro e meio de altura, seuin$o de carnes, eraa pessoa indicada para resolver a uestão ocorrida no interior da casa de :eus. <avia sidomais uma uestão de interpretação can2nica 1 e 4eu Rolin era um $omem de esp*rito - e deesp*ritos -, em+ora a Av! o taxasse de “feiticeiro pedindo in*uisi)ão” .

Meu vel$o san%rava um pouco pelo nari, enuanto o Padre Arlindo não parava de a+anar a+atina, muito do*do nas partes *ntimas.Mas passou. E nin%um 'oi preso. Não $avia celas e nen$uma necessidade delas ali em Alm,nauela poca pelo menos... :e ualuer maneira, o Pai "amais permitiu ue se usasse meuprenome, nem seuer na 'ic$a de inscrição do "ardim de in'ncia, do ;entro 4ocial, al%unsanos mais tarde.Meu pai não era $omem de inter'erir na vida domstica desnecessariamente. :esapareciadurante al%uns meses e se $ospedava na casa de suas irmãs ricas. Isto acontecia uando as

nossas provis7es andavam em +aixa 1 ou se"a3 inexistentes. Mas nisto de nomes, pode-sedier, a%iu sempre de 'orma /acendrada0, como ele mesmo %ostava de dier.

Rua nova

 A esta altura, o leitor deve estar se per%untando 1 e com raão3 /mas... como, o narrador pode,por exemplo, contar em detal$es o casamento de seus pais, o seu pr!prio +atismo e outrascoisas ue ocorreram uando não ele ainda não estava em estado de lem+rar coisa al%umaD0Isto muito simples de explicar.Nauele tempo as 'am*lias eram %randes. E unidas. nidas para o +em e para o mal. Tios etias, muitos primos, todos morando na mesma rua ou nas redondeas.

Não ue deixasse de acontecer um ou outro desentendimento interno, assim, como umpeueno con'lito de 'esta a+or*%ine. Mas, cedo ou tarde, tudo voltava )s +oas. 8eralmente era

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pelo Natal, com muita c$oradeira - e al%uns devolvendo ao c$ão de terra do uintal de meusav!s auilo ue $avia sido tão 'ra%rante enuanto estava no tonel...&oi lon%a a min$a convivência com essa parentada toda. Repetiam essas e outras $ist!rias,com al%umas variaç7es, dependendo do clima. @# o Pai, no curto tempo em ue esteveconosco nunca tocou nesta parte do passado. /In'mia0, diia. E se trancava num silêncio demorte.

 Aviso aui ao leitor ue não pretendo escrever uma 'arsa. :o mesmo modo, nunca uis uemin$a existência 'osse uma 'arsa uixotesca, mal comparando. 4im, mal, porue não ueroo'ender Mi%uel de ;ervantes, pessoa de uem sou admirador e a uem respeitoso+remaneira. Mas 'oi assim mesmo, como estou contando. Não posso mudar min$a $ist!ria.6em ue %ostaria, al%umas vees... 5utras, não.

ns +ocados de neve no tel$adoB patinar no la%o %elado pelo 'im do ano... A lareira acesa e oPai cac$im+ando, 'alando tudo en%rolado e lendo Nietsc$e no ori%inal... Mas não 'oi assim.Meu vel$o %ostava de ler, verdade. Mas s! lia um livro, o (nico ue tin$a, o (nico ue o vi ler todos os dias em ue esteve conosco, antes de via"ar3 a #restiomatia de adagsio &aorda.

 Ac$o ue era ali ue ele apan$ava sua parcela de voca+ul#rio no+re, um pedido ue l$e corriano san%ue. 4a+ia de cor v#rios poemas %randes, verdadeiras epopias, como “eludo, o #ão” ,$ist!ria de um $omem desalmado ue, uerendo livrar-se do cão ue o amava, colocou-o na "an%ada e o a+andonou em alto mar. <oras depois de desem+arcado ) 'orça, =eludo voltouo'e%ante e semimorto. Nadou auilo tudo somente para depositar aos ps do in%rato umamedal$a santi'icada. 4im, a (nica lem+rança ue auele $omem des%raçado possu*a de suamãein$a 'alecida - coincidentemente tam+m uma verdadeira santa, em+ora 'osse mãe decriminoso. &ac*nora e ainda por cima relaxado, porue deixou cair do pescoço a medal$a enem perce+eu, exatamente na $ora em ue 'e o po+re =eludo andar na pranc$a.

Pois +em. Praticado o $ero*smo, no mesmo instante, =eludo morreu aos ps dauele donomiser#vel, um verdadeiro assassino. Trist*ssima $ist!ria. Ac$o ue 'oi o pr!prio monstro,arrependido, uem escreveu o poema.

Não espere, portanto, este leitor ue provavelmente nunca terei, encontrar aui macieiras oucere"eiras. Antes, poder# sim, vir a es+arrar numa "aueira. E ueira :eus não l$e caia uma "aca na ca+eça. Porue elas, uando estão maduras, caem at com certa 'acilidade.

5u então tropeçar num p de "enipapo ou caram+ola, #rvores +em menos peri%osas - e ueera de 'ato o ue mais t*n$amos. Guanto a %alas europias 1 ou americanas 1 a (nica uepoderia aui apresentar o 8ermano, um menino pretin$o, retinto como pic$e, ue a %ente

carin$osamente c$amava de $uando, menos complicado e at parecido. Era um nome lindo,em meio a tantos seasti/es e jos0s. Assim ramos.

Enuanto vou 'alando, o +airro vai crescendo 1 e eu vou "unto. 8ota a %ota, lentamente, masrece+endo sempre novos moradores. ;asa mesmo, dauelas ori%inais, tudo plane"adin$o 1em+ora min(sculo - e espal$adas por ruas numeradas, não $avia mais. Mas espaço livre, sim. At para ruas inteiras, em+ora essas não pudessem rece+er n(meros, porue não eramamericanas. Rece+iam então uns nomes *ndios, estran$os...

Penso mesmo ue, salvo en%ano, a partir do momento ue comecei a me dar conta dascoisas, o nosso lu%ar estava em seu ponto mais alto de desenvolvimento3 o +airro @os de

 Alencar. Esueçam. Alm. Pertin$o da Avenida 6rasil. Nin%um sa+eria onde 'ica o primeiro. A casa de meus av!s era numa das mel$ores ruas 1 em 'rente ao ;inema e perto da praça.Mas a do Pai e da Mãe 1 e, conseuentemente, min$a -, não.

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5 Pai $avia lutado na 8uerra, e a 8uerra $avia aca+ado. Ele teve ue, de certa maneira,recomeçar tudo, arran"ar uma nova pro'issão e um empre%o +om. 4! estava acostumadomesmo era a matar alemão.

&ico pensando, al%umas vees, como este casal ue me trouxe ao mundo 'oi cora"oso edeixou 'alar tão mais alto a vo do amor 1 sem escutar o menor um+ido da raão. Porue o

Pai, alm de 'aer com ue a mãe lar%asse o +om empre%o ue tin$a, numa '#+rica, não p2deocupar o seu lu%ar - e nem o de outra pessoa ualuer. Pelo menos nesta '#+rica, ue, diia aMãe, pa%ava-l$e em ouro puro 1 porue era americana.

Neste ponto o cinema, ue 'icava "usto de'ronte ) casa de meus av!s, como "# devo ter dito - eprovavelmente aca+arei por repetir -, 'oi uma verdadeira maldição.Porue as 'itas, como costumavam c$amar os 'ilmes nauela poca, eram um dil(vio deromantismo siderado. Nessas 'itas, o amor sempre vencia 1 at de+aixo de uma pal$oça,tendo a mocin$a a+andonado um reino inteiro. 5 $er!i, então, a+andonara no m*nimo umimprio de uma d(ia de coroas com seus respectivos tronos. 4eu pai, o %rande imperador,não ia com a cara da mocin$a.

Nin%um 'icava vel$o, nin%um 'icava %ordo, nin%um sentia 'ome. Era o amor, em lon%ametra%em3 cento e vinte minutos, uando muito... Tirando /E o =ento 9evou0 1 e poucas outrasexceç7es. Mas ue estra%oF

 Auilo entran$ava no san%ue, tomava por completo almas inteiras. m *ndio poderia viver todasua vida, tranuilamente 'eli com sua *ndia ou com suas vinte *ndias. @amais es+arraria>muito menos conse%uiria compreender, se es+arrasse? com conceito de amor ue 'oiinoculado por <ollHood em incont#veis multid7es de almas simples. Pois, penso eu3 tra%am-me este *ndio na idade certa, dêem-l$e al%uns in%ressos e uns sacos de pipocas - e estar# opo+re de'initivamente perdido.

Pois sim. ;ompraram a mo+*lia com o din$eiro da indeniação da Mãe e com a venda deal%umas das medal$as do pai, ue eram valoriadas nauela poca. E 'oram morar numa dasnovas ruas do +airro, ainda em construção. :esta rua ue datam min$as primeiraslem+ranças do mundo.

Nossa rua começava muito +em, muito direita, "ustamente na praça. Ia su+indo suavemente,com seus paralelep*pedos acinentados, at atin%ir o ponto em ue 'icava realmente *n%reme .m tanto mais e, depois, estava atin%ido o cume. :a*, sim, podia-se descortinar o restante ue'altava. Pouco alm dauela +arri%a - ue o terreno 'aia a rua ter -, aca+ava o calçamento etam+m al%umas outras coisas, como, por exemplo, os serviços de es%oto, de #%ua

canaliada e at a visão do restante do +airro.  medida ue a rua descia, depois do seu ponto mais alto, mais novas e mais recentes eramas coisas. At c$e%ar l# no 'im, +em lon%e, e ser +arrada por uma espcie de 'loresta semdono. Por detr#s da 'loresta, coisa ue sempre %ostei de ver, o aul do Maciço da Pedra6ranca. Parecia tão pr!ximo ue a %ente c$e%ava a pensar poder tocar com a mão auelamontan$a alta, tão alta ue c$e%ava a ser mais alta ainda ue as pr!prias nuvens. Mas, medisseram, 'icava lon%e.

Estava diendo ue $avia %ente nova c$e%ando. Pois era isto mesmo o ue estavaacontecendo. :entre os primeiros a c$e%ar, antes mesmo dos meus av!s, estavam os

portu%ueses - com suas padarias, açou%ues, mercearias, +oteuins e +aares po+res. Eleseram os nossos patrícios, tratados com este carin$o de modo a a%Kentar mais um pouco o

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pendura e, se poss*vel, aument#-lo ainda um nadin$a - "# ue a +arri%a %rita, sempre, e odin$eiro, ue +om mesmo, nadaF

Não eram $omens maus, em+ora, em comum, tivessem os costumes da avarea. C claro ue$# muito se aca+ara auele tempo de ir fa+er o 1rasil . Ainda assim, conse%uia-se com umtra+al$o insano, al%uma espertea e $#+itos miser#veis, uma ou duas vilas de casin$as$umildes, uma padaria c$eia de moscas ou o euivalente em +oteuins in'ectos.

Na maioria das vees, "untado "# o rico din$eirin$o 1 pelo menos o su'iciente para não ser mais necess#ria tanta a+dicação, tantas privaç7es - continuava l# o patr*cio nos tamancos, na(nica calça pu*da e enrolada at pouco a+aixo dos "oel$os, vivendo de couves com +atatasnum caldo parcamente acrescentado de um pedacin$o de toucin$o 1 ou de meia c$ouriça, emdias de re%oi"o. Poucas vees ou nunca trocando a camiseta sem man%as, por causa daestação (nica - a t!rrida 1 e do princ*pio ue diia /auilo ue sai >o din$eirin$o?, não entra0.5ra, poisF

Noves 'ora, porue nin%um de 'erro, uma roupin$a de ir ver :eus e, uiç#, durando, "# ue:eus %rande - e tem mais para dar do ue o :ia+o conse%ue tomar -, aproveit#-la ainda,

para não 'aer despesas >e em ue $oraF?, indo com ela mesma de volta aos +raços do;riador, dentro de um daueles caix7es roxos ue eram 'ornecidos pelo 4eu :elp$in, da&uner#ria, portu%uês do Al%arve.

Tanto era assim ue o Pai, estando ) procura de um local para construir o seu nin$o - e uenão 'osse muito caro -, encontrou-o "# pronto, +em no 'inal dessa rua de ue estou 'alando,'eita numa vila e acompan$ada de outras uatro casas, %eminadas, novin$as em 'ol$a e ue$aviam sido constru*das pelo %alego, nosso sen$orio portu%uês - ue o Pai considerava ser omaior de todos os ladr7es do mundo.

5s viin$os de rua, em sua maioria, era %ente recm-c$e%ada de lon%e. Al%uns tin$am vindodo sertão, um sertão misterioso, de verdade, ue ainda existia nauele tempo. Pois não $aviano mapa do 6rasil um monte de lu%ares 1 representados por c*rculos ne%ros - ue /nem osin%leses tin$am "# posto o p0DF E isto na vo da pr!pria Mãe, uando estava em dia de$ist!rias. Nin%um sa+ia seuer como c$e%ar l#. Pa*s imenso.

Neste recanto isolado do +airro $avia se 'ormado um %rosso caldo onde tudo uanto tipo desan%ue estava misturado, em mostru#rios vivos, impressionantes. As mais improv#veismesclasB inextric#veis or%aniaç7es 'isiol!%icas, raças so+re raças ue $aviam dadoresultados insond#veis, impens#veis, "amais vistos >isto 'iuei sa+endo depois?. Atimposs*veis seriam - não estivessem, ali, se movendo.

 A maior parte tin$a vindo do Nordeste. E a %ente diia3 “fulano veio do 2orte”. 5s do sertãoc$e%avam traendo, em caixotes com tela de arame de %alin$eiro, as suas co+ras vivas,venenosas e diversi'icadas. =erdadeira ale%ria para os ue nunca tin$am visto, como era meucaso. 4erpentes com desen$os lindos nas costas, +em-nutridas e com a l*n%ua +i'urcada emação, uando não estavam dormindo. Pena ue estavam, uase sempre, adormecidas.

Para um su"eito ue uisesse de 'ato pe%ar um daueles +ic$os acordados, ver o peri%o deperto, ali, na cara, apenas separado por uns 'ioin$os de arame, s! indo v#rias vees tentar. Assim mudaram de mãos verdadeiras 'ortunas em moedin$as, das peuenas, porue era oue custava para vê-las. Eu, como sempre, dei muita sorte.

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Isto, ue era uma coisa maravil$osa, muito mais at ue o tatu couraçado ue a :onaMinervina criava no 'undo do uintal, com todo carin$o, a leite com a+!+ora coida, podia ser visto ao preço de uma moedin$a de cinco centavos - ue eu invariavelmente não tin$a.

5s do /Norte0 traiam suas redes, muitos 'il$os, suas m(sicas dentro das san'onas, v#riasreceitas de comidas descon$ecidas e !timas, alm do sotaue e da saudade - ue eramimensos, am+os. ;oisa de não aca+ar nunca mais.

 Ali, nauela rua ue apenas começava sua vida, a atmos'era tin$a um c$eiro 'orte de man%aexcessivamente madura, de 'lores ue não paravam de eclodir, en"oativas atB de plantas+ravias descon$ecidas, e, principalmente, de al%o estran$o, ue eu não sa+ia dar nome.4omente anos mais tarde ac$ei um ue se aproximasse do ue eu sentia3 exotismo.

 As casas eram di'erentes umas das outras e plantadas em terrenos de taman$os variados 1al%uns tão %randes uanto c$#caras, "# outros nem tanto. <avia uma ou outra casa de madeira 1 ue não c$e%ava a ser de 'ato +arracão, +em a"eitadas at - e ue $aviam sido constru*daspelos pr!prios donos, com tel$ados de inco.

:e comum t*n$amos uma vala em cada lado da rua, para recol$er as #%uas despe"adas pelosmoradores. Auele territ!rio alternava uns trec$os de +arro vermel$o, macio e escorre%adio,com outros de lama ne%ra - pe%a"osa nos dias de c$uva e poeirenta nos demais. E +em l# no'im da rua, onde se "o%ava +ola, $avia um trec$o ue era de pura areia, da mais alva, at ondese cavasse.9u%ar +om para rou+ar-se o a+iu e o couin$o de catarro, no terreno dos outros. Ali as #rvoresnão eram muito altas, ) exceção de uma ou outra. A rua 'ora, por sua ve, rou+ada ) peuena'loresta ue $avia ali perto. 5s novos moradores $aviam deixado poucas das #rvores ori%inais 1 e plantaram as suas, pr!prias, dependendo de onde 'ossem oriundos. ;oisas do %osto+otnico.5 4ol causticava-nos com a sua m#xima inclemência, dia ap!s dia, o ano inteiro. <avia, napoca certa, os temporais impressionantes, torrenciais - e ue seriam inesuec*veis se, no diase%uinte, "# não estivessem esuecidos. Tudo seco, de novo, ou apenas enlameado.Restavam umas casas ue $aviam sido inundadas - com perda de utens*lios e de, v# l#, um eoutro $a+itante. Então a 'ornal$a voltava a ser acesa, com '(ria redo+rada, para reco+rar otempo perdido. Era esta a re%ra.

 As valas ue nos rece+iam os tri+utos eram, por sua ve, tri+ut#rias de um valão maior, ueatravessava nossa nova rua em sentido perpendicular. Isto, claro, exi%ia uma ponte 1 ueera somente um arran"o mal 'eito de troncos apodrecidos, sem %uarniç7es laterais. Por causadisso, o camin$ão do %#s 1 ue nos visitava semanalmente -, não passava dauele ponto da

rua. Este valão ia na direção de outras ruas novatas, sempre recendo novos tri+utos, at ir perder-se num riac$o ue nunca desco+ri. 4uas mar%ens eram tão densas em mata%al, emco+ras, em sapos venenosos e, diia-se, em "acars 'amintos, ue 1 'osse um menino searriscar a se%ui-las para ver onde iam dar 1 seria, l# ele, mais um menino desaparecido parasempre.

Rua ue não rece+ia carros e ue não possu*a coleta de lixo 1 como as americanas, do +airro.5 lixo era vaado num terreno +aldio, ) +eira do pntano 1 ue nin%um ousava atravessar.5s meninos, por outro lado, reuniam-se ali, na montan$a de lixo, sempre ) procura de coisasaproveit#veis 1 ou simplesmente interessantes. Era uma espcie de ponto de encontro, muito'reKentado, dos mais 'reKentados pela molecada local.

Passavam por ali, claro, as carroças ue vendiam a #%ua sanit#ria, a laran"a, a mandiocarecm-col$ida e ainda c$eia de terra ne%ra, a +anana em toda a sua %rande 'am*lia, a

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mexerica 1 e at as carnes3 san%rentas e 'eromente atacadas pelas nossas moscas, de todosos taman$os e cores ue existem.

Nauele tempo as pessoas eram muito dadas a morrer e tam+m a nascer na pr!pria casa.Guando morria al%um, um corte"o carre%ava o caixão at o ponto onde a%uardava o carrão'(ne+re do 4eu :elp$in, o temido ra+o de peixe, ne%ro, todo en'eitado de cortinin$as roxas.:ali eram duas ou três voltas na pracin$a, )s +uinadas e exatamente como nos casamentos

de s#+ado. :epois, o cemitrio e a eternidade - ue 'icavam lon%e do +airro.

Tam+m "# ia me esuecendo de contar ue $avia dois irmãos e uma irmã em min$a vida. Euera o mais novo e eles me atrapal$avam a existência - numa disputa incessante por ualuer coisa ue eu estivesse se%urando, 'aendo ou somente ol$ando. Eram (teis, no entanto,naueles momentos em ue a Mãe sa*a e nos deixava trancados em casa, soin$os.6ons readores e !timos c$oradores, como eu, a"oel$#vamos e re#vamos para ue a Mãenão 'osse atropelada por um carro ou estraçal$ada por um camin$ão des%overnado.

Porue tivemos, desde cedo, um sentimento do terr*vel, do tr#%ico, do desesperador, ue aMãe nos inculcou, )s manc$eias, "# ue ela tin$a isto de so+ra. ;omo, nesta etapa, a das

ladain$as $orroriadas a uatro, eu era muito peueno, isto me 'icou como uma experiênciainesuec*vel, a mesma por ue deve passar uma pessoa, viva, 'lutuando sem +arco no meiodo oceano e sa+endo ue est# s!, a mil$ares de uil2metros da mais pr!xima nes%a de terra.

@# nauela poca eles tin$am começado a +ri%ar, 'eio. As contas c$e%avam e não tin$amcomo ser pa%as. Mesma coisa era a di'iculdade de a %ente ir continuadamente ) mercearia etraer o ue era indispens#vel, se o portu%uês "# $avia esuecido a (ltima ve em ue nos viraa cor do din$eiro.

5 Pai não era de +e+idas, nem de mul$eres e nem dos cavalin$os do @ocOeH, como por exemplo o 4eu <er#clito, da ;asa :ois - ue uma ve perdeu o (ltimo uilo de arro da'am*lia, tra*do por um aarão ue podia tê-lo deixado milion#rio.

Não. 5 Pai parecia al$eio a n!sB nem mesmo descontente. Talve estivesse ansioso por voltar a %uerrear. 5u $ouvesse desco+erto ue, a'inal, a vida compartil$ada com tanta %ente assim,peuena, +arul$enta, dispendiosa - e ue não servia seuer para %uarnecer um can$ão, dospeuenos -, era imposs*vel de ser cumprida. E suas ausências 'oram aumentando, seestendendo. Guando aparecia, 'aia verdadeiros mila%res com uma (nica ce+ola, seca, vel$a.ma sopa ue parecia at +astante +oa, um truue aprendido com os prisioneiros alemães.Guanto ) Mãe, nesses re%ressos, ela mostrava-se possessa e reclamava, %ritava, 'alava $orase $oras sem cessar, entrando pela madru%ada adentro, at ue, num ponto, auela indi'erença

do Pai se trans'ormava em '(ria. E n!s, crianças, t*n$amos muito medo.

5 tel$ado

:epois de nossa casa, ue 'icava no 'undo da vila e era a (ltima, ou a primeira, vai de acordocom o ponto de vista, $avia um muro alto. Por detr#s desse muro começava um c$arco, umcapinal alto onde o solo de lama ne%ra, rica, cedia at atin%ir os "oel$os de um $omem -desde ue este não 'osse muito %ordo. Era a min$a c$arneca. E era um territ!rio realmente%rande, ue s! ia terminar l# para as +andas de uma outra rua, paralela ) nossa e ue

tam+m estava em começo de vida, menos povoada no entanto.

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Eu era leve, a'undava pouco ali. Interessava-me +astante pela população de %rilos, de%a'an$otos, "oanin$as das mais lindas, lavadeiras de cores surpreendentesB pelas rãs e sapos,seus parentes pr!ximos, eu especulava. Mas, principalmente, ao anoitecer, era preciso andar pelo meio das nuvens de va%a-lumes, estrelas visitantes ue me causavam uma admiraçãoestran$amente pro'unda numa criança.

Pre'eria ver um va%a-lume riscando a noite, vivo, do ue riscar a camisa com um deles 1 e

mat#-lo. Era o ue 'aiam os outros meninos da rua, meus inimi%os de san%ue. &icavam l#, naroupa, os riscos luminosos +em vis*veis na escuridão permanente de nossa rua. E uns tantosva%a-lumes mortos, sem mais %raça al%uma. Tudo por uma diversão passa%eira, ue era lo%oesuecida - no a'ã de apedre"ar-se um %ato ue ia passando, ou amarrar-se uma +uc$a depano em+e+ida em uerosene no ra+o de um vira-lata manso, sem dono, e atear 'o%o paraacompan$ar, num 'renesi cani+al, o so'rimento do coitado. Isto me des%ostava +astante. Elo%o, passei a odiar de morte aueles viin$os.

Num Natal, o Av2 nos presenteou com uatro passarin$os, numa (nica %aiola - e este 'oi o seumaior en%ano. Era o ue o vel$o podia 'aer3 aposentado pelo Instituto, muito mal aposentadopor sinal. 5s p#ssaros $aviam sido o+tidos de %raça, na roça, nauelas caçadas costumeiras

do Av2. As %aiolas ele mesmo 'aia, com maestria.

Esses p#ssaros, peuenos e colorid*ssimos, não eram de cantar - e muito menos erampassarin$os de comer, como os pardais, os pom+os e as rolin$as ue os moleues da ruamatavam, com seus estilin%ues e pontarias assassinos. Eram m!dicos +iuin$os de lacre, uma+elea de se ol$ar, mas in(teis aos passarin$eiros avançados, apreciadores do canto.

Eu diia ue o Av2 $avia cometido um en%ano. E 'oi. N!s, crianças, seus netos, "# est#vamoscom nossas almas doentes - e +ri%#vamos o tempo inteiro. :urasse o ue 'osse o dia, ou oano, est#vamos +ri%ando. 5 tempo todo.

;rianças eu con$eço - elas +ri%am de 'ato, )s vees. 5utras con$eço ue passam toda ain'ncia sem praticamente +ri%ar com nin%um. Tive 'il$os e todos passaram pela min$a mão,desde a mais tenra idade - em coisas de ouvir $ist!rias na $ora de dormir, de con$ecer #rvores, riac$os, roc$edos, +ic$os e assom+raç7es extintas. Não. Não ramos criançasnormaisB est#vamos en'ermos da alma, mais ainda ue do corpo, al%uns.

:ar-nos uatro passarin$os numa (nica %aiola 'oi o mesmo ue soltar um escorpião dentro deuma mala onde estivesse trancado, por exemplo, um anão contorcionista. 4e 'osse cadapassarin$o em sua pr!pria %aiola daria no mesmo.

:estru*da a %aiola, pouco depois ue o Av2 'oi em+ora, "# $aviam os p#ssaros retornado )li+erdade, talve $orroriados >uem sa+eD?, com o ue $aviam presenciado e vivido. Poucotempo porm durou auela li+erdade. Menos de cinco minutos depois de terminada a luta'uriosa ue $ouvera entre n!s, 'ui ) rua, pensando no ue $avia perdido.

@# estavam os uatro, en'ileirados no c$ão, com as ca+ecin$as ensan%uentadas. A+aixei-mepara ol$ar, tentando a+rir espaço entre auele monte de outras ca+eças ue rodeavam asaves mortas. Guando conse%ui, depois de ver de perto o ue $aviam 'eito e antes de levantar a ca+eça, apan$ei-me num c*rculo 'ec$ado de ol$os es+u%ul$ados, +ocarras animalescas -a+ertas em sorrisos perversos, +oçais, mali%nos. Não era o sorriso daueles ue se divertem.Era a expressão da maldade, tosca, %ratuita - ue vin$a do nada, ou ue vin$a de um a+ismo

de ne%ror ue aueles meninos "# traiam em seus coraç7es perversos. Estavam, em idade,tão verdes uanto eu pr!prio. E "# estavam prontos para auilo ue seriam, vida a'ora.

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5 pntano era, de al%uma 'orma, somente meu. A rua propriamente dita, no lado oposto, eraum territ!rio $ostil. 6andos de meninos passavam seus dias ali, "o%ando +olas de %ude,rodando o pião, caçando passarin$os com a atiradeira, soltando pipas 1 uma paixão ueraiava a loucuraF E tam+m "o%avam +ola, +rincavam nos violentos espancamentosconsentidos ue eram o jogo do garrafão e o da carni)a. <avia tam+m toda espcie de pe%a-pe%as3 piue-esconde, piue-t#, piue-alto, piue-+andeira. ma in'inidade.

- 4imples, ue a carniça nossaF- 4implesF Assim comandava o mestre a +rincadeira da carniça. Poderia si%ni'icara al%o como /atenção,sentidoF0 A criançada participante respondia a esta saudação3 +raço direito estendido so+re acarniça 1 ue "# estava em sua posição3 a%ac$ada, como /de uatro0, mas sem ue as mãosc$e%assem a tocar o c$ão. E assim, saudada por tantos +raços direitos uanto 'ossem osparticipantes da +rincadeira, não deveria sentir o contato de nen$uma dauelas mãos. Atauele momento isto era proi+ido. E ai de uem tocasse a carniça.- ummmmm... 1 puxava o mestre um resmun%o ue era uma espcie de encantamento, deconcentração.

- ummmmm... 1 'aia o %rupo em un*ssono, sempre com os +raços esticados so+re a carniça,sem toc#-la. 4omente ener%iando a criatura...- Eu dou, nin%um d#FE nisto, o mestre cravava uma dedada 'irme entre as costelas da criança a%ac$ada... A carniçapodia %ritar de dor. Podia c$orar, se 'osse maricas. Mas 'u%ir, neste momento, não. :e "eitonen$um. Porue os outros 1 ue não tin$am nome al%um atri+u*do nesta +rincadeira, como/carniceiros0, por exemplo, 'aiam um c*rculo 'ec$ado ) sua volta.- ummmmm... Eu dou, nin%um d#FE era outra dedada 'orte, do mestre, exclusiva, cravada no entremeio de duas costelas mal'ornecidas de carne, com os dois dedos de espetar.Este ritual de começo de +rincadeira era, por assim dier, mais psicol!%ico ue +rutal. Poruea +rutalidade não demoraria a começar.- ummmmm... Eu dou, nin%um d#FE neste, ue +em podia ser o uinto >ou o dcimo? /ummmm0..., al%um se precipitava ecravava tam+m os dedos ansiosos na carniça. A 'alta %rave.5 comando $avia sido /eu dou, nin%um d#F0B somente o mestre poderia cutucar. 5 precipitadotomava então, imediatamente, uma saraivada de sopapos e c$utes dos demais participantes. A +rincadeira prosse%uia nos seus preliminares. At ue, 'inalmente3- ummmmm... Eu dou, todo mundo d#F

Era a cele+raçãoF 5 momento tão esperado3 uma saraivada de dedos in'antis nas costelas da

carniça. Al%uns aproveitavam e espetavam seus dedos em outros lu%ares, variados e aindamais sens*veis da carniça. @# outros, por seu turno, vendo ue auela etapa da +rincadeiraestava terminada 1 e ue a carniça teria ue ser /rea"eitada0, posta novamente em posição -,aproveitavam para plantar pontaps 1 tanto na carniça como nos seus desa'etos ocupados eentretidos em espanc#-la.

 Assim prosse%uia a +rincadeira, a%ora com toda a variedade de itens 1 uns repetidos, outrosesuecidos3 +rincava-se a carniça uase todas as noites 1 e era um +rinuedo exclusivamentenoturno, "# ue o dia era das pipas e da +ola. <avia o /amassar +a(0, em ue os participantesentravam em 'ila para, tomado o devido impulso, atirar-se aos rins da carniça, como uem seatira num so'#, sentando-se com toda 'orça poss*vel.

=in$a o /escrever cartin$a para a namorada0. m anacronismo "# nauele tempo, porue seusava a caneta anti%a, dauelas de pena e tinteiro. 5 missivista da ve 'aia de conta ue

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escrevia ) sua amada. Ia ra+iscando com o dedo as costas da carniça 1 enuanto, em voalta, compun$a o texto, repleto de o+scenidades. medida ue a tinta ia aca+ando no +ico dapena, uma dedada no cu da carniça 1 ue era o tinteiro 1 'ornecia tinta, %ritos e risadas.

5 /tirar #%ua da torneira0 consistia em 'in%ir um copo, com uma das mãos, enuanto a outra%irava a +or+oleta da torneira - ue era a orel$a da carniça. <avia criança ue conse%uia, noa'ã da sede, dar uase uma volta inteira no a+ridor de torneira da carniça.

4e%uiam-se v#rias outras provas, num crescendo de violência, at ue a +rincadeira aca+ava,por dispersão simples, por incapacidade '*sica da carniça 1 ou por uma mudança no 'oco dasatenç7es3 uma +ri%a ue começasse em outra parte da rua.

<avia, em outros lu%ares do +airro e em outros +airros 1 e isto eu vi depois -, o concurso paraver uem saltava mais distante, alm de uma lin$a traçada no c$ão. Guem saltasse maislon%e, era o mestre. Nesses outros lu%ares ocorria a +rincadeira ori%inal3 pular a carniça eaplicar uma srie de casti%os relativamente +randos ) v*tima. Mas ali não3 nauele 'im de rua,era a rudea, a cruea dos pais 'alando atravs de seus 'il$os.

Essas crianças encontravam-se em diversos patamares de idade. Iam desde aueles uetin$am dois ou três anos de idade e estavam "# desmamados o su'iciente para andaremsoin$os, por onde +em entendessem, %eralmente nus, at aos molec7es de uatore anospara cima, "# $omens perversos - uase todos. Tratava-se de uma perversidade natural,espontnea, inata e talve ancestral. Imemorial.

Meu encontro com esse +ando de crianças, 'il$os de outros pioneiros da rua, 'oi semel$anteao da p!lvora com a c$ama. Não ue eu me sentisse mel$or ue ualuer um deles. Pelocontr#rio, t*mido ao extremo, desde lo%o 'icou claro para mim ue todos eles me odiavam eue me consideravam um in'erior - e um estran$o inaceit#vel.

Essas coisas 'oram acontecendo naturalmente, sem escol$a, sem premeditação. 5 uepoderia premeditar um menino por perto dos cinco anos de idade neste campoD Pois 'oi "ustamente por esta idade ue comecei a notar essas coisas3 não 'aço parte disto, eu nãouero isto.Nas vees em ue ouvi 'alar so+re lu%ares descon$ecidos, aueles ue nem os in%leses$aviam pisado... Pois +em3 isto completou um acorde ue "# ressoava dentro de mim. Talve+aixin$o, talve de maneira desa'inada3 ueria ser um via"anteB talve um $er!i. Eu não ueriaser i%ual )ueles meninos3 a eles, não aceitaria seuer como carre%adores dos caixotes deprovis7es nas min$as 'uturas expediç7es de desco+rimentos... 4oou então um acordecompleto, per'eito3 est# a min$a m(sica. =ou toc#-la, custe o ue custar... E touei, de 'ato.

Não me a+stin$a completamente de 'reKentar a rua - isto seria imposs*vel. Exceto nosper*odos de %uerra declarada contra o restante da molecada. Nessas ocasi7es, at a min$ao+ri%ação di#ria de ir comprar o pão, na padaria da praça, tornava-se impratic#vel. E, apesar das surras da Mãe, eu não ia. A Mãe, pelo menos, era uma s!.

5 certo ue não me interessava 'reKentar auela sociedade. Pois, se eu $avia desco+ertocoisa muito mel$orF Pelo contr#rio, estava interessado era em expandir meu territ!rio - at aserra ue avistava dali. Parecia +em pr!xima3 uma montan$a alta ue su+ia, a+ruptamente, doplano em ue est#vamos at mais de mil metros de altura. 9# no alto, alternavam-se umas

do+ras no relevo, coisa mais linda, de at parecer son$o. Apesar de a ve%etação ser completamente cerrada, sem 'al$as, sem vaios entre as #rvores 1 ue pudessem ter sidopintados de aul por al%um -, do ponto em ue mor#vamos nunca vi auela montan$a em

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outro tom ue não 'osse o aulado. Eu tin$a ol$os a%uçad*ssimos e estava certo. Erarealmente uma montan$a aul.

 As mul$eres de nossa rua, depois de preparado o "antar, colocavam cadeiras diante das casaspara descansar um pouco, tomar a 'resca e conversar. Nesses momentos ue soltavam asmeninas, so+ vi%ilncia. Mas não $# vista materna ue dê conta de tanta criança correndo,numa rua escura, c$eia de mata%ais. E cedo, +em cedo, senti a 'is%ada intensa de ver e de

tocar auilo tão precioso, tão misterioso, tão pro'undamente interessante - e ue eu nãopossu*a de meu.Em suma, não sei se isto ocorre em toda parte, mas, ali, auelas crianças, desde +empeuenas eram interessadas em todo o tipo de "o%os sexuais pueris. <avia at uma menina,de uns nove anos de idade, ue era motivo de 'ilas. E toca esperar. 5s pr!prios moleues demais de de anos não dispensavam.- oc3 não, #himica. &u 0 muito pe*ueno. >era a pr!pria, 'aendo uma tria%emF?- Aaaaaaaa!  >%ritando e c$orando ao mesmo tempo? $ua puta vagaunda! Eu fi*uei na fila! ou contar pra minha mãe, aaaaaaaaaa! Arromada! Eu tam0m *uero, aaaaaaaaaa! Rece+ia era vaia. Em resposta, pedras.- &u não, #avalo, *ue isto pega...

;oitadoF Era o #avalo de 4ndio, ue tin$a vitili%o. 4aiu mudo, $umil$ado, depois de meia $oraou mais ue esperara na 'ila.

Não se tin$a pa ali e lo%o resolvi não voltar mais. 5s irmãos Picurruço e Micuç(aterroriavam a molecada inteira, incluindo al%uns dos mais vel$os. E ainda $avia o ;$aruto,ue, soin$o, nos seus uine anos, aterroriava não somente a rua inteira, mas tam+m, delam+u"a, a pr!pria dupla de irmãos valent7es, alm de al%uns adultos e vel$os, mul$eres emeninas de todas as idades, essas sem uma (nica exceção.

Eu era aterroriado por todos e não aterroriava nin%um. Não era um menino cora"oso,em+ora tam+m não 'osse um covarde. Era uma uestão numrica e de estatura. At o (ltimominuto do (ltimo dia ue morei nesta rua - e "# em cima do camin$ão ue levava nossascoisas dali para a casa do Av2 e da Av! -, tive ue de'ender-me das $ostilidades.

<av*amos 'inalmente sidos despe"ados por um so'rid*ssimo %alego - ue nen$uma ve, emtodo auele tempo, teve a satis'ação de rece+er, um mês ue 'osse, o alu%uel ue esperavarece+er pela casa em ue mor#vamos. Na carroceria a+erta do camin$ão, 'ui lutando comopude, entrinc$eirado atr#s de um colc$ão de capim seco uando necess#rio - e passando paraa +orda, ao ataue, uando era poss*vel. At ue o ve*culo tomasse al%um '2le%o 1 evelocidade. A (ltima cena ue trouxe dali 'oi auele +ando de moleues com aspecto demon*aco ue

tentava uma a+orda%em ao camin$ão da mudança. E a perda da panela de alum*nio deestimação da Mãe - ue era (nica e coin$ava na pressão. &icou cravada na ca+eça de umdeles, como um c$apu ue não uisesse mais sair, porue entalara no nari - +oa cun$a, ueprendeu +em. m excelente tra+al$o.Esta panela, a mel$or entre as ue t*n$amos, deixou de si em min$as mãos - peuenas masdecididas -, apenas seu ca+o preto de %alalite. Mas, a'inal, o ca+o soin$o não serve paranada. Nem para 'ritar um ovo. Então deixei-o plantado entre as am*%dalas de um outrodaueles meus inimi%os. A Mãe, desconsolada - e depois de me aplicar-me uma surra completa - ainda voltou l# outrodia, tentando recuperar a Marmicoc perdida. Guase apan$ou, +em 'eitoF Não me co+riu demanc$as roxasDF

- 5ra, sua vacaF 4e tive ue c$amar o 'unileiro para ue me desentalasse o %arotoF @# iadando como morto o meu TiãoF E ainda uer a panelaDF 4uma-se daui, miser#velF Apan$ei de novo, uando ela c$e%ou em casa.

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5 mesmo muro ue dava acesso aos meus dom*nios no c$arco me deu, uase como umpresente de surpresa, primeiramente o simples acesso ao tel$ado da vila. m tel$ado extenso, "# ue as cinco casas eram unidas. :epois tam+m, e muito mel$or, deu-me a c$ave do;astelo, da min$a 'ortalea secreta.

:esco+ri um +om meio de su+ir ao tel$ado, o ue, di%a-se de passa%em, não era coisa para

ualuer um. <avia ue ser ex*mio trepador. Então passei a des'rutar de uma vista mel$or dac$arneca e da montan$a. :ali podia tam+m o+servar todos os desa'etos ue tin$a. m pontoprivile%iado, em+ora exposto.

E com ue praer, do alto do tel$ado, cortei as lin$as de pipas ue estavam tão altas edistantesF Assumia o controle delas - não somente para des'rut#-las, mas, principalmente, para'aer um ou v#rios daueles inimi%os c$orar, %ritar, rolar na poeira ou na lama, dependendo dameteorolo%ia. Mas isto se revelou uma estrat%ia imper'eita e motivou mais de um cercoprolon%ado e di'*cil. Parei, portanto, de retaliar desta maneira o inimi%o 'an#tico. Eu $aviacompreendido ue auela vanta%em era inconveniente. &oi então ue desco+ri o ;astelo.

m dia, explorando o tel$ado, aca+ei por soltar uma tel$a. 4aiu inteira, sem uma (nicalasuin$a ue+rada. Tendo sa*do uma, a se%unda 'icava '#cil de ser solta e revelava oesueleto de madeira ue suportava as tel$as. Três tel$as retiradas, no local certo, me 'ieramo conuistador de toda a la"e da vila. A primeira ve 'oi al%o deslum+rante.

 A lu ue se in'iltrava por entre os pontos em ue uma tel$a encaixava em outra, dava )uelelu%ar o luxo de uma catedral, coisa eu nunca tin$a visitado at então. E ainda desco+ri umaespcie de dep!sito com restos de madeira, canos, tel$as so+ressalentes, ti"olos ue $aviamso+rado das o+ras de construção, tudo +em or%aniado num dos pontos dauele meu novodom*nio.

Guando ueria sair e deixar o tel$ado lacrado, sem vest*%ios de meu esconderi"o, +astavarecolocar as tel$as no lu%ar. Tornei-me $#+il em retirar e colocar as tel$as sem ue+r#-las, "#na poca em ue 'i a desco+erta maravil$osa 1 tão cedo ue ainda tin$a, vir%ens dosprimeiros +ancos escolares, as n#de%as ma%ras. Mais tarde, l# para adiante dos oito anos, ue eu iria viver uase o dia inteiro ali. E al%umas noites tam+m, nauele meu (ltimo re'(%io,nesse ;astelo ue desco+ri tão cedo, uando ainda via letras e palavras escritas como unsdesen$os curiosos e intri%antes.

Incêndios

E 'oi +om. &oi uma verdadeira salvação. Porue o Pai e a Mãe a%ora discutiam o tempo todo.6astava o Pai c$e%ar, ) tardin$a, da sua procura de empre%o. Aos poucos, a Mãe $avia setornado uma pessoa di'erente. Principalmente comi%o, ue era uma espcie de c!pia'ision2mica involunt#ria do Pai. Passou a surrar-me com uma vara de %oia+eira, numas surrasdemoradas e 'uriosas. ;$amava-me, nessas ocasi7es, pelo nome do Pai 1 e não pelo meunome. Ela c$e%ava ) exaustão, enuanto ue eu aos 'erimentos ue custavam a sarar. E istose não $ouvesse outras surras, mais ou menos i%uais e em dias su+seKentes - o ueaumentava ainda mais o tempo de cicatriação. En'im3 era preciso sumir de vista.

C claro ue a Mãe tin$a l# suas ra7es. 5 ue ela não entendia era ue al%uns incidentes emue estive envolvido, tanto com os meninos da rua como com al%uns viin$os, 'oram coisas

ue ocorreram sem m#s intenç7es min$as. Parece ue, em peueno, a %ente ac$a ue tudo poss*vel, tudo o ue se dese"ar. Mas não .

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ma das maiores surras ue levei dela nesta preliminar da vida, 'oi por causa de um simplesanivers#rio. Eu não poderia deixar de 'aer al%umas das experimentaç7es ue me assaltavamo esp*rito curioso. Idias e per%untas dese"ando con'irmaç7es ou ne%aç7es 1 ou se"a3respostas. Eram coisas so+re as uais eu não tin$a o menor controle. At parece, )s vees,ue me vesti com o tal esp*rito da curiosidade, inadvertidamente, no exato momento em ue'ui conce+ido. 5u me vestiram, não sei dier. 5 ue pude aprender, entretanto, ue - ve"a l#o leitor se estou tão errado assim3 mais importante do ue clamar por ser compreendido ,

pelo contr#rio, 'undamental compreender por ue não se compreendido. E se%uir via%em.Isto 'ec$a uma espcie de ciclo3 o do eu consi%o mesmo. C o ue $# de importante - e a (nicacoisa ue existe de 'ato. A derradeira tentativa de compreender-se o mundo, 'aendo atentativa solit#ria e (nica. Porue o mundo, em si, na sua vastidão e loucura, e sempre 'oiincompreens*vel.

<avia dito ue era um trepador dos mel$ores. E era. ;erta tarde, estava nas %rimpas de uma+acateiro, sem nen$uma pretensão de col$er um a+acate ue 'osse - porue eles estavamainda verdes, em+ora "# +astante crescidos. Gueria ol$ar mel$or o cu e a montan$a. =er seauelas andorin$as ue nos visitavam todos os anos, com rasantes veloes e uaseimpens#veis, estavam "# por c$e%ar.

4em mais auela, começou um a"untamento de meninas na +ase da #rvore em ue eu estava.5culto pela 'ol$a%em, notei ue ali se preparava um anivers#rio de +onecas, um doscompletos, com direito a +olo de lama, tudo. &iuei o+servando um tempo. ma ve pronto o+olo, um tra+al$o ue 'icou realmente +em 'eito, e pouco antes de ser cantado o  para0ns,ima%inei o e'eito 'estivo ue um +elo a+acate, um +em redondo, 'aria ao se encontrar com asuper'*cie macia dauele +olo ue aca+ara de ser 'eito. Muito mel$or ue apa%ar velin$as -ue nem eram velas, mas simples palitos de '!s'oros. Al%o, porm, deu errado - em+ora$ouvesse sido calculado com o maior empen$o.

5 a+acate 'oi encontrar o cac$aço de uma menina, resvalando um pouco para +aixo, euadmito - mais para os pulm7es. Ela perdeu a 'ala e a respiração 1 em+ora isto não tivessedemorado nem cinco minutos. &oi o ue +astou para causar uma revolta de mães - muitas dasuais nem eram mães dauela menina ue $avia entrado na 'rente do a+acate. ma delas,ue tin$a vindo do 2orte e mane"ava +em o mac$ado, ueria at cortar a #rvore inteira, irritadacom min$a recusa em descer e acertar as contas l# em+aixo.

Tive ue descer, em+ora a culpa, sem d(vida, ten$a sido da atin%ida. E eu provo o ue di%o,traendo como min$a testemun$a o pr!prio Padre Arlindo. &aço isto usando auele arti'*cio deuem escreve3 'in%ir-se de :eus e mano+rar o tempo. Porue o ue vou explicar a%ora,somente 'iuei sa+endo al%uns anos mais tarde.

;omo disse, se não me 'al$a a mem!ria, nosso padre vin$a pensando em 'aer al%umasmodi'icaç7es nas Escrituras. Guando 'ui 'aer o catecismo, com ele pr!prio, ue não admitiaintermedi#rias cateuistas, essas modi'icaç7es "# estavam prontin$as. Iriam causar-l$edissa+ores, num caso parecido com o de @esus ;risto. E o Padre Arlindo, tal ual 8alileu,estava com a raãoF

 Auela menina $avia deso+edecido o “mandamento +ero”, o mais importante de todos3 2ão$ers 5esonesto. Isto porue, se%undo Padre Arlindo, o “mandamento astrato”  servia parasu+stituir todos os outros, os “simplesmente aritm0ticos” , com vanta%ens. Alm do ue, estenovo mandamento, ue Padre Arlindo seuer pretendia +otar em vi%or apa%ando os anteriores

- para não a+orrecer muito o Papa - “não era uma simples adi)ão &ua, mas amultiplica)ão e6ponencial de todos os outros mandamentos, os ordinrios, uns pelos outros” .

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Não entend*amos uma v*r%ula, das peuenas, dauilo tudo. No entanto, atravs dos exemplospr#ticos, não $averia uem não entendesse e concordasse. E o Papa, uem diria, nem com osexemplos pr#ticos do Padre Arlindo entendeu... Mas isto porue não ouviu a $ist!ria da +ocado nosso p#roco.

Pois vou provar min$a inocência, usando tam+m os exemplos pr#ticos.

<avia somente um +olo - porue dava muito tra+al$o 'aer mais de um. 6em redondo,con'eitado direitin$o na parte de cima com +arro vermel$o. Tin$a de ser %rande o su'icientepara alimentar todas auelas +onecas, ue eram d(ias - e tudo 'eita em casa, de pano e comroupas de sair -, alm dos lindos ol$in$os 'eitos de +ot7es auis.

Muito +em. Eu $avia lar%ado o maior de todos os a+acates da 'utura sa'ra "ustamente no meioda 'rase musical “muitas feeeelicidades,>aui? muitos aaaaanos...”  e +em no centro exato do+olo. Ainda $averia o 333333...!!!, como mar%em de erro, antes ue, todas "untas, soprassemas velin$as. 5correu, no entanto, ue auela %ananciosa esticou o pescoço e o +ico e soprousoin$a os de palitos de '!s'oros - sem dar a menor c$ance de participação )s outrasmeninas, ue $aviam tra+al$ado tantoF 8ananciosa e +em desonesta. E 'oi espertal$ona,

porue 'e isto ainda no 'inalin$o do feeeelicidades.

:esrespeitou a lei da '*sica3 /dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço0. :esrespeitou alei divina3 /não ser#s desonesto0. Entrou na 'rente do a+acate, ue estava em ueda livre.Passou a perna em suas compan$eiras. 5 casti%o veio do cu3 imediato. Não 'ui eu, 'oi :eus.

 Apesar de o Pai ser pouco previs*vel em traer o ue ele mesmo c$amava de “muni)ão deoca”   para casa e da Mãe reclamar muito, isto não si%ni'ica ue ela pr!pria tratasse deremuniciar-nos. Não. Ac$o ue a Mãe, vendo ue o Pai ia e voltava, sempre sem o empre%o, "amais c$e%ou a tentar. Em ve disso, passava al%umas $oras do dia com o ouvido colado )parede de nossa casa, preocupada com o ue poderia estar acontecendo na casa de 4eu<er#clito, ue tin$a duas 'il$as %randes 1 +em ali, na casa ao lado, parede-meia com a nossa.

 A Mãe estava mais preocupada era com os ca+elos dauelas moças3 a 'orma, o arran"o - eprincipalmente a manutenção do penteado. Isto era uma coisa ue eu não podia entender 1este interesse maluco. A Mãe diia3 “7oje houve” , ao acompan$ar por uma 'resta da "anela adespedida do namorado de uma ou de outra das irmãs viin$as. s vees o+servava3 “8scaelos estão muito desarranjados, houve luta... $em vergonhas!” 

Tam+m outras viin$as eram o+servadas pela Mãe. Estava l#, sentada, "unto com as

mul$eres ue esperavam, essas sim, seus maridos voltarem do tra+al$o. Então começava acomentar. &aia o+servaç7es variadas so+re al%umas outras viin$as ue, por acaso, nãoestavam presentes ali. :epois $avia sempre con'us7es e isto ainda nos custaria caro...

 At a pr!pria 5ona (oínha, nome secreto carin$oso de :ona :alva, somente permitido dentrode nossa casa >ela usava !culos de lentes %rossas?, ue era a mel$or ami%a da Mãe, tam+mrece+ia coment#rio, mas isto dentro de nossa casa. Guando :ona o*n$a rejuntava  seure+an$o de 'il$os, a custo, porue +rincavam, e diia3 “amos todos, por*ue papai chegou evou servir a sopa...” , provocava, não sei por ue, a revolta da Mãe. Pouco antes de apa%ar olampião a uerosene e nos o+ri%ar a ir dormir, ela ainda não $avia aplacado sua indi%nação3“"rosa! $opa! 9eijão amassado com uns fiapos de macarrão...”   N!s, crianças, ue "#

$av*amos tomado nosso ca' com 'arin$a, uma del*cia, *amos então, sem entender nada, paranossos sonos - ue eram verdadeiras pedras.

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Nisto de o Pai não rea+astecer e da Mãe não poder, uem nos traia as provis7es deemer%ência era o Av2. 9# vin$a ele, descendo o +arri%ão de lama de nossa rua. Numa dasmãos a +olsa de mantimentos e na outra um serrote, dos %randes. =e por outra, trocavaessas car%as de mãos. Era um dos mistrios, dentre tantos do meu av23 desco+rir coisas uenin%um mais conse%uiria.

5 caso ue os cães de rua, ue eram muitos ali na nossa, não enxer%avam alm da

lom+ada, nada. Eles consideravam auele trec$o inteiro da rua, +astante extenso, como umaespcie de “casa” , propriedade privada l# deles. E o Av2 era como um estran$o entrando numuintal 1 o uintal particular dos nossos vira-latas.

5 Av2, por sua ve, $omem experiente em diversas coisas, inclusive em cães, est# visto,rapidamente desco+riu ue o cão um animal ue tem pavor de serrote %rande. 6em, pelomenos aueles ali da rua tin$am. E passava inc!lume entre os rosnados, latidos, ne%açasmesmo - dos mais a+usados -, vi+rando o serrote em todas as direç7es. Nunca 'oi mordido, omeu av2.

4e o Pai estivesse em casa, o ue era raro, o vel$o não l$e recriminava ou tratava com

descortesia, nada. Estendia seu maço de #aporal Amarelinho ao Pai e at deixava, uandotin$a, um peueno suprimento para ue o Pai 'umasse mais tarde.

Mas o Av2 não demorava muito. Não se deixava 'icar, em lu%ar nen$um, conversando e comas mãos a+anando. Estava sempre ocupado com al%uma coisa - 'osse diimar uma col2niainteira de la%artas ue $ouvesse se insinuado no peueno "ardim de sua casa ou ensinandoaos outros netos mais vel$os, meus primos, como armar o laço, montar a arapuca ou preparar o vis%o de aduirir novos passarin$os. :entre v#rias outras ocupaç7es.

 Aos netos mais recentes, ue ainda não sa+iam 'alar 1 somente ouvir - o Av2 presenteavacom uma sucessão de ru*dos 'eitos com a +oca, coisa +astante estran$a e aparentementedesconectada de tudo ue "# $ouve neste mundo. Mas os +e+ês pareciam adorarF Ele medisse ue eu "# entendera auele idioma, mas ue $avia esuecido.

Na volta do Av2 era a mesma coisa. 5s cães, ue o $aviam rece+ido tão mal,inexplicavelmente pareciam a%ora não dese"ar ue ele a+andonasse o local. E o serrotecantava, c$e%ava a asso+iar, sem, no entanto, ter deixado um s! daueles animais diminu*dosem taman$o, uma ve ue 'osse. 5u um cent*metro seuer.

 s vees, depois de visitar-nos, o Av2 me levava consi%o para uma volta na praça e uma tarde

em seu jardim, diia ele >e no meu jardim - diia a Av!?. A verdade ue este era o campomais neutro dentre todos os ue $aviam nauela casa. 5s dois eram plantadores competentese acrescentavam cada ual as plantas ue ueriam - e na uantidade ue dese"assem -, semue isto causasse polêmica de espcie al%uma. Nen$um mortic*nio na plantação al$eiac$e%ou a acontecer, "amais. Nisto, pelo menos, estavam de acordo >t#cito?3 as plantas eram oelemento neutro. Elas deviam ser cuidadas, preservadas por todos. Am+os %ostavamrealmente de plantas. ;edo aprendi isto, ao tomar um sa'anão do Av2 - ue nunca 'oi de dar uma palmada numa mosca. No entanto, se indi%nou ao ver-me ue+rar um caule por puracuriosidade ou des'astio. Não lem+ro. 4omente do sa'anão e do  pito, como diia o Av2. &oi o Av2 uem me ensinou ue auelas #rvores da nossa praça, ue eu ac$ava tão 'eias e

ue c$amava rvores de morcego, eram casuarinas. Especi'icamente a casuarinae*uisetifolia, da 'am*lia das casuarinaceae, auelas nossas da praça. :isse tam+m ue eu

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tin$a raão em ac$#-las tão 'eias, pois eram uma inutilidade e $aviam sido mal escol$idas por uem ordenara seu plantio na praça.

T*n$amos ali uns %ramados e canteiros em ue era proi+ido pisar. Estavam, portanto,cercados por uma carreira de peuenas estacas +rancas ue esticavam dois 'ios de arame -colocados tão +aixos ue a molecada pulava at de costas e de ol$os 'ec$ados, uandoueria e +em entendia ue era $ora de espo"ar-se. 5 curioso ue a molecada a ue me

re'iro não inclu*a um exemplar seuer daueles ue moravam na min$a viin$ança. Nuncaencontrei um ue 'osse, 'ora do 'im da rua. Parece ue "amais sa*am dali, a não ser para ir )escola - e assim mesmo, aos pesco)/es. E por +rev*ssimo per*odo de tempo. Porue a pipa, onarc!tico ue se c$amava pipa, tirou muito moleue da escolaF

4u+*amos as escadas do coreto, eu e o Av2, e l# de cima, por tr#s de cerca de madeirapintada, ue o Av2 c$amava alaustrada, ol$#vamos na direção da lin$a 'rrea Rio :J5uro. 4e'osse $or#rio, apreci#vamos a passa%em da locomotiva 'umacenta puxando al%uns va%7escom tra+al$adores - ue desem+arcavam, muito poucos certo, em nossa min(scula estação.

:epois *amos ol$ar o +usto rau*tico do padrin$o do +airro, +em ao p do coreto. 4ent#vamos

num dos +ancos para constatarmos ue realmente a praça era mal 'reKentada depassarin$os - "ustamente por causa das casuarinas, ue não o'ereciam nada3 nem 'ol$as, nem'lores, nem 'rutos. 4euer uns %al$os decentesF Eu podia sentir ue o Av2 não %ostava dapraça. Par#vamos ali por %enerosidade dele, para ue eu pudesse correr um pouco pelo%ramado. Raramente vi meu av2 murmurar... Mas, ali, na praça, murmurava coisas ue eu nãoentendia, do tipo “mal empregado ron+e”  e “helenista pau-de-arara” ... C tudo o ue me lem+rodesses murm(rios de meu av2. :ali, "# descansados da ladeira de min$a rua, num instanteest#vamos na casa do Av2. 9o%o na 'rente, o "ardinin$o.

 A primeira providência era ir at a Av! e tomar-l$e a +ênção, +ei"ando sua mão direita, e delarece+endo uma sucessão de peuenos sinais em cru na testa, na +oca e no coração. :epoisera preciso +ei"ar-l$e a medal$a de Nossa 4en$ora, a 8enrica, ue pendia numa corrente deprata anti%a do pescoço. &eito isto, e depois de rece+er um incont#vel n(mero de “pore+inho” pro'eridos pela mãe de min$a mãe, eu era cedido )s tias para procedimentos diversos, como+ei"os, apert7es dolorosos nas +oc$ec$as e uma r#pida lição do a, e, i, o, u. En'im, podiare%ressar ) compan$ia do Av2, ue "# se impacientara com auela /+esteirada toda0 e mea%uardava no "ardim.

Tin$a "# no colo uma %aiola em 'ase 'inal de construção. =iam-se os departamentos diversos,os andares, os alçap7es insuspeitados e tudo 'ora muito +em plane"ado e constru*do. :ava%osto ver.

Enuanto tra+al$ava - com 'orm7es, %oivas, verrumas e lixas -, o Av2 me explicava coisasimportantes, como, por exemplo, ue o san$aço canta “diao eu sou teu fiiilho:” >e 'aia com a+oca o canto?, mas ue nem por isto era pior ue ualuer outro passarin$o. Esclarecia-meue o curi! e o avin$ado eram o mesm*ssimo p#ssaro, com nomes di'erentes. Tantas coisasue, de 'ato, não sa+eria o ue seria $o"e de mim, não $ouvesse aprendido tanta utilidade uenin%um mais sa+ia ensinar como o Av2.:epois ele pe%ava um re%ador e *amos mol$ar as plantas. ;$e%uei a 'alar ue o "ardim nãoera muito %randeD ;ulpa dos americanos.

Mandaram prontin$o o +airro - de navio, se não me en%ano. Mas esueceram as instruç7es demonta%em. 5u então mandaram, mas nauela letra ile%*vel l# deles. E isto causou um erro

%rave.

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5s terrenos das casas eram todos i%uais em taman$o 1 e at +em %randes. ;ontudo, ascasas 'oram cravadas +em na 'rente, deixando pouco espaço para um "ardim. Aueles%ramados deles a %ente não ueria mesmoF 4! serviam era para atrair ca+ras, ue nem eramnossasF Não respeitavam a propriedade al$eia, inclusive as roupas ue estavam no uarador.;omo des'orra, "ustamente por causa dos a+usos, al%umas 'oram parar em nossas panelas -%raças ao Av2, o maior pre"udicado. Porue somente numa (nica visita das ca+ras, uando oterreno dos 'undos, o nosso uintal, ainda não 'ora todo cercado com a +oa cerca de madeira

pintada ue o Av2 mais tarde 'e, ele /perdeu de si toda a roupa de +aixo, ue estavauarando. Era assim ue ele diia.

Por este motivo, a 'rente sempre 'ora cercada, desde o primeiro dia da 'am*lia ali. 5 "ardim+em cuidado, 'resco, colorido, 'oi a primeira coisa a ser providenciada. Qtima providência. Erao mel$or lu%ar da casa e talve do mundo. Tirando o meu castelo, claro.

 A parte de tr#s da casa, ou uintal, como sempre c$amamos, poderia muito +em esperar. Epara não esperar ) toa, enuanto esperava rece+eu lo%o uma variedade +oa de mudas de#rvores 'rut*'eras 1 ue custavam tanto a crescerF 4orte min$a, porue esperaram ue eunascesse para, todas "untas, darem os mel$ores 'rutos ue um menino "# provou.

EntãoD Não %osto de interromper o ue estava 'alando. Mas se não 'ier assim, como o leitor poder# sa+er o motivo do "ardim ser peueno 1 se o terreno era tão %randeD ;omo, al%umue est# lendo esta $ist!ria, poder# sa+er tam+m ue as casas, todin$as, não tin$am portaal%uma na 'rente mas somente duas "anelas, com "ardineirasD E ue os moradores s! podiamentrar em suas casas - um +airro inteiroF 1 dando a volta e entrando pelo ladoD Isto somentemudava nas ruas novas, ue estavam nascendo 1 e ue não eram americanas.

Est# a %ente com o Av2 da %ente, re%ando as plantas, muito contentes, tanto n!s dois uantoas pr!prias plantas 1 porue elas pareciam tão 'elies uando eram mol$adasF 1 e somoso+ri%ados a lar%ar tudo e ir explicar por ue motivo o nosso "ardim não era um lu%ar tão %randeue pudesse rece+er tudo uanto tipo de 'lor ue o Av2 e a Av! con$eciam de cor esalteado. E de ue tanto %ostavam... 6ic$o +urro, o americano.

Não vou dier aui ue a Av! nos interrompia a re%a das plantas, c$e%ando com um cesto derosuin$as recm-sa*das do 'orno. E muito menos ue ela +ateria na mão do Av2 se eletentasse surrupiar uma s! rosca ue 'osse, mesmo das menores. Porue estaria cometendo opecado da mentira, al%o ue não pretendo 'aer neste livro - pondo em risco a salvação demin$a alma imortal, ainda ue acreditasse nessas coisas. A verdade ue a Av! não eradessas coisas.

Ela era 'ru%al e s! coin$ava para si pr!pria, /por causa do coração0. &aia a comida empeuenas uantidades, apenas para a re'eição imediata. Alm do mais, a Av! era +astanteocupada com as coisas da Reli%ião, ue exi%iam dela um tra+al$o exaustivo.

:a* não poder e nem mesmo sa+er 'aer rosuin$as. Talve ten$a aduirido a sua /doença%rave no coração0 nas cruadas ue 'aia contra os in'iis - ue a %ente não via, mas para osuais a Av! tin$a ol$o cl*nico.

E por 'alar em cl*nico, a doença da Av! 'ora dia%nosticada pelo :outor Romano, numaconsulta %raciosa 1 uma espcie de “amostra grtis” 1 em seu consult!rio, no MeHer. Mas a Av! não entendeu +em desta 'orma. E durante uns vinte e poucos anos, +em medidos e

mel$or ainda pesados, 'reKentou mensalmente o consult!rio do :outor Romano, sempremantendo o sistema inicial, claro, como se a primeira consulta $ouvesse 'irmado umaespcie de "urisprudência.

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 Ao menos, era s! ela. Não levava mais nin%um. Porue se a Av! ac$asse por +em levar decristãos por visita ue 'aia ao :outor Romano, eu duvido 1 e muito 1 ue ele tivessecondiç7es de deixar de atender ou mesmo de pensar em co+rar, um vintm ao menos,dauela paciente ue trouxera a si mesma e a mais de não pa%antes. Ela, porm, não eradisto. 4! ela mesma - e mais uma tia, de acompan$ante, ue nem se consultava. Muita sorte ado :outor Romano.

Eram consultas lon%as, demoradas, detal$adas. A Av! puxando pela medicina do :outor Romano. Era a constipação, o 'lato, uma pontada no vaio ue tivera três semanas atr#s.Guest7es de aler%ias, de noites ue poderiam ter sido mais +em dormidas, tudo isto antes deentrar no assunto principal3 o coração, acompan$ado da pressão arterial.Enuanto isto, a sala de espera ia 'icando apertada para outros daueles ue $aviam rece+idoa %entilea de uma primeira consulta %raciosa 'eita pelo :outor Romano - e ue $aviam sedesco+erto doentes. Ainda pior3 doentes e pa%antes. Mas isto não importava muito ) min$aav!.Enuanto $ouvesse ualuer item de seu relat!rio 'isiol!%ico mensal ainda não a+ordado, comdetal$es, al%umas ueixas e todo um pro"eto de cura, nada de a Av! pensar em desocupar 

auele consult!rio.&inalmente c$e%ava a $ora de o+ter as amostras de medicamentos - 'ornecidas a todos osmdicos ue se preassem, pelos mel$ores la+orat!rios 'armacêuticos. E nesta etapa 'inal a Av! nunca 'raue"ou. =in$a a+arrotada.:e sa*da, talve para aplacar )uela %ente toda ue a%uardava na ante-sala, o pr!prio :outor Romano levava min$a av! at a porta da rua, a"udado por min$a tia ue l$e servia deacompan$ante. =in$a srio, sacudindo levemente a ca+eça e trocando ol$ares c(mplices comos outros pacientes - aueles ue estavam a%uardando $# tanto tempo. Era como se dissesse3/caso %rav*ssimo0, /a medicina 'e tudo o ue p2de0, /tarde demais para operar...0...

E assim 'oi, at ue o pr!prio :outor Romano partiu desta para uma mel$or, santo $omemF A Av!, recusando outro mdico, desses ue não sa+em nada e ainda por cima co+ram, lem+rousempre dauele ue 'ora tão +om e tão competente, se"a nas suas oraç7es ou elo%ios - numa%ratidão ue se estendeu at seus noventa e uatro anos - uando começou a esuecer al%umas coisas.

  noitin$a a Mãe vin$a me +uscar. 6em, ela aproveitava para levar-me de volta, di%amosassim. Na verdade viera con'a+ular com a Av!, ue tin$a o $#+ito de catar as pessoas, nosom+ros, na lapela, nas man%as da roupa, $avendo ou não o ue catar. A Av! aca+avaac$ando. E repetia, enuanto ouvia a Mãe e a catava3 “Eu não disse: Eu não falei:” 

Min$a mãe sempre me su%eriu um aspecto exasperado uando estava conversando e sendocatada pela Av!. Assim, como uma pessoa ue nunca conse%ue o ue veio +uscar. E aca+avaainda mais nervosa, irritada, na camin$ada ue 'a*amos de volta ) escuridão de nossa rua.@# não *amos de mãos dadas.

Eu poderia dier aui ue estava "# me sentindo um $omenin$o, uma ve ue esta volta paracasa, esta ue estou contando +em a%ora, me encontrou "# com uns nove anos e /desasnadodo pior0, se%undo sentenciou o Av2. Poderia inventar todo o tipo de mentiras, assim, /A Mãetraia no colo o meu novo irmãoin$o, um +e+ê peueno e doentio...0

Mas seria a maior mentira, não adiantaria nada e, de ue+ra, o Padre Arlindo, este"a onde

estiver neste momento, eu sei, iria dar um "eito de cali+rar seu nari%ão e apont#-lo em min$adireção, lem+rando o 'o%o eterno destinado aos não sinceros consi%o mesmos.

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Eu "# não %ostava da Mãe. Eu, ue a amara tanto, ue +em %ostava dos seus a+raços - e uemorria de medo ue um camin$ão a estripasse, 'aendo com ue ela 'osse colocada aospedaços num caixãoF Al%uma coisa $avia mudado. E muito.

4u+*amos a primeira etapa da rua, auela mesma dos paralelep*pedos, com as calçadas'ervil$antes de crianças ue +rincavam e de mul$eres ue conversavam, cada ual sentadaem sua cadeira traida de dentro de casa. Ali a rua tin$a at postes, com lmpadas. 9mpadas

ue 'icavam mais 'racas ou mais 'ortes, porue isto ia mudando de minuto a minuto. Aeletricidade c$e%ava at ali em ondas mansas 1 vari#veis como as do mar. :e ve em uandoparavam completamente, talve por 'alta de vento. E a escuridão varria o +airro inteiro.

 A Mãe con$ecia muitas pessoas ue moravam neste trec$o. 8ente ue a con$ecia de solteira,uando ela 'ora /a moça mais linda do +airro0. Parecia meio constran%ida, mas seriaimposs*vel evitar auelas pessoas. Era uma %ente ue trocava cumprimentos, per%untava pelasa(de umas das outras e contava as novidades de nascimentos e de mortes. Cramos entãoparados, diversas vees, para as %entileas de praxe - auelas per%untas cordiais ue eramparte inte%rante, natural e indispens#vel da poca.

Talve a Mãe se sentisse enver%on$ada. Pelo menos, parecia.Eu aproveitava a camin$ada e ia o+servando ue ali as meninas eram mais +onitas - e não viauma (nica criança nua. At um ou outro carro, na porta de uma ou de outra casa, via-se por ali. 8ente riu*ssima.4e o tempo era de /'rio0, o começo de cada noite era tam+m uma explosão do per'ume dos "asmineiros, ue ar+usto dado a 'lorir mel$or de maio em diante e a c$eirar muito mel$or ainda ) noitin$a.Em nosso re%resso, o (nico lu%ar em ue a Mãe parava por decisão pr!pria, por o+ri%ação 1ue era do +airro inteiro -, era diante da casa da mãe da menina morta, para uma conversar#pida - e sempre parecida com as de sempre.Era :ona Isa+el, ue $avia dado ) lu uma verdadeira +oneca, uma princesa de contos de'adas. ;uidava dauela 'il$a, (nica e irrepet*vel 1 porue seu marido morrera uando amenina tin$a uns três anos -, como se 'osse a porcelana mais rara, a "!ia mais preciosa ue$ouvera "# ca*do cu a+aixo. Marta era o seu nome.

E a menina tin$a tudo, em+ora não 'ossem ricos. :ormia num uarto ue era um verdadeirouarto de +onecas, como ela pr!pria. Nas ruas era admirada como um an"o de +elea e decandura por todos os ue passavam, con$ecidos ou descon$ecidos. At ue um dia, poucoantes de completar os seis anos de idade, morreu su+itamente.

&oi de doença descon$ecida, uma des%raça 'ulminante. Pela man$ã, a menina estava normal

como sempre estivera. Era sãin$a de si, nem mesmo tivera o sarampo. No in*cio da tarde elaapresentou uma 'e+re +aixa e uma leve indisposição. Então, antes ue o primeiro c$ain$oestivesse a+a'ado com um pano, em in'usão, "# $avia Marta +atido suas +otin$as +rancas, devolta ao cu.

 A Mãe parava e nem precisava +ater palmas - costume universal dauele tempo seminter'ones, ensino aui aos mais verdin$os -, para c$amar al%um ue estivesse dentro deuma casa. E isto porue :ona Isa+el estava sempre no portão, esperando as visitas. Pontuaise sa%radas, sempre ) noitin$a. m rito exato, em+ora não com+inado.- 6oa noite :ona Isa+el. ;omo vão as coisasD 5 ue temos $o"eD- A$F Entrem, entrem, ol$em, vou l$es mostrar a colc$a cor de rosa ue comprei ontem para a

Martin$a...Entr#vamos. 5 uarto estava tal e ual era uando sua donain$a vivia ali.- Mas ue linda, :ona Isa+elF E ainda por cima almo'adadaF

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- 5l$e, a sen$ora não ir# acreditar... &oi uma o'erta e tanto. A sen$ora ac$a...- 6em, )s vees se ac$a coisas !timas por preços +aratos...- Gue Martin$a ir# %ostarD...:epois de mais al%uns minutos de conversa, *amos em+ora e deix#vamos para tr#s auela ex-mãe, com os ol$os +ril$ando numa espcie de expectativa.Eu vi ali, tão menino ainda, ue auela era a (nica mul$er em toda a Terra a ser ainda maisin'eli do ue a Mãe. E talve a visita trouxesse al%um consolo para ela. Mãe.

Nuvens

Guando a Mãe soprava o lampião e nos o+ri%ava a ir dormir, não era porue '2ssemos tãopioneiros assim, ao ponto de não $aver lu eltrica nauela parte da rua. Ali#s, eu nem disseisto, ac$o. :isse, sim, ue ali em+aixo não $avia postes de lu, nem calçamento, nem es%oto 1 alm da #%ua encanada. Mas a #%ua eu mesmo vi c$e%ar, um dia, nuns canos de c$um+oue eram macios e pesados. Enuanto não c$e%aram, os canos, ve"a +em, um poço ue'icava num canto de nossa vila nos 'ornecia uma #%ua 'resuin$a e clara. Mas, o ue eu diiamesmoD Era so+re passarin$osD 9em+rei.

6em. <avia l# na vila de casas at uma casin$ola, com porta de madeira e tudo, onde estavamos marcadores de lu. 5 ue ocorria era ue o Pai se esuecia, )s vees por anos a 'io, depa%ar as contas da 9i%$t. Isto, no começo, nunca 'oi %rande pro+lema.5 Pai, ue $avia tam+m aprendido isto na 8uerra, ia l# na casin$ola e /sa+otava o inimi%o0.Então $urr#vamos em con"unto, no exato instante em ue o Pai sa+otava o inimi%o e tudovoltava a ser tão claro 1 e tão +om.Mas depois de v#rios anos isto aca+ou. ma tarde, c$e%ou l# um $omem com o uni'orme dacompan$ia de ener%ia e dessaotou tudo. Alm de dessa+otar, ainda nos avisou ue ter*amosmuitos pro+lemas 1 ele diia “voc3s terão muitos porema”... Isto se as lues da (ltima casa voltassem a +ril$ar sem ue, antes, +ril$asse nos co'res da9i%$t at o (ltimo n*uel ue ela, a 9i%$t - não a Mãe ou a patroa l# dele - esperava rece+er enão rece+ia. :iia não assim, mas muito mel$or do ue eu di%o aui. Porue o lin%ua"ar doca+loco dauela poca era, apesar de al%umas trocas de letras ou da 'alta delas, sem a menor importncia di%a-se de passa%em, a coisa mais interessante de se ouvir neste mundo.

5 Pai, por esta ve, estava "# em 'im de temporada e não deveria demorar tanto assim avoltar. Mas demorou. :emorou ainda uns dois meses pela casa de suas irmãs, ue tin$a atmar e la%oa, tudo ali, na porta.

N!s, crianças da casa, nunca, em nen$um momento, c$e%amos a esperar com ansiedade avolta do Pai. Era tudo ao contr#rio.

4a+*amos ue $averia +ri%a 'eia. ;ada uma das +ri%as era pior ue a anterior. @# pe%avam atem armas, o ue estivesse ) mão, coisas peri%osas 1 como o 'erro de passar roupas e at aserra de pão. N!s uatro 'a*amos uma +arreira entre os dois, ue +erravam por cima de n!s.

 At $o"e não sei onde arran"amos tanta 'orça contra aueles dois, ue pareciam uerer sematar de verdade - e não como nos 'ilmes do nosso ;inema.5 mais vel$o de n!s teria, por esta poca, uns doe anos. Nem vou contar o seu nome,porue ele "# vai sair desta $ist!ria. ;omo veterano entre n!s, tentava puxar nossa vel$aladain$a - contra outros tipos de peri%os a%ora. Não eram mais camin$7es des%overnados.Tam+m não era mais a uatro. Eu, porm, estava 'ora. @# começava a me 'altar al%uma

coisa, não sei +em se esperança ou '.

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;omeçara a sentir o vaio de um deus ue nos $avia a+andonado. E ainda, coisa das maisinteressantes3 se comecei a duvidar da existência de :eus, nunca tive, por outro lado, a menor d(vida so+re a existência do :em2nio. Isto desde o princ*pio e sem aprender com o nossopadre.

E não era um :ia+o daueles ue tin$a os cascos 'endidos e c$eirava a enxo're. Auilo oPadre Arlindo pintava mais era para umas pessoas ue s! 'altavam entrar com as enxadas de

tra+al$o e at com as pr!prias carroças, para assistir missa. Eram mais crdulos, maisatrasados ue uma criança peuena. Era necess#rio ue al%o mantivesse suas 'oices roçandosomente o capim ue alimentava cavalos e ca+ras 1 e nunca as ca+eças uns dos outros.

Eu via sim, o :em2nio como a Maldade ue andava ) min$a volta e em torno do mundo inteiroue eu con$ecia. Não era um mundo muito %rande, admito, mas "# dava uma idiaimpressionante do resto, do todo...

Essas coisas terr*veis )s vees conse%uem ir morar +em cedo na mente de uma criança. Assentam-se e se estendem, uma ve instaladas. Não conse%uem exprimir-se, masconse%uem existir 1 o ue mais importante. ma criança peuena pode "# ter esta dor,

in'elimente. Por esta raão, sou o+ri%ado a dier, mais vale uma criança - com a suapercepção rudimentar - do ue seiscentos adultos i%norantes e c$eios de convicç7es postiças.

&i a primeira comun$ão +em por esta poca de ue estou 'alando - como todos os netos demin$a av!. Porue ela era uma espcie de imperatri - não de nossa 'am*lia ou do +airro, masa imperatri do mundo. Todavia, "amais conse%ui convencer Padre Arlindo de min$asinceridade. Talve por não ter me es'orçado para isto. Eu sa+ia ue ele sa+ia ue eu "# nãoacreditava em :eus.E ele, sa+endo ue eu sa+ia ue ele sa+ia, ao contr#rio de excomun%ar-me, como eu temiaum pouco 1 porue a Av! não me deixaria mais entrar no "ardim -, pareceu passar a %ostar demim como nunca $avia demonstrado %ostar tanto, antes. ma espcie de compreensão,muda, como - vamos dier assim - se eu 'osse o (nico dentre todos os ue ele con$ecia, ali no+airro, ue tivesse a dor num daueles dentes terr*veis - num /panelão0 -, dor i%ualin$a ) delee em dentes coincidentes, do mesmo lado da +oca e tudo.

No dia em ue o Pai 'inalmente apareceu, $ouve de tudo. Gue+rou todas as portas internas,cada uma com um murro - pre"u*o ue 'icou para o %alego tam+m. E nem mac$ucou umdedo seuer.

 A Mãe não deu tr%ua, um minuto ue 'osse, para ue o Pai 'osse l# e sa+otasse o inimi%o.

4omente uando sua vo aca+ou e "# não sa*a mais nada de sua +oca, isto l# pelaman$ãin$a.

&oi muita a nossa sorte. Porue de man$ã o Pai 'oi l# e, pouco depois, estava o inimi%osa+otad*ssimo. Mais sorte ainda 'oi ue, vencida esta +atal$a, o Pai, sem pe%ar nada de seu 1porue "# não $avia uma camisa dele em nosso (nico arm#rio 1 voltou ) casa das irmãs e del# partiu para terras distantes, a ver se %an$ava outra %uerra ualuer. Porue auela aliestava perdida. E ele, como +om soldado, tin$a a o+ri%ação m#xima de não se deixar 'aer prisioneiro. Esta 'oi a (ltima ve ue o vimos, pelo restante de nossas vidas.

Não pude usar meu ;astelo direito enuanto o Pai esteve nas redondeas. Não ue eu não

uisesse, muito pelo contr#rio. Porue auilo era não somente o meu ;astelo, mas tam+m omeu reino e o meu tesouro, tudo "unto.

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5 ue ocorria era ue eu tin$a medo de ue o Pai desco+risse. Ele $avia sido um %rande+atedor, na 8uerra. 4a+ia todos os truues do inimi%o. Tam+m uando voltou da 8uerracontinuou sendo um !timo atedor  - e isto eu comprovei na pr!pria ca+eça, v#rias vees.

Tin$a senso, al%um senso ue eu não entendo $o"e, ue dir# nauela poca. 5 m#ximo ueposso 'aer são especulaç7es, enuanto vivo os dias ue me restam, "# em 'inal de vel$ice esendo a%ora muito mais vel$o do ue meu pai "amais c$e%ou a ser.

4e, por exemplo, eu desse uma topada e arrancasse a ca+eça do dedão do p, rece+ia nãoum curativo mas dois socos +em colocados e 'ortes, na ca+eça, em lu%ar incerto, ondepe%asse - acima do pescoço, porue o Pai não era dado a %olpes +aixos nos 'il$os e sa+iasocar com pontaria. 4e 'osse um arran$ão em cerca de arame 'arpado, outro exemplo, apunição era ainda mais severa - porue o Pai não admitia arran$7es no couro dos outros.4ocava, nesses casos, com as duas mãos e nunca conse%ui contar alm do terceiro cruado.

 Ac$o ue o Pai não admitia 'eridos. 4e 'ormos pensar direito, isto prova ue a preocupaçãocom os 'erimentos, o casti%o severo - em+ora aparentemente sem sentido -, era uma 'orma de'aer, com um 'erimento maior, ue ele pr!prio providenciava >depois de um menor, ue $avia

sido um simples acidente?, não mais acontecerem acidentes. &eridos, num campo de +atal$a,c$e%am a ser uase um se%undo inimi%o.

Mas não adiantava nada. Porue por toda parte onde eu andava $avia espin$os, pre%os,cacos de vidro traiçoeiros e cercas de arame 'arpado. E isto, certo, vai do +erço at a morte.Não tem "eito.

:epois ue o Pai nos deu 1 a n!s, crianças - auela tão %rande ale%ria, sa+otando o inimi%o e,principalmente, indo em+ora, tivemos um peueno retrocesso nas nossas comemoraç7es*ntimas. E isto porue tivemos a casa acesa por uma (nica noite. Na man$ã se%uinte, antes domeio-dia, l# estava o 'uncion#rio da 9i%$t, desta ve acompan$ado de uma peuena tropapolicial. Eram $omens ue nunca t*n$amos visto no +airro 1 e ue talve 'ossem mem+ros daPol*cia ;entral ou do 4erviço 4ecreto Americano.Gueriam capturar o inimi%o, l# deles, o Pai. Não estando ele em casa, diia a ;onvenção uemul$eres e crianças não podiam ir ) %uerra. E eles respeitaram. Mas o inimi%o nunca mais 'oisa+otado. E isto não 'oi porue eles $ouvessem respeitado a ;onvenção. N!s nãorespeitar*amos, claroF Cramos civis, da Resistência. E $avia invasores.

5 ue realmente terminou de'initivamente com a sa+ota%em 'oi uma conversa ue a Mãe e5ona (oínha tiveram.

 Ac$o at ue "# disse ue :ona o*n$a era +oa pessoa e tam+m a mel$or ami%a da Mãe.Não estou muito +em lem+rado se disse ou não. 4e disse, um re'orço não mata nin%um. 4enão disse, di%o a%ora.Pois +em. :ona o*n$a, enternecida, com os ol$os vermel$os e mol$ados, avisou em se%redo) Mãe ue auelas mul$eres ue estavam ausentes e ue tin$am sido comentadas por ela,não deixariam "amais as lues se acenderem em nossa casa novamente, sem c$amar, napr!xima ve, at o Exrcito 1 se 'osse o caso. Elas vi%iariam direito.E a Mãe, ue "# estava prontin$a para pedir ao Av2 ue tratasse de aprender a sa+otar oinimi%o, apenas c$orou.

Tanto t*n$amos lu, sim, na rua, ue t*n$amos m(sica no r#dio. E +astante. Ave ;aria no ;orro, na vo de n%ela Maria, 1aal', tam+m. C verdade ue $avia mais ummonte de outros cantores. Mas, na poca ue estou contando, uem reinava, a+soluta, era a

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 n%ela Maria. E com toda a "ustiça - porue não era muito solene e nem somente dram#tica.5s r#dios papa%ueavam o dia inteiro, mais ainda ue todo auele cardume de papa%aios deestimação ue $avia l# pela rua - uns, inclusive, +em palavrudos, de “vai tomar no cu, portuga!”  para mais.

E não era coisa ue incomodasse, como a televisão veio a incomodar al%uns anos depois. Alm da m(sica, ue era mel$or ainda uando ouvida a meia distncia, mais ou menos como

se a %ente estivesse deitado so+re as tel$as mornas do ;astelo, esperando o vento e vendo oteco-teco  da &orça Area, +em acima da %ente, nauela lon"ura de altura - atarraxandopara'usos no aul - e a n%ela Maria estivesse +errando ue “não h neste mundo, um amor mais profundo” , l# pela casa da :ona ;ria 6enedeira, umas uatro ou cinco depois da vila.

Tam+m tin$a avisado ue nem iria contar aui o nome do meu irmão mais vel$o, porue eleiria sair da $ist!ria. @ustamente a* ue um outro ualuer em+utiria uma mentira. m outro,mas não um ue $ouvesse entendido as teses do Padre Arlindo.

Poderia mat#-lo 'acilmente aui. Matar, sim, meu pr!prio irmão, como 'e ;ain. Não com umapedra, mas com a 'e+re reum#tica, com a pielone'rite, com o ti'o, com a di'teria 1 doenças ue

ele e o restante dos irmãos tiveram, não todas ao mesmo tempo, 'elimente. 4omente $o"e ue sei, essa e outras doenças estavam +em ali, na nossa rua, dentro dos val7es do es%oto. Ea molecada entrava nos val7es, com #%ua at uase a cintura, atr#s dos +arri%udin$os decores tão lindasF

Mas não, não vou mentir. Ainda por cima seria mentira mal contada. Porue as meninas nãopescavam nem nada - e min$a irmã tam+m pe%ou uma dessas, com lesão card*aca e tudo.Mas não morreu, disso, 'elimente.4! não pe%uei tam+m essas doenças porue o meu pntano era limpo. Ali não corria es%otonen$um. 4omente #%ua, da c$uva. E mais - a%ora entendo porue não secava, mesmo nosver7es mais impiedosos3 a #%ua ue minava em al%uns pontos da terra. Minas d#%ua.Nen$uma outra pessoa tin$a o mapa dessas minas. 4omente eu, e de ca+eça. 4em desen$ar,muito mais se%uro.

@# sentia, portanto, instintivamente, ue meus dom*nios eram +ons. Encontrava uma +oavariedade de insetos, de an'*+ios, de peuenos mam*'eros como o pre# e o ratin$o silvestre,alm de uma ou outra a+!+ora, tão sadias, tão +em desenvolvidas ue somente um $omem'orte - %eralmente o Pai, e isto no tempo do Pai -, conse%uia, a custo, re+oc#-la do lu%ar emue eu as desco+rira at nossas panelas pretas, de 'erro, tão necessitadas.

Não vou matar nin%um, porue aui não morrer# pela min$a mão uem uer ue se"a,

tirando uma po+re e inesuec*vel rã. =ou sim, e "#, retir#-los da $ist!ria - para ue não 'iuematrapal$ando ainda a min$a vida e, duvido ue não, tam+m a do leitor.

 A guerra-civil  ue $av*amos lutado deixou-nos com neuroses de guerra ainda piores ue as de4eu Paulin$o, veterano ue não podia ver avião sem pe%ar a vassoura e perse%ui-lo pelo+airro inteiro, 'aendo r-t-t-t com a +oca - e com uns ol$os apavorados.

:epois, se der tempo, eu conto mel$or a $ist!ria do 4eu Paulin$o. Porue, enuanto os outroscaçoavam dele, no +oteco do portu%uês, eu tin$a era d!. 5s rapaes +e+iam cerve"a e "o%avam +il$ar, perto do ;inema, na rua de meus av!s. Guando entalavam na pilastra, +em na

$ora da sinuca de +ico, %ritavam3 “passa o seu paulinho aí, patrício!” . 5 ;anel  puxava então,de so+ o +alcão, um taco serrado, mais curto ue o meu +raço, e entre%ava ao enrascado. Era

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o tipo do %race"o ue arrancava risadas in'al*veis. Eu, de mim, ac$ava uma tremenda maldadeterem enviado )s lin$as de 'rente um $omem tão peuenino.

E "# vou eu dando outras voltas - numa $ist!ria ue reta, ret*ssima. Não porue este"a auienc$endo lin%Kiça, coisa ue nem ima%ino como se 'aça. C, sim, porue uma coisa puxa outrae a nossa neurose de %uerra s! poderia ser avaliada por um leitor ue con$ecesse, atravs do4eu Paulin$o, auilo ue o $orror da %uerra pode 'aer com as pessoas. E a nossa neurose,

suspeito, era ainda pior ue a do 4eu Paulin$o. Pelo menos, não passava avião noite e dia,sem parar, so+re o nosso +airro. Era um e outro, talve perdidos. E 4eu Paulin$o era calmo,um +om $omem uase ue o tempo inteiro. Exceto uando $avia ataue areo.

Portanto, vou sim, retir#-los todos da $ist!ria, os meus irmãos. E a%ora. Porue não tendoconse%uido escapar para um pa*s neutro, coisa de ue eles não têm tanta culpa assim,continuaram, por outro lado, uerendo ue eu cerrasse 'ileiras com eles em %uerras ue nemseuer existiamF E at mesmo provocando-as.

Não aproveitaram uma ue 'osse das oportunidades de 'ronteiras mal vi%iadas, ue tam+mtiveram. No ue me toca, de toda e ualuer maneira ue pude, resolvi nem seuer assistir a

outras %uerras 1 mas, sim, ser um simples civil. 4e poss*vel, civiliado.

5ra, ve"am, se viviam se en%al'in$andoF Em casa, na rua, na casa do Av2 e da Av!, em todaparte e o tempo inteiroF E 'aendo uestão a+soluta da min$a participação, lo%o eu, ue eradono de casteloF 4em contar a maldade dos livros. ma oportunidade de 'ronteira sem%uardasF Perdida.

m dia, um incauto, um in'eli ue passou pela nossa rua vendendo coleç7es de livros,encontrou o Pai - e para isto sou o+ri%ado a traê-lo de volta, um instantin$o s!, at aui.5'ereceu-l$e seus produtos, sem entrada e em v#rias prestaç7es. 5 Pai, ue não eraecon2mico na $ora de presentear, escol$eu lo%o a maior e mais cara, 8 ;undo da #rian)a,em S volumes.Cramos uatro e a divisão 'oi di'ic*lima - porue não deu n(mero inteiro. :e ualuer maneira,meus três irmãos "# $aviam, no dia se%uinte ) c$e%ada da coleção, providenciado a 'orma deue ela 'osse dividida at por todos os meninos da rua. Auela molecada não li%aria nem paraas estampas dos livros. Iria tudo virar ra+iola de pipa. Mas eu não deixei.

5s volumes ue rece+i 1 e escondi no mesmo dia, no ;astelo 1 escaparam em condiç7es deserem lidos e relidos, com %rande praer, nos anos se%uintes. Entre eles estava o volumenove “#i3ncia e <nd'stria” . Por sorte eu 'ui contemplado com este. Mas, por exemplo, o volumesete, "ustamente um daueles ue eu mais uis, em+ora 'osse o mais %rosso da coleção 1 e

ue 'alava so+re a naturea3 +ic$os, plantas, meteoritos, cometas, 'locos de neve e tornados 1rece+eu como dono um meu irmão. E "# estava em pedaços, peuenos e su"os, em menos devinte e uatro $oras, +em cronometradas, ap!s a sua c$e%ada.

;om o %asto pesado de cola de 'arin$a de tri%o, pude, sim, sa+er tudo so+re uma seu!ia ouso+re um esuilo. Mas $ouve muitas coisas pelas uais tive ue esperar +astante tempo atpoder con$ecer. Porue colava aueles destroços numa 'ol$a de "ornal e, todo mundo sa+e, "ornal nunca 'oi de ser transparente. Era pe%ar ou lar%ar3 montar o ue+ra-ca+eça com asp#%inas pares, perdendo as *mpares, ou o contr#rio. Eu não ueria mais %uerras ou disputascani+alescas, nada dauilo. Gueria 'icar em pa.

9evei todos os pedaços não ueimados para o ;astelo. E de a%ora em diante l# 'ico, nelemesmo, +em no pavil$ão dos menestris, tirando da $ist!ria, neste exato momento, salvoapariç7es 'antasma%!ricas, essenciais, meus dois irmãos e min$a irmã. Tudo em nome da

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pa, sem nen$um ressentimento, tirando, se"amos sinceros, um nadin$a ue 'icou 1 emrelação aos livros, principalmente.

E uanto )uele po+re coitado 1 ue "amais viu um tostão 'urado dauela coleção, tão pesada,ue trouxe nas costas at nossa casa, eu peço aos deuses, a todos os deuses ue existirem,ue "# existiram - ou ue ven$am a existir -, ue o enc$am de %l!rias por so+re %l!rias deoutras %l!rias, onde uer ue se"a, este"a ele a%ora.

@# vou +eirando os de anos ou at passando um pouuin$o. C mel$or não perder tempo,porue o %alego uer a sua casa de volta3 /=# l#, mesmo o ue l# 'oi, l# 'oi0 - porue nãoadiantava nada uerer din$eiro nosso... Mas ele uer a casa. E a Mãe sa+ia, direitin$o, ue l#na casa do Av2 e da Av! não $avia espaço para novos moradores.

Min$a Tia :oente "# $avia casado e emendado uma casin$a na casa de meus av!s. 5 ueso+rou, depois ue o Tio Rico 'e seu palacião, min$a Tia Empol%ada ocupou com o seumarido, o Tio ;iumento, e com a respectiva casin$ola 1 ue 'oi auilo ue deu para ser aindaconstru*do. Não so+rara nadin$a, estava tudo ocupado.

:ier ue a retirada do Pai $ouvesse traido um %rande al*vio tam+m ) Mãe, seria muitamentira, deslavada at. Porue ela continuava nervosa, +ri%ando com todos. Na rua, em casae com todos os irmãos e irmãs, l# dela.

 A%ora eu "# estava solidamente instalado em meu castelo. 4e, por um lado, temia ue al%umda 'am*lia tentasse compartil$ar meus dom*nios - ale%ando direitos de san%ue, por exemplo -,por outro lado ia 'icando cada ve mas tranKilo em relação a este medo. Porue, l# de cima,podia ver o uanto o restante da 'am*lia estava pouco interessado em castelos.

<aviam se 'undido com os da rua, muito +em por sinal. 9# do alto c$e%uei a avistar min$apr!pria irmã, aos a%arros com o 6ui(ta, um ue "# passava dos deesseis e ue era dos maisperversos - alm de mal encarado.Esse tal 6ui(ta, um daueles tantos da rua ue nunca ouvira seuer 'alar em seu pr!prio pai,%ostava de provocar min$a '(ria, %ritando e c$amando os outros para assistir ao “#ad3 teu pai:!”  Era uma verdadeira 'esta.

;omo pareciam se divertirF Eu, claro, não %ostava. Partia para cima deles todos, socando atorto e a direito, at ser atin%ido por um dos maiores, %eralmente o pr!prio 6ui(ta, e cair,retorcendo-me de dor - em+ora dese"asse continuar a +ater, a socar, at aca+ar com todoseles. Mas isto nunca 'oi poss*vel.

 A%ora a Mãe não se importava o m*nimo onde est#vamos, se tom#vamos +an$o ou não. Emesmo ) escola, ia uem uisesse. Tirando eu, claro.

Escola

 A Mãe, l# na ca+eça dela, $avia cismado ue eu $avia de estudar, porue não tin$a +aixadoen'ermaria como os outros irmãos. Nem uma (nica ve. Eu era então o mais indicado a pa%ar,at o (ltimo centavo, as reparaç7es de %uerra a ela. E isto num 'uturo ue estava "# seaproximando...

9o%o eu, ue detesto escolaF 8ostava at dos cole%as, de al%uns, para dier a verdade. Mas$avia coisas estran$as e +astante desa%rad#veis na escola.

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ma dessas coisas, ue mais tarde passei a c$amar de “o parado6o da cai6a-escolar” , +emdepois, no %inasial e uando "# lia um ou outro 'il!so'o, era al%o ue não se conse%uiaresolver, por mais ue passassem os anos escolares.

 A cai6a-escolar  era uma peuena contri+uição, o+ri%at!ria, pa%a mensalmente e ue tin$a a'inalidade de recol$er al%um din$eiro para o uni'orme e material escolar dos >poucos? alunosdesvalidos. Poucos, eu di%o, porue se o +airro era po+re, nem por isso as mesas deixavam

de ser 'artas. 5s $omens dali tra+al$avam, duramente.

Est# certo, muita %ente esuecia. Tam+m, naueles tempos, não se via nin%um - assimcomo vemos nos dias de $o"e -, morrendo de vontade de ir correndo pa%ar taxas, impostosdiversi'icados e um trepado em cima do outro. 5s impostos, você sa+e. Não se via o 'renesidos 're%ueses do 9eão, muitos deles numa espcie de masouismo anual, como ue%ostando, coisa ue c$e%a a dar na vista.- @# declarouD- 4im, mas estou pensando em reti'icar...- E vocêD- A$F Eu deixo sempre para o (ltimo dia, estou revendo... &icou +oa...

- =ai usar o &undo SUD- Estou pensando... :eclarou os dois terrenosD- ;laroF E mais o puxado ue 'i na casa...Tempos errados, os meusF &alando em escola prim#ria, coisa de outro sculo 1 e at de outromilênioF 1 e misturando tudo com o ue c$amam de 9eão, $o"e. 9eão com pele e aparência derataana...=oltemos ao tempo certo.

Esueciam-se mas aca+avam todos pa%ando a caixa-escolar. 4e eu não pa%ava era poruenão tin$a 1 e antes tivesse, uem me deraF Não sou de 'u%ir )s min$as o+ri%aç7es. Guantomais sendo a tal caixa-escolar uma coisa tão +oa 1 e tão ruim. Não 'osse ela, meus cadernose livros, l#pis e uni'ormes, não c$e%ariam at mim. Eu estava inscrito nesta tal caixa, como+ene'ici#rio dela. Muita sorte - esta de não pa%ar e ainda rece+erF

No comecin$o dos meses $avia al%umas passadas 1 e v#rias repassadas - dos monitores,+atendo sempre na mesma tecla3 “amos ler os nomes dos devedores”...Não $avia um mein$o ue 'osse ue o meu nome não estivesse nesta lista. At +ril$andosolit#rio ali c$e%ou a estar.Ten$o a impressão ue c$e%uei a comentar, em al%uma parte ualuer, com o leitor, ue amin$a timide era das 'ortes, dauelas ue c$e%am a incomodar o dono ... E isto da caixa-escolar, ue eu não sa+ia como resolver e muito menos contestar, deixava-me enver%on$ado

ao ponto de uase entrar c$ão adentro 1 at sair na ;$ina. 6em l# na ;$ina mesmo, no meiodos c$inos. Talve no pa*s deles não existisse caixa-escolar.

5utras coisas tam+m. Ter ue decorar tantas datas de +atal$as %loriosas 1 e at de 'u%asdesa+aladas, $o"e sei 1 do 6rasil, na 8uerra do Para%uai...

;antar o <ino Nacional todos os dias, antes do começo das aulas. Não de uma maneiranormal, dauele "eito ue todos con$ecem, tudo errado e depois aca+ouF Não. T*n$amos uecantar certo e at ue nem um dos ue 'ormavam auela montan$a de piol$entos trocasse o“no teu seio”   por “em teu seio” . 4omente sa*amos dali depois ue nem uma (nica vosonolenta, distra*da ou desinteressada, pronunciasse este maldito monoss*la+o errado. Tudo

isto estando /'ormados0, em posição de sentido, “peito pra fora, arriga pra dentro” .

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5s monitores, em pontos estrat%icos e de ouvidos 'inos, não paravam de desco+rir apron(ncia de um isolado “em teu” , no meio de tanto alunoF ;omeçava tudo de novo, desde ocomecin$o e para todos n!s. Não era somente para auele des%raçado ou des%raçada ue$ouvesse errado. 5u estivesse com o esp*rito de porco a +rincar de errar...

E "ustamente por esta raão ue vou, aui tam+m, colocar, imediatamente, na lata de lixodesta min$a $ist!ria, a escola.

5raF Eu duvido ue ualuer dauelas pro'essoras sou+esse de cor, como t*n$amos uesa+er, a montoeira de datas ue nos 'aiam decorarF Auilo era puxar o cre+ro de umacriança pelos intestinos a 'oraF Muito '#cil, corri%ir as provas com o calend#rio na mão... Poisse, no 'inalin$o e "# nas primeiras #l%e+ras, em resposta ) min$a per%unta t*mida 1 mascuriosa3 “"ara *ue serve a lgera, a senhora poderia me di+er:...”  não tomei lo%o, de estalo,o invari#vel /#ale a oca e sente-se!” D Mel$or não per%untar, porue pode ser se%redo. Aprendi isto na escola, +em aprendido3 pro'essores não sa+em nada.

4aindo então desta escola, vou antes contar como 'oi a despedida. E como, por um tri, nãodeixei de rece+er o /diploma0. Guase 'oi ue não veioF E sem ele, como ue eu poderia

entrar para o %inasialD Pa%ar toda auela reparação de %uerra ue a Mãe a%uardava 1 e ueaca+ou rece+endo de mim, sem 'altar um n*uelDF

Eu não me importaria em ser pescador, por exemplo. Nem precisa de muito estudo. C umapro'issão das mais lindas. Mas o sal#rio, diem, peueno. Precisava dauele diploma poruesem ele, me diiam, eu nunca poria um pein$o ue 'osse na universidade. 4em diploma dosexto ano prim#rio, sem %in#sio. E muito menos /cient*'ico0, ue era o pr!ximo passo antes dese%uir adiante.

Não me sa*sse auele diploma, eu talve estivesse at o dia de $o"e devendo reparaç7es )Mãe. Por outro lado, se, em se%redo, estava 'arto da escola, ela, a escola, deveria tam+mestar era 'art*ssima de mim. 4empre, os seis anos, com o nome su"o na caixa-escolarF

5 nome ue usavam era /curso prim#rio0. &#cil de entrar e di'*cil de sair... :urava seis anos -desde ue não $ouvesse nen$uma repetição de ano, coisa corriueira. Porue não $aviacomplacência com uma 'ração de ponto nas notas exi%idas.

Repetiu duas vees se%uidasD @u+ilado. Era pe%ar na /vassoura de lixeiro0 lo%o ou ir direitin$opara a escola particular do 4eu <eitor. E ali $avia a mensalidade cara, sem contar a in'mia.4eus alunos se escondiam de n!s - ue estud#vamos na escola p(+lica. Porue, seavist#ssemos al%um daueles "u+ilados, não $avia escapat!ria - era certo como a morte3 “&=

no $eu 7eit=, papai pag=, filhinho pass=FFF0E v#rios “pastel/es” , ue era a institui)ão centenria de derru+ar-se a pasta de livros do outro,com um %olpe certeiro de mãoB seco, #%il, de surpresa.

;omo disse, vamos todos sair da escola, pelos menos aui nesta $ist!ria. Ainda prosse%ui,mas por aui c$e%a. C tudo parecido com o ue "# contei.

=amos sair para en'im tentarmos aprender al%uma coisa com sinceridade. Mais tarde, nos+ancos universit#rios, o uanto de tristea e de aversão não me assaltou a alma a constataçãode ue nauele teatro encenava-se, na maior parte do tempo, a 'arsa de um 'in%indo ueensinava 1 enuanto ue v#rios 'in%iam estar aprendendo. ;om as devidas ressalvas

$onrosas a dois ou três %atos-pin%ados, sacerdotes do ensino, sant*ssimosF

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;$e%ando ao (ltimo dia dauele (ltimo ano, o sexto, e eu estando na “turma adiantada”,dentre as três ue $avia, a escola estava ue era um escndalo. Toda en%alanada em+andeiras nacionais e pertin$o de 'icar para tr#s, no passado. Ir /para o uinto dos in'ernos0,como diia o Padre Arlindo. Gue ansiedade a de sair daliF

Tudo uanto mãe estava l#, menos a min$a, %raças a :eusF At al%umas av!s e av2s. Meuav2, ten$o certea, se eu c$amasse, iria - mesmo tendo l# as suas pssimas lem+ranças. =e"a

o leitor, por apenas três dias... Tantos anosF Tanta medicina, en%en$aria, leis das mais #rduasFMas iria. Eu ue nem avisei.

;omeçou então a convocação e era em ordem al'a+tica, como tudo ali na escola sempre 'oi.Não custou muito a c$e%ar na letra @. ;ustou 'oi a sair, porue empacou nos  jorges auilo ueme pareceu uma eternidade. Guando pulou para os  jos0s eu "# estava a ponto de estourar detanto esperar 1 mas era @os at não poder mais. Por essas alturas eu tin$a "# meu prenomeem uso, porue era o+ri%at!rio na escola - e o pai $avia ido em+ora, não $averia pro+lema.

/@os 8et(lio saindo eu ac$o ue de+ando da 'ormação, saio com o papel na mão, mesmoue se"a preso, mesmo ue me matem0... Assim eu pensava, meio 'aminto 1 porue 'ormatura

não tin$a /merenda escolar0. Pior ue a 'ome era o en'ado com auela +andeirama toda, coisaue sempre detestei, tanto ou mais do ue $inos mentirosos e rid*culos.

Tam+m os "oss não ueriam nunca mais aca+ar 1 porue não ramos poucos. Mas $ouveuma $ora em ue aca+aram. Então pulou para um >uís #arlos solit#rio. Meu nome não $aviasa*do. Ela, a maldita, com toda certea, a caixa-escolarF E auela /cerim2nia0 ue acontecia nop#tio de terra +atida pareceu-me ainda mais en"oativa, intermin#vel.

 Alm de tudo, meus sapatos não estavam /em ordem0, coisa ue era o+ri%at!ria no /uni'ormecompleto0. Não sei se por serem da marca /caixa-escolar0. 4! sei ue aca+avam +em antesdas aulas. Iam, no m#ximo, at outu+ro. E eu ali, doidin$o para ir em+ora, /vou não vou0, aindaue sem o diploma, "untando cora%em... Porue era s! o ue me 'altavaF Não rece+er odiploma e ainda passar ver%on$a por causa do pisante...

 A%ora mesmo, +em na $ora da 'ormatura dos outros, l# estava eu com um sapato num p eum c$inelo vel$o no outro. Era o /p mentiroso0, com o dedão enrolado num pano 1 su"o demercurocromo. Pois se o ue ainda existia, o esuerdo, pouco se a%KentavaF Era s! a parte decima, mal e mal... Em+aixo, a sola mesmo, "# $avia aca+ado na uilometra%em certin$a3outu+ro. 5 p direito, c$utador principal de latas e de pedras, seuer a este dis'arce seprestava "#. E a caixa-escolar não perdoava3 um par, um ano.

Estava em 'orma, duro como todo aluno era o+ri%ado a 'icar e "# resi%nado em levar mais estepro+lema para casa3 /Mãe, não me deram o diploma, por causa das d*vidas...0

C claro, "# disse 1 e repito3 muito tempo antes desta decepção, "# ueria ter sa*do dali. Eramc#'ilas de 'ormandos. E c$amados, um a um. Nin%um a%Kenta. Guanto mais eu, ue "#estava de 'ora mesmo... 4! l# pelo começo do ano se%uinte - e com um monte de +ri%as ue aMãe provocaria. :esta ve teria at raão. Mas me levaria com ela, coisa ue eu detestava,por causa dos seus %ritos. Por esta altura eu morria de ver%on$a das coisas ue a Mãe 'aia.

Pelo menos, naueles (ltimos instantes, ainda ir*amos todos rir - ao ponto de at c$orar,al%uns. Rir ao ponto de sair de 'orma, crime %rave e ue somente não 'oi punido porue não

estar*amos mais ali no pr!ximo ano.

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Para isto, eu, ue não %osto de entremeios, terei ue apresentar aui o Meleca. Mas, prometo,isto ser# coisa r#pida.

5 Meleca era um dos alunos /mais estudiosos0 da escola. Meio estran$o, com uma ca+eçauadrada e o rosto espin$ento, cara de vel$o. :iia-se ue o Meleca "# andava pelos seusuase vinte, +em vividos... lendaF Era tudo controlado por idade, não deixariamF Ele usava uns!culos %rossos i%uaiin$os aos de :ona o*n$a - e tin$a $#+itos ue o 'aiam ser detestado

por todo mundo.

Procurava a%radar os monitores, odiados. Estudava na $ora do recreio /para tirar +oas notas0F4eria capa de dier - se acontecesse o mila%re de um an"o ualuer aparecer e entre%ar-l$eum picol3 /Não, muito o+ri%ado, não posso. Mamãe não uer ue eu tome nada %elado, estoures'riado...0

Mas não era tão +om 'il$o, assim, a este ponto. Ele e sua mãe tin$am era um trato. s vees,ele aparecia com al%um o+"eto novo, al%um presente. m apontador de l#pis, por exemplo,vermel$o, de pl#stico transl(cido, coisa tão linda ue dava at vontade de comer. A /matriapl#stica0 era uma tremenda novidade e uase nen$um de n!s "# $avia visto auelas

verdadeiras pedras preciosas ue tomavam 'ormas de coisas.

- Mas ue coisa linda, Mele... RuHF :eve ter sido uma 'ortunaF Posso ol$arD- 4im. Mas não toue, 'r#%il. ;ustou-me dois /oitenta e cinco0 em 9in%ua%em, um /noventa0em Matem#tica, dois /cens0 em 8eo%ra'ia e um em <ist!ria.

 A mãe do Meleca ueria ue ele 'osse mdico, para poder cuidar dela uando estivessevel$in$a e doente. Para isso, 'aia com ue o %aroto estudasse o dia inteirin$o. Mas, como$avia o trato - e o contrato - nosso tirador e comedor de melecas aceitava tudo de +om %rado.Estava sendo pa%o 1 sal#rio alt*ssimoF

Pois não ue "# estava com o rel!%io /de ouro0, lindo, ue nin%um tin$aDF ;omprado na "oal$eria da pracin$a e tudoF Era o presente de conclusão, o presente dauele %arotoes'orçado, /entre as mel$ores notas0. 4a*a mostrando as provas para todos, no p#tio, uandotirava um /cem0... 5 Meleca, a%ora, em 'orma "unto conosco, ol$ava as $oras a cada minuto,encantado com o ce+olão ue rece+era da mãe em /adiantamento0. Puro ouro, maciçoF

6em. &iuei e a%Kentei. @# estava aca+andoF A :iretora, carre%ada no rou%e e no p! de arro,disse3 “amos agora aos tr3s primeiros colocados, m0dia aritm0tica das notas do ano inteiro...” 

:isse um nome e era lo%o o do Meleca, de prima, ue saiu da multidão, meio esverdeado,

contrariad*ssimo, para rece+er a medal$a de +rone >latão?. Aplausos e at a* tudo +em.Guando a :iretora "# ia c$amando o se%undo colocado, notamos ue o condecorado aca+arade tomar uma tremenda “castanha”   de sua mãe, um verdadeiro “tortolho”   - ue era comoc$am#vamos. E não 'oi s! umF Ela disse assim3 “&erceiro lugar, não 0:! ?m, dois, tr3s!” colocando um “cro*ue”  +em 'orte "unto com cada um desses n(meros. E 'e +arul$oF m+arul$o alto, de ca+eça ocaF 6em estran$o...

 Aca+ou ali mesmo, na $orin$a, toda auela seriedade 'orçada a ue nos o+ri%avam. <avia%ente rolando no p! do p#tio, taman$o 'oi o som ue a mãe do Meleca l$e arrancara do“coco” . Nin%um mais conse%uiria recolocar em ordem auela multidão.

Nem vi direito uando a :iretora espetou na +lusa de uma menina “*uatro olhos”  a medal$a deprata, ue nem alum*nio c$e%ava a ser, mas, sim, antim2nio.

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<av*amos perdido a reverência, completamente, provocados ue 'omos pela cena dasexi%ências da 'am*lia Meleca. =irou +a%unça, era 'estaF

Guando dei por mim, estava a :iretora, )s l#%rimas, pin%ando de uatro em uatro, ) min$a'rente. Espetou auela coisin$a redonda, de um metal dourado, va%a+und*ssimo, em meupeito. A+raçou-me - coisa ue não 'iera com nen$um dos outros sorteados -, e da* o seu

c$oro s! 'e 'oi aumentar. Então c$orei tam+m.

Mesmo sem sa+er o motivo. Porue, in'elimente, não posso ver nin%um c$orando muito semc$orar tam+m.

9ivreF 9ivre dos seis anos de estudos mais pesados e importantes ue uma pessoa precisao+ri%atoriamente ter 1 se uiser ir mais alm, depois. 4e esta 'ase 'or pulada, di%amos, por exemplo, diretamente para o p!s-doutorado - como a %ente vê nos dias atuais - esueçaF Nãodar# +oa coisa. 4omente uns 'als#rios, ledores de orel$as - e todo tipo de empul$adores.

Era o mesmo ue correr a maratona, at o 'im, carre%ando nas costas o +oti"ão de %#s para aMãe. E tendo ue c$e%ar entre os primeiros. Isto, 'a de conta, na maratonaF

Pena ue vin$a muito lixo de entremeio. Este lixo era "ustamente o +oti"ão de %#s da Mãe,c$ein$o, pesad*ssimo, mas, neste caso, completamente in(til. Guerem verD

9er, entender, ter na ponta da l*n%ua todos os persona%ens e inclusive %losar “8 &ronco do<p3” , “As ;inas de "rata” , livros ue todo mundo odiava de cuspirF E desta maneira criaram 'oimuita inimiade, dauelas inimiades mortais, de'initivas, entre crianças e livros. Qdio. Aoponto de tantos não uererem "amais voltar a ler por praer. At o 'im da vida.

 A$, @os de AlencarF 4e te pe%assem uns meninos ue con$eço, eles te arrancavam era acalça, sem desvest*-la de ti... E seria pela ca+eçaF Isto como prem+ulo ao des+aste, 'io a 'io,de tua +ar+a inteirin$a, puxado cada 'io por um de n!s - ue so'remos com o teu $elenismopau-de-arara >o+ri%ado, =ov2F?, datado, en"oativo, empoladoF E como mereces inda mais, euc$amo aui o ;$im+ica, a atirar-te umas pedras 1 certeiras, ue eram as deles. Por 'im,possuid*ssimo da ira dos ue 'icaram na 'ila, em vão, ele $# de perorar a respeito de tua mãeF

Pois, tendo c$amado o ;$im+ica at aui, uma simples criança, das peuenas, c$amo, por outro lado, o pr!prio Padre Arlindo - um portento - para 'aer a de'esa de Alencar3

- Perdoe-se-l$e. Era um tarado e tin$a os v*cios de sua poca. 4e"amos caridosos...C somente isto, Padre ArlindoD Est# 'eita a de'esaD

- 4! mais uma palavrin$a...

/Mandemos, sim, para o 'o%o eterno do in'erno, toda a +ostela ue plane"ou e ue plane"a oensino no 6rasil, esses sim, verdadeiros ru@s melecas - ue não conse%uiram ser mdicos+ons e nem mais nada direitoF &oram encostar-se num e noutro car%o %overnamental, at iremparar no Ministrio da Educação - e de l#, "# provectos exclusivamente pela aparência e idade, "# respeitosos ) custa do carreirismo, c$eios de 'umaças ris*veis, ditarem as normas de ensino

)s crianças, ue nunca compreenderam nem c$e%aram a serF Esses sim, são unsde%enerados ue serão expulsos da portaria do cu, aos pontaps +em plantados em seustraseiros, por um 4ão Pedro "ust*ssimo e indi%nadoF Guanto a @os de Alencar, vamos

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esuecê-lo. Não 'oi Ministro de EstadoD Não 'oi :eputadoD Não 'oi pol*ticoD Esperavam ouêDF...0

 A%ora $# de ver, o leitor, como são as coisas... Eu, ue nem pensava nisso, es+arrei na escolaao contar min$a $ist!ria - e aca+ei pondo a carroça adiante dos +ois, taman$a 'oi a vontadeue deu de livrar-me lo%o dela, aui tam+m, nestas p#%inas.

Porue de verdade o prim#rio termina l# para os one ou doe anos de idade. E ainda estoul# pelo meu ;astelo, ol$ando a serrania pela escotil$a das tel$as.

 s vees assim. A %ente est# descascando um monte de +atatas para a Mãe. 9o%o nocomecin$o do serviço, vemos ue a 'aca est# ce%a. Não d#, mel$or parar. C preciso pe%ar apedra de amolar e l# vamos, dar um 'ioin$o direito, para ue a casca não saia muito %rossa. A+atata anda com o preço pela $ora da morteF Mas... 5nde estar# a pedra de a'iarD Al%umemprestou ao 4eu 4upr*cio, da casa uatro, auele mesmo ue 'aleceu mês passado, de ti'o. Aca+ou-se. A pedra de amolar entrou para o invent#rio. E, mesmo ue não $ouvesse entrado,uem ue tem a cora%em de ir l# e co+rarD Todos de luto pesado na casa. As mul$eres de

preto, at nos lenços de c$orar. 5s $omens da 'am*lia com auela tar"a preta, %rossa, num dos+raços do palet!, da camisa de 'icar em casa e at 1 descon'io - numa das man%as do pi"ama.

Pedir emprestada a um outro viin$oD Mas como, se a Mãe "# +ri%ou e parou de 'alar comtodos elesDF Não adianta reclamar da vida. C su+ir a ladeira, depois descer e ir no +aar do Au%usto /comprar0 uma nova pedra de amolar. Tudo, tudin$o, por causa de uma simples+atata. Assim a vida, imprevista. E a certea, exceção.

:a mesma maneira aui, nesta $ist!ria, todos aueles anos, ue custaram tanto a passar,passam nessas lin$as de 'orma completamente di'erente da vida verdadeira. Aui at ue 'oir#pido. Mas, na poca, 'oi pin%ando. Na $ora mesmo, no tempo mesmo, cada ano custavauase cem anos a passar. E assim , uando a %ente ainda peueno e uer lo%o crescer.

Pelo menos aui, uando c$e%ar a $ora certa da escola prim#ria começar ou terminar,'elimente "# poderemos pular toda ela e ir 'alar, por exemplo, de passarin$os. Tam+m %osto.4e o leitor não %ostar, uem sa+e, então, poderemos 'alar so+re o Padre Arlindo, moraliandoum +oteuim inteiro, lotado de cac$aceiros irremiss*veis...D 5u /apariç7es0D... 5nça, %ostaD

&oi +em ali no ;astelo ue pe%uei a via"ar mundo a'ora, lu%ares ue tin$am at pin%Kins.Em+ora a casa mesma, a nossa, +em ali em+aixo de mim, estivesse prestes a incendiar-se de%ritos e de loucura. Não $avia o menor pro+lema. Meu ponto pre'erido era "ustamente no lado

do extremo oposto, +em no princ*pio da vila, entre a la"e e o tel$ado, o leitor "# sa+e at mel$or do ue eu.Guando c$ovia não entrava uma %otin$a ue 'osse p2r em risco meus livros. Mesmo nauelestemporais ue inundavam a rua inteira, ao ponto de $aver nave%ação cerrada de /+ui7es0, ueera o nome ue se dava ali )s +!ias %randes, 'eitas de cmaras de pneu de camin$ão. E,depois da enc$ente, as rãs, outra instituição de cali+re entre a molecada.Pe%avam-se rãs, das %randes, em toda parte dauele 'inal de rua. E a %arotada, em transeuase i%ual ao das pipas, vin$a com 'ieiras delas amarradas pela cintura com /+ar+ante depadaria0.

- 5l$a esse mac$ãoF

- ;aral$o, (0 1ode, patolãoF...;om dois dedos, 'aia-se uma leve massa%em no t!rax do +atr#uio, entre os +raços. A rãa%arrava 'irme, 'osse mac$o ou 'êmea. Mas $avia a lenda 1 de ue somente os mac$os

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a%arravam, e a%arravam com 'irmea. m mac$o privile%iado, 'ornido de verdade, mel$or nemtentar3 poderia a%arrar de 'orma tão intensa ue os dedos a%arrados somente estariam livresda rã se amputados, ou, tendo-se a paciência necess#ria, no pr!ximo temporal com trovoadas.

:epois vin$am os +anuetes, ue eles pr!prios preparavam - com %uarnição de 'arin$a. Eunão participava. Tin$a pena das rãs, com seus ol$os tristes. Mas tam+m, auelasc$uvaradas, intens*ssimas - nunca mais vi i%uais depois - eram as mesmas /c$uvas de

amadurar %oia+a0, isto sim, uma paixão min$a, %oia+a de ve. At as verd*ssimas, 'icavamrosadas por dentro.

Mas eu estava era no ;astelo, con'erindo se ainda dauela ve um temporal tão tremendo não$avia mol$ado nada. Não. Tel$ado 'eito com responsa+ilidade, para durar sculos.Estando então o ;astelo tão a%rad#vel, provido at de castiçal de lata de sardin$a com vela eesteira de pal$a 1 esta, su+ida pela alta madru%ada porue era %rande e de di'*cil o+tenção -,não serei eu uem pensar# em voltar ) escola. 4omente vou lem+rar, e isto porue $avia meesuecido uando passei a carroça na 'rente dos +ois, ue da escola veio um excelentere'orço ao ;astelo, mesmo sendo provis!rio - 'isicamente.

&oram uns livros ue encontrei na peuena e nada 'reKentada +i+lioteca escolar.  As 90riasFGue $ist!riaF ma das primeiras3 $ist!ria, de verdade, livro, de capa a capa, não des'aendodos peuenos contos resumidos da #ole)ão. E, por dentro, a %ente via ue $avia sido escritapor %ente de castelo tam+m. Porue $avia l#, +em assim, na p#%ina de rosto3 /&ítulo original,>es acances - #omtesse de $0gur, ilustr0 par 1ertall, 7achette” . Inesuec*vel, porue este 'oi "ustamente o primeiro.

E $avia ainda maisF Tudo vir%in$o, em+ora parecessem tão vel$os uanto a Av!, ou mais. Eutin$a ue usar uma %ilete para separar as p#%inas ue nunca antes $aviam sido lidasF Atescrevi um poema3 “>ivros Es*uecidos” , ue 'oi desco+erto por um a+el$udo ue 'uçou meucaderno e tomei 'oi muita da vaia, at das meninasF

No entremeio do tesouro de via%ens e aventuras ue eu $avia desco+erto na saletaa+andonada da escola, su+iam tam+m os cadernos, a %eometria e tudo auilo de ue eu nãopoderia escapar - para a o+ri%ação pesada e ue era co+rada com durea pelos pro'essores3o dever de casa. Era a primeira coisa ue eu 'aia, procurando me livrar lo%o, de um estirão,dauele /%ril$ão de p0. :e novo, o Av2.

Mas era preciso estar sempre de ouvido atento. Porue, caso a min$a presença 'osse co+radal# em+aixo, era preciso descer )s ocultas e su"ar um +ocado o corpo com a lama preta doc$arco. :epois, sim, se apresentar3

- 4im, Mãe.- =ive sumidoF Estou procurando o sen$or $# meia $ora. Na pr!xima ve...- Estava procurando uma a+!+ora, Mãe. :as %randes. Para o mês todo.- 6om. 6em ue era preciso. Mas, a (ltima, "# 'a uase um anoF- Elas demoram muito a crescer, Mãe. Alm disso, os pre#s...- ;ale a +ocaF 9# vem +a+oseira de livroF 9ivro, não enc$e o ra+o de nin%umF 5 %#s aca+ou.Pe%ue o +oti"ão vaio e v# l# na praça. Pede ao Portu%a...- Mas... Mãe, e se ele uiser me matarD- 4eus irmãos não podem. Estão doentesF =# rolando o +oti"ão. &ale nas /almas0, ele devoto.E não me apareça aui sem esse +oti"ão, c$eio, sem muita lama e antes da noiteF- 4im, Mãe, eu dou um "eito. Estou indo...

- =olta aui, et(lioF- 4im sen$ora, Mãe.- =en$a c#... 5 sen$or não tem andado nu a* pelo c$arco, não D @# est# com uase de...

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- ;laro ue não, Mãe. Eu ten$o ver%on$a.- A$, +om. 6raços enlameados, pernas enlameadas... e nem uma %ota no calção...- Eu ten$o muito cuidado, Mãe. Não uero ue a sen$ora ten$a ue lavar... 

VVV

ma ve por semana uem descia a lon%a ladeira de nossa rua era o Padre Arlindo.

;$e%ava a ser +onito ver a reli%iosidade instintiva dos nossos cac$orros de rua, tudo, ouuase tudo, sem dono. ;om o Av2, ue era +aixote, era auela valentia ue a %ente "#con$ece. ;om Padre Arlindo, ue era um verdadeiro /tronco am+ulante0, comococ$ic$#vamos, era uma s! dispersão nauele enxame todo de cac$orros. Nem um latido.Pelo contr#rio, corriam c$oromin%ando, como se pudessem antecipar o e'eito das +otinas decouro %rosso, ressecado, ue nem uma mãoin$a de %raxa, para amaciar, rece+iam - sa+e l#:eus $# uantos anos.

 A Mãe reunia-nos todos, porue dava tempo. Guando despontava o nari%ão do Padre Arlindo -sempre a primeira parte dele a ser avistada no cume da ladeira e su+indo, su+indo sempre,at começar a descer, "# com o restante do corpo 'aendo parte -, antes mesmo ue "# se

pudesse vê-lo de corpo inteiro, "# estava dado o alarme.

 Avistado inteirin$o, Padre Arlindo ou ualuer outra pessoa ainda levaria al%um tempo atc$e%ar ) nossa casa, porue $avia era c$ão.ma ve tendo soado o alarme, era o corre-corre de tirar-se um +alde de #%ua do poço elavarem-se al%umas caras. A Mãe dava al%umas vassouradas a esmo pela casa erapidamente nos en'ileirava. Tin$a na mão um pente vel$o, desdentado. ;om ele, e al%umcuspe, 'aia o ue podia com nossos ca+elos. E ainda t*n$amos ue a"eitar as camas, virar travesseiros e lenç!isB em suma dis'arçar tudo.

5 nosso padre entrava vila adentro, ue era terreno comum, e parava diante da (ltima porta,+atendo palmas, duas vees s! 1 e +em 'racas. 4a+ia ue "# era esperado. 4a+ia ue $aviasido /avistado no $orionte0, +em uns uine minutos antes. W%uia i%ual a ele, s! mesmo a Av!. No entanto, a Mãe 'in%ia surpresa ao a+rir a porta.

Xamos, um a um, +ei"ar-l$e a mão e tomar-l$e a +enção - primeira coisa a ser 'eita uando seencontrava um parente mais vel$o ou um padre. E ele nos a'a%ava a ca+eça, com carin$o, certo, mas ao mesmo tempo examinando 'erimentos como uem ol$a outra coisa. 5 estado depernas e de ventres, de orel$as e de ol$os. E parecia contrariado com o ue via - em+ora nãodissesse nada, de imediato. &alava num tom +aixo com a Mãe e com todos n!s tam+m. Altoele somente 'alava na casa de :eus. Guando muito, na rua.

Tin$a o costume, ue sempre l$e admirei +astante, de não 'aer parte dauela maioria uediia /mande as crianças darem uma voltin$a...0 ;onversava com a Mãe, ali, na nossa 'rente.E n!s "# nem sa+*amos o ue ele estava mais - se triste ou preocupado. 5u tudo ao mesmotempo. Não tocava no nome do Pai, o inimi%o 'u%itivo. Isto seria uma ue+ra do c!di%o de$onra dos ue %uerreiam - tripudiar um inimi%o vencido ou acovardado.

=erdade ue Padre Arlindo parecia nem lem+rar mais do Pai. Estava preocupado conosco,distra*a do resto. :iia ) Mãe ue, mesmo nas piores situaç7es, era preciso lutar, manter ascrianças limpas, sem muitas 'eridas e com o m*nimo de piol$os poss*vel. ;uidar da casa, davida ue se%uia. E a Mãe concordava com tudo, na $ora.

E nosso padre, i%ualin$o ao Av2, tam+m não demorava uase nada ali. Pois se, muitasvees, "# vin$a com o sauin$o dos !leos santos e demais 'erramentas de perdoar pecadoresem leito de morteF :ali ainda iria a v#rios outros lu%ares.

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5 +airro era po+re, sim, mas peueno não era. E Padre Arlindo corria-o todo, de ponta aponta, todos os dias.

&inaliando a visita, puxava para 'ora o +olso 'undo da +atina vel$a, ue vin$a inteiro, comoum %rande coador de ca', dos anti%os. ;olocava então, em cima da mesa, parte do conte(dodo ue outros cristãos $aviam entre%ue a :eus nas (ltimas missas. Não 'icava com umamoedin$a ue 'osse /para 'aer cantar um ce%o0 Porue, ac$o, at um ce%o 1 e não os

t*n$amos no +airro 1 tiraria de sua latin$a esmolas al%uns co+res, se pudesse enxer%ar oestado em ue n!s, crianças, est#vamos.

 Auele $omenarrão, ue nem c$e%ara a sentar-se, a descansar os seus sessenta e poucosanos - uns de "# %astos no +airro -, 'aia suas despedidas diendo para a Mãe3- Min$a 'il$a, somos todos po+res e você sa+e. Aui, cada ual mal pode com a sua pr!pria'am*lia...- Eu sei, padre...- Pe%ue o din$eiro ue est# em cima da mesa e compre um pouco de 'ei"ão, de arro, umpedacin$o de carne-seca. Ainda $# de so+rar, uerendo :eus, uns centavos para ue você v#ate a 'arm#cia e pe%ue l# um papelin$o de sul'a. 9ave +em, com #%ua limpa, o "oel$o deste

menorin$o. E depois, não se esueça, seue com um pano limpo, antes de polvil$ar a sul'a.Est# muito 'eio.- 4im sen$or, Padre Arlindo.- E ue :eus a+ençoe a todos vocês. Eu volto, na pr!xima semana.

:esta ve disse isto e não saiu direto, como 'aia sempre. <avia "untado era %ente, como depraxe. Todos escondidos, claro. As visitas de nosso padre eram /um acontecimento0 ali no'im da rua. E Padre Arlindo não %ostava, nem um pouuin$o, disto. Era %ente ue secompraia com a nossa des%raça.

6em de'ronte ) porta de nossa casa, "# em terras da vila mas muito pr!xima ) nossa "anela,t*n$amos a %al$ada de uma %oia+eira das %randes. 5 padre parou e, ol$ando em nossadireção, "untos ue est#vamos, em despedida, mandou-nos uma (ltima +enção3- &iuem com :eusF:eu então um repelão tremendo na #rvore. 9# veio a+aixo, "unto com umas %oia+as verdes,meia d(ia de moleues, espi7es de suas mães. ma ve 'eita esta col$eita, Padre Arlindonem ol$ou para tr#s, a ver o ue tin$a ca*do.&oi em+ora, tratar da vida e da morte de outras pessoas. ;om +ondade. ma +ondade uenão deixava de ser um pouco truculenta, admitamos. Mas, a'inal, ue di'erença 'a, se eramesmo +ondade, das +oasD 

 A Mãe "o%ava no +ic$o. Ac$o ue $avia 'icado viciada. Tin$a 'ol$as e mais 'ol$as de papel,umas ta+elas, com /as mil$ares0 en'ileiradas e ue iam sendo sempre atualiadas com osresultados do "o%o. ;$amava-se a isto a /puxada0. ma espcie de $ist!rico dos resultadosanteriores, or%aniados de 'orma a serem consultados, como or#culos.

/Man$ã0 >ou /de dia0?, /tarde0 >ou /de noite0?B /mão no saco0, /paratodos0 e a /&ederal0, ueaproveitava os resultados da loteria o'icial, duas vees por semana. Assim ue sec$amavam os $or#rios ou eventos de apostas. A /puxada0 era uma mistura de estat*sticarudimentar com superstição numrica. Não posso explicar. =# eu aui tentar 'aer o leitor entender a raão pela ual /um leão0, ue saiu ) noite, na ca+eça, /puxava0 /um ele'ante0,

sem falhas, no /de dia0 da man$ã se%uinte. 4! escrevendo um tratado, dos %randes.

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E claro, como todas as doutrinas e pseudociências ue vim a o+servar adiante, em min$avida ue "# vai lon%a, a /puxada0 era tão ou mais in(til ue a pr!pria psican#lise. Assim ia o din$eiro do 'ei"ão para o Gue+ra-Gueixo, o +anueiro do "o%o do +ic$o. A Mãenunca 'oi de ter sorte no "o%o, ao contr#rio de min$a madrin$a ue, com auilo ue pa%aria por uma simples %arra'a de leite, %an$ou o su'iciente para dois meses, inteirin$os, de 'rias, naroçaF

Eu era o encarre%ado de 'aer as apostas. Procurar os +ic$eiros ue 'icavam diante de um+oteuim, numa rua pr!xima e ainda mais po+re ue a nossa. Mas, )s vees, em pocas deperse%uição policial, eles se escondiam e apontavam o "o%o em clareirin$as ocultas em al%ummata%al %rande. 5 di'*cil era ac$#-los 1 e ai de mim ue não ac$asse. Tornei-me, assim,mateiro dos +ons, con$ecedor de rastro de +ic$eiro, de pol*cia, de +ic$o ou do ue 'ossenecess#rio encontrar ou evitar.

Não $avia, para mim e tam+m para a Mãe, dias piores ue aueles em ue o din$eiro 'oratodo perdido. Para ela não propriamente porue 'ora perdido, mas, principalmente, porue'altava para novas apostas.- E auele padre, com o ra+o entupido de din$eiro, ue nos deixa tão poucoF

Não era assim. Eu sa+ia. E lo%o depois, no catecismo, o+servei ainda mel$or ue a +atina doPadre Arlindo s! tin$a um (nico +olso. E ele morava num uartin$o, nos 'undos da i%re"a, ues! tin$a uma cama com colc$ão de capim. ;omia o ue l$e davam e uando davam, pois nem'o%ão tin$a. E nem outra +atinaF 4! a +ranca, da uaresma. Tirando o ue eu disse, /maisnada de seu0. ma ve, na inocência, per%untei-l$e3- Padre, onde o sen$or %uarda suas coisasD- Estão todas a*, meu 'il$o...- Não tem maisD...- Não são necess#rias. C preciso estar sempre pronto a via"ar, sem coisas ue nosem+aracem...

;om a 'orme apertando, o "o%o da Mãe inteirin$o perdido, muita 'ome - tanto a min$a uanto aue estava vendo dentro de casa -, o+ri%uei-me a recol$er um sem n(mero de rãs nac$arneca. Rãs ue at con'iavam em mim3 eu pa%ava-as com as mãos e depois soltava-as.;ontrariado ao extremo, c$e%uei em casa com duas 'ieiras pesadas. A Mãe ol$ou-me, com asso+rancel$as arueadas, muito surpreendida, como se um in(til, um inv#lido, $ouvesse dadoum +om passo, ou at um salto. ;omeçou a esuentar #%ua numa panela e mandou-me matar todas. Por esta eu não esperava.Pe%uei a t#+ua de carne e um 'acão de coin$a. Meus outros irmãos estavam de cama, com a'e+re - e com os traseiros casti%adas pelo 6enetacil. Não $avia escapat!ria. Ao cortar a ca+eça da rã, auele +ic$o soltou um c$iado, como um ran%ido alto de dor. ;ustou

um pouco a morrer. E ali, eu ac$o, morri um pouco com ela.- Mãe, desculpe. Não posso matar as outras...- Mas, por uêD- Eu sinto muita pena... A Mãe então, de um se%undo para o outro, entrou em estado de '(ria.- A$F Então... Aui temos um maricasF m maricasF m maricasF m mariiiiicasFFFE arrancado a 'aca de min$as mãos, "o%ou uma 'ieira inteira de rãs dentro da pia e passou aes'aue#-las, onde pe%asse, com %olpes incessantes e sempre %ritando3- m maricasF m maricasF m mariiiiicasFFFEntão, 'u%i dali.Não vou mentir para o leitor. Para ueD :uvido ue eu ainda este"a entre os vivos, no seio da

po+re e in'eli $umanidade, se e uando estas p#%inas 'orem pu+licadas.

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&icar mais uma noite sem comer, escondido no ;astelo porue a Mãe ueria me pe%ar, istonão era l# %rande pro+lema. 4er c$amado de maricas, uma ou um mil$ão de vees, não 'e amenor di'erença para mim.Mas, por dcadas e dcadas 'uturas, nunca pude esuecer-me do som ue auele animalemitiu, +em ali, so+ a lmina do 'acão com ue eu l$e cortava a ca+eça, casando-l$e taman$oso'rimento. Não pude esuecer-me e nem "amais perdoar-me direito, at $o"e. Porue auelasrãs me con$eciam. E $aviam con'iado em mim.

 A Av! nunca veio nos visitar ou mandou ualuer coisa. Tin$a l# o seu pouco din$eirin$o,separado da ma%ra aposentadoria do Av2. :in$eiro ue recol$ia dos 'il$os, talve a t*tulo de'oro e laudêmio pela ocupação do terreno em ue $aviam assentado suas casas...

Não sei se por causa /do coração0, nunca esteve l# em casa, se"a antes ou depois de o Paivia"ar. Nem c$e%ou a con$ecer auele 'inalin$o de rua em ue moramos, por tantos anos. A Av! era realmente ocupada e talve s! marc$asse at ali se rece+esse al%uma den(ncia de'eitiçaria, ualuer coisa ue necessitasse da caridade de uma inuisição.

Ia a todas as missas ue $avia 1 durante todos os dias do ano. 4empre com o vu de rendane%ra ue l$e co+ria a ca+eça durante o tempo ue estivesse dentro da i%re"a. @# sa*a de casaparamentada com a 'aixa vermel$a, uma espcie de comenda de alto escalão ue l$e cruavao t!rax, por ser /'il$a de Maria0. Respondia certin$o ao latin!rio das missas e ainda, de ue+ra,+al+uciava o tempo todo da missa, de 'orma inaud*vel, outras coisas ue não eram asrespostas o+ri%at!rias. Mas não sei se isto era em latim, porue, sendo mais uma espcie deum+ido, eu não conse%uia apan$ar nem uma palavra dauilo.

Era ela ue cuidava do altar, dos arran"os de 'lores, da provisão de velas e de toal$in$as derendas. Todo auele latim, eu descon'iava, era coisa decorada, desde sempre, desde criança.Talve nem sou+esse o si%ni'icado das coisas ue respondia na missa, $avia "# tantasdcadas. Reli%ios*ssima, desde +e+ein$a, a Av! tin$a, ainda assim, uma visão altamenteparticular da Reli%ião e das coisas de :eus. Guerem verD

 Assim ue começaram os trmites, as proclamas para o casamento por procuração entreaueles meus dois ancestrais, a Av! 'icou sa+endo, 'inalmente, o nome do Av2. Não somenteo nome, mas, ainda3 o nome completo. <avia um ;ru, como (ltimo nomeB como nome ue eladeveria acoplar ao seu pr!prio, l# dela, est# visto.

Recusou-se. Terminantemente. Ac$o ue a Av! era assim tão reli%iosa por dois motivosprincipais. Em primeir*ssimo lu%ar, não ueria ir morar no in'erno pela eternidade toda. Em

se%undo lu%ar, coisa não tão importante, ir morar no cu não c$e%ava a ser al%o de tododesa%rad#vel. Mas carre%ar uma cru, não. @amais. Nem mesmo no nome 1 e uanto mais nonomeF Poderia dar aar.Tanto ue, eu, ue deveria traer um ;ru como pen(ltimo nome, não tra%o. =eio, em seulu%ar, o 6ernardes 1 da 'am*lia da mãe de meu av2. 4e%undo me contaram depois, isto teveue ir ao =aticano. Mas, a'inal, o ue era o =aticano, se comparado ) min$a av!D

@# o Av2, não. Nunca 'oi a uma missin$a 1 nem auelas mais r#pidas, readas com todomundo em "e"um. Mas sa+ia latim a %ranel. Para atualiar-se, $avia "untado uma coleçãocompleta do /Almanaue do 6iot2nico &ontoura0. s vees a Av! o c$amava de /pedreiro-livre0, mas eu ac$ava ue a Av!, a* sim, estava era variando...

5 Av2 não %ostava de ti"olos, %ostava era de madeira, como eu mesmo, ue $erdei isto dele. Ea vel$a ainda diia3 /auele 'lautista tem lu%ar %arantido na 'ornal$a do in'erno0... E o Av2, oue ele tocava era viola, não muito +em, recon$eço.

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;om Padre Arlindo, o Av2 dava-se +em, em+ora não 'osse um /'re%uês0, com diia o pr!priopai de min$a mãe. 5 padre, por seu turno, não l$e co+rava a presença em missa e nem outrao+ri%ação reli%iosa. A seu modo, os dois se entendiam direito.Mesmo o Av2 não +ei"ando a mão do nosso padre, ou tirando o c$apu uando o avistava, ou+enendo-se v#rias vees - como era a o+ri%ação de uem avistava um sacerdote de :eus.No entanto, diri%ia-se ao p#roco com todo o respeito3

- 6oas, PadreF ;omo vai o ne%!cio de :eusD E vossa sen$oria, como tem passadoD- :eus não est# +em servido, meu caro... Peca-se at durante o sono, neste mundo...E sorriam, am+os, se%uindo cada ual seu tra"eto.

VVVMeu tio mais novo, o (ltimo 'il$o ue nasceu de meus av!s maternos, era rico. ;ustou,verdade se"a dita, al%um tempo at "untar todo o din$eirão ue l$e permitiria construir opalacete de dois andares - nos 'undos do terreno da casa de meus av!s.Pena ue não 'oi meu padrin$o, não dei esta sorte. Porue veio um irmão meu e arre+atou-l$e o patroc*nio, antes ue eu nascesse.@# de cara, esse meu irmão sortudo %an$ou de presente de +atiado um dep!sito imenso,

numa /caderneta de poupança0, para ser retirado somente uando completasse deoito anos.Porm, como vim a notar mais tarde, aca+ei dando sorte no aar. Porue este tio rico %ostoumais 'oi "ustamente de mim. E me levava com o restante de sua 'am*lia para a casa de praiaue aca+ou por 'aer num lu%ar c$eio de 'lorestas e na +eira do mar, do "eito ue eu mais%osto. 4! assim eu descansava um pouco da Mãe. E eu nem ueria nunca mais voltar dessas'rias anuais.:epois 'oi ue vi, este meu Tio Rico $avia me pe%ado como o 'il$o $omem ue ueria ter tidoe não teve. =ieram 'oram duas meninas, min$as primin$as, +onitas, verdade. E o Tio Ricoparou de tentar. Não 'e como o meu padrin$o ue 'icou tentando, tentando... Guando viu,estava com a casa lotada de 'il$as, nen$um 'il$o $omem - e as despesas de c$e'e de tri+o,sem ser nem ao menos pa%...

Esse meu padrin$o era po+re. E tam+m irmão da Mãe, claro. Era um simples sapateiro,esse mesmin$o ue tin$a um monte de 'il$as. Ainda assim, nunca deixou de a"udar-me.Principalmente mais tarde, uando mudamos para a casa dos av!s. Eram prat7es de comida,todos os dias, 'oi a min$a /primeira calça comprida0, um monte de coisas.m padrin$o po+re, mas dos +ons. E a mul$er dele, min$a madrin$a, era a mel$or dasmadrin$as ue um menino poderia pedir. Nem uma 'ada seria tão +ondosa - e c$eia decarin$os com um a'il$ado de 'ada.

E a %ente "# sa+e3 essas coisas de din$eiros não valem nadaF Tanto ue, deoito anos

depois de nascido, esse meu irmão premiado 'oi l# no +anco - com a caderneta na mão e "#todo 'eli, porue estava %arantida a construção, a'inal, de uma +oa dentadura postiça ue eletraia de ol$o $# +om tempo... Mas, nadaF

5 +anco in'ormou-o ue /devido )s mudanças monet#rias0, ue $aviam sido in(meras, aueladin$eirama toda $avia evaporado, não existia mais. ;ustou 'oi muito a o+ter sua dentadura,tão esperada. Mas não veio do +anco o din$eiroB veio 'oi do Tio Rico, novamente. Pa%ou duasdentaduras, em ve de uma s!, para meu irmão. Auilo 'oi mais uma 'ortuna ue o meu TioRico "o%ou no lixo.Eu ue não deixo um centavo nesses co'res 'urados. Principalmente se 'or do 8overnoF Milvees mel$or tomar tudo de sorvete - ou dar três voltas ao mundo, mesmo sem vontade... 5u

 "o%ar pela "anelaB ualuer coisa. Menos p2r na mão do ru'ião.

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 A Mãe odiava o Tio Rico. :eixou de 'alar com ele e nunca mais se reconciliou. Tudo porue,diia ela, /auilo um in%rato, um criminoso dos %randes0. Não sei se a Mãe tin$a raão ounão. Mas meu tio, ima%ine, detestava tudo isto.5 ue aconteceu 'oi ue, pouco antes da 8uerra, este tio $avia completado uatore anos e aMãe arran"ou-l$e uma va%a de aprendi de torneiro mecnico - na '#+rica dos americanos. E omeu Tio Rico, ue nem era rico nesta poca, não uis ir.Não uis e com toda raãoF Pois se estava tão +em na '#+rica de caixas de c$apus, perto de

casa e, o mais importante, onde $avia começado a namorar min$a 'utura tia - ue tra+al$avatam+m por l#F E era começo de namoro, amor novin$o em 'ol$a...

Min$a mãe contava sempre, para mim, para os viin$os e para o restante da 'am*lia, ue "#con$ecia essa $ist!ria at de tr#s para 'rente, ue /não 'osse o tapão ue pre%uei-l$e na carae mais um pedaço de pau ue traia, este maldito "amais teria começado a 'icar rico, poruenão ueria ir para os americanos, por causa do ra+o-de-saia0.

Muito +em. 5 Tio Rico aca+ou indo e aprendeu a pro'issão com rara $a+ilidade. ;asou-se coma anti%a namorada 1 ue revelou-se uma prola. &oi "untando os sal#rios e aca+ou dono dapr!pria o'icina, com empre%ados e tudoF A%ora, evidentemente, deveria repartir o ue tin$a,

meio a meio com a Mãe. 5u at, se 'osse um $omem "usto /e não um %anancioso miser#vel0,entre%ar ) Mãe tudin$o, /com "uros0.Mas ele não uis. Guis apenas a"udar no ue 'osse poss*vel 1 e isto a Mãe não aceitava, era oc(mulo da in%ratidãoF Tomou-se de !dio por meu Tio Rico e não podia vê-lo de perto sem ter uma explosão de revolta.

4e +em não uisesse, aca+ei por apresentar ao leitor dois de meus tios $omens. Meu Tio Ricoe meu Tio 4apateiro, e este, por ser meu padrin$o, 'ica aui nomeado simplesmente comoPadrin$o 1 o ue não poucoF - caso volte a aparecer nessas lin$as. Isto, claro, 'icar# mais com ele. Não sei se dese"ar# andar por aui. Em todo caso, est# convidado e ser# muito+em-vindoF

 Apresentei dois tios e 'oi s! de nome, sei disso. Mas apresentei. E o outroD E se ele sou+erDPara não ser in"usto, coisa ue procuro não ser, preciso não deixar de 'ora o terceiro tio, o(ltimo deste con"unto 'ec$ado - o de tios por parte de mãe, $omens.

=amos, então, traê-lo - mas com certo cuidado. E aui vou avisando, desde "# e ap!s 'aer asadvertências necess#rias, de ue não posso ser responsa+iliado por ualuer das coisas ueele ven$a a contar ao leitor. Est# 'eito o aviso.

Não m# pessoa, muito pelo contr#rio. E 'oi o (nico estudioso dentre todos os seis 'il$os do

 Av2 com a Av!. Ainda adolescente "# demonstrava seu talento em relação )s invenç7es.Mesmo, conven$amos, em relação )s invenç7es de se%unda mão. Assim, s! para dar um exemplo, um exemplo peueno, este meu tio reinventou o /r#dio de%alena0, coisa de pasmar não s! o +airro inteiro - mas tam+m uma redondea vasta. E uase'icou 'amosoF Estudioso, criativo - e com tendências art*sticas. 9ocutor do pr!prio r#dio ueinventou, criou tam+m um r#dio "ornal 1 e as /not*cias0 todas, inclusive al%uns 'alecimentosde autoridades internacionais.

Tanto estudou ue, enuanto os outros irmãos so'riam - um com as solas duras dos sapatos eo outro com a %raxa dos tornos -, este meu (ltimo tio, ue 'oi na verdade o primeiro, por $aver nascido antes de todo mundo >'osse mul$er ou $omem da prole de meus av!s?, re'estelou-se

a vida inteira com o +om empre%o de cont*nuo de um +anco. =amos, portanto, c$am#-lo auide o meu /Tio 6anc#rio0.

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Talve por $aver sido o primeiro 'il$o, rece+eu mais ue todos os outros "untos, somados edepois multiplicados, a mais 'ormid#vel das descar%as "# 'eitas pelo Av2, portador respeit#velde uma $erança ancestral de $ero*smo e de 'açan$as.

 A Mãe continuava nervosa. ;ada ve mais e mais e maisF E não di%o, tudo, tudin$o mesmo,mas +em uns noventa e cinco por cento, por causa da /virtude0. 4! sei disto $o"e, porue na

poca eu nem ima%inava.

Guando o Pai nos deixou, a Mãe teria, uando muito, uns trinta e uatro anos. Ela semprediia ue tin$a a /virtude0, ue /era mul$er de um $omem s!0. ;ontava ue o dentista do+airro, um cearense desa're%ueado, mas /doutor de anel no dedo0, $avia "# 'eito v#riaspropostas amorosas a ela. Nem ele, e nem mais nin%um conse%uiriam tir#-la do camin$o davirtude. @# +astava a ver%on$a de ser /mul$er sem marido0, um verdadeiro an#tema nauelestempos.

Trinta e uatro anos, descontados uns de de per*odos de +ri%as terr*veis, durante os uais,in'mia das in'mias, o Pai /não a procurava0 e est# pintado o uadro de uma mul$er em

estado de $isteria completa e permanente.Esses pro+lemas sa*am-l$e por todos os poros. ;omo, por exemplo, uando comentavaconosco, num estado estran$*ssimo, uase salivante, /A$F 5 :euc*dio, um rapa tão +onitoF9indoF :e 'am*lia decente, servindo o uartel, nauele uni'orme impec#velF0

Isto 'aia parte das cr2nicas noturnas da Mãe. 5corria de ve em uando, nas luas de /contar $ist!rias0, l# dela. Era ue /:ona Esmeralda vive amasiada com o pr!prio irmão0 e mais umacarrada de coment#rios deste tipo, entremeados por um ou outro coment#rio de outra espcie,da espcie de coment#rios ue 'aia so+re os /rapaes 'ortes e lindos0, assim, como uemadmira de 'orma desinteressada, diletante, a 'lor da "uventude, exclusivamente m#scula.

5raF Eu ac$ava ue a Mãe estava era 'icando completamente loucaF Pois o :euc*dio, umca+loco terroso, com auele nin$o de pardal na ca+eça, o /corte reco0, 'eiç7es tosu*ssimas,um mal a"am+rado de tudo, de cima a+aixoF E uanto a m(sculos, ao '*sico, de ueadiantavamD Ele era um asnoF A Mãe tin$a 'icado completamente malucaF- Guisera eu, ter um 'il$o assim...:eus me livre e %uardeF Ter um irmão dauelesF @# +astavam os ue eu tin$a... e mais umoutro, ue uase tive, o T!ta.

&oi numa poca de %rande a+astança, tempo +om e anti%o 1 em+ora passa%eiro -, uando euainda ia l# pelos meus uatro anos de idade. <avia at um cac$o de +ananas maduras,

pendurado na coin$a, "unto com o c$arue. &ei"ão, arro e carne enlatada na dispensa 1 emais um monte de outras coisas de comer. 5 Pai estava em casa, de !timo $umor3 $aviao+tido crdito com o Turco, novato em Alm. Este @ac! $avia a+erto uma mercearia, novin$aem 'ol$a, contrariando os interesses dos patr*cios - ue detestaram a idia. Nin%um o avisou,portanto, de nada so+re nada. Tornou-se então tam+m um novato no ne%!cio de 'iar ao Pai,po+re coitado.

@usto por estes dias, A Mãe, ue era dada )s %randes %enerosidades uando estava 'eli,resolveu adotar o T!ta, 'il$o de uma lavadeira ue atendia uma ou duas 'am*lias da vila. A mãe de T!ta, +astante so'rida, traia sempre consi%o uma de suas crias. 8eralmente era aNiin$a, nos seus uatro anos de idade, ue aca+ou 'icando l# pela rua de uma ve, a%re%ada

) 'am*lia do 4eu 4upr*cio, ue não possu*a crianças "orrando aos +or+ot7es. Ac$o ue auelamul$er resolveu tentar o mesmo com o T!ta. E uase "# ia conse%uindo, porue esueceu o

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menino, dois anos, se tanto 1 e mais uma trouxa de roupas ue não pertencia a nin%um l# davila, em uma tarde ue c$e%ou /mais do ue %olada0, se%undo o+servou a Mãe.

Tendo a mãe esuecido o T!ta, não na casa de um 're%uês, mas, sim, no territ!rio comunal davila de casas em ue mor#vamos, a Mãe indi%nou-se e disse3 /=amos adotar esta criançaF0 Eadotou.5 T!ta mesmo, de si, se en"eitado 'ora, não se deu por ac$ado3 estava l# sentadin$o,

tranKilo, comendo o seu +arro e +rincando de mar numa poça d#%ua ue um c$uvarão $aviadeixado.

Recol$ido e lavado, mal lavado, se"amos $onestos, começaram imediatamente os mimos3- 8osta de +ananaD- T!taF6ananas para auela criança, com al%uma precaução - senão o o%ro peuenino teria nosdevorado todas as pencas do cac$o e mais o talo, como so+remesa.- 8osta de 'ei"ão com 'arin$aD- T!taF&ei"ão com 'arin$a para o T!ta, +atiad*ssimo "#, depois da se%unda ou terceira resposta.

- Est# cansadoD- T!taF- T!ta, %osta de pão com ovoD- T!taFE assim 'oi. T!ta parecia não ter 'undoB então a Mãe desistiu3 era $ora de dormir.:orm*amos, n!s, crianças, em duas camas apertadas e ue 'icavam unidas 1 tentando ser su'icientes a n!s uatro, sem serem, no entanto. <avia sempre um desem+arcado, no c$ão 1e nem por isto mais acordado ue o restante dos outros. 5u então empil$ado por cima danin$ada de irmãos. A%ora, a partir dauela noite, ainda ter*amos o T!ta, ue entrara para a'am*lia. Mau ne%!cio3 essas camas não comportavam mais um piol$o des%arrado.

:eu-se um "eito, contrariando uma lei ue somente mais tarde ir*amos todos con$ecer mel$or.Pela madru%ada, acordamos uase 'lutuando em merda l*uida3 $av*amos imprensado o T!taF Auela criança, le%*tima representante da po+rea, mais ainda ue n!s - ue a $av*amosa+ri%ado -, parecia poder conter, em si, um volume maior ue o seu todo inteiro - emexcrementos liue'eitos pela verminose. E não parava mais, mesmo dormindo 1 tanuil*ssimoF

Portanto, na man$ã se%uinte, +em cedo, estava o T!ta expulso de nossa 'am*lia. &oi devolvido) sua, com o dispêndio de passa%ens, v#rias, at ue se ac$ou, em Gueimados, a residênciadauela sua mãe esuecida.

E a%oraD Nem ia 'alar no T!ta, um parente tão passa%eiroF Mas o miseravelin$o veio. C tocar para 'rente a $ist!ria, do "eito ue 'or poss*vel.

@# ue compreendemos mel$or a Mãe, $o"e, concedamos-l$e o desconto da "ustiça. Euac$ava o :euc*dio e toda a sua casta muito para l# de asuerosos, porue amava as meninase somente podia ver a +elea numa mul$er.Não ac$ava, como ac$o $o"e - porue não sa+ia ac$ar essas coisas na poca. Mas sentia oencanto ue uma +ela mul$er espal$a ) sua passa%em. E, deste encanto, nada se perde -nem mesmo um simples mas precioso suspiro...

Estando a Mãe tão nervosa, como sempre, e o verão torrando - aulas terminadas e o Tio Rico

tendo avisado3 /Pe%ue suas coisas, n!s vamos para o mar, uns dois meses...0, eu não tin$a opro+lema das autoriaç7es. 4eria menos uma +oca, um %aroto in(til, detestado, estran$o, 'orade vista - nauelas anti%as 'rias escolares, ue duravam três mesesF

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Ia então com o Tio Rico, min$as duas primas ricas e com a Tia Rica, de carroF, para a +eira domar e do mato. =amos, a%orin$a mesmo, porue eu adoro o mar, o c$eiro do mar. 5 mato e oc$eiro do mato. Nunca 'oi um %ostar ualuerB um amor descomedido, ue nasceu antes demim mesmo, uma paixão sem 'ita mtrica.

&rias

5 Tio Rico, ue eu via ) noitin$a voltando de sua o'icina, em começos de 'ortuna, esse mesmoue passava rapidamente para tomar a +enção ) Av!, ue era no tra"eto de sua casa, estemesmo ue vin$a ne%ro de %raxa, montado em sua vel$a e +arul$enta motoneta - umaverdadeira m#uina de economiar din$eiro -, tin$a a%ora um carrão, uma Rural Yillis SZ[\,de se%unda mão mas com poucos anos de uso. Ele aca+ara de compr#-la e era nela uepartir*amos do portão da casa de meus av!s. Eu s! levava dois calç7es, duas ou três camisas%astas, dauelas ue eram 'eitas em casa, com o tecido vel$o dos vestidos da Mãe, e mais osc$inelos ue tin$a nos ps. Mais nada. Era tudo o ue /tin$a de meu0.

 A+oletava-me no +anco traseiro, "unto com min$as duas primas. 5 Av2 ia no +anco da 'rente,com min$a tia e meu tio, ricos. Para o vel$o era tempo de descansar da Av!.

5 Tio Rico então, "# com o motor li%ado, per%untava a n!s, crianças, se $avia ou não $aviaesuecido de /tirar o 'reio de mão0. Respond*amos "untos3 /NãoF Não tirou aindaF EsueceuF0Era nossa tare'a lem+rar ao motorista de soltar o 'reio de mão, porue ele era novato emcoisas de carros. ;omo esuec*amos sempre, ele mesmo nos lem+rava de lem+r#-lo. Entãopart*amos.5 Av2, l# na 'rente com os tios, nauele +anco inteiriço da Rural, ia tão ou mais 'eli ue eu,tão ou mais menino ue eu pr!prio. Era muita 'elicidade ver os +airros 'icando para tr#s, cadave mais ralos e diminu*dos de casas. E na mesma medida, mas inversa, a uantidade de#rvores e de pasta%ens ia aumentando. m mundo de coisas interessantes aparecendo.- 9# vai o %avião com o coleiro na %arra, o miser#velF :eixa estar, malandroF9# de tr#s, per%unt#vamos ao Av2 se ele poderia aca+ar de ve com todos os %avi7es domundo, uando a %ente c$e%asse na roça.- =ai depender da espin%arda ue vai no +a%a%eiro. Não ne%ando 'o%o, adeus raça de%avi7es.Eu ia numa das "anelas. 9o%o depois, no meio, ia a min$a prima 9ourin$a, mais vel$a do ueeu uase um ano - e +em encostadin$a em meu +raço. Na outra "anela ia a menor, a;antorin$a, sempre ensaiando os (ltimos sucessos3 5a*ui do morro eu não saio não... $e não tem gua, eu furo um po)o,$e não tem carne, eu oto um osso de gente na sopaE dei6a andar, dei6a andaaar... 

Peuena, sete anos, tudo errado. Mas a'inadin$a.

Xamos em direção ao litoral sul do estado. Toda auela vastidão de mar e de montan$asestava uase do mesmo "eito ue esteve uando ;a+ral resolveu nos desco+rir. Não $aviaestrada moderna, montes de casas de veranistas, nada dessas coisas. Pois se nem mesmotanta %ente assim no mundo existiaF Tudo mais calmo, mais +onito, '#cil de andar sem dar encontr7es - em ualuer lu%ar e a ualuer $ora do dia, inclusive de madru%ada.

 A poucas $oras de via%em do Rio de @aneiro ainda se encontrava pessoas ue nunca tin$amsa*do de seus locais de nascimento. 8ente ue não con$ecia um /arran$a-cu0, um +onde, umelevador. 8ente ue dava %osto con$ecer.

Par#vamos no meio da via%em para rea+astecer o carro e a n!s mesmos tam+m. A paradaera "# pelo meio da via%em, (ltimo /posto de serviço0. E, 'elicidade3 na roçaF 4entados numamesa ue $avia do lado de 'ora de um peueno restaurante, de uma vila min(scula, t*n$amos

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uma "aueira vel$a, centen#ria, a nos 'ornecer a som+ra. E ) nossa 'rente o mar. 5 mesmomar ue $avia aca+ado de dar os peixes 'resuin$os ue vin$am nas travessas ue nosserviam. E auelas canoas ue os traiam.

Enuanto almoç#vamos, a Tia Rica me diia /4e você nos trouxer sorte, não c$over# e entãonão 'icaremos mol$ados na cama ou na coin$a0. :iia tam+m ue /se ventasse, as paredespoderiam cair0. Tudo isto porue era a primeira ve ue eu iaF

;om a Rural de +arri%a c$eia 1 e n!s tam+m - prosse%u*amos via%em. A%ora a estrada erade terra +atida e os verdes ainda mais pro'undos e c$eirosos. <avia vacas no camin$o e o Av2descia para espant#-las, 'aendo +arul$o com a +oca. As laterais da estrada eram pastos sem'im - ou pedras (midas ue se enc$iam de palmas, +rancas e per'umadas. Para tr#s da %ente'icava a nuvem de poeira vermel$a 1 ue nem nos incomodava. E, ) 'rente, uando menos seesperava, numa curva ualuer, l# estava ele de novo, o mar aul.

 s vees *amos lado a lado com os tril$os da estrada de 'erro - por onde passava, uma vepor dia, o Macauin$o, um trem puxado ) locomotiva diesel e com uns va%7es ue atlem+ravam as %aiolas do Av2 - de madeira e +onitos at não poder mais. En'im c$e%#vamos. A casa ue o Tio Rico $avia 'eito era +em na +eira do mar, com as ondin$as uase c$e%ando

) varanda. Não tin$a nada dauilo com ue a tia tentara me p2r medo. Era +ranca, com umavaranda em arcos, paredes altas e direitas 1 alm de ter uma coin$a %rande, com 'o%ão alen$a e mocin$a do lu%ar, a"udante da tia. A %ente 'icava era em+ria%ado ali, noite e dia, com os c$eiros ue vin$am de toda parte.=in$am do mar, na viração da tarde, vin$am das matas, na umidade das man$ãs, vin$am docu, uando estava prestes a c$over as c$uvas r#pidas do verão. E at mesmo do trem 1 ueuando passava deixava um odor caracter*stico dele mesmo, inesuec*vel e +om. Nos 'undosda casa $avia um pomar, s! de laran"eiras, ue nos mandava tam+m os seus c$eiros macios.

Mais alm, uando terminava esse pomar, começava uma encosta toda plantada num mil$aral 1 ue não nos mandava c$eiro al%um, mas como era +onito de verF At o riac$in$o ue passava ao lado desta casa, tão estreito ue era em seu leito de pedras,mandava-nos seu per'ume caracter*stico, uma mistura de tin$or7es de v#rias espcies, maisas palmas +rancas, tão comuns na re%ião - e ue, como os "asmins, explodiam ) noite. <aviauma espcie toda especial de tin$orão nas mar%ens deste riac$o. 4uas 'ol$as %randes tin$am,+em no centro, auilo ue parecia uma paleta de pintor +ê+ado 1 ue $ouvesse +orrado tudo emisturado um monte de tintas 'ortes.

Tudo ali era de enlouuecer um menino. Mil$7es de coisas por desco+rir. As conc$as do mar,a variedade in'ind#vel de passarin$os, a arte dos $omens ue pescavam e ue 'aiam redescomplicadas com a%ul$as de osso.

Pois se at dentro de casa ac$#vamos todo tipo de rãsF 5 pr!prio riac$o, uem diria, tão$umilde e tão peueno, era, ) noitin$a, um verdadeiro 'ervedouro de camar7es pitu 1 e istonem o meu tio sa+ia. &ui eu ue desco+ri com a lanterna a pil$as ue ele )s vees meemprestava de noiteF

 Ao anoitecer, de +an$o tomado aos +aldes tirados do riac$in$o e com todo auele sales+ranuiçado ue nos 'icava no corpo "# retirado, n!s, crianças, coloc#vamos roupas secas eramos levadas pelo Av2 para a +eira da lin$a 'rrea a ver o trem noturno passar.=in$a com o %rande 'arol "# aceso e c$e%ava "unto com as primeiras estrelas. N!s, ue "# oesper#vamos com ansiedade, ouv*amos seu apito pro'undo na curva, sem ainda poder avist#-lo. Antes vin$a o 'ac$o de lu e, lo%o, a m#uina imensa acelerando ao sair da curva 'ec$ada.

E apitava novamente, s! para n!sF Era uase poder voar, era son$ar acordadoF Ao passar diante de n!s, acen#vamos aos passa%eiros 1 ue nos respondiam e al%uns at puxavamlenços de acenar.

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Numa noite escura, sem lua al%uma, o Av2 nos levou at o cais onde o Tio Rico pescava.Xamos de lanterna acesa e o vel$o deixou-me lev#-la. As estrelas pareciam prestes a cair so+re n!s, de tão %randes e de tantas ue eram. Nos momentos em ue o Av2 me pedia/apa%ue a lanterna e vamos ouvir o cu...0, 'ic#vamos em silêncio, procurando ouvir ualuer ru*do ue viesse dauela vastidão de lues. Mas s! ouv*amos o marul$ar das #%uas mansasem nosso camin$o, pela areia, at o peueno ancoradouro.

- =2, não ouvi nadin$a...- C preciso treinar. Não desista. E um dia ouvir# uma m(sica... +aixin$a... e +onita.@# estava l# o meu tio, apetrec$ad*ssimo de coisas de pescar. Auilo ue mais me encantavaera a luminosidade de um peueno lampião /de camisa0, um Primus, ue 'aia ualuer noitene%ra virar dia 1 mas somente pertin$o dele. <avia uma srie de puç#s ue meu Tio Rico "#$avia espal$ado por pontos estrat%icos do cais e eles não paravam de voltar c$eios de siris%randes, auis, uma 'esta para n!s, criançasF Iam direto para o +alde e espumavam 1 at+ri%avamF 1 enuanto esperavam o 'im da pescaria.

5s puç#s nem precisavam ser remuniciadosF Nen$um siri ou 'am*lia de siris inteira,conse%uiria comer tão r#pido assim aueles pedaços %randes de se+o ue iam ali, +em

amarrados. Era atirar tudo de volta ao mar, amarrar os cord7es nas estacas de madeira docais e ir 'aer outra coisa. Era preciso esperar novos +ic$os daueles. Não eram tão +urros, aoponto de, tendo visto v#rios parentes sumirem #%uas acima, voltarem correndo ao "antar ueestava amarrado nauelas redin$as redondas de lin$a aul.

Então era $ora de /tarra'ear um pouco0. 5 Tio Rico mordia a +orda da tarra'a e 'icava com elana +oca, o dente de ouro ) mostra, enuanto 'aia uns mane"os complicados com o restanteda rede nos +raços. E l# ia a tarra'aF A+ria-se pouco antes de tocar a #%ua. E ia a'undandolentamente, at tocar o 'undo lodoso. Então era preciso começar a recol$ê-la, sem pressa,puxando a cordin$a.

 At ue c$e%ava pertin$o de n!s, ali na +eira do cais. 5 Tio então a içava, +em r#pido, edepositava ao lado do lampião auele novelo de mal$as onde $avia uma espcie de luta 'ero.Eram as diversas espcies de peixes prisioneiros3 prateados, avermel$ados - %randes e nemtanto -, ue iriam 'aer parte do nosso almoço do dia se%uinte. ma coisa m#%ica, sair do mar escuro tanta criatura luminosaF

Então era a ve do Av2. Ele 'aia al%umas o+servaç7es ao Tio, +aixin$o, para não espantar ospeixes. Era ue meu tio ainda precisava /aprimorar um pouuin$o a mun$eca0. 5 Av2, "#disse, não tin$a dentes. Portanto, nada de morder a +orda da tarra'a. Não dava. Ele s!a"eitava a rede nos +raços e arrumava direito a 'ieira de c$um+adas ue 'ormavam a +ain$a

dauela espcie de saia. Parava, com tudo pronto e, virando as costas ) #%ua, %irava r#pido ocorpo e atirava a tarra'a com 'orça. Ela ia ainda mais lon%e do ue uando o Tio lançava. ;a*aredonda e a+erta como um p#ra-uedas, nem um peueno sinal de /esses0 ou de /oitos0,como acontecia ao Tio, )s vees. E vin$a ainda mais repleta.

Na volta, depois /da mar0, *amos carre%ados de volta a casa. A Tia "# nos esperava nacoin$a, com #%ua a 'erver. Escamava, limpava e temperava com sal e limão os peixes, para odia se%uinte, enuanto os siris, esses mesmos ue $aviam sido auis, sa*am vermel$os ec$eirosos do panelão.

4ent#vamos todos e começ#vamos a /descascar0 e a comer os siris, enuanto o Av2 'alava de

seus tempos de menino, uando seu pai arpoava +aleias /o uanto ueria e +em entendia,para dar de comer aos escravos0. Eram tempos de meros dos %randes, +em maiores ue um$omem e ue iam, esses sim, para a mesa da 'am*lia. Peixe de 'ino sa+or. E tempo tam+m

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de onças $onestas, nutridas, maiores ue um +eerro dos %randes. Tudo ali, ao redor dasterras do pai de meu av2. E o Av2, se deu caça e diimou uma ou duas centenas dessasonças não 'oi por praer, porue respeitava os +ic$os ue não 'ossem a+usados. 4! mesmoauelas comedoras de touros ue viravam tapetes, colc$as e at casacos. Tudo isto pelaespin%arda de meu av2 1 ou de seu pai.

Maravil$ados com as $ist!rias e muito em+araçados com o desossar  dos siris, rece+*amos

então a lição de nosso av2 so+re a arte de aproveitar direito o crust#ceo. E era aula pr#tica,coisa de s! não aprender uem 'osse muito +urro, 'eito o Papa.

5 Av2 pe%ava um daueles siris ue estavam na panela e o exi+ia para n!s, crianças.Mostrava o "eito correto de se%urar e tudo. Não tentava morder, como 'a*amos. Ele tin$a era omtodo. ;om todos n!s atentos, o vel$o /destampava0 o siri, por de+aixo, colocava a parteue 'ora destrancada do +ic$ão nos l#+ios e a"ustava - pe%ando a em+ocadura./4$$$$$$$$$$$0F Era uma (nica e lon%a su%ada. ;olocava então a carcaça em cima da mesa. Auilo era um siri vaio de si, aca+ado. Não serviria para mais nada 1 talve s! de en'eite. 5 Av2 então nos desa'iava a /encontrar um (nico 'iapo de carne0 nauela armadura vaia,levin$a...

Mas nossa maior ale%ria era o mar, com sol. Pass#vamos o dia uase inteiro na +eira da #%ua.&a*amos castelos, montan$as, estradas. @unt#vamos uma variedade %rande de conc$as,cada uma mais +onita ue a outra. <avia conc$as cor de rosa, auladas, ne%ras, amarelas,+rancas raiadas, +rancas puras, auilo não tin$a mais 'imF4! par#vamos de +rincar para almoçar. :epois descans#vamos, sem estarmos cansados,porue era preciso /descansar o almoço0. ;aso contr#rio, entrando-se no mar de +arri%ac$eia, morte certin$a, ali, na $ora, por con%estão. ;omo demorava a passar esse descansoue não uer*amos terF 5 "eito era 'icar na varanda, +rincado na rede de +alançar ou então ir +rincar de diri%ir o carro parado. E 'oi diri%indo sem sair do lu%ar, por estradas +em distantes,ue aca+ei em desastre de amor.

<# muito eu amava min$a prima 9ourin$a. :esde a primeira ve ue me lem+ro dela. Moravaem outro +airro, não era no nosso. Toda a 'am*lia se encontrava na casa do Av2 e da Av!, eera ali ue nos v*amos. =#rias vees por ano, em um monte de anivers#rios e de datasimperd*veis, como o 4ão @oão, o Natal, o carnaval. Mas morar, morar mesmo, o Tio Rico nãomorava mais no +airro desde ue $avia casado. =oltaria, no entanto, para l#. 6em para asterras de meus av!s. Mas isto 'oi depois, uando construiu o palacete...

Tanto ue uando a explosão do Paiol de :eodoro ameaçou aca+ar com metade do Rio de@aneiro, 'omos todos para sua casa. Todos. A 'am*lia inteira, ue "# estava +astante

aumentada por netos, %enros e noras de meus av!s. At o Pai 'oiF Re'u%iados no MeHer, ueera +em lon%e do Paiol de :eodoro.

8raças a :eus escapamos todos e voltamos no dia se%uinte. Mas +em ue caiu uma +om+a,das %randes, exatamente no centro da pracin$a de nosso +airro e "ustamente nas ca+eças deuns vinte ou trinta ue iam passando. Não vi, porue não estava por l#. 4e deixou al%um+uraco, taparam de imediato - para não causar lem+ranças m#s )s 'am*lias das v*timas.

Eu descon'iava ue min$a prima tam+m %ostava de mim, mas não tin$a a menor certea enem podia acreditar ue isto 'osse poss*vel. E, nisso de amor, ela nem era min$a prima - por ser tão di'erente de mim e do restante da 'am*liaF

Meu Tio Rico $avia $erdado do Av2, por vias sinuosas e anti%as, ol$os coloridos mas ue nãoeram dauele verde escuro e raro ue meu av2 traia sempre sorrindo. Em ve disso, esse tio

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nasceu com ol$os de um aul intenso, pro'undo, cor de violeta. E a prima 9ourin$a rece+eudele uns ol$os cor de #%ua marin$a, suaves como tudo em seu rosto. Ainda veio "unto oca+elo - de um louro dourado, escuro. ;a+elos pesados e com al%umas mec$as mais claras.Esses ca+elos nin%um sa+eria dier ual antepassado lon%*nuo os le%ara ) min$a prima.Porue isto o Tio Rico não tin$a e a Tia Rica, da mesma 'orma, tin$a ca+elos pretos, +emescuros.

 A suavidade do rosto desta min$a amada era coisa de marcar coração. E o sorriso de meninapl#cida, ue não %ar%al$ava, ue era 'eli em silêncio e com calma... A pele tão clara, ue iadourando durante aueles lon%os ver7es, sem "amais 'icar vermel$a.

 A %ente se amava em se%redo. E era se%redo tão +em %uardado ue nem mesmo n!s doissa+*amos se um era amado pelo outro. ;ada um s! sa+ia de seu pr!prio amor. At auelavia%em, no carro ue não andava...

Est#vamos via"ando em +usca de onças e *ndios, na Rural. :o outro lado da casa, na varanda,os adultos descansavam o almoço. A Prima ;antorin$a, ue ia conosco no +a%a%eiro do carroue l# dentro mesmo, na parte traseira, cansou de avisar-me para correr /porue l# vem *ndio0

e danou a cantar. Tanto cantou ue aca+ou adormecendo, em pleno posto de %uarda.

Mais auela responsa+ilidade a%oraF :iri%ir entre *ndios 'eroes sem vi%ia de reta%uarda. Euac$o ue a min$a 9ourin$a "# estava um pouco cansada, uma via%em tão lon%a... Estavasonolenta, porue at encostou a ca+eça em meu om+ro.

 Ac$ei mel$or per%untar a ela, como caval$eiro ue era, se não %ostaria de montar acampamento antionça e 'aer uma 'o%ueira antes de ir dormir. Mas ela "# estava dormindo.E ali 'iuei, acordado enuanto todos dormiam. At "# uerendo 'icar sonolento tam+m, masnão tive sono. 5 sono não vin$a, em+ora viesse o son$o.

Era tão +om ter auela ca+eça em meu om+ro, tão leve e uerida... Eu poderia 'icar ali por toda min$a vida, passando ainda alm, at o 'im dos tempos. Não sa+ia o ue era /'im dostempos0, mas tive ali o %ostin$o da eternidade.

Reclinei tam+m min$a ca+eça, por so+re a dela ue estava em meu om+ro. E assim 'icamos,tão +em... Passado al%um tempo, não sei se por al%um sacole"o do carro, ue a%ora voavasoin$o, num cu alt*ssimo, nossos rostos ue estavam tão pr!ximos aca+aram seencontraram num +ei"o lon%o e doce. 4em 'im.

Então adormecemos de verdade, com os rostos "untin$os...

:esertos

C mais do ue duro voltar, mas voltei. Inve"ava imensamente os per*odos ue meus irmãospassavam internados no $ospital. Tin$am at %elatina de so+remesa, depois da comida. E umsosse%o tão %rande por ali... Eu via isto uando ia com a Mãe nas visitas.

4entia-me desconsolado por não estar doente, por ter ue aturar o nervosismo da mãe, ser seu escravo de recados, de car%as pesadas, de mandados, de 'axinas. E as surras de varaeram cada ve piores, por motivos cada ve mais '(teis. Mil vees antes auelas camas tãolimpas e sosse%adas do $ospital. Mesmo com a enormidade de in"eç7es. Trocava.

;ontinu#vamos em nosso 'im de rua, apertados de +oca e com as +ri%as da Mãe semultiplicando por toda a viin$ança. Era !dio, inve"a, maledicência, despeito - tudo "orrando

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sem parar pela +oca da Mãe. <avia a%ora posto na ca+eça ue as viin$as eram todas'eiticeiras e tin$am 'eito /tra+al$os0 para arruinar sua vida.

 Atravessando-se uma tril$a ue corria pela 'loresta do 'im de nossa rua, *amos dar em outro+airro, um +arreiro arruinado e ermo. Ali $aviam escondido um terreiro de macum+a, coisamuito malvista e ue "# 'ora at proi+ida, num passado recente. E a Mãe me levava com ela.

9o%o na entrada do case+re ue servia aos rituais, $avia +oa uantidade de 'i%uras vermel$asde uns dem2nios toscos, mas assustadores para mim. Eu ac$ava ue a Mãe $avia perdido araão e ue estaria disposta a vender sua alma ou 'aer ualuer outro tipo de trato com o:ia+o. E o lu%ar tin$a tudo para desa%radar uma criança.

 A Mãe se tornava a cada dia, mais e mais, a 'i%ura do Mal em pessoa. Nesta macum+a, aspessoas atiravam-se ao c$ão num 'renesi estran$o, 'eio de ser visto. E ainda $avia o odor dosc$arutos 'ort*ssimos e va%a+undos, da a%uardente derramada. E o pior, os sacri'*cios deanimais %randes, como +odes por exemplo. E eu ali, sem uerer estar.

:entre as diversas /prescriç7es0 ue o ca+loco 'iera ) Mãe, muitas me atin%iam. Eram

+an$os com ervas de c$eiro asueroso, +an$os de um sal %rosso ue me %rudava nas costase pinicava-me a pele a noite inteira. E mais os de'umadores ue c$eiravam a c$i'resueimados, talve os pr!prios c$i'res do :emo. Eu não ueria, era tudo de dar n#useas.

Tanto a Mãe estava louca, ue o /tra+al$o0 mais importante era para 'aer o Pai voltar. Elaueria ue ele voltasse, mesmo sem os mantimentos, mesmo com as +ri%as. Isto sim, eracultuar o Mal, %ostar de viver no in'erno 1 como o pr!prio :emo.

Em+ora este novo v*cio da Mãe me causasse en%ul$os, num ponto eu estava +astantecon'iante3 nada do ue auelas pessoas 'iessem, para o ue 'osse, daria o menor resultado.Pois se estavam elas pr!prias, todas, a meio passo de voltar a andar de uatro e a pular novamente entre as copas das #rvoresF E vivendo tão mal...

Guando estava no ;astelo, ol$ava a montan$a e pensava em em+ren$ar-me em nauela'loresta uase vertical. Procuraria as encostas mais suaves, auelas ue não eram a piue.Poderia construir ali min$a ca+ana e viver min$a vida. <averia de ter muito riac$o com peixese camar7es por ali. Não precisaria seuer matar as onças e antas, s! espant#-las de perto daca+ana. Aprenderia a 'aer o meu 'o%o roçando %ravetos, como os *ndios. Porue, por maiscaixas de '!s'oros ue conse%uisse levar, isto certo, um dia aca+ariam.

Mas sempre 'altava a cora%em. Estava ali, a um passo de p2r em pr#tica esta 'u%a, tão

arriscada, eu sa+ia, e aca+ava não indo. Mas con'esso3 'oi por pouco ue não 'ui.Não desisti da 'u%a porue esperasse por al%o mel$or, no 'uturo. Não 'oi porue ac$asse ueas coisas aca+ariam por mel$orar em nossa casa - ou ue eu pudesse sair dali por outrosmeios, crescendo, tra+al$ando, me mudando. Nada. Estava era vencido.

4! me restava o ;astelo e os livros. Passei a viver min$a vida sem esperar mais nada ue ac$e%ada mon!tona de um dia ap!s o outro. Nada mudaria, "amais. 4omente o ue mudavaeram as p#%inas lidas e viradas das $ist!rias ue lia. Era tudo o ue eu tin$a.

Poder via"ar ) Escandin#via ou ao E%ito... A 'antasia das pessoas ue $aviam escrito aueleslivros capturava a min$a pr!pria 'antasia. Então eram as $oras de escape e de esuecimento

de mim mesmo e do mundo ue me rodeava. =ia%ens 'undas, lon%*nuas, 'ascinantes... Noentanto, coisa terr*vel, mudar 1 um 'iapo de ca+elo ue 'osse 1 uaisuer das coisas ruins ueestavam acontecendo no mundo de verdade, a+aixo dauele tel$ado, não. Auilo não tin$a

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mais "eito de mudar. Taman$a era min$a desesperança ue nem c$e%ava a lem+rar ue$averia um 'uturo, ue um dia eu iria crescer e poder de'ender-me mel$or. Mas não. At istoeu $avia perdido 1 e não lem+rava de me lem+rar. Imposs*vel. Eu "# $avia perdido tudo,inclusive o 'uturo 1 ue $avia deixado de existir, antes mesmo de acontecer.

Tin$a certea de ue não daria, de ue era imposs*vel. Era um mundo +rutalmente 'orte,'rreoB ue era dauele "eito porue ueria ser. E com toda vontade, com poder. Muito maior e

mais 'orte do ue eu "amais seriaB tin$a o %osto, o praer, a vontade de ser de 'ato ruim. Eunão poderia com ele. <avia ocorrido um en%ano terr*vel e eu 'ora atirado no mundo errado, noendereço errado. Tudo errado.

 Acovardado em arriscar a montan$a, tão %rande e tão linda, sendo eu um 'raco e, ainda por cima, criança, 'oi por tr#s das p#%inas dos livros ue aca+ei me escondendo. Não $averia%l!rias, não $averia ca+ana. E nem 'o%ueiras ao anoitecer. 4omente 'u%ir com meupensamento dali, enuanto o corpo 'icava e so'ria. &rauea.

4urpreendentemente, a %ente da rua em ue mor#vamos tam+m sa+ia or%aniar-se para'aer al%umas coisas +onitas. E o 4ão @oão era uma dessas coisas. Era tão importante aliuanto o Natal, talve at mais - por ser auele 'im de rua $a+itado principalmente por gentedo 2orte. A expectativa das crianças era uase uma corrente eltrica, sentia-se no pr!prio ar, )medida ue a data da 'esta se aproximava. Era de 'aer perder o sono, dias antes.

5s %arotos mais vel$os incum+iam-se de en'eitar auele trec$o de rua com arcadas 'eitas comvaras de +am+u verde, c$eias de 'ol$a%em ainda. ;om o +am+u seco, aparado, 'aiam as+arrauin$as de comidas t*picas 1 todas %ratuitas, cada 'am*lia o'erecendo as suasespecialidades. &aiam ainda a /cadeia0 1 onde 'icariam os detidos aleatoriamente e uesomente eram soltos mediante um m!dico pa%amento de 'iança -, a capela do /casamento naroça0, o %rande uadrado de terra +atida e co+erto com uma camada de areia +ranca -dauela "aida l# do 'im da rua -, onde se dançaria a uadril$a de 4ão @oão.

<avia o /pau de se+o0, um tronco 'ino e alto reco+erto de se+o. 9# no alto, o prêmio3%eralmente moedas envoltas num lenço. Meninos e $omens uase 'eitos disputavam esteprêmio com o m#ximo empen$o. Era mais do ue %an$ar umas moedas, era provar um valor especial, num desa'io realmente di'*cil 1 trepar at as %rimpas dauele tronco extremamenteescorre%adio. E não $avia 'ormas de serem atenuadas as di'iculdades, "# ue o se+o era%enerosamente emplastado, em novas camadas, todas as vees em ue se "ul%ava estar opau de se+o pouco lu+ri'icado.

5s mesmos meninos ue viviam %uerreando entre si, interrompiam as lutas por começos de "un$o. E "untos 'aiam +al7es %i%antescos 1 carre%ados de 'o%os de arti'*cio -, arte'atos+astante complexos3 o +alão pião, o +alão tan%erina, o +alão estrela. Era de se admirar auelacapacidade de or%aniação e en%en$osidade coletiva, pouco utiliadas no restante do ano.

Nas 'estas "uninas +rincava-se um sem n(mero de coisas ue vin$am atravessando ossculos, de +oca em +oca, de 'am*lia em 'am*lia, de "un$o em "un$o. Nin%um mais selem+rava das ori%ens dauilo. @o%os interessantes, +em pensados e divertidos. ;omoamarrar-se uma morin%a ue traia em seu +o"o um prêmio ualuer, %eralmente doces, e'aer-se os candidatos 1 ue tin$am os ol$os vendados e rece+iam v#rios rodopios, para

'icarem tontos, desorientados -, tentarem acertar com um cacete, estourar auela morin%a uependia de um 'io a determinada altura. As tentativas eram, de 'ato, c2micas.

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Mas, o principal, a alma e o 'asc*nio da 'esta estava na alta 'o%ueira de troncos - ue nos'orneceria um +raseiro at a man$ã se%uinte. A madru%ada era passada assando-se a +atatadoce, a cana de aç(car, o mil$o, depois de aca+adas as danças. Por cima da +atata doce, uevin$a ene%recida das +rasas mas revelava um interior limpo e macio, onde ia o melado decana 1 ue vin$a em potes de +arro.

Era um tempo de tr%uas, de promessas ue as moças 'aiam para casarem-se +em. :e

adivin$aç7es do 'uturo amoroso - o+tidas atravs de v#rios mtodos 'eminis. E era de 'ato umtempo de ma%ia, pois 'aia um +om 'rio, um 'rio de exceção, com ne+lina e tudo, em ue nosera dada tam+m a peuen*ssima pausa na inclemência da 'ornal$a em ue viv*amos.

E tempo de amores ainda, porue muito 'oi o amor ue começou na 'esta deste santo. Não'osse na dele, seria na de 4anto Ant2nio ou 4ão Pedro, todas de en'iada.4endo tudo isto num tempo em ue as roupas eram 'eitas em casa, as %alin$as criavam-senos uintais e as lo"as eram /coisa de rico0, ima%ine o leitor uão poucos produtos oriundos de'#+ricas 'aiam parte de nossas vidas. Existia "# uma incipiente televisão, mas, nen$umpro+lema - porue nin%um as tin$a em casa por auelas +andas... Era coisa cara. Mel$or ainda3 uando c$e%ou, a pro%ramação era de apenas al%umas poucas $oras por dia. A vida

era vivida, não assistida.

Guem compareceria numas dessas 'estas "uninas traendo a m(sica dentro de um aparel$oualuerD Pois se não t*n$amosF A m(sica era 'eita pelos instrumentos de verdade,principalmente a san'ona, o trin%ulo e a a+um+a. Guem $averia de o'uscar as 'a%ul$as das'o%ueiras, dos 'o%os de arti'*cio, se o 'ornecimento de ener%ia eltrica era incerto, esparso,claudicanteD Ainda se podia enxer%ar at o cu noturno e tudo mais ue a claridade excessiva'e desaparecer de ve de nossas vidas.

Em setem+ro vin$a o 4ão ;osme e 4ão :amião, uma data menos or%aniada ue o 4ão@oão, mas não menos importante para as crianças, #vidas por doces. Cpoca tam+m em ueas #rvores da rua entravam numa espcie de paroxismo 'loral, elas, ue nos davam 'lores oano inteiro. Em setem+ro, redo+ravam-se em 'lores ue eram tantas ao ponto de deixar o ar impre%nado de um aroma uase insuport#vel para mim.

Essas 'estas ue iam passando, sucedendo-se, davam aos meninos 1 ue sempre 'oram osreis do mundo -, o seu calend#rio de +rincadeiras. Eram os /tempos0, 'en2meno intri%ante, dedi'*cil explicação 1 porue espontneo.

Mesmo as pipas, auela paixão nos cus, tin$am o seu tempo pr!prio. Não $avia nadacom+inado. Era um mila%re uase +iol!%ico 1 como a poca da procriação entre os animais.

Tempos vari#veis, cam+iantes, como o carnaval e a p#scoa.4e não era /tempo de pipa0, não se via uma s! pelo cu. Em tempo de pião, não se via outracoisa nas mãos da molecada, somente pi7es. E assim sucediam-se os tempos de +olas de%ude e de tudo o ue $ouvesse 1 e era muito 1 para se +rincar. At ue c$e%asse o tempo detra+al$ar. E este não terminaria, nunca mais. 4eria at o 'im, at a morte.

:e 'estas, e ol$e ue eram coisas importantes - tr%uas numa %uerra perene -, era s! isto.Para contar o carnaval, por exemplo, terei ue sair desta rua 1 com menos de cinco anos deidade 1 e ir at ali, provisoriamente, na a casa dos meus av!s 1 onde sempre passei oscarnavais mais anti%os. Ir at a pracin$a e contar as maravil$as daueles vel$os carnavais.

Porue >ac$o ue at "# avisei?, a %ente da nossa rua não sa*a dali, não ia at a praça - ei%norava completamente o carnaval.

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;om o tempo passando, saiu da rua o 6elmiro porue matou a pr!pria 'am*lia 1 por causa deuma reprimenda da mãe, l# dele. &oi para a cadeia, sem ao menos ter entrado nesta $ist!ria.5utros se mudaram por +em, para lu%ares mel$ores ou piores. ;$e%ava o tempo em ue euteria de sair do ;astelo. 5 %alego entrou na @ustiça e, claro, %an$ou. Tam+m não sei sea%Kentaria viver somente no ;astelo, at 'icar vel$in$o. @# me $aviam drenado um +ompedaço da c$arneca, com intenç7es de outras casas.

Não 'iuei triste ao sentir a eminência da perda do ;astelo. Aca+ara traendo-o "# comi%o.&eito aueles carac!is - ue levam o ue têm aonde vão. Meu castelo se%uiria "unto de mim e,de suas ameias - +em %uardadas, di'*ceis de tomar -, eu poderia ao menos passar para terrasdistantes, todas as vees ue uisesse ou precisasse.

Rece+emos um prao para desocupar a casin$a da vila. A Av! disse ue não, não $aviaespaço, não $avia uarto va%o, nem lu%ar al%um para os m!veis. Mas a Mãe insistiu. Não comauelas discuss7es em ue sempre era derrotada pela min$a av!.4implesmente deixou o tempo es%otar-se. No dia em ue o 8ale%o c$e%ou para nos tirar, aMãe ale%ou +oas ra7es para não se mover dali3 não era propriet#ria de camin$ão. Assim 'oiue o pr!prio portu%uês teve ue sair-se com o ve*culo de mudanças, um +em vel$o, caindo

aos pedaços, para ser 'ranco. Mas colocou-o ) nossa disposição. A Mãe não vacilou um se%undo3 para a casa da Av!, "#F E disse o destino para o dono dauelaar'ante carroça motoriada. Assim 'omos.@# estava tudo pronto. <av*amos vendido ue conse%uimos, desde ue o Pai via"ou - parapodermos comer. Nin%um uis comprar nossas camas, al%umas panelas, um +alde vel$o eos colc$7es. &oi com essas posses, mais a roupa do corpo, ue c$e%amos, todos, ) casa demeus av!s maternos. 6em mesmo onde esta $ist!ria começou.

4E8N:A PARTE

;arnavais

 A Av! 'ec$ou-nos a cara e trancou-se com os santos. &icou entrinc$eirad*ssima nos primeirosmeses. 4omente sa*a da peuena c(ria metropolitana para 'aer sua comida de doente docoração 1 uma perna de 'ran%o, com uma x*cara de arro. Tin$a, porm, +olac$as variadas emseu uarto - e isto eu desco+ri lo%o. Mas não prestavam para nada3 pura na'talina.

Meu av2, se +em estava nauele uarto pior não 'icou3 não li%ava a essas coisas. Tudo seresolveria, tudo, desde ue não se ue+rassem as plantas do "ardim.

Guem não %ostou muito 'oram os parentes ue "# $aviam se instalado antes no terreno dosmeus av!s. E isto, não di%o, pela nossa c$e%ada. Eram parentes ale%res, en%raçados. 5maior pro+lema era a Mãe - ue começou, desde o momento de nossa c$e%ada,imediatamente, a +ri%ar com todo o restante de sua 'am*lia. ;omeçou a +ri%ar com todos, semexceção.

Gue eram uns e%o*stas e ue não sa*am de suas casas para nos d#-las, coisas deste tipo. Ac$ava ue at os cães eram mais +em tratados e considerados /ue n!s0, l#, ela 1 massempre 'alava assim, no plural, ue era uma maneira de dar maior representatividade ao ue'alava...

Pelo menos ali estariam dilu*das as suas loucuras entre v#rios outros alve"#veis. Porue, atentão, eu era alvo muito visado, uase exclusivo 1 por se o (nico parente de san%ue e não'e+ril ue $avia na sua circunscrição. Por isto ue eu rece+era tanto a sua atenção.

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4e +em ue, penso eu, a Mãe deveria ter se acostumado com o pr!prio destino. Todo mundosa+ia ue o Pai, desde o primeiro 'il$o - ainda +e+ê e aca+ado o leite da Mãe, não era pessoade se contar para papin$as ou leite enlatado, comprado na 'arm#cia.

Todo mundo avisou, a 'am*lia inteira martelou 1 mas a Mãe não ouviu. E a culpa maior, ten$ocertea, 'oi dauele ;inema 1 ali, +em diante da casa de meus av!s. Nem sei se "# comentei

so+re isto com o leitor... 6em. &oi ali, onde a Mãe aca+ara de se criar. Min$a mãe rece+eu asua car%a de romantismo, uma verdadeira +arra%em, a verdade esta. E deixou ue o amor 'alasse soin$o e sem ser interrompido por nada, nem pelo voerio dos parentes poucoass*duos aos 'ilmes.

5 Pai seria ;larO 8a+le, o amor venceriaB um amor e uma ca+ana... :everiam ter proi+idomin$a mãe de sentar-se, uma s! ve ue 'osse, numas das poltronas dauela m#uina expelir son$os. 4euer para uma 'ita de co+oHs.

Mas, não. Ao contr#rio, ela rece+eu 'oram doses muito mais altas do ue a sua compreensãopoderia arriscar. :epois, uando 'oi ver, "# mãe de uma 'ieira de 'il$os 'amintos, su"adores de

'raldas, de casas, +erradores... Era tarde. E não $averia outra sessão para ela.

E uanto ao Pai, coitado, depois eu 'iuei pensando se ele não teria sido apenas uma espciede criminoso comum 1 ue $avia se aproveitado das disposiç7es romnticas de uma louca.m +andido di'erente de @esse @ames, ue 'oi um vilão extraordin#rio. 5 Pai, ao contr#rio, nãoconse%uiu seuer uma 'oto nos "ornais 1 dauelas peuenas.

Nossa c$e%ada intempestiva na casa de meus av!s, recon$eço, 'oi uma %rande l#stima.Nin%um poderia ima%inar, neste tempo, ue aueles eram os (ltimos anos de uma 'am*liaunida, numerosa, de tradiç7es orais anti%as 1 acrescidas um pouco, não posso ne%ar, pelo'loreio do estilo de um ou de outro dos mem+ros relatantes. 4culos perdidosFE o 'im, o 'im de nossa 'am*lia, poderia ter sido mais +rando, mais calmo. Mais +onito umpouco do ue 'oi. Pois dali a pouco tempo, somente al%uns anos >pudera eu sa+er então?,espal$ar-nos-*amos por outros su+(r+ios - al%uns por outros estados 1, sem deixar traços enem endereços. N!s, os descendentes de 'undadores de reinos, os ue deveriam continuar a$ist!ria 'amiliar de sculos amontoados.ma pena.

Eu pr!prio, uando dei por mim, apan$ei-me morando >e "# $avia era anos?, +em pr!ximo ao;*rculo Polar Wrtico. =ia no cu a 'ace da 9ua, tão min$a con$ecida, de ca+eça para +aixo. =iaas estrelas todas dauele "eito ue s! con$ecia nos livros, tudo di'erente do cu ue sempreme co+rira a ca+eça at então. =ia o p! de %elo cair e espal$ar-se como areia sendo varrida

pelo vento, no as'alto >porue auilo nem neve eraF?. E estava morto de saudades do Maciçoda Pedra 6rancaB da min$a %ente, ue se perdeu por este mundo imenso...

5 Tio Rico tin$a a%ido direitin$o como mandava o san%ue ue nos corre nas veias3 primeiro o "ardim. 4omente depois de constru*da e +em arran"ada a casa na praia 'oi ue resolveuconstruir o palacete nos 'undos da casa dos meus av!s.

Isto nos custou v#rias #rvores ueridas, mas, 'aer o uêD N!s "# sa+emos muito +em ue/dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço0. Eu, o leitor e a menina do a+acate.Pela poca em ue meu Tio Rico construiu sua casa no terreno de meus av!s, o +airro

'ervil$ava de pro%resso. ;arnavais na pracin$a, com +anda tocando no coreto, multid7escomo eu nunca tin$a visto, +locos carnavalescos passando, muito con'ete, serpentina e lança-per'ume. 8ente 'antasiada em pro'usão.

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@# desde a tardin$a, nesses carnavais anti%os, rapaes endin$eirados e solteiros 1 ue eramos "ovens oper#rios +em pa%os 1 vestiam com esmero as suas 'antasias de orro, de@er2nimo o <er!i do 4ertão, de RoH Ro%ers e de um monte de s$eri'es %enricos - mas todoseles $omens da lei, important*ssimos.

 Ali era tudo $er!i. &eitos nas mel$ores costureiras do +airro, com "auetas 'ran"eadas nas

costas e tudoB estrela no peito e rev!lveres prateadosF 5 mais impressionante era ue esses'antasiados de luxo não sa*am +rincando, pulando carnaval, como 'aiam os +ate-+olas ou ossu"os... NadaF Paravam, in'lados de or%ul$o a ponto de uase explodirem, diante da padaria dapraça, em 'rente ao ;inema, pertin$o do coreto... Nem davam conversa a nin%um. Estavamdentro de um son$o, $aviam se tornado, de verdade, auilo ue vestiam.

E nunca $ouve uma +ri%a, uma discussão seuer. Pois, se t*n$amos ali uma verdadeira '#+ricade $er!isF Era a lei, a +oa e vel$a lei do oeste. Era 'icar na praça, coração de +airro, "o%andocon'etes e rece+endo os "atos %elados de um per'ume ue secava, mal +atia na roupa, semdeixar nada su"o ou mol$ado. At dar sono e ir deitar com os primos, na esteira 'amiliar uea%uardava os exaustos - posta so+re a %rama de um recanto mais calmo de nossa pracin$a.

Este 'oi o au%e, o ponto mais alto de civiliação ue o +airro atin%iu. :ali por diante, alcançadoo cume da +arri%a da rua em ue o +airro vivia, nada mais restaria senão a descida, adecadência dos ue crescem somente em taman$o 1 e em misrias. Auela descida ue nãoaca+ava nunca, at ue 'oi dar +em a+aixo do n*vel das coisas e do mar.

Na '#+rica de son$os

Mas antes de c$e%ar a este ponto, as 'am*lias vestiam suas mel$ores roupas e iam, depois do "antar, assistir ) sessão de cinema de uarta-'eira 1 ue era uando trocavam os 'ilmes evin$am as novidades. m 'ilme somente, porue sendo /dia de semana0 não convin$a 'aer nin%um ir dormir muito tarde. 8eralmente era um drama daueles ue traiam enc$entes del#%rimas das mul$eres presentes.

/E o =ento 9evou0, ue levou um monte de uartas-'eiras para terminar, /8l!ria &eita de4an%ue0, /8ata em Teto de inco Guente0, /A m Passo da Eternidade0... Muita l#%rimamesmo. E ainda $avia os /intrusos0, os 'ur7es com ue não contavam os americanos 1 ue$aviam nos mandado auele cinema tão %rande, de três andares, palco e camarins nosu+solo.

C claro, auilo ali era para ver a /Terra da 9i+erdade0, tanto du+lada uanto le%endada. Era

para ver Nova ]orO, ver o =el$o 5este 1 onde a "ustiça 'eita de c$um+o e a cora%emamericana imperavaF Não para ir ver /9a =ioletera0, /4an%re H Arena0, ue aca+aram entrandoera como +ic7es E esses intrusos, meu :eus, mas ue des%raça para os americanos, eramsucessos estrondososF Porue nada mel$or para medir o sucesso, a +il$eteria e a reputaçãode uma 'ita, do ue a c$oradeira resultante.

 Aueles 'ilmes ue entravam clandestinamente, desrespeitando as re%ras do /Acordo0, essesimi%rantes ile%ais, sim, eles 'ieram 'oi %ente c$orarF Ao ponto de lenços serem torcidos emvoltas e mais voltas 1 para serem novamente enc$arcados, tudo de novoF

Tam+m uem c$e%ou como um penetra 1 mas ue nem c$e%ou a ameaçar a $e%emonia

americana 'oi /5 6oca de 5uro0. Mas causou uma verdadeira comoção l# no +airro.

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Não em 'ilas para ir ver, não em disputas para a compra de in%ressos - e muito menos eml#%rimas, ue era de 'ato o ue mais contava. Não. Nada disso. Esta 'ita causoudesentendimentos entre casais, entre maridos ue não ueriam deixar suas mul$eres irem ver  1 mas ue iam )s escondidas assistir. Pelo ue me lem+ro, as mul$eres nem ueriam ir ver nada dauilo. Gueriam, sim, ue os maridos não 'ossem. 5u, no m#ximo, se 'ossem, em(ltimo caso, ue as levassem, por %arantia contra traição. Mas... isto nuncaF ma esposa...num 'ilme dauelesF

Eu mesmo assisti. 4im. Assisti at onde aturei e depois 'ui em+ora. E ol$e ue colocaramcomo proi+ido para menores de ^S anos, o m#ximo ue $avia. E eu com menos de de, mascurioso e, principalmente, en%en$oso. =i e veria uantas vees uisesse 1 se prestasse.

m +om pedaço de arame para puxar a cortina pesada, en'iado pela 'resta de uma das portasde emer%ência 1 ue eram em veneiana de madeira 1 e estava ualuer 'ilme visto e revisto,desde ue 'osse +om e ue este truue 'osse 'eito em $or#rio noturno - e escol$ido, dentre osuatro lados do cine, "ustamente o mais isolado e escuro.

Tanto es'orço para ver um idiota 'aendo um concurso de uem tin$a os peitos mais +onitos...

Tentando as candidatas com um colar de prolas 'alsas - ue l$es passava nos seios... Edepois, mau car#ter, ainda c$amou todas elas de /va%a+undas0. 8ostei dos peitos, mas elescustaram a c$e%ar e, depois, demoraram pouu*ssimo tempo. Alm disso, o 6oca de 5uro era'eio como o :ia+o, não tin$a cavalo e nem matava *ndio... 8rande dro%a de 'ilme. Nunca maisuis ver outra ve. E mais3 todo auele so'rimento ue nos causavam os 'ilmes +rasileiros...

4e o 'ilme 'osse de co+oH, por exemplo, ualuer moleuin$o viciado em cinema 1 e ost*n$amos, em coletneasF - poderia a'irmar, sem medo de errar3 /esse 4artana texano0. 5uainda3 /um :"an%o dos +ons, Meio-5este, _ansas...0 Nos 'ilmes +rasileiros, não secompreendia nada dauilo ue era dito. m som pssimo, incompreens*vel. Guando muito,pe%#vamos um palavrão, em+utido 'ora de $ora e com um prop!sito o+scuro - %ritado, ue erapara mostrar ue auele 'ilme viera para o ue desse e o ue viesse, sei l#F 5u entãoac$avam ue um /merdaF0 +em +errado e completamente 'ora de contexto, dava +il$eteria.Não se entendia nada, nen$um dos di#lo%os podia ser /apan$ado0. 9evaram at um ce%o,morador de outro +airro, um ue tin$a o ouvido de vees mais apurado do ue ualuer tu+erculoso. E nadaF 4aiu sem entender uma 'rase 1 esse não tin$a palavrão 1 e, claro, semver cois*ssima nen$uma. m lixo, todo mundo evitava. As c$anc$adas $aviam aca+ado, não'oram desta poca. E deixaram um vaio 1 não tão vaio assim, in'elimente 1 mas de esterco.

4#+ados e domin%os $avia matinês com sess7es especiais. At cinco 'ilmes, sem contar o "ornal. :urante anos 'reKentei tudo isto, sempre sem pa%ar. Primeiro com os carnein$os de

entradas - ue min$a 'am*lia rece+ia dos donos do cinema, em pocas de eleiç7es.Eles duravam anos, porue eu recol$ia de uem não podia ir ao cinema - porue tin$a 'il$opeueno +errando em casa. :epois, 'oi por $aver me tornado o mel$or ami%o do 'il$o do;aruso, du+lê de +il$eteiro e lanternin$a.

:ia em ue essas alternativas 'al$avam, todas "untas, era dia de a+rir com ast(cia umadauelas portas de emer%ência e a%uardar al%um tempo atr#s da cortina, antes de sentar. @#não me contentava em assistir do lado de 'ora, de p 1 e somente ) noitin$a.Nem sempre dava certo. ma peuena porção de lu da tarde ue entrasse nauela escuridãoera o su'iciente para ue se iniciasse uma perse%uição cinemato%r#'ica ao invasor >%eralmenteeu ou outro daueles poucos %arotos ue sa+iam realmente a+rir uma porta de cinema

trancada?. A$, mais vai me pe%ar, no meio dauela cadeirama de madeiraF E naueleescurin$o, tanto lu%ar para se esconder...

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 As primeiras $oras eram dedicadas ao amor. &ilmes romnticos ou tr#%icos. As meninasc$oravam, enuanto os %arotos peidavam e arrotavam com 'orça, ue era para espantar aemoção 1 e, :eus livre e %uarde, uma l#%rimaF

Nem sei como auelas meninas conse%uiam assistir direito aos 'ilmes. 5s moleues nãoparavam um instante de dar voltas pelos corredores laterais, pre%ando peças uns nos outros,espal$ando c$icletes %astos pelos assentos vaios, +rincando de ;ar%a 9i%eira da Guinta

;avalaria do Exrcito dos Estados nidos da AmricaF Tudo em volta da assistência 'emininaue c$orava as dores da 4arita Montiel...

E eu l# em cima, na %aleria, uieto e esperando 1 somente o+servando. Gue ener%iades%overnada e sem prop!sito al%umF Gue necessidade de %ritarF Gue impossi+ilidade de'icarem um (nico minuto, uietos, consi%o mesmosF Eu não era nen$um santo, nem nuncauis ser. Aprontava 1 e das +oasF Mas %ostava de 'aer min$as coisas soin$o, ou, nom#ximo, com um +om parceiro. Nesta idade eu não $avia ainda ouvido auela /vo0 ue maistarde me diria3 /Tu, et(lio, maldito, passar#s os teus dias soin$o. Em nen$um re+an$o tesentir#s acol$idoF Guando todos rirem, e %ar%al$arem, e %ritarem, somente tu, des%raçado, emais uns poucos apartados ue não se vêem entre si, verão no $orionte o va%al$ão imenso,

ne%ro, devastador - ue se aproxima de tudo e de todosF0 E assim .

&inalmente c$e%ava o ue prestavaF E o cinema s! 'altava decolar ou explodir, numa dauelascar%as de cavalaria contra os sioux. Tiroteio cerrado, com +alas ue não aca+avam nuncamaisF E 'lec$as de 'o%o, dos selva%ens sem escr(pulos, ue vin$am incendiar as carroças emc*rculo 'ec$ado - mel$or maneira de se de'ender de um ataue de *ndioF

Trens ue eram parados e assaltados. Todo o ouro da ;ali'!rnia, ve"a +em o leitor o pre"u*oue causava um +ando de mal'eitoresF Isto uando os americanos não eram o+ri%ados acruar o 9on% River e entrar no Mxico, um pa*s de va%a+undos vestidos de +ranco e comc$apel7es, sempre dormindo e 'alando /caram+aF0 e /ami%oF0 - mas traiçoeiros comocascavisFTin$am, portanto, o ue mereciam. Porue um s! americano, com um ri'le, era su'iciente paraexterminar um /pue+lo0 inteirin$o, com centenas de desocupados +i%odudos ue não sa+iamlutar. 4im, a AmricaF Não $# nada i%ual.

6em mais tarde vieram as %randes produç7es. Ima%ineF /Romeu e @ulieta0, com uma @ulietatão linda ue, neste 'ilme, at eu mesmo c$orei - escondido. /A Primeira Noite de m <omem0,/Era ma =e no 5este0... 4! son$oF

Mas "# vou eu, novamente, adiantando o 'uturoF Gue me desculpe o leitor. Estamos 'alando de

cinema. E no cinema podemos adiantar o 'uturo, uando necess#rio 1 e voltar ao passado, em'las$+acOs. Aprendi isto soin$o.

Tam+m aprendi, +em cedo 1 e, de novo, soin$o -, ue cinema lu e movimento.Principalmente isto. Pois não ue existiam uns des%raçados ue 'aiam 'ilmes com cenasimensas na semi-o+scuridade e onde nada se mexiaDF Mas, a'inal, isto de %randes produç7esmodernas s! veio 'oi tempos depois, uase nos anos setenta.

4! vou adiantar o 'uturo para não perder a sessão de cinema. Mas, eu %aranto, ser# r#pido elo%o, lo%o, a %ente volta ao ponto em ue est#vamos.

6om mesmo era ir ao cinema levando uma %rande +isna%a de pão com mortadelaF E istoaconteceria somente uando eu "# estivesse no empre%o - da &#+rica de 9atas do +airro - erece+esse, todas as semanas, o meu envelope de pa%amento.

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;inema d# 'ome - não $# uem não sai+a disso. A Mãe 'icava com tudo. Mas, uando l$edava na tel$a, tirava do meu pa%amento uns trocados, "usto o certin$o para o lanc$e. @# est#visto - e vist*ssimo -, ue eu não podia me dar ao luxo de %astar com in%ressos em cinemapoeirin$a. Era coisa +em cara na pocaB mas valia o ue co+ravam - dos ue pa%avam, uaseum crueiro -, porue eram cinco ou mais 'ilmes nos 'ins de semana.

Eu $avia me tornado ami%o do Niel, 'il$o do ;aruso, nosso +il$eteiro de cinema. Era ummenino uieto, t*mido como eu. E son$ava tanto ou mais do ue eu pr!prio. A 'am*lia morava num +arracão, encostado ao cinema, numa peuena parte cercada - ondeeram %uardadas as %randes letras vermel$as com as uais se 'ormavam os nomes dos 'ilmes.

Essas letras, de madeira, tin$am uns %anc$in$os - ue 'aiam com ue desliassem nostril$os do painel +ranco da 'rente do cinema. :esta maneira, compun$a-se o t*tulo da 'ita emexi+ição. No cercado onde morava o Niel tam+m eram %uardadas as so+ras de cartaes e aspoltronas ue+radas - ue nunca mais eram consertadas e repostas nos /vaios0 ue 'icavamna platia do nosso cinema.

 A 'am*lia do ;aruso conse%uia ser ainda mais po+re ue a min$a. Eram v#rios 'il$os. 5;aruso +e+ia cac$aça, muita, porue $avia son$ado e aca+ou acordando com o son$o +emno meio de sua vida3 sem uerer mais aca+ar, sem uerer ir em+ora.

Ele nos contava ue $avia sido um $omem 'orte, de ca+elos lon%os, um +il$eteiro de luxo 1dos tempos em ue o cinema era novidade e uando as pessoas s! 'altavam era matarem-seumas )s outras por uma entrada. Tempos +ons, de !timas %or"etas, de prest*%io e 'artura. Eera cinema de ricos, na Ti"uca.

No au%e desta poca, $avia passado um 'ilme %randioso, um pico - ue tin$a um imperador ue 'aia valer suas leis, de vida e de morte, sempre cantando uma #ria trove"ante depois depro'erir a sentença /executem o traidor0.

;aruso, ue ainda c$amava-se apenas Tião, atare'ado em recol$er +il$etes e propinas de um%rande sucesso como auele, não $avia seuer espiado ainda o 'ilme. 9o%o ele, ue adoravacinemaF Mas não dava3 era %ente demais. m dia $averia de mel$orar o andaço - e elepoderia assistir, uantas vees uisesse, )uela o+ra-prima ue vin$a carreando multid7es aentre%ar-l$e +il$etes >ue eram cortados ao meio e atirados numa urna de vidro emoldurado?.

 At a 'at*dica noite em ue um (nico, dentre aueles tantos de expectadores, ol$ou para o seurosto, antes de entre%ar-l$e o +il$ete de entrada - casualmente. Na sa*da do 'ilme, l# estava o

mesmo elemento3 primeiro soin$o e depois acompan$ado de uns vinte.Então l$e disseram, comovidos at, ue ele era a c!pia 'iel do Imperador ;aruso, escarradin$ae +emB não $avia ue tirar nem p2r.

Isto aca+ou por despertar a curiosidade do pai de meu in'eli ami%o. Na noite se%uinte, na(ltima sessão, lotação es%otada e sem lu%ar para uma pul%a a mais, auele +il$eteiro 'icou por detr#s da cortina e assistiu a si mesmo imperando, conuistando, 'aendo c$over. E comocantavaF 4! #rias de !peras.

Na tarde se%uinte, matinê, o +il$eteiro passou a aproveitar os momentos de menor movimento,

tão poucos, para a+rir uma peuena +rec$a nas cortinas e espiar-se a si mesmo, novamente,nauela tela %i%ante. Então aca+ou se apaixonando.

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Não se apaixonando por si mesmo - porue ac$ava, a'inal, a sua vida sem a menor %raça. Apaixonou-se pela vida do Imperador ;aruso, pelo 'austo em ue ele vivia, pelas leis ueemanavam dele, pelas multid7es de vassalos ue colocavam suas ca+eças no c$ão, )passa%em dauele $omem %randioso.

No dia se%uinte não resistiu mais e a+andonou a +il$eteria, ) tardin$a. Assistiu todas assess7es, uma ap!s outra, at ue na (ltima "# cantava tão +em ou mel$or ue o pr!prio

Imperador.

5 8erente do cinema +em ue tentou 'aê-lo voltar ao serviço. Não conse%uiu. :epois, pelomenos, ue cantasse um pouco mais +aixo, porue $avia "# superado 1 e muito 1 o rudimentar sistema de som ue os cinemas tin$am nauele tempo. Tam+m não conse%uiu, 'oi in(til.

E assim 'oi levado o pai de meu mel$or ami%o, contra a sua pr!pria vontade e "usto numa daspartes ue mais %ostava dauele 'ilme, para o $osp*cio de alienados.

Tempos depois, "# solto como /louco manso0, aca+ou assumindo a +il$eteria tão po+re dauelenosso poeirin$a de +airro - onde nem $avia %erente e muito menos uem l$e proi+isse cantar.

5 pa%amento vin$a esparso, incerto e peueno. Mas $avia o +arracão, a cac$aça não custavacaro... E poder cantarF 4er, 'inalmente, ele mesmo, o Imperador ;arusoF

Niel parecia sempre triste e era um caladão. Mas uem o visse assim, de primeira, uem não ocon$ecesse +em, como eu con$eci, não sa+ia de nada. Auilo era um artista, dos %randes. Eum pnde%o, dos piores. A tristea nos ol$os, na 'ace e at nos %estos, era al%o residual,inevit#vel. ma espcie de inv!lucro com ue se prote%ia de estran$os. ;om uem con'iava, eeram poucos, talve eu 'osse o (nico, não era assim, mas, "ustamente o contr#rioF

Meu ami%o colocava a comida na mesa de sua 'am*lia, assim como eu mesmo 'aia. 5 ;aruso'al$ava, por causa da cac$aça e da arte. Niel 'aia de tudo, principalmente acompan$ar as'eiras, de +airro em +airro. &aia carretos e al%uns serviços para os pr!prios 'eirantes. :etanto lidar com laran"as e lim7es, num instante "# era $#+il em manter, primeiro dois, depoistrês 1 e, da* por diante, uatro, de lim7es ou laran"as peuenas no ar, por uanto tempouisesse, sem deix#-los cair ve nen$uma. E tin$a ainda mais, muito mais.

Econ2mico, a"uiado, aca+ou como dono de uma +icicleta das %randes, das anti%as, dauelasue duravam a vida de dois ou três propriet#rios, se não mais. Guando vi, não pude acreditarFma +icicleta, um son$oF :eixava-me andar, l# nos 'undos do cinema, nauela parte cercadaem ue morava. Aprendi no primeiro dia, incluindo as curvas. Mas o Niel mesmo, ele, o donodauela maravil$a macia, ele não andavaF E me diia3 /A$F Eu ainda estou treinando...0 Eu

'icava, dando voltas e mais voltas, nauele camelo estupendo ue o meu mel$or ami%o $aviacomprado e ue, estran$o, parecia desprear... At ue $ouve um dia em ue me disse3- =ocê "# seria capa de dar a volta no uarteirão, sem se deixar apan$ar por um carroD

:isse a ele ue isto eu não sa+eria responder, ue era mel$or não arriscar. 4e l# me 'ossemal%uns ossos para o %esso, %rande coisa não se perderia... Mas uanto ) +icicleta... Poderiaarran$ar ou, pior, empenar uma roda, partir a corrente...- 6em. Eu vi%io para você. Mas, depois, você tam+m vi%ia para mim, com+inadoDMas claroF ;om+inad*ssimoF Andar ao redor do cinema, tudo cimentado, um tapete...

E assim 'omos. :ei duas voltas tranKilas. :eixei at meu ami%o para tr#s, porue pe%ueivelocidade e al%uma con'iança.

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;$e%ando a ve de Niel, ele ol$ou em volta e a rua estava calma. :isse-me ue 'icasse deol$o vivo e ue o avisasse lo%o, caso aparecesse al%um no tra"eto ue $avia plane"ado 'aer e ue "# $avia me mostrado. ;oncordei, em+ora estran$asse auilo e ac$asse excessivo, numami%o ue era um verdadeiro lorde em 'leuma e em tranKilidade.- Então "#F

E l# 'oi o Niel, correndo ao lado da +icicleta, sem su+ir nela. Assim ue %an$ou velocidade,

su+iu, com um salto #%il. Mas $avia su+ido de costasF &aia um percurso limpo, +onito, semvacilaç7es. Nem de 'rente eu andaria assim tão +emFPouco tempo depois, ele aprendeu a 'aer tudo muito mel$or. Andava pelo +airro inteiro,pedalando de costas, em +oa velocidade, 'aendo curvas e o ue mais entendesse 'aer. 4emnen$um vi%ia, usando apenas um espel$in$o numa das mãos.

Tudo isto por causa de um simples +isna%ão com mortadelaF 5ra ve"a l#, novamente, o leitorFNada ue se"a a %ente pode esperar plane"ado. Esperar certo, certin$o, aliF 5utras coisas vãoacontecendo, lem+ranças importantes vão se entremetendo no assunto e mel$or dier lo%o,deixar a $ist!ria se contar por si mesma. E depois a"eitar o ue 'or poss*vel.

5 pai de meu mel$or ami%o tin$a era experiência em cinema, um verdadeiro especialista. Alm disso, tin$a tempo dispon*vel para ensinar-nos seus truues. 6il$eteiro s! tra+al$auando o cinema a+re, no 'inalin$o da tarde. Tirando os 'inais de semana, esses uma dureaF

5 ;aruso nos contava as $ist!rias de 'ilmes inesuec*veis ue $avia visto. ;ontavaencenando. 5ra uma esuivada da espada assassina de um %ladiador, outras veesa+ordando em seu cavalo +ranco a dili%ência des%overnada onde ia a mocin$a. A dili%ênciaera uma mureta 1 e o ;aruso a+ordava no "eito certo de a+ordar dili%ências.

Era um $omem alto e +astante ma%ro, a pele 'ec$ada, escurecida - mas tin$a os ca+elosapenas ondeados, pret*ssimos ainda, alm de emplastados, oleosos. 9em+rava um italiano dosul, com o ueixo pontudo e ossos salientes no rosto. A ma%rea excessiva, 'ruto das uatro /carteiras0 de mata-rato ue consumia por dia, dacac$aça e das privaç7es, tam+m aca+ava por servir-l$e a arte. Pois não ue narrou-nos ata tra%dia ocorrida em SZ\, num Maracanã novin$o em 'ol$a, uando o 6rasil - ue saiu na'rente -, aca+ou perdendo a ;opa do Mundo para o ru%uaiDF

- 9# vai o 6rasil rolando a pelota com :anilo. Passa por um, passa por dois, entre%a para&riaça ue c$uta e %ooooooolF Ahahahahahahahahahahahah

Neste hahahahahahahahaha  ouv*amos, direitin$o, os duentos mil torcedores ue lotavam o

est#dio, %raças ) catarrada ue o ;aruso traia dentro do peito.Ele $avia assistido ao "o%o. Não no Maracanã, mas centenas de vees, no cinema. Assistiu atc$e%ar ao ponto de decorar, com precisão, o compacto ue 'oi apresentado pelo ;ine"ornal6rasileiro, +raço pol*tico de 8et(lio =ar%as, a uma nação de luto.

Por 'im, uanto c$e%ava ao 'ilme do Imperador ;aruso, ue nos repetia sempre e ue era, de'ato, o seu 'orte, cantava empostado - numa vo de tenor tu+erculoso - e se pun$a a c$orar ea %ar%al$ar, tudo ao mesmo tempo, numa emoção tão tr#%ica ue era o mesmo ue voltar )8rcia, ali, na $oraF

&oi o ;aruso ue ensinou-me um dos mel$ores truues de cin'ilo, dentre os ue con$eço.

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“uando eu era menino, isto sim, ali 0 *ue se via o *ue era o cinema. 8ito, nove, de+ filmes por ve+, com uma sB entrada! $e)ão monstro. Eu via era tudo, por*ue eram filmes dos onsC;aciste, 70rcules, 1roncho 1ill@, &om ;i6, #arlitos, $ansão, 2osferatu... >evava comigo umaou duas uchas, honestas, de pão com mortadela. Assistia meus filmes, tran*Dilo, sem pressa.2ão sentia fome. 2a saída, os outros garotos uivavam e esperneavam de dor de dente.7aviam comido alinhas, algodão doce, p0 de mole*ue, esteiras - durante a sessão. Eu não.Eu saía melhor do *ue havia entrado, ora se não! almo)ado e jantado...” 

Cramos preciosistas, uando poss*vel, eu e o Niel. ;oisa de ir assistir um sucesso de +il$eteriaem 4ão @oão de Meriti, por exemplo. Pa%ando as entradas e %astando din$eiro com aspassa%ens de 2ni+us. Mas, meu :eus, como valeram a pena auelas poucas veesF

Era ser $omens, era ser uase adultos. ;$e%ar num +airro descon$ecido, desenvolvido,povoad*ssimo. C claro, tin$a de ser no domin%o, dia em ue não tra+al$#vamos - e dia das%randes matinês.

- 9# vai o avião, ) direita, na pradaria, depois do canHonF =iuD @# passou.Não era poss*vel. Em 'ilme de co+oHs não existiam avi7esF Eu ac$ava ue o Niel, de tanto

enxer%ar os detal$es >ao contr#rio de mim, ue era uma luneta nas distncias?, $avia aca+adopor ver demais, ou se"a3 o ue não existia.- Não pode ser, Niel. Não tin$a avião nauela pocaF Não vi nada...- =amos então ver de novo. At ue não passou tão r#pido assim. =ocê ol$ou para o lu%ar errado...Era s! assistir novamente aos uatro 'ilmes ue "# $av*amos visto - antes de passar novamente auele, o espec*'ico, o ue estava so+ suspeição. Isto não seria pro+lema,%ost#vamos de cinema.

Em vo +aixa, Niel me orientava, com tempo su'iciente e mais as so+ras.

- Est# vendo auela pedra pontuda, de onde o *ndio caiu +aleado a%orin$a mesmoD- ;laro ue viF- =ai ser ali. Não por cima da pedra, mas, por detr#s dela. =ai passar, mansin$o, deva%ar, +emno $orionte da pradaria...

E estava o meu ami%o, mais uma ve, com a m#xima raãoF :ava at para ver ue era um "ato, cruando l# o sem-'im... =olt#vamos rindo, "# tarde da noite, o 2ni+us todo uase ue s!para n!s.

Este 'oi outro ue me ensinou a apreciar de verdade o cinema. A ver o detal$e, a nuance.

Tanto ue c$e%uei a devolver-l$e o 'avor, como o +om aluno devolve ao mestre o ue delerece+eu, acrescido de pouco, mas, sim, acrescido - se pode 'aer isto.

- Niel, tu viu o 4eiOo ce+olão deste *ndioD ;alend#rio e tudoF- T# +rincando, Tul$o...- Não. C srio. Por +aixo do pun$o da "aueta 'ran"ada, uando ele en'ia a 'aca no mexicano.- 4e não 'or %oação tua... a %ente vê tudo outra veF Não posso perder isto.- 4im, eu %aranto. =ou te mostrar.- Mas... ;omo eu pude perder uma dessasDF- Esueça a 'aca e a 'acada. Esueça a mão direita3 ol$e para a outra, a can$ota, ue aondese usa rel!%io. Est# +em l#, um daueles ue eu ueria ter se 'osse rico...

E mostrei. =el$o 5este, mil oitocentos e pouco - se tanto.

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:eus Pai

&iuei ami%o do Padre Arlindo uando vim a con$ecê-lo mel$or, durante o catecismo. Ele nãoparecia %ostar muito da Av!, i%ualin$o ao Av2. Aceitava, no entanto, auelas espanaç7estodas de altar, os +ranueamentos de toal$in$as de renda, mas sem muita empol%ação.- :eus $# de l$e dar a pa%a, "# ue eu não posso...Min$a av! não se dava por ac$ada. Para ela, desde ue o padre dissesse direito as missas,

sem pular uma lin$a e em +om latim, era o ue +astava.5 padre ensinava a mim e a mais meia d(ia de principiantes, ue :eus esperava da %entemuito menos do ue andaram escrevendo.

:iia ue %uerras $aviam sido travadas em nome de :eus, )s vees por causa de +esteiras -como d(vidas numricas, se ele era um ou três, sendo ue o pr!prio :eus devia era ter 'icadoo'endido, por usarem seu nome em con'litos tão mesuin$os. :iia-nos ue :eus era muitodi'*cil de contar e ue provavelmente 'osse imposs*vel enumer#-lo.

Tam+m nos diia ue não iria nos 'aer decorar coisas do tipo /não dese"ar a mul$er dopr!ximo0 ou /não levantar 'also testemun$o0, porue na nossa idade não poder*amos entender 

essas coisas direito.

Pre'eria ue tent#ssemos con$ecer :eus, antes de am#-lo - e nos diia ue ele poderia estar nos lu%ares menos previs*veis - como em uma pessoa at mais po+re do ue n!s, de coraçãolimpo, ou mesmo num passarin$o, voando, ) toa...

Guanto aos mandamentos, explicava-nos ue um (nico, um simples, um mandamento uepoder*amos e dever*amos aprender 1 e lo%o, e direito, antes ue 'osse tarde demais 1 eraauele ue poderia ser transcrito assim3 /Não ser#s desonesto0. Estava contemplada toda aT#+ua rece+ida das mãos de :eus, por Moiss, no Monte.

Entend*amos ue uma pessoa ue o+edecesse esta lei, o Mandamento ero, não mataria oseu semel$ante para tirar suas posses. Nem mesmo se al%um $ouvesse ordenado, numa%uerra ualuer. 4omente em (ltimo caso, para de'ender a pr!pria vida 1 ou a das pessoasamadas. Matar ou 'erir s! por raiva, por !dio, era das coisas mais tristes, dauelas uepesariam para sempre a uem as $ouvesse 'eito. Porue a raiva passa, o !dio aca+a sendoesuecido. Mas a mão ue $avia se su"ado com o san%ue de uma outra pessoa era a coisamais di'*cil de lavar. Nem pondo a uarar, no sol.

Em tudo uanto era mandamento esta simpli'icação 'uncionava. &uncionava +em, era maissimples de %uardar - e de se pensar nela.

:iia-nos tam+m ue :eus era +ondoso, compreensivo. E ue c$e%aria o dia em ue nãomais seria preciso intimidar as pessoas adultas e "# c$eias de manias com um in'erno 'uturo,mas, antes, educar os peuenos no camin$o do +em, ao invs de no temor do casti%o. :iia-nos ue era mais do ue tempo de prevenir a todos ue o in'erno aui, repleto de dem2nios -ue são as pr!prias pessoas, as pessoas m#s, perversas, perdidas de si mesmas. :iia ue amorte era um lon%o sono sem son$os, um esuecimento e um descanso. Ensinou-nos ue dar o ue se tem a outra pessoa, experimentasse uem uisesse, poderia, )s vees, ser mais%rati'icante do ue rece+er. Era a 'elicidade.

 Auilo calou muito 'undo em mim, ue "# $avia desco+erto isto - com a caixa-escolar.

:epois conversava conosco, coisas corriueiras, simples e +oas. ;ont#va-nos, por exemplo, a'#+ula da ;i%arra e da &ormi%a. Isto "# con$ec*amos, pens#vamos, e sent*amos-nos em

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terreno 'irme, +em +atido. Padre Arlindo nos 'aia per%untas, pedia opini7es, ueria sa+er oue ac$#vamos...

Então, +randamente 1 e para espanto nosso -, ele nos /convidava a pensar0. :iia ue umaci%arra vivia uns +ons deessete anos no 'undo da terra, comendo ra*es, sem ver a lu do4ol, esperando o ue :eus $avia destinado a ela, ;i%arra. :iia tam+m ue, depois de tantotempo de espera 1 e tendo pela 'rente uma vida curtin$a, de al%uns poucos dias -, dever*amos

procurar compreender auele +ic$o. A ci%arra sa*a, cantava, es+aldava-se. E era 'eli 1 poruenão procurava ir contra a sua pr!pria naturea.

@# a 'ormi%a, vivia al%uns anos. Estava su+metida a um re%ime de escravidão - ou entãodestinada a ser soldado, opressor de outras 'ormi%as, as escravas. E ainda $avia a rain$a,uma %randona, ue vivia v#rios anos 1 num tdio ue era a pr!pria eternidade para umasimples 'ormi%a.

Per%untava, então, o ue ac$#vamos3 se $av*amos compreendido, se t*n$amos d(vidas.:iia-nos ue poder*amos 'alar tudo auilo ue pens#ssemos. Tam+m discordar não seriam# coisa, o mais importante era pensar um pouuin$o nauilo ue v*amos ao nosso redor,

antes de aceitar ualuer coisa ue nos dissessem - sem exame nen$um...

&oi desta maneira ue, pelo menos uando 'i o catecismo, a 'ormi%a andou +astante malvista 1 enuanto a ci%arra o+teve uma torcida 'iel3 n!s, ue ramos ci%arra at o 'imF

Na (ltima lição da escola de catecismo, nos ensinava ue ele, um simples pecador, não tin$apoder al%um so+re n!s. :iia ue tudo 'aria para nos a"udar, mas ue $avia desco+erto uenen$um $omem, nem mesmo aueles ue 'oram os santos, tin$am poder al%um so+re osdemais in'elies ue povoavam a Terra.

 A Av! tentava +ispar as liç7es ue eu estava tendo no catecismo, mas eu desconversava ouanto podia.- Não demos isto ainda, =!. =ai ser na semana ue vem...- <um... Temos mouro na costaF

 A vel$a me intimidava com /a con'issão de novato0, al%o ue poderia acontecer, uanto maisuando o catecismo não 'ora +em 'eito... m s! pecado esuecido ou omitido, por /mais su"oue 'osse0, e estava a criança assinando sua pr!pria condenação eterna, sem c$ance al%umade perdão 'uturo.

Eu temia. Principalmente por não conse%uir me lem+rar direito dos meus pecados mais su"os.

No entanto, surpreendi-me +astante ao 'aer o meu primeiro acerto de contas com :eus, ou,v# l#, com o seu representante em Alm3

- 4eu coração est# tranKilo, meu 'il$oD...- No momento, sim, Padre...- Então v# em pa, e ue :eus te acompan$e, sempreFPronto. <avia aca+ado. Era somente auilo...

Min$a Tia :oente era a mais ape%ada a Av!. E tam+m a mais parecida com ela, em diversosaspectos. <avia sido esta tia a acompan$ante 'iel da Av!, nas idas ao :outor Romano 1 ue:eus o ten$a. :e tanto ir, talve, e não consultar-se, uando deu por si, "# adultin$a, era uma

mul$er doente.

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 Andava permanentemente com o nari vermel$o, na cara muito +ranca, ma%rela. Tin$a/nervos0 e /pro+lemas mul$eris0 diversos - ao ponto de, "# casada e morando a%arrada nacasa da Av!, meia-parede, não sair-l$e do ventre um (nico 'ruto, tão dese"ado.

Era casada com o Tio Manso, um tio emprestado a mim, "# se vê3 $omem calado, su+metido )Tia :oente, em+ora 'osse parrudo, uase %ordo e uase alto.

 A Tia Empol%ada, ue sempre 'ora uma pnde%a, desde menina, diia ue auilo era por causa do /tranco insu'iciente do Tio Manso0. E isto dava discussão, toda ve.

 A Av! receitava /promessas0 1 at se comprometia a 'aê-las, em nome da Tia :oente, desdeue não 'osse o+ri%ada a pa%ar pessoalmente o d+ito, no atendimento divino.

&oram tantas as promessas 1 e tantas co+ranças 'ieram os espectadores ao Tio Manso -, ueessa tia aca+ou por dar-me uma primin$a, (nica, 'rauin$a como a mãe - (ltimo suspiro do tioou da tia, v# l# a %ente sa+er direito, e isto uando am+os ainda não tin$am c$e%ado aos trintaanos de idade.

5 Av2 não se metia nessas coisas. =ivia e deixava viver. No entanto, 'alava-se, nen$umadauelas promessas 'a"utas, uase desonestas, 'aria o ventre resseuido da Tia :oenteconce+er, não 'osse um incidente 'ortuito. Tão 'ortuito ue nin%um con$ece testemun$as -somente o murm(rio.

:iia-se ue, num dia de desespero, o Tio Manso conse%uiu superar sua timide e 'oi pedir oconsel$o do Av2. Teria rece+ido a instrução so+re certas ervas, ue estavam dispon*vel e aoalcance da mão, desde sempre, ali mesmo, no canteiro medicamentoso do "ardim. A uestãoera recol$er as plantas corretas, na medida exata e deix#-las secar ao sol, +em discretamente.:epois, preparar a %arra'ada, para o tio e a tia, usando-se a%uardente de en%en$o, autêntica enão +atiada.Isto aca+ou dando num t2nico tão e'iciente, tão estimulante, ue, menos de um ano depoisdeste con'a+ul!rio entre o Tio Manso e o Av2, c$e%ou a nova prima. =eio a prima. Portanto,menos um pro+lema. Isto o ue importa.

@# a Tia Empol%ada me dera dois primos, mais novatos do ue eu. Ela era casada com o Tio;iumento 1 um +aixin$o, extremamente tra+al$ador e $a+ilidoso, ue tin$a por pro'issão ocamin$ão e a estrada. No entanto, esse tio, tam+m emprestado, trocara o volante de um +elocamin$ão e a estrada, pela irris!ria direção de uns /lotaç7es0 su+ur+anos, para não 'icar tantotempo distante da amada.

Min$a Tia Empol%ada empol%ava-se, principalmente, com a m(sica do r#dio e da sua eletrolamoderna, presente do Tio ;iumento. E pela %al$o'a, a miser#vel.;omeçava sempre assim... 5 Tio ;iumento em casa, descansando do turno no volante, e a tiacoin$ando, arrumando a casa, ouvindo a eletrola... e cantando. Eram principalmente +oleros,m(sicas romnticas 1 e a Tia Empol%ada indo "unto... Nos intervalos das 'aixas3- Este $omem canta demaisF Meu :eusF- Guerida, pare com istoF5utras m(sicas, e a tia cantando, a'inada, +em alto, numa emoção enorme. Intervalo3- @esusF ;omo canta este $omemF AiF AiF Gue vo, ue $omemF- Eu "# disseF Não vai me respeitarDF Pare de 'alar asneirasF Auiete-seF5utro disco, mais m(sicas, mais cantorias, mais empol%ação. E no intervalo das m(sicas3

- AiF Gue vo, este $omem...- Guer parar "#DF =ocê uer ue eu cometa uma loucura, uma tra%diaDF- ;aaaaaanta meu maaaac$oF >ue +erroF?

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5 meu Tio ;iumento pe%ava então uma 'aca, uma dessas, de matar %alin$a, riscava o cimentocom ela 1 ue c$e%ava a soltar 'a%ul$asF :iia ue vin$a tra%dia, ue estava vendo tudovermel$o, ue não respondia mais por si...Então min$a tia, com um simples aceno, c$amava-o para o uarto. Ele vin$a, mansin$o,cativo, instantaneamente aplacado. E ali 'icavam, por $oras e mais $oras.&am*lia +em louca, esta min$a. 4ou o primeiro a recon$ecer3 não adiantaF

 A Tia :oente %ostava de animais. :e cac$orros. &oi ela ue providenciou o "ai%o perptuo, no "ardinin$o, e a missa de corpo presente para o 9utero, o cão da in'ncia dela e de todos osoutros tios. m cão esplêndido, um +ic$o ue por pouco deixou de 'alar 1 nos seus mais detrinta anos de vidaF- 9ulu, vai no açou%ue e tra dois uilos de alcatra, +em pesados e sem pelancasF9# ia o 9utero. 5l$ava direitin$o para atravessar duas ruas movimentadas at c$e%ar aoaçou%ue, do outro lado da praça.- Muito +aimF 5 ue vamos $o"eD 5 m(sculo est# de estalaireF :ois uilitosDFm latido e um rosnado.- 5ra, poisF Antão me levas da c$ã de dentro, não est# nada m#, poisD m uiloDF5utro latido solit#rio, acompan$ado do respectivo rosnado, tam+m (nico.

- <umm... Ao 9uteroin$o não apetece esta alcatra, de $o"eD <ãD Gue ac$asD :ois uilosDF:ois latidos 'ortes, ale%res - e o ra+o a+anando.E l# vin$a de volta o 9utero, com a carne na +oca, compenetrado, respeit#vel, nem um 'ioin$ode +a+a a escorre-l$e do ueixo. Isto, sim, era um cac$orroF A 'am*lia teve outros, depois ue9utero 'aleceu. 6ons cães, inclusive. ;on$eci v#rios deles. In'elimente não c$e%uei a pe%ar otempo de 9ulu, porue ainda não $avia nascido. 4omente a le%enda, imorredoura. E o "ai%operptuo. :eus o ten$a, ammF

Nossa c$e%ada ) casa do Av2 e da Av! 'oi o começo de outros tempos 1 com suasdi'iculdades e dores pr!prias. C claro ue sempre se podia aproveitar os intervalos ueocorriam entre uma peuena des%raça e outra. E nisto eu aca+ei me especialiando.

 A Mãe diia ue ramos en"eitados, tratados como estran$osB despreados por todos os outrosparentes 1 ue somente ueriam viver suas pr!prias vidas, sem viver um pouco as nossas.:iia tam+m, todos os dias, ue ramos menos ue os cães ue, por auela poca, "untos eem es'orços concentrados, tentavam preenc$er a lacuna deixada pelo 9utero, sem atin%ir, nemde lon%e, claro, os seus intentos.

Eu não me importaria tanto assim em ser simplesmente despreado. 5 maior pro+lema era aver%on$a ue sentia das +ri%as provocadas pela Mãe, todos os santos dias 1 antes 'ossem em

todos os dias santosF Era com todos, contra todos, em pleno uintal de meus av!s 1 c$e%andoa atrair platias ao portão da 'rente.

@#, da* por diante, eu não teria cora%em de ol$ar a min$a 9ourin$a nos ol$os tão lindos. Talvenão 'osse tão ruim passar um +om per*odo ao desa+ri%o 1 ue 'osse 1, desde ue não se'iesse tanto alarde de nossa misria. Pois, lo%o aprendi, pior do ue a pr!pria misria o uese pode 'aer dela.

 Aueles parentes, ue viviam con%re%ados e relativamente em pa no terreno de meus av!s,tiveram ue 'aer al%umas adaptaç7es, desde lo%o. 5 Tio Rico mandou construir uma mural$ade cimento 1 alta, mas +em 'ina, de concreto armado 1 para isolar o terreno inteiro da casa

viin$a, a de 4eu =italino 1 %rande ami%o dele. Pre"u*o e contratempo.

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<avia dito, salvo en%ano, ue os dom*nios de meus av!s maternos "# estavam inteiramenteocupados pelas novas casas - dos 'il$os ue cou+eram ali. Mas não cou+eram todos, porueeram muitos.

 Assim, o Padrin$o e a Madrin$a, por exemplo, ocuparam uma outra casa, alu%ada, a se%undadepois dauela de meus av!s. Pois +em. 4eu =italino, at ali, sempre concedera o /direito depassa%em0, pelos 'undos do terreno de sua casa, aos ue precisavam alcançar a pr!xima, a

dos meus padrin$os. Mas a c$e%ada da Mãe, conosco, mudou tudo isto.

5 Padrin$o $avia alu%ado auela casa, por preço m!dico, para a+ri%ar a 'il$arada 1 ue nãoparava de c$e%ar, sempre meninas. ma s! 'am*lia, ocupado um terrenão daueles,i%ualin$o ao de meus av!s, mas com uma (nica casa 1 e auilo tudo para uma (nica 'am*liaF

Era uma maravil$a, porue estava repleto de #rvores 'rut*'eras, das mel$ores e mais raras ueexistiam em Alm. <avia pitan%ueiras, uma amoreira com seus +ic$os da seda, ps de sapoti,de %enipapo, de romãs %randes. 8oia+eiras variadas 1 das +rancas, das vermel$assan%u*neas e das rosadas. E mais uma in'inidades de outras 'ruteiras. A casa, em si, eraexatamente i%ual ) de meus av!s, sem anexos no entanto, toda ori%inal. :o "eito ue os

americanos $aviam mandado. 4ervia como pomar e reserva de caça >aos passarin$os?, para a'am*lia inteira. 4eu =italino sempre 'acilitando tudo 1 ele ue, uase soin$o, era tam+m donode um pomar um pouco menos sortido, mas não menos respeit#vel.

Meus padrin$os, +ons plantadores 1 como de resto -, $aviam providenciado caramanc$ão de "asmins em 'rente ) porta de entrada da casa >de ladoF? e uma mesa %rande de madeira, ao ar livre 1 para os almoços 'estivos. Tudo isto, então, teve o acesso restrin%ido ou controlado, pelanossa c$e%ada intempestiva e, di%amos assim, um pouco +arul$enta.

4orte 'oi a ue teve o meu Tio 6anc#rio3 sua posição, ue exi%ia certa representatividade,'iera-o ir morar, desde ue se casara com a Tia 8ordin$a, em Madureira 1 lu%ar civiliado,ue tin$a de tudo, uma verdadeira metr!pole.

4eu =italino era um uarentão, solteiro. m autêntico 'il$o ue o sertão nos mandara.:iia ter pai e av!s *ndios, em+ora eu nunca $ouvesse visto, antes dauela poca ou depois,*ndio +ranco e de ca+elos encaracolados. Mas vivia de 'orma um pouco parecida com a dos*ndios, sim.

Nauelas madru%adas, rapidamente %lidas, de "un$o, l# estava 4eu =italino, seminu,cuidando da $orta e das #rvores. No 'im dos tra+al$os, pelo maior 'rio da man$ã, tomava+an$o de man%ueira, rindo, %ar%al$ando 1 e %ritando3 /%uerreeeeiroF0 ;$amava todo mundo

de /%uerreeeeiroF0, dando muita risada. Nunca sou+e a raão disto, at $o"e.:e raro em raro, 'aia umas via%ens, lon%as, ) sua terra natal, o Paran#. :e l# voltava comuma /*ndia0, ue tam+m era, no m#ximo, morena. 4ervia-l$e de *ndia compan$eira por al%unsmeses 1 at ue ele a despac$asse de volta, ) reserva.

 Auilo era um s#+io em coisas de ervas curativas. Alm disso, $#+il en'ermeiro, aplicava%ratuitamente as in"eç7es ue $ospitais e mdicos $ouvessem prescrito. Não errava uma veia,não casti%ava uma n#de%a "# muito 'urada - um ai alm do necess#rio. 8ostava de preparar suas re'eiç7es ao ar livre, como os pr!prios *ndios, seus parentes, na len$a. E os c$eiros eram!timos.

 Ac$o ue a nossa c$e%ada, trans'ormou a peuena aldeia de 4eu =italino em al%o maisparecido com um $osp*cio des%overnado - antes ue o Tio Rico providenciasse a mural$a. Eudeveria ter 'icado seu ami%o, em+ora ainda 'osse peueno. Poderia tentar. Mas não3 ele era

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ami%o do Tio Rico e, portanto, inimi%o da Mãe - por conse%uinte, nosso tam+m, como elamesma exi%ia e co+rava.T*n$amos carta +ranca da Mãe para in'erniar a vida de 4eu =italino,alm de sua autoriação t#cita para invadir o uintal e depenar as #rvores ue uisssemosdauele +om selva%em.No entanto era ele mesmo uem aplicava as in"eç7es nas n#de%as de meus irmãos, sempredoentes. &aia isto com a 'reKência necess#ria, sem reclamar ou demonstrar m# vontade,em+ora srio 1 e sem o seu %rito de /%uerreeeeiroF0. Não ramos.

5 +ando de %arotos desta nova re%ião era +astante di'erente dauele da outra rua em ue eumorara. Em+ora $ouvesse, sim, tam+m ali, o valentão, o perverso e, ainda, o criminoso em'lor, a maioria era 'ormada por %arotos comuns, arteiros, adoradores do 'ute+ol e da pipa. Emais, al%o intri%ante3 uma +ela concentração de %arotos estran$*ssimos, +ons candidatos )loucura 'utura.

<avia o Pardal, nas invenç7es e explos7es. ;iência pura, em pessoa. =ivia )s voltas com oaprendiado do o'*cio, em tempo inte%ral, não restando nem mesmo um minuto para outrascoisas, exceto a escola - o+ri%at!ria, ue ele ia levando aos tropeços. Nunca c$utou uma +ola,ou soltou uma pipaF =eio a ser, mais tarde, residente perptuo do <osp*cio do En%en$o de

:entro, na posição de Nero, Imperador de Roma, se não 'al$a a mem!ria.

6unda. @ames 6unda, a%ente secreto de 4ua Ma"estade >cu"o nome de +atismo era =anteci?.5 6unda era dono de uma coleção completa de @(lio =erne. Emprestou-me, um a um, todosos volumes 1 ue ele pr!prio "amais $avia tido a curiosidade de a+rir. Não era livro deespiona%em. Emprestou-me, sim, mas custou. 4omente depois ue se convenceu de ue eunão era, de 'ato, um /a%ente in'iel da ;apad!cia0. :emorou 1 e 'oi muit*ssimo, por uestão dese%urança redo+rada.

5 %rande pro"eto do 6unda era uma missão de espiona%em 'oto%r#'ica 1 em ue aca+oucooptando-me, em troca do emprstimo dos livros. Gueria 'oto%ra'ar detal$adamente seu pai,ue se em+ria%ava diariamente, para depois exi+ir as 'otos ao pr!prio 1 'aendo umac$anta%em internacional e o+ri%ando-o a lar%ar a %arra'a. In'elimente não conse%uimos3 a_odaO caixote ue 6unda arran"ou estava sempre sem 'ilme.

5utros moleues 1 e adultos "ovens, ue continuavam meninos de +ola e de pipa -, eramtam+m curiosos de serem o+servados, mas não c$e%avam a ser estran$os de 'ato, comoacontecia com o Pardal, com o 6unda 1 e com v#rios outros.

5 Nardin$o P de Pato, por exemplo3 uns deoito anos, paralisia in'antil numa das pernas -ue $avia 'icado mais curta ue a outra uns +ons uatro dedos. &ute+ol o dia inteirin$o. Ex*mio

 "o%ador e um estrate%ista ue, ao mesmo tempo em ue "o%ava, ia instruindo o restante dotime, sem parar, do começo ao 'im da partida.- &il$o da putaF Eu te entre%o uma +ola redondin$a, penteada e per'umadaF E ol$a o ti"olo uetu me devolveF  volta do campin$o, ue 'icava "usto ao lado do cinema, os outros times esperavam ansiososa sua $ora de "o%ar. 5 time ue $ouvesse vencido a partida, permanecia em campo.Permanecia, para en'rentar o pr!ximo advers#rio, imediatamente, nem cinco minutos dedescansoF E era um advers#rio ue estava seco por +ola.;omo o time de Nardin$o P de Pato era o mel$or - %raças a ele, principalmente -, 'icava emcampo uma man$ã ou tarde inteira. Im+at*vel - e tendo como principal atleta um portador dap!lio. Era coisa +onita de se ver. 5 ue não 'aia a 'ome de +olaF

5s pro+lemas ue tive com os valent7es 'oram, desta ve, passa%eiros. Gue +omF Nunca%ostei de +ri%ar 1 coisa ue mo+iliava demais uma criatura, em troca de praer nen$um.

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;omecei a ser acossado pelo Misael, lo%o o mais temido dentre aueles ue orçavam a min$aidade. Ele era, no entanto, mais 'orte ue eu 1 ue andava sempre nas re'eiç7es incertas eaventurescas neste per*odo da vida. :epois, se me lem+rar, eu vou contar a aventura ue eraconse%uir cada uma das re'eiç7es, em cada um daueles dias 1 para toda a 'am*lia. 4eesuecer, o leitor ue me 'aça o 'avor de re'rescar-me a mem!ria.

Misael andava me peitando pelas esuinas. Gueria su+meter-me, como 'aia com os outros

%arotos, ao seu dom*nio. Tomava pipas, 'urava 'ilas na $ora de "o%ar +ola 1 alm de outrostruues su"os, do tipo /pedir0 uma mordida num precioso picol e a+ocan$ar tudo.

Eu tin$a medo, não ne%o. 6astante. Evitei o con'ronto, o m#ximo de tempo ue pude.

Enuanto isto 1 e não sei por ue car%as d#%ua -, aca+ei 'aendo uma o+servação casual,mas important*ssima. ;oisa ue me valeria não somente nauele epis!dio, mas, tam+m, pelavida a'ora.

:entre os %arotos su+missos ao Misael, $avia uma in'inidade de moleues mais 'ortes do ueele pr!prio. Isto me intri%ou e dei mais corda ao rel!%io da caixola...

 Aca+ei concluindo ue essas coisas de valentia são mais a atitude do ue a 'orça,propriamente dita. E 'oi assim ue apliuei uma tremenda surra no miser#vel. Tão +emaplicada 1 eu, ue estava $a+ituado a de'ender-me do ataue de v#rios, simultaneamente, naoutra rua 1 ue aca+ei tomando outra, em casa, da Mãe, por tentativa de $omic*dio.

&oi o ue +astou, 'elimente. Nunca mais 'ui incomodado, ue me lem+re, por valent7es, at apresente data. :e ue+ra, coisa +oa, esta sim, passei de /Tutuia0 a /Tul$o0, imediatamente. Adeus, luta corporal. Auilo 'oi, de 'ato, o 'im. 8raças a :eusF

<ouve um ano em ue não tivemos as 'rias no mar. &oi o ano em ue meus tios resolveram'aer uma %rande entrada pelos sert7es +rasileiros. Est# certo, eles não sa+iam o ue era umaentrada, uma +andeira 1 e ue dir# um +andeirante. Mas não precisavam3 estava no san%ue.

6ras*lia estava "# inau%urada, $# poucos anos. E uase )s moscas, ainda. :iiam-semaravil$as dauela cidade, plantada +em no centro do pa*s. Meus tios, se%undo penso, nãoestavam propriamente interessados em cidades. Tanto ue l# 'oram 1 e nem entraram.

4im. 9# vai, novamente, a carroça adiantes dos +ois. ;arroça muito r#pida e +oisexcessivamente lentos são coisas ue nunca se deram +em.

5 ue motivou esta %rande via%em não 'oi nada de cidade. 5correu, sim, pela primeira ve,terem a+erto umas estradas ue adentravam mais 'undamente o pa*s. ns arremedos deestradas, somente por causa da nova capital 1 ue não poderia 'icar isolada em 8oi#s, terrade *ndio muito e *ndio +ravo.

=# l#, ue auilo serpenteava por 4ão Paulo, antes de entrar em Minas 8erais. :epoiscruava o Mato 8rosso inteiro, lu%ar peri%os*ssimo, de onças 'ornidas, entrando )s vees noPara%uai 1 ue nem tanto era, porue "# $av*amos destru*do tudo por ali 1 e depois saindo devolta. At ir atin%ir, al%umas semanas depois de iniciada a via%em, o distante 8oi#s - lu%ar ainda mais peri%oso, exceto nas principais ruas de nossa mais recente capital. Tudo isto sem

ue se visse um cent*metro de as'alto, de paralelep*pedos, de pedra mi(da +ritada ue 'osse3entre o Rio de @aneiro e 6ras*lia, nada. 4omente +arro e lameiro, as #rvores crescendo

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novamente no centro da estrada ue 'ora a+erta pelas m#uinas %overnamentais. 5 as'altomesmo, ue era +om, começava a poucos passos do Pal#cio do Planalto, diiam.

Tanta volta 'oi a maneira ue encontraram, os do %overno, de evitarem-se as tri+os mais$ostis, de terem ue derru+ar ou 'urar montan$as inteiras 1 en'ileiradas em seKências ded(ias incont#veis. E tam+m de er%uerem-se pontes so+re rios intranspon*veis 1 tanto emlar%ura uanto em pro'undidade. 5 importante era inau%urar.

:epois de al%uns 'inais de semana de preparativos estava tudo pronto para a via%em. A+arraca de lona verde, as espin%ardas, o lampião a uerosene, os 'ardos de carne seca, as'ardas, o %arra'ão de a%uardente >para picada de co+ra?, alm das miudeas de an!is, 'ac7esde mato, redes de dormir 1 e de uns +revi#rios ue a Av! 'e uestão ue seus 'il$oslevassem aos *ndios menos 'uriosos.

5 Av2, evidentemente, ueria tam+m ir com eles. &oi um custo convencê-lo de ue $avia de'icar em Alm pelo menos um representante masculino adulto do clã - e não servia ualuer um. Tin$a de ser al%um ue 'osse san%ue do nosso san%ue. Não um advent*cio, como o TioManso, por exemplo. Auilo entristeceu meu av2. 5s tios não uiseram dier, mas o Av2

entendeu ue ac$avam ue ele estava "# muito vel$o para uma aventura dauele tipo.

Meus três tios adotavam a doutrina militar nas via%ens mais lon%as. @# $aviam 'eito assim por umas vees, uando via"aram "untos em caçadas pelo Estado do Rio. A postura e distri+uição $ier#ruica 'acilitavam a lin$a de comando, 'osse isto o ue 'osse, e,principalmente, impressionava matutos e encantava pre'eitos de roça. Em %uarnição, eleso+tin$am o m#ximo respeito dos povos visitados em %eral.

Meu Tio Rico, por ser o dono do carro e, claro, rico, era o Tenente. 9o%o a+aixo, or%ul$osocom as divisas de sar%ento, vin$a meu Tio 6anc#rio. Por (ltimo 1 e onde todas as ordens iamdesa%uar -, vin$a o Padrin$o, no posto de ;a+o, por ser ele um simples sapateiro >e não $aver entrado com contri+uição al%uma ue não a pr!pria presença?.

- 4ar%entoF- 4im, meu TenenteF- ;aaapinar e montaaar acampamentoF- Enteeeendido, seeen$orF ;a+oF- Aui, meu 4ar%entoF- ;aaapinar e montaaar acampamentoFMas todos se a"udavam. Auilo era mais o exerc*cio, a prontidão militar 1 tão necess#rios nasvia%ens por lu%ares onde não se era con$ecido - e muito menos recon$ecido.

=oltaram mês e pouco depois. ;$eios de cineiros, lenç!is, pratos, tal$eres e at um penico -traidos como lem+rança ou desa%ravo de uns poucos $otis ue $aviam encontrado nocamin$o. 8arimparam cristais de roc$a, ametistas roxas 1 ue eu nunca tin$a visto -, alm deum tanto de ouro >ue es'arela em nossos dedos uando apertado?. <aviam voltadoa+arrotados em minrios desta espcie e em passarin$os raros. :e *ndios, nada. <aviam'u%ido, com ta+as e tudo, ) simples aproximação dauela tr!ica.

Em couro de onças veio pouca coisa. 5s camin$7es ue passavam pela estrada durante anoite, com seus 'ar!is intensos, encantavam auelas +ic$as 1 e elas se deixavam atropelar,coitadasF Ainda assim, numa das três ue trouxeram 1 e ue examinei mais detidamente,

encantado -, ac$ei no avesso do couro umas letrin$as +em desen$adas, com caneta tinteiro eue diiam3 /9em+rança de @ata* 1 ;r` \,\\0.

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;omo aca+ei deixando escapar, antes, meus tios 'oram e nem uiseram con$ecer a capital. Auilo, diiam, era um $orror de cimento e ar+ustos secos. :e lon%e se via ue não valia umlitro de com+ust*vel. E mais3 estando 'ardados, poderiam ser reuisitados por uma dauelas%uarniç7es de cavouueiros, ou, pior, para uma deputação indese"#vel.

&oi desta via%em ue nos veio o Pio, o papa%aio ue a Av! rece+eu de presente. A vel$atrancou-se com a ave por al%uns meses, no uarto. 5 m#ximo ue auele animal rece+ia de

li+erdade era uma $ora por dia de sol, na "anela do uarto da Av!. 4ua %aiolin$a era a+erta 1mas $avia a corrente 'ina, de medal$a de santo, como %ril$ão de p.

Pio estava sendo cateuiado, pens#vamos. Tam+m 'a*amos apostas so+re o ue sairia dali>uma missa cantada, um padre nosso inteiro, um creideuspai 1 pelo menos?.Mas Pio era um 'racasso. Tudo ue aprendera não passava de um princ*pio de cantoria.- Ave, ave, ave Mariiiia.... A Av! então não o uis mais. Taman$a despesa com sementes de %irassol 1 e mais oinc2modo da %ritaria ue Pio começava, todas as man$ãs uando via o sol nascer por detr#sdas cortinas ralas do uarto de min$a av!F9ar%ou a %aiola espetada num ar+usto do "ardim e avisou aos mais vel$os ue auilo viera "#

adiantado demais no pa%anismoB 'icasse com ele uem uisesse.Pio aca+ou adotado 'ormalmente pela Tia :oente 1 mas 'oi sendo educado por aueles ueeram de educar aves.- ai ver l no poste o icho *ue deeeeu.... Ave, ave, avestruuuu+...Era o Pio. E como cantava +onito, com sentimentoF Ac$o ue simpatiou mais com o Av2, uel$e dava tudo uanto tipo de semente ue papa%aio %osta 1 e não somente o insosso%irassol.

8 galo canta8 macaco assoia8 urro enterra2o cu do vigia...>=ro! #urrupaco! 

Isto, certamente, não 'ora coisa do Av2 >ue nunca 'oi de palavr7es?. Isto era coisa nossa, dosmeninos da casa. 8ostando do Pio, pux#vamos por ele, )s ocultas. 5 ue lem+ro ue o Pio$avia-se tomado de !dios pela Av!.

5 lon%o per*odo no claustro do semin#rio, sem poder sentir o ventoB os "e"uns a ue a vel$a oo+ri%ava, )s sextas-'eirasB ser acordado, no mel$or dos sonos, o primeiro, com respin%os de#%ua +enta - para rear o n%elus )s seis da tarde... E estando o +ic$in$o "# com a ca+eça

%uardada em+aixo da asaF 5 c$eiro 'orte de na'talina ue os santos exalavamB as novenas,treenas, ladain$as... Auilo 'oi demais para um simples papa%aio.

Guando se apan$ou em li+erdade, não $avia ve ue a Av! passasse por perto sem ue oPio, arrepiad*ssimo das penas, deixasse de tentar +ic#-la. ;om o tempo, apan$ando a 'orça eo vi%or no "ardim, a peuena %aiola a+erta >nada mais ue um poleiro onde era presa acorrentin$a de p, $a+ilmente 'ixado na transversal de uma peuena +ase de lata?, "# não erasu'iciente para deter o seu ressentimento.

Numa man$ã, vendo passar a Av!, paramentada e apressada no rumo da i%re"a, Pio alçouv2o, com %aiola e tudo, indo +icar min$a av! no topo da ca+eça e trincando-l$e um pedaço da

orel$a. &oi da* ue %an$ou um %aiolão, tam+m a+erto 1 e lastreado de c$um+os. Resultou,essa %aiola lastreada, de ne%ociaç7es demoradas 1 e 'oi esta a alternativa encontrada )'o%ueira, ue a Av! ueria ue se 'iesse, de imediato.

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=endo ue não podia com sua nova casa, um tanto pesada, não 'oi por isto ue Pio desistiudos reparos ue "ul%ava 'aer "us.- aio te parta, ruaca velhaF A Av! 'icava possessa. Guem $averia de ter ensinado auilo ao PioD Não $avia d(vidas,em+ora não $ouvessem provas...- Maldito "udeu errante, ue um +ic$ano não te apan$aF- Ave, ave, avestruuuu+...

- <ei de arran"ar um %ato, dos %randes...- ov=, me d caf0DF- &alando no cão... ue te destravou a l*n%ua...- 5ominus, vosicum...- Excomun%ado dos in'ernosF <ere%eF- 8 galo canta, o macaco assoia... >=ro! 

Est#vamos em plena ditadura militar. No dia mesmo, no dia da Revolução 1 ue Alm 'icousa+endo uase uma semana depois e 'oi, portanto, /o dia0 -, o m#ximo ue aconteceu 'oi ueal%um %ritou3 revoluçãoF 1 e l# se 'oi a vendin$a de 4eu 5s!rio, sar%ento do ;orpo de Mata-

Mosuitos re'ormado e representante do militarismo ali no +airro. Nin%um $avia entendidonada.

5 restante todo mundo "# sa+e3 muita +andeira na escola, muito $ino repetido, muitos 'o%os dearti'*cio so+re as %l!rias do 6rasil na 8uerra do Para%uai. E auelas datas todas para decorar.4eriam +oas para a Mãe, seriam /palpites0 para o "o%o do +ic$o. Mas a Mãe $avia a+andonadoa escola ainda em peuena 1 porue 'oi proi+ida de entrar, carre%ando a Tia :oente, ue eraum +e+ê e ue estava so+ inteira responsa+ilidade dela, da Mãe. Noite e dia. Eu, por meuturno, esconderia aueles cadernos c$eios de n(meros 1 para ue a Mãe não os visse eaumentasse ainda mais sua uantidade de palpites. Isto se ela 'osse de ol$ar cadernosescolares.

:isse tudo isto s! para dier ue, um dia, um patriota ualuer andou colocando na ca+eça daMãe ue, caso o 8overno sou+esse da nossa situação, $averia pris7es em massa. 5 pr!prioPai seria recapturado e mandado de volta. ;amin$7es do Exrcito, com mantimentos 'artos,se en'ileirariam em nossa porta. A Mãe, então, imediatamente, arre%açou as man%as.

5 primeiro passo seria 'aer a den(ncia. Não num uartel, não numa dele%acia de pol*cia. Na9e%ião 6rasileira de Assistência, a 96A. Porue $avia +rasileiros passando 'ome, 'il$os de$er!i militar desmo+iliado, em pleno Rio de @aneiro 1 ue, por m#xima coincidência, era onde'icava a sede da 96A. Tudo vindo a cal$ar.

;omo não podia deixar de ser, 'ui escalado como acompan$ante da Mãe neste processo deindeniação. 8ostava, no começo3 a sede era ao lado do Aeroporto 4antos :umont 1 e eu,ue adorava avi7es, nunca os $avia visto de tão perto. &icava $oras e $oras, numa das "anelas, encantado com os pousos e decola%ens 1 enuanto a Mãe esperava ser atendida e,depois de atendida, tam+m 'icava +astante tempo tentando provar ue precisava de al%umaa"uda. Mas não convencia nin%um, sa+e-se l# por uêF ;ertamente não ramossu'icientemente po+res, estava na cara.

&oram tantas as visitas 1 e as entrevistas -, ue, "uro, aca+ei tomando a+uso de avião, peloresto dos meus dias. Nem ol$o uando passa um. Não %osto de su+ir neles, ac$o ue

demoram demais a cruar o Atlntico, ac$o ue a %ente 'ica en%aiolada neles. En'im3 nãopassam de um mal necess#rio, i%uais a esses carros ue atravancam as ruas... E a Mãeaca+ou não conse%uindo a+solutamente nada. Ali#s, uase conse%uiu sim.

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&oi numa ve em ue uma dauelas mul$eres per'umad*ssimas pareceu 'raue"ar um pouco.Estava uase sendo 'ec$ado ue ela nos daria um cupom de mantimentos, a t*tulo de consoloe de despedida. @# seria al%uma coisa. Tendo conse%uido o primeiro, ap!s tantos meses,uem sa+e então a Mãe conse%uiria os outros, os pr!ximos, com maior 'acilidade. Mas demosaar 1 e sorte ao mesmo tempo3

- A Primeira :amaF A Primeira :amaF =isita surpresaF 4uspendam as entrevistasF

Gue emoçãoF Eu nunca $avia visto uma pessoa importante em toda a min$a existência. Masnão me pareceu %rande coisa3 tin$a cara de m(mia con%elada, era esno+e com as serviçaisue a cercavam 1 e aca+ou de'initivamente com a nossa (ltima esperança de provar ocard#pio da 96A. :esistimos então. A Mãe desistiu da indeniação e eu dos avi7es.E como era $orrenda a tal :ona ]olandaF 5 "eito era tra+al$ar. Eu.

Nem vou 'alar do %in#sio. Não vale a pena. ;ostumo cumprir o ue di%o. Eu disse3 nada deescola aui no livro 1 e aca+ou. Mas 'aer +reves re'erências, de passa%em, uando isto 'or essencial, não. Isto eu não disse ue deixaria de 'aer.

Eu $avia sido admitido no ;ol%io :. Pedro II. 5 din$eiro das passa%ens era outra aventuradi#ria. Ali tam+m $avia a caixa escolar, um pouco menos r*%ida. Mas eles pensavam ue osalunos po+res tin$am carros, no m*nimo. Nada do din$eiro da passa%em. :avam, sim, doispares de sapato por ano 1 e est# tudo explicado. Mas eu morava era lon%e demais de 4.;rist!vão. ;orr*amos o c$apu entres os parentes 1 e o Padrin$o, com auela 'il$arada toda,sendo sempre o mais co+rado de todos. A"udou 1 e muito. Auele deu mais do ue tin$aF

4e%undo $avia prometido, vou lo%o saindo deste col%io. A%ora mesmo. Porue, nocomecin$o do terceiro ano 'i catore anos. 8an$ei de presente uma trans'erência para ocol%io dos "u+ilados, em Alm, sem $aver sido "u+ilado e sem precisar pa%ar asmensalidades3 a Mãe conse%uiu uma das poucas /+olsas dos necessitados0, para mim.

Tudo 'oi muito +em arran"ado assim porue $avia ali, no 4eu <eit2 >papai pa%2, 'il$in$opass2F? o curso noturno - para aueles ue "# tra+al$avam. E mais3 como se eu nãotra+al$asse "#, ainda %an$ei um +elo empre%o como oper#rio na '#+rica de latas de sardin$ado nosso +airro. 5utra etapa das +oas, das mais interessantes - para aueles ue %ostam deler $ist!rias, 'iue entendido.

Tra+al$ar, tra+al$ar, tra+al$ar de 'ato, eu "# $avia começado $# muito. Em+ora 'osse nauiloue $o"e c$amam /setor in'ormal0. Estive, por v#rios anos, no ne%!cio dos amendoins. &oi

idia da Mãe, nos tempos do curso prim#rio.4empre ac$ei ue o tra+al$o nos d# certa li+erdade, em+ora, por outro lado, nos tire outrotanto em disponi+ilidade de tempo para 'aer coisas mel$ores. Mas, auilo3 li+erdade li+erdade. &oi assim ue aduiri o direito de tomar soin$o um 2ni+us, antes dos de anos deidade, e ir at o dep!sito de doces, em ;ascadura, comprar o sacão de cinco uilos deamendoins con'eitados do nosso ne%!cio 'amiliar.

 A estrat%ia de vendas era simples. 5 saco ori%inal, o %rande, 'icava +em lacrado. Amendoimue se pree não pode estar murc$o. Xamos a+astecendo um saco menor e a Mãeprovidenciava um tanto de /papel de pão0, cortado em uadrados. Na $ora do recreio, depois

de devorada a merenda escolar, )s pressas, eu me postava "unto a uma pilastra, com a min$amercadoria. :ependendo do pedido, a col$er de sopa tra+al$ava mais ou menos vees,enc$endo os uadrados dauele papel ue eu levava nos +olsos.

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<avia a perse%uição dos monitores, mas não c$e%ava a ser tão violenta uanto $o"e a uemove a autoridade %overnamental, uando l$e d# na veneta, contra os meus cole%as atuais depro'issão.

 Alm disso, o p#tio, na $ora do recreio, estava sempre lotad*ssimo 1 lu%ar ue proporcionavatão +oas 'u%as ue seria o son$o dourado de ualuer camel2 dos dias atuais.

Mas o $omem um +ic$o muito estran$o. Estran$o, vaidoso e pouu*ssimo leal.

5 leitor "# sa+e o uanto eu amava a min$a 9ourin$a. :e verdade. Amo at os dias de $o"e,em+ora nem sai+a por onde ela anda atualmente - com o marido, os 'il$os e, uem sa+e, ummonte de netos.

;omo poderia, então, eu, amar outra meninaD Mas amavaF =# entender... uem puderF

Esta outra tin$a ca+elos ne%ros e umas sardas no rosto, leves sardas, somente a+aixo dosol$os, ue eram auis e suaves - como os de sua inimi%a e concorrente loura. 4orria para

mim, de um modo t*mido - e nisto mostrava uns dentes +el*ssimos.

Mas o ne%!cio 'amiliar, assim ue começou, estra%ou tam+m este outro amor. Eu morria dever%on$a da posição ue ocupava na 'irma. Tin$a al%um senso de +elea, de no+rea, de'açan$as passadas ue me corriam no san%ue. 4entia, como senti sempre, al%umasnecessidades de ordem esttica. E ac$ava auele empre%o s!rdido.

<umil$ad*ssimo, aueles 'oram outros ol$os auis, ue me ol$avam com tanta atenção, comtanto carin$o - mas ue "amais pude voltar a ol$ar diretamente outra ve. =aidades...

:epois vieram outros amores 1 e estes 'oram mais, di%amos assim, realiados. =#rios amores,não posso me ueixar >e nem me ueixo?. Todavia, ten$o certea, nen$um deles c$e%ou a ser tão +onito e imortal uanto seria o amor ue eu teria, se pudesse ter tido, com esses doispares de ol$os da cor das %emas de #%uas marin$as l*mpidas, tão di'*ceis de seremencontradas.

 Assim como meu pr!prio corpo, o +airro estava mudando. Muito. A vida estava mudando, toda,inteira. Em al%umas coisas, para mel$or3 a Mãe não me +atia mais 1 eu $avia 'icado maior doue ela. Entretanto, não 'oram poucas as coisas ue mudaram para pior.

5 ;inema, por exemplo. Nin%um uase mais ia. Estavam todos se acomodando ) televisão,mais ) mão e ue "# ia se tornando comum. 5 pr!prio Tio Rico tin$a uma, colorida. Era talvea (nica, no mundo todo.&oi neste aparel$o ue vi o $omem pisar na 9ua, pela primeira ve.

Eu "# andava, por esta poca, 'ascinado por tecnolo%ias. 5 Tio Rico, em+ora não 'iesse idiado ue 'osse isto, mostrou-se, na pr#tica, um 9eonardo da =ince inato.Ele pun$a um papel celo'ane aul colado com cuspe no tu+o de ima%em - e realmente'uncionava. s vees, meu tio trocava o papel aul por um outro >cor de rosa, por exemplo?.Então pass#vamos a assistir o mundo nesta cor - o ue não c$e%ava a ser de todo ruim.

No dia da c$e%ada do $omem ) 9ua, noventa e cinco por cento da min$a 'am*lia estava diante

do aparel$o colorido do Tio Rico. Assistiram criticando muito3 pousou sim, num desertodaueles l# deles. Eu acreditei. E a 9ua era realmente aul >nauela noite?.

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6em cedo, na man$ã se%uinte, 'ui correndo at a +anca de "ornal3 estava tudo l#. Então eudisse, +aixin$o3 N!s conse%uimosF 5l$ei em volta e vi dois mendi%os do +airro descansandono coreto, +a'orando uns cotocos de c$arutos ue $aviam catado pelo c$ão da praça.Notei tam+m ue os nossos tradicionais +ê+ados "# começavam a costumeira cantoria,al$eios a tudo - como se o mundo não $ouvesse mudadoF

&elimente na noite da c$e%ada não 'altou lu em Alm. 4omente auelas oscilaç7es

costumeiras - ue 'aiam a ima%em do tu+o encol$er. Ainda assim deu para ver. Guem teve+oa vontade viu3 a 9ua seria $a+itada por n!s.

Mas o ;inema, ue eu tanto %ostava, estava morrendo. Entrou numa decadência di'*cil de ser ima%inada para um poeirin$a ue eu "# $avia con$ecido tão po+re. 4ess7es com meia d(iade pessoas, a ru*na do prdio tornando-se a cada dia mais vis*vel. At a peuena doceria, tãopo+re e peuena ue $avia dentro do cine, 'oi 'ec$ada. Não $avia mais 're%ueses para a 6ala6oneca, para o Mentex, para os ;i%arrin$os de ;$ocolate ao 9eite, da Pan, para a 6ala To''e,para o Amendoim NaOaHama. Nada mais.

 Auilo ia de mal a pior 1 e me causava, mais do ue pena, uma verdadeira dor. Todas as

tentativas 'oram 'eitas. Primeiro comprou-se uma 'arda nova para o ;aruso, ue 'oi proi+ido de+e+er 1 muito 1 nos $or#rios das sess7es. Tudo in(til. :epois puseram um %erente, um uetrouxe as primeiras pornoc$anc$adas. Nadin$a tam+m. Por 'im, 'ec$aram as %randes portas,para sempre.

5 ;inema ainda 'icou por l#, durante al%uns anos, sendo depredado pela molecada 1 at ue'oi demolido, para dar lu%ar a umas casas po+res. Pela poca da 'alência do ;inema, coisa dopro%resso, inau%urou-se uma lin$a de 2ni+us ue ia de Alm at o ;entro. Ia e voltava, claro.Puseram o ponto 'inal "ustamente na rua de meus av!s, em 'rente ao ;inema - a%oraa+andonado.

 Aproveitaram o ;aruso 1 e depois outros +ê+ados -, como empre%ados in'ormais da novaviação. tarde, uando eu c$e%ava do tra+al$o, via o pai de meu ami%o com um cano de 'erronas mãos esuelticas, +atendo nos pneus 1 a con'irmar-l$es a durea. :epois, com umre%ador e com a #%ua ue tirava de um tonel oleoso, completar o n*vel da #%ua nauelesradiadores sedentos.

Na praça e nas suas redondeas, multiplicavam-se os +oteuins pauprrimos, imundos, ondese servia 1 muito mais do ue a cerve"a -, a a%uardente va%a+unda, mortal. <omensderrotados, sem mais esperança al%uma, deixavam-se aca+ar de destruir por ali. =el$os enem tão vel$os - alm de al%uns outros, ue ainda eram "ovens.

 As ru*nas do ;inema aca+aram 'icando peri%osas. &oi ali ue assaltaram 1 e despiram por inteiro 1 o Toneca, um %ordão. &oi a mais pura maldade, porue alm de rou+arem o ue eletin$a, ainda mandaram-no correr at a pracin$a, nu e sem ol$ar para tr#s, uando ainda não$aviam dado oito $oras da noite. m escndalo.

:epois ac$aram o cad#ver do ;aruso, "# putre'ato e com a ca+eça a+erta em duas, +oiandonas #%uas ue $aviam invadido o su+solo. Auilo 'oi +ri%a de +ê+ados, daueles ue dormiamem+aixo da maruise do cinema a+andonado. Era ali ue ;aruso morava a%ora, depois uedes'ieram o +arracão ue $avia nos 'undos do cinema. Ele não uis se%uir com a 'am*lia, nãouis sair de perto do cinema.

Não $ouve investi%ação3 "# não $avia dele%acia no +airro. 5 calor incomodava, o cansaçoincomodava auela %ente toda, ue tra+al$ava demasiado3 os $omens nos empre%os e asmul$eres no pesado serviço de casa. Nin%um $avia presenciado o crime, ;aruso "# estava

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mesmo aca+ado 1 e o Niel "# $avia se mudado com o restante da 'am*lia, para +em lon%e dali,na 6aixada. &icou por isto mesmo a morte de meu po+re mentor cinemato%r#'ico. En'im $aviaacordado dauele son$o in'eli - ou adormecido direito.

;om todos os peri%os, 'oi mesmo ali, nas ru*nas escuras do nosso cinema, ue vim acon$ecer por inteiro o corpo de uma "ovem mul$er. Era uma compan$eira de classe, no cursonoturno. Enuanto nos desp*amos, na escadaria ue dava para as #%uas do su+solo, veio

c$e%ando outro casal. 4entimos isto apenas pelo ru*do dos passos e pelas voes uesussurravam. Transidos de medo, não 'osse auilo um assalto e não nos mandassem, )spressas, para a pracin$a - sem ol$ar para tr#s -, sentimos a outra dupla assustar-se tam+mcom a nossa presença. Não se via nada, nauela escuridão.

Não trocamos palavras com aueles passantes, claro. ;ontavam com auele lu%ar, ondeest#vamos. Talve 'osse deles, talve $ouvessem desco+erto antes de n!s. Mas, ue nosdesculpassem, não sair*amos dali. A situação era delicada3 a pr!xima va%a para um casal ueuisesse de 'ato esconder-se seria "# dentro d#%ua, com os "oel$os su+mersos. Mas 'oram. Enão 'ieram +arul$o, não reclamaram. Não existiam os motis.

5 Tio Rico %ostava de dar 'estas. &estas %randes, 'austosas. medida ue ia enriuecendomais, maiores e mais estrondosas tornaram-se suas 'estas. ;ada ve mais concorridas,vin$am num crescendo em ue tudo ou uase tudo era motivo para cele+raç7es.

Era o u*sue, ue passava sem pararB os +arris de c$ope, de madeira, ue não paravam deser a+ertos, um ap!s o outro. 5 c$urrasco, tão 'arto ao ponto de as pessoas "o%arem 'orapedaços %randes, por cima do muro, aos cães. 6ande"as incont#veis, com sal%adin$os, uenão paravam de passar e de serem esvaiadas.=in$a %ente semi-descon$ecida nossa, da 'am*lia da Tia Rica. =in$am os industriais desu+(r+io, ami%os do Tio Rico - alm dos mel$ores viin$os do +airro. =in$am tam+m, maiscertos ue a pr!pria morte, os +ic7es - ue, em n(mero, conse%uiam superar todas as demaisespcies de participantes. Estivessem +em vestidos, tivessem +oa aparência e atituderespeitosa, entravam.

Não deixavam de vir a essas 'estas, em comitiva, os 'amiliares do mais novo mel$or ami%o demeu tio, o Tenente. Era um tenente vel$o - na verdade um sar%ento do Exrcito, re'ormadocom a patente de se%undo-tenente. &icaram tão ami%os - e auela amiade era de tal maneiradi%ni'icante para o meu tio -, ue prometeram entre si, a dupla de ami%os, casarem seus 'il$os3a min$a 9ourin$a, com o re+ento do Tenente - ue por esta poca preparava-se para aacademia militar. E 'oi o ue aca+ou acontecendo mais tarde. ;asaram-se, sem a menor 

empol%ação da prima 9ourin$a, a candura em pessoa, resi%nada e ue me ol$ou da mesmamaneira ue sempre ol$ara, at a (ltima ve ue nos vimos...

Nesta poca - e at muito antes dela -, eu, ue não sa+ia li%ar as coisas, ue nem son$avain'erir o ue 'osse, não parava no entanto de coli%ir impress7es, sensaç7es, o+servaç7es -ue mais tarde me serviriam ) remonta%em desta e de tantas outras coisas ue presenciei.

Nunca vi meu Tio Rico ansioso com os aprontamentos de uma dauelas 'estas. Não $avendoansiedade, não $avia emoção al%uma. Era como se o meu tio $ouvesse tam+m setrans'ormado no Imperador ;aruso, de uma 'orma ou de outra. :i'erente, claro, dauela ueo ;aruso, um po+re cac$aceiro, encarnava - e, ainda assim, semel$ante.

Era como se meu tio pro'erisse3 Gue se dê uma 'esta, $o"eF Ele $avia sido tomado por umaso+er+ia di%na dos %randes poderosos. Empostava a vo de maneira estran$a, na %ar%anta, e

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'alava de cima para +aixo, com todos ou uase todos, sem c$e%ar a ser %rosseiro. &alava ea%ia como se nada importasse, como se nada 'osse di%no de ser ol$ado com atenção.Meu Tio Rico $avia se tornado +las, sem sa+er ao menos - nem de lon%e -, o ue vin$a a ser isto. 5l$ava at as pessoas muito mais altas do ue ele pr!prio, de cima para +aixo. 5 TioRico conse%uia.

Nossa 'am*lia nunca 'oi de %i%antes. 5 Av2 era muito mi(do de siB a Av!, ainda mais. N!s, os

descendentes, se avançamos al%uma coisa em taman$o não 'oi %rande coisa. ;om*amos as%alin$as do uintal, a carne do açou%ue do ;anel  - ue nunca son$aram com as in"eç7es de$orm2nios dos criadores industriais dos dias de $o"e. Nosso leite era puro, ou uase, semaditivos u*micos3 somente #%ua da +ica, uando muito, )s expensas do 4eu Toton$o.

Muito mais tarde, uando estive morando no outro $emis'rio, "amais puder deixar de sorrir uando avistava a 'ac$ada de uma %rande lo"a ue $avia por l# - +em no centro da cidade eno camin$o de min$a casa. Ela exi+ia na 'rontaria, em tipos %arra'ais, o letreiro ue diia3F$hort ;enGs #lothesF . Eu ria ao passar e tam+m uando entrava - (nica maneira de escapar )s lo"as de roupas para adolescentes. Nunca c$e%uei a ser tão mi(do uanto o Av2 ou o TioRico, exceto, talve, uando era menino.

Mas auela era uma terra de %i%antes desen%onçados - e o c$ino ue era dono da tal lo"apoderia ser um pouco menos indiscreto. Mas, sendo eu mais de palmo mais extenso ue o TioRico, podemos in'erir ue ele era de 'ato +aixote. Mas ol$ava a vida do alto de seu din$eiro, sesentindo um colosso - uase o dono do mundo. 4em sa+er ue estava camin$ando a passoslar%os para a misria.

 A tipo%ra'ia do 4eu Antero, como tudo o ue prestasse, 'icava tam+m no entorno da praça.<avia a m#uina, complicada e com aueles roletes, uns revestidos de +orrac$a, outros detinta, indo e vindo, 'aendo um ru*do de respiração o'e%ante - ue talve passasse pelos tu+osde +orrac$a, dos uais a m#uina estava repleta.

 As 'ol$as +rancas e lar%as de papel, sa*am do outro lado, ainda (midas de letrin$as ne%ras,em retn%ulos escritos ue repetiam todos eles as mesmas p#%inas. Muito interessante de ser visto. Padre Arlindo $avia 'inalmente mandado imprimir o novo evan%el$o. @untou os co+res,conse%uiu redução de preço com 4eu Antero - ue diiam ser comunista, dos mais peri%osos.

 Auilo resultou num livro +em 'ino, mais 'ino ue o meu caderno de rascun$os escolares. 5padre explicou-me ue se tratava do 9ivro do xodo, apenas o essencial, auele uenecessitava reparo.:isse con$ecer +em o pecado e os percalços da ira. ;ontou-me então ue Moiss $avia

descido do Monte, onde tivera uma reunião com :eus, varado de c!lera. :a*, da c!lera - ueera a mesma coisa ue a ira -, viera o en%ano3 uns esuecimentos e, principalmente aomissão do principal mandamento, o ero.E assim 'oi, porue ele, Moiss, $avia dado com as duas T#+uas - ue $aviam sido%aratu"adas pelas mãos do pr!prio :eus Pai - nas ca+eças de uns 'arristas ue $aviam 'icado) sua espera, no p do morro. Gue+rou tudo. E, depois, na $ora de reescrever, sem o ori%inal,mostrou ue não ia l# essas coisas da mem!ria. @# estava +em vel$o.

Padre Arlindo $avia, portanto, 'eito as correç7es - acrescentando o ue 'ora esuecido - e, nomais, apenas auelas notas de rodap de ue a 6*+lia anda repleta. Mais nada. Essas notasde p de p#%ina apenas explicavam o Mandamento ero.

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Eu pr!prio tive a $onra de a"udar na encadernação da +roc$ura, porue era assim ue ele e4eu Antero c$amavam o livreto. 4e sou+esse no ue iria dar, não 'ariaB ras%ava era tudo. Auilo aca+ou por matar nosso padre.

 Al%umas semanas depois ue con$eci as maravil$as %r#'icas de 4eu Antero, Padre Arlindocomeçou a distri+uição do novo evan%el$o, ao 'im das missas. A Av! não uis pe%ar - poruenão era latim e tam+m porue "# andava ressa+iada com o padre. ;oisas do catecismo.

Mas 'oi a Av!, sim, ela mesma, ue andou recol$endo uns exemplares de outras devotas e,sem ao menos ter lido, mandou tudo para a ;(ria Metropolitana, atravs de um portador decon'iança e com a exi%ência da con'irmação de rece+imento, via protocolo.

Nem um mês se passou, "# andava por Alm, muito mal dis'arçando a %ola clerical redondanum palet! civil ordin#rio, um $omem descon$ecido. &e per%untas aui, 'e per%untas ali - eisto durou al%uns dias. No 'inal, estava o Padre Arlindo enrascado.

Primeiro vieram +usc#-lo, para ue aceitasse imediatamente o convite de um +ispo. =ieramdois, de +atina luxuosa, num carro dos +ons. Na via%em, não tu%iram nem mu%iram. 9evaram-no at as Paineiras - e o padre pensou ue auilo $avia dado em cardeal arce+ispo. Mas

não. 5 motorista ue+rou numa curva, "# +em l# no alto e, uando menos esperava, estava oPadre Arlindo aos ps da est#tua do ;risto Redentor.

4endo um dia de semana, auilo estava deserto de turistas. Ali o esperava um $omemele%ante, +em vestido, de vo suave e cu"a cor purp(rea das meias, ue o nosso padreentreviu, denunciava +ispado.

Tratando o nosso padre com a maior cortesia, o Misterioso levou-o at a sacada do mirante esorrindo l$e disse, apontando a cidade l# em+aixo3- ma linda cidadeF =ê-se tudo daui...- C verdade, um lu%ar muito alto...- 5l$e nesta direção. Pode-se avistar a I%re"a da Pen$a...- 4empre ac$ei das mais +onitas, no alto dauela corcova de pedra... E %osto do amarelo.- Estamos sem coad"utor por ali... 5 sen$or Padre Arlindo muito $onraria )uela população...- :esculpe, eminência, mas nunca 'i nada por merecê-lo.- EspieF Est# tão %entil o tempo ue daui avistamos o 5uteiro da 8l!ria, sem padre coad"utor neste momento, in'elimente...- Eminência, tratei sempre, eu pr!prio, o meu re+an$o. E di%o tam+m as missas. m lu%ar decoad"utor não condi com os calos ue tra%o. Eles in'eccionariam...- Tudo tem o seu tempo... Talve no descanso o sen$or padre se $ouvesse muito +em.- =ossa eminência, creio eu ue, com dois dias de descanso "# me pare de todo o coração

vel$o...- A$F Eis ue uma nuvem se a'astaF 5l$e como +ranue"a o domo da ;andel#ria - sem um(nico padre coad"utor $# mais de seis meses...- Não, sen$or +ispo. Isto não para mim...5 estran$o sorriu. Todavia, por tr#s do seu sorriso ressecado, podia-se sentir um ressai+o de!dio - e de or%ul$o 'erido. :eu meia volta, em silêncio, e entrou no carro - ue partiuimediatamente, deixando l# em cima nosso padre, sem o da passa%em de volta...

Neste ponto $# de espantar-se o leitor por ter eu relatado auilo ue aparentemente não vi. 4eeste leitor 'or dado ) cr*tica liter#ria, ue o'*cio in%rato e peri%oso, $# de 'aer reparos

%raves3

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5 autor, ue vin$a 'aendo uma espcie de memorial descosido, d# aui um rodopio e entrana mais 'raca 'icção - ue auilo ue aca+a de con'erir-l$e, neste exato instante, poucaslin$as acima, o poder de estar, de ver >e de inter'erir at?, nos destinos de seus persona%ens,onde uer ue eles este"am...

6oa cr*tica. Gue se aven$am com o 'alecido Alu*sio de Aevedo, ue desancou mais de umacentena de incautos, precipitados e deslidos - no pre'#cio ue 'e em seu 8 ;ulato, "usto na

(ltima edição ue teve a inter'erência dele, o autor.

Pedia desculpas por ter sido apedre"ado. Alo*sio de Aevedo. m tapa com luva de pelica,como se diia na poca. At eu, ue não tive nada com isto, uase morri de ver%on$a...

 A sapiência vi%ente o $avia acusado de uns portu%uesismos imitativos. :a mais relescopia%em de Eça de Gueiro e mais meia d(ia de =encidos da =ida. Isto por ter usado, omestre maran$ense, al%uns termos do tipo sapatos de polimento >em lu%ar de sapatos deverni?, 'ato >em ve de roupa?. E v#rios outros termos semel$antes.

Neste (ltimo pre'#cio, desta derradeira edição >pouco antes de a+andonar a literatura - e a

o+ra ) pr!pria sorte?, Alu*sio avisa ue nauele seu isolado Maran$ão - parado no tempo ea'astado da corte por uase mês de via%em -, era assim mesmo ue se 'alava, era assimmesmo ue se diiaB era esta a exata e corrente lin%ua%em do povo ue ali vivia - at aueladata... E a $ist!ria se passava, como sa+emos todos, "ustamente em 4ão 9u*s do Maran$ão.

&osse l# con'erir, uem uisesse. :e navio, ue era a (nica maneira de se c$e%ar l#.

Gue desencal$e de sua poltrona a sa+edoria não via"ada, mo'ada, limitada - isto di%o eu,porue Alu*sio era uma 'lor. Alu*sio somente pediu ue o deixassem em pa e ue "amaistornassem a mencionar seus livros >pelo menos a ele?. E 'oi ser diplomata, no exterior. Nuncamais escreveu livro al%um. Tomou a+uso.

E aui vai a verdade3 em primeiro lu%ar, não sou autor de nada. ;onto o ue vi, mal e malcontado, "# est# visto. 4em arte e muito menos en%en$o. Mas com $onestidade. Em uma ououtra passa%em não conto o ue vi, mas, sim, o ue ouvi. Guando 'aço isto, eu aviso ao leitor -e 'aço as ressalvas necess#rias, uando são necess#rias.

Guem me contou a passa%em do ;risto Redentor 'oi o pr!prio Padre Arlindo. &e mais do uecontar-me >porue não era de elevar-se a si mesmo?. 4im, 'e mais3 'e-me ver.

5correu ue, durante v#rios anos, deu o Padre Arlindo em visitar-me, durante a noite - em

son$os ou em ins2nias. E isto depois ue "# $avia sido cruci'icado e, portanto, não estava maispor Alm - e menos ainda neste vale de l#%rimas.

;onversava comi%o, mostrava-me coisas ue $aviam acontecido - usando uma cortina +rancacomo tela de pro"eção. Isto um dom 'amiliar, +astante comum entre n!s.

 A%ora ue o leitor "# 'oi devidamente esclarecido, prossi%amos.

Padre Arlindo c$e%ou ) noitin$a em Alm. <avia descido tudo auilo, a p, at ue conse%uiua caridade de duas ou três caronas >em +ondes e lotaç7es?, desde o distante ;osme =el$o ato nosso $umilde su+(r+io.

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Mesmo exausto, não dormiu auela noite. Estava amar%urado, porue anteviu as vicissitudestodas, todos os pro+lemas ue estavam por vir - 'ruto de uma peuena, simples e $onestarevisão num livro ue $avia sido escrito com não poucas omiss7es e en%anos.

Nesta noite, 'raue"ou e temeu não poder dar conta do recado, tão adiantado "# ia em anos eem so'rimentos.

:e 'ato, na man$ã se%uinte vieram recol$ê-lo para ue 'osse "ul%ado no Pal#cio 4ão @oauim,no ;atete. Eram dois c2ne%os, novos e 'ortes, pançudos, acompan$ados do motorista.=in$am no mesmo carro ue o $avia deixado a p, no dia anterior.

Nem vou contar este "ul%amento, em+ora o con$eça +em - porue o assisti no voal +ranco demeu uarto. Não %osto de $ist!rias de "ul%amentos, são todas i%uais - ou pelo menosparecidas. &eito auelas perse%uiç7es entre autom!veis, intermin#veis, ue todo 'ilme policialtra no 'inal.

5 'ato ue Padre Arlindo saiu do Pal#cio destitu*do da par!uia - e ainda, outra ve, a p esem o din$eiro da passa%em de volta. :esta ve, como (ltima oportunidade, ainda

propuseram-l$e ue entre%asse todos os exemplares do livreto - e aceitasse a di%nidade dec2ne%o, terceiro apontador o'icial de l#pis do ;ardeal Arce+ispo. Tudo em vão.

Tão amar%urado saiu dali nosso padre ue veio a p, pela Avenida 6rasil, numa camin$adaimensa, de dois dias. =eio parando pelos +airros po+res. @# entrado nos seus setenta epoucos, tropeçou e caiu num daueles +uracos ue 'ormavam a +uraueira ue $avia pelocamin$o mal cuidado, pessimamente cuidado - principalmente de Ramos para l#.

;$e%ou em Alm numa man$ã ensolarada de sexta-'eira e "# $avia padre novo, diendomissa. A Av!, como sempre, na primeira 'ila - de vu na ca+eça e papando a primeira do dia.5s pertences do Padre Arlindo "# estavam do lado de 'ora do uartin$o parouial, empil$adosnum canto3 a vel$a cama e mais uma peuena trouxa de roupas. A 'ec$adura $avia sidotrocada por outra, re'orçada.

5 novo padre, ale%re, diia missa acolitado por dois an"os louros ue orçavam os seus uineanos cada um - so+rin$os dentre os ue tin$a e ue, ue por via das d(vidas, trouxera consi%oo padre desi%nado.

Padre Arlindo $avia resolvido ue não sairia do +airro. Talve nem tivesse para onde ir. 5 "eitoseria, uem sa+e, arran"ar umas madeiras e construir, aos poucos, uma i%re"in$aB 'undar umanova reli%ião - para aueles lados de Alm ue ainda não $aviam sido ocupados pelos ue

não paravam de c$e%ar. At ue os $avia, sim, mas "# poucos, para l# da 'lorestin$a sem donoue $avia no 'inal da rua em ue eu morara. Em pleno +arreiro a+andonado ue vin$a depoisdo mata%al.

&alou com um e com outro, procurando a"uda. Não o+teve l# auilo ue poderia ser c$amadode apoio ou sucesso. :urante os dois dias ue estivera 'ora, o +airro 'ervil$ara de +oatos +emplantados - e a %ente "# sa+e ue os ausentes nunca têm raão. Ainda assim, conse%uiuuatro t#+uas aui, uns pre%os ali, mais dois ou três pranc$7es de madeira de um, uma 'ol$ade inco de outro. 5 transporte 'oi o'erecido pelo @umento, um +ê+ado ue era dono decarrin$o - daueles ue c$am#vamos +urro sem ra+o - e ainda c$amamos, porue o uemais se vê, ainda nos dias de $o"e, por tudo uanto parte, em pleno coração do Rio de

@aneiro.

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9# o @umento, não tin$a a menor condição de 'aer o carreto. Padre Arlindo, portanto, aceitouo carrin$o, emprestado, mas dispensou a pilota%em - porue o @umento $averia de uerer parar em tudo uanto +oteuim ue $ouvesse no camin$o, se pudesse manter-se de p.

 Assim, colocou o ue $avia conse%uido em cima do transporte - mais os seus pertences -, eatravessou a pracin$a puxando com es'orço e lentidão auela car%a na direção do ladeirãoue todo mundo "# con$ece de cor e at salteado. ;$e%ando na +oca da rua, pediu 'orças a

:eus, porue auilo nunca 'oi '#cil. E começou a su+ir.

9o%o no in*cio da su+ida, $avia uns desocupados ue $aviam sido muito 'ertiliados peloouvido e não uiseram 'aer 'orça para esconder as suas indi%naç7es3- 9# vai o comunista, ue uer entre%ar nossas casas aos russosFE 'oi "unto com o a%ravo uma pedra, das mdias, ue acertou Padre Arlindo nas costas.

Nosso padre, auele $omem ue $avia sido tão 'orte, estava "# a+atido ao ponto de nemresponder - ou mesmo tentar de'ender-se. 5 ue p2de 'oi, com es'orço, prosse%uir na su+ida.

 At os cac$orros >ue neste trec$o da rua não eram tantos e nem tão a+usados?, vendo ue

Padre Arlindo estava tol$ido por %rande tram+ol$o, aproveitaram-se da situação - e um deles'errou com os dentes o calcan$ar do padre, at o osso. Padre Arlindo caindo, ralou-se nosparalelep*pedos #speros. Mas levantou e prosse%uiu.

5 povo do 'im da rua, avisado de ue vin$a su+indo a outra vertente o padre comunista ue$averia de tirar-l$es as casas, a reli%ião - e, uem sa+e, o deus -, não esperou de +raçoscruados. &oram, em multidão, para o topo da rua - ver se auilo era verdade. E era. Era puraverdade.

&icaram no topo, esperando. E enuanto esperavam, os +oatos e as in"(rias somente 'aiamcrescer - ao ponto de %erar contra o Padre Arlindo a mesma '(ria ue ali era dedicada aospassarin$os, aos %atos, aos cães sem dono - e aos meninos t*midos.

9# estava o povo. Este mesmo povo ue se deixa iludir, en%anar de toda 'orma, ue parecepedir para ser misti'icado das maneiras mais diversas ue $a"a, mesmo as mais +iarras eimprov#veis. A%itavam-se, num re+an$o descontrolado onde nin%um entendia nin%um ou osentido das coisas - se al%um dia $ouvera para auela %ente al%um sentido, em ualuer dasdireç7es ue existam na rosa do pensamento ou dos ventos. <aviam se "untado em +lococompacto, em nome de um !dio ue a'lorava como +or+ot7es de san%ue, a cada minuto uepassava e a cada pun$ado de %ente a mais ue ali se apertava. 4em ao menos sa+erem ouper%untarem direito por uê - açulados ue $aviam sido, como cães.

:o alto do monte não passou Padre Arlindo. Eu poderia aui inventar um drama ualuer, sesou+esse ou uisesse 'aê-lo. Mas nunca 'ui dessas coisas. &oi um crime comum, um crimerotineiro - dentre os mil$ares ue ocorrem todos os dias, em todas as partes da Terra, desdeue o mundo mundo.

E se, por +iarria ou reuinte de maldade, 'ieram uma %rande cru com a madeira ue auelepo+re $omem traia no +urro sem ra+o do @umento, por outro lado "# o $aviam matado dedes%osto e de pauladas, antes de espetarem-no na cru - ue depois alçaram, na parte maisalta de min$a anti%a rua. Ainda $ouve um molecote ue, a t*tulo de piada - ou coroa -, en'iou-l$e uma lata vaia na

ca+eça, uma lata de +an$a de porco, c$eia de arestas pontudas, dauelas latas de dois uilosue se vendiam anti%amente.

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Morreu Padre Arlindo num con'lito de rua - crime ue não tem ru identi'icado e muito menos "ul%ado - mas ue, ainda assim, um crime dos %randes. m crime cometido pela $umanidadeinteira.