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UIZ CAR OS SOARES
DO NOVO MUNDO
AO UNIVERSO
HE IOCÊNTRICO:
OS DESCOBRIMENTOS
EA REVO UÇÃO
COPERNICANA
EDITORA HUCITEC
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Direitos autorais, 1995,
de Luiz Carlos Soares
desta edição, 1998,
da Editora HUCITEC Ltda.,
Rua Gil Eanes, 713
04601-042 São Paulo, Brasil
Tels.: (011) 240-9318, 542-0421, 543-0653 e 530-4532 Eax: 530-5938
E-mail: [email protected]
Foi feito o Depósito Legal,
Editoração eletrônica
Ourípedes Gallenò, Tera Dorea e Rafael Vitzeí Corrêa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Sandra Regina Vitzel Domingues)
S 655 Soares, Luiz Carlos
Do novo mundo ao universo helioccntrico: os descobrimentos e a
revolução cope mica na / Luiz Carlos Soares. - São Paulo : Hucitec, 1999.
278 p. ; 21 cm.
ISBN 85-271-0442-3
Bibliografia: p. 245-9
Inclui mapas e diagramas
1. História moderna 2. História moderna - Século XX 3. História -
Descobrimentos marítimos L Título II, Série.
CDD - 909-08
909-82
910.9
índice para catálogo sistemático:
1. História moderna 909-08
2. História moderna ; Século XX 909.82
3. Descobrimentos marítimos : História 910.9
UMÁRIO
11 Agradecimentos
15 Introdução
19 apítulo I. AS IDÉIA DE MUNDO NO ÉCULO XII-XV
19 A concepçã o de mundo cristão tradicional
25 As representações cristãs de mundo nos séculos XII-XV
29 O “renasc imento” do século XII: o Conceitualismo e o Naturalismo
34 A Escolãstica e a constituição da Filosofia da Natureza (séculos
XIII-XIV)
4l A retomada da Astronomia e da Geografia de Ptolomeu no século
XV na Europa Cristã
50 O Fantástico e o Maravilhoso: mitos e lendas nas repres entaçõ es
medievais de Mundo
57
apitulo II.
O DE COBRIMENTO MARÍTIMO IBÉRICO ,
RENA CIMENTO E A ABERTURA DO MUNDO
57 Descobrimentos e Renascimento
63 O Humanismo neoplatônico e o significado de “descobrimento"
no discurso renascentista
O Experimentalismo e a cultura dos descobrimentos: a idéia de
“experiência” no discurso renascentista
78 Os descobrimentos portugueses e o "périplo" africano
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3 Cristóvão Colombo e os descobrimentos espanhóis: “El Levante
por el Poniente”
104 Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e o impacto do advento
da América no conhecimento europeu
118 A mudança na representação de mundo: o fim da Geografia e da
Cartografia ptolomaicas
131
apítulo III.
NICOLAU COPÉRNICO E A NOVA IDÉIA DE
UNIVERSO: O SISTEMA HEUOCÊNTRICO E A
REVOLUÇÃO COPERNICANA
131 A trajetória intelectual de Nicolau Copérnico: o nascimento do
sistema heliocêntrico
146 Nicolau Copérnico e sua Idéia de Universo Heliocêntrico: do
ommentartolus
ao
De Revolutionibus
160 Os limites e as possibilidades da concepção heliocêntrica de
Nicolau Copérnico
168 O universo heliocêntrico de Nicolau Copérnico, as re ações religio-
sas a ele e à Revolução Copernicana (Tycho Brahe, Thomas
Digges, Giordano Bruno e Johannes Kepler)
185 A Revolução Copernicana e a Filosofia CorpuscularMecanicista:
Galileu Galilei e René Descartes
205 O epílogo da Revolução Copernicana: Henry More e Isaac Newton.
A consagração do universo infinito e a afirmação do Mecanicismo
217 CONCLUSÃO
223 Mapas e Diagramas
245 Bibliografia
251 índice dos Nomes Próprios, das Instituições e das Obras
Para o meu velho mestre de Geogra-
fia do Colégio Estadual Souza Aguiar
(RJ), Professor Orlando Valverde,
que, no já longínquo ano de 1 64,
um pouco antes de sua aposentado-
ria precoce, ensinava aos seus alu-
nos ginasianos as teses astronômicas
de Copér nico, Kepler, Galileu e
Newton.
Para
Marília e Marcelo.
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R DECIMENTOS
lgumas pessoas contribuíram de maneira decisiva para a realização
do projeto de estudos Sobre “Os Grandes Descobrimentos Marítimos e a
Revolução Científica nos Séculos XVI e XVII”, que foi desenvolvido no
período 1991-1993, no Departamento de História da Universidade Federal
Fluminense, com auxilio da Bolsa de Pesquisa concedida pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sem este
apoio institucional e financeiro seria realmente muito difícil a realização
desta pesquisa e por isso gostaria de agradecer, inicialmente, ao s respon
sáveis pela Coord enação d e Ciências Humanas do CNPq pelo auxílio que
venho recebendo desde 1989, quando desenvolvia, ainda, um outro
projeto de estudos.
No Departamento de História da UFF, gostaria de agradecer a sua
Chefia, exercida pelas Professoras Gisiene Nader e Helena Isabel Müller,
e também às coordenadoras dos Cursos de Pós-Graduação e Graduação
em História, respectivamente, as Professoras Vânia Leite Fróes e Maria
Paula Graner, pelo apoio e incentivo à realização do trabalho ora
apresentado, que é parte do projeto de estudos acima mencionado.
Incentivos também não faltaram da parte de outros colegas e amigos
deste Departamento, os Professores Lana Lage da Gama Lima, Luís Felipe
da Silva Neves, Sônia Regina de Mendonça, Paulo Knaus de Mendonça,
César Teixeira Honorato, Humberto Fernandes Machado, Geraldo de
Beaucl air Mendes de Oliveira e lmir Chaiban El-Kareh.
Durante os três anos de desenvolvimento deste projeto, foi fundamen-
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al o apoio de dois amigos e colegas de rabalho, que comigo compar i-
lharam algumas par icipações em seminários e mesasredondas em con-
gressos realizados. Aos Professores Carlos Alvarez Maia (do Observa ório
Nacional/CNPq) e An ônio Edmilson Mar ins Rodrigues (da UFFUERJ
PUC/RJ), agradeço especialmen e pela generosa roca de idéias que
realizamos nes e período e ambém pelas preciosas suges ões bibliográfi-
cas, sem as quais não eria desenvolvido mui os dos asp ec os aqui
abordados.
A ou ros dois amigos e colegas de rabalho, os Professores Francisco
Carlos Teixeira da Silva (UFFUFRJ) e Afonso Carlos Marques dos San os
(UFRJUERJ), ambém agr adeço, especialmen e, pelas suges ões biblio-
gráficas e emprés imos de livros impor an íssimos para a elaboração des e
rabalho.
Aos colegas, amigos e companheiros de lu a da Associação Nacional
dos Professores Universi ários de His ória (ANPUH, Núcleo RJ e Nacio-
nal), da Associação dos Docen es da Universidade Federal Fluminense
(ADUFF/S.Sind.) e do Sindica o Nacional dos Docen es das Ins i uições
de Ensino Superior (ANDES/SN), gos aria de a gradece r pelo a poio e
sobre udo pela compreensão em relação a algumas ausências em a ivida-
des a que fui forçado, na e apa final de redação do rabalho apresen ado,
de julho a novembro de 1993.
Agora, rês agradecimen os especialíssimos. Ao grande amigo e Pro-
fessor Francisco José da Silva Gomes pela lei ura a en a e pelas preciosas
suges ões que foram incorporadas a es e rabalho, além do ines imável
auxílio na organização da bibliografia. À Marília Sales de Siqueira pelos
livros presen eados, pelo minucioso rabalho de revisão do ex o e
organização dos mapas e diagramas e, ainda, pelo carinho da presença e
incen ivo sempre cons an es. Ao p equeno Marcelo Sales de Siqueira
Soares pela rela iva compre ensão e m relação à minha ausência nas
brincadeiras e nos passeios de finais de semana e momen os de lazer,
quando da redação des e rabalho.
Não poderia deixar de agradecer ambém à banca examinadora do
concurso público para professor i ular da Área de His ória Moderna e
Con emporânea, do Depar amen o de His ória da Universidade Federal
Fluminense, cons i uída pelas Professoras Eulãlia Maria Lahmeyer Lobo,
Maria Yedda Lei e Linhares, Maria Luiza Marcílio, Ana Maria Burmeis er e
Sandra Ja ahy Pesaven o. Es as professoras, ao argüirem es e rabalho
2
(apresen ado originalmen e no mencionado concurso público), fizeram
me valiosas suges ões, que, na medida do possível, procurei incorporar
na versão para publicação.
Finalmen e, gos aria de agradecer à Sra. Maria Marlene de Souza, chefe
da Mapo eca do Minis ério das Relações Ex eriores (Palácio I amara y,
Rio), que gen ilmen e au orizoume a reproduzir mapas do acervo daque-
la ins i uição, e ao Sr. Paulo Duque Es rada Felipe, compe en e fo ógrafo
do Ins i u o de Ar es e Comunicação Social da UFF, que foi o responsável
pela reprodução fo ográfica dos mapas e diagramas aqui apresen ados.
Luiz arlos Soares
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TRODUÇÃO
té o presente momento, nos campos da História da Ciência, da
Sociologia do Conhecimento, e da Epistemología, muito se escreveu
acerca da emergência da
rande revolução astronômica
iniciada por
Nicolau Copérnico, com a publicação do
De Revolutiontbus Orbium
Coelestíumem
1543, e concluída por Isaac Newton, com a publicação dos
Philosophiae Naturalis Principia Mathematica
em 1Ó87, que os estudio-
sos de hoje têm designado como
Revolução Copemicana.
Diversas
“causas” têm sido arroladas para explicar a emergência deste fenômeno
que contribuiu para uma mudança radical na trajetória do conhecimento
na sociedade ocidental. grande maioria dos estudos, muito corretamen-
te, associa a eclosão da Revolução Copemicana ao contexto das grandes
transformações trazidas pelo Renascimento e pela imensa
Revolução
Filosófica Humanista Racionalista,
que transformou o “Homem” em
sujeito da sua existência e do conhecimento de uma Natureza exterior e
objetiva, subordinada a uma ordem de fenômenos e leis bastante diferen-
tes da ordem humana. Esta revolução astronômica, à medida que se
afirmou cultural e intelectualmente, rompeu as barreiras do preconceito
político e religioso e propiciou aos homens elementos para uma nova
visão de mundo e para a organização de uma nova prática científica.
Entretanto, na nossa opinião, os estudiosos não têm dado o merecido
peso às grandes descobertas marítimas protagonizadas pelos portugueses
e espanhóis nos séculos XV e XVI como um dos fatores de fundamental
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mportânc a para a eclosão da revolução astronôm ca, a part r das
transformações menta s e cultura s que os Descobr mentos proporc ona-
ram às soc edades europé as. Na ma or a dos estudos, os Descobr mentos
são menc onados superf c al e per fer camente pela contr bu ção que a
técn ca e a arte náut cas trouxeram e m termos nstrumenta s para o
desenvolv mento c entíf co geral das potênc as europé as. D ferentemen-
te desta v são e em conform dade com autores da moderna h stor ograf a
portuguesa 0osé Sebast ão da S lva D as, V tor no Magalhães God nho,
Luís de Albuquerque e Luís Fel pe Barreto), a chamos que o mpacto das
grandes descobertas marít mas no camp o ntelectual e cultural europeu
do século XVI, e do segu nte, tem de ser red mens ona do e, ao lado das
mportantes contr bu ções técn cas que os navegantes trouxeram para os
homens da época, temos de resgatar a transformação nas concepções de
mundo e natureza terrestres proporc onada pelos Descobr mentos.
Os grandes empreend mentos marít mos portugue ses e espanhó s
foram desenvolv dos por homens prát cos, nteressados, em sua ma or a,
na descoberta de rotas que os levassem aos centros or enta s produtores
das espec ar as e abundantes em meta s prec osos e, concom tantemente,
na propa gação da fé cr stã e no domín o dos países bér cos sobre as
áreas descobertas. Entretanto, como conseqüênc a d reta destes empreen-
d mentos marít mos, os navegantes bér cos puseram a Europa em conta-
to com terras totalmente desconhec das e países e cont nentes conhec -
dos apenas através de lendas e relatos “marav lhosos". Ver f caramse
efet vamente a abertura dos ocean os Atlânt co, P acíf co e Índ co à
navegação europé a, a poss b l dade de se v ajar ao Or ente contornando
o cont nente afr cano ou então o terr tór o que poster ormente fo chama-
do de Amér ca do Sul (na d reção Atlânt co—Pacíf co). Constatouse
também que o cont nente amer cano (chamado então de "índ as Oc den-
ta s”) era
m continente novo no conhecimento e rope
—
m “Novo
M ndo
" como denom naram os contemporâneos — , separado da Ás a
ou índ as Or enta s produtoras das espec ar as.
Sem dúv da nenhuma, a “descoberta ” da Amér ca como um novo
cont nente de xou os europeus cultos, do níc o do século XVI, em estado
de total perplex dade. Todas as outras descobertas t veram, ev dentemen-
te, um grande mpacto sobre estes homens letrados, mas não se compara-
ram de modo algum com a mportânc a que a chegada ao “Novo Mundo"
representou para o pensamento e para a cultura do “Velho Cont nente”.
6
Ela fo um a contec mento mu to ma s surpreendente, po s os con hec -
mentos geográf cos da época não apontavam para a ex stênc a de um
cont nente autônomo a oeste da Europa, como que d v d ndo de norte a
sul o mundo e os oceanos Atlânt co e Pacíf co. A descoberta da Amér ca,
mu to ma s que as outras descobertas, obr gou os cartógrafos e os
geógrafos a desenhare m um novo mapamúnd e a revoluc onarem a
representação dos cont nentes e dos oceanos.
Ass m, os navegantes europeus, com as suas caravelas, chegaram às
partes ma s longínquas do mundo, descobr ndo n ovas terras, novos
oceanos, novos céus, novas estrelas e comprovando a esfer c dade e o
mov mento da Terra. Descort nouse, em todos os sent dos, uma concep-
ção revoluc onár a de representação do mundo — um “Novo Mundo”—
e o conhec mento da su a ex stênc a — a consc ênc a da amp l ação
geográf ca da Terra, através dos relatos dos navegantes e dos reg stros da
cartograf a — fo a senha para que os hom ens letrados e erud tos
começassem a especular sobre o un verso, a lóg ca do s stema planetár o
e a pos ção da Terra neste s stema, o que aconteceu a part r da d vulgação
das teses de N colau Copém co. A part r das propos ções do astrônomo
polonês, n c ouse o processo de ruptura com a crença de Ar stóteles e
Ptolomeu na ex stênc a de um un verso geocêntr co e com as lendas e
m tos cosmológ cos med eva s. Chegouse à conclusão de que ex st a um
s stema planetár o hel ocêntr co, os corpos celestes desenvolv am órb tas
elípt cas no espaço em torno do Sol e, na perspect va de alguns ma s
rad ca s, o un verso era nf n to. Este pro cesso de rev são das teor as
astronôm cas e a em ergênc a de uma nova perspect va de un verso
hel ocêntr co const tuíram a Revolução Copern cana.
Neste trabalho, procuraremos mostrar justamente a relação da cons-
c ênc a da ampl ação geográf ca da Terra, ou abertura do mundo, propor-
c onada pelos Descobr mentos, com a nvenção de uma nova conc ep-
ção astronôm ca hel ocêntr ca que, na sua fase derrade ra, proclamou a
nf n tude do un verso. Apresentaremos um pr me ro capítulo focal zando
as dé as de mundo dos séculos XII ao XV, com as d versas representa-
ções cr stãs, as novas concepções teór cof losóf cas surg das no século
XII (Conce tual smo e Natural smo), a Escolást ca e as suas d versas
correntes nos séculos XIII e XIV (Tom smo, Averroísmo e Exper mental s-
mo), a ampla retomada da Geograf a e da Astronom a ptoloma cas a part r
do níc o do século XV e as representações fantást cas e “marav lhosas”. O
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egundo capítulo focalizará a problemática do De cobrimento e a
abertura do mundo, procurando entendê-lo num contexto maior do
Rena cimento (e da manife taçõe da cultura rena centi ta) e apre en
tando também o proce o da expan ão marítima portugue a e e panhola,
o impacto do advento da América no conhecimento europeu e a mudan
ça na repre entação de mundo. Finalmente, o terceiro capítulo focalizará
a própria Revolução Copernicana, com a trajetória intelectual de Nicolau
Copérnico, a ua concepçã o de univer o heliocêntrico ( eu limite e
po ibilidade ), a reaçõe con ervadora ao heliocentri mo copem icano
e o de enrolar do proce o revolucionário com Tycho Brahe, Thoma
Digge , Giordano Bruno, Joha nne Kepler, Galileu Galilei, René De car
te , Henry More e I aac Newton.
E peramo , com e te trabalho de caráter fundamentalmente interpre-
tativo e en aí tico, trazer alguma contribuiçõe para um debate de idéia
que articula campo di tinto do aber, a que o hi toriadore têm dado
muito pouca atenção. E peramo também que o provávei equívoco
ejam apontado por aquele que no honrarem com ua intere ada
leitura.
18
S IDÉI S DE MUNDO
NOS SÉCULOS XII-XV
concepção de mundo cristão tradicional
No éculo IV e V da no a era, a religião cri tã, não mai per eguida
pelo imperad ore romano e já triunfante, procurav a con agrar a ua
vi ão de mundo e e tabelecer a ba e definitiva para a conver ão do
não-cri tão . Para e ta empre a, a Igreja Cri tã reinterpretou não omente
o mito e tradiçõe antiga do pagani mo greco-romano, como também
retom ou a tradição filo ófica e enciali ta de Platão, muito difundida no
final da Antigüidade pelo chama do filó ofo ne oplatônico , que preco ni
zava a uperioridade do “mundo da e ência ” obre o “mundo da
aparência ”, do “mundo da idéia ” obre o “mundo real”. A realidade era
vi ta, pela tradição platônica, como uma manife tação mutável e aparente
de fenômeno e não revelava por i ó o eu verdadeiro “ er”, que exi tia
para além dela e era definido por e ência eterna .
Fundamentado então ne ta ontologia e enciali ta platônica, o pen a
dore cri tão iniciaram todo um proce o de de qualificaçâo da Natureza,
do mundo real, do corpo e da vida humana terrena e afirmaram a vida
eterna da alma que exi tiría para além da vida terrena, no Céu, na morada
de Deu . E ta concepçã o vai er con agrada, no éculo V, com Santo
Ago tinho de Hipona, na célebre e Civitate ei (A Cidade de eus). O
teólogo cri tão recorreram também à conce pçõe de univer o, difundi
da no mundo greco-romano, para ituar a morada do Homem na parte
inferior do Co mo , ou “mundo ublunar” que e caracterizava pela
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eração e pela corrupção, e a morada de Deus e das almas na parte
superior do Cosmos, ou o “mundo supralunar” que escapav a assim da
eração e da corrupção próprias daquele primeiro
1*
Por outro lado, embora fosse caracterizada pela corrupção, a morada
do Homem, a Terra, como já estabelecia a concepção dominante no
mundo reco-roman o, era vista com o o centro do universo e os teólo os
cristãos da tradição patrística realizaram um rande debate entre si e com
autores pa ãos para definir a sua forma. No século IV, Lactâncio, que foi
tutor do filho do Imperador Constantino, dedicou o terceiro livro do seu
ivinae Institutiones (Instituições ivinas)
à tentativa de ridicularizar o
conceito de uma Terra esférica, acusando os defensores desta tese de
“extrava antes” e de manterem obstinadamente seus “erros", num claro
ataque à tradição aristotélica e à conc epçã o dominante no mundo re o-
romano de uma Terra e de um universo esféricos. Lactâncio ne ava
também que o céu pudesse irar continuamente de ocidente para oriente,
conduzindo o Sol e os astros. Para ele, a Terra era plana e seria um absurdo
pensar na existência de uma re ião em que o Homem estaria de cabeça
para baixo e onde os céus estariam abaixo da Terra
3
Em meados da século VI, a defesa da idéia da Terra plana foi reforçada
com a obra de Cosmas de Alexandria, que escreveu a sua
Topographia
Cbrístiana,
de doze volumes, apresentando os mapas cristãos mais anti
os. Não se conhe ce o nome correto de Cosmas, que recebeu este apelido
devido a sua extensa obra eo ráfica. Cosmas, antes de se tornar mon e e
de se retirar para um mo steiro no Sinai, tinha sido comerciante e viajou em
tomo do mar Vermelho e do oceano Índico, vindo daí um outro apelido
recebido: “Indicopleutes” ou “Viajante do Índico". Cosmas afirmava que a
Terra, “o lu ar onde o Senhor descansava os seus pés”, era um plano
retan ular que media de comprimento o dobr o da sua lar ura e repousava
no fundo plano do universo. A Terra, no plano de Cosmas, tinha o formato
de uma enorme caixa retan ular semelhante a uma arca, com uma tampa
arqueada que representava a abóboda celeste. No norte, encontrava-se
1 Cf Robeit Lenoble História da idéia de natureza. Lisboa: Edições 70, 1990, p
212
8
3 Cf Thomas S Kuhn The Copemican Revolution, Planetary Astronomy in the
evelopment o f Western Thougbt. Cambridge (MA): Harvard University Press,
1985, p 108; e W G L Randles a Terra plana ao globo terrestre. Lisboa:
Gradiva Publicações, 1990, p ló-7
uma rande montanha, em torno da qual movia-se o Sol e as obstruções
desta montanha à luz solar explicavam as durações variáveis dos dias e das
estações. As terras deste mundo caracterizavam-se por sua simetria e sua
população ( “os descendentes de Adão”) distribuía-se no “ecúm eno” da
se uinte maneira: no ocidente, estavam os celtas; no oriente, os indianos;
no norte, os citas; e no sul, os etíopes. No oriente, localizava-se ainda o
Paraíso Terrestre, de onde fluíam os quatro randes rios que banhavam o
mundo: o Indo ou Gan es através da índia, o Nilo através da Etiópia e o
Ti re e o Eufrates através da Mesopotâmia
,3
Todavia, as cosmolo ias de homens como Lactâncio e Cosmas não
conse uiram se tornar doutrina oficial da I reja Cristã e não suplantaram
totalmente a concep ção reco-romana de um universo de esferas. Pode-se
dizer que não existia uma unidade crista sobre os assuntos relativos à
Cosmolo ia e até mesmo Isidoro de Sevilha, que se encontrava entre os
teólo os fundadores da Ortodoxia Cristã da Alta Idade Média, admitia na
sua obra
Etymologiae (Etimologias
, escrita na primeira metade do século
VII) a existência de uma Terra esférica e, por causa desta esfericidade, ele
a denominava
orbts terrarum.
Para o santo e arcebispo de Sevilha, as duas
partes deste
orbls
formado pela Europa e pela África, separadas pelo mar
Mediterrâneo, ocupavam metade do mundo e a outra metade era ocupada
somente pela Ásia
4
Isidoro de Sevilha retomou também a idéia do Paraíso Terrestre já
adiantada por Cosmas de Alexandria e pela tradição patrística. Para
Isidoro, na
Etymologiae
; o Paraíso era o primeiro lu ar no oriente e podia
ser chama do de “Jardim das Delícias”, pois estava plantado com todas as
espécies de árvores frutíferas e tinha também a árvore da vida. A tempera
tura era continuamente primaveril, não havendo nem frio nem calor neste
Jardim das Delícias. No meio dele, jorrava uma fonte que re ava não só o
pomar, como também, ao se dividir, formava 'as nascentes dos quatro
randes rios que irri avam o mundo. Entretanto, o Homem não tinha
acesso ao Paraíso Terrestre, pois este lhe foi vedado depois que ele
cometeu o pecado ori inal, estando toda esta área cercada por uma
3 Cf Kuhn Op. cit., p 108; e Daniel J Boorstin Os descobridores. e como o
homem procurou conhecer a si mesmo e ao mundo. Rio de Janeiro : Editora
Civilização Brasileira, 1989, p 110
4 Cf Kuhn
Op. cit.,
p 108; e Boorstin,
Op. cit.,
p 111
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204, retomaram a crença na existência de seres antípodas no hemisfério
austral e também afirmaram, contradizendo aí os autores pagãos, que a
zona tórrida não era intransponível. Porém, como Alberto Magno e Roger
Bacon não apresentavam provas novas, baseando-se apenas em autores
antigos (incluindo Macróbio e Capela), suas opiniões não tiveram impac
to algum sobre o mundo letrado europeu. O mistério dos seres antípodas
só seria desvendado a partir do século XV, com o início das grandes
navegações oceânicas. 0
Assim, a Terra não era esférica, os antípodas não existiam e as “colunas
de Hércules” (o estreito de Gibraltar) continuavam a ser consideradas, nas
palavras de Guillermo Giucci, como "o limite do mundo conhecido e um
símbolo da proibição divina diante da insensata curiosidade humana".
Acreditava-se ainda, por influência da interpretação das Escrituras no
apócrifo
ivro de Esdras,
que seis sétimos do planeta eram secos e cobertos
de terra e apenas um sétimo era coberto de água e correspondia aos mares.
Conseqüentemente, os geógrafos e cartógrafos cristãos não deixariam de
registrar todas estas idéias em seus consagrados mapas “T-O”, onde
estabeleciam uma tripartição do mundo (Europa, África e Ásia), represen
tando esquematicamente o ecúmeno, e tinham Jerusalém como o centro
do mundo. 2
Nestes mapas “T-O”, todo o mundo conhecido era representado no
interior de um círculo ou roda, que, obviamente, correspondia ao “O" da
designação destes mapas. A vertical do “T” representava o m ar Mediterrâ
neo, separando a Europa da África. As duas outras metades da transversal
representavam respectivamente os rios Tanais (Don) e Nilo, que, por sua
vez, separavam a Ásia, que estava no topo do mapa, da Europa e África.
Jerusalém, o centro do mundo, localizava-se justamente no ponto de
junção entre a vertical e a transversal do “T”. Estes mapas podiam ser
representações simples e esquemãticas, como nos mostra a Figura l**, ou
então ilustradas didaticamente com regiões, rios, montanhas e os p rodígios
operados por Deus, indicando episódios e locais mencionados na Bíblia,
com o intuito exclusivo de reforçar a exegese cristã oficial e sem nenhum
sentido prático de orientação para viajantes e navegantes. O Paraíso
0 Cf. Giucci.
Op. cit.,
p. 54; e Randles.
Cp. cit.,
p. 9.
Cf. Giucci,
Op. cit.,
p. 23. 2 Cf. Boorstin.
Op. cit.,
p. 44-5.
As figuras estão agrupadas na Iconografia, p. 223 (NE).
24
Terrestre ou Jardim do Éden era representado no oriente, na parte superior
do mapa, com as indefectíveis figuras de Adão, Eva e a Serpente,
circundado por um alto muro ou por uma grande montanha. Um típico
exemplo destes mapas ilustrados é a Figura 2, que nos mostra o famoso
mapa do Beato de Saint-Sever de cerca de 776 e conhecido por sua
reprodução de 050. 3
s representações cristãs de mundo nos séculos X II -X V
A partir do século XII, as idéias de mundo e suas representações se
modificariam no qu adro das grandes transformações sociais e culturais que
sacudiram a Europa neste período. As modificações na ordem feudal e a
tentativa de afirmação de valores aristocráticos e leigos frente a uma visão
de mundo eclesiástica, a retomada das relações comerciais com o oriente,
o reviver da vida urbana e a reintrodução de uma economia monetária
mais ampla, possibilitaram aos homens o conhecimento de uma nova
realidade e uma atitude intelectual diferente daquela postura contemplati
va e negadora da vida terrena e material preconizada pela Ortodoxia
Cristã. O mundo modificou-se, principalmente para aqueles homens que
procuravam uma nova cultura nos grandes centros urbanos e não mais nos
grandes mosteiros e nas antigas ordens religiosas. A atitude crítica às
concepções cristãs tradicionais por parte destes novos letrados ou "intelec
tuais”, como os chamou Jacques Le Goff, estava na base de todo o
movimento cultural por eles protagonizado e denominado pelos medieva-
listas atuais como o “Renascimento” do século XII, que voltaremos a
abordar no item seguinte, 4
Esta atitude crítica em relação à interpretação tradicional dos dogmas
cristãos possibilitou uma grande modificação nas idéias e representações
de mundo, o que significou a retomada de uma série de teorias de autores
antigos, anteriormente condenadas como heresias pela Igreja, e a sua
3 Cf
Ibidetn.
p. 08- ; Giucci,
Op. cit.,
p. 80; Randles.
Op. cit.,
p. 9-20; Vitorino
Magalhães Godinho.
es dêcouvertes. XVe-XVle: une révolutton des mentalités.
Paris: Éditions Autrement, 990, p. 5-9; e David Amold.
A época dos des
cobrimentos.
Lisboa: Gradiva Publicações, s.d., p. 5,
4 Cf Jacques Le Goff. Os
intelectuais na Idade Média.
Lisboa: Estúdios Cor, 973,
p. 3-5; e Georges Duby.
Idade Média, ida de dos homens. Do amo r e outros
ensaios.
São Paulo: Companhia das Letras, 989, p. 44-5.
25
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eitura com base numa perspectiva crista renovada e mais secu arizada.
Embora a Igreja estivesse mais to erante em re ação às idéias que se
diferenciavam da sua concepção oficia , até mesmo porque no sécu o XII
e a jã estava conso idada e não disputava mais espaços com as doutrinas
pagas praticamente extintas, os novos geógrafos e cartógrafos manifes-
taramse com bastante prudência, procurando conci iar nas suas represen-
tações de mundo o mito bíb ico da Terra p ana com a idéia grega da Terra
redonda, obviamente, na opinião de W. G. L. Rand es, “escamoteando as
contradições” entre duas concepçõe s diferentes e antagônicas. Assim, nas
representações dos geógrafos e cartógrafos da Baixa Idade Média, a Terra
era considerada “p ana ao níve do ecúme no habitáve ” e “esférica unica-
mente ao níve da astronomia”.35
Uma primeira corrente de conci iação é denominada por Rand es de
“Síntese Bíb icoCratesiana”, em virtude da retomada cristã das idéias de
Crates de Maio, que viveu no sécu o II a.C. Crates baseouse nas idéias dos
antigos gregos, acerca da esfericidade da Terra, para construir a sua
representação do p aneta que, no entanto, não cheg ou ao sécu o XII
através de seus traba hos originais, mas sim através da eitura que os já
mencionados Macróbio e Cape a fizeram da obra daque e autor. Por outro
ado, a reabi itação e a divu gação das idéias de Macróbio e Cape a, e da
perspectiva cratesiana por e es seguida, foi rea izada neste sécu o por
Gui herme de Conches na sua obra
e Philosophia Mund i,
evidentemente
a partir de uma persp ectiva cris tã.16
Esta “Síntese Bíb icoCratesiana”, de representação de mundo, estabe e-
cia que a Terra era uma esfera coberta em sua maior parte de água,
existindo quatro pequenas “i has” diametra mente opostas, como nos
mostra a Figura 3. Entretanto, a eitura cristã retirou deste mode o de
interpretação aqui o que era mais p o êmico nas idéias de Macróbio e
Cape a, que era a idéia de que estas quatro i has seriam habitadas, estando
os seus habitantes impossibi itados de qua quer com unic ação devido à
grande extensão do oceano. A perspectiva cristã circunscreveu, assim, a
espécie humana numa destas i has — o ecúmeno — e negou simp esmen-
te a habitabi idade das outras i has a egando o dogma da unicidade da
humanidade descendente de Adão e Eva e por Cristo resgatada, que era
5 Cf. Randles. p. ctí., p. .
6 Cf.Ibidem, p. 2.
26
um dos principais fundamentos da doutrina cristã. “O pequeno ecúmeno
cristão ”, de ac ord o com Rand es, “perdido na superfície de uma esfera
imensa, podia assim pa rece r p ano”.17
Uma segunda corrente de conci iação do mito cristão da Terra p ana
com a perspectiva grega da esfer icidade do p aneta foi constituída por
aqui o que Rand es denominou de “Síntese Bíb icoAristoté ica”. O maior
nome desta corrente foi o ing ês John o f Ho ywood, também conhecido
na Europa atina como Johannis (João) de Sacrobosco, que foi professor
em Paris e escreveu , no início do sécu o XIII, o famoso
Tractatus de
Spbaera
ou
Spbaera Mundi.
Esta obra de Ho ywood ou Sacrobosco foi o
primeiro tratado de Física e Astronomia rea mente conhecido na Europa
ocidenta , mas não passava, de acordo com Thomas Kuhn, de uma cópia
des avada do tratado e ementar de Física de A fragano, muito conhecido
no mundo árabe e bastante inf uenciado pe as concepções de Aristóte es
e Pto omeu, que na tradução atina de Gerardo de Cremona recebeu o títu-
o de
Rudimenta Astronômica.
O
Tratado áa Esfera
foi uti izado como
manua de Física nas principais universidades européias (Paris, Bo onha,
Viena, Oxford, Erfurt, Bourges, Praga, etc.), a partir do sécu o XIII, e até o
fina do sécu o XV conhec eu vinte edições.38
Seguindo sua inspiração aristotéíica da teoria dos mundos sub unar e
supra unar, extraída do mencionado manua árabe, Ho ywood concebia o
Cosmos dividido em duas regiões: a “região do éter”, correspondente ao
imutáve mundo supra unar, e a “região dos e ementos”, correspo ndent e
ao mundo sub unar e “sujeita a uma a teraçã o con tínua”, formada po r
quatro esferas concêntricas de terra, água, ar e fogo e ordenada de acordo
com as gravidades destes e ementos, co mo nos mostra a Figura 4. Na
concepção de Ho ywood, a terra não podia deixar de ser o centro do
mundo, estando situada no meio dos demais e ementos. Em vo ta da terra,
estava a água, em vo ta desta estava o ar e em vo ta deste encontravase o
fogo “puro e isento de perturbação", que atingiría o orbe da Lua.iy
Havia ainda uma tese muito divu gada na Baixa Idade Média, denominada
7 Cf.
Ibidem.
p. 2-3.
8 Cf.
Ibidem.
p. 3; Kuhn.
p. cit.,
p. 25; e Luís Felipe Barreto,
Caminhos do
saber no renascimento português. Estudos de história e teoria da cultura. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 986, p. 37-8.
9 Cf. Randles.
p. cit.,
p. 3-4.
27
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or Randles de “Teoria das Cinco Zonas” e que era na realidade a reedição
da tese defendida originalmente or Parmênides e or Macróbio e Ca ela
no século V. A “Teoria das Cinco Zonas" encontra va ad e tos tanto entre os
defenso res da “Síntese Bíbl ico-Crates ia na com o entre os defensores da
“Síntese Bíblíco-Aristotélica”, fundindo-se com freqüência a estas corren
tes. Entretanto, o maior divulgador desta teoria foi Hollywood no seu
ratado da Esfera,
que, devido ao seu sucesso, tornou-se muito conhecido
entre os estudiosos euro eus. Esta reedição da “Teoria das Zonas", como
nos mostra a Figura 5, dividia a esfera terrestre horizontalmente em cinco
“ raias” ou zonas: nos ólos, estavam duas “ raias” geladas inabitadas; no
equador, encontrava-se a zona tórrida também inabitada e intrans onível,
se arando as duas zonas tem e radas que eram as únicas que odiam ser
habitadas. Contudo, Hollywood não abordou claramente o roblema da
habitabilidade da zona tem erada antí oda, o que foi decidido or seus
comentadores Miguel Scoto (cerca de 1230) e Roberto, o Inglês (em 1271),
que, res eitando os antigos dogmas teológicos, negaram erem toriamen-
te a existência de seres antí odas no hemisfério austral.20
A “Teoria das Cinco Z onas" ainda influenciaria os ade tos da “Síntese
Bíblico-Cratesiana” a o erarem uma sim lificação na sua re resentação do
laneta, reduzindo de quatro ara duas as ilhas ou as artes não cobertas
or água. Estas ilhas eram o ecúmeno, na zona tem erada boreal, e o
continente Antí oda, na zona tem erada austral, mas, acatando também os
dogmas teológicos cristãos, negavam qualquer ossibilidade de este conti
nente ser habitado.21
Vimos, assim, sobretudo com o auxílio de W. G. L. Randles, como nos
séculos XII ao XV os geógrafos e cartógrafos euro eus rocuraram com a
tibilizar duas conce ções extremamente contraditórias de re resentação
de mundo: a da Terra-Ecúmena lana, do mito bíblico, e a da Terra
esférica, herdada dos antigos gregos. As sínteses roduzidas or estes
estudiosos só seriam questionadas a artir do século XV, quando as
grandes navegações ibéricas começaram a trazer uma nova realidade do
mundo ara a Euro a cristã.
20 Cf.
Ibidem.
. 15-6.
21 Cf.
Ibidem.
, 16.
28
“renascimento” do século XI I:
o Conceitualismo e o Naturalismo
A renovação filosófica e cultural, que se desenvolveu na Euro a
ocidental, no século XII, constituiu-se num elemento de crítica rofunda à
tradicional Teologia cristã, marcada elo Platonismo agostiniano. Esta
“Revolução Filosófica” ( ermitam-nos o uso do termo) trouxe não somente
uma nova Filosofia, como também uma nova conce ção geral de conheci
mento e ensino, que obrigaram a uma revisão gradativa da ró ria
Teologia cristã e ao estabelecimento de novos rincí ios de fundamenta
ção dos dogmas da Igreja Cristã. Embora sejamos obrigados a reconhecer
estas modificações gerais da Teologia cristã, a análise minuciosa da sua
trajetória não será objeto dessas nossas reflexões.
Por outro lado, não odemo s deixar de associar a emergência da
“Revolução Filosófica" ao contexto de transformações sociais e culturais
que se rocessaram na Euro a ocidental no século XII, o que já menciona
mos no início do item anterior. As novas conce ções filosóficas foram
resultantes do “Renascimento Cultural” e d o crescime nto urbano verifica
dos no século XII, rocessos estes que estavam intimamente relacionados,
como nos mostram Jacques Le Goff e Georges Duby. Estas transformações
culturais foram ossibilitadas elas novas funçõ es e atividades econ ômic as
desem enhadas elas cidades que roliferaram no continente euro eu,
trazendo uma am liação das relações comerciais, da rodução mercantil e
da circulação monetária. Além disso, aquelas transformações, ao re ercuti
rem sobre a vida econômica, encorajaram os homens da é oca a assumir
uma nova atitude em relação aos receitos tradicionais da Igreja Cristã que
condenavam as formas de rodução e relações mercantis, atitude esta que
era de crítica e des re zo e tornou-se fundamental ara o estabelecimento
de uma nova mentalidade econôm ica menos localista, menos voltada ara
as formas tradicionais de entesouramento de riquezas e mais voltada ara
o cons umo de bens materiais.22
A riqueza e o desenvolvimento cultural das cidades começaram a atrair,
cada vez mais, jovens de diversas camadas sociais que, ao invés de
rocurarem os mosteiros e as antigas ordens religiosas, vinham buscar no
meio urbano o a rendizado tão desejado das “artes liberais” e os ensina-
Cf. Le Goff.
Op. dt.,
. 13-5; e Duby.
Op. cit.7
. 144-9.
29
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entos de estres clérigos que co eçava a se consagrar e a for ar
discípulos que se transfor ava e estres co o eles. tornava -se
preceptores dos filhos dos aristocratas ou dos burgueses enriquecidos,
trabalhava nos serviços contábeis e de escrituração dessas ca adas
abastadas ou si ples ente ficava a serviç o das instituições religiosas. É
neste o ento preciso que Le Goff localiza o nasci ento do “intelectual”
ocidental, que é aquele indivíduo que passa a viver do seu saber e da sua
arte de ensinar, que é funda entada nos livros que ele tanto a a, e não na
tradição oral que repudia, e que vê nestes es os livros uito ais u
veículo de circulação de idéias do que u requintado be econô ico
entesourado pela Igreja ou por abastados aristocratas. É este "intelectual”
que vai ser o agente d o “Renasci ento Cultural”, contribuindo para dar
vida às cidades e ro per co a visão de undo tradicional da Igreja.25
O undo feudal, até então acostu ado co a divisão rígida das três
ordens e sua função antenedora das bases da sociedade rural, logo
reagiria contraría ente aos fenô enos do cresci ento urbano e do
surgi ento de u a nova categoria de indivíduos letrados que procurava
o seu sustento longe das alternativas que aquela sociedade oferecia. Os
representantes da orde feudal, principal ente as autoridades eclesiásti
cas, logo tentara estig atizar as cidades co o "antros da perdição”,
“antros do pecado", e esta nova categoria de letrados ou intelectuais
(incluindo estres e estudantes) co o "vagabundos”, "preguiçosos", pois
o seu estilo de vida se diferia por co pleto daquele precon izado pelos
estilos religioso - onacal e aristocrático- ilitar vigentes. O aior exe plo
dessa estig atização talvez seja a designação pejorativa de “goliardos"
dada aos professores, poetas e escritores de Paris, Chartres e outras
cidades francesas, pelas autoridades eclesiásticas, nu a clara alusão ao
personage bíblico do antigo testa ento que representava o al, o
gigante Goiias, as, co a consagr ação destes intelectuais durante o
século XII, o ter o acabou adquirindo u sentido inverso e passou a ser
sinôni o de u letrado respeitado e consagrad o. À vida reclusa, de
ascese, editação e conte plação dos onastérios, estes intelectuais
contrapunha a liberdade, os prazeres e as oportunidades culturais
oferecidas pelo eio urbano. À vida guerreira e às proezas ilitares, eles
contrapunha os “co bates de espírito” e os "torneios de dialética”.
i Cf. Le Goff. p. cit,, p. 13-9 e 93-4; e Duby. p. cit,, p. 15 -4.
30
Enfi , os intelectuais não só desprezava , co o ta bé ridicularizava
os estilos de vida tradicionais, co o uito be exe plifica a poesia
francesa “goliarda” deste século.2Í
As cidades to ara -se, assi , no dizer de Le Goff, a "encruzilhada do
co ércio intelectual" da Europa, a partir do século XII, as para que isso
acontecesse foi necessária u a abertura do continente para a penetração
da cultura greco-árabe que pôde ser difundida através de anuscritos
originais árabes ou versões árabes de textos gregos, trazidos do undo
islâ ico por viajantes e co erciantes, principal ente para a Itália e
Espanha, onde tradutores especializados os vertia para o lati . Entre as
principais contribuições gregas traduzidas, estava a Física, u a parte da
Lógica (a Lógica Nova) e a Ética de Aristóteles, a Astrono ia e a Geografia
de Ptolo eu, a Mate ática de Euclides e a Medicina de Hipócrates e
Galeno. Já entre as contribuições árabes traduzidas encontrava -se a
Arit ética e a Álgebra de Al-Khariz i, os apreciados co pêndios édicos
de Rhazi e Avicena e ta bé as i portantes sínteses filosóficas aristotéli-
cas construídas por Al-Farabi e Averróis.25
Todavia, os centros de assi ilação intelectual dessa cultura greco-árabe
não se situava na Itália ou na Espanha, as si nas grandes cidades
francesas que se localizava entre o Loire e o Reno, co especial
destaque para Paris e Chartres que se transfor ara efetiva ente nos
grandes centros intelectuais da Europa no século XII. Paris e Chartres
desenvolvera tradições distintas do conheci ento e do ensino das sete
“artes liberais”. A tradição parisiense priorizou o ensino das “artes do
triviu ” ou “Ciências da Linguage ", que era a Gra ática, a Retórica e a
Dialética (obvia ente de funda entação aristotélica), o que pode explicar
o desenvolvi ento ais acentuado, nos eios intelectuais da “Cidade
Luz”, de u a
orrente on eitualista
e de u a aior voca ção para o
raciocínio ais abstrato. Já a tradição chartrense dedicou-se ais ao ensino
das “artes do quadriviu ” ou “Ciências Mate áticas”, constituídas pela
Arit ética, Geo etria, Música e Astrono ia, desenvolvendo priorita
ria ente u étodo
de observação e investigação da Natureza,
influen
ciado pela cultura greco-árabe, que originou a
orrente naturalista
4 Cf, Le Goff. p. cit., p. 7-4.
5 Cf.Ibidem. p. 0-5.
6 Cf Ibidem. p. 7-8 e 56-7.
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maior nome do
onceitualismo parisiense
foi o “goliardo” Pierre
Abélard (Abelardo) que, além da fama alcançada através das suas rumoro-
sas aventuras com a amada Héloise, tornouse célebre pela elaboração do
método lógico-dialético,
que era o fundamento desta corrente, nos seus
principais trabalhos:
Lógica Ingredientibus
(ou
Manual de Lógica para
Principiantes)
e
Dialectica,
escritos nos anos 1120. No seu
Sic et Non,
obra
de caráter teológico, Abelardo sistematiza uma série de controvérsias
religiosas usando o método lógicodialético. Abelardo defendia claramente
a necessidade de uma
lógica conceítualísta da linguagem,
admitindo que
as palavras, embora como elementos de significação, tinham sua funda-
mentação na própria realidade, ou seja, as palavras correspondiam às
coisas que significavam. Desse modo, elas não eram vistas como um véu
encobridor da realidade, mas a própria expressão desta, advindo daí a
necessidade de um esforço lógico para uma “adequação significante da
linguagem”. Abelardo ainda combateu a formulação tradicional dos dog-
mas teológicos que não admitiam nenhuma possibilidade de revelação do
milagre divino da criação e da ressurreição de Cristo pela “razão h umana”,
o que se daria exclusivamente pela “fé”. Para este combate, Abelardo
retomou a célebre fórmula de Santo Anselmo, do século XI, que preconiza-
va “a fé em busca da inteligência"
(fides quaerens intellectum),
para iniciar
um processo de desbloqueio e recuperação da razão humana e defender
uma aliança entre a razão e a fé, que significava claramente uma maior
racionalidade da fé e abria espaço para a emergência de uma nova
Teol ogia.27
Para o
Naturalismo chartrense
, estas mesmas questões de natureza
teológica se colocavam e ele respondia com argumentos semelhantes ao
do Conceitualismo parisiense, mas a sua radicalidade na busca de uma
racionalidade da fé era muito maior, pois, além de advogar a possibilidade
de um conhecimento racional do fenômeno divino, ele queria compreen-
der racionalmente a Natureza e claramente distinguir o conhecimento
desta dos assuntos de ordem teológica. s grandes nomes da corrente
naturalista — B ernard o de Chartres, Guilherme de Conches, Arnaldo de
Bonneval, Thierry de Chartres, Honóri o d’Autun — admitiam otimistica
mente a onipotência da Natureza, que se caracterizava sobretudo por seu
poder perpétuo de fecundação e criação de fontes inesgotáveis
(mater
17
Cf. Ibidem.
p. 536,
32
generationis).
Ela era também o Cosmos, um todo criado e organizado
racional e harmonicamente por Deus, através de um conjunto de leis
regularizado pela própria ação da razão divina em seu interior, mas que
podia ser entendido e explicado pela razão humana. Neste sentido, os
chanrenses, afastandose do Simbolismo característico da teologia tradicio-
nal, explicavam o milagre da criação do mundo (Gênesis) pelas próprias
leis da Natureza, afirmando cada vez mais uma perspectiva físicista da sua
tradição de con hecimento.28
Além desta recuperação da Natureza para o conhecimento, os chartren
ses deram um importante pas so para retirar as “artes liberais” da submissão
à autoridade das Escrituras. Honório d’Autun foi muito claro com relação a
isso ao afirmar que não havia outra “autoridade” senão a verdade provada
pela razão. As Escrituras, quando muito, tinham um poder de proclamação,
mas não era sua função provar a verdade que só podería ser alcançada
pela razão discursiva humana. Com isso, e também com a idéia de que o
mundo fora criado para o Homem, os chartrenses, talvez com mais inten-
sidade do que os conceitualistas parisienses, afirmavam claramente a cen
tralidade do Homem, mas, na realidade, eles tentavam conciliar suas
concep ções naturalistas com este peculiar Humanismo, através da idéia de
que o Homem racional podia estudar e entender a Natureza, e mesmo
transformála com a sua atividade, mas ele também estava nela inserido e
integrado na ordem do mundo, Homem, acreditavam ainda os chartrenses,
era o centro e o microcosmo de um universo (macrocosmo), que ele mes-
mo reprodu zia.29
Como podemo s notar, tanto a corre nte conceítualísta com o a naturalista
preconizaram a libertação do Homem em relação à submissão e à anulação
indiscriminadas da racionalidade diante dos dogmas do Cristianismo, a
“escravidão da fé”. Era esse basicamente o objetivo deste Humanismo do
século XII, que abriu para os homens da cristandade a possibilidade do
conhecimento da Natureza e do universo, autonomizandoo e separando
o da Teologia e criando condições para que ele se constituísse num campo
específico da "Ciência” (“Scientia”), para utilizar o termo d e Honório
d’Autun, com um sentido lato de conhecimento humano, de um saber
metódico e rigoroso. Este sábio naturalista resumiu suas preocupações
28 Cf. Ibidem.
p. 569.
19 Cf Ibidem. p. 5963
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uma fórmula basta te simples: “O exílio do homem é a ig orâ cia; a sua
pátria [é] a ciê cia. [...] a ela se chega a través das artes liberais que co s-
tituem outras ta tas cidadeseta pas".30
Escolástica e a constituição da Filosofia
da Natureza (séculos XMl-XIV)
Nâo resta a me or dúvida de que a ave tura do co hecime to cie tífico
ocide tal se i iciou muito a tes do processo de sua formalização, os
séculos XVI e XVII. Nâo podemos deixar de reco hecer uma a cestralidade
os co ceitualistas e aturalistas do século XII, pois foram eles que abriram
o espaço teóricoepistemológico para uma série de questões da relação do
Homem com a Natureza e com o u iverso, que mais tarde seriam ai da
recoloca das e respo didas pelos fu dadores da Ciê cia Moder a.
Por outro lado, é o Co ceitualismo e o Naturalismo que devem os
buscar as bases de co stituição da escolástica que se co sagrou o século
XIII como co cepção filosófica e método de e si o adotado as recém
criadas u iversidades da Europa ocide tal. Estas duas corre tes marcaram
ai da as divergê cias o i terior da escolástic a, impedi doa de se tor ar
uma corre te ú ica e homogê ea. Embora os filósofos e i telectuais
escolásticos ma tivessem um úcleo de opi iões comu s, existiam gra -
des difere ças e tre eles e estas difere ças podiam ser explicadas pelas
i fluê cias que o Co ceitualismo e o Naturalismo ti ham sobre estes
sábios. Co tudo , São Tomás de Aqui o, p ercebe do muito bem as impli-
cações destas divergê cias, te tou co ciliar aspectos das duas corre tes
recorre do a uma releitura de Aristóteles. Até mesmo os adeptos da velha
corre te tradicio al agosti ia a, sempre tão temerosos e críticos em
relação às “ ovidades racio alistas”, surgidas a partir do século XII,
procuraram se adaptar aos ovos tempos adota do, sobretudo, aqueles
aspectos mais téc icos do método de e si o escolãstico, ma te do toda-
via sua cre ça a corruptibilidade do mu do e da Natureza, a tra sitor ie
Hadf» da vida terre a e a eter idade da alma e da vida extramaterial.
Na realidade, o sécu lo XIII co solidou uma te dê cia, que já vi ha se
dese volve do desde o século a terior, com o adve to dos i telectuais e
com o surgime to das escolas urba as catedralícias (i depe de tes das
0 Cf. bidem. p. 65.
34
a tigas escolas mo ásticas), que foi a secularização da cultura erudita,
patroci ada por setores do clero secular mais re ovadores. Esta seculariza-
ção co substa ciouse o surgime to da própria u iversidade, que, para
se afirmar, ão teve alter ativa se ão a resistê cia ferre ha aos poderes
eclesiástico s e aristocráticos mais co serv adores , mesmo que isso sig ifi-
casse uma alia ça e uma certa depe dê cia do Papado e das autoridades
roma as. De tro da lógica corporativa, já predomi a te o sécul o XIII, as
u iversidades, que logo se espalharam pela Europa ocide tal, co stituí-
ramse em corporaç ões de mestres e apre dizes, o caso os estuda tes
(“U iversitas Magistrorum et Scholarium"), e procurara m clarame te exer -
cer o mo opólio do saber em relação ao co ju to da sociedade.31
A escolástica tor ouse, assim, o método por excelê cia esta co soli-
dação da secularização da cultura erudita, através das u iversidades,
rompe do com a tradição de e si o esse cialme te oral da Alta Idade
Média e adota do o livro como base do e si o e da divulgação do
co hecime to. A verdade seria alca çada agora, este método, através da
prova racio al ou da força da racio alidade do argume to, que deveria ser
exposta clara e sistematicame te os livros e ão se restri gir à exposição
oral (a aula, a co ferê cia). A maior capacidade de expor e provar
racio alme te um argume to em texto co feria ao seu autor a co dição de
autoridade e os argume tos das autoridades deviam sempre ser vistos
como verdades co sagradas e i questio áveis pelos estuda tes e pelos
mestres me os brilha tes. A divulgação do co hecime to, através de
gra des sí teses ou sumas, foi uma das gra des preocupaçõ es dos pri ci-
pais escolásticos o século XIII: Alberto Mag o (120 612 80), Roger Baco
(12101295), São Boave tura (12211274) e São Tomás de Aqui o (1224
1274). Este último chegou a co sagrar as suas maiores obras com os títulos
de
uma Contra os Gentios
e
uma Teológica,
que foram, sem dúvida
e huma, os trabalhos de maior repercussão produzidos pela escolástica,
co tribui do para tra sformar posteriorme te o Tomismo (como ficou
co he cida a verte te de São Tomás), a co cepçã o domi a te desta ova
visão de co hecime to e de mu do, justame te porque havia ele uma
te tativa de co ciliação e sí tese das co cepçõe s fu dame tadoras (Co -
ceitualismo e Naturalismo) da es colástica. 32
1 Cf. bidem. p. 70-80: e Duby. Op. cit, p. 146.
2 Cf. Le Goff. Op. cit., p. 7 -4 e 96.
35
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íntese Tomista
expressava muito bem o núcleo de opiniões comuns
da escolãstica, como nos indica Joseph Rassam. Primeiramente, encontra-
vase nela aquela necessidade de reafirmação da razão humana, que não
significava necessariamente uma oposição à fé, mas sim a busca do
equilíbrio entre estas duas dimensões do existir humano, retomando o
consagrado princípio de Santo nselmo da “fé em busca da inteligência”.
ssim, a própria Teologia teria de se servir da razão, devendo o teólogo
construir, com os dados da fé, um saber metódico e rigoroso. Isso também
significava que a Teologia na visão tomista deveria ser incluída no âmbito
da “Ciência", ou seja, dentro de uma perspectiva mais geral do conheci-
mento racional . Todavia, ela se diferiría das “artes liberais” e da Filosofia,
porque estas se baseariam na razão humana e seus objetos seriam por ela
encarados por si mesmos, o que pressupõe a existência de uma ordem
imanente natural. Já a Teologia, tendo como pressuposto o seu entendi-
mento racional a partir da fé, considerava o seu objeto na sua relação com
o sagrado, com Deus, com uma ordem transcendente (a ordem sobrenatu-
ral). Embora os objetos das “artes liberais” e da Filosofia fossem resultados
da criação divina, estas não estariam capacitadas para a compreensão da
dimensão essencial deste fenômeno e do próprio fenômeno sagrado, isto
porque competiría a elas o estudo das “causas segundas" da criação, do
resultado material da criação, cabendo aquela compreensão, ou seja, o
estudo da “causa primeira", apenas à Teologia, uma vez que Deus
inicialmente conhece a si mesmo, ordenando a sua própria ação, para
depois criar o m undo.33
Na realidade, o Tomismo buscava conciliar os "dois ristóteles” que
emergiram a partir do século XII: um essencialmente “lógicodialético” da
leitura dos conceitualistas e o outro essencialmente “físico” da leitura dos
naturalistas. Esta tendência sintetizadora jã estava presente em lberto
Magno, que foi o grande mestre de São Tomás de quino na Ordem
Dominicana. Isso quer dizer que São Tomás uniu a preocu pação conceitu
alista das palavras, como expressão da própria realidade, com a concepção
de Cosmos ou Natureza ordenada racionalmente dos naturalistas, resultan-
do a seguinte compreensão: “as palavras expressariam, significariam, esta
Natureza racionatmente ordenada. Deus, ao criar a Natureza (o universo),
inscrevería nele os próprios signos da sua vontade e da sua ordem
Cf. Jose ph Rassam. omás de Aquino. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 20-5.
36
criadora, e as palavras seriam justamente os significantes desta ordem
natural criada, numa perspectiva realista que definia a verdade como
adequação do intelecto ao real (“adaequatio intellecto ad rem”)”. Isso
também correspondería à própria entronização de Deus na Natureza e o
estabelecimento de uma dimensão imanente para ele. Com relação à
concepção de universo, podese dizer, de acordo com Thomas Kuhn, que
São Tomás retomou fielmente a idéia do “Filósofo”(ep íteto com o qual ele
próprio consagrou ristóteles com o filósofo por antonomásía) acerca do
movimento dos corpos celestes e da esfericidade da Terra, além, é claro,
da tese geral da dupla dimensão do universo geocêntrico esférico — a
supralunar e a sublunar, não atribuindo a esta última nenhum caráter de
corrupção.31
Natureza seria, desse modo, recuperada e deixaria de ser vista como
o mundo da corrupção devido à presença eterna da lógica (ordem) da
criação divina em seu interior. Como bem lembrou Robert Lenoble, foi
deste conceito de Natureza de São Tomás que partiu Dante lighieri, no
século XIV, ao escrever
A Comédia,
para afirmar que existia uma “ordem
natural” independente do “drama humano" e que os perigos do mundo
não deviam mais ser atribuídos à Natureza, mas ao “mal".35 ssim, o
Tomismo consagraria a possibilidade de um conhecimento verdadeiro
para esta Natureza recuperada pela lente de ristóteles, autonom izandoa
no processo de conhecimento, e criando para isso um campo específico
denominado até o século XVIII de "Philosophia Naturalis” (Filosofia
Natural), distinguindoo não somente dos outros campos da Filosofia
como também da Teologia.
Se o Tomismo buscava a conciliação e até mesmo a adequação
racional às Escrituras, esta não foi a perspectiva da vertente averroísta da
escolãstica, cujos maiores representantes foram Siger de Brabante e
Boécio da Dãcia, que ensinavam em Paris e retomaram a leitura de
ristóteles feita pelo filósofo árabe verróis. Esta corrente também
retomou a leitura radical do ristóteles "físico” do Naturalismo chartren
se, não deixando de realçar uma certa iconoclastia herdada dos goliardos
do século XII. Entre as teses mais radicais dos averroístas, estavam a
crença na “eternidade do mundo”, o que negava evidentemente a idéia
M Cf. Kuhn,
Op. cit.,
p. 109-11.
5 Cf. Lenoble. Op. cit., p. 219,
-
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o início (a criação) e o fim o mun o (o juízo final), a recusa em
aceitar Deus como a “causa eficiente as coisas”, consi eran o-o apenas
como a “causa final” e a negação a “alma in ivi ual” através a
“uni a e o intelecto agen te” (“intellectus agens”). Uma outra tese os
averroístas era e natureza mais geral e relacionava-se à questão a
“ upla ver a e” que apontava para a impossibili a e e se conciliar
Aristóteles com a Bíblia, no caso e alguma interpretação contra itória.
Se havia alguma contra ição, isso po eria ser resolvi o aceitan o-se a
tese a existência e “ uas ver a es” — uma que seria a a “revela ção
as Escrituras e a outra a a “simples filosofia” e a “razão natural". Isso
significava efetivamente não a exclu ência, mas sim a existência paralela
e uas imensões a ver a e: a imensão ivino-religiosa e a imensão
fílosófico-racional, uma imensão não-material e uma imensão material
com um or enam ento interno que prescen ia a presença imanente e
Deus, numa clara e contun ente crítica ao Tomismo.3e
O ra icalismo as concep ções a escolástica averroísta provocou, em
contraposição, uma reaçã o o Neoagostinianismo e o Tomismo e uma
gran e perseguição a Siger, Boécio e seus a eptos, acontecimento este
conheci o como "crise averroísta”. Os agostinianos, respal a os na velha
tese o prima o a fé e ocupa n o ain a postos importantes na hierarquia
a Igreja, con enaram aquilo que se lhes parecia como uma execráve l e
herética ra icalização a racionali a e humana e uma escaracterizaçã o
o que havia e mais sagra o no Cristianismo e aí não pouparam nem
mesmo São Tomás e Aquino e seu mestre Alberto Magno, consi era os
tão execráveis e heréticos quanto os averroístas, iferencia os estes por
uma questão e forma e não e conteú o. São Tomás, por sua vez,
também sob ferrenho ataque os agostinianos e procuran o se istanciar
os averroístas, ireciono u críticas contun entes às suas teses ualistas.
Contu o, a estratégia e São Tomás não teve muita eficácia, pois em 1277
(três anos após a sua morte), tanto o Averroísmo como o Tomismo foram
con ena os pelas autori a es eclesiásticas e Paris e a Cantuária. A
con enação ao Tomismo não surtiu muito efeito, pois seus a eptos
aumentaram e esta corrente pratícamente se tomou hegemônica no mun
o universitário europeu. Entretanto, os averroístas foram violentamente
persegui os e Siger e Brabante teve que fugir a França e se escon er na
s Cf. Le Goff. p. cit., p. 119 20.
38
Itália, on e viveu miseravelmente o resto e seus ias e morreu misteriosa
mente assassin a o.37
Uma terceira corre nte a escolástica, no sécul o XIII, foi constituí a pelo
Experimentalismo e Kobert Grosseteste, chanceler e Oxfor , e bispo e
Lincoln e o grupo franciscano esta universi a e li era o por Roger
Bacon. Não resta a menor úvi a e que Bacon, com a sua
pm Majus
, foi
o maior nome a escolástica experimentalista que, embora se originasse na
Inglaterra, foi a ota a também em outras partes o continente europeu,
ten o o filósofo e Oxfor vivi o e leciona o em Paris por algum tempo.
O Experimentalismo retomou claramente a vocação chartrense o conhe
cimento a Natureza racionalmente or ena a e a i éia naturalista a
ver a e prova a pela razão. Num claro afastamento o formalismo con-
ceitualista, Bacon afirmou que somente a “autori a e” e o “raciocínio” não
bastavam para o conhecimento e para a certeza as coisas, era também
preciso a “experiên cia”. A ver a e racionalmente prova a só era possível
através a “Ciência Experiment al”, “porque sem a experiência na a se
po e saber suficientemente”. Esta premissa se constituiría mais tar e num
elemento a crítica feita pelos a eptos o Experimentalismo a uma certa
postura os tomistas, her a a o Conceitualismo, e não ar importância
à experiência e preferir o raciocínio lógico e a explicação conceituai o
mun o. Para Bacon, então, a experiência (até mesmo a experiência
mística) era o único critério e comprov ação a ver a e e, alargan o
ain a mais os limites o seu empirismo, izia que “não se po ia ter
nenhuma ciên cia sem a matemática”.38
A escolástica experimental no século XTV continuou vigorosa e com
muitos a ept os em Oxfor (Merton College) e na Universi a e e Paris.
Entre os “mertonianos”, os mais famosos experimentalistas eram William
Heybtesbury e Richar Swineshea , enquan to em Paris sobressaíam-se
Nicolas :Autrecourt, Jean Buri an, Albert e Saxe e Nicoles Oresme. Foi
no meio aca êmico francês que este Experimentalismo se tornou mais
criativo e para isso contribuiu uma outra verten te o pensament o universi
tário francês que era a tra ição e teorização e maior familiari a e com o
37 Cf. Ibidem. p. 120 3.
36 Cf Ibidem. p. 125 Ó; e José Seb astião da Silva Dias. Influencia de bs descubri-
mient s en la vida cultural dei sigl XVI. México; Fondo de Cultura Econômica
1986, p. 104.
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ensamento abstrato, que já estava resente no velho Conceitualismo. Os
escolást icos franceses do século XIV roduziram uma interessante síntese
entre esta tradição e os ensinamentos ex erimentais de Bacon (que, como
já foi mencionado, chegou a lecionar em Paris), Desta síntese, resultaram
im ortantes trabalhos de Filosofia Natural que mais tarde, juntamente co m
a abertura ara a matematização reconiz ada elo mestre inglês, tiveram
suas rinci ais idéias retomadas elos fundadores da Ciência Moderna.®
Entre as contribuiçõ es da “Física arisiense”, encont ravam -se rimeira
mente as de Jean Buridan, que chegou a ser reitor da Universidade de
Paris, e ficou célebre ela crítica à noção de dinâmica de Aristóteles
rocurando substituí-la ela “dinâmica do im etus” que fornecia uma
definição do movimento dos cor os que serviu como fundamento ara as
noç ões de “ím eto" de Galileu Galilei e de “quantidade de moviment o” de
René Descartes , desenvolvidas no século XVII. Já Nicoles Oresme, discí u
lo de Buridan, teria desenvolvido, a artir de suas investigações, uma série
de reflexões sobre a “lei da queda dos co r os”, o “movimento diurno da
terra e o “uso das coordenadas". Seus argumentos acerca d o movimento da
Terra, ara Pierre Duhem (físico e e istemólogo francês, de formação
cristã-conservadora, do final do século assado e início do atual), a resen
taram maior clareza e recisão do que os argumentos do ró rio Nicolau
Co émico , no sécu lo XVI. Existiram ainda as investigações de Albert de
Saxe sobre a “teoria do eso" que serviram de base ara todos os estudos
relacio nados à estática até o sécu lo XVII.40
As idéias e os conceitos fundamentais dos escolásticos arisienses do
século XIV foram levados neste mesmo século ara Oxford, reforçando a
tradição ex erimentalísta do Merton College, e no século XV foram
difundidos em Pádua, que era uma das mais renomadas universidades
italianas e continuou a gozar deste
tatu
na é o ca em que Co émico era
seu aluno e até o momento que Galileu lá ensinou. Não se ode afirmar, é
claro, a existência de uma influência direta dos escolásticos ex erimenta-
listas de Paris sobre os estudos de Co émic o e Galileu, mas não resta a
menor dúvida de que as idéias e os conceitos destes “físicos”, do século
XIV, fundamentaram or muito tem o as discussões no meio acadêmico, e
foi deste debate que os fundadores da Ciência Moderna retiraram muito de
3> Cf. Le Goff.
Op. cit.,
. 144; e Kuhn.
Op. cit.,
. 115-22.
40 Cf. Le Goff. Op. cit., . 144-6; e Kuhn.Op. cit., . 117-22.
40
sua ins iração ara a elab oraç ão de teorias que iriam mudar a trajetória do
conhecimento ocidental.41
Por outro lado, a atua ção dos “físicos" de Paris foi fundamental ara
que o edifício da escolástica começa sse a ser corroído “ or dentro”, or
aqueles que se utilizavam de seu ró rio método. Na tentativa de se obter
uma rova ex erimental ara as teorias de Aristóteles, e desres eitando
destemidamente o "dogma” escolástico do argumento de autoridade, estes
“físicos" levaram as idéias do mestre da Antigüidade às suas últimas
conseqüências, estendendo a sua lógica e conseqüentemente descobrindo
falácias e inconsistências nos argumentos e nas rovas a resentados elo
“Filósofo”. Os ró rios ade tos do método escolástico começaram a
revelar suas contradições e neste rocesso forjaram conceitos e instrumen
tos im ortantíssimos ara a grande ru tura que se iniciaria a artir do
século XVI. Entretanto, os inovadores ex erimentais ainda estavam limita
dos or um dos fundamentos aradigmáticos da escolástica que era a
noção de uma Natureza não matemática, qualitativa e harmoniosa, que iria
sobreviver até a nova é oca Renascentista. O ró rio Bacon falava que a
Matemática era im o rtante ara a “Ciência”, mas a Natureza ara ele ainda
tinha uma hierarquia de valores e qualidades e a Matemática ex ressav a
essa Natureza qualitativa. E, o que era mais im ortante, o Home m racional
ainda fazia arte desta Natureza qualitativa e não tinha uma necessária
inde end ência ara erceb ê-la sob a lógica fria da quantidade e da mate
matização absoluta.42
retomada da stronomia e da Geografia
de Ptolomeu no século X V na Europa Cristã
A Astronomia e a Geografia de Claudius Ptolomeu de Alexandria enetra
ram na Euro a cristã, a artir do século XII, através das traduções de
manuscritos árabes ara o latim, realizadas na Es anha e na Itália. A obra
maior de Ptolomeu começou a circular em manuscritos latinos conservando,
orém, seu título de origem árabe,
Almage to.
Além deste trabalho, as idéias
de Ptolomeu foram divulgadas através das versões latinas de numerosos
tratados de Astronomia e Geografia, escritos or autores árabes. Entretanto,
41 Cf. Kuhn, Op. cit., . 118.
42 Cf,
Ibidem.
. 115; e Lenoble.
Op. cit.,
. 207-8.
41
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s concep ções de Ptolomeu cerc do universo e do próprio pl net er m
dmitid s pen s em pequenos círculos de sábios ou então utiliz d s de
form subsidiári em tr b lhos que procur v m sintetiz r idéi greg de
um universo esférico e finito com o mito bíblico de um Terr pl n , com o
jã demonstr mo s no segundo item deste c pítulo. Além disso, o sistem de
interpret ção ptolom ico er consider do pelos strônomos e geógr fos
cristãos como muito complexo e extrem mente m temático, o que contr di-
zi crenç mediev l n h rmoni simples de um universo qu lit tivo.
N re lid de, gr nde retom d de Ptolomeu pelos meios eruditos
europeus só se verificou p rtir de 1400, qu ndo um cópi d obr deste
sábio grecoegípcio, do século II, foi lev d de Const ntinopl p r Florenç
por P li Strozzi, um rico comerci nte tosc no. Nest cid de, o tr b lho de
tr dução do grego p r o l tim foi re liz do por M nuel Chrysolor s e um de
seus discípulos, J copo Angiolo, que o concluír m em 1410 e der mlhe o
título de
eografia.
Est tr dução f cilitou m is ind vid dos eruditos
europeus que, em su m ior p rte, não conheci m língu greg , lém de
el ser consider d de m ior confi bilid de, porque suspeit v se que s
versõe s l tin s provenientes do ár be tinh m sido muito dulter d s pelos
sábios islâmicos e t mbém pelos tr b lhos de tr dução. Tod vi , p rece que
nem mesmo est versão l tin “m is confiável" er tot lmente origin l. N
opinião dos especi list s, só o primeiro livro d
eografia,
de bord gem
m is teóric , teri sobrevivido n su form origin l. Os livros rest ntes
teri m sido modific dos ou reescritos, no século X ou XI, por um estudioso
biz ntino e, p rtir dest modific ção, um monge grego, Máximo Pl nudes,
teri desenh do os f mosos 2ó m p s por volt de 1300, continu ndose
porém tribuir o sábio de Alex ndri utori do texto e dos m p s. Logo
depois d invenção d imprens por Gutenberg (1457),
eografia
de
Ptolomeu seri impress pel primeir vez em Vicenz , em 1475, sem os
m p s, e receberí um segund edição impress em Bolonh , dest vez
com os m p s, em 1477, seguindose muit s outr s edições em divers s
p rtes d Europ .**3
Est retom d ou redescobert de Ptolomeu não se deveu exclusiv -
mente à curiosid de dos sábios e eruditos. Desde os fins do século XIV,
os comerci ntes europeus começ r m perceber necessid de de se
encontr r um outr p ss gem ou vi de cesso o comércio d s
3 Cf. Boorstin. p. cit., p. 1 8; Randles. p. cit., p, 27; e Arnold. p. cit., p. 13.
42
especi ri s orient is que não fosse vi tr dicion lmente conhecid . Est
vi er tr vés d intermedi ção comerci l re liz d pelos ár bes n s
su s divers s pr ç s do Oriente Médio, que já não m is presen t v m s
mesm s oportunid des de negócios em virtude d s dificuld des oc sio-
n d s pel fr gm ent ção do Império Mongol n Ási Centr l e pelo cerc o
crescen te dos turcos otom n os, que m is t rde redund ri n Tom d de
Const ntinopl (14 53 ). Come ç v se verific r, p rtir do início do
século XV, um mud nç n titude ment l dos homens europeus que
vi m necessid de de romper com s fronteir s e s represent ções de
mundo est belecid s pel Crist nd de, e
eografia
de Ptolomeu, com
o seu espírito empírico e m temático, forneci estes homen s os
instrumentos inici is p r est empres . Como ress ltou D niel Boorstin,
redescobert de Ptolomeu pel Europ cult prep rou os homens deste
continente p r exp lor ção do mundo e s possibilid des bert s pel
Geogr fi e pel C rtogr fi ptolom ic s brir m s su s mentes p r o
conhe cimen to e p r gr nde ventur m rítim dos séculos XV e XVI.
N re lid de retom d de Ptolomeu constituiuse no ponto de p rtid
d Ren scenç euro péi .44
No que, de f to, constituí se
eografia
de Ptolomeu, escrit em
me dos do século II? Em primeiro lug r é import nte fris r que o título
origin l dest obr , em treze livros, er
Megiste SintaxisMathematícae
não
eografia,
isso porque p r Ptolomeu o seu mplo c mp o de estudo, que
incluí Geogr fi propri ment e dit e Astronomi , não podi ser
explic do sem M temátic . Por outro l do, o termo “Geogr fi " utiliz do
por Ptolomeu tinh um sentido bem m is mplo e signific v um c mpo
de s ber não só rel cion do com os fenômen os d Terr , como t mbém
com os fenômenos do universo, m s p rtir de um referenci l terrestre,
té mesmo porque el er o centro do universo. Ao distinguir “Geogr -
fi ” d “Corogr fi " (um " rte” que não tinh necessid de lgum d
M temátic ), e reiter r o c ráter m temático d primeir , Ptolomeu fir-
mou noção mpl do seu c mpo de estudo:
“A geogr fi é um represen t ção em im gem do todo do mundo
conhecido junt mente com os fenômenos que nele se contêm, [...]. N
geogr fi temos de ter em cont extensã o de tod Terr , ssim como
su form e su posição deb ixo do céu, fim de poderm os enunci r
44 Cf. Boorstin. p. cit, p, 10348.
-
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orretamente quais são as pe uliaridades e as proporções da parte que
estamos a tratar, e sob que paralelo da esfera eleste está lo alizada [...] a
duração de seu s dias e das suas noites, as estrelas que estão fixas por ima
dela, as estrelas que se movem a ima do horizonte e as estrelas que nun a
sequer se erguem a ima do horizonte. [...]. O grande extraordinário feito
da matemáti a é mostrar todas estas oisas à inteligên ia humana [...].”4S
Segundo Boorstin, Ptolomeu utilizou todas as informaçõe s onhe idas,
em sua épo a, para não só onfirmar o aráter esféri o do universo e da
Terra, omo também para estabele er a sua
evolucioná ia g elha áe
latitude-longitude
que serviu de base para uma ampliação do onhe imento
e para uma melhor representação artográfi a da Terra. Com relação a
este “ entro do universo”, Ptolomeu ao invés de represe ntá-lo om a
imagem homéri a de um mundo onhe ido, er ado por um o eano
inabitável, representou-o em seus mapas om uma vastidão de terras
ainda des onhe idas — a "Terra In ógnita”— , o que signifi ava o aráter
não-definitivo da sua representação e a possibilidade de des obertas
posteriores.46O e úme no de Ptolomeu, de a ordo om W. G. L. Kandles,
estendia-se em largura a 180° a partir das ilhas Afortunadas (Canárias) e
em altura de 63° de latitude norte a l6° de latitude sul. Ptolomeu
representava os ontinentes omo um todo não fragmentado de terras,
ujo entro (de ará