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     UIZ CAR OS SOARES

    DO NOVO MUNDO

    AO UNIVERSO

    HE IOCÊNTRICO:

    OS DESCOBRIMENTOS

    EA REVO UÇÃO

    COPERNICANA

    EDITORA HUCITEC

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      Direitos autorais, 1995,

    de Luiz Carlos Soares

    desta edição, 1998,

    da Editora HUCITEC Ltda.,

    Rua Gil Eanes, 713

    04601-042 São Paulo, Brasil

    Tels.: (011) 240-9318, 542-0421, 543-0653 e 530-4532 Eax: 530-5938

    E-mail: [email protected]

    Foi feito o Depósito Legal,

    Editoração eletrônica

    Ourípedes Gallenò, Tera Dorea e Rafael Vitzeí Corrêa

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Sandra Regina Vitzel Domingues) 

    S 655 Soares, Luiz Carlos

    Do novo mundo ao universo helioccntrico: os descobrimentos e a

    revolução cope mica na / Luiz Carlos Soares. - São Paulo : Hucitec, 1999.

    278 p. ; 21 cm.

    ISBN 85-271-0442-3

    Bibliografia: p. 245-9

    Inclui mapas e diagramas

    1. História moderna 2. História moderna - Século XX 3. História -

    Descobrimentos marítimos L Título II, Série.

    CDD - 909-08

    909-82

    910.9

    índice para catálogo sistemático:

    1. História moderna 909-08

    2. História moderna ; Século XX 909.82

    3. Descobrimentos marítimos : História 910.9

      UMÁRIO

    11 Agradecimentos 

    15 Introdução

    19 apítulo I. AS  IDÉIA DE MUNDO NO ÉCULO XII-XV 

    19 A concepçã o de mundo cristão tradicional 

    25 As representações cristãs de mundo nos séculos XII-XV 

    29 O “renasc imento” do século XII: o Conceitualismo e o Naturalismo 

    34 A Escolãstica e a constituição da Filosofia da Natureza (séculos 

    XIII-XIV)

    4l A retomada da Astronomia e da Geografia de Ptolomeu no século 

    XV na Europa Cristã

    50 O Fantástico e o Maravilhoso: mitos e lendas nas repres entaçõ es 

    medievais de Mundo

    57

    apitulo II.

      O DE COBRIMENTO MARÍTIMO IBÉRICO ,

     

    RENA CIMENTO E A ABERTURA DO MUNDO 

    57 Descobrimentos e Renascimento

    63 O Humanismo neoplatônico e o significado de “descobrimento" 

    no discurso renascentista

     

    O Experimentalismo e a cultura dos descobrimentos: a idéia de 

    “experiência” no discurso renascentista 

    78 Os descobrimentos portugueses e o "périplo" africano

     

    mailto:[email protected]:[email protected]

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     3 Cristóvão Colombo e os descobrimentos espanhóis: “El Levante 

    por el Poniente”

    104 Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e o impacto do advento

     

    da América no conhecimento europeu

    118 A mudança na representação de mundo: o fim da Geografia e da

     

    Cartografia ptolomaicas

    131

    apítulo III.

     NICOLAU COPÉRNICO E A NOVA IDÉIA DE 

    UNIVERSO: O SISTEMA HEUOCÊNTRICO E A 

    REVOLUÇÃO COPERNICANA

    131 A trajetória intelectual de Nicolau Copérnico: o nascimento do

     

    sistema heliocêntrico

    146 Nicolau Copérnico e sua Idéia de Universo Heliocêntrico: do

     

    ommentartolus

     ao

    De Revolutionibus

    160 Os limites e as possibilidades da concepção heliocêntrica de

     

    Nicolau Copérnico

    168 O universo heliocêntrico de Nicolau Copérnico, as re ações religio-

    sas a ele e à Revolução Copernicana (Tycho Brahe, Thomas

     

    Digges, Giordano Bruno e Johannes Kepler)

    185 A Revolução Copernicana e a Filosofia CorpuscularMecanicista: 

    Galileu Galilei e René Descartes

    205 O epílogo da Revolução Copernicana: Henry More e Isaac Newton.

     

    A consagração do universo infinito e a afirmação do Mecanicismo

    217 CONCLUSÃO

    223 Mapas e Diagramas

    245 Bibliografia

    251 índice dos Nomes Próprios, das Instituições e das Obras

     

    Para o meu velho mestre de Geogra-

    fia do Colégio Estadual Souza Aguiar

     

    (RJ), Professor Orlando Valverde,

     

    que, no já longínquo ano de 1 64,

     

    um pouco antes de sua aposentado-

    ria precoce, ensinava aos seus alu-

    nos ginasianos as teses astronômicas 

    de Copér nico, Kepler, Galileu e 

    Newton.

    Para

    Marília e Marcelo.

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      R DECIMENTOS

      lgumas pessoas contribuíram de maneira decisiva para a realização

     

    do projeto de estudos Sobre “Os Grandes Descobrimentos Marítimos e a  

    Revolução Científica nos Séculos XVI e XVII”, que foi desenvolvido no

     

    período 1991-1993, no Departamento de História da Universidade Federal

     

    Fluminense, com auxilio da Bolsa de Pesquisa concedida pelo Conselho  

    Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sem este  

    apoio institucional e financeiro seria realmente muito difícil a realização

     

    desta pesquisa e por isso gostaria de agradecer, inicialmente, ao s respon

    sáveis pela Coord enação d e Ciências Humanas do CNPq pelo auxílio que 

    venho recebendo desde 1989, quando desenvolvia, ainda, um outro  

    projeto de estudos.

    No Departamento de História da UFF, gostaria de agradecer a sua

     

    Chefia, exercida pelas Professoras Gisiene Nader e Helena Isabel Müller,

     

    e também às coordenadoras dos Cursos de Pós-Graduação e Graduação  

    em História, respectivamente, as Professoras Vânia Leite Fróes e Maria

     

    Paula Graner, pelo apoio e incentivo à realização do trabalho ora

     

    apresentado, que é parte do projeto de estudos acima mencionado.  

    Incentivos também não faltaram da parte de outros colegas e amigos

     

    deste Departamento, os Professores Lana Lage da Gama Lima, Luís Felipe

     

    da Silva Neves, Sônia Regina de Mendonça, Paulo Knaus de Mendonça,  

    César Teixeira Honorato, Humberto Fernandes Machado, Geraldo de 

    Beaucl air Mendes de Oliveira e lmir Chaiban El-Kareh.

    Durante os três anos de desenvolvimento deste projeto, foi fundamen-

     

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      al o apoio de dois amigos e colegas de rabalho, que comigo compar i-

    lharam algumas par icipações em seminários e mesasredondas em con-

    gressos realizados. Aos Professores Carlos Alvarez Maia (do Observa ório

     

    Nacional/CNPq) e An ônio Edmilson Mar ins Rodrigues (da UFFUERJ

     

    PUC/RJ), agradeço especialmen e pela generosa roca de idéias que

     

    realizamos nes e período e ambém pelas preciosas suges ões bibliográfi-

    cas, sem as quais não eria desenvolvido mui os dos asp ec os aqui

     

    abordados.

    A ou ros dois amigos e colegas de rabalho, os Professores Francisco

     

    Carlos Teixeira da Silva (UFFUFRJ) e Afonso Carlos Marques dos San os

     

    (UFRJUERJ), ambém agr adeço, especialmen e, pelas suges ões biblio-

    gráficas e emprés imos de livros impor an íssimos para a elaboração des e

     

    rabalho.

    Aos colegas, amigos e companheiros de lu a da Associação Nacional

     

    dos Professores Universi ários de His ória (ANPUH, Núcleo RJ e Nacio-

    nal), da Associação dos Docen es da Universidade Federal Fluminense

     

    (ADUFF/S.Sind.) e do Sindica o Nacional dos Docen es das Ins i uições

     

    de Ensino Superior (ANDES/SN), gos aria de a gradece r pelo a poio e

     

    sobre udo pela compreensão em relação a algumas ausências em a ivida-

    des a que fui forçado, na e apa final de redação do rabalho apresen ado,

     

    de julho a novembro de 1993.

    Agora, rês agradecimen os especialíssimos. Ao grande amigo e Pro-

    fessor Francisco José da Silva Gomes pela lei ura a en a e pelas preciosas

     

    suges ões que foram incorporadas a es e rabalho, além do ines imável

     

    auxílio na organização da bibliografia. À Marília Sales de Siqueira pelos

     

    livros presen eados, pelo minucioso rabalho de revisão do ex o e

     

    organização dos mapas e diagramas e, ainda, pelo carinho da presença e

     

    incen ivo sempre cons an es. Ao p equeno Marcelo Sales de Siqueira

     

    Soares pela rela iva compre ensão e m relação à minha ausência nas

     

    brincadeiras e nos passeios de finais de semana e momen os de lazer,

     

    quando da redação des e rabalho.

    Não poderia deixar de agradecer ambém à banca examinadora do

     

    concurso público para professor i ular da Área de His ória Moderna e

     

    Con emporânea, do Depar amen o de His ória da Universidade Federal

     

    Fluminense, cons i uída pelas Professoras Eulãlia Maria Lahmeyer Lobo,

     

    Maria Yedda Lei e Linhares, Maria Luiza Marcílio, Ana Maria Burmeis er e

     

    Sandra Ja ahy Pesaven o. Es as professoras, ao argüirem es e rabalho

     

    2

    (apresen ado originalmen e no mencionado concurso público), fizeram

     

    me valiosas suges ões, que, na medida do possível, procurei incorporar

     

    na versão para publicação.

    Finalmen e, gos aria de agradecer à Sra. Maria Marlene de Souza, chefe

     

    da Mapo eca do Minis ério das Relações Ex eriores (Palácio I amara y,

     

    Rio), que gen ilmen e au orizoume a reproduzir mapas do acervo daque-

    la ins i uição, e ao Sr. Paulo Duque Es rada Felipe, compe en e fo ógrafo

     

    do Ins i u o de Ar es e Comunicação Social da UFF, que foi o responsável

     

    pela reprodução fo ográfica dos mapas e diagramas aqui apresen ados.

    Luiz arlos  Soares

     

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      TRODUÇÃO

      té o presente momento, nos campos da História da Ciência, da

     

    Sociologia do Conhecimento, e da Epistemología, muito se escreveu

     

    acerca da emergência da

    rande revolução astronômica

      iniciada por

     

    Nicolau Copérnico, com a publicação do

    De Revolutiontbus Orbium 

    Coelestíumem

     1543, e concluída por Isaac Newton, com a publicação dos

     

    Philosophiae Naturalis Principia Mathematica

      em 1Ó87, que os estudio-

    sos de hoje têm designado como

    Revolução Copemicana.

      Diversas 

    “causas” têm sido arroladas para explicar a emergência deste fenômeno

     

    que contribuiu para uma mudança radical na trajetória do conhecimento 

    na sociedade ocidental. grande maioria dos estudos, muito corretamen-

    te, associa a eclosão da Revolução Copemicana ao contexto das grandes

     

    transformações trazidas pelo Renascimento e pela imensa

    Revolução 

    Filosófica Humanista Racionalista,

      que transformou o “Homem” em

     

    sujeito da sua existência e do conhecimento de uma Natureza exterior e

     

    objetiva, subordinada a uma ordem de fenômenos e leis bastante diferen-

    tes da ordem humana. Esta revolução astronômica, à medida que se 

    afirmou cultural e intelectualmente, rompeu as barreiras do preconceito

     

    político e religioso e propiciou aos homens elementos para uma nova

     

    visão de mundo e para a organização de uma nova prática científica.

    Entretanto, na nossa opinião, os estudiosos não têm dado o merecido

     

    peso às grandes descobertas marítimas protagonizadas pelos portugueses

     

    e espanhóis nos séculos XV e XVI como um dos fatores de fundamental

     

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     mportânc a para a eclosão da revolução astronôm ca, a part r das

     

    transformações menta s e cultura s que os Descobr mentos proporc ona-

    ram às soc edades europé as. Na ma or a dos estudos, os Descobr mentos

     

    são menc onados superf c al e per fer camente pela contr bu ção que a

     

    técn ca e a arte náut cas trouxeram e m termos nstrumenta s para o

     

    desenvolv mento c entíf co geral das potênc as europé as. D ferentemen-

    te desta v são e em conform dade com autores da moderna h stor ograf a

     

    portuguesa 0osé Sebast ão da S lva D as, V tor no Magalhães God nho,

     

    Luís de Albuquerque e Luís Fel pe Barreto), a chamos que o mpacto das

     

    grandes descobertas marít mas no camp o ntelectual e cultural europeu

     

    do século XVI, e do segu nte, tem de ser red mens ona do e, ao lado das

     

    mportantes contr bu ções técn cas que os navegantes trouxeram para os

     

    homens da época, temos de resgatar a transformação nas concepções de

     

    mundo e natureza terrestres proporc onada pelos Descobr mentos.

    Os grandes empreend mentos marít mos portugue ses e espanhó s

     

    foram desenvolv dos por homens prát cos, nteressados, em sua ma or a,

     

    na descoberta de rotas que os levassem aos centros or enta s produtores

     

    das espec ar as e abundantes em meta s prec osos e, concom tantemente,

     

    na propa gação da fé cr stã e no domín o dos países bér cos sobre as

     

    áreas descobertas. Entretanto, como conseqüênc a d reta destes empreen-

    d mentos marít mos, os navegantes bér cos puseram a Europa em conta-

    to com terras totalmente desconhec das e países e cont nentes conhec -

    dos apenas através de lendas e relatos “marav lhosos". Ver f caramse

     

    efet vamente a abertura dos ocean os Atlânt co, P acíf co e Índ co à

     

    navegação europé a, a poss b l dade de se v ajar ao Or ente contornando

     

    o cont nente afr cano ou então o terr tór o que poster ormente fo chama-

    do de Amér ca do Sul (na d reção Atlânt co—Pacíf co). Constatouse

     

    também que o cont nente amer cano (chamado então de "índ as Oc den-

    ta s”) era

    m continente novo no conhecimento e rope

    m “Novo

     

    M ndo

    " como denom naram os contemporâneos — , separado da Ás a

     

    ou índ as Or enta s produtoras das espec ar as.

    Sem dúv da nenhuma, a “descoberta ” da Amér ca como um novo

     

    cont nente de xou os europeus cultos, do níc o do século XVI, em estado

     

    de total perplex dade. Todas as outras descobertas t veram, ev dentemen-

    te, um grande mpacto sobre estes homens letrados, mas não se compara-

    ram de modo algum com a mportânc a que a chegada ao “Novo Mundo"

     

    representou para o pensamento e para a cultura do “Velho Cont nente”.

     

    6

    Ela fo um a contec mento mu to ma s surpreendente, po s os con hec -

    mentos geográf cos da época não apontavam para a ex stênc a de um

     

    cont nente autônomo a oeste da Europa, como que d v d ndo de norte a

     

    sul o mundo e os oceanos Atlânt co e Pacíf co. A descoberta da Amér ca,

     

    mu to ma s que as outras descobertas, obr gou os cartógrafos e os

     

    geógrafos a desenhare m um novo mapamúnd e a revoluc onarem a

     

    representação dos cont nentes e dos oceanos.

    Ass m, os navegantes europeus, com as suas caravelas, chegaram às

     

    partes ma s longínquas do mundo, descobr ndo n ovas terras, novos

     

    oceanos, novos céus, novas estrelas e comprovando a esfer c dade e o

     

    mov mento da Terra. Descort nouse, em todos os sent dos, uma concep-

    ção revoluc onár a de representação do mundo — um “Novo Mundo”—

     

    e o conhec mento da su a ex stênc a — a consc ênc a da amp l ação

     

    geográf ca da Terra, através dos relatos dos navegantes e dos reg stros da

     

    cartograf a — fo a senha para que os hom ens letrados e erud tos

     

    começassem a especular sobre o un verso, a lóg ca do s stema planetár o

     

    e a pos ção da Terra neste s stema, o que aconteceu a part r da d vulgação

     

    das teses de N colau Copém co. A part r das propos ções do astrônomo

     

    polonês, n c ouse o processo de ruptura com a crença de Ar stóteles e

     

    Ptolomeu na ex stênc a de um un verso geocêntr co e com as lendas e

     

    m tos cosmológ cos med eva s. Chegouse à conclusão de que ex st a um

     

    s stema planetár o hel ocêntr co, os corpos celestes desenvolv am órb tas

     

    elípt cas no espaço em torno do Sol e, na perspect va de alguns ma s

     

    rad ca s, o un verso era nf n to. Este pro cesso de rev são das teor as

     

    astronôm cas e a em ergênc a de uma nova perspect va de un verso

     

    hel ocêntr co const tuíram a Revolução Copern cana.

    Neste trabalho, procuraremos mostrar justamente a relação da cons-

    c ênc a da ampl ação geográf ca da Terra, ou abertura do mundo, propor-

    c onada pelos Descobr mentos, com a nvenção de uma nova conc ep-

    ção astronôm ca hel ocêntr ca que, na sua fase derrade ra, proclamou a

     

    nf n tude do un verso. Apresentaremos um pr me ro capítulo focal zando

     

    as dé as de mundo dos séculos XII ao XV, com as d versas representa-

    ções cr stãs, as novas concepções teór cof losóf cas surg das no século

     

    XII (Conce tual smo e Natural smo), a Escolást ca e as suas d versas

     

    correntes nos séculos XIII e XIV (Tom smo, Averroísmo e Exper mental s-

    mo), a ampla retomada da Geograf a e da Astronom a ptoloma cas a part r

     

    do níc o do século XV e as representações fantást cas e “marav lhosas”. O

     

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      egundo capítulo focalizará a problemática do De cobrimento e a

     

    abertura do mundo, procurando entendê-lo num contexto maior do

     

    Rena cimento (e da manife taçõe da cultura rena centi ta) e apre en

    tando também o proce o da expan ão marítima portugue a e e panhola,

     

    o impacto do advento da América no conhecimento europeu e a mudan

    ça na repre entação de mundo. Finalmente, o terceiro capítulo focalizará  

    a própria Revolução Copernicana, com a trajetória intelectual de Nicolau  

    Copérnico, a ua concepçã o de univer o heliocêntrico ( eu limite e 

    po ibilidade ), a reaçõe con ervadora ao heliocentri mo copem icano  

    e o de enrolar do proce o revolucionário com Tycho Brahe, Thoma

    Digge , Giordano Bruno, Joha nne Kepler, Galileu Galilei, René De car

    te , Henry More e I aac Newton.

    E peramo , com e te trabalho de caráter fundamentalmente interpre-  

    tativo e en aí tico, trazer alguma contribuiçõe para um debate de idéia

    que articula campo di tinto do aber, a que o hi toriadore têm dado 

    muito pouca atenção. E peramo também que o provávei equívoco

    ejam apontado por aquele que no honrarem com ua intere ada 

    leitura.

    18

      S IDÉI S DE MUNDO

    NOS SÉCULOS XII-XV

      concepção de mundo cristão tradicional

    No éculo IV e V da no a era, a religião cri tã, não mai per eguida 

    pelo imperad ore romano e já triunfante, procurav a con agrar a ua

     

    vi ão de mundo e e tabelecer a ba e definitiva para a conver ão do

    não-cri tão . Para e ta empre a, a Igreja Cri tã reinterpretou não omente

     

    o mito e tradiçõe antiga do pagani mo greco-romano, como também

     

    retom ou a tradição filo ófica e enciali ta de Platão, muito difundida no

     

    final da Antigüidade pelo chama do filó ofo ne oplatônico , que preco ni

    zava a uperioridade do “mundo da e ência ” obre o “mundo da

    aparência ”, do “mundo da idéia ” obre o “mundo real”. A realidade era

     

    vi ta, pela tradição platônica, como uma manife tação mutável e aparente

     

    de fenômeno e não revelava por i ó o eu verdadeiro “ er”, que exi tia

     

    para além dela e era definido por e ência eterna .

    Fundamentado então ne ta ontologia e enciali ta platônica, o pen a

    dore cri tão iniciaram todo um proce o de de qualificaçâo da Natureza,

     

    do mundo real, do corpo e da vida humana terrena e afirmaram a vida

     

    eterna da alma que exi tiría para além da vida terrena, no Céu, na morada

     

    de Deu . E ta concepçã o vai er con agrada, no éculo V, com Santo

     

    Ago tinho de Hipona, na célebre e Civitate ei (A Cidade de eus).  O

    teólogo cri tão recorreram também à conce pçõe de univer o, difundi

    da no mundo greco-romano, para ituar a morada do Homem na parte

     

    inferior do Co mo , ou “mundo ublunar” que e caracterizava pela

    19

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    9/128

      eração e pela corrupção, e a morada de Deus e das almas na parte

     

    superior do Cosmos, ou o “mundo supralunar” que escapav a assim da

     

    eração e da corrupção próprias daquele primeiro

     1*

    Por outro lado, embora fosse caracterizada pela corrupção, a morada

     

    do Homem, a Terra, como já estabelecia a concepção dominante no

     

    mundo reco-roman o, era vista com o o centro do universo e os teólo os

     

    cristãos da tradição patrística realizaram um rande debate entre si e com

     

    autores pa ãos para definir a sua forma. No século IV, Lactâncio, que foi

     

    tutor do filho do Imperador Constantino, dedicou o terceiro livro do seu

     

    ivinae Institutiones (Instituições ivinas)

      à tentativa de ridicularizar o

     

    conceito de uma Terra esférica, acusando os defensores desta tese de

     

    “extrava antes” e de manterem obstinadamente seus “erros", num claro

     

    ataque à tradição aristotélica e à conc epçã o dominante no mundo re o-

     

    romano de uma Terra e de um universo esféricos. Lactâncio ne ava

     

    também que o céu pudesse irar continuamente de ocidente para oriente,

     

    conduzindo o Sol e os astros. Para ele, a Terra era plana e seria um absurdo

     

    pensar na existência de uma re ião em que o Homem estaria de cabeça

     

    para baixo e onde os céus estariam abaixo da Terra

     3

    Em meados da século VI, a defesa da idéia da Terra plana foi reforçada

     

    com a obra de Cosmas de Alexandria, que escreveu a sua

    Topographia 

    Cbrístiana,

      de doze volumes, apresentando os mapas cristãos mais anti

      os. Não se conhe ce o nome correto de Cosmas, que recebeu este apelido

     

    devido a sua extensa obra eo ráfica. Cosmas, antes de se tornar mon e e

     

    de se retirar para um mo steiro no Sinai, tinha sido comerciante e viajou em

     

    tomo do mar Vermelho e do oceano Índico, vindo daí um outro apelido

     

    recebido: “Indicopleutes” ou “Viajante do Índico". Cosmas afirmava que a

     

    Terra, “o lu ar onde o Senhor descansava os seus pés”, era um plano

     

    retan ular que media de comprimento o dobr o da sua lar ura e repousava

     

    no fundo plano do universo. A Terra, no plano de Cosmas, tinha o formato

     

    de uma enorme caixa retan ular semelhante a uma arca, com uma tampa

     

    arqueada que representava a abóboda celeste. No norte, encontrava-se

    1 Cf Robeit Lenoble História da idéia de natureza.  Lisboa: Edições 70, 1990, p

    212

     

    8

     

    3 Cf Thomas S Kuhn The Copemican Revolution, Planetary Astronomy in the 

    evelopment o f Western Thougbt.  Cambridge (MA): Harvard University Press,

    1985, p 108; e W G L Randles a Terra plana ao globo terrestre.  Lisboa:

    Gradiva Publicações, 1990, p ló-7

    uma rande montanha, em torno da qual movia-se o Sol e as obstruções

     

    desta montanha à luz solar explicavam as durações variáveis dos dias e das

     

    estações. As terras deste mundo caracterizavam-se por sua simetria e sua

     

    população ( “os descendentes de Adão”) distribuía-se no “ecúm eno” da

     

    se uinte maneira: no ocidente, estavam os celtas; no oriente, os indianos;

     

    no norte, os citas; e no sul, os etíopes. No oriente, localizava-se ainda o

     

    Paraíso Terrestre, de onde fluíam os quatro randes rios que banhavam o

     

    mundo: o Indo ou Gan es através da índia, o Nilo através da Etiópia e o

     

    Ti re e o Eufrates através da Mesopotâmia

    ,3

    Todavia, as cosmolo ias de homens como Lactâncio e Cosmas não

     

    conse uiram se tornar doutrina oficial da I reja Cristã e não suplantaram

     

    totalmente a concep ção reco-romana de um universo de esferas. Pode-se

     

    dizer que não existia uma unidade crista sobre os assuntos relativos à

     

    Cosmolo ia e até mesmo Isidoro de Sevilha, que se encontrava entre os

     

    teólo os fundadores da Ortodoxia Cristã da Alta Idade Média, admitia na

     

    sua obra

    Etymologiae (Etimologias

    , escrita na primeira metade do século

     

    VII) a existência de uma Terra esférica e, por causa desta esfericidade, ele

     

    a denominava

    orbts terrarum.

     Para o santo e arcebispo de Sevilha, as duas

     

    partes deste

    orbls

      formado pela Europa e pela África, separadas pelo mar

     

    Mediterrâneo, ocupavam metade do mundo e a outra metade era ocupada

     

    somente pela Ásia

     4

    Isidoro de Sevilha retomou também a idéia do Paraíso Terrestre já

     

    adiantada por Cosmas de Alexandria e pela tradição patrística. Para

     

    Isidoro, na

    Etymologiae

    ; o Paraíso era o primeiro lu ar no oriente e podia

     

    ser chama do de “Jardim das Delícias”, pois estava plantado com todas as

     

    espécies de árvores frutíferas e tinha também a árvore da vida. A tempera

    tura era continuamente primaveril, não havendo nem frio nem calor neste

     

    Jardim das Delícias. No meio dele, jorrava uma fonte que re ava não só o

     

    pomar, como também, ao se dividir, formava 'as nascentes dos quatro

     

    randes rios que irri avam o mundo. Entretanto, o Homem não tinha

     

    acesso ao Paraíso Terrestre, pois este lhe foi vedado depois que ele

     

    cometeu o pecado ori inal, estando toda esta área cercada por uma

    3 Cf Kuhn Op. cit.,  p 108; e Daniel J Boorstin Os descobridores. e como o 

    homem procurou conhecer a si mesmo e ao mundo.  Rio de Janeiro : Editora

    Civilização Brasileira, 1989, p 110

    4 Cf Kuhn

    Op. cit.,

      p 108; e Boorstin,

    Op. cit.,

      p 111

    21

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      204, retomaram a crença na existência de seres antípodas no hemisfério

     

    austral e também afirmaram, contradizendo aí os autores pagãos, que a

     

    zona tórrida não era intransponível. Porém, como Alberto Magno e Roger 

    Bacon não apresentavam provas novas, baseando-se apenas em autores  

    antigos (incluindo Macróbio e Capela), suas opiniões não tiveram impac

    to algum sobre o mundo letrado europeu. O mistério dos seres antípodas

     

    só seria desvendado a partir do século XV, com o início das grandes

     

    navegações oceânicas. 0

    Assim, a Terra não era esférica, os antípodas não existiam e as “colunas  

    de Hércules” (o estreito de Gibraltar) continuavam a ser consideradas, nas 

    palavras de Guillermo Giucci, como "o limite do mundo conhecido e um

     

    símbolo da proibição divina diante da insensata curiosidade humana".

    Acreditava-se ainda, por influência da interpretação das Escrituras no

     

    apócrifo

    ivro de Esdras,

     que seis sétimos do planeta eram secos e cobertos

     

    de terra e apenas um sétimo era coberto de água e correspondia aos mares.  

    Conseqüentemente, os geógrafos e cartógrafos cristãos não deixariam de  

    registrar todas estas idéias em seus consagrados mapas “T-O”, onde

     

    estabeleciam uma tripartição do mundo (Europa, África e Ásia), represen

    tando esquematicamente o ecúmeno, e tinham Jerusalém como o centro

     

    do mundo. 2

    Nestes mapas “T-O”, todo o mundo conhecido era representado no 

    interior de um círculo ou roda, que, obviamente, correspondia ao “O" da  

    designação destes mapas. A vertical do “T” representava o m ar Mediterrâ

    neo, separando a Europa da África. As duas outras metades da transversal

     

    representavam respectivamente os rios Tanais (Don) e Nilo, que, por sua

     

    vez, separavam a Ásia, que estava no topo do mapa, da Europa e África.

     

    Jerusalém, o centro do mundo, localizava-se justamente no ponto de

     

    junção entre a vertical e a transversal do “T”. Estes mapas podiam ser

     

    representações simples e esquemãticas, como nos mostra a Figura l**, ou

     

    então ilustradas didaticamente com regiões, rios, montanhas e os p rodígios

     

    operados por Deus, indicando episódios e locais mencionados na Bíblia,  

    com o intuito exclusivo de reforçar a exegese cristã oficial e sem nenhum  

    sentido prático de orientação para viajantes e navegantes. O Paraíso

     0 Cf. Giucci.

    Op. cit.,

     

    p. 54; e Randles.

    Cp. cit.,

     

    p. 9.

      Cf. Giucci,

    Op. cit., 

    p. 23. 2 Cf. Boorstin.

    Op. cit., 

    p. 44-5.

     

    As figuras estão agrupadas na Iconografia, p. 223 (NE).

    24

    Terrestre ou Jardim do Éden era representado no oriente, na parte superior

     

    do mapa, com as indefectíveis figuras de Adão, Eva e a Serpente,

     

    circundado por um alto muro ou por uma grande montanha. Um típico

     

    exemplo destes mapas ilustrados é a Figura 2, que nos mostra o famoso

     

    mapa do Beato de Saint-Sever de cerca de 776 e conhecido por sua

     

    reprodução de 050. 3

      s representações cristãs de mundo nos séculos X II -X V

    A partir do século XII, as idéias de mundo e suas representações se  

    modificariam no qu adro das grandes transformações sociais e culturais que  

    sacudiram a Europa neste período. As modificações na ordem feudal e a

     

    tentativa de afirmação de valores aristocráticos e leigos frente a uma visão

     

    de mundo eclesiástica, a retomada das relações comerciais com o oriente,

     

    o reviver da vida urbana e a reintrodução de uma economia monetária

     

    mais ampla, possibilitaram aos homens o conhecimento de uma nova

     

    realidade e uma atitude intelectual diferente daquela postura contemplati

    va e negadora da vida terrena e material preconizada pela Ortodoxia

     

    Cristã. O mundo modificou-se, principalmente para aqueles homens que

     

    procuravam uma nova cultura nos grandes centros urbanos e não mais nos

     

    grandes mosteiros e nas antigas ordens religiosas. A atitude crítica às

     

    concepções cristãs tradicionais por parte destes novos letrados ou "intelec

    tuais”, como os chamou Jacques Le Goff, estava na base de todo o  

    movimento cultural por eles protagonizado e denominado pelos medieva-

     

    listas atuais como o “Renascimento” do século XII, que voltaremos a

     

    abordar no item seguinte, 4

    Esta atitude crítica em relação à interpretação tradicional dos dogmas 

    cristãos possibilitou uma grande modificação nas idéias e representações 

    de mundo, o que significou a retomada de uma série de teorias de autores

     

    antigos, anteriormente condenadas como heresias pela Igreja, e a sua

     3 Cf

    Ibidetn.

      p. 08- ; Giucci,

    Op. cit.,

      p. 80; Randles.

    Op. cit.,

      p. 9-20; Vitorino 

    Magalhães Godinho.

    es dêcouvertes. XVe-XVle: une révolutton des mentalités.

     

    Paris: Éditions Autrement, 990, p. 5-9; e David Amold.

    A época dos des

    cobrimentos.

     

    Lisboa: Gradiva Publicações, s.d., p. 5,

     4 Cf Jacques Le Goff. Os

    intelectuais na Idade Média.

     

    Lisboa: Estúdios Cor, 973,

     

    p. 3-5; e Georges Duby.

    Idade Média, ida de dos homens. Do amo r e outros 

    ensaios.

      São Paulo: Companhia das Letras, 989, p. 44-5.

    25

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      eitura com base numa perspectiva crista renovada e mais secu arizada.

     

    Embora a Igreja estivesse mais to erante em re ação às idéias que se

     

    diferenciavam da sua concepção oficia , até mesmo porque no sécu o XII

     

    e a jã estava conso idada e não disputava mais espaços com as doutrinas

     

    pagas praticamente extintas, os novos geógrafos e cartógrafos manifes-

    taramse com bastante prudência, procurando conci iar nas suas represen-

    tações de mundo o mito bíb ico da Terra p ana com a idéia grega da Terra

     

    redonda, obviamente, na opinião de W. G. L. Rand es, “escamoteando as

     

    contradições” entre duas concepçõe s diferentes e antagônicas. Assim, nas

     

    representações dos geógrafos e cartógrafos da Baixa Idade Média, a Terra

     

    era considerada “p ana ao níve do ecúme no habitáve ” e “esférica unica-

    mente ao níve da astronomia”.35

    Uma primeira corrente de conci iação é denominada por Rand es de

     

    “Síntese Bíb icoCratesiana”, em virtude da retomada cristã das idéias de

     

    Crates de Maio, que viveu no sécu o II a.C. Crates baseouse nas idéias dos

     

    antigos gregos, acerca da esfericidade da Terra, para construir a sua

     

    representação do p aneta que, no entanto, não cheg ou ao sécu o XII

     

    através de seus traba hos originais, mas sim através da eitura que os já

     

    mencionados Macróbio e Cape a fizeram da obra daque e autor. Por outro

     

    ado, a reabi itação e a divu gação das idéias de Macróbio e Cape a, e da

     

    perspectiva cratesiana por e es seguida, foi rea izada neste sécu o por

     

    Gui herme de Conches na sua obra

    e Philosophia Mund i,

     evidentemente

     

    a partir de uma persp ectiva cris tã.16

    Esta “Síntese Bíb icoCratesiana”, de representação de mundo, estabe e-

    cia que a Terra era uma esfera coberta em sua maior parte de água,

     

    existindo quatro pequenas “i has” diametra mente opostas, como nos

     

    mostra a Figura 3. Entretanto, a eitura cristã retirou deste mode o de

     

    interpretação aqui o que era mais p o êmico nas idéias de Macróbio e

     

    Cape a, que era a idéia de que estas quatro i has seriam habitadas, estando

     

    os seus habitantes impossibi itados de qua quer com unic ação devido à

     

    grande extensão do oceano. A perspectiva cristã circunscreveu, assim, a

     

    espécie humana numa destas i has — o ecúmeno — e negou simp esmen-

    te a habitabi idade das outras i has a egando o dogma da unicidade da

     

    humanidade descendente de Adão e Eva e por Cristo resgatada, que era

     5 Cf. Randles. p. ctí.,  p. .

     6 Cf.Ibidem, p. 2.

    26

    um dos principais fundamentos da doutrina cristã. “O pequeno ecúmeno

     

    cristão ”, de ac ord o com Rand es, “perdido na superfície de uma esfera

     

    imensa, podia assim pa rece r p ano”.17

    Uma segunda corrente de conci iação do mito cristão da Terra p ana

     

    com a perspectiva grega da esfer icidade do p aneta foi constituída por

     

    aqui o que Rand es denominou de “Síntese Bíb icoAristoté ica”. O maior

     

    nome desta corrente foi o ing ês John o f Ho ywood, também conhecido

     

    na Europa atina como Johannis (João) de Sacrobosco, que foi professor

     

    em Paris e escreveu , no início do sécu o XIII, o famoso

    Tractatus de 

    Spbaera

     ou

    Spbaera Mundi.

      Esta obra de Ho ywood ou Sacrobosco foi o

     

    primeiro tratado de Física e Astronomia rea mente conhecido na Europa

     

    ocidenta , mas não passava, de acordo com Thomas Kuhn, de uma cópia

     

    des avada do tratado e ementar de Física de A fragano, muito conhecido

     

    no mundo árabe e bastante inf uenciado pe as concepções de Aristóte es

     

    e Pto omeu, que na tradução atina de Gerardo de Cremona recebeu o títu-

      o de

    Rudimenta Astronômica.

      O

    Tratado áa Esfera

      foi uti izado como

     

    manua de Física nas principais universidades européias (Paris, Bo onha,

     

    Viena, Oxford, Erfurt, Bourges, Praga, etc.), a partir do sécu o XIII, e até o

     

    fina do sécu o XV conhec eu vinte edições.38

    Seguindo sua inspiração aristotéíica da teoria dos mundos sub unar e

     

    supra unar, extraída do mencionado manua árabe, Ho ywood concebia o

     

    Cosmos dividido em duas regiões: a “região do éter”, correspondente ao

     

    imutáve mundo supra unar, e a “região dos e ementos”, correspo ndent e

     

    ao mundo sub unar e “sujeita a uma a teraçã o con tínua”, formada po r

     

    quatro esferas concêntricas de terra, água, ar e fogo e ordenada de acordo

     

    com as gravidades destes e ementos, co mo nos mostra a Figura 4. Na

     

    concepção de Ho ywood, a terra não podia deixar de ser o centro do

     

    mundo, estando situada no meio dos demais e ementos. Em vo ta da terra,

     

    estava a água, em vo ta desta estava o ar e em vo ta deste encontravase o

     

    fogo “puro e isento de perturbação", que atingiría o orbe da Lua.iy

    Havia ainda uma tese muito divu gada na Baixa Idade Média, denominada

     7 Cf.

    Ibidem.

      p. 2-3.

     8 Cf.

    Ibidem.

      p. 3; Kuhn.

    p. cit.,

      p. 25; e Luís Felipe Barreto,

    Caminhos do

     

    saber no renascimento português. Estudos de história e teoria da cultura.  Lisboa:

    Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 986, p. 37-8.

      9 Cf. Randles.

    p. cit.,

      p. 3-4.

    27

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      or Randles de “Teoria das Cinco Zonas” e que era na realidade a reedição

     

    da tese defendida originalmente or Parmênides e or Macróbio e Ca ela

     

    no século V. A “Teoria das Cinco Zonas" encontra va ad e tos tanto entre os

     

    defenso res da “Síntese Bíbl ico-Crates ia na com o entre os defensores da

     

    “Síntese Bíblíco-Aristotélica”, fundindo-se com freqüência a estas corren

    tes. Entretanto, o maior divulgador desta teoria foi Hollywood no seu 

    ratado da Esfera,

     que, devido ao seu sucesso, tornou-se muito conhecido

     

    entre os estudiosos euro eus. Esta reedição da “Teoria das Zonas", como

     

    nos mostra a Figura 5, dividia a esfera terrestre horizontalmente em cinco

     

    “ raias” ou zonas: nos ólos, estavam duas “ raias” geladas inabitadas; no

     

    equador, encontrava-se a zona tórrida também inabitada e intrans onível,

     

    se arando as duas zonas tem e radas que eram as únicas que odiam ser

     

    habitadas. Contudo, Hollywood não abordou claramente o roblema da 

    habitabilidade da zona tem erada antí oda, o que foi decidido or seus 

    comentadores Miguel Scoto (cerca de 1230) e Roberto, o Inglês (em 1271),  

    que, res eitando os antigos dogmas teológicos, negaram erem toriamen-

     

    te a existência de seres antí odas no hemisfério austral.20

    A “Teoria das Cinco Z onas" ainda influenciaria os ade tos da “Síntese

     

    Bíblico-Cratesiana” a o erarem uma sim lificação na sua re resentação do

     

    laneta, reduzindo de quatro ara duas as ilhas ou as artes não cobertas 

    or água. Estas ilhas eram o ecúmeno, na zona tem erada boreal, e o 

    continente Antí oda, na zona tem erada austral, mas, acatando também os 

    dogmas teológicos cristãos, negavam qualquer ossibilidade de este conti

    nente ser habitado.21

    Vimos, assim, sobretudo com o auxílio de W. G. L. Randles, como nos

     

    séculos XII ao XV os geógrafos e cartógrafos euro eus rocuraram com a

    tibilizar duas conce ções extremamente contraditórias de re resentação 

    de mundo: a da Terra-Ecúmena lana, do mito bíblico, e a da Terra

     

    esférica, herdada dos antigos gregos. As sínteses roduzidas or estes

     

    estudiosos só seriam questionadas a artir do século XV, quando as

     

    grandes navegações ibéricas começaram a trazer uma nova realidade do

     

    mundo ara a Euro a cristã.

    20 Cf.

    Ibidem.

      . 15-6.

    21 Cf.

    Ibidem.

      , 16.

    28

      “renascimento” do século XI I: 

    o Conceitualismo e o Naturalismo

    A renovação filosófica e cultural, que se desenvolveu na Euro a

     

    ocidental, no século XII, constituiu-se num elemento de crítica rofunda à

     

    tradicional Teologia cristã, marcada elo Platonismo agostiniano. Esta 

    “Revolução Filosófica” ( ermitam-nos o uso do termo) trouxe não somente

     

    uma nova Filosofia, como também uma nova conce ção geral de conheci

    mento e ensino, que obrigaram a uma revisão gradativa da ró ria

     

    Teologia cristã e ao estabelecimento de novos rincí ios de fundamenta

    ção dos dogmas da Igreja Cristã. Embora sejamos obrigados a reconhecer

     

    estas modificações gerais da Teologia cristã, a análise minuciosa da sua

     

    trajetória não será objeto dessas nossas reflexões.

    Por outro lado, não odemo s deixar de associar a emergência da

     

    “Revolução Filosófica" ao contexto de transformações sociais e culturais

     

    que se rocessaram na Euro a ocidental no século XII, o que já menciona

    mos no início do item anterior. As novas conce ções filosóficas foram

     

    resultantes do “Renascimento Cultural” e d o crescime nto urbano verifica

    dos no século XII, rocessos estes que estavam intimamente relacionados,

     

    como nos mostram Jacques Le Goff e Georges Duby. Estas transformações  

    culturais foram ossibilitadas elas novas funçõ es e atividades econ ômic as

     

    desem enhadas elas cidades que roliferaram no continente euro eu,

     

    trazendo uma am liação das relações comerciais, da rodução mercantil e

     

    da circulação monetária. Além disso, aquelas transformações, ao re ercuti

    rem sobre a vida econômica, encorajaram os homens da é oca a assumir

     

    uma nova atitude em relação aos receitos tradicionais da Igreja Cristã que 

    condenavam as formas de rodução e relações mercantis, atitude esta que 

    era de crítica e des re zo e tornou-se fundamental ara o estabelecimento

     

    de uma nova mentalidade econôm ica menos localista, menos voltada ara

     

    as formas tradicionais de entesouramento de riquezas e mais voltada ara

     

    o cons umo de bens materiais.22

    A riqueza e o desenvolvimento cultural das cidades começaram a atrair, 

    cada vez mais, jovens de diversas camadas sociais que, ao invés de

     

    rocurarem os mosteiros e as antigas ordens religiosas, vinham buscar no

     

    meio urbano o a rendizado tão desejado das “artes liberais” e os ensina-

    Cf. Le Goff.

    Op. dt.,

      . 13-5; e Duby.

    Op. cit.7

      . 144-9.

    29

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      entos de estres clérigos que co eçava a se consagrar e a for ar 

    discípulos que se transfor ava e estres co o eles. tornava -se

     

    preceptores dos filhos dos aristocratas ou dos burgueses enriquecidos,

     

    trabalhava nos serviços contábeis e de escrituração dessas ca adas 

    abastadas ou si ples ente ficava a serviç o das instituições religiosas. É

     

    neste o ento preciso que Le Goff localiza o nasci ento do “intelectual”

    ocidental, que é aquele indivíduo que passa a viver do seu saber e da sua

     

    arte de ensinar, que é funda entada nos livros que ele tanto a a, e não na 

    tradição oral que repudia, e que vê nestes es os livros uito ais u

    veículo de circulação de idéias do que u requintado be econô ico

     

    entesourado pela Igreja ou por abastados aristocratas. É este "intelectual”

    que vai ser o agente d o “Renasci ento Cultural”, contribuindo para dar 

    vida às cidades e ro per co a visão de undo tradicional da Igreja.25

    O undo feudal, até então acostu ado co a divisão rígida das três

     

    ordens e sua função antenedora das bases da sociedade rural, logo

     

    reagiria contraría ente aos fenô enos do cresci ento urbano e do  

    surgi ento de u a nova categoria de indivíduos letrados que procurava

    o seu sustento longe das alternativas que aquela sociedade oferecia. Os

     

    representantes da orde feudal, principal ente as autoridades eclesiásti

    cas, logo tentara estig atizar as cidades co o "antros da perdição”, 

    “antros do pecado", e esta nova categoria de letrados ou intelectuais

     

    (incluindo estres e estudantes) co o "vagabundos”, "preguiçosos", pois

     

    o seu estilo de vida se diferia por co pleto daquele precon izado pelos

     

    estilos religioso - onacal e aristocrático- ilitar vigentes. O aior exe plo 

    dessa estig atização talvez seja a designação pejorativa de “goliardos"

     

    dada aos professores, poetas e escritores de Paris, Chartres e outras

     

    cidades francesas, pelas autoridades eclesiásticas, nu a clara alusão ao

     

    personage bíblico do antigo testa ento que representava o al, o 

    gigante Goiias, as, co a consagr ação destes intelectuais durante o

     

    século XII, o ter o acabou adquirindo u sentido inverso e passou a ser

     

    sinôni o de u letrado respeitado e consagrad o. À vida reclusa, de 

    ascese, editação e conte plação dos onastérios, estes intelectuais

     

    contrapunha a liberdade, os prazeres e as oportunidades culturais

     

    oferecidas pelo eio urbano. À vida guerreira e às proezas ilitares, eles 

    contrapunha os “co bates de espírito” e os "torneios de dialética”.

      i Cf. Le Goff. p. cit,,  p. 13-9 e 93-4; e Duby. p. cit,,  p. 15 -4.

    30

    Enfi , os intelectuais não só desprezava , co o ta bé ridicularizava

    os estilos de vida tradicionais, co o uito be exe plifica a poesia 

    francesa “goliarda” deste século.2Í

    As cidades to ara -se, assi , no dizer de Le Goff, a "encruzilhada do

     

    co ércio intelectual" da Europa, a partir do século XII, as para que isso

     

    acontecesse foi necessária u a abertura do continente para a penetração 

    da cultura greco-árabe que pôde ser difundida através de anuscritos

     

    originais árabes ou versões árabes de textos gregos, trazidos do undo

     

    islâ ico por viajantes e co erciantes, principal ente para a Itália e

     

    Espanha, onde tradutores especializados os vertia para o lati . Entre as 

    principais contribuições gregas traduzidas, estava a Física, u a parte da

     

    Lógica (a Lógica Nova) e a Ética de Aristóteles, a Astrono ia e a Geografia

     

    de Ptolo eu, a Mate ática de Euclides e a Medicina de Hipócrates e

     

    Galeno. Já entre as contribuições árabes traduzidas encontrava -se a 

    Arit ética e a Álgebra de Al-Khariz i, os apreciados co pêndios édicos

     

    de Rhazi e Avicena e ta bé as i portantes sínteses filosóficas aristotéli-

     

    cas construídas por Al-Farabi e Averróis.25

    Todavia, os centros de assi ilação intelectual dessa cultura greco-árabe 

    não se situava na Itália ou na Espanha, as si nas grandes cidades

     

    francesas que se localizava entre o Loire e o Reno, co especial

     

    destaque para Paris e Chartres que se transfor ara efetiva ente nos 

    grandes centros intelectuais da Europa no século XII. Paris e Chartres

     

    desenvolvera tradições distintas do conheci ento e do ensino das sete

     

    “artes liberais”. A tradição parisiense priorizou o ensino das “artes do

     

    triviu ” ou “Ciências da Linguage ", que era a Gra ática, a Retórica e a 

    Dialética (obvia ente de funda entação aristotélica), o que pode explicar

     

    o desenvolvi ento ais acentuado, nos eios intelectuais da “Cidade

     

    Luz”, de u a

    orrente on eitualista

      e de u a aior voca ção para o 

    raciocínio ais abstrato. Já a tradição chartrense dedicou-se ais ao ensino 

    das “artes do quadriviu ” ou “Ciências Mate áticas”, constituídas pela

     

    Arit ética, Geo etria, Música e Astrono ia, desenvolvendo priorita

    ria ente u étodo

    de observação e investigação da Natureza,

      influen

    ciado pela cultura greco-árabe, que originou a

    orrente naturalista

     4 Cf, Le Goff. p. cit.,  p. 7-4.

     5 Cf.Ibidem.  p. 0-5.

     6 Cf Ibidem.  p. 7-8 e 56-7.

     

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      maior nome do

    onceitualismo parisiense

      foi o “goliardo” Pierre 

    Abélard (Abelardo) que, além da fama alcançada através das suas rumoro-

    sas aventuras com a amada Héloise, tornouse célebre pela elaboração do

     

    método lógico-dialético,

      que era o fundamento desta corrente, nos seus

     

    principais trabalhos:

    Lógica Ingredientibus

      (ou

    Manual de Lógica para  

    Principiantes)

     e

    Dialectica,

     escritos nos anos 1120. No seu

    Sic et Non,

      obra

     

    de caráter teológico, Abelardo sistematiza uma série de controvérsias

     

    religiosas usando o método lógicodialético. Abelardo defendia claramente 

    a necessidade de uma

    lógica conceítualísta da linguagem,

      admitindo que 

    as palavras, embora como elementos de significação, tinham sua funda-

    mentação na própria realidade, ou seja, as palavras correspondiam às  

    coisas que significavam. Desse modo, elas não eram vistas como um véu

     

    encobridor da realidade, mas a própria expressão desta, advindo daí a  

    necessidade de um esforço lógico para uma “adequação significante da

     

    linguagem”. Abelardo ainda combateu a formulação tradicional dos dog-

    mas teológicos que não admitiam nenhuma possibilidade de revelação do

     

    milagre divino da criação e da ressurreição de Cristo pela “razão h umana”,

     

    o que se daria exclusivamente pela “fé”. Para este combate, Abelardo

     

    retomou a célebre fórmula de Santo Anselmo, do século XI, que preconiza-

    va “a fé em busca da inteligência"

    (fides quaerens intellectum),

     para iniciar

     

    um processo de desbloqueio e recuperação da razão humana e defender 

    uma aliança entre a razão e a fé, que significava claramente uma maior

     

    racionalidade da fé e abria espaço para a emergência de uma nova  

    Teol ogia.27

    Para o

    Naturalismo chartrense

    , estas mesmas questões de natureza

     

    teológica se colocavam e ele respondia com argumentos semelhantes ao

     

    do Conceitualismo parisiense, mas a sua radicalidade na busca de uma

     

    racionalidade da fé era muito maior, pois, além de advogar a possibilidade

     

    de um conhecimento racional do fenômeno divino, ele queria compreen-

    der racionalmente a Natureza e claramente distinguir o conhecimento

     

    desta dos assuntos de ordem teológica. s grandes nomes da corrente 

    naturalista — B ernard o de Chartres, Guilherme de Conches, Arnaldo de 

    Bonneval, Thierry de Chartres, Honóri o d’Autun — admitiam otimistica 

    mente a onipotência da Natureza, que se caracterizava sobretudo por seu 

    poder perpétuo de fecundação e criação de fontes inesgotáveis

    (mater

    17

    Cf. Ibidem.

     

    p. 536,

     

    32

    generationis).

      Ela era também o Cosmos, um todo criado e organizado

     

    racional e harmonicamente por Deus, através de um conjunto de leis  

    regularizado pela própria ação da razão divina em seu interior, mas que 

    podia ser entendido e explicado pela razão humana. Neste sentido, os

     

    chanrenses, afastandose do Simbolismo característico da teologia tradicio-

    nal, explicavam o milagre da criação do mundo (Gênesis) pelas próprias

     

    leis da Natureza, afirmando cada vez mais uma perspectiva físicista da sua

     

    tradição de con hecimento.28

    Além desta recuperação da Natureza para o conhecimento, os chartren

     

    ses deram um importante pas so para retirar as “artes liberais” da submissão

     

    à autoridade das Escrituras. Honório d’Autun foi muito claro com relação a

     

    isso ao afirmar que não havia outra “autoridade” senão a verdade provada

     

    pela razão. As Escrituras, quando muito, tinham um poder de proclamação,  

    mas não era sua função provar a verdade que só podería ser alcançada 

    pela razão discursiva humana. Com isso, e também com a idéia de que o  

    mundo fora criado para o Homem, os chartrenses, talvez com mais inten-

    sidade do que os conceitualistas parisienses, afirmavam claramente a cen  

    tralidade do Homem, mas, na realidade, eles tentavam conciliar suas

     

    concep ções naturalistas com este peculiar Humanismo, através da idéia de

     

    que o Homem racional podia estudar e entender a Natureza, e mesmo

     

    transformála com a sua atividade, mas ele também estava nela inserido e

     

    integrado na ordem do mundo, Homem, acreditavam ainda os chartrenses,

     

    era o centro e o microcosmo de um universo (macrocosmo), que ele mes-

    mo reprodu zia.29

    Como podemo s notar, tanto a corre nte conceítualísta com o a naturalista 

    preconizaram a libertação do Homem em relação à submissão e à anulação  

    indiscriminadas da racionalidade diante dos dogmas do Cristianismo, a  

    “escravidão da fé”. Era esse basicamente o objetivo deste Humanismo do 

    século XII, que abriu para os homens da cristandade a possibilidade do

     

    conhecimento da Natureza e do universo, autonomizandoo e separando

     

    o da Teologia e criando condições para que ele se constituísse num campo

     

    específico da "Ciência” (“Scientia”), para utilizar o termo d e Honório

     

    d’Autun, com um sentido lato de conhecimento humano, de um saber

     

    metódico e rigoroso. Este sábio naturalista resumiu suas preocupações

    28 Cf. Ibidem.

     

    p. 569.

     

    19 Cf Ibidem.  p. 5963

     

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      uma fórmula basta te simples: “O exílio do homem é a ig orâ cia; a sua 

    pátria [é] a ciê cia. [...] a ela se chega a través das artes liberais que co s-

    tituem outras ta tas cidadeseta pas".30

      Escolástica e a constituição da Filosofia

     

    da Natureza (séculos XMl-XIV)

    Nâo resta a me or dúvida de que a ave tura do co hecime to cie tífico 

    ocide tal se i iciou muito a tes do processo de sua formalização, os 

    séculos XVI e XVII. Nâo podemos deixar de reco hecer uma a cestralidade 

    os co ceitualistas e aturalistas do século XII, pois foram eles que abriram 

    o espaço teóricoepistemológico para uma série de questões da relação do  

    Homem com a Natureza e com o u iverso, que mais tarde seriam ai da  

    recoloca das e respo didas pelos fu dadores da Ciê cia Moder a.

    Por outro lado, é o Co ceitualismo e o Naturalismo que devem os

     

    buscar as bases de co stituição da escolástica que se co sagrou o século

     

    XIII como co cepção filosófica e método de e si o adotado as recém

     

    criadas u iversidades da Europa ocide tal. Estas duas corre tes marcaram

     

    ai da as divergê cias o i terior da escolástic a, impedi doa de se tor ar 

    uma corre te ú ica e homogê ea. Embora os filósofos e i telectuais  

    escolásticos ma tivessem um úcleo de opi iões comu s, existiam gra -

    des difere ças e tre eles e estas difere ças podiam ser explicadas pelas  

    i fluê cias que o Co ceitualismo e o Naturalismo ti ham sobre estes 

    sábios. Co tudo , São Tomás de Aqui o, p ercebe do muito bem as impli-

    cações destas divergê cias, te tou co ciliar aspectos das duas corre tes 

    recorre do a uma releitura de Aristóteles. Até mesmo os adeptos da velha 

    corre te tradicio al agosti ia a, sempre tão temerosos e críticos em

     

    relação às “ ovidades racio alistas”, surgidas a partir do século XII,

     

    procuraram se adaptar aos ovos tempos adota do, sobretudo, aqueles

     

    aspectos mais téc icos do método de e si o escolãstico, ma te do toda-

    via sua cre ça a corruptibilidade do mu do e da Natureza, a tra sitor ie 

    Hadf» da vida terre a e a eter idade da alma e da vida extramaterial.

    Na realidade, o sécu lo XIII co solidou uma te dê cia, que já vi ha se

     

    dese volve do desde o século a terior, com o adve to dos i telectuais e

     

    com o surgime to das escolas urba as catedralícias (i depe de tes das

     0 Cf. bidem. p. 65.

    34

    a tigas escolas mo ásticas), que foi a secularização da cultura erudita,

     

    patroci ada por setores do clero secular mais re ovadores. Esta seculariza-

    ção co substa ciouse o surgime to da própria u iversidade, que, para

     

    se afirmar, ão teve alter ativa se ão a resistê cia ferre ha aos poderes

     

    eclesiástico s e aristocráticos mais co serv adores , mesmo que isso sig ifi-

    casse uma alia ça e uma certa depe dê cia do Papado e das autoridades

     

    roma as. De tro da lógica corporativa, já predomi a te o sécul o XIII, as 

    u iversidades, que logo se espalharam pela Europa ocide tal, co stituí-

    ramse em corporaç ões de mestres e apre dizes, o caso os estuda tes 

    (“U iversitas Magistrorum et Scholarium"), e procurara m clarame te exer -

    cer o mo opólio do saber em relação ao co ju to da sociedade.31

    A escolástica tor ouse, assim, o método por excelê cia esta co soli-

    dação da secularização da cultura erudita, através das u iversidades,

     

    rompe do com a tradição de e si o esse cialme te oral da Alta Idade

     

    Média e adota do o livro como base do e si o e da divulgação do

     

    co hecime to. A verdade seria alca çada agora, este método, através da

     

    prova racio al ou da força da racio alidade do argume to, que deveria ser

     

    exposta clara e sistematicame te os livros e ão se restri gir à exposição

     

    oral (a aula, a co ferê cia). A maior capacidade de expor e provar  

    racio alme te um argume to em texto co feria ao seu autor a co dição de 

    autoridade e os argume tos das autoridades deviam sempre ser vistos  

    como verdades co sagradas e i questio áveis pelos estuda tes e pelos  

    mestres me os brilha tes. A divulgação do co hecime to, através de  

    gra des sí teses ou sumas, foi uma das gra des preocupaçõ es dos pri ci-

    pais escolásticos o século XIII: Alberto Mag o (120 612 80), Roger Baco

    (12101295), São Boave tura (12211274) e São Tomás de Aqui o (1224

     

    1274). Este último chegou a co sagrar as suas maiores obras com os títulos

     

    de

    uma Contra os Gentios

      e

    uma Teológica,

      que foram, sem dúvida

     

    e huma, os trabalhos de maior repercussão produzidos pela escolástica,

     

    co tribui do para tra sformar posteriorme te o Tomismo (como ficou 

    co he cida a verte te de São Tomás), a co cepçã o domi a te desta ova

     

    visão de co hecime to e de mu do, justame te porque havia ele uma 

    te tativa de co ciliação e sí tese das co cepçõe s fu dame tadoras (Co -

    ceitualismo e Naturalismo) da es colástica. 32

     1 Cf. bidem.  p. 70-80: e Duby. Op. cit,  p. 146.

     2 Cf. Le Goff. Op. cit.,  p. 7 -4 e 96.

    35

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    íntese Tomista

     expressava muito bem o núcleo de opiniões comuns 

    da escolãstica, como nos indica Joseph Rassam. Primeiramente, encontra-

    vase nela aquela necessidade de reafirmação da razão humana, que não  

    significava necessariamente uma oposição à fé, mas sim a busca do 

    equilíbrio entre estas duas dimensões do existir humano, retomando o

     

    consagrado princípio de Santo nselmo da “fé em busca da inteligência”.

     

    ssim, a própria Teologia teria de se servir da razão, devendo o teólogo 

    construir, com os dados da fé, um saber metódico e rigoroso. Isso também

     

    significava que a Teologia na visão tomista deveria ser incluída no âmbito  

    da “Ciência", ou seja, dentro de uma perspectiva mais geral do conheci-

    mento racional . Todavia, ela se diferiría das “artes liberais” e da Filosofia, 

    porque estas se baseariam na razão humana e seus objetos seriam por ela  

    encarados por si mesmos, o que pressupõe a existência de uma ordem 

    imanente natural. Já a Teologia, tendo como pressuposto o seu entendi-

    mento racional a partir da fé, considerava o seu objeto na sua relação com 

    o sagrado, com Deus, com uma ordem transcendente (a ordem sobrenatu-

    ral). Embora os objetos das “artes liberais” e da Filosofia fossem resultados 

    da criação divina, estas não estariam capacitadas para a compreensão da

     

    dimensão essencial deste fenômeno e do próprio fenômeno sagrado, isto

     

    porque competiría a elas o estudo das “causas segundas" da criação, do 

    resultado material da criação, cabendo aquela compreensão, ou seja, o

     

    estudo da “causa primeira", apenas à Teologia, uma vez que Deus  

    inicialmente conhece a si mesmo, ordenando a sua própria ação, para  

    depois criar o m undo.33

    Na realidade, o Tomismo buscava conciliar os "dois ristóteles” que 

    emergiram a partir do século XII: um essencialmente “lógicodialético” da  

    leitura dos conceitualistas e o outro essencialmente “físico” da leitura dos 

    naturalistas. Esta tendência sintetizadora jã estava presente em lberto

     

    Magno, que foi o grande mestre de São Tomás de quino na Ordem

     

    Dominicana. Isso quer dizer que São Tomás uniu a preocu pação conceitu 

    alista das palavras, como expressão da própria realidade, com a concepção

     

    de Cosmos ou Natureza ordenada racionalmente dos naturalistas, resultan-

    do a seguinte compreensão: “as palavras expressariam, significariam, esta 

    Natureza racionatmente ordenada. Deus, ao criar a Natureza (o universo), 

    inscrevería nele os próprios signos da sua vontade e da sua ordem

      Cf. Jose ph Rassam. omás de Aquino.  Lisboa: Edições 70, 1988, p. 20-5.

    36

    criadora, e as palavras seriam justamente os significantes desta ordem

     

    natural criada, numa perspectiva realista que definia a verdade como

     

    adequação do intelecto ao real (“adaequatio intellecto ad rem”)”. Isso 

    também correspondería à própria entronização de Deus na Natureza e o  

    estabelecimento de uma dimensão imanente para ele. Com relação à 

    concepção de universo, podese dizer, de acordo com Thomas Kuhn, que  

    São Tomás retomou fielmente a idéia do “Filósofo”(ep íteto com o qual ele 

    próprio consagrou ristóteles com o filósofo por antonomásía) acerca do 

    movimento dos corpos celestes e da esfericidade da Terra, além, é claro,

     

    da tese geral da dupla dimensão do universo geocêntrico esférico — a 

    supralunar e a sublunar, não atribuindo a esta última nenhum caráter de 

    corrupção.31

      Natureza seria, desse modo, recuperada e deixaria de ser vista como 

    o mundo da corrupção devido à presença eterna da lógica (ordem) da

     

    criação divina em seu interior. Como bem lembrou Robert Lenoble, foi 

    deste conceito de Natureza de São Tomás que partiu Dante lighieri, no 

    século XIV, ao escrever

    A Comédia,

      para afirmar que existia uma “ordem 

    natural” independente do “drama humano" e que os perigos do mundo 

    não deviam mais ser atribuídos à Natureza, mas ao “mal".35 ssim, o 

    Tomismo consagraria a possibilidade de um conhecimento verdadeiro 

    para esta Natureza recuperada pela lente de ristóteles, autonom izandoa

     

    no processo de conhecimento, e criando para isso um campo específico

     

    denominado até o século XVIII de "Philosophia Naturalis” (Filosofia

     

    Natural), distinguindoo não somente dos outros campos da Filosofia

     

    como também da Teologia.

    Se o Tomismo buscava a conciliação e até mesmo a adequação 

    racional às Escrituras, esta não foi a perspectiva da vertente averroísta da 

    escolãstica, cujos maiores representantes foram Siger de Brabante e 

    Boécio da Dãcia, que ensinavam em Paris e retomaram a leitura de 

    ristóteles feita pelo filósofo árabe verróis. Esta corrente também 

    retomou a leitura radical do ristóteles "físico” do Naturalismo chartren 

    se, não deixando de realçar uma certa iconoclastia herdada dos goliardos 

    do século XII. Entre as teses mais radicais dos averroístas, estavam a

     

    crença na “eternidade do mundo”, o que negava evidentemente a idéia

    M Cf. Kuhn,

    Op. cit.,

      p. 109-11.

    5 Cf. Lenoble. Op. cit.,  p. 219,

     

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      o início (a criação) e o fim o mun o (o juízo final), a recusa em

     

    aceitar Deus como a “causa eficiente as coisas”, consi eran o-o apenas

     

    como a “causa final” e a negação a “alma in ivi ual” através a

     

    “uni a e o intelecto agen te” (“intellectus agens”). Uma outra tese os

     

    averroístas era e natureza mais geral e relacionava-se à questão a

     

    “ upla ver a e” que apontava para a impossibili a e e se conciliar

     

    Aristóteles com a Bíblia, no caso e alguma interpretação contra itória.

     

    Se havia alguma contra ição, isso po eria ser resolvi o aceitan o-se a

     

    tese a existência e “ uas ver a es” — uma que seria a a “revela ção

     

    as Escrituras e a outra a a “simples filosofia” e a “razão natural". Isso

     

    significava efetivamente não a exclu ência, mas sim a existência paralela

     

    e uas imensões a ver a e: a imensão ivino-religiosa e a imensão

     

    fílosófico-racional, uma imensão não-material e uma imensão material

     

    com um or enam ento interno que prescen ia a presença imanente e

     

    Deus, numa clara e contun ente crítica ao Tomismo.3e

    O ra icalismo as concep ções a escolástica averroísta provocou, em

     

    contraposição, uma reaçã o o Neoagostinianismo e o Tomismo e uma

     

    gran e perseguição a Siger, Boécio e seus a eptos, acontecimento este

     

    conheci o como "crise averroísta”. Os agostinianos, respal a os na velha

     

    tese o prima o a fé e ocupa n o ain a postos importantes na hierarquia

     

    a Igreja, con enaram aquilo que se lhes parecia como uma execráve l e

     

    herética ra icalização a racionali a e humana e uma escaracterizaçã o

     

    o que havia e mais sagra o no Cristianismo e aí não pouparam nem

     

    mesmo São Tomás e Aquino e seu mestre Alberto Magno, consi era os

     

    tão execráveis e heréticos quanto os averroístas, iferencia os estes por

     

    uma questão e forma e não e conteú o. São Tomás, por sua vez,

     

    também sob ferrenho ataque os agostinianos e procuran o se istanciar

     

    os averroístas, ireciono u críticas contun entes às suas teses ualistas.

     

    Contu o, a estratégia e São Tomás não teve muita eficácia, pois em 1277

     

    (três anos após a sua morte), tanto o Averroísmo como o Tomismo foram

     

    con ena os pelas autori a es eclesiásticas e Paris e a Cantuária. A

     

    con enação ao Tomismo não surtiu muito efeito, pois seus a eptos

     

    aumentaram e esta corrente pratícamente se tomou hegemônica no mun

      o universitário europeu. Entretanto, os averroístas foram violentamente

     

    persegui os e Siger e Brabante teve que fugir a França e se escon er na

     s Cf. Le Goff. p. cit.,  p. 119 20.

    38

    Itália, on e viveu miseravelmente o resto e seus ias e morreu misteriosa

    mente assassin a o.37

    Uma terceira corre nte a escolástica, no sécul o XIII, foi constituí a pelo

     

    Experimentalismo e Kobert Grosseteste, chanceler e Oxfor , e bispo e

     

    Lincoln e o grupo franciscano esta universi a e li era o por Roger

     

    Bacon. Não resta a menor úvi a e que Bacon, com a sua

    pm Majus

    , foi

     

    o maior nome a escolástica experimentalista que, embora se originasse na

     

    Inglaterra, foi a ota a também em outras partes o continente europeu,

     

    ten o o filósofo e Oxfor vivi o e leciona o em Paris por algum tempo.

     

    O Experimentalismo retomou claramente a vocação chartrense o conhe

    cimento a Natureza racionalmente or ena a e a i éia naturalista a

     

    ver a e prova a pela razão. Num claro afastamento o formalismo con-

     

    ceitualista, Bacon afirmou que somente a “autori a e” e o “raciocínio” não

     

    bastavam para o conhecimento e para a certeza as coisas, era também

     

    preciso a “experiên cia”. A ver a e racionalmente prova a só era possível

     

    através a “Ciência Experiment al”, “porque sem a experiência na a se

     

    po e saber suficientemente”. Esta premissa se constituiría mais tar e num

     

    elemento a crítica feita pelos a eptos o Experimentalismo a uma certa

     

    postura os tomistas, her a a o Conceitualismo, e não ar importância

     

    à experiência e preferir o raciocínio lógico e a explicação conceituai o

     

    mun o. Para Bacon, então, a experiência (até mesmo a experiência

     

    mística) era o único critério e comprov ação a ver a e e, alargan o

     

    ain a mais os limites o seu empirismo, izia que “não se po ia ter

     

    nenhuma ciên cia sem a matemática”.38

    A escolástica experimental no século XTV continuou vigorosa e com

     

    muitos a ept os em Oxfor (Merton College) e na Universi a e e Paris.

     

    Entre os “mertonianos”, os mais famosos experimentalistas eram William

     

    Heybtesbury e Richar Swineshea , enquan to em Paris sobressaíam-se

     

    Nicolas :Autrecourt, Jean Buri an, Albert e Saxe e Nicoles Oresme. Foi

     

    no meio aca êmico francês que este Experimentalismo se tornou mais

     

    criativo e para isso contribuiu uma outra verten te o pensament o universi

    tário francês que era a tra ição e teorização e maior familiari a e com o

    37 Cf. Ibidem. p. 120 3.

    36 Cf Ibidem. p. 125 Ó; e José Seb astião da Silva Dias. Influencia de bs descubri- 

    mient s en la vida cultural dei sigl XVI. México; Fondo de Cultura Econômica

    1986, p. 104.

     

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      ensamento abstrato, que já estava resente no velho Conceitualismo. Os

     

    escolást icos franceses do século XIV roduziram uma interessante síntese

     

    entre esta tradição e os ensinamentos ex erimentais de Bacon (que, como

     

    já foi mencionado, chegou a lecionar em Paris), Desta síntese, resultaram

     

    im ortantes trabalhos de Filosofia Natural que mais tarde, juntamente co m

     

    a abertura ara a matematização reconiz ada elo mestre inglês, tiveram

     

    suas rinci ais idéias retomadas elos fundadores da Ciência Moderna.®

    Entre as contribuiçõ es da “Física arisiense”, encont ravam -se rimeira

    mente as de Jean Buridan, que chegou a ser reitor da Universidade de

     

    Paris, e ficou célebre ela crítica à noção de dinâmica de Aristóteles 

    rocurando substituí-la ela “dinâmica do im etus” que fornecia uma

     

    definição do movimento dos cor os que serviu como fundamento ara as

     

    noç ões de “ím eto" de Galileu Galilei e de “quantidade de moviment o” de

     

    René Descartes , desenvolvidas no século XVII. Já Nicoles Oresme, discí u

    lo de Buridan, teria desenvolvido, a artir de suas investigações, uma série

     

    de reflexões sobre a “lei da queda dos co r os”, o “movimento diurno da

     

    terra e o “uso das coordenadas". Seus argumentos acerca d o movimento da

     

    Terra, ara Pierre Duhem (físico e e istemólogo francês, de formação

     

    cristã-conservadora, do final do século assado e início do atual), a resen

    taram maior clareza e recisão do que os argumentos do ró rio Nicolau

     

    Co émico , no sécu lo XVI. Existiram ainda as investigações de Albert de

     

    Saxe sobre a “teoria do eso" que serviram de base ara todos os estudos

     

    relacio nados à estática até o sécu lo XVII.40

    As idéias e os conceitos fundamentais dos escolásticos arisienses do

     

    século XIV foram levados neste mesmo século ara Oxford, reforçando a

     

    tradição ex erimentalísta do Merton College, e no século XV foram

     

    difundidos em Pádua, que era uma das mais renomadas universidades

     

    italianas e continuou a gozar deste

    tatu

    na é o ca em que Co émico era

     

    seu aluno e até o momento que Galileu lá ensinou. Não se ode afirmar, é

     

    claro, a existência de uma influência direta dos escolásticos ex erimenta-

     

    listas de Paris sobre os estudos de Co émic o e Galileu, mas não resta a

     

    menor dúvida de que as idéias e os conceitos destes “físicos”, do século

     

    XIV, fundamentaram or muito tem o as discussões no meio acadêmico, e

     

    foi deste debate que os fundadores da Ciência Moderna retiraram muito de

    3> Cf. Le Goff.

    Op. cit.,

      . 144; e Kuhn.

    Op. cit.,

      . 115-22.

    40 Cf. Le Goff. Op. cit.,  . 144-6; e Kuhn.Op. cit.,  . 117-22.

    40

    sua ins iração ara a elab oraç ão de teorias que iriam mudar a trajetória do

     

    conhecimento ocidental.41

    Por outro lado, a atua ção dos “físicos" de Paris foi fundamental ara

     

    que o edifício da escolástica começa sse a ser corroído “ or dentro”, or

     

    aqueles que se utilizavam de seu ró rio método. Na tentativa de se obter

     

    uma rova ex erimental ara as teorias de Aristóteles, e desres eitando

     

    destemidamente o "dogma” escolástico do argumento de autoridade, estes

     

    “físicos" levaram as idéias do mestre da Antigüidade às suas últimas

     

    conseqüências, estendendo a sua lógica e conseqüentemente descobrindo

     

    falácias e inconsistências nos argumentos e nas rovas a resentados elo

     

    “Filósofo”. Os ró rios ade tos do método escolástico começaram a

     

    revelar suas contradições e neste rocesso forjaram conceitos e instrumen

    tos im ortantíssimos ara a grande ru tura que se iniciaria a artir do

     

    século XVI. Entretanto, os inovadores ex erimentais ainda estavam limita

    dos or um dos fundamentos aradigmáticos da escolástica que era a

     

    noção de uma Natureza não matemática, qualitativa e harmoniosa, que iria

     

    sobreviver até a nova é oca Renascentista. O ró rio Bacon falava que a 

    Matemática era im o rtante ara a “Ciência”, mas a Natureza ara ele ainda

     

    tinha uma hierarquia de valores e qualidades e a Matemática ex ressav a

     

    essa Natureza qualitativa. E, o que era mais im ortante, o Home m racional 

    ainda fazia arte desta Natureza qualitativa e não tinha uma necessária

     

    inde end ência ara erceb ê-la sob a lógica fria da quantidade e da mate

    matização absoluta.42

      retomada da stronomia e da Geografia 

    de Ptolomeu no século X V na Europa Cristã

    A Astronomia e a Geografia de Claudius Ptolomeu de Alexandria enetra

    ram na Euro a cristã, a artir do século XII, através das traduções de

     

    manuscritos árabes ara o latim, realizadas na Es anha e na Itália. A obra

     

    maior de Ptolomeu começou a circular em manuscritos latinos conservando,

     

    orém, seu título de origem árabe,

    Almage to.

     Além deste trabalho, as idéias

     

    de Ptolomeu foram divulgadas através das versões latinas de numerosos

     

    tratados de Astronomia e Geografia, escritos or autores árabes. Entretanto,

    41 Cf. Kuhn, Op. cit.,  . 118.

    42 Cf,

    Ibidem.

      . 115; e Lenoble.

    Op. cit.,

      . 207-8.

    41

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      s concep ções de Ptolomeu cerc do universo e do próprio pl net er m

     

    dmitid s pen s em pequenos círculos de sábios ou então utiliz d s de 

    form subsidiári em tr b lhos que procur v m sintetiz r idéi greg de 

    um universo esférico e finito com o mito bíblico de um Terr pl n , com o

     

    jã demonstr mo s no segundo item deste c pítulo. Além disso, o sistem de 

    interpret ção ptolom ico er consider do pelos strônomos e geógr fos 

    cristãos como muito complexo e extrem mente m temático, o que contr di-

    zi crenç mediev l n h rmoni simples de um universo qu lit tivo.

    N re lid de, gr nde retom d de Ptolomeu pelos meios eruditos 

    europeus só se verificou p rtir de 1400, qu ndo um cópi d obr deste 

    sábio grecoegípcio, do século II, foi lev d de Const ntinopl p r Florenç

    por P li Strozzi, um rico comerci nte tosc no. Nest cid de, o tr b lho de 

    tr dução do grego p r o l tim foi re liz do por M nuel Chrysolor s e um de 

    seus discípulos, J copo Angiolo, que o concluír m em 1410 e der mlhe o  

    título de

    eografia.

      Est tr dução f cilitou m is ind vid dos eruditos

     

    europeus que, em su m ior p rte, não conheci m língu greg , lém de

     

    el ser consider d de m ior confi bilid de, porque suspeit v se que s 

    versõe s l tin s provenientes do ár be tinh m sido muito dulter d s pelos 

    sábios islâmicos e t mbém pelos tr b lhos de tr dução. Tod vi , p rece que

     

    nem mesmo est versão l tin “m is confiável" er tot lmente origin l. N

    opinião dos especi list s, só o primeiro livro d

    eografia,

      de bord gem

     

    m is teóric , teri sobrevivido n su form origin l. Os livros rest ntes 

    teri m sido modific dos ou reescritos, no século X ou XI, por um estudioso

     

    biz ntino e, p rtir dest modific ção, um monge grego, Máximo Pl nudes,

     

    teri desenh do os f mosos 2ó m p s por volt de 1300, continu ndose 

    porém tribuir o sábio de Alex ndri utori do texto e dos m p s. Logo 

    depois d invenção d imprens por Gutenberg (1457),

    eografia

      de

     

    Ptolomeu seri impress pel primeir vez em Vicenz , em 1475, sem os

     

    m p s, e receberí um segund edição impress em Bolonh , dest vez 

    com os m p s, em 1477, seguindose muit s outr s edições em divers s

     

    p rtes d Europ .**3

    Est retom d ou redescobert de Ptolomeu não se deveu exclusiv -

    mente à curiosid de dos sábios e eruditos. Desde os fins do século XIV,  

    os comerci ntes europeus começ r m perceber necessid de de se

     

    encontr r um outr p ss gem ou vi de cesso o comércio d s

      3 Cf. Boorstin. p. cit.,  p. 1 8; Randles. p. cit.,  p, 27; e Arnold. p. cit.,  p. 13.

    42

    especi ri s orient is que não fosse vi tr dicion lmente conhecid . Est

    vi er tr vés d intermedi ção comerci l re liz d pelos ár bes n s 

    su s divers s pr ç s do Oriente Médio, que já não m is presen t v m s

     

    mesm s oportunid des de negócios em virtude d s dificuld des oc sio-

    n d s pel fr gm ent ção do Império Mongol n Ási Centr l e pelo cerc o

     

    crescen te dos turcos otom n os, que m is t rde redund ri n Tom d de

     

    Const ntinopl (14 53 ). Come ç v se verific r, p rtir do início do

     

    século XV, um mud nç n titude ment l dos homens europeus que 

    vi m necessid de de romper com s fronteir s e s represent ções de 

    mundo est belecid s pel Crist nd de, e

    eografia

     de Ptolomeu, com

     

    o seu espírito empírico e m temático, forneci estes homen s os

     

    instrumentos inici is p r est empres . Como ress ltou D niel Boorstin, 

    redescobert de Ptolomeu pel Europ cult prep rou os homens deste 

    continente p r exp lor ção do mundo e s possibilid des bert s pel

    Geogr fi e pel C rtogr fi ptolom ic s brir m s su s mentes p r o

     

    conhe cimen to e p r gr nde ventur m rítim dos séculos XV e XVI. 

    N re lid de retom d de Ptolomeu constituiuse no ponto de p rtid

    d Ren scenç euro péi .44

    No que, de f to, constituí se

    eografia

      de Ptolomeu, escrit em 

    me dos do século II? Em primeiro lug r é import nte fris r que o título 

    origin l dest obr , em treze livros, er

    Megiste SintaxisMathematícae

     não 

    eografia,

      isso porque p r Ptolomeu o seu mplo c mp o de estudo, que

     

    incluí Geogr fi propri ment e dit e Astronomi , não podi ser 

    explic do sem M temátic . Por outro l do, o termo “Geogr fi " utiliz do 

    por Ptolomeu tinh um sentido bem m is mplo e signific v um c mpo 

    de s ber não só rel cion do com os fenômen os d Terr , como t mbém

     

    com os fenômenos do universo, m s p rtir de um referenci l terrestre, 

    té mesmo porque el er o centro do universo. Ao distinguir “Geogr -

    fi ” d “Corogr fi " (um " rte” que não tinh necessid de lgum d

    M temátic ), e reiter r o c ráter m temático d primeir , Ptolomeu fir-

    mou noção mpl do seu c mpo de estudo:

    “A geogr fi é um represen t ção em im gem do todo do mundo

     

    conhecido junt mente com os fenômenos que nele se contêm, [...]. N

    geogr fi temos de ter em cont extensã o de tod Terr , ssim como

    su form e su posição deb ixo do céu, fim de poderm os enunci r

    44 Cf. Boorstin. p. cit,  p, 10348.

     

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      orretamente quais são as pe uliaridades e as proporções da parte que

     

    estamos a tratar, e sob que paralelo da esfera eleste está lo alizada [...] a 

    duração de seu s dias e das suas noites, as estrelas que estão fixas por ima

     

    dela, as estrelas que se movem a ima do horizonte e as estrelas que nun a

     

    sequer se erguem a ima do horizonte. [...]. O grande extraordinário feito

     

    da matemáti a é mostrar todas estas oisas à inteligên ia humana [...].”4S

    Segundo Boorstin, Ptolomeu utilizou todas as informaçõe s onhe idas,

     

    em sua épo a, para não só onfirmar o aráter esféri o do universo e da

     

    Terra, omo também para estabele er a sua

    evolucioná ia g elha áe 

    latitude-longitude

     que serviu de base para uma ampliação do onhe imento

     

    e para uma melhor representação artográfi a da Terra. Com relação a

     

    este “ entro do universo”, Ptolomeu ao invés de represe ntá-lo om a 

    imagem homéri a de um mundo onhe ido, er ado por um o eano  

    inabitável, representou-o em seus mapas om uma vastidão de terras

     

    ainda des onhe idas — a "Terra In ógnita”— , o que signifi ava o aráter

     

    não-definitivo da sua representação e a possibilidade de des obertas

     

    posteriores.46O e úme no de Ptolomeu, de a ordo om W. G. L. Kandles,

     

    estendia-se em largura a 180° a partir das ilhas Afortunadas (Canárias) e

     

    em altura de 63° de latitude norte a l6° de latitude sul. Ptolomeu 

    representava os ontinentes omo um todo não fragmentado de terras,

     

    ujo entro (de ará