soap revisitado.pdf

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Rev Port Clin Geral 2009;25:221-7 221 dossier: a consulta INTRODUÇÃO O registo clínico tem assumido um interesse crescente em Medicina Geral e Familiar (MGF), dependente da necessidade de me- lhorar a eficiência dos serviços assisten- ciais. Este maior protagonismo converteu o bom regis- to clínico numa das principais ferramentas do médico de família, 1 nomeadamente para a gestão clínica, enca- rada tanto do ponto de vista do doente individualmen- te considerado, como do ponto de vista da gestão e ava- liação dos serviços. 2 O registo clínico é um instrumen- to operacional e um componente decisivo dos cuida- dos médicos, que contribui para a sua qualidade e a reflecte. No projecto MoniQuOr os registos clínicos fo- ram alvo de avaliação por serem essenciais à continui- dade de cuidados, para o desenvolvimento científico e para a protecção médico-legal. 3 O médico de família presta cuidados por longos pe- ríodos de tempo aos mesmos utentes. A exemplo, em Portugal, grande parte dos médicos de família mantém a mesma lista de utentes há cerca de duas décadas. Este facto obriga a coleccionar e gerir um manancial muito volumoso de dados informativos. A tarefa de registar deve ser encarada como uma necessidade de traduzir no presente, de forma fiel, o estado de saúde do doen- te, assim como de, no futuro, planear e monitorizar o seu acompanhamento. É obrigação do registo ordenar a informação colhida, facilitando a reflexão para a to- mada de decisões, 4 para a auto-aprendizagem e para a comunicação interpares. Segundo Weed 5 o registo não é um repositório está- tico de observações médicas estruturadas, mas antes um instrumento de comunicação e só um registo orga- nizado pode ser considerado um documento científi- co. Assim nasceu, por si proposto, o Registo Médico Orientado por Problemas (RMOP), de que a MGF se apropriou desde a década de 70, trazendo-o até à actua- lidade e adaptando-o inclusivamente a suportes infor- máticos, apesar de ter sido criado para o registo em pa- pel, facto que bendiz da sua versatilidade. É objectivo deste artigo fazer uma viagem ao longo da vida útil deste método, salientar as suas virtuosi- dades nomeadamente da sua componente SOAP, as- sim como chamar a atenção para as limitações que lhe são inerentes, apontando alguns caminhos para as con- tornar. OBJECTIVOS O registo é sobretudo um suporte informativo, re- flectindo o estado de saúde do utente, e um meio de co- municação, permitindo comunicar factos relevantes. Contribui para as cinco áreas no âmbito da actividade médica: 1) Auxiliar de memória 2) Transferência de informação 3) Avaliação de qualidade 4) Formação 5) Investigação Em MGF a consulta faz parte de uma série, tem efei- *Médica de Família,Chefe de Serviço no CS de Venda Nova Assistente Convidada da Cadeira de Medicina Geral e Familiar,da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa Maria João Queiroz* SOAP Revisitado RESUMO O registo clínico é uma ferramenta essencial na gestão clínica. É um suporte informativo e meio de comunicação, reflecte a qualidade dos cuidados médicos, contribui para a formação e para a investigação. Em Medicina Geral e Familiar a necessidade de organizar os dados provenientes de cuidados prestados de forma contínua e por longos períodos vem relançar o tema, re- analisar a pertinência da utilização da metodologia habitualmente seguida, nomeadamente avaliar a actualidade do SOAP e a sua adaptabilidade face às novas aplicações no registo. A propósito do método, este artigo salienta as suas virtuosidades e os seus pontos fracos, e sugere algumas estratégias para lhes fazer face. Palavras-Chave: Registo clínico; SOAP.

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  • Rev Port Clin Geral 2009;25:221-7

    221dossier: a consulta

    INTRODUO

    Oregisto clnico tem assumido um interessecrescente em Medicina Geral e Familiar(MGF), dependente da necessidade de me-lhorar a eficincia dos servios assisten-

    ciais. Este maior protagonismo converteu o bom regis-to clnico numa das principais ferramentas do mdicode famlia,1 nomeadamente para a gesto clnica, enca-rada tanto do ponto de vista do doente individualmen-te considerado, como do ponto de vista da gesto e ava-liao dos servios.2 O registo clnico um instrumen-to operacional e um componente decisivo dos cuida-dos mdicos, que contribui para a sua qualidade e areflecte. No projecto MoniQuOr os registos clnicos fo-ram alvo de avaliao por serem essenciais continui-dade de cuidados, para o desenvolvimento cientfico epara a proteco mdico-legal.3

    O mdico de famlia presta cuidados por longos pe-rodos de tempo aos mesmos utentes. A exemplo, emPortugal, grande parte dos mdicos de famlia mantma mesma lista de utentes h cerca de duas dcadas. Estefacto obriga a coleccionar e gerir um manancial muitovolumoso de dados informativos. A tarefa de registardeve ser encarada como uma necessidade de traduzirno presente, de forma fiel, o estado de sade do doen-te, assim como de, no futuro, planear e monitorizar oseu acompanhamento. obrigao do registo ordenara informao colhida, facilitando a reflexo para a to-

    mada de decises,4 para a auto-aprendizagem e para acomunicao interpares.

    Segundo Weed5 o registo no um repositrio est-tico de observaes mdicas estruturadas, mas antesum instrumento de comunicao e s um registo orga-nizado pode ser considerado um documento cientfi-co. Assim nasceu, por si proposto, o Registo MdicoOrientado por Problemas (RMOP), de que a MGF seapropriou desde a dcada de 70, trazendo-o at actua-lidade e adaptando-o inclusivamente a suportes infor-mticos, apesar de ter sido criado para o registo em pa-pel, facto que bendiz da sua versatilidade.

    objectivo deste artigo fazer uma viagem ao longoda vida til deste mtodo, salientar as suas virtuosi-dades nomeadamente da sua componente SOAP, as-sim como chamar a ateno para as limitaes que lheso inerentes, apontando alguns caminhos para as con-tornar.

    OBJECTIVOSO registo sobretudo um suporte informativo, re-flectindo o estado de sade do utente, e um meio de co-municao, permitindo comunicar factos relevantes.Contribui para as cinco reas no mbito da actividademdica:1) Auxiliar de memria2) Transferncia de informao3) Avaliao de qualidade4) Formao5) Investigao

    Em MGF a consulta faz parte de uma srie, tem efei-

    *Mdica de Famlia, Chefe de Servio no CS de Venda NovaAssistente Convidada da Cadeira de Medicina Geral e Familiar, da Faculdade deCincias Mdicas da Universidade Nova de Lisboa

    Maria Joo Queiroz*

    SOAP Revisitado

    RESUMOO registo clnico uma ferramenta essencial na gesto clnica. um suporte informativo e meio de comunicao, reflecte aqualidade dos cuidados mdicos, contribui para a formao e para a investigao. Em Medicina Geral e Familiar a necessidadede organizar os dados provenientes de cuidados prestados de forma contnua e por longos perodos vem relanar o tema, re-analisar a pertinncia da utilizao da metodologia habitualmente seguida, nomeadamente avaliar a actualidade do SOAP e asua adaptabilidade face s novas aplicaes no registo.

    A propsito do mtodo, este artigo salienta as suas virtuosidades e os seus pontos fracos, e sugere algumas estratgias paralhes fazer face.

    Palavras-Chave: Registo clnico; SOAP.

  • lacunas formativas, pode fazer sobressair problemasque meream ser investigados. tambm ao ficheiroclnico que se pede frequentemente contributo numafase inicial dos estudos descritivos para investigaoclnica.

    McWhinney11 identifica tambm cinco objectivosmais operativos, dado que a informao deve estar di-rigida para a aco. Segundo Zurro, gerir implica esco-lher entre alternativas diferentes, implica emitir um ju-zo baseado na anlise rigorosa da informao adequa-da. So nomeados da seguinte forma:1) Aceder rapidamente aos dados bsicos do doente2) Fornecer dados contnuos sobre os problemas de

    sade3) Acompanhar as consultas do doente4) Fornecer dados para organizar medidas preventivas5) Contribuir para a educao contnua

    A boa acessibilidade da informao e a facilidade nasua circulao melhoram a performance da equipa desade, potenciam a relao do utente com os seus di-ferentes elementos e multiplicam oportunidades deeducao para a sade.

    O registo contnuo beneficia sobretudo os doentescom doena crnica, devendo reflectir em qualquermomento o grau de controlo da doena e os problemaspassados que possam fazer prever problemas poten-cialmente significativos decorrentes do estado de sa-de actual (ex. de doente diabtico no compensado,com internamento no passado por coma diabtico, ouo caso do doente hipocoagulado, com INR instvel).

    O registo sistemtico das consultas do doente per-mite caracterizar o perfil de consumo de cuidados m-dicos e a sua cronologia, informaes que podem orien-tar o mdico para a verdadeira natureza subjacente aosproblemas apresentados. Os indcios podem ser corro-borados se outros elementos do agregado familiar rein-cidirem no mesmo padro de consumo.

    O facto dos registos traduzirem os cuidados de sa-de prestados por longos perodos de tempo ao doentemelhoram a planificao de actividades preventivas. Oacesso ao registo de datas de procedimentos preventi-vos prvios permite calendarizar os prximos.

    Para alm do que foi dito sobre formao contnua,a continuidade de cuidados e consequentemente deregistos do a oportunidade ao mdico de conhecer ahistria natural das doenas.

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    tos cumulativos e um contexto cronolgico e est inte-grada num ciclo de cuidados. Esta complexidade rela-tiva a cada utente, multiplicada por muitos, obriga omdico a socorrer-se de uma memria escrita, exten-svel, dinmica e eficaz. Os dados armazenados servemo mdico assistente ou outro que transitria ou defini-tivamente o substitua, na medida em que o processoclnico acompanha a transferncia do doente, no Ser-vio Nacional de Sade. tambm do processo clnicoque so transferidos dados para outras bases de dados(Registo Oncolgico Regional, DiabCare, entre outros)ou elaborados relatrios para referenciao, para outrasfinalidades ou a pedido do doente.

    O registo clnico por vezes a nica fonte que per-mite recolher informao sobre a actividade clnicapelo que fornece dados para auditorias e investigaojudicial. Na base da auditoria pode estar a necessidadede comparar a performance do indivduo face ao gru-po, avaliando a qualidade tcnico-cientfica ou outradas dimenses da qualidade, corrigir vcios de atitude,mas serve sempre objectivos didcticos. A avaliaodos registos deve verificar o contedo clnico essencial,sem excessos e facilmente colectvel e localizvel.6

    No basta fazer bons registos para se fazer boa medici-na,7 mas h uma correlao entre a qualidade do regis-to e a qualidade da prtica. Tambm em tribunal, o re-gisto actualizado e completo a melhor defesa: para ajustia um acontecimento no registado um aconte-cimento inexistente. Segundo o Cdigo Deontolgicoda Ordem dos Mdicos (art. 77), o mdico...tem o di-reito e o dever de registar cuidadosamente e pode in-correr em pena disciplinar por falta nos actos de orga-nizao e funcionamento.8

    O adulto aprende atravs da sntese do conjunto deinfluncias exteriores, tendo em conta os seus contex-tos, e apropria-se do seu prprio processo de formao.9

    A confrontao sistemtica do actor (mdico) com assuas aces, que na prtica mdica decorrente da ve-rificao incontornvel no doente, do impacto das me-didas tomadas, vai facilitar a auto-anlise. O registo duma preciosa ajuda: sinaliza erros e omisses, reforaconhecimentos, aptides e atitudes que esto na basedos procedimentos clnicos. O treino do registo clnicopode ser uma estratgia de ensino-aprendizagem por-que de forma indirecta se reflecte sobre a consulta.10

    A reviso de ficheiro, para alm de poder identificar

  • RMOP SOAPO RMOP um sistema de resoluo de problemas. Fezo ano passado 40 anos e a MGF portuguesa pratica-mente desde o seu incio, h cerca de 30 anos, o adop-tou e implementou como mtodo de registo. Continuaa responder s necessidades da actualidade e, apesar daimportncia e especificidades de cada uma das suascomponentes, sobre as notas de seguimento ou pro-gressivas SOAP e a gesto do seu contedo que se fa-zem as consideraes a seguir. S de Subjectivo regista o ponto de vista do doente

    para alm das queixas, os sentimentos. O de Objectivo traduz o ponto de vista do mdico,

    com dados registados sem vis, incluindo os resul-tados de testes de diagnstico.

    A de Avaliao identifica o problema e o seu graude resoluo data. A formulao dos problemasdeve ser o mais precisa possvel, evitando-se conjec-turas com base em dados para alm dos disponveis:pode ser um sintoma ou um sinal. O problema deveconstituir um facto clnico,12 excluindo dvidas,interrogaes ou negaes, porque uma hiptese re-duz a amplitude da investigao clnica. A hiptesediz respeito ao mdico que a coloca e no ao doen-te. o A que alimenta a lista de problemas, exclu-so feita s situaes agudas auto-limitadas e queno apresentam relevncia para o seguimento futu-ro do doente.

    P de Plano prope as medidas teraputicas, os pe-didos de exames complementares de diagnstico(ECD), a referenciao e o aconselhamento feito, eagenda a prxima consulta de reavaliao. O planodeve questionar a importncia do problema para odoente, para alm das investigaes a empreender.

    PONTOS FORTES VIRTUOSIDADESA valorizao da continuidade de cuidados em MGFimplicou a criao de um sistema que respondesse necessidade da gesto da multiplicidade dos dados. OSOAP evita uma soluo de continuidade na transmis-so da informao, tornando-se por excelncia no m-todo de registo longitudinal. H que referir, no entan-to, que a independncia relativa de cada episdio deconsulta registado permite a sua anlise transversal,facto oportunamente usado para fins diversos, como o caso, entre outros da formao contnua, ou da colhei-

    ta de dados para outras bases de dados.O SOAP um sistema racional de registo por duas ra-

    zes principais: primeiro, porque a traduo escritaresumida, objectiva e despida de detalhes suprfluos,dum episdio de consulta e, segundo, porque as suascomponentes S, O, A e P se podem correlacio-nar com os passos da consulta.13 Poder-se- acrescen-tar uma terceira, que a harmonia na cascata: Consul-ta Registo Codificao.

    A pedra de toque do SOAP como nota de seguimen-to reside no facto da sua estrutura manter uma sequn-cia temporal em episdios com identidade e dataoprprias, independentes, facilmente identificveis. Aorganizao dos dados usando estas 4 letras em po-sies fixas e sequenciais, em que o mesmo tipo de da-dos sempre registado na mesma posio relativa, fa-cilita a legibilidade e a procura retrospectiva de umdado especfico, como por exemplo percorrer os Ppara aceder data do pedido de um determinado exa-me para diagnstico ou do envio consulta hospitalar.Este facto permite poupar tempo, pois alguns estudosreferem que metade do tempo de consulta gasto pelomdico na leitura dos registos, a fazer anotaes e aatender o telefone, em detrimento da ateno presta-da ao doente.14

    O Mtodo permite registar muita informao empoucas palavras, evitando dados acessrios que apenascausam rudo. Registam-se exclusivamente os dadosreferentes aos problemas que pertinente tratar naconsulta em questo, estando respeitada a cronologiados acontecimentos. Na consulta seguinte, facilita obterfeed-back dos procedimentos efectuados e assim actua-lizar a lista de problemas e ajustar o plano.

    A medicao tem sido considerada a componentemais importante da nota de seguimento, devendo porisso estar bem identificada de forma que tanto o mdi-co assistente como algum que o substitua lhe acedamfacilmente.

    A colheita de dados retirada deste mtodo de re-gisto facilita as auditorias, dada a sua grande objec-tividade e pequena ambiguidade. fcil ao auditorperceber a lgica da abordagem clnica, facilmentecorrelaciona o plano com a avaliao, a colheita de da-dos objectivos com as queixas apresentadas, no ha-vendo necessidade de especular sobre as intenes domdico.

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  • PONTOS FRACOS VICISSITUDESA multiplicidade de consultas pelo mesmo motivo cl-nico pode conduzir recolha repetitiva de elementospouco informativos que nada acrescentem ao que sequer saber sobre o doente, multiplicando informaoexcedentria, de interesse transitrio, soterrando e dis-persando os dados verdadeiramente importantes.

    Podem identificar-se alguns aspectos negativos re-lacionados com o registo em geral e de forma especfi-ca com cada um dos patamares do SOAP.

    Os efeitos de uma consulta podem influenciar a con-sulta seguinte por provocarem alteraes na sade dodoente assim como podem melhorar a sua compreen-so da sade, o que determinante para a melhoria dociclo de cuidados. A clarificao de dvidas, mitos ecrenas permite conhecer o contexto do doente, com-preender as suas atitudes, e como consequncia ajudara lidar com os seus problemas de sade. Muitos pro-blemas que o doente traz consulta so de natureza psi-colgica ou social, sendo necessrio explorar as suasideias, preocupaes e expectativas e a forma comopensa poder ser ajudado pelo mdico. Muitos proble-mas no podem ser tratados, mas tm de ser cuidados,ajudando o doente a lidar com a situao. Prever asreaces emocionais esperadas e regist-las, de formaa pressupor o efeito de qualquer interveno na doen-a e na vida do doente, melhora a compreenso sobreas preocupaes e comportamentos do doente. Segun-do McWhinney, a incapacidade do mdico para lidarcom este tipo de problemas leva a consultas disfuncio-nais e medicalizao da vida. Daqui decorrente, ad-vm o comprometimento da qualidade do registo Sub-jectivo e Objectivo: os dados que se reportam a com-portamentos, sentimentos, emoes, preocupaes,preconceitos e ideias acerca da natureza dos proble-mas, esto subnotificados.15 A linguagem no verbal tambm de difcil traduo escrita. A subnotificaocompromete o feedback podendo pr em causa a con-sulta seguinte e o ciclo de cuidados.

    A Avaliao est tambm sujeita a subnotificao,nomeadamente dos problemas sociais e dos factores derisco.

    O Plano executivo tem pontos fracos que se relacio-nam com as duas ltimas das suas trs subdivises 1) ECD, 2) medidas teraputicas e 3) medidas educativas.

    A medicao crnica registada no plano apenas se

    reporta aos problemas avaliados na consulta, ficandode fora toda a prescrio referente a outras afeces. por isso difcil manter a medicao actualizada, ocor-rendo omisses frequentes, o que no raramente con-duz a erros grosseiros. Estas falhas no registo so po-tenciadas pelas consultas telefnicas ou quando as al-teraes so propostas a terceiros, frequentemente ou-tro familiar que aproveita a vinda consulta paratambm pr questes e fazer pedidos em nome de ou-tro, ou ainda por modificaes introduzidas nas con-sultas hospitalares .

    A educao do doente e as medidas preventivas e deapoio propostas so dados habitualmente negligencia-dos no registo. O registo sistemtico do aconselhamen-to disciplina o mdico para a procura de solues ne-gociadas, para a partilha de informao e para a atri-buio de tarefas que impliquem mais o doente no seuprocesso teraputico.

    O FUTURODe uma forma geral poder-se- afirmar que h que ul-trapassar as duas maiores dificuldades ligadas ao regis-to em MGF: o excesso de dados e a sua omisso. Em re-lao ao primeiro, necessrio expurgar dados supr-fluos, fazendo resumos periodicamente para sumarizara informao importante.

    H vrias medidas para combater a omisso de da-dos, dependendo das situaes em que ocorre:1) Melhorar o registo da medicao

    A actualizao do registo sobre a medicao crni-ca fundamental. Na literatura mdica h vrias pro-postas para atenuar o problema e a que colhe maioraceitao o registo em folha prpria para prescri-o, onde esteja contemplada a posologia, nmerode doses e horrio de tomas, a suspenso e eventualmotivo.

    2) Melhorar o registo das oportunidades preventivasA actualizao da morbilidade permite identificarpacientes em risco e estabelecer um plano preven-tivo. As actividades preventivas s respeitam o calen-drio preconizado se houver um sistema que avise omdico da necessidade e do momento de aplicao.Precisa-se assim de construir um registo memoque, de forma sistemtica, recorde os procedimen-tos a aplicar a cada doente. H que pr em marchao Mapa de Procedimentos, que nas linhas prope os

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  • conta a mudana na direco do olhar, com potencialnegligncia de ateno ao doente, como refere Victor Ra-mos. Outros pontos que limitam a qualidade dos fichei-ros electrnicos so a sua indisponibilidade por falha dosistema, a morosidade no registo, sobretudo a introdu-o de alguns dados especficos, a menor evidncia doperfil de consumo, estando oculto o processo gordo.

    O eventual comprometimento da relao mdico--doente, devido intruso do computador como umaterceira pessoa, pode ser minimizado utilizando es-tratgias que demonstrem ao doente que o mdico estinteressado em si, como seja fazer pequenas pausas noregisto e procurar com frequncia o contacto visual,sobretudo em momentos chaves da consulta, e mant--lo quando se pem questes mais delicadas e enquan-to se ouvem as respectivas respostas. Nas consultas cujomotivo se relacione com sofrimento psicolgico evi-dente, com expresso emocional intensa, o registo po-der mesmo ser diferido para um tempo ps consulta.O computador poder ser integrado na consulta na pre-sena do doente, atravs da sua humanizao, falandodele ao doente como o meu aliado, a minha segun-da memria, e tambm pela demonstrao das van-tagens, como exemplo a monitorizao facilitada daprescrio, destronada a tradicional letra de mdico,com a consequente diminuio dos erros de leituraconducentes troca de medicamentos dispensados nafarmcia.

    A confidencialidade dos dados, devido sua circu-lao mais livre, pode ser posta em causa. Assim, o re-gisto apenas distncia de um clique pode correr orisco de ser suplantado pelo registo em papel ou, pelomenos, no o substituir definitivamente. Habitualmen-te, o Registo Mdico considerado um sistema hbri-do, compreendendo documentao electrnica e empapel.18 Esta duplicidade decorre tambm da dificulda-de da adaptao do RMOP ao desenvolvimento desoftware adequado. Na dcada de 90 foi implementadoo sistema OHEAP (Orientao, Histria, Exame, Avalia-o e Plano) para ultrapassar as dificuldades ligadas utilizao informtica do SOAP.19 Enquanto a lista deproblemas teve aceitao generalizada, o seu desenhoe a sua funo em experincias de desenvolvimento fo-ram variadas e inconsistentes, com falta de acordo uni-versal e grande confuso sobre os dados padro. Foramtidas como necessrias as seguintes qualidades da lis-

    procedimentos preconizados de acordo com o seugrau de evidncia, e nas colunas, as idades-chave emque devem ser efectuados. Os resultados podem fi-car anotados nas interseces, utilizando o cdigo deN ou A, para normal e anormal, respectivamente.

    3) Melhorar o registo do aconselhamentoO registo do aconselhamento um aspecto sobretu-do importante nas doenas crnicas e nos factoresde risco ligados aos estilos de vida. So disso exem-plo o pedido de auto-controlo glicmico feito aodoente diabtico; a folha de aconselhamento ali-mentar distribuda ao utente com dislipidmia; oaconselhamento feito sobre exerccio fsico; a pro-posta de ajuda para deixar de fumar ou a negociaofeita sobre a quantificao e datao de perda depeso, no doente obeso.O doente, para alm de ser portador da Folha de Pres-

    crio e de alguns panfletos informativos, deve, sobretu-do em caso de urgncia ou em viagem, ter um passapor-te de sade onde constem os seguintes problemas: en-farte de miocrdio, diabetes mellitus, alergias medica-mentosas, medicao hipocoagulante e o estado vacinal.

    O registo mdico electrnico (RME) pode introduzirmelhoria global no registo, inclusivamente diminuir oscustos com a sade. Como refere o recm-eleito presi-dente Obama, We will make sure that every doctors of-fice and hospital in this country is using cutting edgetechnology and electronic medical records so that we cancut red tape, prevent medical mistakes, and help save billions of dollars each year.16 Em 2005 previu-se umapoupana de 81 bilies de dlares devido implemen-tao do RME.17

    A legibilidade a primeira qualidade a ser beneficia-da, para alm de fazer a gesto eficaz de grande volumede informao disponvel. A rapidez de acesso, a capa-cidade de armazenamento, a segurana com a possibi-lidade de fazer cpias de segurana, a poupana, a ver-satibilidade, podendo usar cdigos para vrios utiliza-dores, a facilidade de arquivo e a interface com outrosprogramas e registos, a troca de informao, o acompa-nhamento de processos, a organizao de actividades,assim como a anlise estatstica da informao, so as-pectos no menos importantes. Mas muitos outros ver-bos podem caracterizar os ficheiros electrnicos: cata-logar, arquivar, distribuir, consultar, editar, publicar.

    Quando se faz o registo informtico h que ter em

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    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIAMaria Joo QueirozRua Dr. Mascarenhas de Melo, n 3 R/C Esq. 1500-245 Lisboa

    Rev Port Clin Geral 2009;25:221-7

    dossier: a consulta226

    ta de problemas para o sucesso da implementao in-formtica dos registos clnicos: centralidade clnica, co-dificao dos problemas, apoio para a resoluo de pro-blemas, historicidade dos problemas, apoio para dife-rentes opinies clnicas, integrao das funes do cir-cuito processual, apoio ao registo administrativo,integrao de ferramentas clnicas.

    O software para o registo clnico disponvel nos Cen-tros de Sade usa o SOAP como mtodo de registo. Oseu manejo torna-se moroso e difcil para o utilizadorna medida em que os programas informticos que o su-portam (nomeadamente o SAM) vivem mais centradosnas duas funcionalidades inicialmente desenvolvidas -a agenda mdica e a prescrio. O facto do doente noser a centralidade deste processo criou algumas defici-ncias das quais se destacam o acesso limitado aos da-dos por abertura sucessiva de campos de forma pro-gressiva e regressiva frequente; o registo dos dados cl-nicos feito com alguma complexidade, havendo neces-sidade de digitar os mesmos dados em quadrosmltiplos; o acesso aos meios complementares de diag-nstico e teraputica organizados de forma pouco in-tuitiva (exemplo, entre outros, da prescrio dos trata-mentos de fisioterapia); a inacessibilidade dos dadospara reviso do ficheiro e do seu tratamento aps cin-co dias da data da consulta.

    necessrio limar as arestas, corrigir os defeitos emelhorar estes suportes simplificando-os, tornando--os mais atractivos a fim de generalizar a sua utilizao.Um objectivo mais ambicioso ser introduzir as altera-es necessrias para melhorar a interaco entre osprogramas utilizados nas diversas instituies de sa-de de forma a que a transferncia e tratamento dos da-dos seja feito com menor esforo possvel.

    ABSTRACTThe medical record is an essential tool for clinic management. Its contributions are invaluable: as an informational support, asa communication tool, as a medical care evaluator and as a research and traineeship contributor. In General Practice it is criti-cal to create an organized and sustainable data storage for medical care. That need brings to discussion the relevance of usingthe old fashioned methods, especially SOAP, and its adaptability towards the new record applications.

    This article highlights SOAP strengths and flaws, suggesting some strategies to overturn them.

    Keywords: Medical Records; SOAP.