[slides] (2013) fracasso escolar

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Fracasso escolar: o que professoras do ensino fundamental têm a dizer sobre ele? Eliseu de Oliveira Cunha (Bolsista PIBIC/FAPESB) Maria Fernanda de Magalhães Moreira (Bolsista PIBIC/CNPq) Amanda da Silva Suzarte (Bolsista PIBIC/CNPq) Orientadora: Profª. Drª. Maria Virgínia Machado Dazzani UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA Núcleo de Estudos sobre Desenvolvimento e Contextos Culturais (CNPq)

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Page 1: [Slides] (2013) Fracasso escolar

Fracasso escolar:o que professoras do ensino

fundamental têm a dizer sobre ele?

Eliseu de Oliveira Cunha (Bolsista PIBIC/FAPESB)Maria Fernanda de Magalhães Moreira (Bolsista PIBIC/CNPq)

Amanda da Silva Suzarte (Bolsista PIBIC/CNPq)Orientadora: Profª. Drª. Maria Virgínia Machado Dazzani

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAINSTITUTO DE PSICOLOGIA

Núcleo de Estudos sobre Desenvolvimento e Contextos Culturais (CNPq)

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Considerações Iniciais❏ Transformações histórico-sociais das quais o fracasso escolar é tributário:

❏ Da invenção da infância à emergência da escola moderna [1];

❏ Da pluralidade imprevisível à uniformização “controlável” do aprender [2];

❏ Da invenção da norma à patologização do desvio [3];

❏ Da miscelânea à desigualdade social e educacional [4];

❏ Da universalização do acesso à escola à irrupção do fracasso escolar [5].

❏ Objetivo: Descrever e analisar os significados de fracasso escolar entre professores do ensino fundamental I que atuam em escolas públicas e privadas de Salvador.

[1] Ariès, P. (1981). História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC.[2] Tunes, E. (2011). É necessária a crítica radical à escola? In: Tunes, E. (org.). Sem Escola, Sem Documento. Rio de Janeiro: E-papers.[3] Patto, M. H. S. (1996). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz.[4] Foucault, M. (2004). Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes.[5] Lira, G. D. (2008). Fracasso Escolar: Visão de Professores nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental da Cidade de Cajazeiras PB. Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugual.

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Percurso Metodológico❏ Participantes: 8 profªs do EF1: 4 rede privada (P1-P4), 4 rede pública (P5-P8);

❏ Materiais e Instrumentos:❏ Ficha de dados sociodemográficos (FDSD);❏ Roteiro de entrevista narrativa;❏ Aplicativos de gravação de áudio e de transcrição de áudio;❏ Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

❏ Procedimento:❏ Divulgação convidativa e marcação de entrevistas com aceitantes;❏ Assinatura do TCLE, Preenchimento da FDSD e realização da entrevista;❏ Transcrição integral dos áudios e categorização em banco de dados;❏ Síntese e análise dos dados à luz de literatura previamente levantada.

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Resultados e Discussão❏ I) Fracasso Escolar: causalidade e responsabilidade

i. O aluno e suas idiossincrasias

❏ “aluno meu (...), que não aprende, é porque ele não quer” (P7); “é característica particular da pessoa, né?” (P5); “a reprovação é porque não querem mesmo” [1] p. 70;

❏ Individualização: culpabiliza/condena o aluno e oculta o impacto de outros agentes e instâncias, inclusive o professor e a escola [2].

ii. Relação família-escola

❏ Obstáculos à parceria: capital econômico (privada) e capital cultural (pública) [2];

❏ PRIVADA: “pai entrega o filho como se você fosse educar. (...) a escola que eduque” (P3);

❏ PÚBLICA: “passa atividade pra fazer em casa, tem família que nem cobra, (...) nem sabe” (P5); “a mãe não sabe ler direito, o pai não sabe ler, ninguém vai perguntar se ela fez dever (...) porque ele sai às 4 da manhã, 5 da manhã e só chega de noite” (P7).

[1] Lira, G. D. (2008). (idem)[2] Ferrarez, S. T. (2009). O Professor Diante do Fracasso Escolar: um estudo de caso da ideologia docente. Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo – SP. 3/12

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Resultados e Discussãoiii. A Escola e o Estado

❏ “o fracasso também é meu, é da (...) instituição que não está aberta a pensar em outras pedagogias” (P1); “é do professor, é do sistema de ensino, é da gestão da escola” (P6).

❏ A escola não é uma instituição abstrata: análise crítica do poder público e seu descaso com a educação e com a valorização do professor [1];

❏ “tem escola que a gente encosta e a estrutura física da escola tá desabando” (P6); “também do governo, em relação à política de valorização, de formação” (P5); “Você sabe quanto é o salário de um professor da rede municipal? (…) com um salário desses, trabalhando 60 horas, você faz o que? Faz por menos, né? O braço dói, a coluna dói, dói tudo (...) não é fácil não, meu filho, vida de professor (...) vá ser psicólogo!” (P7).

[1] Angelucci, C. B., Kalmus, J., Paparelli, R. & Patto, M. H. S. (2004). O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-2002). Educação e Pesquisa, 30 (1), 51-72. 4/12

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Resultados e Discussão❏ II) Idealização da média e padronização do ensino

❏ Parâmetro adotado para o veredito de quem fracassa na escola: zona média, ideal, de ação e aprendizado (dentro=“êxito”; fora=“fracasso”) [1];

❏ “Não lida com (...) as competências e habilidades da série do jeito que deveria ser” (P7). “Você tem que dar conta do programa. (...) embora a gente coloque que há uma flexibilidade (...) não pode deixar de dar conta de 80, 90% do que é estabelecido” (P2).

❏ Conaturalização: o “programa”, o “estabelecido” (P2), “as competências e habilidades da série” (P7) [exigências e expectativas educacionais; social, política e historicamente construídas] ←→ o “lidar com” [do aluno] (P7) = “jeito que deveria ser” (P7). Correspondência do aluno = dado natural [2];

❏ “O professor, hoje, na realidade que a gente tem, ele trabalha para o aluno de mediano pra cima. Quem tem dificuldade fica lá, à toa. (...) O resto é resto” (P7);

[1] Tunes, E. (2011). É necessária a crítica radical à escola? In: Tunes, E. (org.). Sem Escola, Sem Documento. Rio de Janeiro: E-papers.

[2] Lajonquière, L. (1999). Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. Petrópolis, RJ: Vozes.5/12

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Resultados e Discussão❏ III) Falência Pedagógica e Terceirização do cuidado educativo

❏ “se eu perceber que (...) já tentei demais, (...) peço pra escola chamar a família (…) pra família encaminhar pra fazer uma avaliação” (P5). “quando (...) são outras questões, que fogem à demanda do professor, (...) precisa de outros profissionais (...) uma dislexia, uma discalculia, uma dislalia, (...) um déficit de atenção, ou uma hiperatividade” (P8).

❏ PSIs na escola: “‘fulano não tem nada', e pro aluno que tivesse, ele dissesse 'olhe, ele tem isso, é assim (...) que você deve tratar' (...) se tiver um diagnóstico, fica até mais fácil, (...), assim, eu não vou ficar insistindo tanto e eu vou usar aquela metodologia adequada” (P5).

❏ Inaptidão em lidar pedagogicamente com a diferença → patologização e busca por diagnóstico → perda da visibilidade sobre a especificidade pedagógica → transferência da função a “especialistas” em “transtornos de aprendizagem” [1].

[1] Aquino, J. G. (1997). O mal-estar na escola contemporânea: erro e fracasso em questão. In: Aquino, J. G. (org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Sumus. 6/12

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Resultados e Discussão❏ Caso/aluno (P5): A gente passava as atividades, todo mundo tranquilo, sentado e o menino (...)

começava a correr, começava a bater (...) isso me incomodava, né? (...) não tinha por que ele fazer aquilo (...) 'não, tem alguma coisa!', e, quando foi investigar mesmo, tinha! Aí, depois, ele começou a tomar remédio, começou a dormir na sala (...) foi diagnosticado como hiperativo (...) ele começou a engordar, e à mãe, eu disse: 'ó, mãe, antes ele não ficava quieto, agora ele tá dormindo' (...). Dormia na sala, aí a mãe dizia: 'não, é o remédio'. Eu disse: 'então fale com o médico pra poder uma dose...', porque (...) se ele não sentava antes, que era correndo, né, e agora, dormindo, também não vai aprender da mesma forma. Aí ficou nessa agonia e ela (...) [tirou o garoto da escola]. Ele chorava, né.

❏ Como discursos alheios à escola podem deliberar sobre um quadro sintomático de raízes institucionais? Aluno não é caso clínico abstrato [1];

❏ Não é desprezar a individualidade ou repelir o viés clínico, afinal há um sujeito que sofre [2] (tutelarmente silenciado e quimicamente contido), mas evitar o reducionsimo, atrelando “toda a contextualização social necessária” [3], p. 40.

[1] Aquino, J. G. (1997). O mal-estar na escola contemporânea: erro e fracasso em questão. In: Aquino, J. G. (org.). (idem)[2] Cordié, A. (1996). Os atrasados não existem: Psicanálise de Crianças com Fracasso Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas.[3] Silva, R. C. (1994). Fracasso escolar: a quem atribuir? Paideia, 7, 33-41.

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Resultados e Discussão❏ IV) Formas de enfrentamento do Fracasso Escolar

i. Aproximação da escola à realidade cultural do aluno

❏ Caso/vizinhos (P6): “tinha vizinhos meus que jogavam baralho e contavam plenamente. Sabe, crianças que (...) liam um rótulo e interpretavam de uma forma (...). Mas, na hora de colocar no papel é que eles têm uma dificuldade muito grande (...) como é que uma criança dessa não tem conhecimento? Tem conhecimento sim. É porque a escola não está pegando esse conhecimento para poder pôr em prática (...). A escola tende a quê: 'não, aqui é a escola e não me importa muito o que está acontecendo lá fora’”. {Freire e a educação bancária; ignorância é do outro [1]};

❏ Proposta (P4): “os alunos chegam para nós cada um com sua história, com seu conhecimento de mundo. Não existe quem sabe mais ou quem sabe menos. Existem saberes diferentes, histórias diferentes, culturas diferentes, modos de vida diferentes. Então, cabe à gente, professor, tomar toda essa gama de informação como ponto de partida para direcionar nossa prática. Eu não vou trabalhar com meu aluno uma realidade que ele não vive. (...) é partir da realidade que ele nos traz pra daí eu fazer as adaptações em cima dos meus objetivos” {Freire e a práxis dialética [1]}.

[1] Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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Resultados e Discussão❏ IV) Formas de enfrentamento do Fracasso Escolar

ii. Nova sensibilidade pedagógica diante da diversidade

❏ Atenção especial ao aluno c/ dificuldade: “Perguntar para o aluno, por exemplo, 'o que foi que você pensou para resolver esse problema?', 'por que você deu essa resposta?', 'está tendo algum problema?', 'por que você não está conseguindo resolver?'” (P1);

❏ Osquestrar a diferença: “[alunos c/ facilidade] podem monitorar os outros, ajudar (...) [na] realização de tarefas, (...) monitorar o momento de leitura, (...) realizar a leitura na sala de aula em vez da profª (...) existem muitas possibilidades, a gente precisa abrir os olhos p/ enxergá-las” (P2).

iii. Melhorias na escola e nas condições de trabalho, formação continuada❏ ”classes menores, a escola integral (...), o professor esteja ali (...) só por um turno na sala de aula.

No outro, ele vai estar estudando, preparando material, analisando (...) cada aluno, o que é que Fulano precisa” (P7); “o professor precisa estar empenhado no exercício de reflexão mesmo, ele precisa estar comprometido com sua formação, ele precisa estar discutindo em equipes” (P2);

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Resultados e Discussão❏ V) Impasses e desafios à efetivação das alternativas propostas

❏ i. Descompasso formação/realidade: “uma coisa é você estudar na faculdade, outra coisa é você assumir uma sala de aula. (...) nossa graduação, pelo menos a minha, não me preparou para a sala de aula (...). O pessoal lá na faculdade fica teorizando: 'ah, é assim...', mas só na prática que você vai ver o que é realmente. Não tem como, isso é da vivência” (P5). “universidade[s] carecem muito desses laboratórios de o estudante de educação falar como é que funciona a sala de aula” (P1); {Freire [1]: do conservadorismo curricular ao contato precoce e perene c/ escola};

❏ ii. Descompasso propostas/condições: “entender a criança, (...) [o] contexto sociocultural (...). Só que, na hora, quando você pega uma sala (...) com 33 crianças, você tem que entender cada uma, pensar em Piaget, pensar em Emília Ferreiro, sabe, e ter que pôr aquilo na prática não é muito fácil não (...) muitas vezes, há condições que fazem com que a gente precise recuar” (P6); {Problemas típicos de escolas públicas [2], mas também nas particulares} "Que outro espaço fora da carga horária eu tenho para poder dar conta disso? A gente lida também com essas impossibilidades. (...) a escola lhe paga por X carga horária de serviço, então você tem que dar conta daquele serviço [em X] (...). às vezes uma criança precisa de um tempo maior e não dá para dar conta do programa no mesmo tempo e espaço que eu dou para uma grande maioria” (P1).

[1] Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

[2] Mello (2005) apud Lira , G. D. (2008). (idem) 10/12

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Resultados e Discussão❏ V) Impasses e desafios à efetivação das alternativas propostas

❏ iii. Descompasso salário/carga horária: "nem o tradicional funcionaria se uma questão básica, fundamental, não for resolvida (...) se não resolver a equação salário – carga horária, nada vai mudar na educação. (...) Professor não pode trabalhar 40 horas dentro de sala de aula. Não dá, não vai dar, não tem condição, porque, aí ele não planeja, ele não estuda, ele não vai refletir sobre o que ele faz, certo? (...) como é possível você fazer educação com algum nível? (...) não tem como, não tem teoria que dê certo nisso. Não é humanamente possível. Os equívocos, os erros, as dificuldades vão se avolumando e, de repente, a pessoa [o professor] perde, perde o tesão, perde o encanto, (...) deixa de acreditar, deixa de acreditar de que vai, e começa a fazer por menos, começa a não ter mais vontade de ir pra escola (...) eu, meus colegas, passam anos e anos sem nunca ler um livro (...). Nunca leu um livro inteiro de Paulo Freire. Não sabe quem é Vygotsky, não conhece nada, entendeu? O livro é pra botar na estante" (P7).

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Considerações Finais❏ De quem é o “fracasso” mesmo?

❏ P1: “nem sempre o fracasso é o fracasso. É um momento, (...) reprovar uma criança em uma (...) série não significa que ela não tenha competência (...) Ele não tem tido avanço no mesmo ritmo da grande maioria (...), mas ele tem tido avanços. (...) um olhar mais cuidadoso em relação a isso para que a gente não rotule esses meninos e não responsabilize eles por não estarem dando conta do programa no mesmo ritmo (...) do grupo (…) o fracasso seria esse: entender, promover tudo igual para um monte de crianças que são diferentes (...). A gente tem que começar a pensar mesmo nessa diversidade que a gente tem dentro da sala de aula, não trabalhar a educação do ponto de vista de um modelo único”.

❏ Fracasso do “controle social da aprendizagem” → o aprendizado é um processo singular, vinculado às vivências sociais do sujeito, e irredutível a padrões e classes [1, 2, 3];

[1] Vygotsky (1987) apud Tunes, E. (2011). (idem)

[2] Tunes, E. & Pedroza, L. P. (2011). (idem)

[3] Queiroga, M. S. N. (2005). (idem)12/12