sistematização de experiências

31
Sistematização PRESERVANDO A NATUREZA, RECICLANDO VIDAS, REDUZINDO A VIOLÊNCIA de Experiências

Upload: associacao-reciclazaro

Post on 07-Mar-2016

256 views

Category:

Documents


25 download

DESCRIPTION

Com o intuito de ver nossos Programas e Projetos sendo replicados, criamos esse livro, que mostra um pouco do dia a dia da Associação Reciclázaro e como a entidade cria respostas concretas aos desafios da vida e ao enfrentamento às mais diversas situações de vulnerabilidade social da cidade de São Paulo.

TRANSCRIPT

Page 1: Sistematização de Experiências

SistematizaçãoPRESERVANDO A NATUREZA, RECICLANDO VIDAS, REDUZINDO A VIOLÊNCIA

de Experiências

Page 2: Sistematização de Experiências

RealizaçãoAssociação Reciclázaro Praça Cornélia,101Água BrancaSão Paulo ■ SP Fone: (11) 3871-5972www.reciclazaro.org.br

FundadorJosé Carlos Spinola

PresidenteMaria Angela Mantovani Bastos

Supervisor geralAparecido Martins

Sistematização e redaçãoKarina Fortete

ProduçãoEt Cetera EditoraRua Caraíbas, 176 ■ Casa 8Vila Pompeia ■ 05020-000São Paulo ■ SPFones: (11) 3368-5095 ■ (11) 3368-4545www.etceteraeditora.com.br

RevisãoAna Luiza Oliveira

FotosYuri Catelli

SumárioO nome Reciclázaro forma-se da conjunção do verbo reciclar com o substantivo Lázaro. Reciclar vidro, plástico, papelão, mas fundamentalmente, reciclar o ser humano. Assim como Jesus diz para Lázaro “levanta-te e anda!” ressuscitando milagrosamente após três dias da sua morte, a Reciclázaro diz para as pessoas: “Lázaros, Lázaras, levanta-te e anda, recicle-se”, devolvendo-lhes a autonomia, a dignidade e a alegria de viver.

apresentação, José Carlos Spinola ■ 4

como tudo começou ■ 6

promovendo a vida, capítulo 1 ■ 10

Casa de Simeão ■ 12

República para Idosos Tatuapé ■ 15

Casa Marta e Maria: uma questão de direitos ■ 17

Casa Guadalupe: tratar o corpo, cuidar do espírito ■ 20

geração de trabalho e renda, capítulo 2 ■ 22

De comunidade produtiva a cooperativa ■ 24

Tijolo ecológico: é tudo de bom! ■ 27

Gasômetro: de morador de rua a artesão ■ 33

Casa São Lázaro: centro de acolhida com inserção produtiva ■ 34

intervenção comunitária, capítulo 3 ■ 38

De dentro para fora: abrindo as portas ■ 40

De fora para dentro: Comunidade do Belém ■ 43

educação ambiental, capítulo 4 ■ 46

Coleta Seletiva Solidária: fique por dentro ■ 48

Centro de Formação Profissional, Educação Ambiental e Geração de Renda ■ 50

Programa de Compensação Ambiental ■ 52

Arte, cultura e meio ambiente ■ 54

contando histórias, reciclando vidas... ■ 55

Do Rio para São Paulo, das ruas para a cozinha: a história do Seu Sérgio ■ 56

O oficineiro que bate as asas: a história do Seu Flávio ■ 56“Sempre que eu traçar uma meta, eu vou chegar lá”: a historia da Gi ■ 57

glossário ■ 59

Page 3: Sistematização de Experiências

apresentação

Eles estavam do lado esquerdo da praça. Quando eu ia para o lado esquerdo, eles iam para o centro, quando eu ia para o centro, eles iam para o direito ou para o esquerdo, eles fugiam. Até que um dia não se moveram e me deixaram chegar. Eu ficava escutando a história deles, quando eles choravam, eu chorava, se eles riam, eu ria, se eles brincavam, eu também brincava. Foi assim como começamos uma tarde de 1997 na Lapa, e é assim como continuamos manhã, tarde e noite, em vários bairros da cidade de São Paulo.

Hoje somos mais e estamos em mais lugares, fazemos novas coisas, chegamos a mais pessoas, cres-cemos, inovamos, nos vinculamos, erramos, aprendemos, mas uma coisa mantivemos: a simpatia pela vida e a empatia pelo ser humano.

Com o intuito de ver a nossa ação, sendo replicada em muitos presentes e futuros, criamos esse livro, que mostra como pouco a pouco e dia a dia, a Reciclázaro encontra respostas concretas aos desafios da vida e às provocações do destino.

Desejamos também que a leitura destas histórias os inspire a participar da construção deste mundo novo, um mundo baseado na justiça social, no amor, na solidariedade, na fraternidade, porque não adianta ficar reclamando, é necessário transformar a realidade. É necessário enxergar com os olhos de quem quer lembrar e não de quem quer esquecer porque esquecidos... eles já têm sido.

Queridos colegas, funcionários, voluntários, parceiros, enfim, queridos amigos, dedicamos esse tra-balho a todos vocês, por fazerem parte de nossa reciclagem; dedicamos também essas páginas a to-dos os moradores de rua que já participaram de algum de nossos programas e saíram vitoriosos, mais fundamentalmente, dedicamos esse livro, a todos aqueles que ainda hoje passam as noites jogados na rua cobertos com papelão, porque são os que nos dão a força para acordar a cada dia, com uma nova ideia e com uma nova esperança.

José Carlos spinola

Fundador da Associação Reciclázaro

Page 4: Sistematização de Experiências

quando tudo começou...

A Associação Reciclázaro nasce em 1997 para dar uma resposta concreta a uma realidade concreta: a de promover o resgate da cidadania das muitas pessoas marcadas pela violência e o abandono, que ficavam dia e noite, na Praça Cornélia, do bairro da Lapa.

A sementinha foi plantada por José Carlos, um padre, um sonhador que, enquanto celebrava a missa enxergava, com a entrega de quem se reconhece entre os irmãos, o povo que ficava do lado de fora, oscilando entre a apatia e a desesperança. Sem ter muitas certezas sobre o que fazer, aproximou-se deles, ouvindo suas histórias e dividindo risadas. Ganhar a confiança deles foi quase tão difícil como legitimar suas ideias para a comunidade. Porém, primeiro um, logo dois e depois três, que em seguida viraram multidão; foram sensibilizados por um evangelho que reconhecia na palavra de Deus, o ser humano em toda a sua complexidade; assumem o grande desafio.

O primeiro passo foi alugar um espaço onde puderam tomar banho, trocar de roupas, fazer as re-feições, ser escutados por uma equipe multidisciplinar, orientados para recuperar a sua cidadania e encaminhados para as diferentes redes de saúde e socioassistenciais. Tornou-se um espaço de aco-lhida e de relações que juntava no mesmo lugar, moradores de rua e comunidade local. Porém, eles eram pessoas capazes, pessoas com habilidades, que estavam sendo invisíveis aos olhos do mercado carecendo de uma ocupação. Foi assim que, correndo os riscos inerentes a concretizar uma nova ideia, pensou-se em formas de gerar emprego e renda que além do sustento econômico, lhes dera a possi-bilidade de atingir novas conquistas nas outras esferas da vida.

Com esse intuito e esse desejo, foi feita uma grande assembleia entre todos os que passavam pela casa. O resultado: todos os que ali estavam tinham em algum momento das suas vidas, se envolvido com o material reciclável; todos eles já tinham pegado latinha, papelão, e vendido para donos de “fer-ro velho”. A partir dessas experiências divididas, monta-se o programa de coleta e triagem de mate-riais recicláveis, o qual dez anos mais tarde, vira uma cooperativa autossustentável que inspira novos projetos da própria associação e de organizações parceiras.

Um atrás do outro, foram aparecendo novos desafios, novos públicos, novas conquistas e novos parceiros. Apoiados pela comunidade, empresas privadas, poder público e organismos internacionais, e uma equipe humana dinâmica e corajosa de colaboradores, funcionários e voluntários, o raio de atuação amplia-se vastamente atendendo desde o ano de 1997 muitas dessas pessoas que com sol ou com chuva, ocupam as ruas da cidade e procuram um lugar no meio da indiferença e da apatia dos que ainda não despertaram.

Page 5: Sistematização de Experiências

8 sistematização de experiências quando tudo começou 9

A Reciclázaro baseia seu trabalho em quatro eixos fundamentais:

Promoção SocialVisa a promoção do cidadão participativo, responsável, que ao mesmo tempo em que é acolhido, é desafiado a identificar e experimentar suas aptidões pes-soais e sociais, apoiado por processos educativos que contribuem para o seu desenvolvimento.

Geração de RendaFoca na formação do ser humano produtivo, para que, sendo capaz de utilizar suas habilidades e valendo-se dos seus recursos pessoais, atinja a mudança efetiva que o tire da situação de exclusão e o integre efetivamente à vida social do espaço que ocupa.

Intervenção ComunitáriaTendo como referência o modelo de tratamento com base comunitária, desen-volvido e utilizado por uma rede de organizações latinoamericanas, os projetos desenvolvidos pela organização combinam as ações de organização e articulação em rede, assistência básica, educação, terapia e trabalho, abordando o ser humano integral, em suas diversas esferas.

Educação AmbientalAtua buscando criar uma relação harmoniosa entre as pessoas e a natureza, orien-tando na utilização adequada dos recursos e no respeito dos seus limites. Quando ambos se reconhecem, a reciclagem da latinha e do homem vem junta.

Etapas do processo de inserção social

Os eixos do trabalho

Missão: reintegrar na sociedade pessoas em situação de risco social e dependentes químicos, por meio de ações socioambientais, de modo a restabelecerem sua participação ativa como cidadãos, conhecerem e defenderem os direitos básicos desta cidadania, nas áreas de promoção humana, saúde, educação e trabalho, com acesso à sustentabilidade através de atividades de geração de renda.

Visão: construir alternativas para a reinserção da população em situação de vulnerabilidade social e preserva-ção do meio ambiente.

missão e visão

Sonho que se sonha junto Os programas que a Reciclázaro cria não são de permanên-

cia, são de passagem. Não de uma noite ou de duas, mas, de passagem para outro estágio, o da autonomia. Nesse sen-tido, todos os programas que são implementados contêm um forte componente de reinserção social que farão com que a pessoa adquira as condições necessárias para voltar a participar da vida em sociedade, já não sob a proteção da instituição, porém preparada para assumir tal desafio.

Durante a permanência das pessoas nos programas, ela-bora-se coletivamente, o projeto de vida de cada uma e a partir desse planejamento, trabalha-se em conjunto para que efetivamente possam concretizá-lo.

Algumas das opções que contribuem fazendo a ponte entre os programas e a vida fora deles, são: a integração no sistema educativo, a inclusão no mercado de trabalho formal, a criação de alternativas de geração de emprego

e renda adaptáveis á sua realidade, a orientação para o acesso à previdência social, o cuidado de sua saúde física, psíquica e emocional, e o apoio na retomada dos vínculos familiares e comunitários.

Os destinos são vários, porém alguns se repetem em mais de uma história. A conquista de uma renda mensal e com isso o aluguel de uma moradia individual ou dividida com companheiros, colegas, ou filhos, acontece com fre-quência. A restituição dos vínculos com as famílias assim como a volta para a terra de origem, aquela que deixaram há muitos anos são também opções escolhidas habitual-mente. Outras vezes, principalmente no caso dos idosos, eles continuam necessitando da proteção que lhes oferece um centro de acolhida e mudam-se para centros de longa permanência, mantendo muitas vezes algum tipo de vin-culo com seus colegas e com a casa que deixaram.

De olho na inclusão Se fizermos o exercício de colocar a expressão “inclusão

social” no buscador mais utilizado da internet, obtere-mos mais de 2.040.000 resultados. Se colocarmos a frase no mesmo buscador, desta vez em espanhol, o resultado será de 1.060.000 e se o fizermos em inglês, obteremos 2.610.000 sites relacionados. Há muitas pessoas escreven-do, pesquisando, discutindo sobre o assunto, no entanto, os índices de desigualdade não decaem e a brecha entre os que mais têm e os que nada possuem cresce de forma ininterrupta.

Está na hora de trocar conceitos por ações e a miséria por melhores condições porque quando o assunto é incluir, o caminho não é outro senão o de reconhecer a diferença para integrá-la e dividir a experiência para multiplicá-la.

A Reciclázaro inclui quando reconhece no idoso aquele “velho” experiente e faz com que entenda que ser pobre e ter

mais de sessenta anos não é o fim, e sim o recomeço. Quan-do vê na moça, às vezes menina, às vezes mulher, a coragem de quem, mesmo marcada pela violência e o abandono con-tinua em frente, e faz com que acredite que novas histórias podem ser narradas.

Inclui quando descobre no morador de rua um ser hu-mano resiliente e faz com que apesar da adversidade, con-quiste novos espaços; quando enxerga no jovem a rebeldia de quem não se conforma e faz com que ele mesmo dese-nhe caminhos mais verdadeiros. Quando aceita da criança o sorriso que acende a esperança, e faz com que mesmo na dificuldade, não abandonem a sua verdade.

A Reciclázaro inclui sobre tudo, quando entra no univer-so do ser humano que tem na sua frente, e o respeita como ele é; não como um objeto de intervenção e sim como um parceiro na ação.

Page 6: Sistematização de Experiências

promovendo a vida

Comprometidos com a questão social e buscando chegar a mais pessoas que se encontram desprotegidas, a Reciclázaro protagoniza uma série de projetos que buscam garantir a proteção e a promoção social das pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade.

A percepção subjetiva que os moradores de rua têm de suas próprias necessidades e a multidimen-sionalidade de sua situação, demanda soluções também complexas e multidimensionais. Isto desafia à Associação a criar projetos audaciosos que respondam às situações emergentes da sociedade e assim contribuir para o bem estar da população se ocupando não só da proteção, senão também da promoção das suas capacidades, a objetivação dos riscos e a abertura de oportunidades. Só assim as pessoas poderão ser sustentáveis em suas projeções.

Com esse compromisso, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através da SMADS cria-se a Casa de Simeão que cuida e prepara para a vida em sociedade cento e oitenta idosos, que encontram, além de proteção, muitas oportunidades para se reencontrar com suas subjetividades e viver a sua velhice com qualidade de vida.

Como resultado desse processo de empoderamento que começa na Casa de Simeão, forma-se a República do Idoso Tatuapé que, com o apoio da Cáritas Alemã, abriga dez idosos que conquistaram sua autonomia e desfrutam de fazer parte de uma família menor.

Também em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através da SMADS, surge a Casa de Marta e Maria, que acolhe quarenta mulheres e trinta crianças, marcadas pela violência e a vida na rua, geran-do novas oportunidades que deixam outras marcas, as da coragem e a valentia, de força e superação. Assim, na mesma luta por aliviar os sinais que a exclusão e a miséria deixam, promove-se a vida cui-dando de mulheres portadores do vírus do HIV, e fazendo com que elas retomem os sentidos, os vitais e os do coração, ambos necessários para não abandonar a luta.

1.

Page 7: Sistematização de Experiências

12 sistematização de experiências promovendo a vida 1312 sistematização de experiências

Entende-se a acolhida como um con-junto de ações diárias que fazem com que o idoso melhore suas condições de vida, em um processo permanente que não se limita ao dia de chegada do novo integrante. Para isto, a casa de Simeão de-senvolve um duplo processo interativo: o da proteção e a promoção. O primeiro inclui um programa de cuidado da saúde física, mental e emocional integrado com a escuta qualificada que os técnicos ofe-recem; assim como a inclusão em progra-mas de proteção social e o fortalecimento de novas relações junto com a retomada de antigos vínculos sociais e familiares.

■ Ofereça espaços de lazer, com jogos, leitura e palavras cruzadas que mantenham o cérebro do idoso sempre ativo.

■ Promova passeios ao ar livre, o sol é ótimo para melhorar os ânimos!

■ Motive-os a realizar atividades físicas, é bom para o cor-po e é bom para o espírito.

■ Proporcione alimentação balanceada, melhora a saúde e a vitalidade.

■ Realize rodas de conversa e motive as diferentes formas de expressão. Escute-os.

■ Divida as atividades da casa com os idosos, melhora as relações e fomenta as responsabilidades.

Acolhida: proteção e promoçãoEm prol da promoção da autonomia

plena e do exercício da cidadania, inclui-se os idosos na cogestão da casa, assu-mindo um papel importante na organi-zação e manutenção do espaço, assim como também se estimula a sua parti-cipação em espaços de discussão, rodas de conversa e eventos comunitários, nos quais interagem com outras pessoas e em outros ambientes, se mostrando como seres capazes e protagonistas de suas próprias histórias, favorecendo os processos de reinserção social.

12 orientações que contribuem para um ótimo desenvolvimento da pessoa idosa:

Um diferencial da Casa de Simeão é a cogestão do espaço realizada com a participação ativa dos idosos. Eles são divididos em grupos para realizar a limpeza dos espaços comuns e o auxílio na cozinha.

Dita estratégia promove o trabalho em equipe e a socialização, o cuidado do espaço de convívio, a valorização do próximo e o exercício de novas habilidades além de auxiliá-los quando for a hora de deixar a casa para conquistar a moradia autônoma.

Fazendo Juntos!

■ Crie as regras em conjunto, serão mais facilmente cum-pridas e dará melhores resultados.

■ Ofereça uma estrutura física segura e livre de riscos. ■ Crie uma rede de apoio que permita diversas interven-

ções e contribua com a melhora da qualidade de vida da pessoa idosa.

■ Incentive as atividades dentro e fora do espaço de convivência.

■ Motive-os a aprender coisas novas e a ensinar aos outros.

■ Trate-o como você gosta de ser tratado. Olhe-o como você gosta de ser olhado.

Eles são curiosos, têm muito a con-tar. Com cabelo branco e rugas que evidenciam os anos, jogam dominó e contam suas histórias, fazem a barba e saem para dar “um rolê”. Dão uma olhada no jornal e os mais corajosos revisam sua caixa postal. Reclamam de tudo e de todos quase por costu-me, porém sentem-se felizes quando alguém pergunta, olho no olho, como vai o senhor? Com a sabedoria que lhes deu a vida e a cautela que lhes advertiu a rua, os idosos da casa de Simeão envelhecem com autonomia, administram seus conflitos e ganham qualidade de vida.

A Casa de Simeão, que é a casa tam-bém de cento e oitenta homens com mais de sessenta anos, alguns dos quais tem necessidades especiais, é um dos primeiros projetos desenvol-vidos na maior metrópole do país, para a atenção da pessoa idosa prove-niente de situações de vulnerabilida-de social. A iniciativa é uma conquista da parceria entre organizações sociais e poder público que correm atrás dos muitos anos de esquecimento, no qual os idosos ficaram por nunca ha-verem tido uma política de atenção.

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta priorida-de, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convi-vência familiar e comunitária.

estatuto do idoso – art. 3º

No ano de 2003 dá-se um salto qua-litativo em relação a esta população e cria-se no Brasil o Estatuto do Idoso e posteriormente a Política Nacional do Idoso, ante o emergente cenário que teve origem nas muitas mudanças do padrão demográfico, vale dizer, o aumento da expectativa de vida, a queda das taxas de fecundidade e mortalidade infantil e os avanços no tratamento das doenças que resultam no progressivo envelhecimento da população. Embora a aplicação total do Estatuto esteja longe de alcançar os níveis desejados, a participação cidadã e os resultados atingidos pe-las organizações sociais que cuidam dessa população específica, entre as

quais se destaca a atuação da Casa de Simeão, têm sido fundamentais para promover a efetiva aplicação da legis-lação vigente.

A metodologia de trabalho utiliza-da na Casa de Simeão baseia-se no reconhecimento do idoso em seu ser integral, possuidor de sabedoria e experiências, que em um processo de educação permanente e realinha-mento de suas visões e expectativas, constrói novos caminhos, mais abran-gentes, mais dignos. Trabalha-se no combate ao isolamento, sobre a base da escuta e a negociação, alimentan-do o desejo do idoso de continuar a desenvolver o seu potencial humano e intelectual.

Casa de simeão

Page 8: Sistematização de Experiências

■ Orientações práticas na área de higiene.

■ Palestras sobre saúde com profissionais da área médica.

saúde

Das muitas lições que a Reciclázaro aprendeu, uma está sempre presente no cotidiano da organização: os serviços gerenciados são o espaço no qual tudo se inicia e não onde tudo se conclui.

Promover uma alternativa de moradia autônoma com segurança para que pessoas idosas, sem laços familiares estabelecidos e que recebem renda mínima, possam sair definitivamente da rua, parecia ser só mais uma utopia vista no horizonte. No entanto, a certeza de estar fazendo a coisa certa e a coragem de abraçar novos desafios fez com que a Reciclázaro em parceria com Cáritas Alemã e a própria população envolvida, criasse, em 2007, a primeira República para pessoas com mais de sessenta anos em si-tuação de rua, na cidade de São Paulo.

A República para Idosos Tatuapé é um projeto diretamen-te vinculado com a Casa de Simeão, pois os dez moradores que a integram residiram naquele abrigo apresentando vontade de morar em um espaço menor porém não sozi-nhos, um espaço que lhes ofereça maior segurança, porém com ampla liberdade.

■ Tardes de jogos: realização de campeonatos de dominó e baralho.

■ Tarde de cinema: apresentação de filmes com o propósito edu-cativo e/ou entretenimento.

■ Atividades culturais externas: programa regular de visitas a mu-seus, parques, teatros, cinemas, shows, bailes e eventos, mantido em regime de parcerias com o poder público e as empresas.

Lazer

■ Florais de Bach.■ Reiki.■ Participação em grupos

anônimos.

terapia

Geração de renda: programa de estímulo para o retorno ao está-gio produtivo, através da parti-cipação em oficinas e confecção de materiais.

inserção

■ Produção de jornal-mural: reuniões bimestrais que preparam a pu-blicação de um jornal-mural no qual se trabalham os temas mais im-portantes sugeridos pelos idoso.

■ Sócio-drama: atividade de teatro que reúne conviventes e funcioná-rios para encenar temas que reflitam o cotidiano da casa.

■ Oficina musical: iniciativa pioneira que deu origem à banda “Roda de Samba”, formada por idosos da casa, que se apresentam em eventos internos e externos.

■ Oficina de colagem, desenho e pintura: aulas dirigidas a idosos com limitação motora e que, por meio da arte, exercitam a coordenação de movimentos e de cognição.

■ Elevação da Escolaridade: programa especial que segue o método Paulo Freire de empoderamento a partir da visão de mundo do pró-prio educando.

■ Inclusão digital: oficinas que favorecem a inserção no mundo da in-formática e o uso da internet.

ações socioeducativas

■ Informação e discussão sobre o Estatuto do Idoso.

■ Reunião nos apartamentos forta-lecendo os vínculos.

■ Assembleias dentro da casa.■ Participação em passeatas para a

reivindicação de direitos.

participação

Partindo do pressuposto de que a preservação da auto-nomia e da independência são condições fundamentais para levar uma vida bem sucedida, a casa é gerenciada por eles mesmos, que são responsáveis pela manutenção do espaço, o pagamento das despesas e o cuidado de suas próprias vidas. Contam com um regimento interno que os auxilia na administração da rotina e com apoio de uma equipe técnica que acompanha os processos, podendo promover espaços de diálogo e reflexão sobre temas diver-sos, além de participar das assembleias mensais que são combinadas.

Essa experiência proporciona aos moradores uma maior integração social e participação efetiva deles na comunidade, instituindo novas relações, formando uma densa rede subjetiva de apoio e se localizando frente aos novos pontos de referência, além de fazer com que iden-tifiquem suas competências e coloquem a prova antigas resistências enquanto se enxergam mais tolerantes, soli-dários e ativos frente ao convívio coletivo.

repúbliCa para idosos TaTuapé

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais al-cançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

eduardo galeano

A República como modelo inovador de moradia e inclusão social para as pessoas idosas, convoca os diferentes se-tores que compartem os mesmos objetivos para discutir a elaboração de propostas similares. Assim, com uma visão ampliada e o desejo de multiplicar experiências positivas, a Reciclázaro divide sua experiência e busca influenciar a criação de novas políticas públicas para idosos.

experiências positivas que inFLuenciam poLíticas púbLicas

promovendo a vida 15

Page 9: Sistematização de Experiências

16 sistematização de experiências

A Casa Marta e Maria através de processos educativos e socializantes promove a autonomia e as encoraja para enfrentar novos desafios oferecendo, em paralelo, uma densa estrutura de apoio. O intenso trabalho motivacional, de autoconhecimento e resgate da autoestima que se realiza em con-junto, tem contribuído para que as mulheres da Marta e Maria participem ativamente da proposta pedagógica, a qual adaptam, criticam, modificam, ampliam, e sobre todo, enriquecem.

Desigualdade, discriminação, inequidade, falta de opor-tunidades, ausência nos âmbitos de decisão, presenca mi-noritária nos espaços de poder, são só alguns dos fatores que cruzam a vida das mulheres ainda hoje e ocupam as discussões dos diversos setores que trabalham em prol dos direitos humanos. O Brasil, país de grande riqueza multicul-tural, que impressiona o mundo com seu constante cresci-mento econômico, ainda mantêm uma grande dívida em relação à igualdade de gênero, ocupando em 2006 a 50ª posição entre os 149 países do índice de equidade de gê-nero segundo o Observatório da Cidadania.

A primeira e mais importante violência que uma socieda-de pode padecer é a indiferença perante os direitos do seu povo e mudar essa situação depende em grande parte, da atuação da sociedade civil organizada que, com sua capaci-dade e sensibilidade, demonstra com ações permanentes e eficazes, o poder transformador que possui. Nesse contex-to, funda-se em 2003 a casa Marta e Maria que garante em

“Morávamos no Simeão e a equipe fez a pro-posta para que viéssemos morar na Repú-blica, nos disseram que aqui seria uma casa onde iríamos nos conhecer e nos tratar como se fossemos uma família e com toda a liber-dade, embora tenha um regulamento. A vida aqui se torna mais gostosa. Entre nós existe respeito, um procura ajudar o outro”.

Wilson

Os resultados positivos da República de Idosos Tatuapé, nos motivam a pensar em novas ini-ciativas como a criação da EcoVila, um projeto que pretende oferecer moradia definitiva para sessenta idosos que se encontram na rede socioassistencial da cidade.

A proposta é reproduzir um modelo compartilhado de gestão, onde os idosos dividem as tarefas, os custos e o gerenciamento da moradia, tornando o projeto de baixo custo e autossustentável.

vamos construir Juntos? Juntos É meLhor!

■ O modelo não é rígido e deve se adaptar às realidades do grupo.

■ É importante que prévio à mudança de casa, o grupo se conheça, realize atividades em conjunto e divida alguns espaços de convivência.

■ Os regimentos foram feitos para serem modificados e é preciso ter isso presente.

■ Um sistemático processo de seleção das pessoas que irão morar na casa não garante a convivência harmoniosa, é preciso estar preparados para lidar com os conflitos que se originem.

■ A liberdade de ir e vir, de fazer e de não fazer é um bem muito prezado para os idosos, é indispensável garantir tais condições.

Lições aprendidas■ A convivência lhes proporciona um sentimento de segu-

rança que não obtêm em casas de acolhida com maior número de pessoas e isto é muito valorizado por eles.

■ O acompanhamento da equipe técnica deve estar em sintonia com o processo do grupo, deixando-o correr naturalmente.

■ O pagamento compartilhado das despesas faz com que as pessoas se apropriem do espaço.

■ É um modelo de intervenção de baixo custo que atinge resultados muito positivos.

primeiro lugar, um espaço seguro e a possibilidade de criar novos desfechos para velhas histórias

Setenta rostos. Setenta olhares. Setenta individualida-des. Setenta histórias de vida que às vezes divididas, às vezes sob sete chaves, reclamam atenção e inspiram de-dicação. Quarenta são as mulheres e trinta as crianças, que vindos de diferentes pontos do país, moram na casa de Marta e Maria. A maioria é encaminhada pelo CRAS Moo-ca, outras pela ampla rede de parceiros. Muitas delas têm filhos, outras sonham em tê-los. Algumas dão gargalhadas e gostam de chamar a atenção, outras choram. Têm as que usam álcool e outras drogas e as que não. As que comple-taram o ensino médio e as que apenas sabem ler. Poucas já trabalharam, muitas nunca foram empregadas. Algumas tiveram a rua como seu lar, outras saíram de casa em busca de um. Todas são mulheres corajosas e habilidosas, inven-tando um novo destino.

Casa marTa e maria:uma Questão de direitos

promovendo a vida 17

Page 10: Sistematização de Experiências

promovendo a vida 1918 sistematização de experiências

Já dizia o filósofo espanhol Gregorio Marañon “viver não é só existir, senão existir e criar, saber gozar e so-frer, e não dormir sem sonhar”. Na casa de Marta e Ma-ria todo mundo é convidado a sonhar e colocar por escrito como concretizará esses sonhos, construindo em conjunto com a Assistente Social e a Psicóloga o seu “projeto de vida”.

A criação do projeto de vida é um momento chave no qual cada uma reflete sobre a situação anterior, enxer-ga o presente e desenha o seu futuro, estabelecendo metas de curto e médio prazo, que exigem o reconheci-mento de suas próprias capacidades e a valorização do seu ser produtivo. Dita dinâmica é importante também porque oferece ferramentas concretas que orientam os técnicos e educadores nas intervenções específicas que desenvolvem no decorrer do processo.

Sonhos por escrito

O dia a dia na casa Marta e Maria Entre cumplicidades e caretas, ela vai se deixando

conquistar. Um dia o pega no colo, outro o amamen-ta antes mesmo dele reclamar, uma manhã o observa atentamente enquanto ele dorme, e assim, aos pou-cos, a relação entre mãe e filho se reconstrói, revigo-ra e permanece. E entre cumplicidades e caretas, as histórias se repetem.

Eu e o meu filho

“Eu me salvei, eu estava perdida, de repente encontrei um lugar que me acolhia e principalmente que recebia meu fi-lho. Temos tudo e gosto de ficar aqui.”

anna mora há oito meses na casa

O grande desafio da casa é o de reconstruir laços e promover relações, indispensáveis para criar espaços de confiança e proteção.

As atividades desenvolvidas funcionam como mediadoras de conflitos e promotoras dos vínculos, promovendo o reconhecimento do seu ser mulher e a reconciliação com a sua história ao mesmo tempo em que propiciam a interação com a equipe de referência, entre pares e com o ambiente que ocupam.

Fortalecendo vínculos

■ Retomada de vínculos com redes positivas.■ Redução de danos do uso de álcool e outras drogas.■ Conquista da cidadania plena.■ Inclusão no sistema escolar.■ Inserção no mercado laboral.■ Fortalecimento da autoestima.■ Conquista da moradia autônoma.■ Melhora da relação mãe-filho.■ Modificação de comportamentos.■ Aquisição de novas habilidades e competências para a vida.

Resultados

Page 11: Sistematização de Experiências

promovendo a vida 21

“A Casa Guadalupe investe na qualidade de vida, no ser pro-dutivo, capaz de interagir com a comunidade e restabelecer vínculos familiares, superando o preconceito.”

eliana, coordenadora da Casa Guadalupe

A cada hora se diagnosticam 300 novos casos de infecção por HIV no mundo, e do total das pessoas que vivem com o vírus, 50% são mulheres. Mulheres de todas as idades e con-dições sociais; mulheres que são mães, filhas, amigas, tias, irmãs, avós, colegas de trabalho. Mulheres que tem um dia pela frente e uma doença da qual cuidar, mulheres que so-frem preconceito e lidam com as dificuldades diariamente.

Muitas dessas mulheres moram nas ruas e são aban-donadas pelas suas famílias, excluídas de seus lugares de trabalho, rejeitadas pela sociedade, olhadas sem ser vis-tas. Esses fatos não fazem mais que agravar a situação de vulnerabilidade na qual elas se encontram, e muitas vezes, permitir que a doença avance sem dar trégua.

Inspirada nessas histórias cria-se a Casa Guadalupe, que fundada no ano de 1998, no bairro da Lapa, torna-se um espaço de acolhida e tratamento com capacidade para doze mulheres de baixa renda portadoras do vírus do HIV, que se encontram em um estágio avançado da doença no qual precisam de cuidados especiais com a sua saúde.

A Casa Guadalupe é modelo de referência no atendi-mento a mulheres na cidade de São Paulo pela qualidade

Casa Guadalupe:tratar o corpo, cuidar do espírito

do serviço, o qual visa o tratamento do ser humano inte-gral, em suas dimensões física, emocional, mental e es-piritual, que se influenciam reciprocamente. Especialista nesse tipo de tratamento, mantém seu padrão de excelên-cia, diferenciando-se especialmente pela melhora da qua-lidade de vida que as mulheres atingem no transcurso do tratamento, muitas das quais restabelecem seus vínculos familiares e se preparam para uma vida mais autônoma e saudável.

Conta-se com um espaço fisicamente adaptado e tecni-camente preparado que contribui para que elas restabele-çam sua saúde enquanto resgatam sua autoestima e con-quistam sua autonomia.

Do mesmo modo que a inspiradora desse espaço, a Nos-sa Senhora de Guadalupe “fez crescer flores em uma coli-na semidesértica em pleno inverno”, a Casa Guadalupe faz crescer a esperança em uma sociedade semi-indiferente em pleno século XXI. E assim, entre a luta permanente pela sobrevivência e as condições alheias às quais cada uma deve se enfrentar surge a força interior de quem deseja se reencontrar.

O modelo de tratamento objetiva trabalhar os diversos aspectos das mulheres que permane-cem na casa, tratando o corpo e cuidando do espírito, combinando o tratamento médico com atividades de reinserção junto ao meio social.

■ Tratar o corpo: o acompanhamento médico regular, a ingestão da medicação indicada e o consumo de alimentação balanceada e supervisionada caso a caso, evidenciam os primei-ros avanços do tratamento. Paralelamente, as sessões de fisioterapia orientadas a trabalhar sobre os possíveis distúrbios decorrentes da doença lhes proporcionam maior mobilidade e harmonia corporal.

■ Cuidar do espírito: na promoção do seu ser pleno a casa conta com um grupo de volun-tários e parceiros que oferecem atividades socioeducativas assim como, oficinas artísticas e terapêuticas. Algumas são realizadas dentro do espaço comum e outras em instituições parceiras promovendo a interação com outras pessoas e a integração social em outros ambientes.

Modelo de Tratamento

Um grupo humano que acompanha, que cuida, comprometido e sensível, dedicado e bem humorado compõe a equipe da Casa Guadalupe que, em parceria com o Hospital Emilio Ribas, mantêm uma completa equipe multidisciplinar. Médicos, fisioterapeuta, nutricionista, psiquiatra, psicóloga, enfermeira padrão, técnicas em enfermagem e vo-luntários trabalham coletivamente, com um olhar diferenciado e abrangente, enfrentan-do os novos desafios que cada história apresenta.

O olhar de quem cuida

20 sistematização de experiências

Page 12: Sistematização de Experiências

geração de trabalho e renda

A experiência desenvolvida pela Reciclázaro tem demonstrado como é possível fazer projetos de geração de renda em contextos heterogêneos e com as mais diversas populações. Pode ser feita a partir dos recursos que já não são úteis para alguns, porém viram receita para outros, como é o caso da Cooperativa Recicla Butantã que gera renda e melhores condições de vida para um grande número de cooperados. Ou aproveitando as novas tecnologias de baixo custo que alguns sa-bem e se oferecem a ensinar, como é a fabricação dos tijolos ecológicos que parceiros passaram para a Reciclázaro e ela animou-se a experimentar, capacitando e gerando renda para a população que está na rua. Pode ser feita em parceria com a Prefeitura de São Paulo, as empresas e a comunidade como acontece na Casa São Lázaro, sendo hoje um Centro de Acolhida com Inserção Produtiva ou embaixo de um viaduto e buscando a sustentabilidade exclusivamente através de sua produção, como é o caso do Gasômetro

São as possibilidades de transformar as condições concretas de vida as que proveem a coragem para inovar, para arriscar, e para tentar de novo quando não dá certo, porque az vezes não dá mesmo, más é possível. Não é tão fácil combinar as regras que regem o mercado com o contexto local e pes-soal que cada um traz nem tão difícil fazer com que os bons resultados sejam maiores em quantidade e qualidade.

Quando uma família gera renda, não é só dinheiro que ela consegue. É acesso à educação, saúde, tec-nologias, créditos, lazer, cultura, vestimenta, utilidades e futilidades, que fazem as pessoas se sentirem parte do contexto. Além disto, a participação em um programa de geração de renda, torna-se um fator de proteção frente às situações de risco, muito importante para o desenvolvimento das pessoas.

A partir das experiências que seguem, a Reciclázaro mostra como é possível desafiar as estruturas, contribuir com o meio ambiente e ainda aumentar a renda familiar.

2.

Page 13: Sistematização de Experiências

geração de trabalho e renda 25

“Eu trabalho há três anos e gosto, amo esse trabalho, aqui é excelente. Gosto da parte da esteira porque eu fico concentrada naquilo para fazer bem e todos os problemas que eu tenho, eu esqueço. Convidei outras pessoas para trabalhar aqui. Não é um serviço difícil, moro perto e recebo o meu salário.”

eloisa

Há mais de dez anos, ocupava-se uma grande área na região do Butantã, onde pessoas que se encontravam nas mais diversas situações de vulnerabilidade (usuários de drogas, moradores de rua, idosos, pessoas com transtor-nos mentais, etc.) eram convidadas a “chegar chegando”. Pensado para ser um lugar aberto, o Galpão que recebia o material recolhido pelo programa de coleta seletiva e tinha estrutura para classificá-lo e vendê-lo, se tornou uma possibilidade de gerar renda para uma grande quan-tidade de pessoas que recebia uma bolsa auxilio pelo seu trabalho. Renda que trouxe consigo a possibilidade de se alimentar, de conseguir um lugar para morar, de criar re-des, de levar os filhos para a escola, de ganhar autonomia e de conquistar um espaço na sociedade e o respeito do seu próximo.

Alguns erros e muitos acertos marcaram esse processo. Vários aprendizados fizeram com que no transcurso se co-gitasse a possibilidade de criar uma nova estratégia: a de promover o empreendedorismo e desafiar ainda mais os membros da comunidade produtiva para que fossem além do que a sua condição estava lhes permitindo ver.

Transcender as fronteiras do assistencialismo e contribuir com o desenvolvimento do ser produtivo de homens e mulheres que encontraram neste trabalho uma nova chan-

de Comunidade produTiva a CooperaTivace, agregado ao seu desejo de melhorar suas condições de vida, deram origem à Cooperativa Recicla Butantã.

Recicla Butantã é hoje uma cooperativa que não só reci-cla vidro, papel, plástico, recicla vidas e altera o ciclo da mi-séria e das necessidades insatisfeitas para gerar um novo, o ciclo da utilidade e da conquista.

A cooperativa funciona oito horas por dia e os coopera-dos são pessoas da região, muitos dos quais já participa-ram da rede socioassistencial da Associação. Definem as funções e estabelecem um sistema rotativo através do qual todos os membros se capacitam nas diferentes etapas, do-minando no decorrer do tempo todas as operações. São os próprios cooperados que realizam as negociações com a indústria para a venda do material reciclado e que procu-ram as melhores estratégias para alcançar resultados mais efetivos e com maior rendimento econômico.

A Reciclázaro acompanha os processos grupais, disponi-biliza a sua ampla rede de contatos, a estrutura física e o equipamento tecnológico necessário além de fornecer o material recolhido no programa da Coleta Seletiva e prover a logística necessária para que chegue ao local, porém se mantém na retaguarda, observando, apoiando, deixando-os ser, enquanto eles ganham em autonomia e reconheci-mento, em caráter e em oportunidades.

1 Formar um grupo humano com objetivos comuns.

2 Manter uma visão de progresso e superação.

3 Orientar o grupo em relação aos processos cooperati-vos e ao “ser cooperado”.

4 Contar com estrutura física e recursos tecnológicos para a produção.

5 Identificar as fontes que fornecerão os materiais recicláveis.

6 Capacitar as pessoas nas técnicas de triagem dos ma-teriais recicláveis.

7 Identificar as fontes que comprarão o material recicla-do e negociar as condições de parceria.

8 Construir um plano logístico que suporte a coleta e a venda dos materiais.

9 Escolher uma comissão que lidere os processos de for-ma coletiva.

10 Assessorar nos assuntos trabalhistas e legais, referen-tes ao sistema cooperativo.

11 Criar um regimento interno coletivamente.

Passo a passo para gerenciar uma cooperativa de reciclagem diferenciada

12 Manter assessorias externas que contribuam para atu-alizar as técnicas agregando valor.

13 Definir funções e fazer o rodízio das tarefas, para que todos os integrantes participem de todas as etapas.

14 Prover informações sobre o cuidado da saúde no pro-cesso de trabalho.

15 Valorizar o trabalho dos membros. 16 Administrar de forma transparente os recursos. 17 Dividir a renda segundo a produção e de acordo com

os critérios combinados em assembleia. 18 Fortalecer o grupo humano e promover a participação

ativa. 19 Manter reuniões frequentemente e só tomar decisões

exclusivamente nesses espaços. 20 Oferecer uma estrutura de apoio através de um grupo

interdisciplinar que acompanhe o processo. 21 Criar uma rede de parceiros que possam apoiar o

processo. 22 Promover o contato com a comunidade local na qual a

cooperativa está inserida.

24 sistematização de experiências

Page 14: Sistematização de Experiências

26 sistematização de experiências

1 Reduzir: Evitar a produção de resíduos, com a revisão de seus hábitos de consumo.

2 Reutilizar: Reaproveitar o material em outra função.

3 Reciclar: Transformar materiais já usados, por meio de processo artesanal ou industrial, em novos produtos.

4 Recusar: Produtos que prejudicam o meio ambiente e a saúde.

5 Repensar: Hábitos de consumo e descarte.

Fluxo daCooperativa

Os 5 Rs:

Integrando os conceitos de geração de renda e pro-teção do meio ambiente, com a sempre latente preocu-pação para gerar novas oportunidades de inclusão no mercado de trabalho, seja este formal ou pelas alternati-vas autogeridas, surge o projeto de fabricação de tijolos ecológicos.

Os tijolos ecológicos são construídos de solo-cimen-to que dispensa a queima do tijolo, pelo qual não gera

TiJolo eColóGiCo: é Tudo de bom!agressão ao meio ambiente, evitando o desmatamento e os resíduos da queima que são lançados ao ar. Além dis-to, a fabricação requer a utilização de uma técnica sim-ples, que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa que queira aprendê-la sem exigir conhecimento ou experiên-cia, encontrando nessa tecnologia uma excelente opor-tunidade para promover uma nova forma de gerar renda para a população atendida pela Associação.

As primeiras pilhas de tijolos fabricadas neste processo foram compradas pela Asso-ciação Reciclázaro para a construção da segunda Central de Triagem – Galpão Verde Sustentável, que formará uma nova cooperativa de reciclagem para ampliar a atuação e a possibilidade de trabalho e renda para um grupo de noventa pessoas que se encon-tram em situação de risco social.

geração de trabalho e renda 27

Page 15: Sistematização de Experiências

28 sistematização de experiências geração de trabalho e renda 29

■ Técnica inovadora.

■ Ecologicamente correto.

■ Baixo custo de produção.

■ Baixo custo de construção das casas.

■ Técnica de fácil compreensão.

■ Gera vínculos.

■ Desenvolve habilidades.

■ Promove a participação.

■ Oferece qualificação profissional.

■ Gera renda.

■ Mercado apto para ser explorado.

■ O processo de capacitação vai além de oferecer qualificação profissional para um grupo de pessoas, ele desenvolve competências pessoais e gera novos comportamentos.

■ Processos formativos requerem a adaptação metodológica e pedagógica de acordo com o tipo de população participante.

■ A oportunidade de adquirir conhecimento técnico e a partir desse, obter um produto concre-to promove o espírito empreendedor entre os participantes

■ A simplicidade da técnica faz com que as pessoas consigam se apropriar dela, completem o ciclo de trabalho e obtenham um produto elaborado por eles mesmos, melhorando a autoes-tima e gerando maior autonomia.

■ Participar de um grupo de trabalho atua como fator de proteção frente às situações de risco.

■ A diversidade dos participantes contribui para a ampliação das redes subjetivas promovendo novos relacionamentos e vínculos.

Convocam-se membros da rede de serviços socioassistenciais da Reciclázaro, da rede de parceiros e pessoas da comunidade que estejam interessadas em aprender a técnica de fabricação do tijolo, oferecendo-lhes participar de um processo de capacitação e a possibilidade de gerar sua própria renda a partir da produção.

Após período de capacitação que compreende formação teórica e prática, a Reciclázaro oferece a estrutura física e equipamentos para a sua fabricação.

Os tijolos prontos são vendidos para organizações, residências e empresas parceiras motivadas a adquiri-los pelo valor social e ambiental que estes agregam às suas construções e pela redução dos custos da obra.

O solo, o cimento e as nossas mãos

O custo final da construção de uma casa feita com tijolo ecológico pode ser reduzido em até 50% em relação a uma casa feita de alvenaria convencional. Isto porque consome menos mate-riais (areia, cimento, pedra), a fixação entre os tijolos pode ser feita usando somente uma cola, leva menos tempo de construção, permite que seja feito em regime de mutirão e exige apenas uma rápida capacitação técnica da mão de obra. Além das vantagens econômicas, o conforto térmico e acústico é muito superior ao das construções convencionais.

você sabia?

Fique por dentro!

Fabricação de tijolos:“Eu que fiz!”

Page 16: Sistematização de Experiências
Page 17: Sistematização de Experiências

Excluídos do sistema formal de emprego, porém capa-zes e competentes, muitos homens e mulheres têm se capacitado no Gasômetro, redescobrindo habilidades, aprendendo novas, sendo valorizados pelo que têm e nunca julgados pelo que lhes falta. São artistas que con-vertem o lixo em arte com a mesma coragem com a que deixaram a vida de rua, para viver a vida de artesão.

Encontram no bairro do Brás um espaço para aprender, criar vínculos e gerar sua própria renda. Além de, para muitos, ser um espaço terapêutico no qual dividem suas histórias, e redesenham seus caminhos.

Vindos da rede socioassistencial da Reciclázaro e outros serviços da cidade, as pessoas participam das mais diver-sas oficinas já existentes no espaço ou apenas procuram um recinto para desenvolver o artesanato que já praticam. O Núcleo possui oficinas de marchetaria, costura, pintura em cerâmica, marcenaria, vidro moldado, silkscreen, es-culturas de PET, decoração de ambientes com reutilização

GasômeTro:de morador de rua a arTesão

de sucatas, corte e vinco e terceirização de mão-de-obra para montagens de brinquedo e pregadores. O aprendi-zado das diversas técnicas, o espaço para se desenvolver e os trabalhos em equipe são aliados na construção da ponte entre os centros de acolhida e a vida autônoma que poderão alcançar.

A capacitação é feita através da multiplicação entre to-dos, os que dominam uma técnica ensinam aos que ainda não a conhecem e assim por diante, partindo do princi-pio de que todos possuem um conhecimento que mere-ce ser dividido com os outros. Os requisitos do mercado apresentam novos desafios a cada dia, fazendo com que os produtos elaborados estejam sempre em processo de qualificação, pois não basta fazer, é necessário fazer bo-nito. Isto é muito positivo, porque embora às vezes exi-ja mais esforço e traga algumas resistências, os motiva para o aprendizado de novas técnicas e possibilita novas conquistas.

“Esse é um lugar de passagem, as pessoas aprendem técnicas de bom gosto, comerciais, usando sucatas como matéria prima, po-dendo desenvolvê-las em qualquer lugar onde forem, gerar ren-da com resíduos fáceis de encontrar e baixo custo”.

claudia, artista e coordenadora do Gasômetro

MATERIAIS

■ Forno de vidro (temperatura mínima 900º)

■ Aparas de vidro de 2 mm de espessura

■ Riscador de vidro com ponta diamantada com compartimento a querosene

■ Alicate de abrir vidro

■ Alicate debastador (bico de pato)

■ Tinta em pó efeito bolha para vidro

■ Régua de aço com 30 cm

■ Caneta ponta porosa preta

■ Álcool

■ Bisnaguinha plástica para colocar água

■ Pincel redondo pequeno

■ Colher de sopa e de café

■ Peneira fina pequena

■ Potinho de vidro

■ Placa de cerâmica

■ Caulim (argila em pó)

■ Cola araldite 10 minutos

■ Jornal velho (forrar mesa)

■ Uma folha de sulfite

■ Detergente neutro

■ Pano de limpeza

■ Fio encerado cor neutra (preto, cru, etc.)

■ Tubo de metal com 3 mm de diâmetro e 1 cm de comprimento

■ Terminal de metal médio para bijuterias

■ Argolinhas tamanho médio

■ Ganchos tamanho médio

■ Alicate de bico para bijuterias

■ Tesoura

Colar de vidro reciclado (por cláudia soares cassiano)

1 Não imponha, escute o que o artesão gostaria de fazer e juntos ajustem o produto ao que o comércio procura.

2 Quando estiver num ponto de venda, promova a relação do artesão com os compradores.

3 Possibilite encontros entre artesãos e clientes, sem intermediários.

4 Faça com que o artesão experimente todas as áreas.

9 dicas para trabalhar geração de renda com população em risco social 5 Permita as eventuais frustrações quando algo não sai como

planejado.

6 Promova as capacidades, elogie quando o trabalho está bem feito.

7 Construa regras coletivamente e exija o seu cumprimento.

8 Acredite no ser humano produtivo que está se descobrindo.

9 Lembre-se, sempre é possível dar uma segunda chance.

COMO FAZER

Escolhendo o lado do vidro

■ Pegue um quadradinho de vidro e pingue uma gota de água na superfície.

■ Levante o vidro e observe como a água escorre, faça isso nos dois lados do vidro, o lado que formar um caminho sem falhas será usado para a pintura.

Corte do pingente de vidro

■ Escolha um pedaço de vidro de aproximadamente 10 x 15 cm.

■ Lave o vidro com detergente e seque.

■ Forre a mesa com jornal embaixo e a folha de sulfite por cima, coloque o vidro sobre a folha branca.

■ Com a régua de aço e a caneta ponta porosa me-dir quadrados de 3 x 3 cm.

■ Apoiar a régua nas linhas, passar o riscador de vidro com movimentos precisos uma só vez em cada risco.

■ Posicione o alicate de abrir vidro na extremidade dos riscos e corte.

■ Use o alicate debastador para cortar pequenos detalhes.

■ Limpe com álcool para retirar as marcas da caneta.

Preparação da tinta e pintura do vidro

■ Divida os vidros em pares, pinte somente um vidro de cada par. Pegue o potinho plás-tico coloque duas colheres de tinta de vidro em pó. Coloque água aos poucos (gotas) até formar um líquido grosso e pastoso (mingau). Com o pincel redondo pegue um pou-co desta tinta e coloque sobre o quadradinho de vidro sem deixar encostar as cerdas do pincel até cobrir todo o vidro com a tinta e deixe secar.

Preparação do pingente para colocação no forno

■ Forre a mesa com jornal e coloque a placa de cerâmica e polvilhe caulim em pó, utilize uma peneira para colocar o pó na placa. Posicione os vidros pintados sobre esta placa deixando um espaço entre eles, a parte pintada para cima. Coloque sobre cada vidro pintado o par, formando um sanduiche de vidro e coloque no forno de vidro a 800º durante 3 horas. Retire do forno após esfriar totalmente (cerca de 24 h).

Montagem do colar

■ Lave as peças com detergente e seque. Prepare uma pequena quantidade de araldite e cole um tubinho na parte detrás de cada pingente, espere secar (10 minutos). Corte três pedaços de fio encerado com 80 cm de comprimento. Passe os fios dentro do tubinho do pingente. Prenda um terminal de metal em cada ponta com três fios. Com o auxílio do alicate de bico coloque uma argolinha dentro de cada terminal. Na ponta da direita coloque o gancho.

Os produtos são elaborados a partir das sucatas pro-venientes de doações de empresas, vizinhança e coope-rativas de reciclagem. Utiliza-se uma metodologia mista na qual se combina a venda direta entre o artesão e o cliente com a venda intermediada pelo Gasômetro. Am-bas as estratégias fazem com que o artesão receba seus lucros conforme o seu trabalho e o projeto permaneça sustentável.

A venda e os clientes

A Maria Luiza era uma pessoa com transtorno mental grave, chegou ao Gasômetro encaminhada pela casa de Marta e Maria, não queria ficar perto de ninguém, achava que todos a olhavam mal e sempre discutia. Trabalhou-se com ela enquanto ela tentava, sem sucesso, recuperar os filhos que estavam em um abrigo. Ela pintava muito, era a forma que encontrava de olhar para dentro de si, e foi melhorando. Aos poucos foi fazendo amizade com as pessoas, se identificando com outras mulheres, passou a ensinar o que sabia para fazer aquele trabalho. Depois de um tempo no núcleo alugou um quarto e levou os filhos para morar com ela. Alguns dias após a saída dela do Gasômetro, a coordenadora do Núcleo recebeu um telefonema de uma moça pedindo referencias para empregar a Maria Luiza.

maria Luiza, suas pinturas e sua história

Page 18: Sistematização de Experiências

geração de trabalho e renda 35

Quem diz que não tem lugar? Quem diz que não tem o que dar? Quando um espaço que promove o desenvolvi-mento do ser humano integral se encontra com a pessoa que está procurando o seu lugar, tem tudo para dar certo. Dar certo não é conseguir, dar certo é tentar. Tentar com a convicção e a confiança de que é possível.

A Casa São Lázaro às vezes não tem vaga, mas tem lugar, e o povo que está na rua, às vezes não sabe, mas tem o que dar.

Porque ficaram sabendo por colegas ou foram encaminha-dos pela rede de referencia da cidade, eles, homens adultos em situação de vulnerabilidade social, batem a porta em procura de abrigo; para passar a noite ou mais alguns dias.

Com o auxílio da equipe multidisciplinar e a participação ativa do convivente, durante o processo de acolhida traça-se o projeto de vida, onde ele estipulará o que se propõe

Casa são lázaro: centro de acolhidacom inserção produtiva

atingir, como e em quanto tempo. Diversas situações apa-recem nestes encontros, onde, a cada demanda explícita, subjazem outras implícitas, que, para serem identificadas e efetivamente trabalhadas, requerem escuta qualificada e atenção diferenciada, ambos os aspectos que caracterizam o atendimento desta Casa.

O centro de acolhida oferece atenção às necessidades básicas e intervêm individual e grupalmente. Fornece aten-dimento social e psicológico, orientações para o cuidado da saúde, atividades de lazer e cultura, disponibiliza espa-ço para reuniões de autoajuda e contém um programa de inserção produtiva que atravessa todo o processo.

A inserção produtiva é um processo amplo que contém não só o aperfeiçoamento de habilidades técnicas senão também a possibilidade de adquirir habilidades para a vida. Para contribuir no desenvolvimento do ser produtivo

A Casa São Lázaro começou com a iniciativa de criar oficinas de geração de emprego e renda para as pessoas que abrigava. Desde o início aproveitava-se de doações de materiais reci-cláveis e parcerias que permitiram obter alguns equipamentos. Os resultados foram muito visíveis e os impactos muito positivos, dando origem ao Centro de Acolhida com Inserção Produtiva, projeto que virou política pública apoiada pela SMADS em 2008.

e do cidadão pleno, a Casa São Lázaro em parceria com a SMADS do município, promove as seguintes atividades:

Elevação escolarAtravés de um processo colaborativo de ensino-aprendiza-gem, a proposta visa promover o trabalho em equipe, me-lhorar a capacidade cognitiva na interpretação de fatos e de conteúdos relacionados à vida cotidiana, reforçar a oralida-de e desenvolver as diferentes formas de expressão assim como introduzir temas atuais que evoquem à formação do pensamento critico e a participação ativa como cidadão.

Inclusão digitalA inclusão digital oferece um universo a ser descoberto e ao mesmo tempo em que o polegar e o indicador conse-guem se ajeitar sobre o teclado, eles conquistam o seu lu-gar no ritmo do mundo moderno. Alguns desistem, outros insistem. Pela internet, tudo parece possível, se informam e atualizam, leem e escrevem, jogam e pesquisam, fazem amizades e se relacionam.

Entre avanços e dificuldades ganham confiança e recupe-ram a autoestima, sentem-se incluídos e descobrem-se ca-pazes, além de dividir espaços com outras pessoas fomen-tando os vínculos e a cooperação entre os conviventes.

Energia e equilíbrio Promovendo a saúde e o bem-estar, alguns conviventes participam da terapia de reiki oferecida por por uma volun-tária no centro de convivência. Essas sessões promovem o autoconhecimento e ensinam técnicas de relaxamento e controle das emoções negativas, o que tem contribuído para minimizar as tensões e aumentar a energia positiva nas pessoas e no ambiente.

Dinâmicas socioeducativasA equipe técnica que acolhe e acompanha os processos individuais, sistematiza as demandas e oferece oficinas so-bre assuntos de atualidade, orientação para a procura de emprego e questões relacionadas à saúde, higiene, autoes-tima, qualidade de vida, entre outras.

Oficinas de capacitação e geração de trabalho e rendaA permanência das pessoas no espaço está diretamente relacionada com a adesão à proposta pedagógica que apresenta o centro, isto é, a inserção nas oficinas de gera-ção de trabalho e renda, que admite dois tipos de partici-pação: somente capacitação ou capacitação e produção, e nesse caso, recebem a renda derivada da comercialização dos produtos.

34 sistematização de experiências

Page 19: Sistematização de Experiências

Acompanhando a moda e as tendências do mercado e identificando as competências diferenciadas que cada convivente possui, cria-se um variado leque de oficinas com capacidade para sessenta pes-soas, fazendo com que conheçam diferentes técnicas, se identifiquem com algumas, aprimorem suas habilidades e se destaquem pela suas capacidades.

Do bom e do melhorPonto de venda de itens pessoais, decorativos e de utilidade doméstica, fruto do Programa de Incentivo à Rede de Comércio Solidário da Secretaria Munici-pal de Assistência e Desenvolvimento Social, o qual oferece um espaço para que os artesãos das entida-des sociais conveniadas exponham e comercializem seus produtos.

Loja social

■ Costura: Confecção de bolsas e almofadas com aplicação de retalhos de tecido.■ Tapeçaria: Produção de tapetes com aplicação de retalhos.■ Caixas artesanais: Confecção de caixas artesanais, base de papelão prensado.■ Tetra Pack: Reaproveitamento de caixa de leite, transformando em embalagem

para presente, bolsas, carteiras, entre outras. ■ Mosaico: Produção de peças artesanais, com aplicação de mosaico.■ Reciclagem de vidro: Elaboração de peças artesanais a partir da reciclagem do

vidro.■ Jateamento de Vidro: Produção de peças jateadas em vidros planos ou em

garrafas.■ Móveis de papelão: Reaproveitamento de papelão para confecção de móveis.

Rua Líbero Badaró, 561, CentroDe segunda a sexta, das 9 h às 17 h

Visite-nos!

36 sistematização de experiências geração de trabalho e renda 37

Page 20: Sistematização de Experiências

intervenção comunitária

Nascidos em uma comunidade, havendo descoberto o potencial transformador que as pessoas, os grupos e as instituições coletivas têm, a Reciclázaro trabalha o ser humano a partir de sua história e suas condições de vida que estão diretamente relacionadas ao espaço do qual proveem. Nesse sentido, fazer o vínculo da pessoa com a sua comunidade de referência é fundamental para a promoção do ser humano integral, que começa por uma nova relação com a sua subjetividade e se reconhece dentro de um espaço.

Nesse cenário, adota-se o modelo de tratamento comunitário, criado a partir de diversos trabalhos de organizações da América Latina, no qual se inclui a prática da Reciclázaro, com o apoio da Cáritas Alemã e da Unesco, que vem a agregar novos conceitos e novos olhares enriquecendo o trabalho que a organização já fazia.

A implementação de novas ferramentas construídas e sistematizadas a partir do trabalho de outros atores tem promovido novas discussões entre as equipes e com isto, novas formas de trabalho, am-pliando o olhar e melhorando a cada dia a interação junto às pessoas com as quais se intervém.

3.

Page 21: Sistematização de Experiências

40 sistematização de experiências inter venção comunitária 41

Os programas e os espaços onde cada um deles se en-contram e se realizam são diferentes, mas as pessoas que formam parte deles ccompartilham as mesmas caracte-rísticas: são pessoas atravessadas pela violência da indi-ferença, esquecidas no tumulto da cidade, que sofrem a discriminação e o preconceito de uma sociedade que não as enxerga. Pessoas que se encontram nas mais diversas situações de vulnerabilidade, que perderam tudo e mes-mo assim mantiveram a capacidade de sonhar.

Acompanhando esse sonho, e entendendo o ser hu-mano em todas as suas dimensões, a intervenção busca motivá-los a transformar a sua vida, não para deixar de ser e sim para ser de uma nova forma, respeitando suas decisões, porém, ficando por perto enquanto precisem de companhia para caminhar.

de dentro para Fora:abrindo as porTas

Nesse sentido e buscando promover os fatores de prote-ção e diminuir os fatores de risco das pessoas com as quais se divide o dia-a-dia, se desenha um quadro de atividades que são desenvolvidas nos diferentes programas da Reci-clázaro e que podem se classificar em cinco grandes ei-xos: organização e articulação em rede, assistência básica, educação, terapia e trabalho.

A abordagem interativa desses eixos permite fazer uma intervenção integral em prol da melhora real das condi-ções de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade, aliviando seu sofrimento social, e criando coletivamente novos caminhos a serem transitados. Caminhos desenha-dos a partir de seus próprios recursos e de suas próprias capacidades, reconhecidas, mais que isso, valorizadas.

A comunidade: onde tudo acontece

Com o intuito de disseminar boas práticas, a Reciclázaro em parceria com a Associação Lua Nova criam o Centro de Formação Tratamento Comunitário, multiplicando os seus co-nhecimentos em diferentes pontos do país e se fortalecendo das experiências de outras organizações que trabalham com população em situação de vulnerabilidade.

As equipes de todos os programas participam ativamente dos treinamentos permanen-tes que são realizados pelo Centro de Formação, contribuindo muito positivamente no desenvolvimento de um trabalho cada vez mais integrado e inovador em prol da melhora das condições de vida das pessoas com as quais se atua.

Dividindo experiências, disseminando boas práticas

“É um conjunto de ações, instrumentos, práticas e conceitos organizados em um processo que tem como fim a melhoria das condições de vida das pessoas que abusam de drogas em uma situação de exclusão social grave, assim como o melhoramento das condições de vida nas comunidades locais nas quais elas vivem e os operadores trabalham.”

dr. eFrem milanese em Tratamiento Comunitario de las adicciones y de las consecuencias de la exclusión grave

tratamento comunitário

O primeiro passo é identificar os recursos que já existem e organizá-los articuladamente em função do projeto de vida elaborado com as pessoas que se trabalha. Enxergar os parceiros como aliados e não como concorrência tem feito com que a Associação desse um salto qualita-tivo muito importante, pois compreendido isto, forma-se uma rede coesa que suporta de forma integrada as diferentes situações e efetiva de fato a melhora das condições de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade.

Organização

Quando o morador de rua, o usuário de drogas, a pessoa que vive com HIV, ou qualquer outra que esteja em situação de vulnerabilidade che-ga nos programas, o que procura geralmente é refugio e alimentação. Realizar essas ações de assistência básica com qualidade, porém supe-rá-las é o grande desafio que tem sido alcan-çado a partir da experiência e do desejo mani-festo de ver a pessoa reintegrada na sociedade como um cidadão, com direitos e obrigações, responsáveis pela sua própria vida.

Assistência Básica

Os grandes eixos

■ Desenvolvimento de sistemas diagnósticos parti-cipativos a fim de identificar lideranças, atores e recursos comunitários.

■ Participação em foros de discussão.■ Realização de encontros com parceiros locais.■ Participação de reuniões convocadas por

parceiros.■ Realização de eventos conjuntos em parceria com

organizações da comunidade local.■ Fortalecimento dos vínculos familiares e de

amizades.■ Encaminhamento e acompanhamento dos tra-

tamentos das pessoas que usam álcool e outras drogas, realizados em parceria com o CRATOD e com os CAPS AD.

■ Fomento da parceria com a Universidade.■ A Reciclázaro participa de uma rede local

(Conselho de Atenção a Drogas) onde é possível interferir na política pública.

■ Encontros de monitoramento e avaliação dos processos desenvolvidos pelos usuários dos programas.

■ Provê-se alimentação adequada e balanceada.■ Disponibilizam-se espaços para higiene pessoal.■ Providenciam-se roupas limpas e espaço para lavar as que estão em uso.■ Alguns serviços oferecem lugar para dormir, e os que não, fazem o encaminhamento para centros

de acolhida segundo o perfil da pessoa. ■ Regularização da documentação.■ Registro em programas de bem-estar social.■ Fornecimento de preservativos.

Page 22: Sistematização de Experiências

42 sistematização de experiências inter venção comunitária 43

A oportunidade de ter um trabalho, seja este for-mal ou através de empreendimentos individuais ou grupais, contribui de forma muito significativa no tratamento das pessoas que participam dos projetos, e os auxilia na conquista da autonomia e a dignidade.

Trabalho

rubens casado, subprefeito. Sempre disponível para ouvir a comunidade, participou efetivamente de reuniões, auxiliou na articulação da rede para a ampliação das ações e acredita que toda transformação efetiva deve envolver a comunidade.

sueli t. c. silva, assessora da subprefeitura. Uma referência para toda comu-nidade, luta pela melhoria das condições de vida da comunidade Belém.

centro de treinamento da guarda civil metropolitana. Colabora desde o início com o Tratamento Comunitário e deseja mudar a representação social que a comunidade tem sobre a Guarda Civil.

Por meio de diversas atividades que respondem às diferentes necessidades e demandas dos usuários, oferecem-se cuidados da saúde física, psicológica e emocional. Tudo isto acompanha-do de um processo de escuta ativa e qualificada no qual se estabelecem os primeiros vínculos e onde nascem os sentimentos de segurança e confiança, tão importantes em um processo terapêutico.

Terapia

Procura-se através da educação formal e não formal empo-derar as pessoas e motivá-las a terem outros desafios no cotidiano. Fazer parte dos processos educativos oferece no-vas possibilidades entre as quais se encontram: incluir-se no mercado de trabalho, vincular-se com outras pessoas, ad-quirir novas habilidades, desenvolver a oralidade e outras formas de expressão, além da satisfação que lhes produz concluir os processos iniciados.

Educação

■ Encaminhamento para centros técnicos.■ Espaços de leitura e biblioteca aberta para todos.■ Jornal mural com notícias e comentários das pessoas

que passam pelos programas.■ Educação formal nas áreas de educação ambiental.■ Educação ambiental em comunidades da zona leste

e oeste da cidade.■ Discussão de filmes desde uma perspectiva educativa

despertando o espírito crítico e propositivo.■ Oficinas:

– Alfabetização para adultos;– Inclusão digital;– Inclusão no mercado de trabalho;– Prevenção do uso de álcool e drogas;– Redução de danos;– Medicina preventiva e prevenção de doenças

infecto-contagiosas;– Desenvolvimento intrapessoal/interpessoal;– Cidadania e direitos;– Fortalecimento de vínculos;– Administração de conflitos.

■ Processo de escuta qualificada durante todo o período de tratamento.

■ Sessões de terapias alternativas.■ Orientação psicológica individual e grupal.■ Participação em campeonatos esportivos.■ Festas populares para toda a comunidade.■ Promoção da arte e cultura.■ Parcerias com centros de saúde e o Programa

Saúde da Família.■ Estagiários de fisioterapia e enfermagem em

alguns centros de acolhida.■ Participação em eventos culturais da cidade.■ Parceria com grupos de autoajuda e

disponibilização do espaço para grupos de Alcoólicos Anônimos.

■ Oficinas de artesanato para a geração de renda.■ Fomento e apoio na formação de cooperativas geridas pelos próprios usuários.■ Participação em eventos e exposições para divulgação dos produtos realizados e geração de renda

através da venda direta.■ Promoção dos vínculos entre empresários e artesãos para locação e venda dos seus produtos.■ Encaminhamentos para programas de “operação trabalho” oferecidos pela Prefeitura da cidade.■ Encaminhamentos para o mercado formal de emprego.■ Participação de uma Loja Social em parceria com o poder público e outras organizações sociais.■ Planejamento de uma Loja Social administrada pelos próprios artesãos que surgem nos projetos.

Um novo bairro recebe a Reciclázaro, desta vez com o Centro de Educação Ambiental, um local com uma ampla área verde e onde é possível até ouvir o canto dos pássa-ros, embora fique bem pertinho do burburinho da Margi-nal Tietê, sempre cheia de carros e caminhões que buzi-nam sem parar.

A particularidade do lugar talvez, ou a curiosidade de ver algo novo, quem sabe, chama a atenção da vizinhança que vai chegando e contando para quem queira escutar que, nesse bairro não há nada para fazer, não existem es-

de Fora para dentro:Comunidade do belém

paços de lazer e a única praça que tem na comunidade está sempre ocupada por moradores de rua. Eles chegam ao lugar certo, mesmo sem saber muito bem o que estão fazendo ali.

Muitos encontros seguem aquele primeiro, formando paulatinamente um grupo de vizinhos, parceiros e funcio-nários do Cefopea, que de forma ativa e comprometida trabalham para contribuir com o bem-estar dos morado-res da comunidade Belém.

Uma equipe

Parceiros-chave

Page 23: Sistematização de Experiências

44 sistematização de experiências inter venção comunitária 45

Um território

Uma comunidade história contada por moradores do bairroEssa é a historia de um pedacinho do Belém, mais especi-

ficamente o Belenzinho. É aqui onde os espíritas, católicos, budistas, evangélicos e umbandistas dividem o seu dia a dia.

Comemoram o nascimento de mais uma criança com visitas e presentes. Maio é o mês de Santa Rita, mais espe-cificamente no dia 22. Todos os anos nesta data, a comuni-dade festeja, flores são oferecidas, comparecem à Missa e, ao final, faz-se uma grande festa com direito a barraca de bolo bento, cedido pela padaria do bairro. Mas, nem só de rezas e missas vive nossa comunidade, conta também com excursões, festas, bingos, passeios ciclísticos, etc. O bingo sempre tem as melhores trufas de chocolate que alguém pode experimentar.

Um grupo de senhoras se diverte cuidando do jardim da praça, elas plantaram, elas cuidam da manutenção destas flores e assim passa-se o tempo.

Mães levam suas crianças aos parques próximos e vão muito ao shopping, muito mesmo.

Os adolescentes divertem-se como podem, vão ao campo de futebol, torcer pelo time do coração e não perdem uma noite sem ir à balada. A Moda agora é o skate, os jogos de rua, o vôlei e o futebol, as rodas de samba, pagode e forró.

Essa Comunidade de coração gigantesco acolhe as ne-cessidades das pessoas em situação de rua. Tem dois rapa-

zes que dormem aqui na praça, que bate lá em casa e diz: “Bella, me arranja uma calça 40 e um sapato 42. Não troca os números, hein, Bella, senão a calça não para no meu corpo.” E “a gente” faz uma correria pra conseguir o que o rapaz nos pede.

Foi este mesmo rapaz, junto com outros em situação de rua, que nos contou: “Às vezes, aparece um homem negro de mais ou menos 1,90 m – “homem que tem profissão” – disse um deles, vem aqui no meio ‘dos mendigos’ e fala com a gente, e chama a nossa atenção pra gente nunca es-quecer que a gente tem valor. Para a gente nunca desistir da gente e nem de ser gente.”

E quando o assunto é sério, é ali, na nossa comunidade que as coisas são resolvidas. Foi assim, com união e deter-minação que vencemos um projeto que visava desapro-priar as nossas casas. Reunimo-nos e fomos para as rádios, para a Câmara Municipal, fizemos abaixo-assinados e esta-mos em nossas casas até hoje.

O Belém não conta com muitos postos de atendimento médico. Nossos grandes recursos são nossas benzedeiras e os nossos próprios vizinhos, se alguém passa mal quem está mais perto socorre. É esse o nosso jeito e o nosso gran-de recurso é a nossa comunidade, o Belenzinho.

Um projeto: Belenzinho para todosIdosos e jovens superando barreiras geracionais e sem-

pre com um objetivo maior, o de dividir espaços e promo-ver ações que integrem os que têm teto e os que dormem sob as estrelas, planejam fazer do Belenzinho um espaço para todos.

O projeto consiste em criar um espaço de lazer que pos-sa ser utilizado por todos os moradores aproveitando os recursos que já existem: instituições que trabalham no bairro, atores comunitários muito engajados, uma praça e crianças, adolescentes e idosos que desejam um lugar para passar o tempo livre. No entanto, esse nem é o objetivo principal deste projeto, a ideia fundamental é fazer com

Participação na usina de transformaçãoA comunidade do Belenzinho participou junto com

outras organizações da “Usina de transformação-ação comunitária”, um desafio nacional que visa promover o desenvolvimento comunitário de comunidades de baixa renda de 5 Estados do Brasil, e empoderar seus atores para realizar mudanças significativas nos seu entorno. Este de-safio que durou oito semanas fez com que as pessoas da comunidade interagissem ainda mais uns com os outros, além de receber um fundo semente que lhes permitiu co-meçar com a reforma da praça e as atividades que querem realizar em torno dela.

■ O projeto estreita as relações entre os vizinhos.■ Aproxima a comunidade dos moradores de rua.■ Fortalece os fatores de proteção das pessoas em situação de

vulnerabilidade.■ Promove sentimentos de confiança entre os moradores do

bairro.■ Aumenta as redes subjetivas dos moradores da comunidade.■ Identifica lideranças e promove mudanças.■ Jovens, adultos e idosos dividem interesses comuns.

Fique sabendo!

“Participei da Usina porque me convidaram, foi muito importante para unir a comunidade. Pessoalmente ser-viu para me unir a outras pessoas que eu não mantinha contato. O maior aprendizado foi saber que somente com a ajuda de todos conseguiremos resolver nossos principais problemas e seremos ouvidos. “

isabel, Usineira Reciclázaro

“Participei deste processo porque acreditei que seria para a melhoria da minha comunidade. Aumentei o número de amigos e isto faz a vida ficar melhor. Antes eu acha-va que a Prefeitura deveria fazer as melhorias na praça, na comunidade, mas agora percebo que a comunidade pode e deve fazer isso, porque se ela não participar deste processo, nunca vai cuidar daquilo que lhe pertence”.

naocir, morador do Belenzinho

“Participo desta proposta com um forte desejo de mudar e ajudar alguém. Aprendi muito, principalmente a me valorizar. O maior aprendizado foi me descobrir cidadã e pensar mais no próximo.”

gi, educadora

que essa praça se torne um espaço de interlocução entre os moradores da comunidade do Belém e também daqueles que permanecem durante alguns dias como os moradores de rua que circulam pela cidade, e às vezes ficam.

No fim, o que todos os atores terminam expressando é que, detrás da reforma da praça, está o desejo imenso de fazer com que aquele bairro seja um lugar para ficar, um lugar onde as crianças e os jovens estejam protegidos, e os idosos acolhidos.

A reforma da praça não é mais do que uma desculpa que os vizinhos do Belenzinho encontraram para cuidar uns dos outros.

■ A comunidade participa de programas de educação ambiental.■ Moradores de rua se integram às ações de geração de renda

do Cefopea.■ Jovens participam das ações de educação formal no Cefopea.■ Aumenta o sentido de pertença na comunidade.■ Promovem-se programas de prevenção do uso de álcool e ou-

tras drogas.■ A praça passa a ser um espaço coletivo.■ Um espaço de risco torna-se espaço de lazer.

Page 24: Sistematização de Experiências

46 sistematização de experiências promovendo a vida 47

educação ambiental

O amplo desenvolvimento das ciências e da tecnologia, o processo de industrialização, a urbanização e as novas formas de organização social surgidas nos últimos séculos traz consigo novos padrões de conduta e de vida. A relação do ser humano com a natureza muda, passando a ser uma relação de dominação do homem pelo homem onde a devastação ambiental é cotidiana, reduzem-se os recursos, extinguem-se as espécies e as consequências não demoraram em aparecer.

A Reciclázaro surge nesse contexto, para reciclar ambientes, para reciclar vidas, criando alternativas para cuidar dos que ainda precisam, para olhar os que ainda não foram vistos, para acordar os que ainda dormem.

Desde essa perspectiva, no fim da década de noventa, cria-se a Coleta Seletiva Solidária com o ob-jetivo de sensibilizar a população da região oeste sobre a importância da conservação do meio am-biente, ampliar a quantidade de material reciclável coletado na cidade, ao mesmo tempo em que de-senhava uma estratégia de geração de trabalho e renda que favorecera a reinserção social das pessoas em situação de vulnerabilidade social, através da coleta seletiva dos materiais não orgânicos e sua posterior colocação no mercado.

Dando continuidade aos processos, no ano de 2008 é fundado o Centro de Formação Profissional e Educação Ambiental em parceria com a Prefeitura de São Paulo e União Europeia, através do Projeto Nós do Centro, Subprefeitura Mooca, a SMADS e do Projeto Inclusão Social Urbana NÓS do Centro. Esta iniciativa também recebeu apoio da Subprefeitura Mooca e da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, com uma ambiciosa proposta pedagógica que objetiva a capacitação profissional de jovens na área ambiental, a promoção de estratégias sustentáveis de preservação do meio ambiente e a criação de modelos inclusivos de geração de trabalho e renda para população em risco social.

4.

Page 25: Sistematização de Experiências

educação ambiental 49

Do lado de cima, lixo espalhado pela cidade, rios conta-minados e uma indústria que não para de criar novos pro-dutos que virarão futuros dejetos. Do lado de baixo, um grande número de pessoas que perambulam pelas ruas e ao cair a noite se refugiam nas praças da cidade. A visão ampla de uma organização que enxerga ambos os lados, origina a Coleta Seletiva Solidária.

O projeto objetiva a criação de novas oportunidades de trabalho e renda para pessoas em situação de vulnerabi-lidade, através da coleta e venda de materiais em maior escala, utilizando os recursos locais ao mesmo tempo em que contribui com a conservação do ambiente e com a melhora da qualidade de vida de toda a população.

A proteção do meio ambiente e a promoção do ser hu-mano produtivo que obtenha condições de vida digna, é uma responsabilidade compartilhada na qual a comu-nidade tem um papel fundamental. Para isto, o projeto realiza um programa de educação ambiental nas escolas, prédios, igrejas e empresas da região oeste da cidade de

São Paulo, as quais posteriormente separam o lixo e do-am-no ao projeto. O mesmo processo educativo é feito no bairro conseguindo com que diariamente os vizinhos entreguem os materiais recicláveis no ponto de entrega voluntária localizado na Praça Cornélia do bairro Água Branca. Após a primeira classificação, os materiais são re-passados à cooperativa Recicla Butantã, principal parceiro deste projeto que os comercializa e gera renda para todos os cooperados.

A partir dessa experiência bem sucedida na zona oeste, e apoiados pela Petrobras, através do Programa Programa Petrobras – Desenvolvimento e Cidadania, o programa da Coleta Seletiva Solidária multiplicará sua prática na zona leste da cidade, visando criar mais uma cooperativa de reciclagem gerando emprego e renda para noventa pes-soas. A nova cooperativa fará com que cento e cinquenta toneladas de material reciclável retornem à cadeia produ-tiva, contribuindo enormemente com a conservação dos recursos naturais.

A coleta seletiva é um sistema de recolhimento de materiais recicláveis: papéis, plásticos, vidros e metais, previamente separados na fonte geradora e que podem ser reutilizados ou reciclados. Funciona, também, como um processo de educação ambiental na medida em que sensibiliza a comunidade sobre os problemas do desperdício de recursos naturais e da poluição causada pelo lixo.

ColeTa seleTiva solidária:FiQue por dentro!

■ Diminuir a exploração de recursos naturais.

■ Reduzir o consumo de energia.

■ Amenizar a poluição do solo, da água e do ar.

■ Prolongar a vida útil dos aterros sanitários.

■ Reciclar materiais que iriam para o lixo.

■ Diminuir os custos da produção, com o aproveitamento de recicláveis pelas indústrias.

Fluxo da coleta seletiva

A coleta seletiva contribui

■ 1.000 Kg de vidro reciclado = 1300Kg de areia extraída poupada.■ 1.000 Kg de alumínio reciclado = 5000Kg de minérios extraídos poupados.■ 1.000 Kg de plástico reciclado = milhares de litros de petróleo poupados.■ Uma única latinha de alumínio reciclada economiza energia suficiente para manter um apa-

relho de TV ligado durante 3 horas.■ 1 tonelada de papel reciclado economiza 98.000 litros de água, 2.500 kwh de energia e 50

árvores.

você sabia?

■ Reduzir o desperdício.

■ Cortar gastos com a limpeza urbana.

■ Criar oportunidade de fortalecer organizações comunitárias.

■ Gerar emprego e renda pela comercialização dos recicláveis.

■ Aproximar as pessoas das diversas realidades sociais.

■ Mudar as representações sociais dos trabalhadores.

■ Promover a solidariedade e a responsabilidade coletiva.

48 sistematização de experiências

Page 26: Sistematização de Experiências

educação ambiental 51

“Ainda não apareceu o Gandhi da sustentabilidade nem o Mandela da biodiversidade. Não apareceu nenhum Martin Luther King para a mudança do clima. Mas não basta um no mundo. Tem que ter aos milhões, em todas as atividades.”

Fernando almeida

CenTro de Formaçao proFissional,eduCação ambienTal e Geração de renda

No processo de reconstrução dos vínculos entre a natu-reza e a sociedade e em coerência com o trabalho desen-volvido desde sua genesis, a Reciclázaro transita de oeste a leste da cidade para assumir, no ano de 2008, um novo desafio: o CEFOPEA.

Dirigido a um público intergeracional (crianças, adoles-centes, jovens, adultos e idosos) em situação de vulnera-bilidade social, porém aberto à comunidade, o Cefopea combina processos de educação formal com estratégias de educação não formal capacitando-os de acordo com as novas tendências do mercado de trabalho ao mesmo tempo em que gera consciência social sobre a importân-

Pensar globalmente, agir localmentecia de criar uma nova relação com o meio ambiente. O processo educativo baseia-se na formação de pessoas capazes de compreender a situação que se vive global-mente e agir localmente, de forma crítica, consciente e propositiva.

Nesse caminhar, o programa de educação ambiental do Cefopea enfrenta um duplo desafio: o de contribuir para que as pessoas desenvolvam os conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias para a preservação e melhora da qualidade do ambiente, ao mesmo tempo em que promo-ve estratégias sustentáveis de geração de trabalho e renda para a população que frequenta o espaço.

Alunos, professores, crianças, jovens, adultos, idosos, todos juntos em sala de aula, rompendo barreiras etárias e de outros tipos, construindo um processo de aprendizagem coletiva, desde os acontecimentos cotidianos, das experiências pessoais, fazendo relações entre o que já conhecem e o que estão recebendo de novo. Um saber que ao entrar em contato com outro, transforma-se em um saber mais complexo, mais acabado, um novo conhecimento.

Um grande diferencial da metodologia utilizada pelo CEFOPEA é a combinação das referências teóricas e metodológicas da Educomunicação e do Sócio-construtivismo, através das quais se promove a participação ativa do estudante e o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual das pessoas, auxiliando-os na tomada de decisões individuais e fazendo com que se sintam confiantes para abraçar novos desafios.

Uma perspectiva, ampliada

A função do professor vai além da tarefa de ensinar conteúdos técnicos e teóricos. Ela primeiro reconhece no aluno a presença de alguém que traz uma informação prévia – sabe alguma coisa – e vai trocá-la com o outro. A partir daí, o professor, promove a interação e a postura crítica, fazendo com que as pessoas formem seu pensamento e aprendam a intercambiar conhecimento.

A atuação divide-se em três áreas fundamentais:

■ Capacitação profissional: jardineiros, auxiliares de paisagismo e zeladores de parques, praças e áreas verdes são formados neste espaço, o que tem permitido aos jovens conseguirem es-tágios e atingirem o primeiro emprego.

■ Sensibilização comunitária: são realizadas palestras para pro-mover diálogos com moradores dos bairros vizinhos, escolas de educação infantil, de ensino fundamental e médio buscan-do motivar a população a adotar práticas sustentáveis nos seus âmbitos cotidianos que contribuam com o cuidado do meio ambiente.

■ Oficinas de geração de renda: surgidas a partir de demandas propostas pela comunidade, as oficinas objetivam a promoção do ser empreendedor e a descoberta do potencial produtivo de cada participante. Aprofundando nos conceitos de coope-rativismo, associativismo e comércio justo, disponibilizam-se técnicas de produção e espaço físico para a realização de expe-riências práticas.

50 sistematização de experiências

Page 27: Sistematização de Experiências

educação ambiental 53

proGrama de Compensação ambienTal

São Paulo, caótica e desordenada, multicultural e moder-na, cada dia mais cinza, cada dia menos verde. A maior ci-dade do país experimenta uma das menores taxas de área verde por habitante de sua história. Das 31 regiões da cida-de, só dez ultrapassam o índice mínimo de área verde por habitante, apenas doze metros quadrados, segundo reco-mendação da Organização Mundial de Saúde.

Desde a ótica da educação ambiental e da geração de renda, dois dos quatro eixos orientadores do trabalho de-senvolvido pela Reciclázaro, cria-se o programa de com-pensação ambiental, que consiste na produção de mudas nativas da Mata Atlântica e sua posterior venda e plantação nas áreas verdes da cidade.

O CEFOPEA torna-se um dos viveiros de produção de mudas da cidade e pretende implantar um conjunto de

práticas que permita a pessoas físicas, corporações, empre-sas, escolas, e outros interessados, contribuir para a conser-vação do meio ambiente.

O viveiro é também uma alternativa de geração de tra-balho e renda para pessoas atendidas pela rede socioas-sistencial, pois através da formação e educação ambiental, qualifica-se um grupo de pessoas para a coleta de semen-tes, produção de mudas, plantio e conservação das espé-cies plantadas.

Desta forma, mostra-se mais um exemplo de como é possível combinar educação ambiental, responsabilidade social e oportunidades para todos, promovendo a solida-riedade e a cooperação entre os diferentes setores da so-ciedade, em prol do bem comum.

■ Cada membro de uma família média brasileira, precisa plantar 1 ÁRVORE para com-pensar o CO2 emitido mensalmente no seu consumo de energia.

■ Se você anda 8 km por dia de ônibus, você precisa plantar 1 ÁRVORE para compensar o CO2 que emite durante um mês.

■ Se você viaja de avião de São Paulo a Salvador, para passar o carnaval, precisa plantar 3 ÁRVORES para compensar o CO2 que emite só na sua viagem.

■ Se você vai passar as férias em algum lugar da América Latina, você precisa plantar 4 ÁRVORES para compensar o CO2 que emite só na sua viagem de avião.

■ Se você anda 20 km por dia no seu carro a gasolina, você precisa plantar 7 ÁRVORES para compensar o CO2 que emite durante um mês.

Plante uma árvore e faça a sua parte!

Você já sabe quantas árvores precisa plantar para compensar o CO2 que emite diariamente? Procure a Reciclázaro e veja como pode contribuir com o plantio de árvores!

você sabia?

52 sistematização de experiências

Page 28: Sistematização de Experiências

arTe, CulTura e meio ambienTe

O Ponto de Cultura ArteVida Reciclada é a mais nova conquista da Reciclázaro. O projeto realizado em parceria com a Secretaria Estadual de Cultura difunde a produção cultural local, nas suas diversas formas de expressão, vale dizer, artesanato, música, cinema, literatura, teatro, artes plásticas, entre outras.

Aberto à comunidade e dividindo o espaço do CEFOPEA, ArteVida Reciclada é um ponto de encontro onde coexis-tem ideias, sonhos, projetos. Um ponto de referência para os mais diversos atores da vida social do bairro que assim como demandam, oferecem e assim como aparecem,

permanecem. Um espaço onde se tecem relações e se ge-ram opções para aqueles que muito perderam e poucos perceberam.

Valendo-se das inúmeras riquezas multiculturais que apresenta a região, o Ponto de Cultura reconhece nas pes-soas em situação de vulnerabilidade, o potencial de quem ainda tem muito por descobrir, e gera novas oportunida-des de formação que promovem a expressão cultural des-ses atores e oferece espaços para a geração de trabalho e renda relacionados à cultura e o meio ambiente.

contando histórias,reciclando vidas...

■ Inclusão digital: Oficinas de Informática Básica, Rádio no Ambiente Escolar, Vídeo,

Audiodescrição.■ Arte Ambiental: Brinquedos de Sucata, Cenografia, Arte em Azulejo, Moda Sustentável

e Encadernação.■ Iniciação Artística – Contação de Histórias e História em Quadrinhos.

no artevida recicLada tem:

54 sistematização de experiências

Page 29: Sistematização de Experiências

56 sistematização de experiências contando histórias, reciclando vidas... 57

Cheguei ao Simeão em março de 2006 depois de morar seis meses na rua. Nasci no Rio, morei em São Paulo e construí minha família na cidade. Depois não deu certo, deixei tudo aqui e fui morar em Recife onde formei uma nova família que também não deu certo.

Em 1996 fui visitar minha mãe no Rio e visitei meus filhos, voltando logo para Recife. Sofri algumas doenças e por causa disso, meus filhos insistiram que eu viesse para São Paulo. Vim e morei com eles, mas me sentia preso. Não po-dia sair para qualquer canto e se saia sem avisar dava briga. Um dia sai com a roupa do corpo e fui embora da casa.

Dormi cinco noites na rua e fui procurar uma vaga numa casa de convivência. De lá me encaminharam para outro lugar, consegui uma vaga até que consegui um serviço e aluguei um quarto com um colega onde passei quatro anos, até que conheci uma nova mulher com quem morei quase um ano. Não deu certo e deixei tudo novamente, sai para a rua.

Fiquei seis meses na rua, por opção minha mesmo, queria conhecer o que era isso de morar na rua. No final de 2005, entrei em outro centro de convivência e fui voluntário, ajudava os conviventes, levava eles (sic) para tomar ônibus quando decidiam voltar para a cidade de origem. Passou um tempo e o pessoal desse centro me diz que teriam um lugar melhor onde eu poderia morar.

Um dia cheguei ao centro e lá estava eu fazendo as coisas da cozinha quando uma ajudante me avisou que a Assistente Social tinha deixado um recado para mim, o bilhete dizia: “Seu Sergio, por favor, comparecer à Rua Assunção dia tal 8 horas que a vaga saiu para o senhor”. Fiquei muito feliz.

Uma segunda- feira, em março de 2006 cheguei ao Simeão. Mesmo estando aqui eu continuava trabalhando porque tinha uma bolsa de trabalho. O dinheiro era pouco, mas melhor pouco que nada. Aqui também comecei a ajudar, tomei conta da biblioteca. Depois saiu outra bolsa e me inscrevi por aqui, trabalhei até que fiquei doente. O pessoal do Simeão foi me visitar no hospital e quando voltei para a casa ajudava nas tarefas, acompanhava as pessoas, e fui ficando.

Depois surgiu uma vaga para ser agente operacional da casa, e logo aceitei. Hoje limpo e ajudo na cozinha. Em março de 2009 a vaga saiu e eu comecei trabalhar muito agradecido pela força que me deram. Mudei-me para a República onde moro até hoje.

A minha vida melhorou muito, estou fazendo tratamento de saúde. A casa me deu apoio para que hoje, com 66 anos, viva tranquilo e cuidando de mim.

Do Rio para São Paulo, das ruas para a cozinha: a história do seu sérgio

Nasci no dia 12 de outubro de 1945 em São Paulo. Fui para o Mato Grosso com 22 anos a passear, conheci a mi-nha ex-mulher e fiquei por lá, morei 26 anos em Mato Grosso, fiz a minha vida lá, casei, tive filhos, construí uma vida invejável, e até apareci na coluna social. Estava na alta roda, mas cai no alcoolismo e perdi tudo o que tinha construído.

Me divorciei e voltei para São Paulo, comecei a trabalhar, mas totalmente fora do meu ramo, porém, tinha meu salário e com minha casinha alugada, ia vivendo a vida. Em 2003 tive uma tuberculose e fiquei 10 meses no hos-pital. Quando sai não tinha mais emprego, nem casa. Fiquei na casa de um amigo, mas não deu certo e saí.

O oficineiro que bate as asas: a história do seu flávio

Por sorte cheguei à São Lázaro em 2006. Eu não sabia nada da rua, não queria ficar nela. Fiquei sabendo que tinha oficinas e comecei a fazer artesanato, tapete e me dei muito bem. Eu construí em cima disso, dessa oportu-nidade. Tratei meus dentes, fiz óculos, comprei roupas, tudo com o dinheiro que consegui com a venda do que eu fazia. Logo em seguida foi constatado um câncer, eu estava na casa de Simeão nessa época e continuava fazendo artesanato aqui.

Fiquei de novo no hospital, e depois que eu voltei e me recuperei dessa doença apareceu uma vaga de oficinei-ro aqui, no São Lázaro. De lá para cá estou como oficineiro e alugo um quarto para morar. Tenho pouco contato com os meus filhos, porque eles querem colocar rumo na minha vida e eu não aceito.

Tudo o que eu tenho devo a São Lázaro, fazemos uma troca. Cuido de todas as oficinas, tenho contato direto com os usuários, gosto de ficar com eles, motivo a todos, não sei como, acho que sendo amigo, contando a minha história, acho que isso é uma motivação. Também pago as contas e sou responsável por ir à loja social, pois sou eu quem representa a São Lázaro.

Atualmente estou namorando. Conheci a minha namorada pela internet, antes eu não sabia usar o computa-dor, mas aprendi três anos atrás no Centro de Referência ao Idoso.

A oficina que mais gosto é a do vidro, com o vidro posso bater mais as asas, coloco no forno e nunca sei como vai ficar, embora com o tempo e a prática a gente vai percebendo. Gosto do que eu faço e não penso muito no dia de amanhã, vivo o hoje...

Nasci na Bahia, e quando tinha dois anos meus pais se separaram, fui morar com a minha avó e meus pais nunca fizeram parte da minha infância, eles pouco apareciam.

A escola era muito longe, e quando terminei a quarta série minha avó me matriculou na escola da cidade, mas depois de um tempo tive que deixar porque não tínhamos como pagar. Depois meu pai fez com que eu viesse morar com ele em São Paulo. Aí tudo do que eu fui poupada durante anos, comecei a viver. Caí no mundo. Eu não queria morar com ele porque ele era indiferente a mim e me trouxe enganada, dizendo que iria morar com a minha tia, mas era mentira. A relação com a minha madrasta era muito ruim, eu tinha 14 anos e vivia em um inferno.

Foi nessa época que conheci o pai das minhas filhas, achando que era a solução para a minha vida. Eu ia à esco-la, ele depois me pegava em casa, sempre após ter brigado com a minha madrasta. Ela e meu pai me acusavam de usar drogas, mas eu não usava, não porque não tivesse oportunidade, mas porque tudo o que eu sei aprendi com a minha avó e isso a decepcionaria muito. O meu namorado era tudo o que eu precisava, era bonito, tinha casa, tinha carro, tinha uma situação financeira estável, trabalho. Eu tinha 15 anos, o que mais eu podia querer para a minha vida? Ele me oferecia tudo o que eu precisava. Decidi ir morar com ele.

O primeiro ano foi bom, foi tranquilo, eu concordava com tudo o que ele fazia porque para mim era perfeito, eu era feliz. Mas depois ele começou falar que eu não precisava estudar porque ele me dava tudo o que eu queria, mas eu insistia em que queria estudar. Ele começou a ter ciúmes e eu ficava irritada porque não dava motivos. Fiquei grávida da minha primeira filha.

Na mesma época descobri que ele usava maconha e depois que era muito mais que isso, era traficante. Já não fazia mais as mesmas coisas, cada vez mais fui ficando presa a ele. Logo foi preso por roubo e fui só uma vez visitá-lo na cadeia porque era muito humilhante estar lá. Quando ele saiu, seis meses depois, me acusava de estar enganando ele, continuava usando cocaína e me batendo. Mesmo assim eu queria ter uma família de verdade e sempre lutei por isso até o ultimo momento. Fui em todos os centros de ajuda, mas não adiantava.

“Sempre que eu traçar uma meta, eu vou chegar lá”: a história da gi

Page 30: Sistematização de Experiências

58 sistematização de experiências

AA – Alcoólicos Anônimos

ANIMA – Grupo de Apoio a Portadores do HIV

BMF – Bolsa de Mercadorias e Futuro

CAPS AD – Centros de Assistência Psicossocial Álcool e Drogas

CAT – Centro de Apoio ao Trabalho

CEFOPEA – Centro de Formação Profissional, Educação Ambiental e Geração de Renda

CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem

COMUDA – Conselho Municipal de Drogas e Álcool

CONED – Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas

COR – Centro de Orientação à Família

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo

CRATOD – Centro de Referência do Álcool e Outras Drogas

CRECI – Centro de Referência do Idoso

CRM – Centro de Referência da Mulher

CROPH – Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana

ECA – Escola de Arte e Comunicação

ECOSFRAL – Estação de Educação Ecológica Francisco de Assis Luxo do Lixo

FRANCAL – Feira Internacional da Moda em Calçados e Acessórios

GARMIC – Grupo Articulado Moradia para Idosos da Capital

GBA – Grupo Balonismo Artístico

ILPI – Instituições de Longa Permanência para Idosos

LOJA SOCIAL – Programa de Incentivo à Rede de Comércio Solidário da Prefeitura de São Paulo

PSF – Programa Saúde da Família

PUC – Pontifica Universidade Católica de São Paulo

SAN – Serviço de Auxílio aos Necessitados

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial "Roberto Simonsen"

SESC – Serviço Social do Comércio

SESI – Serviço Social da Indústria

SGD Brasil – Saint Gobain Vidros

SMADS – Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social

UBS – Unidade Básica de Saúde

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

USP – Universidade de São Paulo

Engravidei da minha segunda filha a quem ele rejeitava mesmo ela sendo apaixonada por ele. Eu continuava querendo estudar e coloquei as meninas na creche começando a enfrentar ele de cara aberta. Ele quebrava tudo e me batia porque pensava que se me deixasse muito machucada eu não teria coragem de sair na rua, mas eu levava as meninas do mesmo jeito, não me importava porque eu queria que elas estivessem com outras pessoas e tivessem alguns momentos de felicidade que não tinham em casa. Eu não podia sair de casa porque elas tinham tudo o que precisavam, eu não sabia que existia alguém que pudesse me acolher.

Não tenho nenhuma lembrança de natal ou ano novo em que ele não me batesse ou fizesse um escândalo. No dia 7 de setembro, ele me bateu muito, muito. Eu cheguei ao hospital porque estava muito machucada. O médico perguntou se eu queria fazer a denúncia e eu nunca vou esquecer o que ele me disse: “Como é que pode alguém fazer isso com você, você já se olhou no espelho? Vou trazer um para você ver que esta destruída”. Quando cheguei em casa ele disse que era tudo culpa minha, pois eu fazia com que ele me machucasse. Me humilhava e falava que ninguém iria me querer e eu acreditava, me olhava e pensava que era um lixo, e dizia a mim mesma que realmente não tinha possibilidade nenhuma de viver sem ele.

Ele começou a ameaçar as crianças e isso começou a me dar forças para fazer alguma coisa. Todos meus paren-tes sabiam, mas todos fingiam que não viam. Antes era uma vez por mês, mas passou a me bater todos os dias e eu estava me acabando.

Um dia pegou o revólver e veio para cima de mim, outro dia veio com uma faca na mão e a encostou em uma das meninas até que eu me joguei em cima dele. Nesse momento alguém o chamou e se foi. Levei-as do jeito que estavam e sai correndo, foram horas correndo de um lado ao outro, com ele atrás gritando que nos mataria. Eu tirei a aliança do dedo e falei que ele nunca mais iria nos ver nem tocar. Escondemo-nos no banheiro de um parque até o anoitecer. Essa noite, ficamos na casa da minha cunhada.

No outro dia eu pensei em voltar para casa, mas uma das meninas disse para mim: “mãe, não vamos para casa não”. Eu não sabia o que fazer, andamos muito pela rua até chegar na Secretaria da Assistência Social e a assis-tente social falou que eu não precisava falar nada, que ela iria me dar um lugar para ficar com as minhas filhas. Ficamos alguns dias lá até sermos encaminhadas para a casa de Marta e Maria.

Quando chegamos, eu gostei da estrutura porque parecia uma casa. Fomos recebidas pela orientadora e nos deram um quarto para compartir com outra menina. Depois ficamos amigas. Mesmo assim eu chorava o tempo todo. Eu não tinha dinheiro, nem trabalho e estava sozinha. Não podia contar para ninguém, estava em um lugar que não conhecia, não sabia ir nem na esquina sozinha. Também não tínhamos documentos. Toda a casa me lem-brava da casa que eu não tinha mais. Elas falavam que tudo ia passar e que eu estaria bem. Mas eu não acreditava, pois para mim a minha vida tinha acabado definitivamente.

Eu não sabia fazer nada nem tinha nada. Comecei fazer as escalas na casa, dormia e chorava, e as meninas iam à esco-la. Depois comecei a bordar com uma educadora porque precisava fazer alguma coisa e eu tinha muito medo de ficar doente e perder as meninas. Foi passando, e eu comecei fazer escala todos os dias, não queria ficar quieta.

Um dia me chamaram para ser recepcionista na Reciclázaro, mas eu falei que não sabia fazer nada disso, que nunca tinha ido ao banco, mas uma amiga me falou que não precisava saber tudo na vida, que só precisava de alguém que me ensinasse. Fui, mas fui com muito medo. Depois eu fui entendendo que todo mundo é igual e era por isso que eles me tratavam muito bem, porque éramos iguais. Esse momento foi muito importante na minha vida. Depois me ofereceram ser ajudante de cozinha no Cefopea, vim, conheci o pessoal, fiz muitos amigos. Tra-balhar era tudo o que eu precisava.

E continuava sonhando com ter a minha casa. Quando entrei na Marta e Maria, eu coloquei três sonhos que achava que nunca iria cumprir: terminar a escola, ter a minha casa e fazer um curso. Terminei o ensino médio a distância durante o tempo em que estive na casa. Eu fui capaz.

Depois me falaram que tinha uma possibilidade de alugar uma casa, eu levei os documentos e foi aprovado. Encontrei uma casa que não era no bairro que eu queria, mas quando cheguei lá, não tive dúvidas que fosse esse mesmo o lugar que eu queria morar e as minhas filhas adoraram também.

Muito importante para mim também foi fazer tratamento comunitário no Belenzinho, foi tudo de bom traba-lhar com essa comunidade. E depois até viajei para América Central com o Centro de Formação representando esse grupo. Conheci Panamá e Honduras!

Agora eu já cumpri os meus três sonhos. Agora sei que tudo o que eu sonhar é possível. Sempre que eu traçar uma meta, eu vou chegar lá, por mais difícil que pareça.

Glossário

Page 31: Sistematização de Experiências

parCeiros

paTroCínio

Material reciclável

ALEMANHA