sistemas eleitorais dicionario de politica norberto bobbio
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1174 SISTEMAS ELEITORAIS
Parlamento nacional, mas, mais freqüentemente, elas
se deram a nível local, ou então mediante a inserção
em partidos tradicionais, isto é, mediante a aceitação,
por parte de alguns destes partidos, das aspirações
políticas e do pessoal dos novos movimentos.
Contudo, seria errado minimizar tais fenômenos. A
insatisfação e o protesto dos eleitorados ocidentais
têm-se evidenciado, com intensidades não muito
diferentes, em qualquer sistema político; há novos
partidos que surgiram, com maior ou menor sucesso,
por toda a parte; já se produziram algumas
transformações nos maiores partidos, no sentido da
abertura às novas demandas. Neste momento, é difícil
dizer se estão para aparecer ainda novas modalidades
de competição política, mais preocupadas com os
problemas políticos concretos e menos com programas
coerentes e totalmente abrangentes, e se a própria
linha distintiva direita/esquerda estará para
desaparecer. É certo, porém, que os Sistemas de
partido das democracias ocidentais estão enfrentando
um desafio nada diferente do que levou à sua
consolidação no início dos anos vinte.
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[CIANFRANCO PASQUINO]
Sistemas Eleitorais.
I. GENERALIDADES. — A complexidade dos processos de
formação das decisões políticas exige a maior
simplificação possível, compatível com o direito, hoje
mais do que nunca reconhecido a todos os indivíduos
que fazem parte de uma organização política, de influir
de qualquer forma sobre esses processos. Quase
unanimemente se reconhece que o mecanismo mais
conveniente para fins de redução dos custos
decisionais, consiste na participação popular através
das eleições. Estas permitem, e de alguma forma
garantem, ao menos no sistema ocidental de tipo
liberal-democrático, não só a escolha de pessoas a
quem se confia a alavanca do Governo, mas também a
expressão do consenso e do dissenso, a representação
dos interesses, o controle das atividades do Governo e
a mobilização das massas. Em todo o caso, porém,
parece que, para se poder falar de representatividade
das eleições, é necessário que estas apresentem as
características de liberdade e periodicidade. Se estas
faltarem, a relação de responsabilidade política que
liga os governantes aos governados é esvaziada e, com
ela, as funções de investidura e controle que são
essenciais a uma eleição.
Como procedimentos institucionalizados para
atribuição de encargos por parte dos membros de uma
organização ou de alguns deles, as eleições são, sem
dúvida, historicamente, bastante antigas. Em sua
função e em suas dimensões atuais, porém, só
adquiriram importância crescente a partir da época em
que o Estado começou a perder suas características
personalísticas e patrimoniais para assumir as de um
Estado democrático ou pelo menos burguês.
Os mecanismos idealizados para operacionalizar a
redução do "mais" das massas ao "menos" das elites
de Governo são numerosíssimos. Se
SISTEMAS ELEITORAIS 1175
quisermos nos limitar aos que, nos diversos sistemas
políticos e diversas épocas, tiveram uma atuação
prática, a tarefa fica igualmente árdua, já que se
calcula que, em qualquer caso, teríamos de trabalhar
com cerca de trezentos modelos de Sistemas
eleitorais. Para destrinçarmos este acervo é necessária
uma classificação, em ordem à qual foram propostos
alguns critérios. Dado o caráter da presente
exposição, podemos continuar a seguir o critério
estatístico-matemático de classificação,
tradicionalmente usado. Quanto aos outros, ou são
ainda teoricamente muito pouco conhecidos, ou estão
relacionados com colocações particulares de estudo às
quais dizem respeito.
II. OS SISTEMAS MAJORITÁRIOS. — São dois
os modelos tradicionais de Sistemas eleitorais: o
majoritário e o proporcional. Todos os outros não são
nem mais nem menos do que modificações e
aperfeiçoamento destes. Compreende-se imediatamente
por que todos os outros giram em torno deles, desde
que se considerem as necessidades que devem ser
satisfeitas: a estabilidade do Governo e do sistema
político em geral e a representação de todos os grupos
de interesse em que a sociedade está articulada.
Foi o sistema majoritário o primeiro a surgir.
Baseado sobre o princípio segundo o qual a vontade da
maioria dos eleitores é a única a contar na atribuição
das cadeiras, a sua atuação está ligada ao fato de que
o eleitorado está mais ou menos repartido em
colégios. Onde não houver tal divisão, a maioria do
corpo eleitoral conseguirá dominar a aposta no páreo;
em caso contrário — que é o que se verifica na prática
— quanto mais numerosos forem os colégios, tanto
maiores serão as probabilidades de compensação entre
maiorias e minorias nas diversas circunscrições. A
maioria requerida pode ser simples ou relativa (plurality
system) ou então absoluta ou variadamente qualificada
(majority system). Os pressupostos de funcionalidade
deste sistema são: a) uma equilibrada distribuição dos
eleitores nos colégios, de tal maneira que cada eleito
represente o mesmo "peso" e seja limitada ao máximo a
sub-representação de alguns colégios cm relação a
outros; b) a ausência de práticas de gerrymandering, de
tal maneira que nenhum partido seja favorecido de
maneira substancial pelo modo como foram traçadas
as fronteiras dos colégios; c) a ausência de uma
maioria agregada por fatores metapolíticos (divisões
étnicas, por ex.) que vote prescindindo constantemente
das l inhas políticas efetivamente em discussão. O
princípio majoritário pode ser atuado tanto em
colégios plurinominais como cm colégios
uninominais. Na primeira hipótese (lista majoritária),
são eleitos os candidatos que, inscritos numa lista de
candidatos correspondente ao número de cadeiras a
serem distribuídas pelo colégio, obtiveram o maior
número de votos. Por vezes é necessário superar um
certo quorum em relação ao número de votantes ou ao
número de votos válidos. Na segunda hipótese, cada
colégio elege apenas um representante. No colégio é
eleito o representante que conseguir a maioria,
simples ou absoluta, conforme os casos, com ou sem
quorum. Quando não for exigida a simples maioria
relativa e nenhum candidato se achar nas condições
requeridas pela lei eleitoral, pode proceder-se a uma
nova eleição de maioria relativa, ou, então, como
acontece mais freqüentemente, a uma votação entre os
dois candidatos que tiverem maior número de votos
ou entre os que tiverem obtido acima de um certo
quorum. É esta a eleição em dois turnos típica dos
sistemas da Europa continental, especialmente do
sistema francês, caracterizados pela presença de muitos
partidos, com a conseqüente multiplicidade de
candidaturas nos colégios. Um tal sistema, que no
primeiro turno pode funcionar até como majority
system. procura precisamente introduzir as vantagens
do plurality system num sistema pluripartidário. Está
em vigor na França desde 1958, depois de se ter
recorrido, durante anos, a um sistema híbrido de bases
proporcionais, cuja característica principal estava na
faculdade concedida às várias listas de se "comporem"
entre si.
III. OS SISTEMAS PROPORCIONAIS. — O princípio
proporcional acompanha a moderna democracia de
massas e a ampliação do sufrágio universal. Partindo
da consideração de que, numa assembléia
representativa, deve criar-se espaço para todas as
necessidades, todos os interesses e todas as idéias que
animam um organismo social, o princípio
proporcional procura estabelecer a perfeita igualdade
de voto e dar a todos os eleitores o mesmo peso,
prescindindo de preferência manifesta.
Os Sistemas eleitorais que realizam o princípio
proporcional atuam baseados em duas formas
fundamentais: o voto individual, eventualmente
transferível (sistema de Hare e Andrae), típico dos
países anglo-saxônicos, e as listas concorrentes (escola
suíça de Considerant) prevalecentes nos países fora
das tradições inglesas. O mecanismo de base de
ambos consiste na determinação de uma cota ou
quociente em relação ao total dos votos: as cadeiras
são atribuídas pelos quocientes alcançados.
No voto individual transferível, também chamado
de quota system, o eleitor, enquanto vota
1176 SISTEMAS ELEITORAIS
num determinado candidato, exprime também sua
preferência por um segundo ou por um terceiro, para o
qual seu voto deverá ser transferido no caso de
inutilização de sua primeira preferência, por ter já
conseguido um quociente. Este sistema, adotado na
Irlanda, difere do que foi originariamente idealizado
por Hare. Ele é aplicado numa pluralidade de
circunscrições antes do que num colégio único
nacional. Como já foi sublinhado, constitui
potencialmente a mais proporcional entre as fórmulas
proporcionais (Fisichella, 1970, 198). Mais, na
hipótese de um colégio único nacional em que se
registra apenas um quociente, ele realiza
indubitavelmente a proporção integral.
Nos sistemas proporcionais de lista, ao contrário,
são colocadas em destaque as listas como expressão de
grupos de opinião concorrentes (partidos), às quais
estão ligados tanto os eleitores como os candidatos.
Os tipos principais de listas são: 1) a lista rígida, na
qual a graduação entre os candidatos para fins de
eleição é prefixada pelos apresentadores e nenhum
poder para modificá-la é reconhecido aos eleitores; 2)
a lista semilivre de tipo belga, em que o eleitor que
pretender modificar a ordem de apresentação dos
candidatos na lista pode expressar, em vez de voto
simples de lista, um voto nominal que serve ao
mesmo tempo para votar a lista e o candidato
preferido; 3) a lista livre de tipo suíço, que concede
ao eleitor a mais ampla liberdade, podendo ele não só
introduzir na lista escolhida qualquer modificação,
como servir-se de uma cédula em branco na qual
escreve nomes de candidatos de qualquer lista,
formando assim uma lista própria. Ao eleitor são, pois,
reconhecidas várias possibilidades intermediárias,
segundo os sistemas: pluralidade de preferências,
gradualidade dentro da lista, votos negativos, votos
compostos (chamados panachage), etc.
IV. SUAS CONSEQÜÊNCIAS. — A favor ou contra o
sistema eleitoral majoritário, e, respectivamente, a
favor ou contra o princípio proporcional, militam
vários argumentos que constituíram, sobretudo no
passado, motivo de vida polêmica. Esta deriva, em
primeiro lugar, da diferente concepção que se tem da
função principal de uma eleição. Assim, quem
entende que a função primária das eleições é a de
garantir uma base sólida de apoio ao Governo, inclina-
se preferentemente por um sistema majoritário. Quem,
ao contrário, achar que o acordo sobre a gestão do
poder deve seguir e não preceder as eleições, que
devem ser, antes de tudo, um meio de expressão da
vontade dos diversos grupos sociais, será levado a
preferir a proporcional.
Afirmam os defensores do sistema majoritário que
este torna mais firmes os vínculos entre eleitores e
eleitos, aumentando as reduzidas dimensões do
colégio, graças também às oportunidades oferecidas
pelo canvassing, as possibilidades de conhecimento
pessoal dos candidatos por parte dos eleitores; o
deputado fica estreitamente ligado ao seu colégio,
que constitui uma entidade real, o que é
psicologicamente bastante importante, tanto que o
eleito chega a antecipar-se às aspirações de sua base.
Por outra parte, se observa que vínculos dessa
natureza podem constituir-se num grande defeito, já
que a defesa dos interesses do próprio colégio pode
fazer perder facilmente de vista os interesses gerais.
Mais, pela lógica deste sistema eleitoral, o
parlamentar é obrigado, se quer ser reeleito, a fazer-se
paladino dos interesses locais, ombudsman dos seus
eleitores, contra os interesses da coletividade
nacional. Se não tem escrúpulos, pode evitar este
dilema, manipulando as informações que do centro
defluem para a periferia com prejuízo do aspecto
representativo, seja da simples maioria, seja do
sistema.
Quanto aos sistemas proporcionais, o argumento
principal a seu favor consiste na garantia que eles
oferecem às minorias contra os abusos das maiorias.
Este argumento assume toda a importância nos
sistemas políticos nos quais o fair play democrático não
está ainda bem enraizado. A isto se objeta que, com a
maioria proporcional, a constituição de uma maioria
governamental estável e eficaz se torna sobremaneira
problemática. A instabilidade de Governo, além disso,
é acentuada também pela indisciplina partidária dos
deputados. E onde o partido se impõe, os deputados
não se sentem responsáveis para com o eleitorado por
causa da presença filtrante do aparelho de que
depende sua reeleição.
Nas grandes linhas das tendências, pode
reconhecer-se que os sistemas majoritários levam, a
longo prazo, à coligação dos elementos presentes na
sociedade ou, pelo menos, atribuem o poder de
orientação do Estado a poucos mas amplos
agrupamentos sociais. Os sistemas proporcionais, por
sua vez, embora tenham a vantagem de representar o
sistema social como ele é, não produzem, por si sós,
nem maiorias estáveis de Governo, nem arrancadas
para uma integração política que leve a uma maior
coesão social. Em particular, a representação
proporcional de lista atribui ao partido um papel
excessivo que obstaculiza a relação eleitor-
representante, e, manipulando as designações dos
candidatos, limita a vontade do eleitorado. Por outra
parte, o sistema eleitoral do voto individual
transferível. enquanto aparentemente permite uma
clara identificação dos
SISTEMAS ELEITORAIS 1177
candidatos, restringindo assim sua relação com o
eleitorado, produz a proliferação do número de
candidatos. Juntando isto à excessiva amplitude do
colégio eleitoral por ele requerido, este sistema
provoca na realidade uma cesura entre os candidatos e
o eleitorado, não diferente dos efeitos da presença dos
partidos no sistema de lista.
V. SISTEMAS DERIVADOS E SISTEMAS MISTOS. —
Pelo que a experiência ensina acerca dos problemas
criados pela adoção de um ou de outro sistema,
pensou-se que, tal como freqüentemente acontece, a
melhor solução consistisse numa via intermediária, ou
então em oportunos corretivos que lhes atenuassem as
conseqüências mais claramente negativas. Assim pode-
se falar de sistemas derivados ou corretivos,
caracterizados por algumas modificações nos esquemas
de base dos dois sistemas principais e dos sistemas
mistos, que consistem numa contaminação de seus
elementos.
Podem considerar-se derivados do sistema
majoritário aqueles sistemas que, mantendo firmes
seus traços característicos, tendem a permitir, numa
certa medida, uma representação das minorias. São o
voto limitado, o voto cumulativo, o voto único e o
voto alternativo.
Diferentemente do voto múltiplo, no qual o eleitor
dispõe de tantos votos quantas são as cadeiras a
distribuir num colégio plurinominal, no voto limitado
a capacidade de escolha por parte do eleitor é restrita a
um número de candidatos inferior, normalmente uma
unidade, ao dos mandatos. O voto limitado pressupõe,
como a lista majoritária, o colégio plurinominal, mas,
diferentemente dela, exige que as cadeiras a ocupar
sejam pelo menos três. Simples no mecanismo,
apresenta todavia o inconveniente de não garantir de
fato, contrariamente à sua razão de ser, uma
representação matematicamente certa e proporcionada
de minorias. Outra variante do voto múltiplo é o voto
cumulativo, caracterizado pela faculdade concedida ao
eleitor de distribuir, como melhor julgar, os votos de
que dispõe, mesmo centrando-os num só candidato.
Torna-se eficaz, no caso de pequenos corpos eleitorais.
Mas sua funcionalidade diminui muito pela errônea
avaliação das recíprocas relações de força entre
maioria e minoria e pela notável dispersão de votos
que poderá verificar-se. Com o voto único, o eleitor de
um colégio plurinominal dispõe de um só voto. Ele se
apresenta, em ordem a uma representação das minorias,
como um mecanismo mais delicado do que os
precedentes. Requer um conhecimento perfeito e
prévio das relações de força entre os partidos e uma
rígida disciplina de partido nos eleitores. Função quase
análoga em, enfim, o voto alternativo, adotado na
Austrália para a eleição da Câmara dos representantes.
A função é a de não penalizar excessivamente as
minorias dissidentes. Aplicável nos próprios colégios
plurinominais, o voto alternativo atua na base do
princípio da transferibilidade do sufrágio entre
candidatos, sem necessidade de desempate, garantindo
ao mesmo tempo que um só deles consiga a maioria
absoluta. Dada a sua engenhosidade (baseia-se na
ordem das preferências expressas na cédula: se
nenhum candidato obtém a maioria absoluta com as
primeiras preferências, eliminado o candidato com
menor número de primeiras preferências, somam-se às
primeiras as segundas preferências, e assim por diante,
até se atingir uma maioria absoluta), é funcional na
medida em que são poucos os partidos, baixo o
dissenso e elevado o grau de alfabetização geral.
As propostas de modificação da representação
proporcional pura se orientam, quer à busca de um
reforço da estabilidade das maiorias governamentais,
favorecendo os partidos maiores (como a do prêmio
para as listas mais fortes, quando as cadeiras restantes
são dadas às listas que tiveram o maior número de
votos) quer a permitir a representação na mais ampla
medida possível, favorecendo os partidos menores.
Assim, por exemplo. Hagenbach-Bischoff propôs que se
retocasse o quociente natural (total dos votos
expressos divididos pelo número dos lugares a
atribuir), que não assegura a distribuição proporcional
de todas as cadeiras a atribuir, aumentando cm uma
unidade (ou duas ou três, etc.) o divisor, de modo a
baixar a liminar necessária para conseguir uma cadeira
(quociente corrigido) e distribuir todas as cadeiras só
nesta base, podendo-se de tal modo abandonar todos os
votos restantes. Outros métodos foram cogitados para
aproveitamento dos votos residuais quando da
destinação das cadeiras não atribuídas com base no
quociente: I) método dos restos mais altos: as cadeiras
residuais são atribuídas às listas que tiveram os restos
mais altos; 2) método do divisor comum, ou de Hondt:
cada lista consegue tantas cadeiras quantas vezes os
votos alcançados por ela tiverem o divisor eleitoral. Na
prática se divide sucessivamente por 1, 2. 3,... a "cifra
eleitoral" de cada lista e se estabelecem os quocientes
obtidos por ordem decrescente, até à concorrência de
um número de quocientes igual ao das cadeiras a
atribuir: o último quociente é o divisor eleitoral; 3)
aperfeiçoamentos do método de Hondt são os das mais
altas médias e o método de Sainte-Lagüe. que procura
favorecer os partidos menores, usando como divisores
sucessivos a série crescente dos números díspares. Na
Bolívia é adotado o sistema do duplo quociente: o
primeiro quociente
1178 SISTEMAS ELEITORAIS
serve de liminar de exclusão dos grupos menores, o
segundo para a distribuição das cadeiras entre os
partidos que tenham ultrapassado o primeiro. Um
sistema particular é o da lista incompleta, outrora
adotado na Argentina. Com ele, a lista de maioria
relativa consegue os dois terços das cadeiras do
colégio, enquanto que o outro terço cabe à segunda
lista mais votada. Uma variante deste tipo é o sistema
paraguaio, no qual o terço restante é dividido
proporcionalmente entre os outros partidos. Um
remédio contra o [racionamento habitualmente ligado
à representação proporcional é, enfim, a chamada
cláusula de exclusão, com base na qual o grupo que
não superar determinado liminar não obterá nenhuma
representação. Essa liminar será percentualmente
prefixada por lei e terá como base o número de votos
tomados em seu conjunto (Argentina desde 1963: 3%;
Alemanha Federal desde 1956: 5%). Também não
obterá representação o grupo que não conseguir, na
hipótese dos Sistemas eleitorais majoritários
uninominais, um certo número mínimo de cadeiras.
Entre os numerosíssimos sistemas mistos, é
necessário distinguir os que se baseiam no colégio
uninominal dos que se baseiam em sistemas de lista.
Entre os primeiros, destaca-se principalmente o
método Geyerhahn, que se articula através de um
mecanismo complexo, mas eficiente à luz dos fatos.
Dividido o território em colégios uninominais em
número inferior ao dos representantes que devem ser
eleitos (por exemplo, a metade), "os candidatos que se
apresentam em cada um dos colégios formam grupos
entre um colégio e outro, segundo sua cor e orientação
política. O eleitor vota em um dos candidatos do
próprio colégio. Em cada colégio, são declarados
eleitos os candidatos que conseguiram a maioria
absoluta dos votos; se esta não for obtida, procede-se
ao desempate. Atribuída assim a primeira percentagem
de cadeiras, procede-se ao cálculo dos votos
recolhidos de cada grupo e do grupo especial dos
independentes, com base no resultado do primeiro
escrutínio, e se efetua, entre os grupos, a distribuição
proporcional de todas as cadeiras, adotando um dos
muitos processos de distribuição, o belga, por exemplo.
Dessa maneira se determina qual é o número de
cadeiras que cabe a cada um dos grupos
proporcionalmente. Verifica-se depois quantos
candidatos de cada grupo foram eleitos nos colégios
uninominais e se atribui ao grupo um número de
cadeiras complementares, correspondente à diferença
entre o número de cadeiras que lhe competem
segundo a distribuição proporcional e o número de
colégios uninominais conquistados pelos seus
candidatos. As cadeiras complementares são
atribuídas aos
candidatos do mesmo grupo, que em cada um dos
colégios conseguiram o maior número de votos"
(Schepis, 1955, 216). O método Geyerhahn foi
aperfeiçoado na aplicação que dele se fez na
Alemanha Federal, com a introdução do duplo voto:
um para escolher o candidato no colégio uninominal
e o outro para a escolha da lista. Restam firmes, além
disso, os mandatos obtidos nos colégios uninominais,
que eventualmente constituam excedente em relação
ao critério proporcional. Variantes do método
Geyerhahn podem ser considerados os Sistemas
eleitorais atualmente adotados na Itália para a eleição
do Senado e dos conselhos provinciais, que, por outro
lado, o aplicam apenas parcialmente.
Entre os sistemas mistos baseados no escrutínio de
lista, são de particular importância os que atribuem
um "prêmio" à maioria, de modo que esta receba um
número de cadeiras mais do que proporcional aos
sufrágios recebidos. Entre outros, devemos lembrar
os sistemas adotados na Itália para eleição da Câmara
dos Deputados em 1923 (a chamada Lei Acerbo, que
atribuía dois terços das cadeiras à lista que tivesse
obtido a maioria relativa dos votos iguais pelo menos
a 25% da totalidade dos votos válidos e em 1953 (a
chamada lei-fraude, que garantia os dois terços das
cadeiras à lista ou às listas coligadas que tivessem a
maioria absoluta dos votos válidos).
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS. — Da imponência do
número dos Sistemas eleitorais e cogitados — de que
o que fica dito não é senão uma sintética e sumária
exposição — se conclui facilmente que não existe o
sistema melhor em absoluto. Toda a consideração
acerca da funcionalidade dos vários sistemas deve ser
desenvolvida comparativamente e em referência às
circunstâncias de fato. em relação às quais eles
operam. Devem ter-se como unilaterais, portanto, e
pouco produtivas as análises de Sistemas eleitorais
nas quais estes são colocados em relevo de per si, de
um ponto de vista estático. A ação dos Sistemas
eleitorais deve ser examinada dinamicamente, partindo
do pressuposto de que eles não são senão parte de um
mais amplo sistema político, no âmbito do qual
interagem com outras variáveis não menos importantes
como são, por exemplo, as instituições constitucionais,
o sistema partidário e a cultura política em geral. F,
precisamente numa análise deste tipo que se revelam as
possibilidades heurísticas dos meios de investigação
postos à disposição da ciência política. Tais meios
acharam aplicação apenas em tempos modernos, em
correspondência com os notáveis progressos feitos no
uso do método comparado na análise política.
Todavia, estão sendo já aperfeiçoadas, e em
SOBERANIA 1179
outros casos refutadas, as precedentes teorias sobre os
efeitos dos Sistemas eleitorais. Em particular, isto
vale, só para lembrar um exemplo, quanto às relações
entre Sistemas eleitorais e sistemas partidários, em
ordem aos quais era opinião corrente que existia uma
ligação, precisa entre sistemas majoritários e
bipartidarismo, de uma parte, e sistemas proporcionais
e pluripartidarismo, de outra: "o escrutínio majoritário
num só turno tende ao dualismo dos partidos; ao
contrário, o escrutínio majoritário com desempate e a
representação proporcional tendem ao
pluripartidarismo" (Duverger, 1961, 267). Estudos
posteriores (Rae, 1967; Sartori, 1968; Fisichella. 1970)
corrigiram, e muito, tal asserção, sobretudo
evidenciando a incidência da estruturação prévia do
sistema partidário. Como aliás também foi
reconhecida, mas nos seus justos limites, a influência
dos Sistemas eleitorais sobre a vida política. Por isso,
para quem vê na reforma do Sistema eleitoral a
panacéia contra os males que afligem um sistema
político, é preciso dizer que "'o Sistema eleitoral é uma
variável intermediária capaz de influenciar a natureza
e as instituições do Governo, sendo ele objeto de
outras influências" (Milnor, 1969, 197). O potencial
inovador de um Sistema eleitoral é sem dúvida alguma
notável. Convenientemente orientado, ele pode corrigir
algumas grandes disfunções de um sistema político,
mas não se pode pretender dele mais do que pode dar.
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HIRSCHMAN, Harvard University Press. Cambridge
Mass. 1968; G. SCHEPIS. I sistemi elettorali. Teoria.
Tecnica. Legislazioni positive. Caparrini. Empoli 1955;
P. J. TAYLOR e R. J. JOHNSTON. Geography of
Elections. Penguin Books, Harmondsworth 1979.
[EMANUELE MAROTTA]
Sítio, Estado de. — V. Estado de Sítio.
Soberania.
I. DEFINIÇÃO. — Em sentido lato, o conceito
político-jurídico de Soberania indica o poder de
mando de última instância, numa sociedade politica e,
conseqüentemente, a diferença entre esta e as demais
associações humanas em cuja organização não se
encontra este poder supremo, exclusivo e não
derivado. Este conceito está, pois, intimamente ligado
ao de poder político: de fato a Soberania pretende ser a
racionalização jurídica do poder, no sentido da
transformação da força em poder legítimo, do poder de
fato em poder de direito. Obviamente, são diferentes
as formas de caracterização da Soberania, de acordo
com as diferentes formas de organização do poder que
ocorreram na história humana: em todas elas é
possível sempre identificar uma autoridade suprema,
mesmo que, na prática, esta autoridade se explicite ou
venha a ser exercida de modos bastante diferentes.
II. SOBERANIA E ESTADO MODERNO. — Em sentido
restrito, na sua significação moderna, o termo
Soberania aparece, no final do século XVI, juntamente
com o de Estado, para indicar, em toda sua plenitude,
o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política.
Trata-se do conceito político-jurídico que possibilita
ao Estado moderno, mediante sua lógica absolutista
interna, impor-se à organização medieval do poder,
baseada, por um lado, nas categorias e nos Estados, e,
por outro, nas duas grandes coordenadas universalistas
representadas pelo papado e pelo império: isto ocorre
em decorrência de uma notável necessidade de
unificação e concentração de poder, cuja finalidade
seria reunir numa única instância o monopólio da
força num determinado território e sobre uma
determinada população, e, com isso, realizar no
Estado a máxima unidade e coesão