sistemas de ensino versus livros didaticos
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SISTEMAS DE ENSINO VERSUS LIVROS DIDTICOS:VRIAS FACES DE UM ENFRENTAMENTO
LELLIS, Marcelo
Abrale Associao Brasileira dos Autores de Livros Educativos
ResumoNeste ensaio, prope-se uma reflexo sobre os chamados sistemas apostilados de ensino e suacrescente influncia na escola pblica. Trata-se de fenmeno brasileiro, sem precedentes emoutros pases e relativamente recente, o que justifica a falta de estudos sobre o tema.Visando fundamentar a reflexo, apresenta-se um breve histrico do avano dos sistemassobre o mercado de livros didticos e discutem-se as reaes das editoras tradicionais e deseus autores. Busca-se ainda mostrar razes do sucesso dos sistemas e sugerir algumasconseqncias de sua investida no ensino pblico, a qual pode mudar em grande escala ahistria do livro didtico brasileiro..A opo de prefeituras pelo material dos sistemas, que no passa por avaliao independente eenvolve custos considerveis, em troca dos livros didticos gratuitos dos programasgovernamentais, cuja qualidade certificada pela avaliao do MEC, merece anlise porqueparece infringir a lgica pedaggica e econmica, alm de restringir seriamente a autonomiado professorado.
Palavras-chave: sistemas apostilados de ensino, livro didtico, programas governamentais dolivro, escola pblica.
IntroduoA expresso sistema de ensino pode designar um grupo de escolas (podemos nos referir a
sistemas municipais de ensino) ou um mtodo de ensino. Neste texto, porm, outras acepes
sero privilegiadas: chamaremos sistemas de ensino a instituies privadas que produzem e
vendem seu material didtico a escolas conveniadas, em um esquema de franquias. A
expresso sistemas apostilados de ensino indica o mesmo tipo de empresa, embora, em alguns
casos, as citadas apostilas, ao menos em seu aspecto fsico, j pertenam ao passado. s
vezes, a denominao de sistema de ensino aplica-se apenas a certo material didtico e no
empresa, mas isso no trar confuso.
Dentre as principais motivaes deste texto, aponto (i) o tema em si, que necessita discusso
ampla e profunda e (ii) o incentivo de colegas da Abrale Associao Brasileira dos Autores
de Livros Educativos. Desses colegas, muitos se sentem antes de tudo professores e, portanto,
vem com preocupao a implantao dos sistemas em redes pblicas municipais, impondo
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um tempo didtico prprio e retirando do professorado a possibilidade de escolher o material
didtico de sua preferncia. Essa afirmao no implica, porm, uma posio da entidade em
relao aos sistemas, j que muitos de seus associados elaboram justamente material didtico
para essas empresas.
Aventurei-me a escrever o ensaio, mesmo tendo sentido falta de diversos dados de naturezaquantitativa, os quais mais cedo ou mais tarde devem ser levantados, uma vez que no tm
sido veiculados pelos sistemas de ensino ou pelas editoras de livros didticos. Tambm no
encontrei trabalhos acadmicos em que me apoiar, simplesmente por falta de pesquisa sobre o
tema. Acabei por aproveitar informaes retiradas da internet e de jornais e revistas como
Cludia ou Veja, o que no parece muito slido. Entretanto, a reportagem que aproveitei de
Cludia bem elaborada, citando variados pontos de vista com bastante clareza e o principal
texto utilizado de Veja, mesmo fundamentando suas afirmaes de maneira duvidosa, aindaum material rico para discusso. Devo assinalar que Arnaldo Saraiva, diretor editorial da
Nova Gerao, seguidamente envia por correio eletrnico notcias e comentrios relativos a
sistemas de ensino, o que muito me ajudou.
Acredito ter compensado parcialmente a ignorncia de dados numricos e a falta de textos de
apoio pelos anos de contato com autores e editoras. Pude conversar seguidamente com
empresrios, diretores, gerentes editoriais e colegas autores das vrias disciplinas, o que
constituiu a base de meu entendimento do tema.
Como fixei o modesto objetivo de convidar reflexo e troca de idias, creio que as
limitaes apontadas, acrescidas das do prprio autor, no inutilizaro o trabalho.
Breve histrico dos sistemas de ensinoA maioria dos grandes sistemas de ensino atuais originou-se dos cursos pr-vestibulares
(chamados simplesmente cursinhos), um fenmeno bastante brasileiro, motivado pelo grande
nmero de jovens da ascendente classe mdia das dcadas de 1950 em diante, que disputavaas vagas escassas das universidades.
Por volta de 1980, os cursinhos comearam a se transformar em sistemas, difundindo suas
apostilas por meio de escolas conveniadas. A situao social do pas justificava os passos
iniciais dessa aventura empresarial.
Nessa poca, cunhava-se a expresso Belndia, reunio de Blgica e ndia, para descrever um
pas em que classes mdias e classes mais abastadas tinham padro de vida do primeiro
mundo, vivendo imersas em um mar de pobres e remediados, os quais sobreviviam com renda
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per capita equivalente quela dos mais miserveis pases asiticos ou africanos. O Brasil belga
matriculava seus filhos na escola bsica privada, depois nos cursinhos e finalmente na
universidade pblica. O Brasil indiano tinha suas crianas em uma escola pblica cuja
qualidade havia decado na mesma proporo em que se expandira nas dcadas de 1960 e
1970. Tambm decara o status e as condies de trabalho do professorado, para que fossepossvel suprir a vasta rede pblica de ensino. Em conseqncia, passaram a se formar
mestres cada vez menos qualificados, uma vez que a profisso perdeu seus atrativos.
Nessas condies, lgico supor que o material didtico dos cursinhos, reciclados para
atender alunos mais jovens, tenha atrado muita escola particular que no dispunha de pessoal
docente qualificado para justificar as mensalidades cobradas. O prestgio dos cursinhos, que
aparentemente sabiam o que era necessrio para que os alunos aprendessem com vistas ao
sucesso nos vestibulares, o material em si, que exibia a admirvel organizao necessria pararesumir trs anos de ensino mdio e mais alguns de ensino fundamental em poucas centenas
de pginas, foram fatores determinantes do sucesso inicial dos sistemas.
A dcada de 1990 no trouxe alteraes no apartheidsocial do pas, nem s condies da
escola pblica ou do professorado, mas acelerou a expanso dos sistemas de ensino. Em nossa
opinio, um forte motivo teria sido a crise das escolas particulares decorrente do
estancamento da inflao.
As escolas mantinham uma estrutura de alto custo, pagando coordenadores e orientadores
para suprir as deficincias do professorado, produzindo esporadicamente material prprio que
era acrescentado aos livros didticos, oferecendo atividades extraordinrias (Ingls para
crianas, esportes, aulas de informtica) como parte do marketing essencial em um mercado
competitivo. Entretanto, boa parte de seus gastos durante o ano letivo era custeada pelo
dinheiro das matrculas recebidas no final do ano anterior e aplicado no mercado financeiro. A
inflao, sabe-se hoje, tambm um mecanismo de transferncia de renda e, nesse caso
particular, transferia renda do pessoal docente e de manuteno para os empresrios
proprietrios das escolas.
Quando, por volta de 1994, o governo federal conseguiu domar a inflao galopante com que
o pas convivia h anos, as escolas viram-se de sbito alijadas de parte de seus rendimentos e
a crise se instalou no setor. Os sistemas de ensino surgiram ento como uma soluo,
permitindo que a escola tivesse um quadro mais enxuto de funcionrios e evitasse gastos
extraordinrios com material didtico, ao mesmo tempo em que forneciam um mecanismo
para coibir a inadimplncia dos pais de alunos, uma vez que o material didtico, que era
seriado, deixava de ser fornecido aos que estavam em dbito.
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Na virada do sculo, quando o mercado de escolas privadas deu os primeiros sinais de
saturao, os sistemas, fundados na lgica empresarial da expanso, buscaram mais um
mercado, a aparentemente inacessvel escola pblica. Uma investida at certo ponto
surpreendente, uma vez que as escolas pblicas dispunham dos livros fornecidos
gratuitamente pelo governo federal por meio do PNLD Programa Nacional do LivroDidtico, os quais passavam pelo crivo de uma avaliao de especialistas na disciplina a que
se destinavam. O que levaria as prefeituras a gastarem uma verba to necessria melhoria
das condies de trabalho do professorado e das instalaes escolares no material didtico dos
sistemas, cujo custo atinge centenas de reais por aluno a cada ano?
Um artigo do fiscal Elcio Siqueira, do Tribunal de Contas do Estado de So Paulo [1],
questiona o fato, ao menos em um caso:
(...) se realmente existe a disponibilidade de recursos financeiros oraconsiderada, por que seria mais interessante para o Municpio de Porto Feliz
gastar todo ano R$ 600 000,00 com apostilamento (...)? Para que gastar se o
Ministrio da Educao oferece livros gratuitamente?
Ainda assim, vem prosperando a conquista do novo mercado. Como registra o histrico do
COC, um dos mais fortes sistemas de ensino do pas, em seu site:
1999 - Os primeiros municpios do estado de So Paulo fizeram parceria com a
Editora COC, surgindo o Projeto NAME Ncleo de Apoio Municipalizao do
Ensino.
O material didtico de um sistema passou a ser imposto a toda uma rede municipal, que
recebia ainda, como parte do pacote, a chamada orientao pedaggica, ciclo de palestras
visando treinar o professorado para uso do material (crticos cidos dizem ser apenas um
show de inspirao pedaggica).
Atualmente, os sistemas de ensino privados chegam a manter convnio com uma porcentagem
bastante significativa das escolas particulares de todo o pas no nvel fundamental e, no nvel
mdio, atingem entre 40% e 60% dos estabelecimentos,, alm de terem o monoplio da
distribuio de material didtico em vrias redes municipais de ensino. Tal material,
originalmente um conjunto de apostilas mal impressas, atingiu a qualidade grfica dos mais
bem produzidos livros didticos. Os sistemas dispem de ampla equipe de marketing,
possuem grficas, usam tecnologia avanada para promover cursos e palestras, mantm sob
contrato autores de textos didticos e professores ou palestrantes que divulgam o material e
instruem o professorado adotante, alm de contratarem figuras de renome para ilustrar suas
peas publicitrias.
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Principais sistemas de ensinoEntre os sistemas atualmente em evidncia, tendo em vista o nmero de alunos, de escolas
conveniadas e tempo de atuao, destacam-se Anglo e Objetivo (originrios de So Paulo
SP), COC (fundado em Ribeiro Preto SP), Pitgoras (de Belo Horizonte MG) e Positivo
(proveniente de Curitiba PR). Note-se que todos originaram-se de cursinhos, como se podecomprovar nos dados histricos apresentados em seus sites, e integram um seleto grupo que
pode ser denominado a nata dos sistemas. Apenas para exemplificar a abrangncia dessas
instituies, observamos que
o COC congrega mais de uma dezena de unidades escolares prprias junto a mais de 200escolas conveniadas na rede particular (informaes do prprio site);
o Objetivo, alm das 700 escolas privadas conveniadas, j havia firmado, em 2007, acordocom mais de 30 prefeituras espalhadas pelo pas (de acordo com a bem elaborada
reportagem sobre educao na revista Cludia);
seu histrico concorrente, o Anglo, mantinha convnio com 600 escolas particulares(mesma fonte do exemplo anterior).
Alm dos sistemas de elite, j apresentados, h outros a considerar. Antes, convm
esclarecer o leitor que nos referimos elite ou nata dessas instituies sem considerar
suas qualificaes didtico-pedaggicas, pensando apenas em sua pujana empresarial.
Exemplificando os sistemas de menor porte, citamos o Etapa e o Pueri Domus (de So Paulo
SP), o Jean Piaget (sediado em So Bernardo do Campo SP) ou o Seta (com base em So
Jos do Rio Preto SP); os dois primeiros j caminham para ocupar postos na elite. Nomear
todos os menores resultaria em lista longa demais.
H ainda outras organizaes similares, algumas em formao, que, porm, no se enquadram
em nosso objeto de estudo, pois no dependem de uma empresa franqueadora, sendo mais
exatamente redes de escolas que tambm elaboram material didtico prprio ou esto em via
de produzi-lo. Nessa condio, podemos citar as Escolas Salesianas (da Ordem dos Padres
Salesianos), a Rede Adventista de Ensino (da Igreja dos Adventistas do Stimo Dia) ou as
escolas da Fundao Bradesco.
Confronto entre empresas: sistemas de ensino versus editorasOs sistemas de ensino vm, desde o momento em que se tornaram empresas franqueadoras,
arrebatando das editoras tradicionais o mercado de livros representado pelas escolas privadas,
atingindo atualmente, como j dissemos, porcentagem significativa. Naturalmente, tudo isso
tendo ocorrido dentro das regras do jogo capitalista, as editoras nada podem reclamar.
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Entretanto, os sistemas agora ameaam tambm o mercado pblico cujo financiador o
governo federal, o maior comprador individual de livros didticos do pas, decidido a negociar
este ano cerca de 100 milhes de exemplares, gastando mais de 500 milhes de reais em
livros didticos que sero distribudos para as escolas pblicas de todos os estados.
A mim, a invaso da escola pblica pelo material dos sistemas parece o cenrio de umabatalha comercial decisiva, mas possvel que a realidade seja menos dramtica.
Os municpios so autnomos para decidirem o rumo de sua educao bsica. Quando optam
pelo material didtico dos sistemas, arcam com custos considerveis, mas ainda assim tm
assumido essas despesas. Os prefeitos aproveitam para alimentar o marketing poltico,
declarando que a educao de qualidade no pode ficar restrita s classes mais favorecidas.
Um exemplo retiro do Jornal daCidade de Bauru [2] em uma reportagem que narra a adoo
de um sistema pela Prefeitura Municipal de Pederneiras:O novo sistema, conhecido como Sistema Apostilado Max de Ensino, utilizado
por algumas escolas particulares da regio e visa garantir ensino gratuito de
qualidade. (...) Para a prefeita, de acordo com a matria, a educao
prioridade em nossa administrao e os investimentos nas novas apostilas
destinam-se a proporcionar condies iguais de aprendizagem de nossos alunos
da rede pblica com os das escolas particulares, porque, com isso, eles
podero ter as mesmas chances de buscar no futuro um lugar no concorrido
mercado de trabalho.
Certamente, ao comprarem os sistemas, os municpios deveriam informar o governo federal
de que prescindem dos livros oferecidos pelo PNLD, evitando duplicidade de gasto do
dinheiro pblico. Entretanto, a economia no plano federal seria pequena em comparao com
os gastos municipais, pois os livros didticos so comprados a preos muito baixos devido
economia de escala, isto , comprando muito, paga-se pouco por unidade.
difcil avaliar quantos municpios pertencem rbita dos sistemas. No Sul, Sudeste e
Centro-Oeste talvez atinjam a casa dos 20% e, no restante do pas, parecem ter porcentagens
desprezveis. Isto apenas uma estimativa baseada em nossa intuio e leituras, j que faltam
dados confiveis, mas no seria o bastante para as editoras se preocuparem, lembrando a
progresso dos sistemas nos ltimos 15 anos?
Durante todo o tempo em que tomavam o mercado particular de livros didticos das editoras,
seria de se esperar que enfrentassem reao por meio de campanhas publicitrias ou polticas
de valorizao do livro, mas, curiosamente aqui trata-se de observao pessoal e direta,
decorrente de vivncia em editoras os empresrios do setor jamais cogitaram seriamente de
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tomar medidas desse naipe. O nico reflexo defensivo que tm mostrado diante da mar
montante do adversrio foi investirem eles tambm na criao de sistemas de ensino, como
o caso do razoavelmente bem sucedido Uno da Editora Moderna, controlada pela Santillana
espanhola, ou o Ser, recente criao das editoras irms tica-Scipione, controladas pelo grupo
Abril.Apesar disso, uma breve reflexo sugere que os sistemas tradicionais dispem de vantagens
significativas nessa luta por mercado, tanto sobre as editoras como sobre os sistemas de
ensino por elas patrocinados.
Em cada escola, enquanto uma editora consegue adoes em disciplinas isoladas, osistema, por fora de negociao direta com a direo, fornece o material didtico de todas
as disciplinas, o que implica maior lucro.
Se acrescentarmos a esse elemento, o esquema de venda direta s escolas, prescindindodas redes de distribuidores e livreiros que retm parte do faturamento proveniente dos
livros, fica claro que os sistemas oferecem melhores condies financeiras que as editoras,
o que pode representar um ganho para os mantenedores da escola, em forma de comisso.
Claro, os sistemas de ensino das editoras, como o Uno, da Editora Moderna, no sofremdas limitaes acima apontadas. Mesmo nesse caso os sistemas j estabelecidos levam
vantagem, pois, com base em suas prprias instituies escolares, podem selecionar
escolas, ou ao menos turmas modelos, para exibi-las como exemplos da excelncia de seu
ensino. Os sistemas que descendem dos cursos pr-vestibulares costumam em sua
propaganda enfatizar o nmero de seus alunos que ingressam nas faculdades mais
disputadas, ou, como prefere o Objetivo, destacar seus alunos que obtm os primeiros
lugares nos exames vestibulares. Certamente, esses alimentos para o marketing so menos
eficientes no caso de sistemas de editoras.
Tudo isso no recomenda ateno e ao por parte das editoras? Pode-se, porm, pensar de
outra maneira. Talvez no caso da escola pblica, os sistemas no possam avanar muito
devido a dificuldades logsticas. A maioria dos municpios no suportaria o custo da
implantao; por outro lado, em municpios maiores, havendo mais de 500 000 habitantes, um
nico sistema dificilmente conseguiria suprir a demanda. E, diante desses argumentos, pode-
se esperar o futuro.
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Confronto pedaggico: sistemas de ensino versus livros didticosComo j assinalamos, a crena na eficcia do ensino dos cursinhos alicera o prestgio dos
sistemas de ensino entre muitos pais de alunos. As classes mais favorecidas, aparentemente
conscientes de um mundo mais competitivo com empregos escassos, supervalorizam a
capacidade dessa modalidade de ensino em colocar seus filhos nas universidades. Alis,diga-se de passagem, capacidade bastante duvidosa, pois, se verdade que quase todos que
ascendem s carreiras mais concorridas vieram dos famosos cursinhos, tambm verdade que
uma grande quantidade dos alunos dos mesmos cursinhos no conseguiu as vagas desejadas,
porque afinal estas so escassas.
J ressaltamos a admirvel organizao do material didtico dos cursinhos, a qual persiste
ainda hoje nos sistemas, havendo alguns que determinam aula por aula a atuao dos
professores, alienando-os da conduo do prprio trabalho. Esse fator comentado
positivamente no artigo da revista Cludia [3]:
De acordo com Claudia Costin, vice-presidente da Fundao Victor Civita, quem
comprou um mtodo saiu-se melhor na Prova Brasil: "Bem ou mal, essas
instituies passaram a contar com um material que diz claramente o que fazer
em cada aula. O plano de aula, embora parea um pouco totalitrio, garante a
aprendizagem".
Obviamente, tal opinio no encontra eco em grande parcela de educadores, os quais
argumentam que materiais desse tipo podem garantir a apresentao de contedos cobrados
na prova Brasil ou em outra instncia de avaliao, mas no podem dizer claramente o que
fazer, isto , no tm condies de determinar a gesto da sala de aula, com turmas to
diferentes umas das outras, envolvendo inmeras variveis. Uma internauta annima,
professora universitria, comentou o tema no blog do jornalista Luis Nassif:
"Franquias" podem dar certo em atividades passveis de serem padronizadas. O
ensino, seja ele em qual nvel for, no pode.
Embora o autor deste texto concorde de maneira geral com as idias acima apresentadas, volta
e meia assaltam-lhe dvidas sobre sua pertinncia. Quem sabe, informao, treinamento e
sucesso em testes ou exames sejam tudo o que a escola deva oferecer? Afinal, quem garante
que a sociedade atual deseja mais do que isso? No seriam ultrapassados e romnticos, talvez
inviveis, os ideais de uma educao artesanal e individualizada, neste mundo superpovoado e
massificado?
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Entre os que valorizam a eficincia e domnio do contedo, relegando a segundo plano os
ideais educacionais clssicos que foram sugeridos, est Cludio Moura Castro, colunista da
revista Veja, diretor do Pitgoras, um dos sistemas de elite.
Em um artigo defendendo entidades de ensino como o Pitgoras, sugestivamente intitulado
Satans apostilado [4], Moura Castro comea por citar algumas crticas, para logo perguntarPor que as escolas desejariam pertencer s redes dos "apostiladores", to
duramente acusados? Uma hiptese persuasiva que as redes operariam como
uma secretaria de educao, cuja misso apoiar escolas. Preenchem um vcuo.
Em seguida, ele argumenta que os sistemas oferecem, entre outras vantagens,
(i) um ensino estruturado
(Passo a passo, os livros das redes oferecem teoria, aplicao, exerccios e
provas. Essa ajuda permite ao professor sair da decoreba e botar a cabea dosestudantes para funcionar.),
(ii) integrao curricular entre os textos das vrias disciplinas,
(iii) formao para os professores (ele se refere ao que os crticos apelidaram de show
pedaggico).
Moura Castro finaliza seu artigo com tom esperanoso:
Portanto, h claros indcios de que os apostiladores criaram uma soluo
brasileira de grandes mritos e originalidade. Inovao nica no mundo, j se
cogita a sua exportao.
s vezes, os argumentos do colunista de Veja so inconsistentes, embora possamos observar
em seu benefcio que dispe de pouco espao para desenvolver suas idias na revista. Neste
caso, no se v como o referido passo a passo dos livros das redes conduza reflexo; ao
contrrio, a seqncia previsvel, imutvel, lembra imediatamente a bitola das estradas de
ferro, da memorizao, das mentes sem brilho.
Apesar dos argumentos contrrios que apresentei, no me parece razovel ignorar o que
dizem tanto Claudia Costin quanto Moura Castro. O professorado brasileiro se encontra to
fragilizado, tanto em termos de status como em termos de formao e saber, que bem
possvel que a imposio de um sistema de ensino possa trazer algum benefcio. Os planos de
aula impostos aos professores foram ao menos a abordagem dos contedos e aumentam a
chance de aprendizado dos alunos; os cursos de formao, ao que parece tambm impostos,
tm chance de levar os professores a ampliar seus saberes.
Por outro lado, no se pode esquecer que o professor alienado da conduo de seu prprio
trabalho, de maneira similar ao operrio alienado na linha de montagem. medida em que se
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retiram dos docentes as possibilidades criativas e as responsabilidades da profisso, mais se
reduz a educao simples instruo e menos se pode esperar dos alunos assim formados.
H mais uma crtica que se faz aos sistemas, especificamente a seu material didtico:
privilegiariam contedos e informaes, mas no a reflexo; favoreceriam memorizao e
reproduo, mas no a autonomia. De fato, h alguns anos, examinei material de uma dasgrandes redes e, pelo que percebi, tudo isso era verdadeiro.
Mais grave ainda, no 11 Encontro Tcnico Nacional dos Programas do Livro, promovido
pelo FNDE/MEC (2007), no qual estive presente, o palestrante Flavio Nigro, diretor da
pequena editora Nova Gerao, a nica que denodadamente combate os sistemas de ensino,
apresentou apostilas de um obscuro sistema na qual, entre outros assombros, a Antrtica se
localizava na Groenlndia.
Entretanto, essas crticas devem ser relativizadas. Claro que h sistemas de ensino de pssimaqualidade, mas provvel que aos poucos se extinguam em um mercado de intensa
concorrncia. Quanto aos grandes sistemas, com todo o poder financeiro de que dispem,
nada indica que vo permanecer com mtodos ultrapassados de ensino se a sociedade desejar
outras diretrizes. Tanto verdade que alguns dos sistemas menores j apresentam materiais
didticos muito abertos, que exigem do professor uma gesto bem mais flexvel.
Sistemas de ensino e autoresParte dos autores de livros didticos sempre se preocupou com a progresso dos sistemas, que
reduzia o mercado de suas obras. Por outro lado, h autores que, alm de produzirem textos
para as editoras tradicionais, tambm elaboram materiais para os sistemas. Dessa forma, a
nica entidade representativa da categoria, a Abrale Associao Brasileira dos Autores de
Livros Educativos, nunca se manifestou abertamente contra os sistemas de ensino, pela
simples razo de que congrega os dois tipos de autores j citados.
Entretanto, nos ltimos anos, a Abrale vem pouco a pouco assumindo posies quetranscendem a simples defesa dos interesses imediatos dos autores. Trata-se de contribuir com
seu capital intelectual para a melhoria da educao brasileira em geral e do preparo do
professorado, em especial. Atitude natural, uma vez que a quase totalidade dos autores
comeou a vida profissional no magistrio do ensino Fundamental ou Mdio; deciso
conveniente, porque permite ampliar o prestgio e a influncia da entidade junto aos rgos
governamentais que dirigem os programas governamentais relativos ao livro, a Secretaria de
Educao Bsica (SEB/MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
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(FNDE/MEC). Um resultado que a Abrale tem sido reconhecida como interlocutora do
MEC, especialmente nas discusses de ordem pedaggica em torno do livro didtico.
Outro resultado que a entidade foi obrigada a analisar mais detidamente o avano dos
sistemas e se viu forada a divulgar sua posio em variadas instncias, como no 11
Encontro Tcnico Nacional dos Programas do Livro, ou na discusso que se seguiu publicao do j citado artigo de Moura e Castro. Nesse caso, acho interessante apresentar
parte das consideraes da entidade que foram discutidas entre vrios autores e resultaram em
um texto do qual fui um dos redatores [5]:
(...) O que importa ressaltar agora o fato de que a adoo de sistemas
apostilados em toda a rede de escolas de um municpio acarreta sempre
conseqncias negativas:
(1)Padroniza-se o ensino, deixa-se de contemplar as diferentes realidades dasescolas e dos interesses dos professores, os quais, no podendo escolher o
instrumento de trabalho que se adapte a sua maneira de ensinar e a seus
alunos, dificilmente sero bem sucedidos (...)
(2)Os sistemas apostilados custam, no mnimo, dez vezes mais que os livrosfornecidos pelo MEC. fato grave, porque o municpio gasta verba que
deveria ser usada na melhoria das instalaes escolares e das condies de
trabalho do professor, para oferecer material didtico que apenas substitui
os livros oferecidos gratuitamente pelo Governo Federal.
(3)Usa-se um material que pode conter srios deslizes porque no passou pelaavaliao dos especialistas, como o caso dos livros didticos distribudos
pelo MEC. A Abrale defende que todo e qualquer material didtico comprado
com dinheiro pblico se submeta avaliao.
Lembrando a referncia a Satans no ttulo do artigo de Moura Castro, o texto da Abrale
conclui:
Certamente os sistemas no representam Satans. O Mal se manifesta na
imposio desses sistemas, na falta de autonomia do professorado e no gasto
indevido e incorreto do dinheiro pblico.
Chamo a ateno para o fato de que no trecho citado foram apresentadas novas nuances nos
argumentos para se opor aos convnios que as prefeituras vm firmando: (i) a necessidade do
crivo da avaliao, que vale para os livros inscritos no PNLD, mas no se aplica ao material
dos sistemas de ensino e (ii) a padronizao, no especialmente a da sala de aula ou da
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conduta docente, mas do ensino de toda uma populao, sem que se considerem as distintas
condies das escolas e dos alunos.
Alis, se Cludia Costin usou o adjetivo totalitrio para se referir imposio de um plano de
aula, que dizer da imposio de um mesmo sistema de ensino, em todas as disciplinas (!), para
todo um municpio?
No lugar de uma conclusoNeste texto no cabe uma concluso. Os objetivos que nortearam sua escrita e a prpria
elaborao que, embora expresse as opinies do autor, no deixa de relatar pontos de vista
opostos, indicam que a concluso s surgir no futuro, aps o levantamento de mais dados e o
acmulo da reflexo.
Entretanto, ao me referir ao futuro no quero passar a idia de contemplao lenta dos fatos,
porque estes vm se sucedendo em grande velocidade na histria da evoluo dos sistemas de
ensino e sua relao com a educao brasileira.
Seria magnfico se os sistemas to ligados em sua origem desigualdade social e falta de
qualidade da escola pblica (claro que isso ocorreu independentemente das intenes de seus
mantenedores), pudessem resgatar essa escola e contribuir de maneira republicana e
democrtica para a igualdade de oportunidades entre os estudantes brasileiros. Entretanto, a
faceta totalitria da implantao de um nico sistema de ensino em um municpio e anecessidade de lucro necessria para todo empreendimento capitalista parecem contraditar a
viso otimista.
Diversas naes desenvolvidas ou em desenvolvimento adotam polticas pblicas similares a
nossos programas do livro, distribuindo gratuitamente ou subsidiando a compra da obra
didtica, mas mantendo a liberdade de escolha dos docentes. Em nenhuma nao, como
assinalou Moura e Castro, nasceram empresas com a inteno de dirigir o ensino pblico
como ocorre aqui. Alm disso, nenhuma nao desenvolvida chegou a cogitar da terceirizaode seu sistema escolar. Cabe perguntar ento se poderia ser possvel exportar nossa inovao
nica no mundo.
Fontes[1] SIQUEIRA, Elcio. Questes relacionadas adoo do ensino apostilado na rede escolar.
Disponvel no site do Tribunal de Contas do Estado de So Paulo:
www.tce.sp.gov.br/artigos/questao_ensino_apostilado.pdf
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[2] Jornal da Cidade de Bauru, 27/03/2006. Pederneiras adota sistema apostilado.
[3] LAKATOS, Suzana. Vergonha nas escolas in Cludia, no 549, junho/2007.
[4] MOURA CASTRO, Cludio. Satans apostilado in Veja, edio 2022, ano 40, no 33.
[5] ABRALE. Sobre um artigo da revista Veja e a localizao de Satans. Disponvel no site:
www.abrale.com.br.Outros sites examinados:
Principais sistemas de ensino:
www.convenio.cursoanglo.com.br
www.sistemacoc.com.br
www.objetivo.com.br
www.positivo.com.br
www.pitagoras.com.brE ainda:
www.projetobr.com.br/blog/5.html(Luis Nassif online).