sistema tributário brasileiro - monografia

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IBMEC BUSINESS SCHOOL LL.M – DIREITO EMPRESARIAL PROJETO DE FORMATURA Autor: Adir Gonçalves Junior SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO - ANÁLISE ATUAL E PERSPECTIVA DE APERFEIÇOAMENTO ____________________________________ ROSÂNGELA M. DE AZEVEDO GOMES __________________________________ MÁRCIO CALVET NEVES __________________________________ ADILSON PIRES __________________________________ RICARDO LOBO TORRES Rio de Janeiro Outubro - 2003

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Page 1: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

IBMEC BUSINESS SCHOOL

LL.M – DIREITO EMPRESARIAL

PROJETO DE FORMATURA

Autor: Adir Gonçalves Junior

SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO - ANÁLISE ATUAL E

PERSPECTIVA DE APERFEIÇOAMENTO

____________________________________

ROSÂNGELA M. DE AZEVEDO GOMES

__________________________________

MÁRCIO CALVET NEVES

__________________________________

ADILSON PIRES

__________________________________

RICARDO LOBO TORRES

Rio de Janeiro

Outubro - 2003

Page 2: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

2

FICHA CATALOGRÁFICA

Gonçalves Junior, Adir

Sistema Tributário Brasileiro - Análise atual e Perspectiva de

aperfeiçoamentos por Adir Gonçalves Junior. Rio de Janeiro. Ibmec

Business School, Programa de LL.M, 2003.

p. __ il. 29,7 cm

Projeto de Formatura

Bibliografia: p. ___

1- Tributário, 2 - Análise, 3 - Aperfeiçoamento

(ii)

Page 3: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

3

Resumo do projeto de fim de curso apresentado ao Curso de Direito Empresarial do

Ibmec Business School como um dos requisitos necessários para a obtenção do grau de

Especialista em Direito Empresarial.

SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO - ANÁLISE ATUAL E

PERSPECTIVA DE APERFEIÇOAMENTO

Adir Gonçalves Junior

Outubro de 2003

Orientadores: Rosângela Maria de Azevedo Gomes e Márcio Calvet Neves

Palavras-chave: Tributário, análise, aperfeiçoamento

Fruto de uma reforma constitucional na época do regime militar há mais de 30

anos, o Sistema Tributário Brasileiro, atualmente, é analisado com certo ceticismo, visto

que se encontra em descompasso com as atuais necessidades do Estado e da iniciativa

privada de nosso país.

Há muito tempo, inclusive, há discussões acerca da chamada “Reforma

Tributária”, que por oposição de certos setores da sociedade (e interesses conflitantes

dos entes da Federação) não foi votada em governos passados.

Dado o panorama acima descrito, o presente trabalho tem como escopo a análise

completa do sistema Tributário no Brasil, tanto em seu aspecto teórico (arcabouço legal

e princípios) quanto em seu aspecto prático (arrecadação e limitações de ordem prática),

inclusive com relação aos outros países.

(iii)

Page 4: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

4

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 01

2. SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO 04

2.1. HISTÓRICO 06

2.2. ESTRUTURA ATUAL 10

2.2.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 10

2.2.2. FORMATAÇÃO LEGAL 11

2.2.3. CLASSIFICAÇÃO DOS IMPOSTOS 15

2.2.3.1. QUANTO À INCIDÊNCIA 15

2.2.3.2. QUANTO AOS OBJETIVOS 16

2.2.3.3. QUANTO À BASE TRIBUTÁVEL 30

2.2.3.4. QUANTO À ALÍQUOTA 31

2.2.4. FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL 34

2.2.4.1. PARTILHA TRIBUTÁRIA 39

2.2.4.2. A ATRIBUIÇÃO DAS DESPESAS

41 2.2.4.3. DESEQUILÍBRIOS NA FEDERAÇÃO

45

2.2.4.4. RESUMO, CRÍTICAS E SUGESTÕES 48

2.3. ESTRUTURA FUTURA: A REFORMA TRIBUTÁRIA 53

2.3.1. DIRETRIZES 53

2.3.2. ASPECTOS ESPECÍFICOS DA PEC N.º 41 59

3. ANÁLISE COMPARADA DA CARGA FISCAL 68

3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 68

3.2 ANÁLISE COMPARADA – EXEMPLO 69

4. CONCLUSÃO 78

BIBLIOGRAFIA 86

Page 5: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

5

Page 6: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

6

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como inspiração a curiosidade do autor em

compreender os motivos da necessidade da citada reforma tributária, para alguns, e a

resistência de outros, além de vislumbrar uma excelente oportunidade de aliar a teoria

aprendida durante o Curso de Direito Empresarial, com a prática na área.

Assim sendo, o trabalho foi basicamente dividido em três partes - cada

qual com desenvolvimento e conclusões próprios, a saber:

• análise da estrutura legal atual - funcionamento e condicionantes - além de descrição

sucinta dos tributos existentes atualmente no Brasil. Tal parte foi elaborada como um

arcabouço mínimo para o leitor, mesmo leigo, situar-se sobre o ramo da ciência

jurídica em que ocorrerá a discussão;

• o federalismo fiscal brasileiro - partilha de competências (despesas) e receitas, além

de um estudo das mudanças na estrutura atual sugeridas pelo PEC n.º 41/2003, pela

Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal;

• análise comparada com o resto do mundo e a questão da globalização, tendo em vista

o enfoque tributário.

Em cada parte é agregada uma série de conceitos próprios, devidamente

explicados.

Todavia, cabe ressaltar de plano que a presente monografia não tem

intenção alguma de fazer qualquer crítica ao Estado Democrático e as “exigências da

vida contemporânea”. Conforme afirmado por Dalmo de Abreu Dallari, devemos ver o

Estado Democrático como uma evolução quando comparado com regimes de inspiração

Page 7: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

7

autocrática1, apesar das vicissitudes inerentes da democracia, como a maior dificuldade

de obtenção de um consenso.

Logo, tentou-se partir do micro (análise dos tributos em espécie e aspectos

internos do sistema) para uma visão macro (Brasil e relações externas).

Convém, então, ressaltar que as modificações que serão feitas, caso as

resistências à Reforma Tributária - completa e irrestrita - sejam vencidas, já têm uma

base, arcabouço teórico. Este é devidamente descrito na primeira parte do trabalho.

Arrecada-se muito no Brasil, porém de forma errada, sem uma análise

estratégica. A análise da excessiva e mal-distribuída carga fiscal e sua influência no

campo econômico e das discrepâncias e falhas do sistema está descrita na segunda parte

do trabalho. Agrega-se àquela análise numérica, comentários e sugestões.

Especialmente citada neste novo contexto deve estar a chamada

“Globalização” e suas implicações na política tributária, além de novos conceitos e

desafios para a administração tributária dos países.

Por fim, a presente monografia não procurou, simplesmente, demonstrar

um caso específico (embora tenha o autor se preocupado em enriquecer a narrativa com

uma série de exemplos e jurisprudência) - de alcance limitado - visto que a legislação

sobre a matéria é extremamente dinâmica.

1 Conforme Dalmo de Abreu Dallari, Elementos da Teoria Geral do Estado, 18. Ed. São Paulo: Editora

Saraiva. 1995, p. 123.

Page 8: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

8

PARTE I

Análise da estrutura atual

Page 9: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

9

2. SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Tendo em mente que para a formação de um sistema há necessidade de

uma técnica de organização, até 1967 não havia na Constituição da República

Federativa do Brasil um verdadeiro sistema na área tributária. Sendo assim, foi esta a

meta do legislador com a nova legislação.

Aliás, vale ressaltar que, no Brasil, os sistemas tributários estão quase que

por inteiro na Constituição da República. Na própria Carta Magna estão exaustivamente

organizados e sistematizados os tributos, cabendo ao legislador infraconstitucional uma

tarefa bem menor. Ricardo Lobo Torres destaca que no direito comparado não há

paralelo, salvo na Alemanha, “cuja Constituição também sistematiza os tributos, embora

não chegue a adotar o critério de nominá-los”2, como no Brasil.

Todavia, antes de ser estudado os aspectos específicos do dito “sistema

tributário brasileiro” ou “sistema tributário nacional”, devemos ter um arcabouço

teórico acerca do assunto.

O acima citado autor explica que “sistema poderia ser definido como o

conjunto de elementos dotado de unidade interna, coerência lógica, ordem, ausência de

contradições e independência do todo em relação às partes.”3

Tal visão global deve ser restringida ao nosso campo de estudo, visto que

há uma série de sistemas, como – por exemplo – jurídicos, econômicos, etc. O sistema

jurídico compreende os sistemas do Direito Público e do Direito Privado, conforme a

dicotomia básica do estudo da ciência. O Direito Financeiro é parte do Direito Público e

contém os sistemas tributários.

2 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 306. 3 Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro: Renovar. 1997, p.

305.

Page 10: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

10

Os sistemas tributários são assim classificados4:

a) sistema tributário nacional: conjunto dos tributos cobrados no país, sem discussão

acerca da titularidade da instituição e cobrança por determinado ente público e

considerada exclusivamente a incidência sobre a riqueza;

b) sistema tributário federado (ou sistema do federalismo fiscal): arcabouço, introdução

da presente monografia. Neste, os tributos organizadamente agrupados em conjunto

segundo a distribuição do poder tributário aos Entes Federados;

c) sistema internacional tributário: conjunto de tributos incidentes sobre a riqueza

internacional e partilhados entre os Estados Soberanos. Foi objeto de estudo dos anexos

do presente trabalho.

Destaca-se que os sistemas acima descritos não são independentes, tão-

somente subsistemas do mesmo sistema. Ricardo Lobo Torres traz um esclarecedor e

singelo exemplo: “O imposto sobre serviços (ISS), por exemplo, é, ao mesmo tempo e

sob diferentes perspectivas, um tributo sobre a circulação de riquezas no território

brasileiro (sistema tributário nacional) ou nas relações internacionais (sistema

internacional tributário) e um tributo municipal (sistema tributário federado).”5

4 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 306. 5 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 306.

Page 11: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

11

2.1 - HISTÓRICO

O atual Sistema Tributário Brasileiro tem suas raízes nas reformas do

período 1965/1967, que abrangeram, além da reforma tributária propriamente dita,

outras medidas que visaram a criar ou modernizar as principais instituições brasileiras.

Dentre elas, pode-se citar a reforma bancária (Lei 4.595/64), a regulamentação do

mercado de capitais (Lei 4728/65) e a edição da Lei 4.320/64, que regula o processo

orçamentário do País.

A reforma de 1966 criou um sistema tributário de âmbito nacional,

sistematizado e integrado, corrigindo distorções e fatores de ineficiência. O sistema

brasileiro atingiu um ponto de maturidade e estabilidade, com redução do grau de

cumulação dos encargos tributários e avanço na definição de competências e repartições

de receitas.

Os estudiosos sobre a matéria afirmam que antes - da reforma introduzida

pela Emenda Constitucional n.º 18/1965 e pelo Código Tributário Nacional – o sistema

tributário brasileiro “era caótico, com incidências meramente formais, desvinculadas

dos fatos econômicos.”6

A principal inovação adveio da incidência dos tributos sobre bases

econômicas e não sobre as definições jurídicas que fundamentavam o sistema de 1946.

Algumas das modificações introduzidas pela reforma foram:

§ criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), que substituiu o

Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), ambos de competência estadual. Porém,

o ICM passou a tributar o valor adicionado, não incidindo em cascata como fazia o IVC

6 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 309.

Page 12: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

12

(tornando-se, após aplicação na França, uma das primeiras experiências de tributação

sobre o valor agregado em nível internacional);

§ criação do Imposto sobre Serviços, que passou a ser de competência municipal;

§ criação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), também tributando o valor

adicionado, em substituição ao Imposto sobre o Consumo, de competência da União;

§ o Imposto de Exportação, que se encontrava sob administração estadual, passou a

ser de competência da União;

§ generalização da tributação na fonte; e

§ transferência para a União do Imposto Territorial Rural, para fins de reforma

agrária.

Assim sendo, a reforma de 1965/1967 representou um significativo

progresso na racionalização do federalismo fiscal brasileiro. Houve uma concentração

de competências e encargos nas mãos da União, como conseqüência natural do

centralismo político do período. Entretanto, o surgimento de mecanismos de

distribuição de recursos federais para Estado e Municípios significou a convivência

pacífica entre as três esferas de poder. Dentre eles, citam-se os Fundos de

Participação de Estados e Municípios, formados por percentuais dos impostos

federais de renda e produtos industrializados. Ao longo dos anos, esses percentuais

tiveram uma trajetória ascendente, culminando, na Constituição de 1988, em uma forte

descentralização de receitas em favor de Estados e Municípios.

Paralelamente, foi aprovado o Código Tributário Nacional (CTN), que,

juntamente com a Constituição de 1967, construiu o alicerce para o novo sistema

tributário. A própria criação da Secretaria da Receita Federal (SRF) e do Serviço

Federal de Processamento de Dados (SERPRO) foram providências administrativas

necessárias à operacionalização do novo modelo tributário.

Page 13: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

13

Percebe-se, portanto, que a Constituição de 1988 não trouxe mudanças

significativas relativamente ao sistema tributário implantado em 66, especialmente no

que tange a buscar um sistema mais eficiente. A estrutura permaneceu praticamente a

mesma, apesar das maiores transferências a Estados e Municípios.

Em verdade, após a mudança de patamar, de 16% para 24% do PIB, em

decorrência da reforma de 1966, a carga tributária manteve-se estacionária por cerca de

quase duas décadas7. Apenas a partir dos anos 90 é que a carga tributária brasileira tem

aumentado consideravelmente, atingindo o nível de 30% do PIB em 1995 e 35% do PIB

em 20008.

A principal característica da evolução do sistema, desde 66 até a década de

90, foi a política de constantes aumentos nas alíquotas nominais, ampliação das bases de

incidência e criação de tributos. Tal política, juntamente com a criação das

contribuições em cascata (COFINS, PIS/PASEP e CPMF), tipo de tributação que já

havia sido abolida do sistema de 66, implicou a regressividade e a ineficiência alocativa

do sistema.

O próprio processo de transferência de receitas entre as esferas

governamentais contribuiu para a ineficiência alocativa do sistema. Nesse sentido,

impostos e contribuições não partilháveis (Imposto sobre Operações Financeiras,

Impostos sobre o Comércio Exterior e Contribuições Sociais - entre elas a CPMF)

foram sobrecarregados em detrimento dos demais, sem, contudo, resolver os

desequilíbrios que residem efetivamente na redistribuição de encargos entre os níveis de

governo.

Some-se a isso o fato de que a concessão de isenções e benefícios fiscais

não tem sido acompanhada de análises que identifiquem o efetivo custo-benefício dessa

7 Conforme João Dias Neto, artigo: 45 anos de carga fiscal no Brasil – Uma análise de sua evolução.

Brasília: Tributação em Revista – outubro a dezembro, 1993. 8 Fonte: Secretaria da Receita Federal, site: www.receita.fazenda.gov.br.

Page 14: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

14

renúncia de receitas tributárias. Em especial, a falta de uma política nacional quanto aos

setores ou regiões a serem incentivados, tem gerado descontrole e desalinhamento na

concessão dos benefícios, além de uma disputa entre as unidades federativas pela

atração de investimentos.

Por último, ressalte-se que a modernização das administrações tributárias

dos três níveis governamentais e a sua integração são prioridades para o aumento da

eficiência do sistema tributário. A multiplicidade de órgãos arrecadadores, desvinculada

do efeito intercâmbio de informações e padronização de procedimentos e documentário

fiscal, tem aumentado a complexidade da obrigação tributária para o contribuinte, além

de não permitir ganhos de eficiência na administração dos tributos e contribuições.

Sob o aspecto estritamente jurídico, Ricardo Lobo Torres aponta que os

vários subsistemas (sistema tributário nacional, sistema tributário federado e sistema

internacional tributário) deveriam ser harmônicos e coerentes, o que não ocorre no

Brasil. Deve-se tentar encontrar uma solução para “combinar a maior racionalidade

econômica possível, característica de um bom sistema tributário nacional ou

internacional, com a maior autonomia dos entes públicos titulares da competência

impositiva, marca de um sólido sistema tributário federado” 9. Todavia, o citado autor

deixa claro que o sonho de ser confeccionado um sistema tributário ideal não passa de

mera utopia. Embora se deva sempre buscar sempre um “ótimo fiscal ou melhor tributo

possível”, tal solução será sempre a segunda melhor.

A opinião acima poderia causar desânimo aos estudos modernos, visto que

jamais seria encontrado o melhor tributo possível, mas, por outro lado, melhor é encará-

la como um desafio que visa à melhoria contínua dos atuais tributos.

9 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5. Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 306.

Page 15: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

15

2.2 - ESTRUTURA ATUAL

Com a formação de um sistema, tecnicamente falando, e sua necessária

regulamentação pelo CTN (Código Tributário Nacional), devem ser analisados

materialmente os princípios formadores daquele e que, substancialmente, foram

ratificados na Carta Magna de 198810.

2.2.1 - Princípios Constitucionais

A parte tributária da Constituição Federal de 198811 determina que o

Sistema Tributário obedeça a certas limitações ao poder de tributar, de forma a

preservar as garantias e direitos individuais, a manter a harmonia entre as unidades

federativas e a minimizar o grau de discricionariedade daqueles que possuem o poder de

tributar. Essas limitações constitucionais são expressas pelos seguintes princípios:

- Princípio da Legalidade: é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o

estabeleça;

- Princípio da Igualdade ou da Isonomia: é vedado instituir tratamento desigual entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente;

- Princípio da Irretroatividade: só é permitido cobrar tributos após o início da

vigência da lei que os instituiu ou aumentou;

- Princípio da Anterioridade: é vedado cobrar tributos no mesmo exercício financeiro

(ano-calendário) em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

10 visto que o CTN, Lei n.º 5.172/1966, é fruto de um período anterior. 11 ou a “Constituição Tributária”, conforme José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional, p.

487.

Page 16: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

16

- Princípio do Não-Confisco Tributário: é vedado utilizar o tributo com efeito de

confisco;

- Princípio da Ilimitabilidade12 do Tráfego de Pessoas ou Bens: é vedado estabelecer

limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou

intermunicipais;

- Princípio da Uniformidade da Tributação: a União não pode instituir tributo que

não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou

preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

- Princípio da Pessoalidade e da Capacidade Econômica: sempre que possível, os

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte;

- Princípio da Não-Cumulatividade: o IPI e o ICMS não podem ter incidência em

cascata, incidindo apenas sobre o valor que fora agregado em cada operação;

- Princípio da Seletividade: o IPI deve e o ICMS pode ser seletivo, com as alíquotas

diminuindo à medida que aumenta a essencialidade do bem.

Enfim, o sistema tributário nacional deveria ratificar os valores e princípios

constitucionais, sem obstruir o crescimento econômico.

2.2.2 – Formatação Legal - Estrutura do Sistema Tributário Nacional

O Sistema Tributário Nacional13 - aquele que se estrutura de acordo com

a base econômica da incidência, independentemente de considerações sobre a pessoa

12 ou da liberdade, conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo:

Malheiros Editores. 1998, p. 191.

Page 17: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

17

jurídica titular da competência impositiva - é composto pelas três seguintes categorias

de tributo:

- imposto, cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer

atividade estatal específica relativa ao contribuinte (art. 3º - CTN);

- taxa, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou

potencial, de serviços públicos prestados ou disponíveis ao contribuinte (art. 77 - CTN);

- contribuição de melhoria, em decorrência da realização de obras públicas (art.18 -

CTN).

Hugo de Brito Machado14 frisa que não obstante o Código Tributário

Nacional tenha dividido os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria (art.

5º), “sua definição de imposto autoriza a afirmação de que está presente nele a idéia de

que os impostos são tributos não vinculados, enquanto as taxas e contribuições de

melhoria são tributos vinculados”.

O capítulo do Sistema Tributário Nacional ainda abrange o empréstimo

compulsório e as contribuições sociais15, de intervenção no domínio econômico e de

interesse das categorias profissionais ou econômicas. Entretanto, essas contribuições

também se encontram detalhadas em outros capítulos da Constituição16, a saber:

• da Seguridade Social;

• da Educação;

• da Cultura e do Desporto;

13 Constituição da República, art. 145, 148 e 149 c/c Código Tributário Nacional c/c legislação ordinária

da União, Estados e Municípios. 14 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores.

1998, p. 212. 15 Para muitos, são duas categorias autônomas de tributos, apesar de não terem fato gerador próprio e o

Empréstimo Compulsório ser um mero ingresso e não uma receita. 16 Por exemplo, art. 149 da Constituição da República.

Page 18: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

18

• das Disposições Constitucionais Gerais e Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias.

Esse fato, reforçado pela não inclusão das contribuições no conceito de

tributo, ensejou longas discussões, inclusive judiciais, sobre a natureza, tributária ou

não, das contribuições. Atualmente, conforme a opinião majoritária da doutrina, as

citadas contribuições são uma espécie autônoma de tributo17.

Além das contribuições acima citadas, de competência federal, a

Constituição prevê que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam instituir

contribuição para financiar o sistema de previdência e assistência social de seus

servidores.

Como crítica básica às contribuições, especialmente, pode-se dizer que –

por terem sido criadas aos borbotões para cobrir o déficit dos entes – desrespeitam as

mais comezinhas lições acerca da racionalidade econômica, visto que há superposição e

incidência sobre fatos econômicos idênticos, além de, muitas vezes, serem de custosa

fiscalização e arrecadação.

- Empréstimos Compulsórios18

O empréstimo compulsório é um instituto mediante o qual o Estado

arrecada recursos para atender a despesas específicas, comprometendo-se a devolver,

em determinado prazo, o montante arrecadado.

A instituição de empréstimos compulsórios é de competência privativa

da União, sendo que a aplicação de seus recursos deve ser vinculada à despesa que

fundamentou sua instituição. Existem apenas duas situações que permitem à União

instituir empréstimos compulsórios:

17 Hugo de Brito Machado, por exemplo, in “Curso de Direito Tributário”, 14 Ed. São Paulo: Malheiros

Editores. 1998. 18 Art. 148 da Constituição da República.

Page 19: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

19

- para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra

externa ou sua iminência; e

- no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.

Impostos Extraordinários (de Guerra)19

A União ainda pode instituir os chamados impostos extraordinários,

estejam eles compreendidos ou não em sua competência tributária, quando a iminência

ou no caso de guerra externa.

Competência Residual da União20

A União possui a faculdade de instituir outros impostos, desde que sejam

não - cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo idênticos àqueles já

discriminados na Constituição.

Competência Cumulativa21

A União, em Território Federal, tem competência de instituir impostos de

competência estadual. Caso o Território não seja dividido em Municípios, a União

também acumula os impostos municipais. Entretanto, atualmente, não existem

Territórios dentro da divisão política brasileira.

O Distrito Federal, além de sua competência sobre os impostos estaduais,

acumula a competência municipal.

19 Art. 154, II da Constituição da República. 20 Art. 154, I da Constituição da República. 21 Art. 147 da Constituição da República.

Page 20: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

20

2.2.3 - Classificação dos Impostos

Tendo visto os impostos em espécie, cabe classificá-los para uma melhor

compreensão das afinidades e diferenças principais entre certos tipos de impostos.

2.2.3.1 - Quanto à incidência - Diretos ou Indiretos

Os tributos podem ser classificados conforme gravem o contribuinte (i)

diretamente, incidindo sobre sua renda, posse, propriedade, ou (ii) indiretamente,

quando visem ao consumo, os negócios e aos atos jurídicos em geral. Nessa acepção, os

tributos incidentes sobre mercadorias e serviços são tipicamente indiretos. Em contraste,

temos nos tributos sobre a propriedade e renda as características de tributação direta.

Outro critério de classificação tem relação com o ônus de pagar o imposto.

Assim temos que os impostos diretos são aqueles em que o contribuinte paga e suporta

o ônus do imposto, enquanto é indireto quando o contribuinte paga o imposto, porém

transfere este sacrifício a outrem, através de algum mecanismo.

Nesse contexto, temos a seguinte distribuição:

a) são diretos os seguintes impostos:

• Impostos sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR):

• Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

• Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU);

• Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, por ato oneroso, de Bens Imóveis, por

natureza ou acessão física, e de Direitos Reais sobre Imóveis, bem como cessão de

direitos a sua aquisição (ITBI);

• Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR);

• Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF); e

• Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD).

Page 21: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

21

b) são indiretos os seguintes impostos:

• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

• Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou

Valores Mobiliários (IOF);

• Imposto sobre as Importações (II);

• Imposto sobre as Exportações (IE);

• Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações

de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); e

• Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza (ISS).

Por fim, vale destacar uma importante distinção entre os tributos diretos e

indiretos: os diretos vêm se tornando cada vez mais populares nos países desenvolvidos,

pois podem ser estabelecidos de forma a corresponder a determinadas circunstâncias

pessoais tais como a dimensão da família, o rendimento, a idade e de uma forma geral a

capacidade para pagar. Pelo contrário, é relativamente difícil ajustar os impostos

indiretos às situações pessoais.

2.2.3.2 - Quanto aos objetivos da administração - Regulatórios ou Arrecadatórios

São regulatórios os tributos que visam não apenas à arrecadação, mas têm

alguma finalidade político-econômica. Através da tributação regulatória o Estado

intervém no setor privado visando a alcançar o equilíbrio econômico e social. A

tributação regulatória pode ser também protetora e com isso resguardar não só a

produção como também a riqueza potencial do País.

Por outro lado, a finalidade do tributo arrecadatório, como o próprio nome

diz, é simplesmente a arrecadação de meios financeiros.

Page 22: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

22

Diante do exposto temos que:

a) são tipicamente regulatórios, os seguintes impostos:

• Imposto sobre as Importações (II);

• Imposto sobre as Exportações (IE); e

• Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou

Valores Mobiliários (IOF).

Relativamente à chamada “tarifa aduaneira”, vale frisar que o imposto de

importação tem grandes implicações no relacionamento do Brasil com os demais países.

Por tal motivo, tem o citado imposto função predominantemente extrafiscal, visando à

proteção da indústria nacional.

Hugo de Brito Machado22 dá um exemplo basilar acerca da importância do

tributo em comento, in verbis:

“Se não existisse o imposto de importação, a maioria

dos produtos industrializados no Brasil não teria

condições de competir no mercado com seus similares

produzidos em países economicamente mais

desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido

graças aos processos de racionalização da produção e

desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além

disto, vários países subsidiam as exportações de

produtos industrializados, de sorte que os seus preços

ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto

de importação funciona como valioso instrumento de

política econômica”.

22 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores.

1998, p. 216.

Page 23: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

23

Vale aqui destacar que a opinião do ilustre mestre deve ser corroborada

com a lembrança de que a drástica redução do imposto de importação de certos produtos

também serviu como um eficaz instrumento para o controle da inflação interna,

especialmente no início do chamado “Plano Real” (1994/1995).

O imposto de exportação também possui uma função predominantemente

extrafiscal. Assim como o imposto de importação, serve mais como instrumento de

política econômica do que fonte de recursos para o Estado.

Ainda sobre os impostos de importação e exportação, os estudos

internacionais apontam claramente acerca da importância no contexto de um mundo

globalizado, como destacado no seguinte trecho:

“As a consequence, the IMF has generally advised against

reliance on import and export taxes. With regard to import

taxes, the IMF has acknowledged that there may be some

role for temporary import taxes, primarily to provide

protection to domestic infant or restructuring industries,

and secondarily, to provide revenue.

(...)

The IMF has strongly opposed reliance on export taxes

since they are almost always shifted back to producers.”

Quanto ao IOF, vale destacar que a doutrina23 destaca que citado imposto

tem importância no que tange ao aspecto de política monetária, tendo, pois, nítida

função extrafiscal. Vale destacar as palavras do mestre Hugo de Brito Machado sobre a

questão, in verbis:

23 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores.

1998, p. 253.

Page 24: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

24

“O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro

ou relativas a títulos e valores mobiliários, ou, na forma

resumida, como é mais conhecido, imposto sobre

operações financeiras – IOF, tem função

predominantemente extrafiscal.

Efetivamente, o IOF é muito mais um instrumento de

manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim

como de títulos e valores mobiliários, do que um simples

meio de obtenção de receitas, embora seja bastante

significativa a sua função fiscal, pois enseja a arrecadação

de somas consideráveis.”

Todavia, embora tenha sido esta a idéia do legislador ao criar o citado

imposto, tal utilização com base em questões de política monetária, atualmente, é de

pouca valia, visto que o gestor da política monetária (Banco Central do Brasil) possui

outros instrumentos mais flexíveis e menos trabalhosos (sem a necessidade do rito,

embora simplificado, de alteração do IOF), como – por exemplo – a utilização de

operações de open-market.

Tal visão ultrapassada sobre o importante papel de tributos como o IOF para

questões de política monetária também foi afastada, há bastante tempo, pela doutrina

internacional, como podemos depreender no texto de Angelo G. Faria24 para o Fiscal

Affairs Department do Fundo Monetário Internacional:

“This older Keynesian view of taxes, however,

particularly as automatic stabilizers, has given way,

because of the shorter lags to as great emphasis on

stabilization through monetary policy instruments.”

Page 25: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

25

Eduardo Fortuna25 destaca que a Secretaria da Receita Federal criou o IOF

virtual, “que é uma conta em separado dos bancos para recolher IOF dos investidores

que aplicaram ao longo do mês”. No caso, a instituição financeira terá que recolher de

modo virtual o IOF, de acordo com a tabela regressiva do tributo (investidor fica sujeito

ao tributo até o 29º dia de aplicação). Tal “IOF virtual” será descontado do valor da cota

do investidor, para que o fundo possa recolher, no fim do mês, o IR de 20% sobre o

rendimento líquido do fundo.

Se o investidor não mexer na sua aplicação no prazo de 30 (trinta) dias, o

IOF virtual será incorporado à cota do investidor, não tendo efeito sobre a arrecadação,

mas garantindo que o IR será recolhido, caso o investidor saque os valores antes do IOF

ser zerado.

Para comprovar o prestígio da função extrafiscal conferida ao Poder

Executivo no caso do IOF, vale transcrever decisões do Supremo Tribunal Federal sobre

a matéria, in verbis:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - IOF/CÂMBIO -

DECRETO-LEI 2.434/88 (ART. 6.) - GUIAS DE

IMPORTACAO EXPEDIDAS EM PERÍODO

ANTERIOR A 1º DE JULHO DE 1988 -

INAPLICABILIDADE DA ISENÇÃO FISCAL -

EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA

AO PRINCIPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA -

NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO

ARBITRÁRIO - ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO

LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE -

AGRAVO IMPROVIDO. - A isenção tributaria

24 Conforme Angelo G.A. Faria, Tax Reform in Market Economies and Economies in Transition: Principles and Experiences, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 275 25 In Mercado Financeiro, Produtos e Serviços, 2 Ed. São Paulo: Pioneira. 1999, p. 278.

Page 26: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

26

concedida pelo art. 6. do DL 2.434/88, precisamente

porque se acha despojada de qualquer coeficiente de

arbitrariedade, não se qualifica, tendo presentes as

razoes de política governamental que lhe são

subjacentes, como instrumento de ilegítima outorga

de privilégios estatais em favor de determinados

estratos de contribuintes. A concessão desse beneficio

isencional traduz ato discricionário que, fundado em

juízo de conveniência e oportunidade do Poder

Publico, destina-se, a partir de critérios racionais,

lógicos e impessoais estabelecidos de modo legitimo

em norma legal, a implementar objetivos estatais

nitidamente qualificados pela nota da

extrafiscalidade. - A exigência constitucional de lei

formal para a veiculação de isenções em matéria

tributaria atua como insuperável obstáculo a

postulação da parte recorrente, eis que a extensão

dos benefícios isencionais, por via jurisdicional,

encontra limitação absoluta no dogma da separação

de poderes. Os magistrados e Tribunais - que não

dispõem de função legislativa - não podem conceder,

ainda que sob fundamento de isonomia, o beneficio

da exclusão do credito tributário em favor daqueles a

quem o legislador, com apoio em critérios

impessoais, racionais e objetivos, nao quis

contemplar com a vantagem da isenção.

Entendimento diverso, que reconhecesse aos

magistrados essa anômala função jurídica,

equivaleria, em ultima analise, a converter o Poder

Judiciário em inadmissível legislador positivo,

condição institucional esta que lhe recusou a própria

Lei Fundamental do Estado. E de acentuar, neste

Page 27: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

27

ponto, que, em tema de controle de

constitucionalidade de atos estatais, o Poder

Judiciário só atua como legislador negativo (RTJ

146/461, rel. Min. CELSO DE MELLO). - A

expressão "lei ou ato de governo local" - que deve ser

interpretada em oposição a idéia de lei ou ato

emanado da União Federal - abrange, na latitude

dessa designação, as espécies jurídicas editadas

pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos

Municípios (PONTES DE MIRANDA, "Comentários

a Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969",

Tomo IV/155, 2a ed., 1974, RT; RODOLFO DE

CAMARGO MANCUSO, "Recurso Extraordinário e

Recurso Especial", p. 119, 1990, RT).”

(grifos nossos)

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento

142348 AgR / MG, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de

Mello, DJ de 24.03.1995)

b) são tipicamente arrecadatórios os seguintes impostos:

• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

• Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR);

• Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF);

• Imposto sobre a Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações

de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);

• Impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

Page 28: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

28

• Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, por ato oneroso, de Bens Imóveis, por

natureza ou acessão física, e de Direitos Reais sobre Imóveis, bem como cessão de

direitos a sua aquisição (ITBI);

• Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU);

• Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS);

• Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens e direitos

(ITCD); e

• Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).

Preliminarmente, vale destacar que embora alguns tributos tenham

característica marcante a arrecadação de receitas para o Estado, ainda assim, podem ter

um interessante caráter regulatório. Senão vejamos:

Impostos Federais:

O imposto de renda tem enorme importância no orçamento da União

Federal, figurando como principal fonte da receita orçamentária, embora a doutrina26

destaque sua importância como instrumento de intervenção do Poder Público no

domínio econômico, como meio de tentativa de redução das desigualdades regionais,

por exemplo.

Do mesmo modo podemos falar acerca do imposto sobre produtos

industrializados, o IPI: pretendeu-se utilizá-lo com uma função extrafiscal de acordo

com a essencialidade do produto. Mal comparando, como uma espécie de alta taxação

sobre os chamados “produtos do pecado” (bebidas e cigarro) que ocorre, até hoje, no

exterior. No Brasil, temos alíquotas mais altas de IPI, II e ICMS para os citados

produtos, como forma de coibir seu uso indiscriminado.

26 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1998, p. 226.

Page 29: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

29

Quanto ao ITR, há discussão sobre sua função predominante, se é

arrecadatória ou extrafiscal. Hugo de Brito Machado, por exemplo, afirma

peremptoriamente que “a função predominante do imposto sobre a propriedade

territorial rural é extrafiscal. Funciona esse imposto como instrumento auxiliar do

disciplinamento estatal da propriedade rural”27, por ter sido criado como instrumento

para combater os chamados “latifúndios improdutivos”.

Relativamente ao imposto sobre grandes fortunas, vale frisar que, embora

previsto na Constituição da República28, infelizmente este imposto não foi instituído,

nem foi editada a necessária lei complementar para definir o que significaria a

expressão “grande fortuna”29.

Impostos Estaduais:

O imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens

e direitos (ITCD) e o imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

não demandam grande discussão. A função de ambos é tão-somente gerar recursos

financeiros para os Estados e o Distrito Federal (no caso do IPVA, também para os

Municípios).

No caso específico do ITCD, ocorre – inclusive – avaliações especiais de

bens inventariados para ter-se a certeza que o potencial arrrecadatório do ente que

detém sua competência está sendo “bem utilizado”.

Já o IPVA é utilizado com função extrafiscal quando, por exemplo,

discrimina em função do combustível utilizado (incentivo ao uso do álcool) ou como no

caso abaixo descrito:

27 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores.

1998, p. 258. 28 Art. 153, inciso VII da Constituição da República. 29 embora haja um projeto de lei de autoria do, à época, Senador Fernando Henrique Cardoso, que foi

totalmente desfigurado por um substitutivo do finado Roberto Campos.

Page 30: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

30

“Ao instituir incentivos fiscais a empresas que

contratam empregados com mais de quarenta anos, a

Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter

extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para

estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar

os princípios da igualdade e da isonomia. Procede a

alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do

art. 1º, da Lei 9.085, de 17/02/95, do Estado de São

Paulo, por violação ao disposto no art. 155, § 2º, XII,

g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este

Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de que

isenções de ICMS dependem de deliberações dos

Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a

concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes

ADIMC 1.557 (DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ

14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ 14/03/97). Ante a

declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado

ao ICMS, o disposto no § 3º do art. 1º desta lei, deverá

ter sua aplicação restrita ao IPVA. Procedência, em

parte, da ação.”

(grifos nossos)

(Ação Direta de Inconstitucionalidade 1276 / SP,

Tribunal Pleno, DJ de 29/08/2002)

Quanto ao imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias

e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de

Comunicação (ICMS), vale destacar que é a maior fonte de recursos para os Estados e

Page 31: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

31

Distrito Federal, embora a doutrina30 destaque que também é utilizado com função

extrafiscal, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços31, além do seu

indiscriminado uso na chamada “guerra fiscal” entre os Estados sedentos por novos

investimentos que dariam uma maior dinâmica às economias locais.

Aliás, a questão da “guerra fiscal” vem causando bastante trabalho à

doutrina e jurisprudência, como podemos ver nos exemplos abaixo discriminados:

“MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DA

LEI PAULISTA Nº 10.327, DE 15.06.99, QUE

REDUZIU A ALÍQUOTA INTERNA DO ICMS DE

VEÍCULOS AUTOMOTORES DE 12 PARA 9,5%

PELO PRAZO DE 90 DIAS, A PARTIR DE 27.05.99.

REEDIÇÃO DA LEI Nº 10.231, DE 12.03.99, QUE

HAVIA REDUZIDO A ALÍQUOTA DE 12 PARA 9%,

POR 75 DIAS. LIMITE PARA A REDUÇÃO DA

ALÍQUOTA NAS OPERAÇÕES INTERNAS. 1. As

alíquotas mínimas internas do ICMS, fixadas pelos

Estados e pelo Distrito Federal, não podem ser

inferiores às previstas para as operações

interestaduais, salvo deliberação de todos eles em

sentido contrário (CF, artigo 155, § 2º, VI). 2. A

alíquota do ICMS para operações interestaduais deve

ser fixada por resolução do Senado Federal (CF, artigo

155, § 2º, IV). A Resolução nº 22, de 19.05.89, do

Senado Federal fixou a alíquota de 12% para as

operações interestaduais sujeitas ao ICMS (artigo 1º,

caput); ressalvou, entretanto, a aplicação da alíquota

30 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14 Ed. São Paulo. Malheiros Editores.

1998, p. 268. 31 Art. 153, §2º, inciso III da Constituição da República.

Page 32: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

32

de 7% para as operações nas Regiões Sul e Sudeste,

destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e

ao Estado do Espírito Santo (artigo 1º, parágrafo

único). 3. Existindo duas alíquotas para operações

interestaduais deve prevalecer, para efeito de limite

mínimo nas operações internas, a mais geral (12%), e

não a especial (7%), tendo em vista os seus fins e a

inexistência de deliberação em sentido contrário. 4.

Presença da relevância da argüição de

inconstitucionalidade e da conveniência da suspensão

cautelar da Lei impugnada. 5. Medida cautelar

deferida, com efeito ex-nunc, para suspender a eficácia

da Lei impugnada, até final julgamento da ação.”

(Medida Cautelar na Ação Direta de

Constitucionalidade 2021/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min.

Maurício Corrêa, DJ de 04/08/1999)

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS.

"GUERRA FISCAL". BENEFÍCIOS FISCAIS:

CONCESSÃO UNILATERAL POR ESTADO-

MEMBRO. Lei 2.273, de 1994, do Estado do Rio de

Janeiro, regulamentada pelo Decreto estadual nº

20.326/94. C.F., art. 155, § 2º, XII, g. I. - Concessão de

benefícios fiscais relativamente ao ICMS, por Estado-

membro ao arrepio da norma inscrita no art. 155, § 2º,

inciso XII, alínea g, porque não observada a Lei

Complementar 24/75, recebida pela CF/88, e sem a

celebração de convênio: inconstitucionalidade. II. -

Precedentes do STF. III. - Ação direta de

inconstitucionalidade julgada procedente.”

Page 33: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

33

(Ação Direta de Constitucionalidade 1179/SP, Tribunal

Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 13/11/2002)

Impostos Municipais:

O imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) tem

como objetivo primordial a obtenção de recursos financeiros para os Municípios,

embora a própria Constituição da República preveja uma função extrafiscal para o IPTU

no art. 182, §4º, inciso II.

Porém, tal função não pode ser negada, como podemos ver nos seguintes

julgados abaixo citados:

“TRIBUTÁRIO. IPTU PROGRESSIVO. MUNICÍPIO

DO RIO DE JANEIRO. ARTIGO 67 DA LEI Nº

691/84. PRECEDENTES. 1. É pacífica a

jurisprudência desta Corte no sentido de que a

progressividade do IPTU, que é imposto de natureza

real em que não se pode levar em consideração a

capacidade econômica do contribuinte, só é

admissível, em face da Constituição Federal, para o

fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função

social da propriedade. 2. O artigo 67 da Lei nº

691/84, do Município do Rio de Janeiro, que instituiu

a progressividade do IPTU levando em conta a área e

a localização dos imóveis - fatos que revelam a

capacidade contributiva -, não foi recepcionado pela

Carta Federal de 1988. 3. Recurso extraordinário

não conhecido.”

Page 34: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

34

(Recurso Extraordinário 248892/RJ, 2ª Turma, Rel.

Min. Maurício Corrêa, DJ de 31/03/2000)

Acerca dos efeitos temporais da Emenda Constitucional n.º 29/2000,

podemos citar o seguinte julgado, in verbis:

"É inconstitucional qualquer progressividade, em se

tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao

disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as

limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do

artigo 182, ambos da Constituição Federal" (RE

153.771). Tendo sido a Lei Municipal de Belo

Horizonte editada antes da EC 29/2000, aplica-se este

entendimento. Nego, assim, provimento ao agravo.”

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 325852

AgR / MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de

15/03/2002)

No mesmo sentido:

“Antes da edição da EC Nº 29/2000, este Supremo

Tribunal decidiu que é inconstitucional qualquer

progressividade do IPTU, que não atenda

exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º,

aplicado com as limitações expressamente constantes

dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição

Federal. O Tribunal " a quo", não divergiu desta

posição. Agravo Regimental a que se nega

provimento.”

Page 35: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

35

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 323180

AgR / RS, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de

03/09/2002)

Quanto ao imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, por ato oneroso, de

Bens Imóveis, por natureza ou acessão física, e de Direitos Reais sobre Imóveis, bem

como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI), a mesma observação feita sobre a

Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens e direitos (ITCD) é válida, ou

seja, tem serventia para arrecadação de recursos para a Fazenda Municipal, não tendo

qualquer função extrafiscal digna de comentário.

Por fim, o imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) tem uma

grande capacidade arrecadatória. Todavia, muitos Municípios simplesmente não têm

condição de aproveitá-la por falta de condições administrativas.

2.2.3.3 - Quanto à base tributável - Comércio Exterior, Produção e Circulação,

Renda e Propriedade.

a) Impostos sobre o comércio exterior

• Imposto sobre as Importações (II); e

• Imposto sobre as Exportações (IE).

b) Impostos sobre a Produção e Circulação

• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

• Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou

Valores Mobiliários (IOF);

Page 36: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

36

• Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações

de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); e

• Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

c) Impostos sobre a Renda e Propriedade

• Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR);

• Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR);

• Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF);

• Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, de qualquer bens e direitos

(ITCD);

• Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

• Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); e

• Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos, por ato oneroso, de Bens Imóveis, por

natureza ou acessão física, e de Direitos Reais sobre Imóveis, bem como cessão de

direitos a sua aquisição (ITBI).

2.2.3.4 - Quanto à alíquota - Fixos, Proporcionais e Progressivos

• Os impostos de valor fixo são aqueles cujo o quantum está predeterminado em lei.

Esse tipo de imposto é muito raro. Hoje em nosso Sistema Tributário Nacional (STN)

podemos citar como exemplo o ISS cobrado de sociedades uniprofissionais32;

• Os impostos progressivos são aqueles que as alíquotas crescem à medida que a base

de cálculo se eleva. São exemplos típicos de impostos progressivos: IR e ITR; e

32 Embora pareça que a intenção do legislador na recente Lei Complementar n.º 116/03 é evitar seja feita

a cobrança do citado tributo em forma de valor fixo.

Page 37: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

37

• São conceituados como proporcionais os impostos cujo valor é obtido após a

aplicação de uma percentagem fixa sobre a base de cálculo. São exemplos: o IPVA e o

IPTU;

Page 38: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

38

PARTE II

O Federalismo Fiscal

no Brasil.

Page 39: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

39

2.2.4 - FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL

“O espírito de um povo, o seu nível cultural, a sua estrutura

social, as ações de que a sua política é capaz, tudo isto e

muito mais está escrito na sua história fiscal... Aquele que

sabe entender a sua mensagem poderá aqui discernir o

ribombar da história mundial mais claramente do que em

qualquer outro lugar.” (Joseph Schumpeter)

O Brasil possui uma das mais abertas e descentralizadas federações em

comparação com outros países em desenvolvimento. De fato, todos os níveis

governamentais são autônomos e possuem independência política, administrativa e

financeira.

Conforme destacado por Amílcar Falcão33, o problema da autonomia dos

governos locais pode ter diferentes métodos de apreciação, sendo certo que a apreciação

que nos interessa é a jurídica. O citado mestre cita que o conceito de autonomia de

governo local é deveras polêmico e sem uma única conclusão harmônica, sendo objeto

de amplos estudos, especialmente dos publicistas da Itália e da Alemanha.

Conforme destacado, o campo de eleição para o estudo do problema da

autonomia local é o sistema federado. Este é caracterizado pela “conjunção, em um só

Estado soberano, de entidades autônomas, titulares de competências próprias para auto

determinar-se, sem sofrerem, em princípio, a injunção do governo central.”34.

Logicamente, tal “poder” não é absoluto, há o uso das chamadas competências

concorrentes com a preferência do poder federal sobre o poder local.

33 Conforme Amílcar Falcão, Introdução ao Direito Tributário, 5 Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1994, p. 95. 34 Conforme Amílcar Falcão, Introdução ao Direito Tributário, 5 Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1994, p. 96.

Page 40: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

40

A organização federativa do Brasil remonta ao período que se seguiu à

Proclamação da República (1889). A primeira Constituição Federal Brasileira, a de

1891, foi inspirada pela constituição norte-americana. Porém, o federalismo nos EUA

surgiu por agregação dos Estados, enquanto que no Brasil foi o Poder Central que se

subdividiu em unidades federadas. Paul Samuelson35 destaca que, nos Estados Unidos,

o, “sistema é um federalismo fiscal de mesma forma que é um federalismo político. O

governo federal dirige as atividades que respeitam à totalidade do país – suportando as

despesas com a defesa, o espaço e os assuntos econômicos. A administração local trata

da educação das crianças, policia as ruas e recolhe o lixo. Os Estados constroem auto-

estradas e administram os programas de segurança social.”

No Brasil, o estabelecimento da União (nível central), Estados (nível

intermediário) e Municípios (nível local), como esferas independentes de poder e com

competência próprias, surgiu em contraposição à organização unitária do período

imperial.

Vale, então, destacar que a autonomia assegurada aos entes que integram a

federação tem uma faceta no exercício do poder tributário que lhes for conferido. Citado

poder assegura aos entes a qualidade para disciplinar legislativamente os tributos

próprios, assim como para exercitar as atividades de arrecadação e fiscalização. Tal

poder é algo elogiável, contudo os entes menores não aproveitam a autonomia de que

dispõem.

Ao longo de sua história, o federalismo brasileiro experimentou um processo

ora de concentração de poderes nas mãos da União, ora de forte descentralização de

competências e recursos para Estados e Municípios. Esse movimento cíclico36 esteve

sempre bastante atrelado à composição das forças políticas.

35 Conforme Paul Samuelson, Economia, 14. Ed. São Paulo: Mc-Graw-Hill. 1995, p. 378. 36 conforme ocorre com todos os países. Nos Estados Unidos, as fronteiras entre as funções fiscais

variaram ao longo do tempo. Com Alexander Hamilton, Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson houve o

alargamento do papel federal, ao passo que Thomas Jefferson, Calvin Coolidge e Ronald Reagan

tentaram controlar ou reverter o acréscimo dos poderes fiscais ao nível federal.

Page 41: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

41

O período inicial do federalismo no Brasil foi marcado pela grande utilização

da competência residual dos Estados e Municípios, estabelecendo um federalismo dual.

Nesse período, a divisão constitucional das receitas foi favorável aos Estados.

O Estado Novo (1930 a 1945) foi fortemente centralizador, concedendo

maiores poderes ao Governo Federal (apesar da Constituição de 1934 ter sido a primeira

a garantir fontes exclusivas de receitas aos Municípios). Nesse período ocorre o marco

inicial do sistema de partilha tributária no Brasil, pois os Estados foram obrigados a

repassar metade da arrecadação do Imposto sobre Indústrias e Profissões para os

Municípios. A Constituição de 1937 foi fortemente centralista, sendo bastante

influenciada pelo movimento fascista europeu. Reduziu-se, em conseqüência, o grau de

autonomia fiscal dos municípios.

A importância do Estado foi reduzida, com a Constituição de 1946, que

privilegiou o federalismo cooperativo (cooperação financeira inter-governamental) e

fortaleceu a posição fiscal dos governos locais. Apesar disso, o acelerado crescimento

econômico exigiu uma contínua presença do Estado na economia, mesmo que

contrariando um período de doutrina laissez-faire. Houve uma melhor separação dos

campos de incidência dos impostos para cada nível de governo.

A instalação do Governo Militar em 1964 representou a volta do centralismo,

que influenciou a reforma tributária de 1966. Assim, a competência tributária voltou a

ficar centralizada nas mãos da União. Contudo, como forma de contrabalançar esse

centralismo político e econômico, houve um aumento do fluxo de transferências entre

governos, culminando com a criação dos Fundos de Participação em 1967.

A abertura política iniciada na década de 70, ainda sob os auspícios de um

governo militar eleito indiretamente, desencadeou pressões em prol da descentralização

de competências para Estados e Municípios. Nesse sentido, a Constituição de 1988 veio

ao encontro dessas reivindicações, privilegiando um aumento da descentralização fiscal,

sem realizar alterações substanciais no sistema tributário de 1966. A Constituição de

Page 42: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

42

1988 determinou maior repasse de recursos aos Estados e aos Municípios, sem que

existisse a correspondente transferência dos encargos, fortalecendo a posição fiscal dos

governos sub-nacionais.

Portanto, percebe-se que os períodos de maior centralização foram associados

aos regimes políticos de inspiração autoritária, enquanto que os governos mais

democráticos optaram por um sistema descentralizador. Contudo, sempre houve uma

forte presença da União na execução de políticas voltadas para o desenvolvimento

econômico e para a correção dos desequilíbrios regionais. Aliás, um dos eternos debates

dos economistas centra-se no nível apropriado da administração dos programas

governamentais.

A razão que tem justificado a presença da União na execução de políticas

regionais e mesmo naquelas tarefas que não estão formalmente sob sua competência

tem como base teórica as substanciais diferenças socioeconômicas entre as diversas

regiões do País. Os desequilíbrios regionais podem ser apontados como um dos

principais problemas da federação brasileira. Estudiosos e sociólogos sugerem a

existência de dois "Brasis": um dinâmico, em franco progresso; o outro, estagnado, sem

oportunidades. A União tenta minimizar essas diferenças mediante a utilização de um

amplo mecanismo de redistribuição de renda regional. Em verdade, o governo central

sempre teve papel fundamental em assegurar a estabilidade política e do crescimento

econômico do país.

As regiões mais desenvolvidas ficam no sul do País; as mais pobres no norte e

nordeste. As regiões Sul e Sudeste geram mais de 76% do PIB, detendo 58% da

população. O Nordeste, com 29% da população, contribui com apenas 14% da renda

nacional. Entre as regiões, os níveis de renda per capita variam de US$ 500 a 5.00037.

Dentro de cada Estado são também grandes as desigualdades. Em São Paulo, a

unidade mais rica da federação, cerca de 20% da população situa-se na faixa de pobreza.

37 Fonte: O GLOBO, 08/09/1999, caderno “País”.

Page 43: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

43

A busca da minimização das disparidades sociais e de renda tem sido a característica de

todos os modelos fiscais ao longo da história da nação.

A Constituição de 1988, resultado da reinstalação do regime democrático no

País, reafirmou a federação e o princípio da descentralização fiscal. A competência

tributária própria de cada nível de poder tem sido considerada como um dos

fundamentos do federalismo brasileiro. As discussões de propostas de reforma tributária

que alteram a atual distribuição de competências tributárias têm sido cercadas de amplas

polêmicas, sobretudo tendo em vista o preceito constitucional que veda o exame de

quaisquer emendas à Constituição que atinja o pacto federativo38.

O mestre Hugo de Brito39 bem frisa que com a Constituição Federal de 1988 os

Estados e Municípios saíram do “plano considerável de inferioridade” em que se

encontravam. Com a nova Carta Magna, a situação dos Estados e Municípios

melhorou, sobretudo no que diz respeito à distribuição do produto da arrecadação dos

tributos federais.

Vale frisar que o doutrinador acima citado tem opinião de que os entes

inferiores foram e estão sendo prejudicados pelo excesso (ainda que menor, atualmente)

de poderes em torno do ente maior, a União Federal.

Estudos realizados no âmbito do Projeto Regional de Descentralização Fiscal,

desenvolvido pela Cepal40, destacam que "a autonomia que exercem Estados e até

Municípios para criar, legislar, fixar alíquotas, cobrar e fiscalizar seus impostos e taxas

é o fator institucional mais avançado em termos de descentralização fiscal encontrado

no sistema brasileiro e destacado em trabalhos comparados de experiência

internacional". Na maioria das federações, o nível local de governo é geralmente

38 Art. 60 da Constituição da República. 39 Conforme Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário,14 Ed. São Paulo: Malheiros Editores.

1998, p. 187. 40 Conforme citação de Lythia Spíndola e Everardo Maciel, Reflexões sobre a Descentralização Fiscal no

Brasil, Brasília: Tributação em Revista – julho a setembro, 1994.

Page 44: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

44

subordinado ao governo intermediário. No Brasil, a Constituição reconhece a total

independência e o status igualitário dos Municípios para com a União e os Estados41.

2.2.4.1 - Partilha Tributária (artigos 157 a 162 da Constituição da

República)

As transferências tributárias constitucionais entre a União, Estados e

Municípios são de dois tipos: transferências diretas ou transferências mediante a

formação de fundos especiais (indiretas). No entanto, independentemente do tipo, as

transferências sempre ocorrem do governo de maior nível para os de menores níveis,

isto é, o sentido vai da União para Estados, da União para Municípios ou de Estados

para Municípios.

Outro tipo de transferência é o convênio, que representa uma transferência

federal de recursos a estados ou municípios para que esses atuar em nome da União em

atividades de responsabilidade federal. Esse tipo de transferência é determinada por lei

ordinária ou é realizada diretamente entre os diferentes níveis de governo.

As transferências diretas são as seguintes:

• Pertencem aos Estados e aos Municípios o total da arrecadação do Imposto de

Renda, retido na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas

autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem42;

• Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto Territorial Rural,

relativo aos imóveis neles situados43;

• Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto sobre Propriedade de

Veículos Automotores licenciados em seus territórios44;

41 Art. 18 da Constituição da República. 42 Art. 157, I e 158, I da Constituição da República. 43 Art. 158 inciso II, da Constituição da República.

Page 45: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

45

• Pertencem aos Municípios 25% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de

Mercadorias relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual

e intermunicipal e de comunicação45;

• O IOF - Ouro (ativo financeiro) será transferido no montante de 30% para o estado

de origem e no montante de 70% para o município de origem46.

Os fundos, em número de quatro, mediante os quais se realizam as

transferências indiretas são os seguintes:

• Fundo de Compensação de Exportações (FPEx): constituído por 10% da

arrecadação total do IPI. Sua distribuição é proporcional ao valor das exportações de

produtos industrializados, sendo limitada a participação individual a 20% do total do

fundo47;

• Fundo de Participação dos Estados e do Direito Federal (FPE): 21,5% da

arrecadação do IPI e do IR, distribuídos de acordo com a população e a superfície e

inversamente proporcional à renda per capita da unidade federativa48;

• Fundo de Participação dos Municípios (FPM): composto por 22,5% da arrecadação

do IPI e do IR, com uma distribuição proporcional à população de cada unidade, sendo

que 10% do fundo são reservados para os Municípios das Capitais49;

• Fundos Regionais: para o financiamento de projetos na região Norte, Nordeste e

Centro-Oeste - 3% da arrecadação total do IPI e do IR, respectivamente50.

Portanto, as transferências constitucionais via fundos repassam a estados e

municípios 47% do IR e 57% do IPI arrecadados pela União, para as regiões menos

favorecidas, por exemplo51.

44 Art. 158 inciso III, da Constituição da República. 45 Art. 158, inciso IV, da Constituição da República.. 46 Art. 153, §5º, incisos I e II, da Constituição da República. 47 Art. 159, inciso II, da Constituição da República. 48 Art. 159, inciso I, “a”, da Constituição da República. 49 Art. 159, inciso I, “b”, da Constituição da República. 50 Art. 159, inciso I, “c”, da Constituição da República.

Page 46: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

46

As transferências constitucionais têm maior importância para os Estados e

Municípios mais pobres da federação, representando, portanto, muito pouco para os

Estados do Sul e do Sudeste.

Os principais convênios existentes no Brasil são os relativos às áreas de saúde

e educação. No que concerne à saúde, temos o Sistema Unificado e Descentralizado de

Saúde - SUS, iniciado em 1987 e que coordena política de saúde dos três níveis

governamentais, estabelecendo uma política unificada para a nação. Quanto à

educação, há o chamado Convênio Único, que estabelece transferências federais para o

ensino primário.

2.2.4.2 - A Atribuição das Despesas

A Constituição também determina as responsabilidades sobre os gastos de

cada um dos três níveis governamentais. Pode-se dizer que, de um modo geral, o

estabelecimento das competências de gastos no Brasil está bem definido na teoria. No

entanto, o grande problema do Brasil nessa área é que a prática encontra-se um tanto

distante da teoria: há uma substancial falta de coordenação entre os governos em relação

a determinadas matérias.

Vejamos a divisão constitucional das tarefas mais importantes:

Cabem à União, por exemplo52:

• Defesa Nacional;

• Assuntos Exteriores e Comércio Internacional;

51 a destacar que o PEC n.º 41/2003 pretende alterar o art. 159, I da Constituição da República, impelindo

a União a reservar 2% (dois por cento) da arrecadação do IR para um “fundo nacional de

desenvolvimento regional, para a aplicação em regiões menos desenvolvidas do País”. 52 Art. 21 da Constituição da República.

Page 47: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

47

• Política Monetária;

• Planejamento nacional e regional de ordenação do território e de desenvolvimento

econômico e social;

• Serviço Postal e correio aéreo nacional;

• Explorar serviços telefônicos, telegráficos e telecomunicações;

• Serviços oficiais de estatísticas nacionais.

É de competência privativa da União legislar sobre53:

• Direito civil, comercial, penal, eleitoral, aeronáutico;

• Desapropriação;

• Águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

• Serviço postal;

• Sistema monetário;

• Política de crédito, câmbio;

• Comércio exterior e interestadual;

• Trânsito e transporte;

• Jazidas, minas e metalurgia;

• Nacionalidade, cidadania e naturalização;

• Populações indígenas;

• Sistemas de poupança popular;

• Sistemas de consórcio e sorteios;

• Diretrizes e bases da educação nacional, atividades nucleares de qualquer natureza,

dentre outros.

Cabem aos poderes federal, estadual e municipal (competência comum)54:

• Cuidar da saúde e assistência pública;

• Proteção de bens, documentos e obras de valor histórico, artístico e cultural;

53 Art. 22 da Constituição da República. 54 Art. 23, da Constituição da República.

Page 48: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

48

• Proporcionar meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

• Proteger o meio ambiente e combater à poluição;

• Agricultura e distribuição de alimentos;

• Promover programas de construção de moradias e melhorias das condições

habitacionais e de saneamento básico;

• Combater causas da pobreza e fatores de marginalização.

É de competência da União e dos Estados55:

• Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

• Orçamento;

• Produção e consumo;

• Educação, cultura, ensino e desporto;

• Proteção à infância e à juventude;

• Organização, garantia, direitos e deveres das polícias civis.

Compete aos Municípios56:

• Legislar sobre assuntos de interesse local;

• Organizar e prestar serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte

coletivo, que tem caráter essencial;

• Manter serviços de atendimento à saúde;

• Promover o planejamento, uso e ocupação do solo urbano;

• Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local.

Como podemos perceber por simples constatação da realidade, há séria

divergência entre essas determinações constitucionais e a prática. Especialmente, nas

áreas de educação, saúde, transporte urbano e assistência social, em que todas as três

esferas estão envolvidas de um modo não coordenado e confuso. O resultado disso é

55 Art. 24, da Constituição da República. 56 Art. 30, da Constituição da República.

Page 49: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

49

imediato: os serviços públicos são mal prestados, gerando enormes deficiências em sua

provisão e ineficiência de resultado, sem que seja possível atribuir responsabilidades a

qualquer governo. Muitas dessas multiplicidades de função podem ser atribuídas a uma

tradição pré-Constituição Federal de 1988.

O problema da educação é típico: a Constituição fixou o ensino elementar para

os Municípios, mas deixou aberto os níveis de 2º grau e universitário. A União, que

deveria só se ater a emitir normas, acaba provendo todos os níveis de ensino. Dessa

forma, acabam todos envolvidos e uns esperando pelo investimento dos outros. O que

sai prejudicado é o ensino no País.

Assim, pelo lado dos dispêndios, a partir do exame da composição dos gastos

públicos no Brasil, é possível concluir que tanto a União como Estados e Municípios

praticam despesas concorrentes em praticamente todas as tarefas executadas pelo poder

público. A autonomia de cada uma das esferas de poder é significativa no que tange aos

gastos.

A grande maioria dos Municípios e dos Estados, não obstante a ampla

autonomia que dispõem em termos de competências tributária e de gastos, não apresenta

qualquer capacidade de investimento significativo em vista das necessidades regionais.

Assim, persiste a elevada importância da União na condução de programas de

desenvolvimento e no gerenciamento de um vigoroso processo de redistribuição de

receitas públicas.

Assim sendo, reclama o governo Federal que após a redemocratização do país

e da Constituição de 1988 ocorreu um aumento dos recursos financeiros para os

chamados entes menores, os Estados e Municípios, e um empobrecimento da União,

sem que tenha havido uma correta (re)distribuição das atribuições. Por mera constatação

da realidade (qualidade dos serviços), observa-se que não há uma apropriada divisão

prática de atribuições entre os níveis de governo, mesmo no que concerne àquelas

tarefas mais fundamentais como educação, saúde, infra-estrutura, dente outras. Tal

afirmação – por ser demais grave – deveria ser repassada à sociedade com forte base

Page 50: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

50

numérica, o que não é feito de forma eficaz, criando um inadmissível subjetivismo e que

em nada agrega valor quando todos os entes devem fazer concessões recíprocas.

2.2.4.3 - Desequilíbrios Verticais e Horizontais na Federação Brasileira

Os estudos acerca das questões de política fiscal vêm discutindo seu papel no

estímulo das atividades econômicas do país. Estudos do Fundo Monetário Internacional

(FMI) abordam este dilema, como podemos ver no seguinte exemplo, in verbis:

“In market economies the roles of tax and fiscal

politicies follow from the view of the role of government

in organizing economic activities. The earlier view of

na activist role for governments appears to be giving

way to a more restrictive view in a market economy,

governments exist essencially to promove the

development and efficient functioning of market forces

over the longer term.

In this context, ‘ tax neutrality’ has been invoked by

fiscal experts as prime guide for a tax system designed

to work with market forces.”57

A acima citada “neutralidade” só poderá ser alcançada se - em nível interno,

entre os entes do governo, os problemas de distribuição de receita forem resolvidos.

Como a análise macroeconômica surgiu de uma análise microeconômica

anteriormente feita por economistas, vale destacar esta análise que serviu de base para

aquela.

57 Faria, Angelo G.A., Reform in Market Economies in Transition: Principles and Experience, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 276.

Page 51: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

51

Conforme acentuado por William D. Nordhaus58, os sistemas tributários tentam

incorporar perspectivas modernas acerca da justiça ou equidade. Neste aspecto,

podemos distinguir, então, entre a equidade horizontal e a equidade vertical.

Na equidade horizontal, aqueles que são essencialmente iguais devem ser

tributados de igual forma. A noção de igual tratamento entre as pessoas tem profundas

raízes na cultura Ocidental. “Se duas pessoas forem iguais em tudo, exceto na cor dos

olhos todos os princípios da tributação estabelecem que devem pagar os mesmos

impostos”59. No caso de tributação de acordo com o benefício auferido, quem recebe

exatamente os mesmos serviços das auto-estradas e dos parques naturais deve pagar

exatamente os mesmos impostos. Ou se o sistema segue o princípio da capacidade para

pagar, a equidade horizontal estipulará que as pessoas que têm rendimentos iguais

devem pagar os mesmos impostos.

A chamada equidade vertical é mais controversa. Nesta, deve haver respeito ao

tratamento fiscal de pessoas com diferentes níveis de rendimento. Por exemplo: “A” e

“B” são iguais em tudo, exceto que “B” tem 10 vezes a riqueza e rendimento de “A” .

Isto quer dizer que “B” deve pagar de impostos o mesmo montante que paga “A” pelos

serviços públicos de proteção policial? Ou “B” deve pagar de imposto a mesma

porcentagem do rendimento? Ou, dado que a polícia precisa de mais tempo para

proteger a propriedade do rico “B”, será mais justo que “B” pague de imposto uma

maior parcela do rendimento?

Percebe-se claramente que as questões acima têm uma grande carga política,

não sendo questões estritamente econômicas. Os princípios gerais e abstratos de

tributação não podem determinar como devem ser tributados os diferentes grupos.

Na análise macroeconômica, os desequilíbrios verticais referem-se a

descompassos entre capacidade de tributar e responsabilidades de gastos entre os

diversos níveis governamentais (no caso específico do Brasil, pelas três órbitas de

58 Paul Samuelson e William Nordhaus, Economia, 14 Ed. São Paulo: Mc-Graw-Hill. 1995, p. 374. 59 Paul Samuelson e William Nordhaus, Economia, 14 Ed. São Paulo: Mc Graw-Hill. 1995, p. 374.

Page 52: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

52

governo: União, Estados e Municípios, o chamado “tridimensionalismo vertical”60).

Desequilíbrios horizontais são relativos a governos situados no mesmo nível de

hierarquia.

Desequilíbrios verticais são comuns à maioria das federações, pois alguns

tributos são bem administrados em nível central e algumas despesas em nível local.

Assim, mediante um mecanismo de transferência, podemos equilibrar nossos resultados

de receitas e despesas. No Brasil, isso é feito a partir das transferências constitucionais

e não constitucionais.

No entanto, após a Constituição Federal de 1988, percebe-se uma deterioração

da posição fiscal da União em prol de estados e municípios. Por um lado, os Estados

têm em suas mãos o imposto de maior arrecadação do País (o ICMS61), o que, aliás, é

característica única do Brasil entre todos os países do mundo. Conforme análise em

abstrato – via Constituição62 - os Municípios recebem um forte montante de

transferências (tanto federais como estaduais), o que pode fazer com que eles estejam

menos preocupados em explorar devidamente suas bases tributárias próprias.

Os desequilíbrios horizontais no Brasil são conseqüência da grande diversidade

socioeconômica regional existente. Há sérios problemas de arrecadação própria nos

Estados mais pobres, sendo esses extremamente dependentes das transferências

federais. Desequilíbrios regionais são problemas sérios em qualquer federação, pois os

Estados mais ricos não se conformam com o montante de recursos transferidos aos mais

pobres e isso gera conflitos no pacto federativo.

60 Conforme Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 5 Ed. Rio de Janeiro:

Renovar. 1997, p. 311. 61 Art. 155, inciso II, da Constituição da República. 62 Art. 157/162 da Constituição da República.

Page 53: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

53

2.2.4.4 – Resumo, Críticas e Sugestões ao Federalismo Fiscal Brasileiro

Conforme já explicado acima, o federalismo no Brasil apresenta características

bastante fortes e descentralizadas, mais do que em qualquer outra federação de país em

desenvolvimento.

Algumas de suas características básicas são as seguintes:

• A determinação das competências de tributar e de gastar está claramente colocada

na Constituição e não tem grandes divergências em relação à teoria econômica. No

entanto, a prática da política de gastos não respeita os mandamentos constitucionais e

gera uma total falta de coordenação na execução de tarefas entre os três níveis

governamentais;

• A estrutura tributária tem favorecido Estados e Municípios (especialmente esses

últimos) em detrimento da União. Gera-se, assim, uma inadequada composição da carga

tributária, no sentido de que os tributos não-partilháveis, porém distorcidos da boa

alocação econômica, são privilegiados em detrimento daqueles que compõem a base dos

Fundos de Participação;

• Multiplicidade de órgãos arrecadadores Federais, Estaduais e Municipais (que

competem pela mesma capacidade contributiva do cidadão), além da baixa integração

entre os mesmos. Não há sequer padronização entre documentos fiscais e comunicação

de bases de dados. Com a grande evolução da chamada “tecnologia da informação”, não

seria impossível, por exemplo, a criação de um cadastro único de contribuintes em nível

nacional;

• Existem dois impostos sobre o valor agregado (IPI e ICMS), incidentes por vezes

sobre a mesma base, gerando confusão e irracionalidade administrativa. Esse

Page 54: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

54

argumento, em parte, pode também ser estendido ao ISS, que muitas vezes entra em

choque com o ICMS;

• O ICMS, principal imposto da economia, que representa cerca de 30% do total da

carga tributária, tem sido objeto de acirrada guerra fiscal entre os Estados que compõem

a federação, em razão da falta de regulamentação adequada de legislação complementar

e por ter adquirido objetivos não fiscais extremamente importantes. Aqui vale frisar que

não se trata de desprezar que o ICMS tem papel predominantemente arrecadatório.

Porém, há extrafiscalidade quando ocorre seu uso na chamada “guerra fiscal”, em que

os Estados buscam – desesperadamente – novos investimentos, visando ao

desenvolvimento industrial e a atração de novos empregos;

• Falta de harmonização entre a legislação tributária dos diversos Estados-Membros,

incluindo vários programas de incentivo, que não guardam nenhum critério de

padronização entre si;

• Falta de coordenação entre os gastos públicos das três esferas governamentais,

impedindo a eficácia alocativa do dispêndio e impossibilitando, em decorrência, o

equilíbrio necessário à estabilização econômica;

• A Reforma Fiscal ainda tem sido baseada em acirradas divergências acerca do

sistema tributário desejado, somente levando em consideração a questão da manutenção

dos níveis de arrecadação, olvidando-se da eficiência econômica e integração

internacional.

Algumas sugestões clássicas para se melhorar o pacto federativo brasileiro

envolvem, pelo lado da receita, a fusão do IPI, ICMS e ISS em um único imposto, que

deverá ser administrado pela União e parcialmente repassado às demais esferas. Isso,

logicamente, dependeria de um projeto de emenda constitucional, que deveria ser

aprovado no Congresso Nacional e que, como todos sabem, seria de difícil aceitação por

parte dos Estados. O ICMS é o principal tributo do País e os estados não abririam mão

dessa receita por algo duvidoso. Daí, advém a discussão sobre com qual ente federativo

Page 55: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

55

deve ficar a arrecadação do importante tributo: o Estado da origem ou o Estado do

destino do produto ou serviço. Este tributo que seria a fusão do IPI, ICMS e ISS seria

também um imposto sobre o consumo: o imposto sobre o valor agregado (IVA),

largamente utilizado na Europa.

Acerca dos tributos sobre o valor agregado, o estudo dos casos internacionais

pelo FMI o fez traçar uma espécie de diretriz ou conselho acerca da citada espécie de

tributos. Tal orientação é a seguinte:

“The IMF has typically recommended that the VAT [Value-

Added Tax] have a single rate within the range of 10

percent to 20 percent, depending on revenue needs (with a

zero rate for exports) and that exemplions be kept to a

minimum. In countries where a single-rate VAT seemed

politically infeasible, the IMF has proposed a dual-rate

structure (a normal rate coupled with a reduced rate on

limitednumber of items). FAD [Fiscal Affairs Department]

has argued strongly against the adoption of a VAT with

more than three rates. FAD has also urged against taxing

certain goods, principally necessities, at low rates or

exempting them. It has favored redistributing income on the

spending side rather than on the tax side.”63

Uma sugestão mais prática e pacífica é o estabelecimento de convênios entre as

diversas administrações tributárias para troca de informações de cadastro e

documentário únicos, ao invés de realizarem uma competição fiscal em um modelo de

tributação onde a federação, no agregado, sai perdendo.

63 STOTSKY, Janet, Summary of IMF Tax Policy Advice, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 280.

Page 56: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

56

Pelo lado das despesas, é urgente que se estabeleça a definição prática a

respeito das competências de cada nível de governo sobre determinados grupos de

gastos. Não é possível haver a falta de coordenação atual, com atribuições obscuras de

responsabilidades e com alguns níveis de governo esquivando-se de suas competências

para sobrecarregar outros.

Uma reforma tributária moderna deveria seguir as recentes experiências que

estão ocorrendo nas recentes evoluções do sistema tributário nas chamadas economias

de mercado, conforme apontado por estudos internacionais, in verbis:

“The recent evolution of the structure of tax system in

market economies reflects a fundamental shift in

taxation philosophy away from interpersonal equity

objectives and toward economic efficiency objectives.

Efficiency is best secured when it can be established

for both taxpayers and tax administrations with

certainty and transparency.”64

A importância da relação entre o fisco e o contribuinte também é destacada no

mesmo estudo, conforme podemos extrair do seguinte trecho:

“Finally, taxation in advanced market economies has

been carried out in the presence of na evolving

environment characterized by na open relationship

between taxpayers representing the private sector and

tax administrations representing the public sector,

base on mutual recognition of their respective rights

and duties. It reflects a clear acceptance by

governments that complex tax systems function

effectively only if large segments of the population

respect and comply with their obligations under tax

Page 57: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

57

code. For their part, taxpayers have tacitly accepted

their complience obligations of filing tax returns,

paying their tax liabilities, and responding to requests

for information from tax administrations in timely

fashion. In turn, tax administrations have learned to

respect the rights of taxpayers to be informed,

assisted, and heard; to receive fair treatment; to have

all their matters treated with confidentiality; to have

their tax liabilities determined with certainly; and to

be able to appeal freely against administrative

decisions before independent administrative tribunals

and/or the courts.” 65

Todavia, conforme afirmado por Janet Stotsky66:

“Reforming the tax system in any country is a complicated

undertaking, with its scope and direction frequently

circumscribed by many political and economic factors.”

64 Faria, Angelo G.A., Reform in Market Economies in Transition: Principles and Experience, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 277. 65 Faria, Angelo G.A., Reform in Market Economies in Transition: Principles and Experience, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 277. 66 STOTSKY, Janet, Summary of IMF Tax Policy Advice”, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 279.

Page 58: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

58

2.3 – ESTRUTURA FUTURA: A REFORMA TRIBUTÁRIA

“Aumentar os impostos é como depenar um ganso:

queremos tirar o maior número de penas com o mínimo

barulho possível.” (Colbert)

Tendo em vista a tramitação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n.º

41, de 30.04.2003, modificando o Sistema Tributário Nacional, é recomendável a

análise de seus pontos positivos e negativos.

2.3.1 - DIRETRIZES

Antes da apresentação da proposta de EC n.º 41, de 30 de abril de 2003,

existiam duas correntes políticas: a primeira defendia a redução da carga fiscal por

julgá-la excessiva; a segunda defendia sua expansão, visto que nossos indicadores são

inferiores aos de muitos países.

Tais dados serão dissecados no item seguinte (análise comparada). A análise

dos dados indica que a carga tributária no Brasil é ainda inferior à da maioria dos países

desenvolvidos, mas também é verdade que o esforço tributário exigido do contribuinte

nacional já é bastante elevado, especialmente quando comparado com os seus vizinhos

da América Latina.

Assim sendo, o governo – ao apresentar o PEC n.º 41 – teve como diretriz um

meio termo. A idéia é que seja buscada a igualdade. Em tese, não haverá aumento

(medida impopular e que acentuaria o quadro recessivo da economia nacional),

tampouco diminuição da carga tributária atual (até mesmo por questões de

Page 59: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

59

compromissos externos, como a necessidade de produção de superávits primários cada

vez maiores).

Para corroborar tal idéia (e afastar idéias ortodoxas, como a criação de um

novo Sistema Tributário Nacional), afirma o Poder Executivo que reformar é aprimorar

algo que existe, promovendo a contínua evolução do sistema.

Logo, as alterações têm como meta e deveriam, em tese, levar em consideração

uma série de fatores estruturais brasileiros, como, por exemplo:

a) o necessário ajuste fiscal do setor público;

b) a ampliação da eficácia da ação pública, reequilibrando a repartição de recursos

entre as unidades da Federação;

c) a minimização do efeito negativo da tributação sobre a eficiência e a

competitividade – tanto no mercado externo quanto interno – do setor produtivo

nacional e promoção da harmonização fiscal, assegurando a consolidação do

processo de integração hemisférica sem causar danos à economia do Brasil;

d) a promoção da justiça fiscal, incluindo um vigoroso combate à sonegação; e,

principalmente,

e) a simplificação das complexas obrigações tributárias, ensejando a redução de custos

de administração tributária e dos contribuintes.

Vale destacar que a atual crise do Estado brasileiro praticamente elimina

qualquer proposta que implique diminuição significativa do patamar atual da carga

tributária. Em nível federal, observa-se a inflexibilidade das despesas e o corte cada vez

mais drástico dos investimentos. Os Estados vêm enfrentando dificuldades crescentes

diante das reivindicações de servidores, com o atual peso da dívida (mesmo

Page 60: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

60

refinanciada em razoáveis termos) e com a impossibilidade de venda de patrimônio (já

que o boom das privatizações já passou, até mesmo por falta de patrimônio público

vendável restante). Por fim, os governos municipais, os mais beneficiados pela

descentralização de receitas na Constituição de 1988, expandiram sua atuação e vêm

realizando investimentos crescentes de custeio futuro, o que impede a redução de sua

receita.

Os resultados do trabalho corroboram que o aumento da carga tributária não é

possível, dado o sacrifício já imposto à população. Logo, é essencial que a reforma

melhore a qualidade da tributação para minimizar o sacrifício implícito na manutenção

de uma carga tributária elevada. Porém, tal reforma deve vir acompanhada de uma

reforma do gasto público que conforme seu nível ao da tributação possível e o

redirecione para o objetivo de desenvolvimento social.

A solução básica dada pela maioria dos economistas67 quando um país se

encontra na situação do Brasil, em recessão, é o corte de impostos68, com o uso ativo da

política fiscal para tentar estabilizar a economia. Todavia, não é o que ocorrerá (de

acordo com o próprio governo) com a reforma tributária ora proposta.

Vale destacar que o PEC n.º 41/03 tenta mexer, embora de modo tímido, com

uma característica muito importante do atual Sistema Tributário Nacional: a eficácia da

atuação dos três níveis de governo. Superficialmente, está sendo revista – ao menos para

o ICMS – a questão do grau de autonomia dos governos subnacionais, especialmente

quanto a sua capacidade de legislar sobre matéria tributária. É necessária uma especial

67 Como crítica à visão política, vale frisar o papel do setor governamental na determinação da renda de

equilíbrio. Dornbush afirma que os impostos afetam a relação entre a produção e renda, e a renda

disponível – renda disponível para consumo ou poupança – que vem, do setor privado.

68 Outra solução seria o aumento nos gastos governamentais como forma de aumentar a produção (como

exemplo, podemos citar o New Deal, do Presidente Roosevelt, que permitiu aos Estados Unidos sair da

recessão da década de 30).

Page 61: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

61

preocupação com as limitações ao poder de tributar de que desfrutam atualmente os

Estados e Municípios, que, de fato, não executam políticas sociais a contento.

Um outro problema básico do federalismo fiscal brasileiro consiste na busca de

equilíbrio entre a necessidade de garantir um razoável grau de autonomia financeira e

política aos diferentes níveis de governo e, de outro, a necessidade de coordenar s

sistematizar os instrumentos fiscais em termos nacionais.

No que diz respeito às questões de eficiência e competitividade, é indiscutível

que as mudanças no ambiente econômico mundial, intensificadas na década de 90, têm

importantes rebatimentos sobre a forma de financiamento das atividades do setor

público. Com a aceleração dos processos de globalização dos mercados e de formação

de blocos econômicos regionais, ganharam importância as preocupações com o impacto

da política tributária sobre as decisões de produção e investimento processadas na escala

mundial, ampliando-se o esforço para se obter a harmonização fiscal e assegurar a

estabilidade das normas ao longo do tempo.

No relatório do Senado Federal foram corroboradas as principais metas já

definidas em acordo tanto na Câmara Federal, quanto com os demais entes federados.

Assim sendo, vale destacar o seguinte trecho:

“ A superação do desafio de mudar o modelo, sem causar reduções

nas receitas disponíveis nem elevar a carga tributária total do País,

passa necessariamente pelo aumento da eficiência geral do sistema.

Ou seja, arrecadar o mesmo, mas de forma mais justa, distribuída e

eficiente, não causando impacto na disponibilidade dos entes

federativos.

A maior eficiência será alcançada pela simplificação do sistema

impositivo, o que implica reduzir os custos, quer do cumprimento

das obrigações pelos contribuintes, quer do controle fiscal pelas

administrações tributárias.

Page 62: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

62

O novo modelo contemplará a ampliação do universo de

contribuintes, de forma a aumentar a distribuição do ônus tributário,

com ênfase para a redução da evasão tributária e da informalidade,

podendo-se vislumbrar, até, redimensionamento das cargas

tributárias individuais.”

(grifos nossos)

Assim sendo, em abstrato, os principais objetivos do governo com a Reforma

Tributária seriam as seguintes:

a) a manutenção constante de um espaço político de discussão das relações entre os

entes federativos (governo federal, os 27 Estados e os Municípios) e das grandes

definições de política nacional. Em suma, uma proposta de reforma tributária inserida

numa visão de Nação;

b) que o ajuste do Setor Público deva ser feito com corte de despesas e melhoria da

qualidade do gasto fiscal e não com aumento de tributos, visto que a Reforma Tributária

não é para o Estado arrecadar, mas para o bem da economia e a sociedade, em geral.

Dado o acima exposto, há o compromisso de reduzir a carga tributária ao

longo do tempo, a partir da estabilização da relação dívida pública / produto interno

bruto (PIB) em um patamar aceitável, vinculando os ajustes no quantitativo da carga aos

progressos alcançados na diminuição dessa relação e ao crescimento do PIB, embora tal

idéia não seja possível de implementação neste momento, em função da estreita margem

de manobra, por conta das fragilidades financeiras do Estado e dos constrangimentos a

que está sujeita a economia brasileira. No curto prazo, o governo alega que a

manutenção da carga tributária é essencial para preservar o equilíbrio fiscal e viabilizar

a redução da dívida pública e da taxa de juros;

c) que o desenvolvimento regional deva ser assumido como uma questão de Projeto

Nacional de Desenvolvimento, permitindo articular a redução das desigualdades

regionais, a potencialização das capacidades e dos recursos das diversas regiões e os

Page 63: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

63

objetivos nacionais de desenvolvimento. O ponto de partida para o desenho de uma

política estruturada de correção dos desequilíbrios regionais é o compromisso de

estabelecer no Orçamento da União e nos orçamentos de crédito das instituições

públicas de financiamento, metas específicas de crédito e investimento efetivo nas

regiões de menor desenvolvimento relativo, o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste;

d) que ocorra a reversão da regressividade fiscal é outro compromisso central da

reforma tributária. Para alcançá-lo, será necessário avaliar as diversas opções

relacionadas com a diferenciação de alíquotas e modificação da estrutura e sistemática

de arrecadação, tanto na tributação direta como indireta;

e) devem ser, também, contemplados mecanismos de fortalecimento dos Municípios e

de distribuição mais justa dos recursos destinados aos mesmos.

Todavia, o Governo Federal tem, na prática, agido contrariamente aos objetivos

da reforma tributária. Como exemplo, podemos citar a recente edição da Medida

Provisória n.º 135/2003, ato unilateral do Poder Executivo e independente das

discussões sobre a reforma, mas que, com a desculpa de acabar com a cumulatividade

da COFINS, acabou por complicar a legislação e aumentar a carga tributária mais uma

vez para determinados setores.

Ao analisar a mencionada Medida Provisória, as críticas de certos setores do

empresariado e da mídia especializada foram bastante contundentes, como podemos

perceber no seguinte comentário de Joelmir Beting69, in verbis:

“Reforma Tributária da pirataria, do contrabando, da sonegação, do

camelódromo e do crime organizado. Eles estão soltando rojão de

vara de quermesse paroquial para a pajelança tributária perpetrada –

quem diria? – pelo governo Lula. Pelo cheiro da brilhantina das MPs

– quem era o maior inimigo delas? - a sobrecarga dos impostos da

69 Fonte: O GLOBO, 09/11/2003, caderno: “Economia”, p. 45

Page 64: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

64

economia e da sociedade vai mesmo furar a barreira escandinava dos

40% do PIB.”

Tal espécie de crítica surge, pois há a percepção de falta de atitudes concretas

que visariam à simplificação do nosso intrincado sistema tributário. É assente no mundo

inteiro que a simplificação é necessária, como podemos depreender do trecho abaixo

citado:

“One unmistakable common goal of tax reform is the

simplification of existing tax systems in recognition that

overly complicated tax systems tend to generate

ineficiencies, inequities, high compliance costs, and tax

evasion.”70

2.3.2 – ASPECTOS ESPECÍFICOS DA NOVA REFORMA TRIBUTÁRIA

PROPOSTA (PEC N.º 41)

O pouco ambicioso projeto de reforma tributária proposto pelo governo pode ser

considerado algo positivo, pois minora os possíveis pontos de conflito de interesse que

precisarão ser ultrapassados, além de corroborar o pensamento dos cientistas modernos:

em vez de procurar um sistema tributário ideal, melhor tentar potencializar o estudo de

certos aspectos específicos. Em um Estado democrático, a dificuldade para grandes

mudanças estruturais é nota típica. Todavia, como exposto, uma reforma parte do

pressuposto que já há algo anteriormente construído, uma base.

Como crítica ao acima exposto, a solução de compromisso ora proposta não

enfrentará todos os problemas decorrentes da não atualização do nosso Sistema

Tributário por não enfrentar pontos de conflito básicos, como – por exemplo – a da

70 Conforme Janet Stotsky, Summary of IMF Tax Policy Advice, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 279.

Page 65: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

65

implementação do IVA (que substituiria o ISS, o ICMS e o IPI). O último acordo entre

os Executivos (Federal e Estaduais) e o Legislativo adia a discussão acerca do IVA para

o ano de 2007.

- O ICMS:

Sendo assim, o ponto nodal do atual projeto de emenda constitucional é a

questão do ICMS, tributo de grande importância para os Estados da federação. A

harmonização de sua legislação é facilitadora para todos os agentes envolvidos (com a

adoção de um regulamento único e de no máximo cinco diferentes alíquotas uniformes

em todo o país), além de aumentar a percepção de aperfeiçoamento do atual Sistema

Tributário. A reforma visa, ainda, a acabar ou minorar bastante a chamada “guerra

fiscal” entre os Estados, com a adoção de proibição, com peso constitucional, da

concessão de qualquer benefício fiscal ou financeiro que implique na redução do

imposto (exceto para microempresas e empresas de pequeno porte), além de limitar

temporalmente a série de benefícios fiscais já concedidos pelos entes que visavam a

escapar das proibições que poderão advir da aprovação do projeto.

Ainda sobre o ICMS, vale ressaltar que o atual debate acerca da tributação na

origem ou no destino é algo extremamente complexo, por ser um ponto de sérios atritos

entre os entes da federação. Tal decisão será meramente política, visto que há bons

argumentos para ambas as propostas.

Todavia, qualquer exceção, casuística, ao regime escolhido (ao que parece,

tributação na origem), perpetuará a injustiça implantada, na Constituição de 1988, no

que tange ao petróleo e energia elétrica, pelo então senador José Serra, firme defensor

dos interesses de seu Estado (São Paulo).

Apesar de ter méritos ao propor medidas pontuais, como o impedimento da

tributação pelo ICMS em quaisquer vendas e prestações de serviços para o exterior, por

exemplo, as grandes alterações nos tributos de tal espécie e grande sonho dos estudiosos

de matéria – a unificação do ICMS, ISS e IPI – não foi sequer cogitada na reforma,

Page 66: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

66

visto que traria obstáculos quase intransponíveis, já que o novo tributo seria de

competência da União (Estados e Municípios perderiam um grande poder de tributar).

- o ITR:

Vale ressaltar a mudança de competência do ITR (Imposto Territorial Rural), da

União para os Estados, até mesmo por uma questão fática: os Estados estão

necessitando urgentemente de um reforço, ainda que pequeno, de caixa. Todavia, não

podemos olvidar que a baixa arrecadação do ITR não é um problema legal, de baixa

base de cálculo/alíquota. Na verdade, tal tributo é de dificílima fiscalização pela União,

tendo, pois, um bom potencial de arrecadação, desde que devidamente explorado. A

questão sofreu outra mudança no Senado Federal, que transferiu a fiscalização e

cobrança para os Municípios, o que parece ser – do ponto de vista prático – mais

apropriado.

A transferência do ITR para os Municípios parece ser a mais correta, pois os

Estados (especialmente os de maior extensão territorial) dificilmente teriam capacidade

para montar uma estrutura capaz de fiscalizá-lo.

- PIS/COFINS:

Na seara das contribuições para a seguridade social, a não cumulatividade do

PIS e da COFINS não deixa de ser um mérito; porém, fato de ainda existir dois tributos

sobre a receita bruta é especialmente desapontador para o empresariado. A explicação

para tal fato é política, visto que devido à dificuldade para criação de novos impostos, a

criação de contribuições tem sido a grande saída para a União (exemplo: a questão do

inconstitucional IPMF, transformado em CPMF). Com três contribuições (PIS, COFINS

e folha de salários), a União terá uma margem de manobra maior, especialmente quanto

às alíquotas e quanto a anterior desnecessidade de partilha da receita com os demais

entes da Federação. Neste sentido, em ato unilateral que acirrou os ânimos, ocorreu a

edição da Medida Provisória n.º 135/2003, que acaba com a cumulatividade da

Page 67: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

67

COFINS, teve como desagradável surpresa o aumento de sua alíquota de 3% (três por

cento) para 7,6% (sete vírgula seis por cento), para empresas optantes pelo lucro real.

- a CSLL:

Outro aspecto negativo apontado pelos especialistas é a manutenção da CSLL,

que poderia ser incorporado ao IRPJ, como forma de diminuir o número de tributos71,

embora haja algumas dificuldades técnicas para tal (a CSLL tem natureza jurídica de

contribuição previdenciária, ao passo que o IRPJ é um imposto). Uma solução poderia

ser simplesmente extirpar a CSLL e aumentar a alíquota do IRPJ na mesma proporção

Todavia, há risco da criação de mais uma inovadora tese, pelos tributaristas, para o não

pagamento do tributo, causando confusão. Aliás, Samuelson destaca que o tributo

incidente sobre o rendimento das sociedades é provavelmente o mais controverso dos

tributos nos Estados Unidos, posto que é sempre levantado o argumento de que a

sociedade, pessoa jurídica não é mais do que uma ficção legal e como tal não deveria

ser tributada. Ao tributar os lucros das sociedades e depois os dividendos pagos pelas

sociedades e recebidos pelos sócios, o governo sujeita as sociedades a uma dupla

tributação, causando à produção das sociedades um “maior fardo fiscal”. Felizmente, no

Brasil, não há tal tributação sobre os dividendos.

- a CPMF:

A manutenção da CPMF por mais quatro anos, de acordo com a proposta

vinda da Câmara dos Deputados e corroborada pelo Senado Federal -

é algo retrógrado, pois tal tributo tem uma série de problemas por incidir em cascata em

todas as fases da produção, aumentando o custo do dinheiro e dos produtos, em geral.

Todavia, os recentes esforços da Receita Federal – com cruzamento de dados entre a

CPMF e a renda dos contribuintes – é deveras importante para a administração

tributária, além de ser um tributo de facílima arrecadação (não é muito custosa a sua

71 Conforme sugerido por Márcio Calvet Neves, Reforma Tributária: O que faltou, Gazeta Mercantil,

19/05/2003, caderno “Legal & Jurisprudência”.

Page 68: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

68

fiscalização). Aliás, vale destacar que a CPMF rende aproximadamente R$ 24 bilhões à

União (previsão para 2003)72.

Mesmo sendo extremamente criticada, a CPMF foi declarada constitucional no

julgamento da ADI n.º 2031 (requerente: PT - Partido dos Trabalhadores), “sendo

afastados os argumentos de ofensa aos princípios da não-cumulatividade, da isonomia,

da legalidade, da vedação ao confisco e à bitributação”.

Ainda sobre a CPMF, pelo menos o Governo tem por vezes tentando minorar

seus efeitos nocivos, como, por exemplo, com a anunciada criação da chamada “conta

investimento”. Citada medida permitiria ao poupador mudar o direcionamento de sua

aplicação para um FIF (Fundo de Investimento Financeiro), FAC (Fundo de Aplicação

por Cotas), fundos de ações, fundos imobiliários, fundos de privatização, clubes de

investimento, poupança, letras hipotecárias, títulos públicos e privados e derivativos,

sem a incidência da famigerada contribuição provisória. A cobrança do tributo só

ocorreria no momento em que o investidor, já com a aplicação resgatada e em conta-

corrente, fizesse um saque do dinheiro.

- os fundos de desenvolvimento:

Uma outra discussão com muitas idas e vindas é a acerca do novo Fundo de

Desenvolvimento Regional, questão de implementação extremamente política, visto que

os Estados mais ricos da Federação rejeitam a concessão de linhas de financiamento

para as regiões mais pobres, e o governo federal afirma que o superávit primário,

essencial para a manutenção e renovação dos acordos com o Fundo Monetário

Internacional (FMI), será prejudicado se houver liberação de recursos diretamente para

investimentos. Afora o aspecto técnico, há a questão da inclusão, ou não, de certas

regiões, como o noroeste do Rio de Janeiro e do Vale do Jequitinhonha, em Minas

Gerais. No Senado, ao contrário do ocorrido na Câmara, a perspectiva é que citado

fundo deve acabar.

72 fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 03/10/2003, caderno: “Brasil”, on line.

Page 69: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

69

- a desvinculação de receitas:

Os governadores ainda tentam emplacar uma proposta de Desvinculação das

Receitas Estaduais (DRE), nos mesmos moldes da DRU, que foi criada, por sugestão no

Senado, para o governo federal, e permite retirar 20% (vinte por cento) da receita dos

principais tributos de gastos obrigatórios como os com saúde e educação.

- o fundo de compensação dos Estados:

Na reforma vinda da Câmara (e mantida pelo Senado) há a criação de um

mecanismo quase assistencial: um “fundo de compensação” com o objetivo de

compensar as perdas dos Estados com a desoneração das exportações, que será

implementada pelo Poder Executivo Federal.

- a Cide:

O acordo feito na Câmara acerca da parcela da Cide, o “imposto (sic) dos

combustíveis”, deve ser mantido no Senado: ser repassado aos Estados (18,75%) e

Municípios (6,25%) uma parcela do arrecadado. Hoje, a arrecadação – como

normalmente ocorre com as contribuições – fica só com a União.

Há necessidade da Cide visto que a jurisprudência vinha afastando a

possibilidade de criação de taxas para a conservação de estradas, como no julgado

abaixo transcrito:

“TRIBUTÁRIO - TAXA DE CONSERVAÇÃO DE

ESTRADAS DE RODAGEM (LEI N. 1.744/84 DO

MUNICIPIO DE SERTÃOZINHO/SP) - BASE DE

CÁLCULO SIMILAR À DO IMPOSTO TERRITORIAL

RURAL - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF/69,

ART. 18; PAR. 2.; CF/88, ART. 145, PAR. 2.) - RE

Page 70: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

70

CONHECIDO E PROVIDO. - O LEGISLADOR

COMUM NAO PODE, NA ABSTRATA

FORMULAÇÃO DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA

TAXA, TRANSGREDIR A NORMA INSCRITA NO

ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

QUE PROÍBE, NO QUE CONCERNE A ESSA

ESPÉCIE TRIBUTÁRIA, A UTILIZAÇÃO DE BASE

DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTOS (CF/88,

ART. 145, PAR. 2.; CF/69, ART. 18, PAR. 2.). A

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - TENDO

PRESENTE ESSA INDISPONIVEL GARANTIA DE

ORDEM TRIBUTÁRIA QUE COMPÕE O ESTATUTO

JURÍDICO DOS CONTRIBUINTES - NAO PERMITE

QUE SE TOME COMO BASE DE CALCULO DAS

TAXAS DE SERVICOS URBANOS O MESMO

ELEMENTO QUE DEFINE E INFORMA A BASE DE

INCIDÊNCIA DOS IMPOSTOS SOBRE A

PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA URBANA E/OU

RURAL. PRECEDENTES DO STF. - E

INCONSTITUCIONAL - REVELANDO-SE

CONSEQUENTEMENTE INEXIGÍVEL - A TAXA

MUNICIPAL DE CONSERVAÇÃO DE ESTRADAS DE

RODAGEM CUJA BASE DE CÁLCULO SEJA

IDÊNTICA A DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL.

SÚMULA 595/STF.”

(Recurso Extraordinário 116119 / SP, 1ª Turma, Rel.

Min. Celso de Mello, DJ de 10/11/1992)

Por fim, é importante destacar que o Relator da Reforma Tributária no Senado

Federal, o Senador Romero Jucá, se comprometeu a propor uma limitação temporal para

Page 71: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

71

a implementação dos benefícios fiscais já concedidos especialmente pelos Estados.

Citado prazo (30 de abril de 2003) é anterior àquele fixado na Câmara, 30 de setembro

de 2003. Os governadores de Estado que concederam incentivos entre as duas datas

citadas terão que encaminhar ao Senado uma espécie de solicitação para que os atrativos

sejam validados. No Senado, surgiu, também, a idéia (rechaçada em momento posterior)

de criação de uma espécie de painel de solução de controvérsias nos moldes da

Organização Mundial de Comércio (OMC).

- Resumo:

Assim sendo, o “miolo da picanha”73, os pontos considerados cruciais para a

arrecadação do governo para o ano que vem foram mantidos intactos pelo relatório do

Senado Federal, a fim de se evitar uma nova volta às discussões na Câmara do

Deputados. Os pontos nobres são os seguintes:

a) a DRU (Desvinculação das Receitas da União);

b) a prorrogação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira)

por mais 4 (quatro) anos;

c) o fundo de compensação aos Estados pelas perdas com a desoneração das

exportações;

d) a questão da partilha da Cide (Contribuição de intervenção no domínio econômico);

e) a unificação em apenas 5 (cinco) alíquotas do ICMS (Imposto sobre a Circulação de

Mercadorias e Serviços), sendo que a menor alíquota deve ser de 4% (quatro por

cento) , dependendo, porém, de estabelecimento pelo Senado Federal.

73 Conforme o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Page 72: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

72

PARTE III

Análise Comparada

Page 73: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

73

3 – ANÁLISE COMPARADA DA CARGA FISCAL

Neste tópico apresentar-se-ão índices demonstrativos de intensidade e

distribuição dos tributos no Brasil e sua comparação com alguns países.

3.1 - Considerações Iniciais

O presente estudo pretende fornecer um indicador do montante das receitas de

natureza impositiva oriundas do setor privado (empresas e unidades familiares) para

financiar o setor federal, estadual e municipal no exercício de suas funções. Essa

transferência setorial de recursos é medida pela Carga Fiscal, expressão que aqui será

utilizada em substituição a Carga Tributária. Dessa forma, procura-se evitar

interpretação equivocada, visto que o Código Tributário Nacional define o gênero

tributo em seu artigo 3º para, no artigo 5º, restringir as espécies desse gênero aos

impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Não é escopo deste trabalho cuidar de questões hermenêuticas ou taxiológicas,

por isso a utilização do termo Carga Fiscal Bruta - CFB busca, simplesmente,

computar nessa análise, além dos institutos citados no CTN (impostos, taxas e

contribuições de melhoria), as contribuições sociais e econômicas, o salário-educação e

as contribuições para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Ademais, para

manter a padronização com as séries já divulgadas, definiu-se Carga Fiscal Líquida -

CFL como sendo a CFB subtraída dos saques do FGTS e dos incentivos fiscais,

restituições e retificações concedidas ou efetuadas nos tributos administrados pela

Secretaria da Receita Federal.

Page 74: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

74

3.2 - ANÁLISE COMPARADA

Este tópico tem como objetivo realizar algumas comparações da situação

brasileira em relação às economias mundiais. Os países selecionados para esta análise

foram os Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Na América

Latina, a Argentina, Chile, Costa Rica, Venezuela, México e Bolívia74.

Carga Fiscal 1995

PAÍS % do PNB US$ bilhões

Brasil

Reino Unido

Itália

França

Alemanha

Japão

Estados Unidos

28,01

33,60

43,80

43,90

39,00

29,10

29,70

149,5

342,6

445,8

583,2

797,9

1.335,7

1.975,0

Fonte: Brasil - SRF/COGET; Demais países – OECD.

Obs: 1- Para o Brasil, trata-se do PIB;

2- Os valores em US$ dos demais países foram calculados a partir do

PNB e do percentual de carga fiscal.

74 Dada a grande dificuldade de conseguir dados atualizados para todos os países, especialmente os latino

americanos, para a análise manter uma coerência foi escolhido como ano base o de 1995, em que - para a

maioria dos países – há dados disponíveis.

Page 75: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

75

Verifica-se que a carga fiscal brasileira é semelhante a do Japão e dos Estados

Unidos sendo abaixo dos níveis da França, Itália, Alemanha e Reino Unido.

Quando comparado com os demais países da América Latina, percebe-se que o

Brasil arrecada em maior quantidade que seus vizinhos, impondo um grande esforço da

população, sem uma efetiva contraprestação em serviços.

Carga Fiscal Bruta

PAÍS % do PNB Ano

Brasil

Argentina

Chile

Costa Rica

Venezuela

México

Bolívia

28,9

15,3

19,9

22,4

15,6

18,3

13,3

1996

1990

1994

1994

1994

1987

1993

Fonte: FMI (1995). Para o Brasil - SRF/COGET;

Outro aspecto a se analisar é como se comporta a participação dos impostos na

arrecadação dos países. Comparando-se o imposto sobre a renda, verifica-se que

enquanto o Brasil obteve, em 1994, 12,9% dos recursos através deste imposto (14,17%

em 1996), países como os Estados Unidos e Japão arrecadaram mais de 40% de seus

recursos, através do imposto sobre a renda75. Apresentamos a seguir, quadro

comparativo do imposto sobre a renda dos países em análise. Embora a renda seja de

fácil tributação, percebe-se que em países em desenvolvimento o seu percentual relativo

é baixo quando comparado com os países ditos desenvolvidos.

75 os estudiosos americanos destacam o espantoso crescimento das receitas federais dos Estados Unidos,

tendo aumentado de 0% em 1929 para 18% em 1960 e 37% em 1990.

Page 76: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

76

A destacar que o Brasil vem seguindo à risca os conselhos do FMI acerca da

estruturação dos “personal income taxes”. “The IMF has typically recommended a

structure with no more than three brackets, with a top marginal rate of no more than 40

percent ... The IMF has also in many cases recommended reforms to make the tax

system neutral to inflation, by indexing brackets, credits, standard deductions, and

other nominal amounts to inflation.”76. Vale ressaltar, contudo, que no Brasil, nem

sempre há ajuste da tabela do IR. Logo, o ajuste para compensar os efeitos da inflação

não é feito anualmente no Brasil.

Imposto sobre a Renda

1994

PAÍS % da Carga Fiscal

Brasil

França

Alemanha

Reino Unido

Itália

Japão

Estados Unidos

Argentina

Chile

Costa Rica

Venezuela

México

Bolívia

12,9

17,3

30,7

35,0

36,5

40,5

42,4

10,4

21,6

12,1

46,7

22,4

6,8

Fonte: Brasil - SRF/COGET - Demais países – FMI/OECD

Obs.: No Brasil - IRPF + IRPJ + IRRF

Obs: Argentina, 1990; Bolívia, 1993

76 Conforme Janet Sotsky, Summary of IMF Tax Policy Advice, Washington: IMF Graphics Section.

1995, p. 281.

Page 77: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

77

Tendo-se em vista o princípio da capacidade contributiva, a maior tributação da

renda é mais justa, visto que quem aufere maior renda pagará maior parcela. Todavia,

conforme afirma Nordhaus77, o grande valor dos impostos sobre a renda prejudica

deveras a poupança dos países. Menor quantidade de poupança pelos cidadãos significa

em último caso uma menor possibilidade de investimento pelo Estado.

Quanto aos impostos sobre consumo e serviços, dentre os países analisados o

Brasil foi um dos que mais arrecadou, proporcionalmente, através desta fonte de

recursos. Se fosse adotado um modelo típico de países de maior desenvolvimento

(maior arrecadação sobre a renda), muito provavelmente a arrecadação sofreria uma

séria diminuição. Assim sendo, em 1996, 37,12% de nossa arrecadação adveio destes

impostos. Apresentamos abaixo os dados correspondentes a 1994. No Brasil,

especificamente, tal tributação é extremamente injusta, visto que citados impostos

incidem do mesmo modo (valor), independentemente da capacidade contributiva do

contribuinte.

Interessante destacar que, apesar das críticas acima expostas, nos Estados

Unidos há uma espécie de apologia ou incentivo à criação de tributos sobre o consumo e

diminuição dos tributos sobre a renda dos indivíduos, visto que muitos economistas

pensam que este efeito combinado favoreceria a poupança, além de harmonizar o

sistema fiscal americano com o sistema fiscal europeu (em que o IVA é bastante

utilizado).

Para corroborar o acima exposto, vale citar o seguinte trecho do estudo de

Angelo G. Faria para o FMI, in verbis:

“There has been a structural shift in tax structures,

with increasing shares for taxes on consupmtion

relative to taxes on income and wealth. With the

77 Paul Samuelson e Wililiam Nordhaus, Economia, 14 Ed. São Paulo: McGraw-Hill. 1995, p. 382.

Page 78: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

78

notable exceptions of the United States, wich does not

have it, and Japan, wich has a different production-

based variant, it has been generally recognized that a

consumption-type, destination-based, invoice-backed

VAT [Value-Added Tax] represents the best general

tax on consuption for market economies.”78

No Brasil, vale destacar que o PEC n.º 41/2003, ao prever um número máximo

de 5 (cinco) alíquotas para o ICMS, de acordo com a essencialidade do produto/serviço,

pode vir a minorar a injustiça acima, desde que estabeleça alíquotas mais altas para os

produtos/serviços consumidos pelas classes mais ricas, estabelecendo alíquotas menores

para os produtos/serviços necessariamente consumidos/utilizados pelas classes menos

abastadas.

Imposto sobre Consumo e Serviços

1994

PAÍS % da Carga Fiscal

Japão

Estados Unidos

Itália

França

Alemanha

Reino Unido

Brasil

Argentina

Chile

Costa Rica

Venezuela

México

Bolívia

14,4

17,2

25,9

26,7

27,8

35,3

35,7

15,1

10,1

35,7

26,3

60,1

51,9

78 Faria, Angelo G.A., Reform in Market Economies in Transition: Principles and Experience, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 278.

Page 79: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

79

Fonte: Brasil - SRF/COGET - Demais países – FMI/OECD

Obs.: No Brasil - IPI + ICMS + ISS

Obs: Argentina, 1990; Bolívia, 1993

Os impostos sobre a propriedade imobiliária apresentam uma característica

peculiar. Dos países analisados, apenas o Reino Unido, os Estados Unidos, Japão,

Argentina, Venezuela e Bolívia apresentam arrecadação significativa com relação a

estes tributos. A Itália, o Chile e o México praticamente não obtêm arrecadação através

deste imposto e a Alemanha, em 1989, arrecadou com este tributo apenas 1,0% de sua

carga fiscal.

Ou seja, a utilização de tal modalidade de tributação depende muito da cultura

de cada país analisado. Nos Estados Unidos, por exemplo, que tem uma grande

arrecadação em tributos deste tipo, boa parte das receitas totais das finanças estaduais e

locais é representada pelos “impostos prediais”, que incidem sobre imóveis – terrenos e

edifícios. Logo, são muito importantes, pois é receita para a consecução dos serviços de

competência local.

Corroborando a acima descrito, os estudos internacionais não dão tanta

importância ao citado grupo de tributos, conforme podemos depreender do trecho

abaixo citado, in verbis:

“The IMF has dealt less extensively in the area of wealth-

related taxes since these raise relatively little revenue as a

proportion of overall tax revenues. Nevertheless, in many

countries, taxes on property and land may be important,

particularly for financing local public services.”79

79 Conforme Janet Stotsky, Summary of IMF Tax Policy Advice, Washington: IMF Graphics Section. 1995, p. 282.

Page 80: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

80

Apresentamos a seguir o percentual de arrecadação dos impostos sobre a

propriedade imobiliária em 1989 para estes países, com exceção do Brasil, que se refere

a 1996.

Imposto sobre a Propriedade

PAÍS % da Carga Fiscal

Itália

Alemanha

Brasil

França

Japão

Estados Unidos

Reino Unido

Argentina

Chile

Costa Rica

Venezuela

México

Bolívia

-

1,0

1,4

2,2

5,4

9,4

10,8

7,8

-

0,4

8,3

-

10,5

Fonte: Brasil - SRF/COGET - 1996

Demais países – FMI (1995) / IBFD

Obs.: No Brasil - ITR + IPTU

Obs: Argentina, 1990; Bolívia, 1993

O tema tax freedom day é utilizado para determinar o dia em que o

contribuinte deixa de trabalhar para o governo e passa a trabalhar para si mesmo. O tax

freedom day é calculado a partir do percentual da carga tributária total do país em

Page 81: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

81

relação ao seu PNB (no caso brasileiro, o PIB). Este percentual é multiplicado pelo

número de dias do ano.

No caso brasileiro, a carga fiscal líquida, em 1995, foi de 26,89% do PIB.

Multiplicando-se este percentual por 365 dias, obtém-se como resultado 98,1485, ou

seja, o brasileiro em 1995 deixou de trabalhar para o governo no 99º dia do ano ( 9 de

abril). Em uma atual carga fiscal, de aproximadamente 36%, o brasileiro deixaria de

trabalhar para o governo em meados do mês de maio do ano. Em comparação com os

países latino americanos, nota-se que o Brasil possui o mais elevado “tax freedom day”,

o que corrobora o voraz apetite arrecadatório no país.

Abaixo apresentamos o tax freedom day dos países estudados:

Tax Freedom Day

PAÍS 1995

Brasil

Estados Unidos

Japão

Grã Bretanha

Alemanha

Itália

França

Argentina

Chile

Costa Rica

Venezuela

México

Bolívia

09 de abril

11 de abril

12 de abril

9 de maio

23 de maio

2 de junho

12 de junho

24 de fevereiro

14 de março

23 de março

27 de fevereiro

7 de março

16 de fevereiro

Fonte: Brasil - SRF/COGET

Demais países - The Economist, 21/12/96; América Latina – FMI (1995)

Page 82: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

82

Como conclusão, podemos afirmar que o tax freedom day no Brasil é

semelhante ao dos países desenvolvidos, mas os serviços ofertados pelo governo são

similares àqueles oferecidos pelos países que compõem a parte de baixo da tabela. Ou

seja, a comparação é mais um indicativo da inadequada carga tributária brasileira.

Page 83: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

83

4 - CONCLUSÃO

“Os modernos sistemas de tributação são um

compromisso difícil entre os princípios sublimes e o

pragmatismo político.” (Paul A .Samuelson)

Preliminarmente, não se pode olvidar que o presente trabalho pode ser

fatiado em três partes distintas e complementares. A amplitude dos temas tratados foi de

extrema importância tanto para a análise micro/interna quanto para a análise

macro/internacional, em busca da perfeita percepção dos problemas atuais do Sistema e

da Administração Tributária.

Acerca da análise da estrutura legal atual, convém destacar as raízes do

Sistema implementado (abstendo-se a análise da parte política e legitimidade do regime

à época): qualquer tipo de mudança do Sistema Tributário no Brasil é um assunto

deveras complexo, pelos diferentes interesses envolvidos. Prova do anteriormente

descrito é a notória necessidade de mudanças que nunca se realizam por não se

conseguir um consenso.

Conclui-se, também, que embora evoluído para a época, o Sistema

Tributário Nacional necessita de ajustes e melhoramentos, não meramente pontuais,

como querem alguns setores do empresariado e o próprio Governo Federal. Aliás, para

este, não há interesse algum em grandes mudanças que desonerem setores, pois a

arrecadação é enorme, principalmente quando comparada com o tipo de serviço

prestado.

Impõe-se, sim, ainda maior racionalização, que será benéfica tanto para a

Administração Tributária quanto para os contribuintes, por uma questão até mesmo de

transparência, imposta por novos princípios, como a Responsabilidade Fiscal.

Page 84: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

84

Também da análise dos tributos, nota-se que a União tem um papel

relevante na arrecadação e criação de novas categorias, como a competência residual, de

guerra, empréstimos compulsórios e contribuições sociais, por exemplo.

Convém destacar que os tributos têm, adicionalmente, outras funções que

não são meramente arrecadatórias. Há impostos com marcantes características

extrafiscais como - por exemplo - o IPI, os impostos aduaneiros (II e IE) e o ITR.

Acerca da arrecadação, todavia, convém ressaltar a grande importância do ICMS para

os Estados Federados. O ICMS é o imposto de maior arrecadação no Brasil.

Vale destacar que a grande arrecadação em tributos que incidem sobre a

circulação é injusta. Porém, necessária, no Brasil, visto que um modelo com maior

tributação sobre a renda poderia causar uma diminuição indesejada (dado o atual

momento econômico e político) da carga fiscal.

Logo, a solução apontada pelo PEC n.º 41/2003 foi inteligente: apesar de

não abrir mão do atual modelo de alta tributação sobre a circulação, permite a adoção de

alíquotas menores para, por exemplo, “gêneros alimentícios de primeira necessidade”,

aliviando, um pouco, a injustiça da não aplicação plena (ou maior possível) do princípio

da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CRFB).

Acerca do federalismo fiscal brasileiro, conclui-se que dada a

característica fortemente descentralizada da federação, há necessidade do efetivo

exercício da autonomia concedida em todos os níveis governamentais. Tal autonomia é

expressa no modo e poder de arrecadar tributos para fazer frente às despesas.

Como a Constituição de 1988 foi fruto de um período democrático, tal

descentralização na área tributária talvez tenha sido exagerada, visto que o país vinha de

um regime altamente concentrador de poder pelo ente central, no caso, a União.

Maior problema que a transferência de poder da União para os demais

entes (Estados e Municípios) é que a Carta Magna ainda deixou nas mãos do poder

Page 85: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

85

central importantes atividades, todavia, sem a correspondente receita que passou para as

mãos dos entes menores. Estes - até por questões culturais - são omissos e desejam

sempre um auxílio do governo central.

O problema acima descrito é quiçá o mais importante do Sistema

Tributário Brasileiro e que deveria ser a base de qualquer tipo de reforma. Evitar-se-ia a

criação de tributos esdrúxulos como, por exemplo, a CPMF, criada para suprir a União

com uma maior receita. Aliás, o uso indiscriminado das contribuições sociais é,

atualmente, de grande valia para suprir os problemas de receita da União, que detém

competência para criá-las.

Ao acima descrito, soma-se a desídia e falta de integração - meramente

por falta de vontade de montar uma estrutura de arrecadação - das administrações

tributárias dos Estados e Municípios, estimulando a prática de ilegalidades por alguns

de seus administradores (vale frisar que o mesmo ocorre com a União).

Afora o aspecto político - administrativo acima analisado, há aspectos

técnicos como: a sobreposição entre o IPI, o ISS e o ICMS; a grande quantidade da

confusa legislação tributária; as guerras fiscais entre os Estados membros e a falta de

poder da União em intervir quando problemas ocorrem.

Quanto à tributação do fluxo de bens e serviços, tanto o IPI como o

ICMS foram assumindo, ao longo do tempo, características incompatíveis com uma

tributação do valor adicionado de boa qualidade, e o ISS, como se sabe, é um imposto

cumulativo. Contudo, as legislações do IPI e - mais ainda - do ICMS, foram se

tornando cada vez mais complicadas com o passar do tempo, de modo que dificilmente

um contribuinte tem a possibilidade de conhecê-las e cumpri-las integralmente. Tal

problema é potencializado no Brasil haja vista a frágil estrutura ora existente.

A solução ideal seria promover a fusão dos três impostos mencionados

no último parágrafo, formando um único imposto sobre o valor adicionado com receita

compartilhada pelas três esferas de governo. Todavia, neste sentido, a reforma remetida

Page 86: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

86

pelo governo foi bastante tímida e, quiçá, realista, tendo em vista a série de interesses

conflitantes envolvidos.

Quanto à análise comparativa, nota-se que o sistema fiscal no seu

conjunto não tem quase nenhum efeito sobre a distribuição do rendimento. Isto resulta

do fato do impacto progressivo dos impostos sobre o rendimento ser compensado pelos

impostos regressivos, designadamente as contribuições patronais. Quando os programas

de impostos, transferências e despesas são considerados em seu conjunto, é evidente que

os programas de despesa pública, em especial as transferências diretas de dinheiro,

foram responsáveis pelas variações da distribuição do rendimento que foram levadas a

cabo pelos governos.

A exposição feita neste trabalho procurou abordar todos os temas acima

expostos. Logicamente, de modo amplo, visto que cada item - caso pormenorizado -

mereceria uma monografia própria, quiçá um tese de mestrado, posta a profundidade

dos assuntos e que necessitam conhecimentos bem mais aprofundados.

Houve uma sincera tentativa de abordar - de algum modo - todos os

assuntos palpitantes na matéria, sempre partindo de uma boa parte teórica, explicitada

na primeira parte do trabalho, sem se olvidar que as políticas tributárias internas

passam, cada vez mais, a ser pautadas por práticas internacionais, implicando limites

estreitos para a soberania fiscal dos países.

A ampliação do fluxo de produtos e a abertura econômica praticamente

eliminam a possibilidade de os países tributarem suas exportações, da mesma forma que

desaconselham a utilização de tributos que onerem os produtos nacionais, prejudicando

a competição com os importados. A regra geral já adotada pela maioria dos países é a

extinção de todos os gravames que possam afetar sua competitividade, tanto no mercado

interno quanto externo.

No Brasil, tal condição não é atendida pelos impostos de natureza

cumulativa (sobre a receita ou o faturamento), porque afetam duplamente a capacidade

Page 87: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

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de o produtor doméstico enfrentar com sucesso os desafios da abertura. Eles oneram as

exportações mas não as importações (quando não existem tributos similares nos países

de origem), fazendo com que o produto estrangeiro desfrute de condições mais

vantajosas na concorrência com o nacional, em ambos os mercados mencionados.

Afora a questão principal abordada no presente trabalho, v.g, a qualidade

dos tributos arrecadados no Brasil, há a questão de como a quantidade da carga

tributária tem impacto sobre o trabalho, a poupança e a aceitação de risco pelas pessoas.

Para os que advogam ser necessária uma imediata redução nos tributos,

surgiu uma importante aplicação do caso do impacto dos tributos na década de 80. A

chamada “escola da oferta” argumenta que os efeitos desincentivadores de taxas

marginais de imposto elevadas eram responsáveis por muitas das doenças da nação –

poupança reduzida, recessão, estagnação da produtividade e inflação elevada. Arthur

Laffer (e seu grupo) salientava a importância de taxas marginais de imposto reduzidas

para um bom funcionamento da economia. Um dos instrumentos analíticos introduzidos

foi a chamada curva de Laffer80. Vale, porém, frisar que foi provado que tal teoria é

errada ao fazer previsões de que as receitas aumentariam no caso do corte de impostos. 81

Para sustentar por longo tempo a carga tributária num patamar igual ou

mais elevado que o atual, é necessário que a reforma a ser empreendida tenha o objetivo

de assegurar que tal nível de tributação seja suportável. Isto nos conduz diretamente à

necessidade de se garantir uma melhor distribuição da carga tributária entre os

80A teoria geral pode ser vista do seguinte modo: com uma taxa de tributo zero não haverá qualquer

receita. Também quando as taxas atingem 100% ninguém trabalha de modo que também não haverá

receitas. Nas situações intermediárias, de acordo com a escola da oferta, quando as taxas de imposto

aumentam a partir de zero a receita total aumenta. Depois de um certo ponto, as pessoas começam a

trabalhar menos, a poupar menos e a dirigir sua atividade para a economia informal. Logo, a ponto nodal

de curva é descobrir em qual ponto a receita total recebida pelo Tesouro é maximizada.

81 Aliás, estamos tendo a oportunidade de checar tal assertiva, in loco, na política adotada pelo governo de

G.W. Bush.

Page 88: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

88

contribuintes, o que inclui um vigoroso combate à sonegação. Para tanto, torna-se

imprescindível que se invista no aprimoramento das administrações fazendárias,

inclusive com ações conjuntas dos três níveis de governo.

Por fim, quanto ao objetivo de simplificar o sistema tributário, é

necessário ter o cuidado de não se confundir simplicidade com simplismo. Em uma

economia complexa como a brasileira é impossível construir um sistema tributário que

seja adequado quanto a efeitos alocativos e distributivos e, ao mesmo tempo, simples.

As pretensas "revoluções tributárias", baseadas em impostos ditos simples e não

sonegáveis, tão em moda no Brasil nos últimos anos, são de fato involuções simplistas.

Os sistemas propostos são constituídos - principalmente ou na sua totalidade - por

impostos cumulativos, e sua única virtude é a facilidade de arrecadação. Se os objetivos

de uma reforma são os aqui mencionados, tais sistemas devem ser rejeitados. A solução

- uma vez mais - é, ao invés de criar tributos de péssima qualidade porque é necessário

arrecadar, fortalecer as administrações fiscais para que elas sejam capazes de cobrar os

tributos de boa qualidade.

As sugestões acima procuram apontar para os caminhos da revisão do

sistema tributário nacional num contexto de redefinição da atuação do Estado,

respeitando as restrições impostas tanto pelo esforço tributário já realizado pela

sociedade brasileira quanto pelas novas exigências do cenário internacional. É preciso

reconhecer, também, que alterações tributárias envolvem a realocação de recursos não

só entre os entes de governo, mas também entre os agentes econômicos, razão por que

mudanças abruptas nas características dos tributos devem ser evitadas. A reforma

tributária deveria ser tratada como um processo em que as mudanças sejam

gradualmente introduzidas.

Obviamente, não há reforma em que todos ganham no curto prazo.

Somente após decorrido algum tempo é que seus benefícios, traduzidos em maior

capacidade do país para se desenvolver, podem contemplar todos os agentes da

sociedade. É possível que as maiores dificuldades na condução da reforma residam

exatamente nesta questão, como podemos ver claramente em certos aspectos, pontuais,

Page 89: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

89

do PEC n.º 41, já analisadas em local oportuno (exemplo: a questão do ICMS: origem

ou destino?).

Assim sendo, a principal conclusão acerca do Sistema Tributário

Brasileiro é que o mesmo precisa de reformulações, visto que:

- está defasado, tecnicamente desatualizado;

- é de difícil controle pela Administração;

- é injusto, acarretando má distribuição dos recursos;

- é exagerado, comparado aos serviços prestados pelo Estado;

- está, atualmente, desfragmentado juridicamente, visto que o Judiciário - para dar um

viés de legalidade a certas atitudes do Poder Executivo - descaracterizou certos

institutos jurídicos mundialmente aceitos.

Todavia, para qualquer espécie de mudança, há as seguintes dificuldades:

- a arrecadação, em termos absolutos, é muito boa (cerca de 35% do Produto Interno

Bruto - PIB - em 2002);

- os Estados e os Municípios não vão facilmente ceder às prerrogativas conquistadas;

- há necessidade de alterações na Constituição, algo extremamente custoso e

politicamente complicado, dada a rigidez constitucional no Brasil;

- os lobbies de certos setores do empresariado, tanto nacional quanto estrangeiro. Para

corroborar tal idéia, o Senhor Presidente da CNI, ao discorrer sobre o projeto

apresentado no Senado, fez o seguinte comentário: “o projeto tem inúmeros pontos que

geram obstáculos à operação das empresas e potencial aumento da carga tributária.”82

Logo, uma reforma tributária e fiscal implicaria rediscutir as relações

entre o Estado e a sociedade na perspectiva do desenvolvimento nacional, da redução

das enormes desigualdades sociais e regionais existentes, da ampliação da cidadania.

Seria preciso rediscutir o financiamento e as prioridades do gasto público e repactuar a

Federação dentro e como parte de um projeto de Nação, que possibilitasse articular os

Page 90: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

90

interesses dos diversos segmentos da sociedade, incluindo suas expressões regionais, em

torno de objetivos estratégicos de desenvolvimento nacional em suas múltiplas

dimensões – o progresso material, a justiça social, o aprofundamento da democracia, a

inserção autônoma na economia mundial, a integração solidária com os demais países

da América Latina e a afirmação da nossa identidade cultural.

Na realidade, desde o Brasil- Colônia, os intelectuais têm noção de que o

sistema tributário não deveria servir só para sustentar ou financiar o setor público, mas

também para incentivar os agentes econômicos a melhor utilizar os recursos

disponíveis. Ou seja, o sistema tributário não deve criar distorções no processo

produtivo e deve levar em consideração uma criteriosa análise macroeconômica,

respeitando o básico postulado do pacto federativo.

Infelizmente, o ideal acima exposto, ao que parece, não será totalmente

cumprido com a aprovação da Reforma Tributária ora em discussão. Implementar

reformas é sempre difícil. Não por acaso, o conhecido ensinamento de Maquiavel83

sobre as dificuldades e perigos da instituição de uma nova ordem de coisas ainda vigora

em toda sua plenitude. Isso ocorre visto que os beneficiados pela ordem antiga lutarão

com todas as forças para mantê-las e os que se beneficiarão não terão o mesmo

comportamento incisivo, visto que não têm certeza dos seus benefícios.

E, enfim, o ensinamento acima descrito é potencializado quando

analisamos que o principal beneficiado na atual ordem é aquele que está à frente de todo

processo de reforma que ocorre no presente momento.

82 Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 01/11/2003, caderno: Brasil

Page 91: Sistema Tributário Brasileiro - Monografia

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