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Sisau por Matheus Alves

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Selo verde, cortina de fumaça

A arquitetura sustentável é, em grande medida, um álibi politicamente correto para uma era de vazio ideológico

Por Guilherme Winik

SUSTENTABILIDADE É o tema da vez na arquitetura contemporânea. O conceito é um guarda-chuva embaixo do qual cabe muita coisa: desde casinhas e galpões de madeira construídos na região alpina da Áustria até os novos arranha-céus de Manhattan, feitos com dupla "pele de vidro", mecanismos de troca de calor com o terreno, reutilização de água de chuva, sistemas de circulação de ar por diferença de pressão etc. Além disso, é também o principal tema de publicações, seminários e premiações internacionais, somando-se à moda tecnológica precedente dos chamados "edifícios inteligentes".

Não há dúvida de que se trata de um problema urgente, no contexto da preocupação crescente com o consumo de energia, emissão de poluentes na atmosfera e aquecimento global.

Conseqüentemente, as construções passam a ser concebidas como organismos vivos, corpos que trocam energia com o entorno e que têm uma vida útil. Vendo em uma linha de longa duração, é como se a consciência humana estivesse finalmente superando a etapa predadora de sua evolução, simbolizada por cidades que surgiram a partir do trinômio fábrica, estrada de ferro e mina de carvão.

É significativo que nesse deslocamento do mecânico ao energético a antiga ênfase no "esqueleto" as construções tenha sido transferida para a sua "pele".

No entanto, apesar de revestir-se de boas intenções, envoltas em uma aura de compromisso ético que há tempos estava distante da agenda arquitetônica, a "green architecture" é uma indústria que responde a uma conjuntura precisa: a alta no preço do petróleo e a enorme demanda de combustível fóssil pela acelerada urbanização da Ásia, em um contexto geral de prosperidade econômica e boom imobiliário. Nesse sentido é que difere do ecologismo dos anos 70, surgido num momento de crise e fascinação por uma utopia pré-capitalista. Hoje, como observa o crítico espanhol Luis Fernández-Galiano,"Robinson Crusoé foi substituído pelo tecnocrata". Impulsionada pela oscilação econômica, a arquitetura sustentável é, em grande medida, um álibi politicamente correto para uma era de vazio ideológico, de ausência de qualquer compromisso social coletivo. Construindo edifícios autenticados pelo selo moral de "ecologicamente responsável" e obtendo subvenções econômicas por isso, as grandes empresas se eximem de discutir a fundo o funcionamento das cidades: a organização fundiária, o transporte individual motorizado, a poluição dos rios e o espalhamento da mancha urbana atraído pela especulação imobiliária. Fica evidente que, nesse contexto, o edifício ecológico é apenas um paliativo.

Mas o que há por trás dessa cortina de fumaça? Aparentemente, um modo de simplesmente manter o "laissez-faire" capitalista, dando-lhe um verniz politicamente correto. Quer dizer: transformar a ecologia em publicidade voluntarista, do tipo "faça você mesmo", enquanto se sabe que as grandes decisões futuras se darão em âmbito macroeconômico, na disputa velada por reservas alternativas de energia, matéria-prima e água.

Guilherme Wisnik

arquiteto, mestre em história social pela USP e crítico de arquitetura da Folha de São Paulo.

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CONCURSOS E SUSTENTABILIDADE: OS RISCOS DA ONDA VERDE por Fabiano Sobreira, arquiteto e urbanista (*)

O discurso em torno de práticas ambientais, verdes, ecológicas ou sustentáveis (termo que varia conforme a “linha retórica” escolhida) definitivamente já entrou no universo da arquitetura. Pelo menos é o que se pode inferir a partir das publicações especializadas em arquitetura (nacionais e internacionais), que têm dedicado cada vez mais espaço aos “novos projetos verdes e ecológicos”, acompanhados quase sempre de anúncios publicitários de materiais e tecnologias que são vendidos como os “mais sustentáveis do mercado”, com direito inclusive a edições especiais sobre o tema.

Podemos atribuir uma parcela dessa “onda verde” a uma preocupação coletiva crescente com o meio ambiente, motivada e estimulada pela crise ambiental e energética (que parece nova, mas que é cíclica), ou a preocupações mais racionais e objetivas, como a economia de recursos. Mas outra relevante parcela – e talvez a mais forte – está relacionada ao interesse mercadológico e publicitário nos “eco-produtos”, e a arquitetura tem sido inserida como mais uma linha de produtos na prateleira.

Os empreendedores (públicos ou privados) – e também os arquitetos – descobriram que o marketing em torno do “consumo sustentável” poderia ser aplicado também à arquitetura, e que os “selos verdes” seriam uma forma de orientar o “consumidor”. Como consequência, tem-se observado na arquitetura o início de um processo que nasceu no marketing de produtos em meados dos anos 80: o greenwash. O termo se refere à estratégia de marketing utilizada (por empresas, governo, profissionais) com o objetivo de aumentar a venda e a visibilidade de um produto, baseada em uma falsa imagem ecológica ou ambiental do mesmo.

Seriam os “selos ecológicos” mais uma forma de greenwash na arquitetura ?

A grande referência internacional no que se refere à certificação ambiental de edificações e empreendimentos é o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), idealizado e gerenciado pelo Green Building Council (USGBC), instituição criada por representantes da indústria da construção nos Estados Unidos, com o objetivo de certificar edificações que apresentam “comprovado desempenho ambiental”. Os criadores e os defensores do LEED argumentam que se trata de uma ferramenta de certificação internacional que estimula posturas globais e sustentáveis em edificações. Os críticos acusam o LEED de greenwash, por se fundamentar prioritariamente na utilização de novas tecnologias e produtos, pela orientação ao consumo e ao mercado, pela pouca ênfase no projeto e pela ausência de uma contextualização local. Esse tipo de certificação, segundo os criticos, aborda apenas um dos aspectos da sustentabilidade (o ambiental), e ignora os outros pilares que deveriam fundamentar o conceito: cultural, social e econômico.

Um exemplo dessa tensão entre a arquitetura e a “onda verde” ocorreu na França em 2005 quando a Ordem dos Arquitetos daquele país, em reação à crescente onda de “certificação verde” que vinha afetando a produção da arquitetura, publicou documento em que anunciava sua retirada da Associação HQE (Associação pela Alta Qualidade Ambiental). A associação HQE, naquele momento, iniciava um processo de certificação ambiental de edificações na França dentro da filosofia do LEED

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e os arquitetos reagiram, acusando o processo de reducionista, minimalista e tecnicista, ao ignorar os aspectos culturais, sociais e econômicos relacionados ao desenvolvimento sustentável.

O concurso internacional para o Planetarium de Montréal é um exemplo de como certos concursos têm incluído de forma suspeita a questão da sustentabilidade no projeto de Arquitetura. De acordo com a página oficial do concurso, o novo edifício do Planetarium deverá atender os critérios ambientais do LEED e, obrigatoriamente, utilizar o máximo de alumínio possível (vale salientar que o patrocinador do empreendimento é a empresa Rio Tinto Alcan, uma multinacional do alumínio). Ignora-se, portanto, o impacto ambiental e econômico da utilização indiscriminada do material. Em outras palavras: o material foi definido, a certificação vai garantir a imagem verde do empreendimento e a Arquitetura… é só um detalhe.

O LEED já se espalhou por diversos países como um “franchising” internacional de certificação ambiental e já dá os primeiros passos no país, com a criação do “Green Building Council Brasil“, que em sua página já anuncia o “primeiro empreendimento com certificação LEED”. É curioso observar como a descrição do empreendimento nada menciona em relação à solução arquitetônica em essência. Por outro lado, destaca como “vantagens ecológicas do empreendimento”: captação e reuso de água; instalação de vidros isotérmicos; controle de ar condicionado individual e disponibilização de vagas especiais para veículos de baixa emissão (imagem abaixo).

Vale ressaltar que de acordo com os critérios do LEED, a inovação do projeto arquitetônico contribui com no máximo 4 pontos de um total de 69 pontos. No entanto, a escolha de “materiais ecológicos” (como aqueles produzidos pelos sócios-fundadores do GBC) e as referidas vagas especiais podem totalizar, juntos, até 14 pontos.

E no meio desse turbilhão de imagens, conceitos, produtos e propagandas, surge uma inquietação: como os concursos de projeto no Brasil têm sido afetados pela “onda verde” ?

Em pesquisa recente observou-se que a preocupação com os aspectos ambientais nos editais de concursos nacionais não é nova, e é normalmente apresentada dentro do contexto mais amplo da qualidade arquitetônica, o que parece ser um reflexo da preocupação historica na produção da arquitetura brasileira com a contextualização local e o desempenho ambiental das edificações, antes mesmo da “onda verde” surgir e se espalhar. Observou-se que a qualidade ambiental, na maioria dos editais, é mencionada ao lado de diversos outros critérios como funcionalidade, aspecto simbólico e cultural da proposta, contextualização urbana, acessibilidade, exeqüibilidade, entre outros, prevalecendo o conceito mais amplo de qualidade arquitetônica. Nesse sentido, o conceito de desenvolvimento sustentável, que inclui condicionantes sociais, culturais, econômicas, tecnológicas e ambientais, é empregado antes mesmo – e independentemente – do termo “sustentabilidade” ser apropriado pelos editais e pelos projetos .

No entanto, há exceções. Já se observam indícios de que a “onda verde” começa a afetar a formulação de editais, julgamentos e apresentação das propostas nos concursos nacionais, de forma preocupante.

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Percebe-se, em alguns casos, que o termo “sustentabilidade” tem sido utilizado mais como uma estratégia de marketing institucional do que uma preocupação arquitetônica e urbana. Em alguns casos – a julgar pelos editais, regulamentos, atas do juri e projetos premiados – os concursos

parecem ser concebidos prioritariamente com o objetivo de se criar uma “imagem ambiental positiva” da própria instituição promotora, deixando certa dúvida sobre a preocupação com a qualidade arquitetônica e até mesmo sobre a pertinência do empreendimento.

Um exemplo relativamente recente que pode ilustrar esse debate é o concurso realizado pela Petrobrás, em 2005, para a sede de uma das unidades de negócios da empresa, com área estimada em 30.000 m2 (o referido concurso foi objeto de diversos debates à época, dentre os quais destacamos o texto de Otávio Leonildo. Nesse mesmo período outros textos trouxeram à tona a discussão sobre os concursos de projeto, como o artigo de José Ferolla e da dupla Marcelo Barbosa e Jupira Corbucci, todos publicados no Portal Vitruvius e referenciados na seção artigos on-line deste portal) O objetivo da empresa ao realizar o concurso, segundo consta no Termo de Referência, seria de ampliar o debate público e transparente em seus projetos, (…) “rumo à modernidade, responsabilidade social e ambiental”, e a boa técnica através da concepção de um edifício que atendesse “os mais modernos conceitos de eco-eficiência e funcionalidade sendo economicamente viável e plasticamente incontestável”. Ainda de acordo com o documento, as edificações deveriam ter formas que se integrassem, sendo projetadas dentro dos conceitos que valorizassem a implantação de sistemas eco-eficientes, mantendo-se como referência tecnológica em energia e desenvolvimento sustentável.

Nas “bases” dos concursos, além do edital e regulamento, foram disponibilizados diversos documentos técnicos que procuravam orientar o arquiteto concorrente quanto a questões como eficiência energética e sustentabilidade. Até mesmo um “workshop” foi organizado pela instituição promotora em parceria com instituições acadêmicas. Observa-se, de fato, uma grande preocupação, demonstrada nos diversos documentos e atividades, com a questão ambiental e a sustentabilidade. Vale ressaltar um dos pontos que se destaca entre as recomendações apresentadas aos concorrentes: “o conjunto arquitetônico edificado deve estar inserido de forma harmoniosa e integrada com a paisagem”.

O resultado do concurso, no entanto, não deixa claro se e como esse critérios foram levados em consideração. Talvez seja apenas um reflexo da forma extremamente sintética como as atas de juri são redigidas, mas de acordo com a ata da comissão julgadora, os elementos de destaque da proposta vencedora foram: (a) a definição de uma identidade própria, exigível para a Sede da Petrobras; (b) o melhor atendimento e entendimento do Programa de Necessidades; (c) a implantação geral, que não exigirá, comparativamente, grandes intervenções na configuração do sítio; (d) a incorporação visual à via pública de áreas significativas do terreno; (e) a solução interna e localização privilegiada do Restaurante; (f) o imediato acesso de pedestres desde a via pública.

Não há indícios, no relato da comissão julgadora, sobre como o enfoque ambiental – que foi exaustivamente apresentado na documentação preliminar – foi considerado no julgamento dos trabalhos.

Além disso, a inserção harmoniosa do conjunto arquitetônico edificado e sua integração com a paisagem” parece ter sido mais um ponto esquecido no julgamento, se analisarmos as imagens do projeto vencedor (abaixo – fonte: Portal Vitruvius).

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Uma das possibilidades, a mais otimista, é que a abordagem ambiental foi tão exaustiva na documentação técnica que os projetos apresentaram certa uniformidade nesse aspecto, restando ressaltar os demais valores que contribuem para a qualidade do empreendimento. Em outras palavras: todos os finalistas demonstraram as qualidades ambientais de seus empreendimentos como um fundamento, restando saber qual a “melhor arquitetura”.

Outra possibilidade, menos otimista, é que o o juri (que não participa da formulação do problema – edital, regulamento, termo de referência, programa, critérios de julgamento – aspecto a ser repensado em concursos de projeto), não se sentiu à vontade para seguir os critérios de julgamento anunciados na documentação original, e destacou os critérios de julgamento que considerava mais relevantes.

A terceira possibilidade, mais pessimista, é que toda a carga ambiental apresentada na documentação preliminar servia apenas como artifício retórico, com o propósito de disfarçar o alto impacto ambiental do empreendimento e criar uma imagem ambiental positiva para a instituição e seu projeto (afinal, tratava-se de um massivo empreendimento a ser implantado em uma das “ilhas verdes” remanescentes da cidade).

Enfim, não há mal em utilizar o concurso como estratégia de marketing e propaganda institucional. Este é, aliás, um dos argumentos em defesa do concurso, para os empreendedores públicos e privados: trata-se de um evento que apresenta grande visibilidade para o promotor e seu empreendimento. A propaganda, no entanto, precisa corresponder ao produto ou às intenções de produção e “comercialização” do mesmo. Afinal, o outro grande mérito do concurso, ao lado da visibilidade, é o debate posterior e a produção de um repertório crítico sobre um problema arquitetônico ou urbanístico particular, com a indicação de soluções possíveis.

É preciso lembrar que todo concurso parte da formulação de uma questão inicial, que se traduz na elaboração do edital, dos termos de referência e do programa e nos critérios de julgamento. Se a questão é bem formulada, há uma grande possibilidade de obter respostas (projetos) que satisfaçam a demanda inicial. Caso contrário, se a questão é mal formulada, ou se está permeada de recursos retóricos que pouco dizem sobre a real intenção da pergunta inicial, as respostas serão distorcidas. No final, o que fica é a imagem da resposta que foi dada – a Arquitetura, e esta é que será julgada. Poucos vão lembrar que em alguns casos o problema não está apenas na Arquitetura resultante, mas na formulação da questão original ou na impertinência da questão ou do programa original. Em outras palavras: a Arquitetura é responsabilizada por uma decisão de um programa e de um empreendimento que já nascem repletos de incoerências e de incongruências. Mas poucos vão saber disso, e a culpa tende a cair sobre a solução arquitetônica que foi proposta e a comissão julgadora que a escolheu.

A dúvida que fica é se a qualidade arquitetônica nos concursos de projeto, em seu sentido mais amplo, caminha lado a lado com a certificação ambiental, ou se a arquitetura – como no greenwash –

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é apenas um instrumento para a promoção e publicidade de empreendimentos e iniciativas que já nascem insustentáveis.

(*) o autor é Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (Seção de Acessibilidade e Projetos Sustentáveis – Núcleo de Arquitetura) e desenvolve pesquisa de pós-doutorado no Laboratório de Estudos da Arquitetura Potencial (LEAP) - École d’architecture de l’Université de Montréal sobre o tema Concursos de Projeto e Sustentabilidade. É professor e pesquisador do Dept. de Arquitetura e Urbanismo do UNICEUB, em Brasília.