síndrome hepatorrenal

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Síndrome Hepatorrenal Matheus Augusto A. Castro Pathogenesis of Hepatorenal Syndrome: Implications for Therapy François Durand, MD, Isabel Graupera, MD, Pere Ginès, MD, PhD, Jody C. Olson, MD, and Mitra K. Nadim, MD Am J Kidney Dis. 2015 Background A síndrome hepatorrenal (SHR) ocorre em pacientes com cirrose avançada e ascite, resultando de complexas alterações circulatórias sistêmicas e esplâncnicas, nas quais a vasodilatação esplâncnica e a hipovolemia relativa desempenham um papel central. Não é revertida por expansão de volume, sendo, na teoria, não associada a lesão estrutural e completamente reversível com transplante hepático, sem o qual tem um prognóstico extremamente pobre. Patogênese DEFINIÇÕES Clinicamente, é dividida em tipo 1 (perda rapidamente progressiva da função renal em 2 semanas) e tipo 2 (forma mais crônica em que a perda da função renal ocorre mais progressivamente). É necessário excluir outras formas de lesão renal aguda ou doença renal crônica, entretanto pacientes com doença renal subjacente ainda podem desenvolver uma “fisiologia hepatorrenal”. A SHR tipo 1 foi categorizada como um tipo específico de IRA, e por definição (ICA-AKIN) é um aumento na creatinina sérica 0,3 mg/dL dentro de 48h ou aumento 50% em relação ao nível basal (sabido ou presumido) nos últimos 7 dias. A TEORIA DA VASODILATAÇÃO ARTERIAL Nos estágios iniciais da cirrose compensada, ocorre vasodilatação esplâncnica moderada, diminuindo a resistência vascular sistêmica e consequentemente, a pressão arterial. Isso é balanceado pelo aumento do débito cardíaco. Em estágios avançados, há maior síntese de fatores vasodilatadores (possivelmente NO, CO e/ou canabinoides endógenos), com menor capacidade de compensação pelo débito cardíaco (diminuído, possivelmente pela cardiomiopatia cirrótica), resultando em hipovolemia arterial relativa. Há, então, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), sistema nervoso simpático e vasopressina, como uma resposta homeostática para tentar preservar a pressão arterial. Isso tem um impacto negativo na função renal, com retenção de sódio causando edema e ascite, excreção prejudicada de água livre provocando hiponatremia hipovolêmica, e prejuízo na taxa de filtração glomerular o qual pode afinal levar a SHR. Outras substâncias podem estar envolvidas, como a endotelina e hormônios natriuréticos. A reversão com vasoconstritores (em comparação com apenas melhora moderada com o shunt portossistêmico) revela o papel crucial da função circulatória na patogênese da SHR, em detrimento apenas do aumento da pressão portal. Respostas cronotrópicas e inotrópicas inadequadas devido à cardiomiopatia cirrótica podem contribuir para a redução da perfusão renal e portanto, precipitar SHR. FATORES RENAIS As prostaglandinas tem efeitos protetores renais ao compensar os efeitos vasoconstritores do SRAA, sistema nervoso simpático e ADH. Mudanças na autorregulação do fluxo sanguíneo renal nos pacientes com cirrose têm importância na diminuição da função renal e no desenvolvimento da SHR: para uma dada pressão de perfusão renal, o fluxo sanguíneo renal é menor.

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Resumo de síndrome hepatorrenal

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Page 1: Síndrome hepatorrenal

Síndrome HepatorrenalMatheus Augusto A. Castro

Pathogenesis of Hepatorenal Syndrome: Implications for Therapy François Durand, MD, Isabel Graupera, MD, Pere Ginès, MD, PhD, Jody C. Olson, MD, and

Mitra K. Nadim, MDAm J Kidney Dis. 2015

Background A síndrome hepatorrenal (SHR) ocorre em pacientes com cirrose avançada e ascite, resultando

de complexas alterações circulatórias sistêmicas e esplâncnicas, nas quais a vasodilatação esplâncnica e a hipovolemia relativa desempenham um papel central. Não é revertida por expansão de volume, sendo, na teoria, não associada a lesão estrutural e completamente reversível com transplante hepático, sem o qual tem um prognóstico extremamente pobre.

Patogênese DEFINIÇÕESClinicamente, é dividida em tipo 1 (perda rapidamente progressiva da função renal em 2

semanas) e tipo 2 (forma mais crônica em que a perda da função renal ocorre mais progressivamente). É necessário excluir outras formas de lesão renal aguda ou doença renal crônica, entretanto pacientes com doença renal subjacente ainda podem desenvolver uma “fisiologia hepatorrenal”.

A SHR tipo 1 foi categorizada como um tipo específico de IRA, e por definição (ICA-AKIN) é um aumento na creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dL dentro de 48h ou aumento ≥ 50% em relação ao nível basal (sabido ou presumido) nos últimos 7 dias.

A TEORIA DA VASODILATAÇÃO ARTERIALNos estágios iniciais da cirrose compensada, ocorre vasodilatação esplâncnica moderada,

diminuindo a resistência vascular sistêmica e consequentemente, a pressão arterial. Isso é balanceado pelo aumento do débito cardíaco. Em estágios avançados, há maior síntese de fatores vasodilatadores (possivelmente NO, CO e/ou canabinoides endógenos), com menor capacidade de compensação pelo débito cardíaco (diminuído, possivelmente pela cardiomiopatia cirrótica), resultando em hipovolemia arterial relativa.

Há, então, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), sistema nervoso simpático e vasopressina, como uma resposta homeostática para tentar preservar a pressão arterial. Isso tem um impacto negativo na função renal, com retenção de sódio causando edema e ascite, excreção prejudicada de água livre provocando hiponatremia hipovolêmica, e prejuízo na taxa de filtração glomerular o qual pode afinal levar a SHR. Outras substâncias podem estar envolvidas, como a endotelina e hormônios natriuréticos.

A reversão com vasoconstritores (em comparação com apenas melhora moderada com o shunt portossistêmico) revela o papel crucial da função circulatória na patogênese da SHR, em detrimento apenas do aumento da pressão portal.

Respostas cronotrópicas e inotrópicas inadequadas devido à cardiomiopatia cirrótica podem contribuir para a redução da perfusão renal e portanto, precipitar SHR.

FATORES RENAISAs prostaglandinas tem efeitos protetores renais ao compensar os efeitos vasoconstritores do

SRAA, sistema nervoso simpático e ADH. Mudanças na autorregulação do fluxo sanguíneo renal nos pacientes com cirrose têm importância na diminuição da função renal e no desenvolvimento da SHR: para uma dada pressão de perfusão renal, o fluxo sanguíneo renal é menor.

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Anormalidades histológicas encontradas em biópsias de alguns pacientes levantam a possibilidade de a SHR não ter uma natureza exclusivamente funcional. Entretanto, isso é uma hipótese e são necessários mais estudos para confirmação. Ainda, recentes estudos mostraram completa reversibilidade da disfunção renal após o tratamento com vasoconstritores em mais de 2/3 dos pacientes, sendo este um forte argumento para a causa funcional da SHR tipo 1 em grande parte dos pacientes.

INFLAMAÇÃO SISTÊMICAHá crescente evidência de que a cirrose descompensada é caracterizada pela existência de

um estado sistêmico de inflamação que pode participar da patogênese da SHR, piorando a já comprometida função circulatória.

Aumento nos níveis séricos de proteína C reativa e citocinas pró-inflamatórias se correlacionam com hipertensão portal e com um estado circulatório hiperdinâmico, mesmo na ausência de infecções bacterianas. Além disso, marcadores de estresse oxidativo, como albumina oxidada, foram encontrados aumentados na cirrose descompensada.

Estudos mostraram que em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE) e SHR ocorre aumento marcante no plasma e no líquido ascítico de IL-6 e TNF-α, além de NO e CO, sugerindo que o intenso estado inflamatório poderia ser um fator desencadeante para o desenvolvimento da SHR por piorar a função circulatória já prejudicada, levando à diminuição progressiva da perfusão renal.

Todos os tipos de infecção podem estar associadas a SHR. A maioria dos pacientes com SHR tiveram infecção ou síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Esta última, com ou sem infecção, é comum na SHR e parece ser característica dessa condição.

Assim, tratamento com pentoxifilina, inibidor da síntese de TNF-α, pode reduzir o risco de SHR, segundo alguns estudos; entretanto, tais resultados precisam ser confirmados. Há possibilidade de que a prevenção de translocação bacteriana reduza a inflamação sistêmica e subsequentemente diminua o risco de SHR. Profilaxia com norfloxacino reduziu o risco de síndrome hepatorrenal, independentemente da prevenção de PBE, reduzindo níveis séricos de proteína ligadora de lipopolissacarídeo, citocinas e NO, aumentando a resistência vascular sistêmica.

DISFUNÇÃO ADRENAL RELATIVAÉ caracterizada por uma produção inadequada de cortisol para atender às demandas, levando

a maior probabilidade de desenvolver SHR tipo 1. Isso ocorre devido à função circulatória prejudicada, com baixa pressão arterial e altos níveis plasmáticos de renina e noradrenalina, além de maior probabilidade de desenvolvimento de infecções bacterianas e resposta inflamatória sistêmica.

Avanços recentes PREVENÇÃO DA SHRPacientes com cirrose e ascite que desenvolvem PBE estão em risco aumentado de SHR e

mortalidade. Administração de albumina, 1,5 g/kg no 1º dia seguido de 1 g/kg no 3º dia, é benéfica em

reduzir a chance de SHR, melhorando a sobrevida.Profilaxia de PBE em pacientes com ascite com baixos níveis de proteína, antibioticoprofilaxia

após sangramento gastrointestinal e infusão de albumina durante paracenteses volumosas são medidas efetivas em reduzir a incidência de SHR tipo 1.

MANEJO DA SHRObjetivando a melhora da hemodinâmica sistêmica e renal, se administram soluções

concentradas de albumina, além de vasoconstritores, como terlipressina, norepinefrina (em pacientes na UTI) ou octreotida+midodrina (não tão efetivos quanto a terlipressina). Aumento na pressão arterial média, independente do agente, correlaciona-se com melhora na função renal.

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São preditores positivos de resposta à terapia com terlipressina: creatinina sérica < 5 mg/dL e bilirrubina sérica < 10 mg/dL.

As evidências disponíveis atualmente são insuficientes para recomendar shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (TIPS) para o tratamento de SHR, com resultados contraditórios, de melhora na SHR tipos 1 e 2 mas menor sobrevivência após a colocação do shunt.

Terapia de substituição renal pode ser indicada em pacientes com SHR que não responderam à terapia clínica, como ponte para o transplante. Entretanto, naqueles em que o transplante não é uma opção viável, início e/ou continuação desta terapia permanece controverso.

Diálise de albumina, removendo substâncias ligadas à proteína envolvidas na patogênese da SHR, demonstrou benefício bastante modesto na sobrevida.

Vários estudos mostraram que em nem todos os casos, após o transplante de fígado, ocorre reversão da SHR, especialmente em pacientes com cirrose alcoólica. Recuperação completa é definida como diminuição da creatinina para < 1,5 mg/dL. Os fatores associados com menor taxa de recuperação da função renal foram: maior nível pré-transplante de creatinina, duração prolongada da SHR tipo 1 e maior duração da terapia dialítica pré-transplante.

O transplante hepático confere um grande benefício na sobrevida comparado com o tratamento clínico apenas.

NOVOS BIOMARCADORESNovos biomarcadores são necessários para diferenciação da SHR antes do transplante

hepático, especialmente tendo em vista que um diagnóstico clínico da síndrome não exclui alterações estruturais associadas, em particular a necrose tubular aguda (NTA), cujo diagnóstico pode ser, então, difícil em pacientes com cirrose descompensada. Essas duas condições podem coexistir ou até mesmo representar um fenômeno contínuo.

A proteína NGAL é secretada na urina por células tubulares, e está significativamente elevada em pacientes com diagnóstico clínico de NTA.

Não foi encontrada correlação entre a fração de excreção de sódio e piora da IRA. Segundo um estudo, albuminúria (marcador de lesão glomerular) é maior nos pacientes que apresentam cirrose e NTA do que naqueles com cirrose e SHR ou perfusão renal diminuída. Tal estudo propôs como ponto de corte uma albuminúria de 44 mg/dL para diferenciar NTA de SHR; houve, entretanto, uma interposição entre os dois grupos. Mais estudos são, pois, necessários.

Prever a recuperação da função renal após o transplante hepático é um desafio. Um estudo recente mostrou que aumentos pré-transplante de osteopontina e inibidor tissular da metaloproteinase (TIMP-1) são preditivos de recuperação renal. Deve-se levar em consideração o duplo transplante (rim e fígado).

Tais biomarcadores tubulares podem potencialmente ajudar a identificar pacientes que são menos propensos a se beneficiar de ressuscitação volêmica e terapia vasopressora e aqueles que são menos propensos a se recuperar após transplante hepático.