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SINDICATOS EM TEMPOS DE REFORMA

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SINDICATOS EM TEMPOS DE REFORMA

MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA

Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo

esde o início dos anos 90, o Brasil vive um am-plo processo de reforma econômica e de redefi-nição das funções e estruturas do Estado. A li-

beralização do comércio exterior, as privatizações e a re-forma da administração pública, ao mesmo tempo em quemodificam o papel do Estado, vão reconstruindo seu apa-rato administrativo.

Embora os objetivos sejam similares aos das reformasem outros países pelo mundo afora, no Brasil o timing, oritmo e o alcance do processo parecem peculiares. Alémde tardio, o reformismo brasileiro é moderado, ao menosem comparação com o dos vizinhos latino-americanos. Areforma econômica é extremamente cautelosa e negocia-da passo a passo. Numerosos atores políticos, burocráti-cos e sociais participam das negociações e influem nosseus resultados.1

Entre esses atores estão os sindicatos. Qual a sua impor-tância no processo? Têm eles condições de orientar signifi-cativamente a direção da reforma econômica? Quais são asfontes de seu poder e de onde provém a sua maior ou menorcapacidade de influir nas decisões? Não há uma resposta sim-ples e única para essas perguntas. A amplitude do poder sin-dical varia conforme cada área da reforma do Estado.

Este artigo pretende abordar a questão a partir do exa-me da influência dos sindicatos numa dimensão específi-ca dessa reforma: a privatização de empresas e serviçospúblicos. Ao comparar a privatização das estatais nos se-tores siderúrgico e petroquímico, de um lado, e as con-cessões à iniciativa particular da exploração dos serviçosportuários, de outro, trata-se de demonstrar que a influên-cia sindical sobre as políticas reformistas depende menosda natureza e do porte de seus próprios recursos de poderdo que do marco institucional do processo de decisão re-lativo à reforma do Estado.

A primeira parte do artigo discute brevemente as di-versas abordagens analíticas do tema da influência dossindicatos em decisões de governo. A segunda parte des-creve os principais traços do sistema de intermediaçãode interesses no Brasil, ressaltando suas recentes tendên-cias institucionais. A terceira parte compara duas expe-riências de políticas reformistas, nas quais, embora dis-pusessem aproximadamente dos mesmos recursos depoder em cada caso, os sindicatos revelaram aptidão muitodiferente em influir nas decisões e na sua posterior im-plementação.

RECURSOS DE PODER EOPORTUNIDADES INSTITUCIONAIS

A análise convencional do poder dos sindicatos é tri-butária, de forma mais ou menos consciente, da tradiçãopluralista. O pluralismo trata o poder como um atributointrínseco dos agentes coletivos ou individuais que resultade suas circunstâncias sociais.2 A abordagem pluralistado poder sindical enfatiza a importância de recursos taiscomo: a densidade da organização, medida em porcenta-gem de membros efetivos sobre os membros potenciais;a dimensão de seu patrimônio financeiro; a existência desólidos aparatos burocráticos; a concentração espacial dosassociados; e a capacidade de mobilização de massas,especialmente para organizar e sustentar greves. Algunsrecursos de poder, decorrentes de arranjos institucionais,como o controle das oportunidades de emprego em siste-mas closed shop, também são levados em consideração.Não obstante, a ênfase é posta, antes, nos recursos relaci-onados com as características sociais dos grupos sindica-lizados. A densidade e a capacidade de organizar grevessão os dois mais aceitos indicadores de poder sindical.

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A literatura sobre o neocorporativismo criticou as teo-rias pluralistas não apenas porque elas supõem a univer-salidade do padrão pluralista de organização de interes-ses, mas também por sua incapacidade de avaliar aimportância das características institucionais nos proces-sos políticos e decisórios. Nos anos 70, Schmitter (1974)demonstrou que o neocorporativismo era um padrão deintermediação de interesses importante, embora não do-minante, na Europa Ocidental e que havia forte correla-ção entre arranjos corporativistas e concertação social(Schmitter e Lembruch, 1982).3 Em outras palavras, exis-tiam afinidades eletivas entre modalidades de organizaçãode interesses e modalidades de formação de políticas.

Pesquisas adicionais revelaram que o corporativismocontribuía para reduzir o conflito industrial (Hibbs, 1987;Korpi e Shalev, 1980) e para viabilizar políticas mais efi-cientes de combate à inflação e ao desemprego (Berger,1983; Rowthorn e Glyn, 1987).

De acordo com essa abordagem, o poder sindical dei-xa de ser resultado de atributos próprios dos grupos so-ciais, passando a depender sobretudo das característicasda organização corporativa, como o seu grau de centrali-zação,4 sua amplitude e efetivo monopólio de representa-ção. O poder dos sindicatos nutre-se também dos recur-sos políticos extraídos da sua condição de parceiro daconcertação social.

A literatura sobre o neocorporativismo formulou umpoderoso, porém circunscrito, argumento em favor doinstitucionalismo: as instituições corporativas importam,favorecem a existência de políticas de pacto social e au-mentam a probabilidade de ocorrerem determinados re-sultados políticos. Essa literatura modificou também olocus onde os recursos de poder deveriam ser procura-dos: em vez das bases sociais das organizações de inte-resses, as características institucionais que lhes dão for-ma e definem suas relações com os governos.

Não obstante, essa literatura pouco disse da relevân-cia de uma abordagem institucionalista na análise da in-fluência dos grupos no processo de formulação de políti-cas nas quais não existe neocorporativismo ou nassituações em que o nome do jogo não é concertação. Ateoria do neocorporativismo aceitou o enunciado plura-lista sobre a afinidade entre a organização pluralista e aspolíticas de pressão, sem discutir as possíveis fontes ins-titucionais da influência dos grupos nessas circunstâncias.

Na verdade, as instituições não são menos importan-tes quando o sistema é pluralista. Também neste caso, elascondicionam e modelam os recursos de poder dos grupos.

Tsebelis (1995) e Immergut (1996) coincidentementesugeriram um modelo (neo)institucionalista para a análi-se comparativa de mudança de políticas em termos deatores dotados de poder de veto5 institucionalmente en-

raizado. Tsebelis considera dois tipos de atores: os insti-tucionais, cujo número e competências são definidos naConstituição, variando conforme o sistema de governo; eos partidários. O número, a coesão interna e a congruênciaentre os diferentes atores são decisivos para a mudançade políticas; a mudança torna-se mais difícil à medida queaumenta o número de atores e diminui a coesão entre eles.

Mais interessada em avaliar a capacidade das organi-zações em influenciar mudança de políticas, Immergutconsidera as instituições políticas como uma estruturaparticular que comporta a existência de diferentes instân-cias de veto, propiciando aos sindicatos e outros gruposde interesses oportunidades para influir, bloquear ou pro-mover a mudança. O número e a localização das instân-cias de veto dependem das regras constitucionais, do sis-tema de partidos e dos resultados eleitorais.

Em ambos os modelos, as instituições não são variá-veis explicativas auto-suficientes. Embora respondam pelamudança de políticas, não o fazem com exclusividade. Adistribuição das preferências é importante para determi-nar o grau de coesão dos dois tipos de atores com poderde veto, do modelo de Tsebelis. O mesmo vale paraImmergut, que enfatiza o peso dos resultados eleitoraispara determinar mudanças na posição e na importânciaestratégica das instâncias de veto.

Este trabalho tenta explorar o potencial explicativo doquadro de referência analítico baseado nos conceitos deatores com poder de veto e instâncias de veto, começan-do pela criação da moldura legal para a reforma e termi-nando na implementação das novas políticas. A estruturadas instâncias de veto, bem como os atores com poder deveto, diferem em ambos os momentos. Na fase legislati-va, os atores aptos a exercer o poder de veto são o Execu-tivo, o Congresso, os partidos políticos e, ocasionalmen-te, o Judiciário. Os grupos de interesses podem influir nasdecisões graças ao seu relacionamento com alguns dosatores, porém, não dispõem de poder de veto institucio-nalizado. A congruência entre os diferentes atores e suacoesão interna é crucial. Na fase de implementação, osdiversos integrantes da área do Executivo – ministérios,agências governamentais e, naturalmente, a Presidência– constituem um importante ator com poder de veto. OJudiciário pode ser outro. Do mesmo modo, grupos deinteresses estrategicamente situados podem bloquear a im-plementação das novas políticas. Nesse nível, a coerên-cia é importante, sobretudo entre o Executivo e o Judi-ciário. De qualquer forma, a coesão interna de todos osatores relevantes é essencial.

Os dois casos de privatização adiante discutidos po-dem ser particularmente interessantes por apresentar des-fechos distintos – embora a moldura institucional fosse amesma e muito semelhantes as características dos sindi-

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catos envolvidos. Eles permitirão explorar a interação dasinstituições com as distribuições das preferências no pro-cesso de mudança de políticas. Antes disso, porém, é im-portante descrever, resumidamente, o sistema de interme-diação de interesses vigente no Brasil.

O CORPORATIVISMO EM DECLÍNIO

O sistema de intermediação de interesses no Brasil estáem transição. Depois de prevalecer por mais de 50 anos,o corporativismo declina, em razão das dramáticas mu-danças nas próprias condições institucionais e sistêmicasque lhe deram alento.

Durante décadas, esse sistema representou um casopeculiar de corporativismo de Estado (Schmitter, 1974).Associou o monopólio da representação, concedido pelogoverno e garantido por lei, com um sistema bastantedesconcentrado e descentralizado. Os sindicatos, organi-zados em nível municipal, constituíam o centro de gravi-dade de uma estrutura hierárquica, encimada por federa-ções e confederações. Até 1985, era proibida a criação decentrais sindicais.

No período democrático precedente (1946-1964), asestruturas corporativas representavam uma dupla via decomunicação entre os governos e os sindicatos. O Minis-tério do Trabalho controlava os sindicatos, ora pela re-pressão, ora pelo paternalismo. Quando o governo prefe-ria recorrer à manipulação populista em lugar da repressãobruta ou do controle burocrático, os dirigentes sindicaistinham acesso direto, embora informal, aos centros dedecisão no Executivo.6 Para o governo, a concertação ja-mais chegou a ser uma alternativa de política trabalhista.Mas os governos populistas freqüentemente cooptavam

TABELA 1

Filiação de Sindicatos, por Centrais SindicaisBrasil – 1991

Tipos CUT CGT1 CGT2 USI FS Total de Membros Total Geral

No Abs. % (1)

Empregados (2) 843 114 58 22 192 1.229 34,5 3.547

Profissionais Liberais 79 3 1 - 1 84 22,5 376

Outros (3) 8 15 10 2 6 41 12,0 340

Urbano 951 132 69 24 199 1.375 32,0 4.263

Rural 605 35 14 - 13 667 23,0 2.905

Total (Urbano e Rural)

Números Absolutos 1.556 167 83 24 212 2.012 7.168

Em porcentagem 21,0 2,5 1,0 0,3 3,0 28,0 100,0

Fonte: Anuário Estatístico do IBGE – 1994.(1) Inclui sindicatos filiados ou não às Centrais.(2) Inclui trabalhadores e empregados na indústria, comércio, bancos, transporte, setor público, educação e cultura.(3) Inclui autônomos e temporários.Nota: Central Única dos Trabalhadores (CUT); Central Geral dos Trabalhadores (CGT1); Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT2); União Sindical Independente (USI); Força Sindical (FS).

dirigentes sindicais. Em conseqüência, as estruturas cor-porativas lhes concediam algum grau de influência polí-tica. Esta dependia menos do porte ou da capacidade demobilização do sindicato que das ligações políticas e daproximidade pessoal entre seu líder e o presidente daRepública e outros membros do grupo governante.

Com o fim do período militar, ocorreram importantesmudanças tanto na moldura legal como no efetivo fun-cionamento do sistema. Já em 1985, foram abolidos to-dos os mecanismos de controle estatal das atividades sin-dicais. Os sindicatos, enfim, tornaram-se autônomos emrelação aos governos.

Como resultado da mobilização sindical contra o regi-me militar, bem como das suas próprias divisões inter-nas, várias centrais emergiram à margem do contexto le-gal de intermediação. Pode-se dizer que uma cúpulapluralista foi acrescida ao edifício corporativo. O núme-ro e o poder relativo dessas centrais variaram durante osanos 80. Os mais recentes dados disponíveis mostram oseguinte perfil de adesão às centrais sindicais. A Tabela1 mostra um número significativo de sindicatos não filia-dos a nenhuma das centrais.

A Constituição de 1988 confirmou as mudanças intro-duzidas nos anos anteriores e acrescentou outras quecontri-buíram para criar um arranjo muito peculiar, com-binando o corporativismo no plano dos sindicatos com opluralismo no nível das centrais.7 Sob a nova Constitui-ção, aumentou notavelmente a desconcentração do siste-ma de intermediação de interesses, induzida sobretudo pelaausência de controles burocráticos e pela multiplicaçãodas contribuições compulsórias. Embora a densidade sin-dical não tenha mudado significativamente, o número deentidades aumentou de forma dramática depois de 1988.

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Só um quarto desse crescimento (25,45%) se deve à sin-dicalização do funcionalismo, até então legalmente im-pedido de se organizar. As Tabelas 2, 3, 4 e 5 mostramcomo evoluiu a tendência à sindicalização e o processode multiplicação e fragmentação das entidades.

Do mesmo modo que o sistema corporativo brasileiroperdeu as bases legais responsáveis por sua coerência es-trutural, as novas condições políticas tampouco favore-cem sua sobrevivência. A longevidade dos esquemas cor-porativos deveu-se, sem sombra de dúvida, aos interessesconstituídos dos dirigentes sindicais e das burocraciassindicais, governamentais e da Justiça do Trabalho. En-tretanto, o interesse governamental em utilizar as estru-

TABELA 3

Novas Entidades Sindicais, segundo Setores Rural e UrbanoBrasil – 1990-1996

Setores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Total

Total 1.271 1.391 764 652 458 455 43 5.034Rural 16 90 63 26 72 83 5 355Urbano 1.255 1.301 701 626 386 372 38 4.679

Fonte: Ministério do Trabalho.

TABELA 4

Novas Entidades Sindicais, segundo Posição na OcupaçãoBrasil – 1990-1996

Posição na1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 TotalOcupação

Total 1.193 1.297 725 627 424 431 40 4.737Empregadores 206 270 217 125 150 160 15 1.143Empregados 987 1.027 508 502 274 271 25 3.594Total 78 94 39 25 34 24 3 297Autônomos 42 46 19 7 13 9 1 137Prof. Liberais 36 48 20 18 21 15 2 160

Fonte: Ministério do Trabalho.

turas corporativas, seja para controlar, seja para cooptarsindicatos e entidades patronais, definitivamente contri-buiu para a sua perpetuação. As organizações corporati-vas foram parte essencial de um modo específico de rela-cionamento entre o Estado e a sociedade, denominado poralguns autores “matriz centrada no Estado” (Cavarozzi,1988), que acompanhou o modelo de desenvolvimentobaseado na substituição de importações e no intervencio-nismo estatal.

Atualmente, as condições sistêmicas que criaram e re-produziram o corporativismo de Estado estão se esfuman-do. As relações Estado-sociedade vêm se transformandonão menos que as políticas de governo em face dos inte-resses organizados. Estes continuam a existir e explicama persistência dos arranjos corporativos – emboracanhestramente combinados com instituições pluralistas.De todo modo, a transição rumo a algum tipo de sistemapluralista parece estar em curso.

Em declínio, o corporativismo exibe hoje uma estru-tura extremamente dispersa e descentralizada. Falta-lhetambém coesão política. Nessas circunstâncias, diferen-tes centrais sindicais ou sindicatos específicos tendem aagir basicamente como grupos de pressões com estraté-gias diversas. No interior do sistema corporativo, os sin-dicatos do funcionalismo público formam um grupo im-portante, distinto, mas longe de ser homogêneo. Taissindicatos são recentes, numerosos – 1.281 no país intei-ro – e extremamente vocais. Quase todos são filiados àCUT, onde detêm expressivas posições de poder.

Trabalhadores e empregados em empresas estatais fa-zem-se representar pelos sindicatos dos respectivos ramosde atividade – metal-mecânico, químico, petrolífero, elé-trico, ferroviário, etc. – ou por sindicatos profissionais,no caso dos marítimos – estivadores, portuários, opera-dores de guindastes, motoristas, etc.8 Em ambos os ca-sos, os sindicatos existem de há muito. As estatais e osportos têm em comum níveis altíssimos de sindicaliza-ção, comparados aos do setor privado. Mas as lealdadespolíticas desses sindicatos variam consideravelmente. Asentidades dos portuários não participam de nenhuma cen-tral; três diferentes federações nacionais as representamno plano federal. Vivem em um mundo sindical à parte,mantendo escassas relações com outras organizações tra-balhistas. A coesão interna é muito alta em cada sindica-to, assim como entre os diferentes sindicatos e federações.Hoje em dia, estes não mantêm relação com os partidospolíticos, embora seus líderes sejam eficientes lobbistasno Congresso.

A lealdade dos sindicatos das estatais divide-se en-tre a CUT, a Força Sindical e a CGT2. Nem sempre acoesão sindical é alta, mas a competição interna sim.A coesão varia também entre os sindicatos do mesmo

TABELA 2

Evolução da Densidade SindicalBrasil – 1940-1995

Em porcentagem

Anos Sindicalizados/PEASindicalizados/

População Ocupada(1) (2) (1) (2)

1940 - - 8,0 -1960 - - 12,2 -1970 13,3 - 13,8 -1979 11,3 22,5 11,6 23,11988 10,4 24,0 10,8 24,91990 10,5 22,6 10,5 23,51995 10,4 14,1 10,7 14,6

Fonte: IBGE: PNAD e Indicadores Sociais.(1) Apenas população urbana. Exclui os autônomos.(2) População urbana e rural. Exclui os estados da região Norte.

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setor, considerado o país todo. As centrais sindicais,confederações e alguns sindicatos preeminentes fazemlobby parlamentar rotineiramente. Além dos laços for-tes e íntimos com o PT, os sindicatos da CUT relacio-nam-se bastante bem com o PDT e os pequenos parti-dos de esquerda no Congresso.

OS SINDICATOS E AS POLÍTICAS DEPRIVATIZAÇÃO

De modo geral, os sindicatos brasileiros demonstraramescassa capacidade de influir nas políticas de reforma eco-nômica. Entretanto, em alguns casos lograram influenci-ar o processo legislativo ou bloquear a implementação dasreformas. Para os sindicatos, a reforma portuária até ago-ra é uma história de sucesso; a privatização das empresassiderúrgicas e petroquímicas, um claro fracasso. Em am-bos os casos, os sindicatos se opuseram às iniciativas dogoverno. Em ambos os casos, eram entidades fortes, se-gundo os indicadores convencionais – altos níveis de sin-dicalização, elevado grau de concentração territorial, sig-nificativa capacidade de mobilizar seus representados. Ossindicatos portuários interferiram no processo legislativoe têm conseguido barrar a implementação da lei. Os sin-dicatos das siderúrgicas e petroquímicas estatais não ti-veram voz no processo que definiu o marco legal da pri-vatização das empresas públicas nem lograram deter suaimplementação.

A reforma dos portos e a privatização são questões depeso na ampla agenda de reforma do Estado. No primeirocaso, o aumento da eficiência dos serviços portuários foitido como condição importante para a abertura da econo-mia brasileira. Tais serviços eram considerados caros ealtamente ineficientes, sobretudo em razão dos esquemastrabalhistas em vigor nas docas. Mudá-los significava,entre outras coisas, romper as normas que davam aos sin-dicatos portuários monopólio do emprego e controle so-bre todo o processo de trabalho nas embarcações e no cais.

Em 1993, o Executivo enviou ao Congresso projeto delei que introduzia mudanças radicais e imediatas nas ins-tituições portuárias, especialmente o sistema que consa-gra o closed shop.9 Os sindicatos portuários, sobretudoaqueles baseados em Santos, mobilizaram uma ampla coa-lisão de apoio — incluindo líderes comunitários, parti-dos de esquerda, um prefeito — a fim de dobrar o Con-gresso às suas reivindicações. Deputados federais e pelomenos um senador também foram porta-vozes dessas de-mandas. O debate parlamentar foi apaixonado, as preferên-cias dividiram-se, o projeto acabou recebendo 130 emen-das. O processo todo consumiu seis meses. A lei, enfimaprovada, foi parcialmente vetada pelo Executivo. O re-sultado foi uma reforma institucional que, embora radi-cal, estabeleceu um período de transição para as mudan-ças no esquema de trabalho nos portos e assegurourepresentação sindical em todos os conselhos responsá-veis pela administração portuária.

TABELA 5

Novas Entidades Sindicais de Empregados e Empregadores, segundo Grandes SetoresBrasil – 1990-1996

Setores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Total

Total 1.271 1.391 764 652 458 455 43 5.034Indústria (1) 78 91 70 21 36 31 5 332Indústria (2) 237 234 110 83 56 49 2 771Comércio (1) 88 111 89 47 41 50 6 432Comércio (2) 239 218 135 86 70 63 9 820Transporte (1) 14 22 6 15 8 7 1 73Transporte (2) 14 64 36 25 16 29 4 188Rural (1) 14 20 40 24 55 57 3 213Rural (2) 2 70 23 38 17 26 2 178Estabelecimentos de Créditos (1) 2 3 4 4 2 2 0 17Estabelecimentos de Créditos (2) 25 11 8 5 4 5 1 59Autônomo 42 46 19 7 13 9 1 137Prof. Liberal 36 48 20 18 21 15 2 160Ed. Cultura (1) 1 10 7 10 5 9 0 42Ed. Cultura (2) 58 64 35 38 13 17 0 225Com. Públ. (1) 9 13 1 4 3 4 0 34Com. Públ. (2) 12 12 0 43 5 0 0 72Serv. Público (2) 400 354 161 184 93 82 7 1.281

Fonte: Ministério do Trabalho.(1) Sindicatos de empregadores.(2) Sindicatos de empregados.

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Os sindicatos do setor não apenas influíram no pro-cesso legislativo e conseguiram em parte impor os seusinteresses, como também continuaram a se opor à imple-mentação da lei, ameaçando paralisar os portos brasilei-ros, o que acarretaria significativos prejuízos para a eco-nomia. Não obstante, seu principal trunfo não era nem aforça da organização nem sua capacidade de mobiliza-ção, mas a simpatia e a cumplicidade das burocraciasadministrativas dos portos públicos, tampouco interessa-das nas mudanças. A aliança entre os sindicatos e as bu-rocracias tem sido decisiva desde 1993 para bloquear areforma portuária.

Já no caso das privatizações, os sindicatos não tive-ram participação alguma na elaboração da Lei no 8.031/90, que fixou o marco institucional do processo, definin-do seus procedimentos e normas básicas, as agências res-ponsáveis, as empresas a serem privatizadas e as formase moedas de pagamento. Uma vez mais, o Executivo de-teve a iniciativa, ao enviar ao Congresso uma medida pro-visória. Discutida e aprovada em cinco dias, a MP foi par-cialmente vetada pela Presidência. O Congresso haviaintroduzido algumas mudanças no texto original, como aparticipação de representantes dos trabalhadores na Co-missão Diretora do Programa Nacional de Privatização ea oferta obrigatória aos empregados de 10% das ações dasempresas.10 De todo modo, os sindicatos permaneceramalheios ao debate e ao processo decisório. As divergên-cias entre o Executivo e o Legislativo eram pouco pro-fundas, tendo o Congresso demonstrado significativa co-esão interna quanto ao modo pelo qual a MP definiu aprivatização.11

Quando se iniciaram as privatizações, os sindicatos,que a elas se opunham, tentaram bloqueá-las medianterecursos ao Supremo Tribunal Federal e, sobretudo, commobilização de massas e demonstrações públicas.12 Os sin-dicatos se dividiram. A CUT condenou enfaticamente aprivatização. A Força Sindical a aprovou. A fim de rom-per a mobilização sindical, o governo concedeu os 10%das ações aos trabalhadores e estimulou a organização declubes de acionistas dentro das empresas. Os executivosde primeiro escalão das siderúrgicas e petroquímicas ten-deram a apoiar a privatização, por entender que ela os li-bertaria da excessiva regulamentação burocrática e trariaos novos investimentos que o governo já não tinha comoprover. Divididos e isolados, os sindicatos não puderamoferecer resistência eficiente alguma, apesar da dimen-são de seu corpo associativo, da força burocrática de suaorganização e da capacidade de mobilização de seus lí-deres.

As conclusões parecem claras. No processo de refor-ma dos portos, o baixo nível de congruência entre o Exe-cutivo e o Congresso, assim como o baixo grau de coesão

dentro deste, abriu oportunidades de veto aos sindicatosportuários, eles próprios muito coesos e capazes de reu-nir importantes aliados políticos. Oportunidades de vetoemergiram também na fase de implementação, desta vezdevido à falta de coesão no Executivo. A situação se in-verteu no caso da privatização das siderúrgicas e petro-químicas. Os poderosos sindicatos não conseguiram exer-cer poder de veto algum, porque os arranjos institucionaise, sobretudo, a distribuição das preferências entre e den-tro das instituições políticas relevantes não criaram ascondições apropriadas para isso.

A privatização e outras importantes reformas do Esta-do ainda estão em curso no Brasil. Até agora, tem sidoum processo altamente negociado. A moldura institucio-nal facilita a existência de uma estrutura extremamentecomplexa de instâncias de veto e de atores com poder deveto, que mudam em cada caso específico do processoreformista. Os sindicatos podem influenciar as decisõese o curso das mudanças. Mas sua eficácia depende pesa-damente das oportunidades institucionais.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

Este artigo é resultado parcial da pesquisa “As novas fronteiras do Estado: pro-cessos de privatização em perspectiva comparada”, que conta com o apoio doCNPq e da Fapesp. A autora agradece a todos os membros da equipe de pesqui-sa: Camila Teodoro, Jamil Chade, Mauricio Moya, Wagner Pralon Mancuso, queparticiparam de todas as etapas do trabalho e, especialmente, Alexandre SampaioFerraz que, além do mais, coletou dados e construiu tabelas. Os dados do Minis-tério do Trabalho foram organizados por Edson Silva. Uma primeira versão des-se texto foi apresentada na conferência Power structure, interest intermediationand policy-making: prospects for reforming the state in Brazil, no Institute forLatin American Studies, University of London, e beneficiou-se dos comentáriosde Joe Foweraker e Ronald Munck.

1. O assunto é extensamente discutido em Almeida (1996:213-234).

2. Apenas neste sentido, o pluralismo e a tradição marxista se aproximam, aindaque cada um defina à sua maneira fontes e recursos de poder.

3. O suposto é que o monopólio da representação e, especialmente, a centraliza-ção, ambos traços essenciais das estruturas corporativas, favoreçam a concertação.

4. Lembruch (1982:10) define centralização como “o acúmulo de poder decisó-rio nas organizações de cúpula”.

5. De acordo com sua definição, “atores com poder de veto são indivíduos oucoletividades cuja concordância (pela regra da maioria no caso dos atores cole-tivos) é necessária para uma mudança no status quo” (Tsebelis, 1995).

6. Representantes de empregados e empregadores participaram das comissõestripartites que definiram os aumentos do salário mínimo e daquelas que defini-ram as “categorias” representadas pelos sindicatos. Tinham também assento naJustiça do Trabalho por intermédio do juiz classista ou “vogal”, indicado pelosrespectivos sindicatos.

7. Embora tenha sido mantido o monopólio de representação dos sindicatos, nãose definiu quem reconheceria as entidades sindicais e lhes outorgaria a exclusi-vidade de representação. Em conseqüência, abriu-se amplo espaço a conflitos dejurisdição. Os fundos compulsórios foram preservados e até aumentados, me-diante a criação de duas novas contribuições financeiras, universais e obrigató-rias. O pluralismo no nível da cúpula foi confirmado.

8. É difícil dizer quantas são as entidades. Os diversos sindicatos de trabalhado-res do porto somavam 179, em 1991. Não se conhece precisamente o número desindicatos de empregados em estatais.

9. Para uma discussão do processo legislativo da Lei dos Portos, ver Santos (1997).

10. Entre as 220 emendas ao texto original, apenas 12 foram aprovadas, incluí-das aquelas que favoreciam os trabalhadores e seus representantes. Ambas fo-ram vetadas pelo Executivo.

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SINDICATOS EM TEMPOS DE REFORMA

11. Em outro trabalho (Almeida e Moya, 1997), mostrou-se que os setores in-cluídos no programa eram precisamente aqueles cuja privatização obtinha o maiorconsenso entre os parlamentares.

12. Os sindicatos promoveram comícios de rua nos dias e lugares em que asempresas públicas eram leiloadas. Apesar de sua visibilidade na mídia, sua efi-cácia foi nula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Aperformance da atuação sindical ao longo dosanos 80, no Brasil, foi marcada principalmentepela ampliação das negociações coletivas de tra-

anos 90. Embora o movimento sindical venha participandode fóruns de discussão de políticas públicas desde a se-gunda metade da década passada,1 foi a partir dos anos90 que essa participação adquiriu maior dimensão.

A segunda parte do artigo apresenta algumas reflexõessobre a ação do movimento sindical brasileiro nos espa-ços institucionais. Conquanto o debate teórico e políticosobre a relação entre os movimentos popular e sindical eo Estado seja antigo, trata-se aqui de refletir sobre algu-mas formas de atuação institucional do movimento sindicalnos anos recentes e procurar contribuir para o debate daconstrução do processo, sempre difícil e contraditório, dedemocratização das decisões do aparelho de Estado e derealização crescente da cidadania.

Estas reflexões se tornaram possíveis a partir do “pen-sar sobre a prática” e das discussões promovidas pelo mo-vimento sindical e pelo Dieese nos diversos fóruns insti-tucionais.

Um último registro merece ser feito nesta apresenta-ção. Não serão analisadas as mudanças ocorridas na es-trutura sindical a partir da Constituição de 1988, espe-cialmente o expressivo aumento do número de sindicatos.Embora se reconheça a influência dessas mudanças so-bre a ação sindical dos anos recentes, sua análise deman-daria uma reflexão que fugiria aos limites deste artigo.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS NOS ANOS 90

Pode-se destacar, nos anos 80, a persistência de ummovimento pendular no comportamento da economiabrasileira, com diminuição ou aumento da ocupação dacapacidade instalada. Apesar da variação no volume doemprego nacional, registraram-se sinais de uma rápidaelevação do nível de emprego assalariado formal, base

AÇÃO SINDICAL NO BRASILtransformações e perspectivas

MARCIO POCHMANN

Professor do Instituto de Economia, Pesquisador e Diretor Executivo do Cesit da Unicamp

REGINALDO MUNIZ BARRETO

Economista e Coordenador de Escritórios Regionais do Dieese

SÉRGIO EDUARDO ARBULU MENDONÇA

Economista e Diretor Técnico do Dieese

balho, da taxa de sindicalização e da quantidade de gre-ves e de grevistas. Esse conjunto de características intro-duzidas pelo chamado “novo sindicalismo” foi fortemen-te influenciado pelo contexto político de transição doregime militar para o democrático (primeiras eleições paraos governos estaduais e para presidente da República, cam-panha das diretas e Assembléia Nacional Constituinte),assim como pelo ambiente econômico dos anos 80.

Os movimentos de abertura da economia ao exterior ede redefinição do papel do Estado, nos anos 90, resulta-ram em mudanças estruturais na base da ação sindical, apartir de quatro elementos fundamentais, expostos na pri-meira parte do presente artigo: a retomada das atividadeseconômicas pós-92 sem crescimento do emprego formal;a implantação de um programa de estabilização monetá-ria com o fim da indexação salarial; o processo de rees-truturação empresarial e de difusão de novos métodos degestão da mão-de-obra sem organização dos empregadospor local de trabalho; e as alterações no padrão de empre-go no Brasil. O movimento sindical, enfrentando pelaprimeira vez a reestruturação produtiva e as conseqüên-cias da “integração competitiva” como problemas presen-tes, teve de ampliar sua temática e desenvolver formas deação distintas daquelas típicas dos anos 80, que se revela-vam ineficazes.

Não é intenção deste artigo discutir as novas estraté-gias sindicais de atuação no âmbito específico da relaçãocapital-trabalho no período recente. Trataremos, apenas,de apontar a nova agenda estabelecida a partir das mu-danças no mundo do trabalho na década atual, particular-mente pela atuação sindical nos espaços institucionais nos

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AÇÃO SINDICAL NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS

de atuação dos sindicatos de trabalhadores urbanos.2 Nosúltimos 15 anos, houve várias oscilações bruscas: desa-celeração (1981-83 e 1990-92), estagnação (1987-89) erecuperação (1984-86 e 1993-96) do produto, que foramacompanhadas de elevada instabilidade monetária, gran-des incertezas nas decisões empresariais e múltiplas in-seguranças dos trabalhadores. Apesar disso, o processohiperinflacionário e a inexistência de significativas alte-rações nas formas de gestão da produção e da mão-de-obra contribuíram para a concentração da ação sindicalem torno das negociações coletivas de trabalho e da rea-lização de greves como mecanismo recorrente de reposi-ção das perdas salariais. A expansão da taxa de sindicali-zação se revelou, muitas vezes, como resultado da maiorexpressão sindical, mesmo num contexto de altas taxasde rotatividade no trabalho e de variação do comporta-mento do emprego segundo o ritmo da produção.

Nos anos 90, observam-se vários indícios de alteraçãona atuação sindical. A redução na quantidade de grevesrealizadas, a queda da taxa de sindicalização e a maiorfragilidade das negociações coletivas apontam para umquadro sindical muito distinto daquele dos anos 80.3 Alémda maior atuação da Justiça do Trabalho sobre as rela-ções de trabalho, mais do que duplica o número de enti-dades sindicais, o que é contraditório com a redução dovolume de empregos assalariados formais e o aumento,por conseqüência, de ocupações não assalariadas (contaprópria e ocupações sem remunerações) e da taxa de de-semprego. Em função disso, cabe chamar a atenção paraos novos elementos que passaram a condicionar a açãosindical, como a retomada do nível de atividade pós-1992sem elevação do emprego formal, a contenção do proces-so hiperinflacionário com o fim da política salarial e areestruturação das empresas associada a novos programasde gestão da mão-de-obra sem organização dos trabalha-dores por local de trabalho.

Retomada das Atividades Econômicas

Nos últimos quatro anos (1993-96), houve uma impor-tante recuperação do PIB per capita, mas apesar disso seuvalor, ao final de 1996, era apenas 3,2% superior ao de1980.

As taxas positivas do PIB pós-92 pouco alteraram asituação tanto do emprego regular e regulamentado as-sim como das altas taxas de desemprego, que se mantive-ram muito próximas dos patamares atingidos na últimarecessão (1990-92). O Gráfico 1 mostra um quadro mui-to diferente em 1996 em comparação a 1989. Com umavariação positiva acumulada de quase 13% do PIB nosúltimos seis anos, o nível nacional de emprego regular eregulamentado caiu cerca de 14% e a taxa de desempre-

GRÁFICO 1

Evolução dos Índices do Produto Interno Bruto, do Nível Nacional doEmprego Regular e Regulamentado e do Desemprego para a Região

Metropolitana de São PauloBrasil, Região Metropolitana de São Paulo – 1989-96

Fonte: Bacen, Dieese/Seade e MTb.Nota: Base: 1989 = 100.

GRÁFICO 2

Índice de Desigualdade entre o Rendimento Mínimo dos 10% mais ricos eo rendimento máximo dos 10% mais pobres (rendimento trimestral médio

dos ocupados no trabalho principal)Região Metropolitana de São Paulo – 1993-1997

Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED – Seade/Dieese.

GRÁFICO 3

Distribuição da OcupaçãoBrasil – 1979-1995

Fonte: Fundação IBGE.(1) Exclusive pessoas ocupadas para autoconsumo e não remuneradas com menos de 15horas semanais de trabalho.

270

220

170

120

70

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

17

16

15

14

13

12

11

10Jan/93 Jul/93 Jan/94 Jul/94 Jan/95 Jul/95 Jan/96 Jul/96 Jan/97 Jul/97

70

60

50

40

30

20

10

0

1979 1981 1985 1988 1990 1992(1) 1995(1)

10% mais ricos / 10% mais pobres

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go na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP – au-mentou quase 112%.

O volume do emprego regular e regulamentado no paísapresentou taxas negativas de variação média anual tantono período 1990-96 (-1,97%) quanto para os anos 1993-96 (-0,21%), que excluem os efeitos da última recessão(1990-92). Já o PIB registrou taxas médias de crescimentoanual de 1,13%, no período 1990-96, e de 4,3%, no pe-ríodo 1993-96.

As trajetórias radicalmente distintas do emprego regulare regulamentado e do desemprego em um cenário econô-mico marcado por instabilidade monetária, baixas taxasde investimento e ausência de crescimento sustentado doPIB per capita produzem alterações substanciais na es-trutura econômica.4 As profundas mudanças estruturaisem curso na economia brasileira seriam resultado diretoda orientação mais geral da política macroeconômica, emque o desemprego elevado e o crescimento da precariza-ção do trabalho se apresentam como os principais indica-dores para o mundo do trabalho.5 Os efeitos combinados,a partir de 1990, de políticas recessivas, de desregulação ede redução do papel do Estado, de abertura comercial abrupta,de taxas de juros elevadas e de apreciação cambial seriamresponsáveis pela montagem de um cenário desfavorável aocomportamento geral do emprego nacional.

O movimento de deterioração das condições e das re-lações de trabalho e a permanência das altas taxas de de-semprego sinalizam, no período recente, uma fase em queo emprego regular e regulamentado encontra-se descola-do da centralidade das políticas macroeconômicas, muitomais voltadas ao combate à inflação e ao processo demodernização econômica que ao enfrentamento da ques-tão do desemprego.6

Estabilização Monetária e Fim da Política Salarial

Por cerca de 16 anos, a partir do final dos anos 70, o Bra-sil passou por um processo hiperinflacionário, que pode serconsiderado um dos mais longos registrados nesse século.Mesmo não se tratando de um processo hiperinflacionárioclássico, gerou regras de convivência com a constante altado custo de vida.

Os mecanismos de indexação de preços refletiram, emcerta medida, a possibilidade de manutenção de supertaxasde inflação por muito tempo no país. Dada a inexistência deindexadores perfeitos, sobretudo para salários, a ação sindi-cal revelou-se importante para evitar perdas ainda maioresno poder aquisitivo dos trabalhadores, já que os diversosprogramas de combate ao processo hiperinflacionário, im-plementados desde o início dos anos 80, fracassaram. A partirda implementação do Plano Real, em julho de 1994, a esta-bilização monetária tornou-se inquestionável, com mais de

três anos de taxas reduzidas de inflação, embora a um custoeconômico e social nada desprezível.

Além de contar com um contexto internacional favorá-vel, propício ao ingresso voluntário de recursos externos, osresponsáveis pela adoção do Plano Real puderam evitar al-guns erros cometidos por outros países latino-americanos queaplicaram programas idênticos de ancoragem cambial. Aaplicação da URV (Unidade Real de Valor), no período demarço a junho de 1994, como forma de indexar plenamentepreços e, sobretudo, salários à taxa referencial do dólar nor-te-americano, permitiu que na mudança do padrão monetá-rio ancorado ao próprio dólar se evitassem situações muitoheterogêneas entre os diversos agentes econômicos. Contu-do, o que se viu em 1994 foi a ampliação das desigualdadesde rendimentos (Pochmann, 1997).

A alta elevação nos níveis de desigualdade dos rendi-mentos dos ocupados, no período pré-Real, foi contidasomente ao final desse ano, com a consolidação do Pla-no. Até a metade de 1995, essa desigualdade se reduziu,ao mesmo tempo que foram caindo os níveis de preços.

Com a queda da inflação, a perda no poder aquisitivotornou-se menor, porém, na ausência de qualquer mecanis-mo de indexação salarial, o comportamento dos rendimen-tos do trabalho passou a depender de um novo tipo de açãosindical. As estratégias de mobilização dos trabalhadores emtorno de grandes reposições salariais parecem superadas.

Reestruturação Empresarial e deNovos Métodos de Gestão da Mão-de-Obra

As medidas macroeconômicas em curso desde 1990levaram simultaneamente à desintegração de parte da ca-deia produtiva e à reestruturação de grandes grupos eco-nômicos (fusão de empresas e introdução de programasde inovação tecnológica e organizacionais). Até o presen-te, contudo, a desarticulação interna de várias cadeiasprodutivas tem levado à maior heterogeneidade da baseeconômica, com a modernização de empresas na ponta eo retraimento, o fechamento e desnacionalização de ou-tras ao longo das cadeias produtivas.

A descentralização da produção se expressa sobretu-do na fragilização dos segmentos industriais até entãoestabelecidos em regiões industriais tradicionais, como deautopeças, brinquedos, têxtil, calçados, vidros, naval, má-quinas e equipamentos, entre outros. Assim, o encolhi-mento do setor secundário e, por conseqüência, a redu-ção dos empregos regulares e regulamentados, ocorremsimultaneamente à sua substituição por novas ocupaçõesno setor terciário, nem sempre na mesma quantidade ecom a mesma qualidade e nível de remuneração.7 A am-pliação das importações tem permitido às empresas alte-rar o mix de produção, o que contribui para o desapareci-

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AÇÃO SINDICAL NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS

mento de segmentos e empresas com baixa produtivida-de. Um dos resultados disto é o reduzido impacto da ele-vação da produção sobre o nível ocupacional. Além dis-so, com a introdução de novos programas de gestão daprodução e da mão-de-obra, a articulação com fornece-dores, a maior terceirização e a inovação tecnológica,verifica-se uma tendência à ampliação da demanda portrabalhadores mais qualificados.

As empresas, ao que tudo indica, passaram a excluirtrabalhadores com níveis mais baixos de escolaridade dosbons empregos, optando por manter um “núcleo duro”menor de empregados, aparentemente impondo a estesjornadas maiores (hora extra), salários comprimidos e rit-mos de trabalho mais intensos. Tudo isto ocorre de acordocom os novos métodos de gestão da mão-de-obra, prove-nientes da introdução de programas de qualidade total, re-engenharia, rendimentos variáveis, jornadas flexíveis de tra-balho, abonos salariais associados às metas de produção, etc.

Em alguns setores empresariais de ponta, os sindica-tos conseguiram acompanhar, com muito esforço, as ino-vações ocorridas no interior das empresas, mas na maio-ria delas eles ficaram de fora. Ao mesmo tempo, surgiramnovas oportunidades de ação sindical em torno das propos-tas de gestão participativa e da negociação de remuneraçãovariável, como participação nos lucros e resul-tados, gratifi-cações em conformidade com metas de produção, entre ou-tras. Nem todos os sindicatos dispõem da necessária ca-pacidade de negociação coletiva, sobretudo pela ausênciade organização e representação no local de trabalho, pos-sibilitando, por isso, maior autonomia empresarial nadefinição das relações de trabalho no Brasil. Dada a ine-xistência de políticas salariais e a permanência de contra-tos individuais de trabalho, aumentam os espaços para aintrodução de critérios de remuneração flexível e, con-traditoriamente, para maior presença da Justiça do Tra-balho.

ALTERAÇÕES NO PADRÃO DE EMPREGO

Os impactos decorrentes do desdobramento das trans-formações estruturais da economia brasileira sobre a si-tuação do emprego no Brasil ocorrem conjuntamente comsignificativas mudanças no mercado de trabalho. Para aparcela da classe trabalhadora que permaneceu emprega-da no segmento assalariado formal, ainda que com parti-cipação relativamente menor do que nos anos 80 (desas-salariamento), há sinais claros de modificações no padrãode emprego. Basicamente, podem ser destacadas altera-ções tanto na oferta quanto na demanda de trabalho.

Qualificação da Mão-de-Obra

O nível de escolaridade da mão-de-obra constitui umimportante indicador de medida da qualidade da força detrabalho. No Brasil, o nível de escolaridade é tradicional-mente baixo, apesar da expansão do tempo de instruçãoformal nos últimos anos.

Com uma média de escolaridade de apenas 3,9 anos, oBrasil possui um dos piores indicadores de instrução dospaíses latino-americanos. Na Argentina, a média é de 8,7anos, no Uruguai, de 7,8 anos e no Paraguai, de 4,9 anos.

Entre 1980 e 1993, os trabalhadores brasileiros comcurso colegial completo e superior aumentaram a sua par-ticipação relativa de 22,9% para 38,8% no total dos em-pregados, enquanto os analfabetos e com primário incom-pleto reduziram sua participação relativa de 22,2% para15,7%.

Redução da Taxa de Rotatividade

A elevada taxa de rotatividade no Brasil indica a flexi-bilidade quantitativa do mercado de trabalho, isto é, aenorme facilidade de rompimento dos contratos de traba-lho e o tempo relativamente curto de permanência dosempregados na mesma empresa.

A ausência de confiança entre as partes, o pouco en-volvimento de empregados com as metas de produção e afacilidade dos empregadores em adaptar o nível de em-prego às flutuações da economia exigem da oferta de traba-lho uma rotina de convivência com diferentes empregos eempregadores. Em 1980, por exemplo, um contingente equi-valente a mais da metade dos empregados (51,6%) teverompido o contrato de trabalho. Passados 13 anos, a quan-tidade de trabalhadores com rompimento do vínculo tra-balhista atingiu cerca de 40% do total de empregados.

A instabilidade nos vínculos empregatícios tende a sermaior para os níveis de menor escolaridade e para homens.Em 1993, por exemplo, a taxa de rotatividade masculinaera de 45,5% e, a feminina, de 32,1%.

TABELA 1

Nível de Escolaridade dos EmpregadosBrasil – 1980-1993

Escolaridade 1980 1989 1993

Analfabeto 4,2 3,1 3,7

Primário Incompleto 18,0 11,9 12,0

Primário Completo e Ginásio Incompleto 38,0 34,9 19,5

Ginásio Completo e Colegial Incompleto 16,9 21,0 26,0

Colegial Completo e Superior Incompleto 15,7 19,8 26,1

Superior Completo 7,2 9,3 12,7

Fonte: MTb. Rais.

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Mudança na Composição Setorial do Emprego

A estrutura ocupacional brasileira apresentou mudan-ças significativas nos anos 80 e 90, sem que com isso fossealterada a ordem de importância dos setores de atividadeeconômica na promoção das ocupações. Entre 1979 e1995, o setor terciário continuou sendo o principal res-ponsável pela ocupação, seguido do setor primário e, porfim, do setor secundário.

Uma das principais alterações na demanda de trabalhoocorreu na participação relativa dos grandes setores eco-nômicos na ocupação total. Entre 1979 e 1995, os setoresprimário e secundário perderam 10,3 e 3,4 pontos per-centuais nas suas respectivas participações relativas noconjunto das ocupações, enquanto o setor terciário aumen-tou em 13,7 pontos percentuais.

No mesmo período, o setor secundário teve invertidoo movimento de ampliação de sua participação relativano total das ocupações nos anos 1981/83 e pós-90, reper-cutindo, de certa forma, as fortes oscilações no compor-tamento da economia e o recente movimento de reorga-nização industrial. O setor primário, em compensação,apresentou drástica redução na participação relativa nototal da ocupação ao longo dos anos 80, que se manteverelativamente estabilizada a partir de 1990.

Mudanças na Qualidade do Emprego

A análise da estrutura das ocupações no Brasil, ao longodo tempo, possibilita a identificação de alterações impor-tantes, principalmente se se considera o tamanho dos es-tabelecimentos, a idade dos trabalhadores empregados eo tempo de serviço na mesma empresa. No período 1980-93, somente as empresas com menos de dez empregadosaumentaram continuamente a participação relativa no to-tal dos empregos regulares e regulamentados. Nas demaisempresas, principalmente aquelas com mais de 1.000empregados, houve uma pequena redução dessa partici-pação.

Uma outra alteração importante a ser destacada doconjunto de empregos regulares e regulamentados refe-re-se à idade dos empregados. Para os trabalhadores maisjovens (até 29 anos), verifica-se uma redução na partici-pação relativa no total dos empregos (Gráfico 5). Entreos anos 1980 e 1993, a participação dos empregados nafaixa de até 29 anos caiu de 53,1% para 39%.

Em compensação, os empregados com idade mais avan-çada ampliaram sua participação relativa no total dosempregos. No período 1980-93, para aqueles com maisde 29 anos, passou de 46,9% para 61,1%.

Por último, vale a pena registrar o aumento do tempode serviço no mesmo estabelecimento. A presença relati-

va de empregados com mais de cinco anos sobre o con-junto aumenta entre 1989 e 1994, passando de 29,3% para36,4%. Ou seja, mais de três em cada dez trabalhadorespermaneciam por um tempo superior a cinco anos nomesmo estabelecimento em 1994, enquanto em 1989 essaproporção não chegava a três. Este indicador pode reve-lar, ao mesmo tempo, um movimento ambíguo: se a maiorpermanência pode permitir uma relação mais estável dotrabalhador com o sindicato, pode também significar umaaproximação desses trabalhadores mais estáveis com osobjetivos das empresas, que certamente estarão investin-do mais na sua qualificação em função dos padrões dareestruturação produtiva.

GRÁFICO 4

Distribuição dos Empregos, por Tamanho de EstabelecimentosBrasil – 1980-1993

Fonte: MTb. Rais.

GRÁFICO 5

Participação dos Empregos, por Faixa EtáriaBrasil – 1980-1993

Fonte: MTb. Rais.

1980 1989 1993

1980 1989 1993

até 10 10 a 500 500 a 1.000 mais de 1.000

menos 17 18 a 29 30 a 39 40 a 50 mais de 50

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AÇÃO SINDICAL NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS

PARTICIPAÇÃO NOS ESPAÇOSINSTITUCIONAIS

Pode-se afirmar que a participação institucional domovimento sindical – ou seja, sua participação em espa-ços, em geral tripartites, abertos à negociação no interiordo aparelho do Estado – surgiu e se desenvolveu a partirdo processo de democratização do país. Essa participa-ção derivou, sobretudo, das possibilidades criadas peloarco de forças sociais que contribuíram com sua luta parao fim do regime militar, simbolizadas na campanha na-cional por eleições diretas.

A retomada do processo de organização das centraissindicais – que desembocou na realização da Conclat(Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) em 1981e, posteriormente, na fundação da CUT, da Conclat, CGT,em meados dessa década de 80 – instalou definitivamen-te a temática institucional, das mais variadas formas eníveis, como preocupação sindical.

A demanda de participação dos trabalhadores nos pro-cessos de decisão relativos às políticas públicas estevepresente na agenda sindical, como componente impres-cindível do processo de democratização do aparelho deEstado e da gestão governamental e de realização da ci-dadania.

O movimento sindical de trabalhadores rurais, por exem-plo, adquiriu, durante toda a década de 80, através de pres-sões derivadas da mobilização, experiências significativasde participação ativa em programas governamentais, comoo Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do ProjetoNordeste (Novaes, 1994), os Programas de Combate aosEfeitos da Seca e em fóruns institucionais, como os conse-lhos deliberativos da Sudene e da Sudam8 e as ComissõesEstaduais de Reforma Agrária.

No entanto, o momento mais expressivo desse proces-so, na década passada, de grande relevância pela fortemobilização de energias do movimento sindical, deu-sedurante a preparação da nova Constituição, que seria pro-mulgada em 1988. Além das disputas de concepção a res-peito da temática mais geral – liberdades democráticas,direitos humanos, papel do Estado, papel do capital es-trangeiro, dentre outras – o momento histórico da ela-boração da nova Carta permitiu a expressão e a manifes-tação das mais diversas organizações sociais em torno deinteresses setoriais, não menos importantes para o con-junto da sociedade brasileira, como educação, saúde eprevidência. Não são desconhecidas a intensa mobiliza-ção e a defesa apaixonada de propostas relativas às ques-tões levantadas pelo movimento sindical de todo o país.

A participação mais intensa do movimento sindical emfóruns institucionais decorre da sua compreensão, cadavez mais consolidada, de que o encaminhamento das ques-

tões relativas ao confronto e à negociação entre o capitale o trabalho não pode ser desvinculado da ação do Estadoem suas diversas esferas, e de que as políticas públicas,particularmente nos campos econômico e social, dizemrespeito diretamente à ação das organizações sindicais,uma vez que conformam expectativas e comportamentosdos empresários e condicionam possibilidades de melho-ria das condições de trabalho, remuneração e de vida dostrabalhadores (Cese, 1994).

Atuais Espaços Institucionais de Atuação Sindical

Foi a partir dos anos 90 que ampliou-se a participaçãodos trabalhadores em espaços institucionais. Atualmen-te, estes espaços assumem uma grande diversidade deformas. Com a característica mais geral do tripartismo,eles podem ser classificados conforme os seguintes tipos,com implicações na definição das limitações e possibili-dades de atuação:

- quanto à estrutura da representação, paritários e não-paritários;

- quanto ao poder de decisão, deliberativos e consultivos;

- quanto à abrangência, nacionais, regionais (estaduais emunicipais) e internacionais;

- quanto ao objeto de decisão, formulação de diretrizes eliberação de recursos;

- quanto à natureza jurídica, de origem em lei, de ori-gem em atos do Poder Executivo e organização da so-ciedade.

O Quadro 1 permite identificar os principais espaçosde atuação institucional segundo os critérios apresenta-dos. Ressalte-se que foi dada preferência àqueles de abran-gência nacional. Observa-se que, em sua maioria, são nãoparitários, deliberativos, têm como objetivo a formula-ção de diretrizes e foram criados a partir de decisões doPoder Executivo nos vários níveis.

O processo de negociação nesses espaços institucio-nais apresenta características que o diferencia da nego-ciação coletiva entre capital e trabalho, em que se estabe-lecem as normas reguladoras das condições de trabalho eremuneração.

Uma dimensão comum fundamental, componente daestrutura mesma dos espaços institucionais de atuação,independentemente de sua tipificação, é que são espaçosde busca de consenso, não apenas entre as partes (traba-lhadores, empresários e governo), mas também entre aspróprias representações sindicais. Não há instâncias ex-ternas capazes de solucionar conflitos surgidos durante oprocesso de discussão e que resultam da diversidade deinteresses ali representados; tampouco é eficaz impor so-

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QUADRO 1

Quadro Sinótico da Participação Institucional do Movimento SindicalBrasil – nov. 1997

Poder de Estrutura da Objeto de Natureza Jurídica AbrangênciaDecisão Representação Decisão

Fundos/Programas Instância Representação SindicalDelibe- Con- Pari- Não-Pa- Formu- Libera Lei Decreto, Organiza- Regio- Nacio- Interna-rativo sultivo tário ritário la Dire- Recur- Porta- ção da nal nal cional

trizes sos ria, etc. SociedadeFAT - Fundo de Amparoao Trabalhador CODEFAT CUT, CGT Brasil e Força Sindical

FAT - Fundo de Amparo Comissões Estaduais e Centrais Sindicais e entidadesao Trabalhador Municipais de Emprego sindicais de trabalhadores

FAT - Fundo de Amparo GAP - Grupo de Apoio Centrais Sindicais, entidades sin-ao Trabalhador Permanente - CEE e CME dicais de trabalhadores e DIEESE

FGTS - Fundo de Garantiapor Tempo de Serviço Conselho Curador CUT, CGT Brasil e Força Sindical

Previdência Social Conselho Nacional de Centrais Sindicais e entidadesSeguridade Social sindicais de trabalhadores

BNDES Conselho de Administração CUT e Força Sindical

FINEP Conselho Consultivo CGT, como representante dosTrabalhadores no CODEFAT

MERCOSUL SG-7 - Política Industrial CUT, CGT Brasil e Força Sindical

MERCOSUL SG-8 - Política Agrícola CONTAG

MERCOSUL SG-10 - Comitê de Implan- CUT, CGT Brasil, Força Sindical etação Observatório DIEESE

PBQP - Programa Brasileirode Qualidade e Produtividade Comitê Nacional DIEESE

PBQP - Programa Brasileiro CUT, CGT Brasil, Força Sindical ede Qualidade e Produtividade Coordenação Executiva DIEESE

PBQP - Programa Brasileiro CUT, CGT Brasil, Força Sindical ede Qualidade e Produtividade PCDA DIEESE

PACTI - Programa de Apoio àCapacitação Tecnol. da Indúst. Comissão Nacional DIEESE

PACTI- Programa de Apoio àCapacitação Tecnol. da Indúst. Coordenação Executiva DIEESE

PACTI- Programa de Apoio à Subcomis. Tecnolog. CUT, CGT Brasil , Força Sindical eCapacitação Tecnol. da Indúst. Emprego e Educação DIEESE

PROEDUC - Programa Edu-cação para a Competitividade Conselho de Coordenação CUT, CGT Brasil e Força Sindical

PRONAF Conselho Nacional CONTAG

PRONAF Conselhos Estaduais Fed. de Trabalhadores Rurais

PRONAF Cons. Mun. de Des. Rural Sind. de Trabalhadores Rurais

PROCERA / LUMIAR Cons. Consultivo Nacional CONTAG

PROCERA / LUMIAR Cons. Consultivo Estadual Fed. de Trabalhadores Rurais

PROCERA / LUMIAR Comissão Nacional CONTAG

PROCERA / LUMIAR Comissão Estadual Fed. de Trabalhadores Rurais

SENAR Conselho Nacional CONTAG

SENAR Conselho Estadual Fed. de Trabalhadores Rurais

Câmara Regional do ABC Conselho Deliberativo Entidades Sindicais do ABC

Câmara Regional do ABC Coordenação Executiva Entidades Sindicais do ABC

IBQP - Instituto Brasileiro da Conselho deQualidade e Produtividade Administração CUT, CGT Brasil e Força Sindical

IBQP-PR- Instituto Brasileiro Conselho deda Qualidade e Produtividade Administração 1 representante dos trabalhadores

IBQP-PR- Instituto Brasileiro Conselho Técnicoda Qualidade e Produtividade Científico DIEESE

IBQP-PR- Instituto Brasileiro Conselho de Políticada Qualidade e Produtividade Institucional DIEESE

Observatório Permanente de CUT, CGT Brasil, Força Sindical,Situações Emprego e FP Conselho de Implantação SDS, CAT e DIEESE

PBD - Progr. Bras. de Design Comitê Executivo DIEESE

PAB - Progr. do Artesanato Bras. Grupo Interministerial DIEESE

PEGQ/TIB/PADCT - ProjetoEspec. Gestão da Qualidade Comitê de Coordenação DIEESE

CESIT-Centro de Estudos Sin-dicais e de Economia do Trab. Conselho de Orientação DIEESE

UNICAMP - Universidade Conselho UniversitárioEstadual de Campinas da UNICAMP DIEESE

UNESP - Univ. Est. Paulista Conselho UniversitárioJúlio de Mesquita Filho da UNESP DIEESE

Fundação PROCON - Coord.Proteção e Defesa Consumidor Conselho Curador DIEESE

IDEC - Instituto de Defesado Consumidor Conselho Consultivo DIEESE

Obs.: Não constam deste quadro a maior parte dos espaços regionais/municipais de participação institucional do movimento sindical e aqueles relacionados às áreas de saúde e educação.

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luções que contrariem questões vitais para uma das par-tes, pois, caso isto ocorra sistematicamente, o própriofórum perde a razão de existir.

Na verdade, em muitos casos, e mais precisamente nosespaços de tipo consultivo e não paritário, sequer estáclaramente estabelecido que se trata de um processo for-mal de negociação. O que efetivamente se manifesta é abusca de uma composição de opiniões e interesses, que seexpressa momentaneamente, e quase sempre de maneira flui-da, onde cada questão discutida requer um tratamento espe-cífico, ao mesmo tempo que se deve ter uma visão de con-junto da temática em discussão, identificando a manifestaçãodos representantes dos atores sociais presentes.

Uma outra dimensão desses espaços é o tripartismo. Aexistência de fóruns tripartites de negociação e regulaçãotem como princípios básicos o reconhecimento da legiti-midade, representatividade, autonomia e preservação daidentidade dos atores (Morgado, 1995).

Uma característica específica da negociação no espa-ço institucional é que a manifestação do acordo entre aspartes não é expressa através de um documento – o termodo acordo – e sim através da aprovação de diretrizes es-tratégicas, planos de trabalho ou mesmo projetos concer-nentes ao respectivo fórum.

Um aspecto a ser levado em conta para a compreensãodo processo de negociação nos espaços institucionais é o pesopolítico do ator ali representado em outras esferas – o Con-gresso Nacional, por exemplo. Ou seja, o respaldo parla-mentar do movimento sindical é um importante elementode ponderação nos confrontos de interesses e visões nosespaços institucionais de atuação, embora não explicita-mente manifestado. A possibilidade de repercutir nacio-nalmente as posições dos trabalhadores em espaços polí-ticos, como o Parlamento, influencia a posição assumidapelos demais atores.

Um risco implícito nessa participação é a possibili-dade de distanciamento entre as decisões dos dirigen-tes e o conhecimento da base sindical. Ocorre que aestrutura do processo de negociação pressupõe a parti-cipação de representantes sindicais que tenham a vi-são de conjunto das questões em pauta. Esta nem sem-pre é sincronizada com o nível de conhecimento dostrabalhadores ali representados sobre as questões emdiscussão. O grau de sincronia depende da qualidadeda discussão ocorrida no âmbito da entidade sindical.Dessa forma, se mesmo na negociação coletiva de data-base há o risco do distanciamento entre as reivindica-ções dos trabalhadores, a pauta formulada e o compor-tamento dos dirigentes à mesa, esse risco é ainda maiorno processo de participação institucional, em que asquestões discutidas normalmente são de natureza maisgenérica e a participação quase sempre ocorre através

de dirigentes das instâncias nacionais ou regionais dascentrais sindicais.

Enquanto nas negociações coletivas envolvendo ques-tões salariais, os trabalhadores geralmente são convoca-dos às assembléias, nas quais discutem e aprovam umapauta de reivindicações, no caso da agenda institucionalnão é comum existirem espaços coletivos regulares dediscussão e decisão do movimento sindical. Na maioriadas vezes, são dirigentes das centrais que participam dasinstâncias institucionais. Entretanto, existem, supostamen-te, possibilidades de canalização dessas discussões pelasinstâncias de representação das centrais; no entanto, dadaa natureza das discussões e a necessidade de serem toma-das decisões num tempo que nem sempre permite a con-sulta ampla ao movimento sindical, os dirigentes partici-pantes devem se valer das formulações também gerais,aprovadas nas instâncias deliberativas do movimento –congressos das categorias, centrais –, nem sempre lem-bradas pelos trabalhadores em seus locais de trabalho.

Em muitos casos, não têm tido êxito algumas tentati-vas de congregação de (até mesmo) dirigentes sindicaisem eventos cuja temática relaciona-se à participação eminstâncias deliberativas ou consultivas de políticas públi-cas. Isso se deve à existência de uma cultura sindical ain-da remanescente dos anos 80. A intervenção dos movi-mentos sociais nas políticas públicas, “em geral, ainda épredominantemente assistemática, com insuficiente qua-lificação política e técnica, sem definição de indicadoresadequados para mensurar resultados e com dificuldadespara construir projetos e referenciais comuns, nas parce-rias” (Cese, 1997).

A participação mais intensa do movimento sindical emespaços de negociação institucionais ocorre no momentohistórico de redução do poder de mobilização dos traba-lhadores, em função do processo de reestruturação pro-dutiva que afeta profundamente o emprego formal e ascondições de trabalho. A conjugação da reestruturaçãoprodutiva com a estabilização da economia reduziu o poderde mobilização dos trabalhadores e introduziu novos te-mas na agenda sindical, inclusive os de ordem institucio-nal. É necessária, portanto, a criação dos fóruns e instru-mentos para evitar o risco de que o movimento sindicalseja tentado a substituir sua ação junto aos trabalhadorespela ação nos fóruns institucionais.

Esse processo de formação de uma nova cultura de parti-cipação na discussão das políticas públicas envolve a cons-trução de procedimentos decisórios e informativos específi-cos, que possam traduzir não apenas a relação entre asquestões institucionais e as diretrizes mais gerais das enti-dades sindicais, como também a relação entre essas ques-tões e os interesses diretos dos trabalhadores, que devemresultar em maior compreensão das possibilidades e limites

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dessa atuação, num quadro mais geral de luta por mudançasnas condições de vida da maioria da sociedade.

Com base na experiência adquirida, é possível perce-ber-se hoje a busca de alguns parâmetros básicos nor-teadores da participação institucional do movimentosindical, no sentido de construção desses novos procedi-mentos decisórios e informativos. Entre outras preocu-pações manifesta-se a necessidade de: articular e qualifi-car as intervenções pontuais nas políticas públicas, desdeo âmbito local, até o internacional, diante do avanço doprocesso de globalização; superar a visão setorial e parti-cular das políticas públicas; evitar que a intensificaçãoda ação institucional do movimento sindical provoque umdistanciamento entre a ação sindical de cúpula e as de-mandas efetivas dos trabalhadores; garantir um processoeficaz de comunicação entre os trabalhadores e as dire-ções sindicais, no que diz respeito à sua ação institucional;identificar as formas de mobilizar os trabalhadores, tendocomo base as questões expressas nos espaços institucionais,de modo que eles reconheçam aí uma ação sindical repre-sentativa dos seus interesses; debater esses temas com amáxima profundidade possível, procurando abrir possibili-dades de ação, que contem, tanto quanto possível, com apoiodas demais partes (empresarial e governamental); divulgaro mais amplamente possível os temas de interesse prioritá-rio dos trabalhadores, tendo como um dos pontos de apoio aparticipação institucional; expandir a capacidade de inter-venção do movimento sindical através da multiplicação daspossibilidades de aprendizado ligado a esses temas.

Participação Institucional:a experiência dos anos 90

Aqui não se pretende analisar todos os fóruns institu-cionais de que o movimento sindical participa. Alguns,inclusive, sequer são mencionados, apesar da sua impor-tância, dado o corte analítico adotado, que busca identifi-car as principais questões envolvidas naqueles espaçosinstitucionais mais diretamente relacionados aos movi-mentos de reestruturação produtiva e seus impactos so-bre o emprego. Assim, as instâncias de representação nasáreas de saúde e educação não serão objeto das presentesreflexões, muito embora experiências internacionais depolíticas ativas para o mercado de trabalho busquem in-corporar estes setores ao processo de criação de empre-gos através do gasto e investimento públicos (Azeredo,1997). A seguir, será analisada apenas parte dos espaçosrelacionados no Quadro 1,9 em função dos temas priori-tários que pretendemos destacar.

Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Traba-lhador (Codefat) – O espaço mais representativo da atua-

ção institucional do movimento sindical, pelas suas caracte-rísticas, é o Codefat. Trata-se de um fórum tripartite, paritário,deliberativo, legal (constitucional), permanente, de âmbitonacional, que estabelece diretrizes para a aplicação dos re-cursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, atravésdas Comissões Estaduais e Municipais de Emprego.

Criado pela Constituição de 1988, o FAT é o maiorfundo público do país. Seus recursos são oriundos do PIS/Pasep e destinam-se ao financiamento das políticas dosistema nacional de emprego: intermediação de mão-de-obra, seguro-desemprego, formação profissional, infor-mações sobre o mercado de trabalho e programas de ge-ração de emprego e renda. Através do BNDES,10 o FATfinancia programas de investimento supostamente gera-dores de emprego. Dessa maneira, a atuação do Codefatestá centrada em viabilizar, no campo de sua competên-cia, a expansão do emprego no Brasil.

A aplicação dos recursos ocorre através dos estados emunicípios que, para tal, devem organizar comissões es-taduais e municipais de emprego. A criação dessas co-missões possibilitaria, através da descentralização do pro-cesso de decisão e gestão, um uso mais eficaz e eficientedos recursos do FAT, nas questões substantivas relacio-nadas ao tema do emprego.

Como os representantes dos trabalhadores indicadospelas centrais sindicais são dirigentes cuja atividade éexercida em âmbito estadual ou municipal, a estrutura-ção dessas comissões poderia criar as condições necessá-rias para uma aproximação entre as demandas imediatasdos trabalhadores na base e sua expressão nos espaços danegociação institucional regionais.

Uma das questões relativas às comissões estaduais e,particularmente, às municipais é a inexistência de um pro-cesso de capacitação prévia dos seus componentes paraexercer as funções específicas a eles atribuídas na Comis-são. A fragilidade desses aspectos das comissões de em-prego, combinada com a forte tendência à centralizaçãodas decisões no Poder Executivo, abre a possibilidade deuso inadequado de recursos em relação às finalidades. Daía iniciativa das centrais sindicais em viabilizar processos decapacitação dos componentes das comissões de emprego.

PBQP, Pacti e o PCDA – Como instrumentos tentativosde viabilização da “integração competitiva” – elevaçãoda competitividade internacional da economia brasileiraatravés do incremento da qualidade e produtividade –foram criados o Programa Brasileiro de Qualidade e Pro-dutividade – PBQP, vinculado ao Ministério da Indústria,Comércio e Turismo – MICT, e o Programa de Apoio àCapacitação Tecnológica da Indústria – Pacti, vinculadoao Ministério da Ciência e da Tecnologia – MCT. Na épocade sua criação, a estrutura e a dinâmica de funcionamen-

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to desses programas impediam qualquer participação domovimento sindical, que só veio a se efetivar a partir de1993, com a instituição da CVTE – Comissão de Valori-zação do Trabalho e do Emprego. A CVTE, compostapelos representantes das centrais sindicais, dos empresá-rios e do governo, era coordenada, por delegação das cen-trais sindicais, pelo Dieese.

Era necessário, então, estabelecer as diretrizes de atua-ção do movimento sindical nesses programas, o que foifeito com a realização em Campinas – SP, ainda em 1993,de um seminário com a presença de 300 dirigentes sindi-cais de todo o país. Foram discutidos os princípios doPBQP, suas metas e a forma de participação dos traba-lhadores e apresentadas propostas para orientar a atuaçãodos representantes sindicais nesse programa em relaçãoaos temas a ele relacionado tais como: emprego, distri-buição de renda, formação profissional, negociação, di-reito à informação, direito de organização no local de tra-balho, terceirização, democratização das relações detrabalho, contrato coletivo de trabalho, jornada e condi-ções de trabalho, fundos públicos e questões relaciona-das ao trabalho da mulher (Dieese, 1994).

Em 1994, as centrais sindicais elaboraram um docu-mento com uma posição consensual para a reunião anualde avaliação estratégica do PBQP/Pacti, considerando, porum lado, que “a participação dos trabalhadores no PBQPé um fator indispensável para o sucesso de seus progra-mas” e , por outro, que “para o movimento sindical osconceitos de Qualidade e Produtividade são muito maisabrangentes, envolvendo a geração de emprego, a dimi-nuição da jornada de trabalho, o aumento do valor aqui-sitivo dos salários, a queda dos preços, a qualidade dosserviços públicos – educação, moradia, saúde e transpor-te, a preservação dos recursos naturais. Enfim, a Quali-dade e Produtividade devem ser instrumentos para a Ci-dadania e não um fim em si mesmas”.

Um importante resultado da participação do movimentosindical no PBQP e no Pacti foi a criação do PCDA – Pro-grama de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindi-cais, elaborado conjuntamente pela CUT, CGT, ForçaSindical e Dieese, com o objetivo de preparar dirigentes,ativistas e assessores do movimento sindical para a inter-venção qualificada no processo de reestruturação produ-tiva, proporcionando qualificação de alto nível em: “a)capacidade analítica para a ação sindical; b) capacidadede formulação e elaboração de propostas alternativas; c)capacidade de multiplicação do conhecimento adquirido;d) capacidade de negociação em todos os níveis; e) capa-cidade de articulação e mobilização para a intervençãona questão.” A maior parte do seu atual financiamentoprovém de recursos do MCT e MTb, além de parcela derecursos sindicais.

Vê-se, portanto, que o PCDA, por sua concepção, ex-pressa no conteúdo da sua programação, pode ser um ins-trumento importante de capacitação dos dirigentes e as-sessores sindicais, não apenas para o enfrentamento danegociação dos problemas que afetam diretamente a re-lação capital-trabalho no processo da reestruturação pro-dutiva, como nas questões atinentes aos fóruns institucio-nais dos quais participa.

No Pacti, o foco da intervenção do movimento sindi-cal situa-se nas questões do emprego e da educação e nasua relação com o desenvolvimento tecnológico, visandopromover um debate que aporte novos critérios para aelaboração de políticas e tomada de decisão ligados a es-tas questões. Vale registrar que está em curso, desde 1997,através da subcomissão de Tecnologia, Emprego e Edu-cação do Pacti, um interessante debate sobre aqueles te-mas buscando envolver os atores sociais.

Apesar da importância dos temas tratados em am-bos programas (emprego, formação profissional, polí-tica tecnológica, educação) e do relativo sucesso notratamento dessa temática por parte do movimento sin-dical nos fóruns institucionais a eles relacionados, tra-ta-se de instâncias não paritárias (nas quais o governopossui maioria), consultivas, de âmbito nacional – comlimitada irradiação nos âmbitos estadual e municipal –e criadas pelo Poder Executivo, dependendo diretamen-te das variabilidades conjunturais da condução da po-lítica econômica e do quadro político de cada um dosministérios. Assim, o poder de pressão do movimentosindical deriva diretamente da argumentação e da ca-pacidade de convencimento dos representantes do go-verno (maioria) e dos empresários presentes e não daprópria estruturação dos fóruns.

Câmaras Setoriais – No caso das câmaras setoriais, cujoexemplo mais expressivo foi a do setor automobilístico,os temas concernentes à relação capital-trabalho apare-ceram numa dimensão regulatória mais ampla, envolvendotambém os interesses da sociedade e do Estado, num pro-cesso explícito de negociação. As câmaras setoriais or-ganizaram-se tendo como ponto de partida uma pautaespecífica de negociação, a ser cumprida num tempo res-trito – ainda que não previamente determinado –, na qualos interesses das partes eram claros. Os resultados finaisexpressaram-se em documentos (termo do acordo) queestabeleciam os compromissos a serem assumidos por cadauma das partes: governo, empresários e trabalhadores.Vale recordar que, embora fruto de acordo, as medidasnecessárias para sua implantação dependiam de outrasinstâncias como, por exemplo, o Confaz – Conselho Na-cional de Política Fazendária, no caso das medidas decaráter tributário e fiscal.

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Uma das questões que preocuparam os participantesdas câmaras setoriais, objeto de crítica de alguns setoresda sociedade, era a possível contradição entre os interes-ses setoriais em jogo e os interesses mais gerais da cole-tividade. Este debate levou à criação do CTCOM – Con-selho dos Trabalhadores para a Competitividade, com aparticipação das centrais sindicais e do Dieese, que faziapar com o Concec – Conselho dos Empresários para aCompetitividade e, finalmente, da Câmara Estrutural –formada por representantes do CTCOM e do Consec –,cuja breve existência deveria ter sido prevista mirando oseu próprio objetivo, que era formular propostas de polí-ticas estruturais de comum acordo entre empresários,governo e trabalhadores. A dificuldade de preservar umespaço como o da câmara estrutural, de caráter mais abran-gente, evidenciou os limites deste tipo de participação insti-tucional à época de término do governo Itamar, com predo-minância de posições mais ligadas a soluções de mercado,expressas pela então denominada equipe econômica, e queviam nesses possíveis acordos “conluios de atores podero-sos” contra os já escassos recursos fiscais.

Mercosul – As discussões ocorridas nos diversos gru-pos de trabalho que compõem o Mercosul têm exigidodo movimento sindical não somente participação nasinstâncias de discussão e deliberação, como tambémuma articulação permanente com o movimento sindi-cal dos demais países que formam o bloco. A formula-ção e a tentativa de implementação das cláusulas so-ciais do Mercosul têm canalizado um significativo fluxode energias do movimento sindical brasileiro, no sen-tido, inclusive, da busca de um consenso interno sobreas questões que dizem respeito mais diretamente aosinteresses dos trabalhadores dos quatro países envol-vidos. Embora a dinâmica de funcionamento dos gru-pos de trabalho do Mercosul nem sempre seja regular,sendo por vezes atropelada pelos interesses mais ge-rais das relações comerciais entre os países, é lícitoprojetar esse fórum com importância crescente no con-junto da participação institucional do movimento sin-dical brasileiro nos próximos anos.

Formação Profissional – Um dos temas mais atuais e re-correntes nos fóruns institucionais de que o movimentosindical participa é o da formação profissional. Esta ques-tão tem sido objeto não apenas de formulações de diretri-zes estratégicas nas instâncias máximas do movimentosindical – congressos das centrais, por exemplo – e nasdiscussões do Codefat, comissões estaduais e municipaisde emprego e no âmbito do Planfor – Plano Nacional deEducação Profissional, mas também de iniciativas de ela-boração e realização de programas de formação profis-

sional pelos sindicatos, federações, confederações e daspróprias centrais sindicais. Ainda com relação a esse tema,o movimento sindical tem participado da formulação eimplantação de algumas experiências inovadoras, a exem-plo do Observatório do Emprego e da Formação Profis-sional no Estado de São Paulo e do Observatório do Mer-cado de Trabalho no Mercosul.

Um dos mais polêmicos conceitos presente no debatedos trabalhadores sobre educação e formação profissio-nal é o de empregabilidade. A preocupação fundamentalcom a utilização desse conceito é evitar a transferênciaideológica para o trabalhador, no plano individual, daresponsabilidade social pela obtenção de seu emprego,como se não houvesse responsabilidade do Estado e dasociedade na execução de políticas ativas de emprego e,particularmente, como se não houvesse relação entre ageração de emprego e definição de uma política de cres-cimento econômico.

Negociações Capital-Trabalho

É interessante destacar que os novos temas tratados nosfóruns institucionais não estão desvinculados daqueles quetêm sido introduzidos nas relações capital-trabalho emfunção da adoção dos parâmetros da reestruturação pro-dutiva pelas empresas. Assim, a questão do emprego, tra-tada no âmbito do Sistema Público de Emprego, doCodefat, das comissões estaduais e municipais de empre-go, do PBQP, do Pacti, aparece no patamar das negocia-ções capital-trabalho de outra forma, como, por exemplo,através da negociação de redução da jornada de trabalhoou da flexibilização do tempo anual de trabalho atravésdo banco de horas. O tema da formação profissional, tal-vez o de maior centralidade no atual debate sobre o mer-cado de trabalho, tem sido objeto freqüente de discussãonas mesas de negociação, embora poucas contrataçõestenham sido realizadas no período recente.

A redução dos encargos sociais, brandida pelos em-presários como imprescindível ao incremento de empre-gos, tem surgido como proposta para discussão nas me-sas de negociação entre empresários e sindicatos, damesma maneira que as questões relacionadas à flexibili-zação da regulação das relações de trabalho e das estru-turas de negociação. Nestes casos, ressalte-se, qualqueralteração depende de mudanças na legislação, objeto,obviamente, de deliberação do Congresso Nacional.

O reconhecimento legal da representação sindical nasnegociações de participação nos lucros e resultados, de-cidido recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, alémde incorporar na agenda das negociações o tema da re-muneração variável, amplia o espaço de negociação emdireção à empresa. Assim, o raio da negociação sindical

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se expande tanto em direção aos fóruns institucionaisquanto às empresas. Embora a campanha anual de data-base, visando o conjunto da categoria, ainda tenha fortepeso na ação sindical, hoje concorre em importância coma negociação institucional e com a negociação por em-presa.

PARTICIPAÇÃO SINDICAL NASPOLÍTICAS PÚBLICAS

O processo de democratização no Brasil, ao resultarna abertura de novos canais de participação dos diversossegmentos de expressão na sociedade, refletiu um duplomovimento. De um lado, desenvolveu-se um forte e am-plo movimento sindical, que chegou ao primeiro planocom as grandes greves do final dos anos 70 e se desdo-brou por todo o país, ao mesmo tempo em que se multi-plicaram e se expandiram movimentos populares e sociais,centrados nas lutas dos trabalhadores, de minorias, emtorno de temas determinados, etc. Esse crescimento daslutas sociais e da organização e da consciência que asacompanhavam representou uma pressão social e políti-ca, um conjunto de reivindicações, exigências e propos-tas que não poderiam ser reprimidas ou ignoradas pormuito tempo.

De outro lado, as forças políticas, sociais e econômi-cas dominantes foram progressivamente percebendo –embora não todas, nem do mesmo modo – a necessidadede se abrir espaços que permitissem a expressão das de-mandas sociais, no interior do aparelho de Estado e, con-seqüentemente, a participação institucional dos traba-lhadores, ao lado de empresários e o governo. Foiprincipalmente por esse motivo que, por exemplo, apóstrês anos de trabalhos, os empresários e ministros chega-ram à conclusão de que o PBQP não iria adiante sem ainclusão dos trabalhadores, através das centrais sindicaise do Dieese, de modo a constituir-se um espaço tripartitede negociação.

Parece evidente que sem a pressão do movimento sin-dical e dos demais movimentos sociais, o processo dedemocratização não incluiria a participação dos trabalha-dores em negociações dentro desses espaços institucio-nais de caráter público. E, ainda, sem a atuação do movi-mento sindical no interior dessas instituições – e aampliação da pauta de discussões e decisões dentro domovimento sindical –, como base para a ação institucio-nal, os temas de maior interesse para os trabalhadores nãoentrariam nas negociações ou seriam abordados unicamen-te do ponto de vista empresarial.

Isso pode ser visto claramente no caso do tema doemprego. De modo geral, os temas incluídos nos espaçosde negociação abertos no interior do aparelho de Estado

são determinados não pelos trabalhadores e seus interes-ses, mas sim pela dinâmica do capitalismo no Brasil, que,na maioria das vezes, se expressa através dos interesses eintervenções dos empresários e do governo. É o caso, porexemplo, dos trabalhos do PBQP e do Pacti, entre outros.A tendência, nessas negociações, é encarar as demissõesdecorrentes do processo de reestruturação das empresascomo um mal necessário, como o custo da transição paraum período mais favorável sob a ótica da competitivida-de, da redução de custos das empresas. A presença dascentrais sindicais e do Dieese, nesse caso, foi decisiva paraa inclusão do tema do emprego como um dos principaiseixos do PBQP.

A própria questão do emprego, no entanto, é a quemelhor revela os limites da participação institucional.Tornando-se eixo do PBQP, por pressão dos representan-tes dos trabalhadores, o tema possibilitou a estruturaçãodo PCDA, visando a qualificação dos trabalhadores paraa abordagem da reestruturação produtiva. Mas, nem porisso, o atual governo alterou sua política econômica, quenão ataca o problema do desemprego no país.

As expectativas do movimento sindical quanto aos re-sultados finais da participação institucional, via centraissindicais e Dieese, situam-se no campo específico dosfóruns dos quais participa. Evidentemente, a condução dapolítica macroeconômica, que define os rumos gerais doprocesso de desenvolvimento, e que, portanto, define oformato de temas de maior interesse dos trabalhadores,como o do emprego, não está aberta à negociação nosatuais fóruns. Portanto, a participação institucional, paraganhar maior eficácia, depende da capacidade de inter-venção e pressão do movimento sindical e dos outrosmovimentos sociais, na vida da sociedade, no conjuntodas lutas sociais. Assim, a abordagem do tema nos diver-sos fóruns institucionais e os conseqüentes desdobramen-tos na ação sindical, conjugados à tensão social e aosmovimentos que vêm crescendo contra o desemprego,podem induzir o governo a fazer concessões e, talvez, maisadiante, a rever sua política econômica.

CONCLUSÃO

Este artigo procurou mostrar dois movimentos aparen-temente contraditórios e ambíguos na trajetória do movi-mento sindical no Brasil, especialmente nos anos 90.

Por um lado, resultado das mudanças da base materialda economia e do mercado de trabalho a partir de 1990, abase de representação e atuação do movimento sindicalfoi e continua sendo bastante afetada. As principais mu-danças a destacar foram: o pequeno crescimento do PIBper capita, a queda do patamar inflacionário a partir de1994, a diminuição do emprego regular e regulamentado

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entre 1989 e 1996, a elevação do patamar de desemprego(praticamente dobrou em relação ao final dos anos 80), ocrescimento do nível médio de escolaridade dos trabalha-dores com vínculos formais, a redução da taxa de rotati-vidade, o aumento da participação de empregos em esta-belecimentos menores, a elevação do tempo médio depermanência no emprego, além da mudança radical nacomposição setorial do emprego, com perda da impor-tância relativa da indústria no nível global de emprego eo correspondente aumento da participação do setor deServiços, ainda que alguns segmentos deste setor, comobancários, por exemplo, tenham diminuído sua participa-ção relativa.

Essas mudanças colocaram para o movimento sindi-cal novas questões, que afetaram significativamente aforma de atuação do período de ascensão contínua daexpressão política desse ator social (final dos anos 70 edécada de 80). Também não ocorreram, até os anos 90,dificuldades de financiamento da estrutura sindical, quese beneficiou da elevação do nível de emprego formal,do aumento da taxa de sindicalização e do maior prestí-gio conquistado na luta pela democratização do país.

Apesar da década de 80 ter sido conhecida como adécada perdida, sobretudo em função dos elevados níveisde inflação e da estagnação da renda per capita, a açãosindical foi extremamente importante para impedir que oprocesso inflacionário diminuísse ainda mais o poder aqui-sitivo dos salários e agravasse a já injusta distribuição derenda no Brasil.

O sindicalismo dos anos 90 já não se caracteriza so-mente pela mobilização em torno das negociações de data-base, dos reajustes salariais e das greves massivas de ca-tegoria, verificadas durante o período de ascensão. O papeldo sindicato vai sendo redefinido pelo surgimento de umanova agenda de questões, como desemprego, participa-ção nos lucros e resultados, remuneração variável, pro-dutividade, flexibilização das normas reguladoras dasrelações capital-trabalho, reestruturação das empresas edos setores, reforma do Estado, privatização, redução eflexibilização da jornada de trabalho, abertura da econo-mia, integração regional, questões de gênero, trabalhoinfantil, entre outras. Na área rural, o avanço da reformaagrária e o fortalecimento da pequena propriedade vin-culam-se mais do que nunca aos temas da área urbanaatravés, principalmente, da questão do emprego. Uma novaagenda sindical está posta, com a ampliação do lequetemático, ao mesmo tempo em que diminuem as condi-ções de seu enfrentamento pelo gradativo enfraquecimentoda base material de representação e atuação.

Paralelamente, e até contraditoriamente, avança a açãosindical no plano institucional nos anos 90, com maiorparticipação no espaço das políticas públicas (Quadro 1).

É crescente a ação do movimento sindical na busca deinfluenciar a definição e a execução de políticas públicas(nos campos econômico e social). A dificuldade de com-binar a ação cotidiana das entidades sindicais mais próxi-mas dos trabalhadores de base (notadamente os sindica-tos) – que enfretam uma nova agenda e uma escassezcrescente de recursos – com a participação institucional,quase sempre conduzida pelas entidades de cúpula, im-pede, muitas vezes, a efetiva compreensão dos limites epossibilidades dessa atuação. Avaliações de burocratiza-ção, adesão, cooptação – ainda que possam refletir prin-cípios contrários ao processo de participação institucio-nal por parte do movimento sindical – são feitas a partirdos limites intrínsecos à atual ação institucional e da suaincapacidade de reverter os indicadores mais expressivospara o movimento sindical, quais sejam: o nível de em-prego regular e regulamentado, o nível de salário real, opatamar dos pisos salariais e do salário mínimo e o nívelde sindicalização. Em suma, a melhoria da distribuiçãode renda e das condições de vida dos trabalhadores.

Esses indicadores somente serão revertidos, a curtoprazo, com um patamar de crescimento econômico bemsuperior ao atual. A reversão da tendência ao enfraqueci-mento do movimento sindical é um desafio enorme dian-te do quadro descrito. A estratégia sindical, para ser bem-sucedida, deverá combinar vários planos de atuação (nabase e no plano institucional), reforçando ou introduzin-do na agenda da sociedade temas de interesse coletivo(crescimento econômico, emprego, entre outros), lidan-do com o surgimento de um “novo” trabalhador, maisqualificado, com anseios e valores individuais que podemaproximá-lo mais dos objetivos da empresa. Será possí-vel chegar lá?

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected]; [email protected]

1. Registre-se, por exemplo, a participação de representantes dos trabalhadoresno Conselho Monetário Nacional.

2. A respeito do sindicalismo brasileiro nos anos 80, ver Sader (1988); Barelli(1990); Noronha (1994); Boito Jr. (1991) e Antunes (1991).

3. Sobre o sindicalismo nos anos 90, ver Pochmann (1996a); Oliveira (1996);Leite (1997) e Dieese, (1994).

4. Entre 1980 e 1989, o PIB per capita cresceu 1,8% (15,9% em 1984-89) e 1,4%nos anos 1990-96 (11,7% em 1993/96).

5. Para melhor entendimento, ver Mattoso e Baltar (1996); Dieese (1994) ePacheco e Pochmann (1997).

6. A situação recente do emprego nacional pode ser encontrada em: Baltar (1996);Cacciamali (1996) Singer et alii (1996) e Pochmann (1996b).

7. A respeito das mudanças setoriais do emprego, consultar Pacheco (1992);Montagner (1996) e Pero (1995).

8. Participavam três representantes dos trabalhadores, através da Contag – Con-federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, CNTI – Confederação Na-cional dos Trabalhadores na Indústria e CNTC – Confederação Nacional dos Tra-balhadores no Comércio.

9. No Quadro 1, foram relacionados 41 fóruns de participação institucional. Aescolha desses espaços se deu pela relação com os temas mais diretamente liga-

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AÇÃO SINDICAL NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS

dos à nova agenda sindical, além daqueles em que o Dieese teve participaçãodireta.

10. O movimento sindical, a partir de 1996, tem dois representantes no Conse-lho de Administração do BNDES.

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NOTAS SOBRE A CRISE DO NOVOSINDICALISMO BRASILEIRO

MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA

Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp

o início desta década já estava claro que o mo-vimento sindical brasileiro começaria a enfren-tar um momento de relativa perda de dinamis-

mo depois de atravessar um período de crescimento semprecedente na história das lutas sociais do país. Desde ofinal dos anos 80, eram evidentes os sinais de cansaço dochamado novo sindicalismo,1 que até então vinha demons-trando uma enorme capacidade de mobilização e um gran-de sucesso em forjar um novo projeto político e organiza-tivo da classe trabalhadora, traduzido no surgimento daCUT. Mas não eram poucas nem desprezíveis as razõesdessa perda de dinamismo.

Nunca é demais lembrar que o novo sindicalismo emer-giu e cresceu em meio a uma crise prolongada e aguda, queao mesmo tempo estimulou a ação sindical e restringiu osseus resultados. As demandas sociais reprimidas pelo re-gime militar começaram a vir à tona em meados da déca-da de 70, na confluência da “crise do milagre” com o pro-cesso de “transição conservadora”, e na década seguintecontinuou a persistir um cenário de crise econômica epolítica. Essa configuração singular gerou um ambientesocial altamente explosivo, mas também criou sérios obs-táculos à atividade sindical.

Se esse novo sindicalismo se diferenciava das práticassindicais do passado pela juventude de seus quadros, pelasua presença marcante nos setores mais modernos da eco-nomia, pela sua grande disposição de luta, entre outrascoisas, ele também não deixava de ser uma manifestaçãotardia. Em outras palavras, sua existência só foi possívelgraças às transformações econômicas e sociais que tive-ram lugar a partir da segunda metade deste século e queforam responsáveis pelo aparecimento de uma nova clas-se trabalhadora, numerosa e diversificada, cuja trajetóriapolítica foi no entanto interrompida pelo golpe de 64.

O contexto de crise e transição não só criou as condi-ções para o ressurgimento dos trabalhadores na cena po-lítica, como também propiciou que estes passassem adesempenhar um papel central no processo de redemo-cratização. Além disso, a mobilização sindical foi favo-recida pela conjuntura dos anos 80, quando, na maior partedo tempo, conjugaram-se altas taxas de inflação e níveisrelativamente baixos de desemprego. Tal situação aca-bou levando à sobrevalorização das novas práticas sindi-cais, obscurecendo a importância do ciclo de crescimen-to que estava na raiz dessa expansão da atividade sindical,cujos limites tornar-se-iam evidentes depois do esgota-mento do modelo de substituição de importações.

Da mesma maneira, se era forte a tendência de rompi-mento com o modelo sindical corporativo, a reorganizaçãodos trabalhadores ocorreu por dentro da estrutura sindicaloficial, quer por se tratar do único instrumento legal dispo-nível num contexto de exceção, quer pela importância damáquina sindical na arregimentação dos trabalhadores, querenfim pelo fato de o sindicato constituir um espaço efetivode representação dos interesses dos trabalhadores. Ainda quetenha ocorrido uma ruptura parcial com a tradição corpora-tivista, também aí havia uma clara linha de continuidade comas práticas sindicais do passado.

Esses problemas, que estavam de certa forma presen-tes desde a origem do novo sindicalismo, começaram aganhar contornos mais claros justamente no final da dé-cada de 80, quando se evidenciaram os avanços e os li-mites do novo sindicalismo e os impasses políticos e or-ganizativos que tenderiam a prevalecer na nova década.Nos balanços que naturalmente se seguiram ao final demais uma década, muitos desses aspectos foram exausti-vamente explorados pelos analistas do movimento sindi-cal (Barelli, 1990; Oliveira, 1991 e Rodrigues, 1991).

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NOTAS SOBRE A CRISE DO NOVO SINDICALISMO BRASILEIRO

OS AVANÇOS E OS LIMITES DO MOVIMENTOSINDICAL

O primeiro deles foi a mudança no cenário político.Com a vitória de Fernando Collor nas eleições presiden-ciais de 1989, o processo de transição teve um desfechoconservador. O fim da transição coincidiu também com oagravamento da crise econômica e social que vinha se ar-rastando por mais de uma década e que começaria a serequacionada com base numa agenda neoliberal. Se nopassado os sindicatos sustentavam suas demandas numaagenda negativa, que se confundia com o programa dafrente de oposição ao regime militar, a partir de então al-terava-se o contexto das lutas sociais e começava a seimpor a necessidade de uma agenda positiva.

A urgência de um projeto alternativo para combater aofensiva neoliberal era porém contrastada por uma sériede problemas, tais como a crise dos paradigmas clássicosque historicamente tinham pautado a atuação dos setoresprogressistas, as dificuldades dos partidos de esquerda paraformular respostas globais à crise que servissem de refe-rência à ação sindical e os primeiros sinais de fragilidadepolítica e organizativa do movimento sindical. A conju-gação de fatores tão adversos, numa conjuntura mais ad-versa ainda, fez com que os observadores mais atentosvislumbrassem um cenário de grandes dificuldades paraos sindicatos, no qual tenderiam a prevalecer as estraté-gias defensivas.

O segundo aspecto revelado por essas análises diziarespeito ao papel das greves e mobilizações sindicais. Atéaquele momento, elas tinham sido muito mais do que uminstrumento de pressão circunscrito ao âmbito das rela-ções de trabalho, representando a principal forma de lutados trabalhadores e se confundindo com o esforço demobilização social pela redemocratização do país. A gre-ve tinha ainda desempenhado um papel estratégico nareorganização sindical e integrava o imaginário socialcomo um símbolo de coragem e disposição de luta dostrabalhadores. Porém, no início dos anos 90, já eram vi-síveis os sinais de declínio do movimento grevista.

Não só começou a cair o número de greves e grevis-tas, como também a “explosão grevista” passou a ser con-frontada com os seus resultados materiais. As própriasbases sindicais já não demonstravam a mesma sensibili-dade aos apelos de suas lideranças em favor das paralisa-ções e a população já começava a se cansar com a inter-ferência das greves no seu dia-a-dia. Ainda que tivessemperdido o seu “caráter de excepcionalidade”, parecia di-fícil imaginar que as greves tornar-se-iam um “instrumentonormal dos conflitos do trabalho” (Noronha, 1994) e oque se podia prever, no novo cenário político que se de-senhava, era uma queda ainda mais expressiva nos indi-

cadores de greve sem que isso representasse o fim da exa-cerbação dos conflitos trabalhistas.

O terceiro aspecto importante referia-se aos problemasorganizativos do novo sindicalismo, expressos sobretudona trajetória da CUT. A revitalização da estrutura sindi-cal oficial pesou decisivamente na reorganização do mo-vimento sindical. Essa revitalização, traduzida no reen-contro dos sindicatos com suas bases e no resgate de seupapel como instrumento de representação coletiva, foiacompanhada pelo surgimento de novos sindicatos, peloaumento na taxa de sindicalização, pela livre organiza-ção dos servidores públicos, pelo aparecimento de um sin-dicalismo de alcance nacional e pela criação das centraissindicais.

Esse avanço no plano organizativo não escondia po-rém alguns problemas que prometiam se intensificar de-pois do arranjo institucional promovido pela Constitui-ção de 1988: a tendência à fragmentação e pulverizaçãosindical, com o surgimento de sindicatos frágeis e poucorepresentativos; a debilidade da organização nos locaisde trabalho, com o predomínio de sindicatos de “porta defábrica”; o predomínio de formas plebiscitárias de con-trole dos organismos de cúpula pelas bases; e a dualidaderefletida na existência de estruturas horizontais de cúpu-la regidas pelo princípio da autonomia, mas alicerçadasem sindicatos oficiais de bases. Tais problemas davam aexata medida do grau de acomodação do novo sindicalis-mo ao modelo sindical corporativo.

O último aspecto que mereceu destaque foi a tendên-cia geral das negociações coletivas. Ao longo de mais deuma década, a prática de todo o movimento sindical teveum caráter reativo. Sob o tom mais ou menos inflamadodas lutas sindicais, prevaleceu uma ação de cunho defen-sivo, voltada à reposição das perdas salariais, à garantiado emprego nas conjunturas recessivas, ou à ampliaçãode direitos políticos e sociais. Essa ação foi comandadapelos sindicatos mais fortes, que muitas vezes consegui-ram irradiar suas conquistas para os setores mais frágeis,como no caso da redução da jornada de trabalho para 44horas, obtida pelos trabalhadores metalúrgicos e que aca-bou consagrada pelo novo texto constitucional.

Porém, a grande capacidade de pressão e negociaçãonão trouxe mudanças substantivas quanto à participaçãodos salários na renda nacional, ainda que tenha impedidoa ocorrência de maiores perdas. Apesar também do resta-belecimento da negociação coletiva, não houve a institu-cionalização das novas práticas por meio da adoção denovos instrumentos de negociação coletiva, predominan-do a “cultura do dissídio”. Além disso, a influência dostrabalhadores nas reformas políticas e sociais foi bem maismodesta, ainda que não tenham sido desprezíveis as con-quistas sociais inscritas na Constituição de 88 e a sua pre-

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sença no cenário nacional. De qualquer forma, essas con-quistas sociais e os avanços no terreno da negociaçãocoletiva logo seriam confrontados com as metas de des-regulamentação e flexibilização das relações de trabalho.

A TRAJETÓRIA SINDICAL NOS ANOS 90

O ingresso nos anos 90 parecia reservar sérias dificul-dades para o movimento sindical. Desde então, intensifi-caram-se as adversidades no plano político, sem que ossetores de esquerda tenham conseguido forjar uma alter-nativa real de poder; a disposição para a realização degreves e mobilizações arrefeceu ainda mais diante dasbaixas taxas de crescimento e do aumento do desempre-go; a prática da negociação coletiva perdeu espaço paraa defesa do emprego, por conta do cenário econômico eda ausência de política salarial; e os problemas organi-zativos do movimento sindical desdobraram-se em umacrise interna que chegou a paralisar a CUT, a mais im-portante organização sindical do país.

A partir do governo Collor, a agenda neoliberal pas-sou a orientar as iniciativas reformadoras do poder públi-co e a subordinar as estratégias de sobrevivência dos se-tores empresariais em um cenário econômico de crescenteincerteza e competitividade. A liberalização comercial in-discriminada, a privatização a qualquer custo e a tentati-va de desregulamentação dos direitos sociais acabaramsendo interrompidas pelo impeachment – episódio no qualos sindicatos tiveram papel importante –, mas foram re-tomadas com maior ímpeto pelo governo de FernandoHenrique Cardoso, que, por sua vez, passou a subordinartoda a política econômica ao controle da inflação.

A abertura comercial trouxe a quebra de setores do-mésticos sem condições de competir com os produtosimportados e fomentou um ajuste competitivo espúrio pormeio da eliminação de postos de trabalho, o que foi favo-recido pelo fato de a reestruturação ter tido início em meioa uma recessão. As mudanças na economia durante os anos90 afetaram ainda mais o mercado de trabalho, provo-cando a perda de mais de 1 milhão de empregos na indús-tria, com impacto direto sobre quase todas as categoriasprofissionais mais bem organizadas. Houve ainda umamigração de empregos para setores com um menor graude organização sindical, como é o caso do comércio, afe-tando assim as bases tradicionais dos sindicatos.

Essas tendências foram aprofundadas pelo Plano Real,pois, ao se optar por uma via de estabilização com basena sobrevalorização cambial, na elevação das taxas dejuros e na aceleração da abertura comercial, agravou-se asituação do mercado de trabalho, sobretudo no que dizrespeito à geração de empregos formais e à precarizaçãode parte da população ocupada, com o conseqüente cres-

cimento do trabalho autônomo e do assalariamento semcarteira. O problema do emprego passou, assim, a ocuparo lugar até então reservado à questão salarial, cuja perdarelativa de importância deveu-se também à ausência de-liberada de uma política salarial.

Entretanto, enquanto no início da década os sindicatosencontraram nas câmaras setoriais um caminho para ne-gociar as condições de reestruturação de setores impor-tantes como a indústria automobilística, tornando públi-cas, ao máximo, suas ações e articulando suas demandascorporativas com uma política industrial para o setor, sobo governo atual não somente foi afastada de vez a possi-bilidade de retomada das câmaras setoriais, como se pas-sou de uma tentativa relativamente bem-sucedida de ne-gociação tripartipe para uma ação deliberada no sentidode restringir à órbita privada as negociações entre empre-sários e trabalhadores.

O que se observa hoje, portanto, é uma inflexão naagenda sindical, com a questão salarial cedendo lugar àquestão do emprego, cuja importância vem crescendo namesma medida do aumento dos índices de desemprego.Ao lado disso, vêm ganhando mais espaço temas como aparticipação nos lucros e resultados da empresa, a flexi-bilização da jornada de trabalho, a redução de benefíciossociais, a formação profissional, ainda que as mudançasmais significativas estejam ocorrendo apenas nas catego-rias mais importantes, como metalúrgicos, bancários,químicos, entre outros.

Contudo, a área de incidência desses temas é a empre-sa, em que a organização sindical sempre foi débil. Issonão significa que caminha-se irrestritamente para a ne-gociação por empresa. A rigor, as negociações continuama depender da configuração de cada setor, do grau prévio deorganização dos trabalhadores e das práticas de negociaçãopreexistentes. Isso também não quer dizer que os saláriosdeixaram de ter importância, mas sim que as demandassalariais dependem cada vez mais dessas mesmas variá-veis, tendendo a se diluir nas metas de produtividade,participação nos lucros, etc.

Outro tema de grande relevância é a reforma da legis-lação trabalhista. Como se sabe, pouco se avançou nessesentido até agora, além da organização de fóruns e co-missões de trabalho e de algumas iniciativas no âmbitodo poder legislativo. Mesmo assim, houve uma mudançano debate sobre a reforma do sistema corporativo de re-lações de trabalho em proveito da desregulamentação dosdireitos sociais e da flexibilização das relações de traba-lho. Essas teses estão sendo favorecidas por iniciativaspontuais, como no caso do projeto de lei sobre contratotemporário, com um claro sentido desregulamentador.

Nesse âmbito, o que está em pauta é alterar a legisla-ção sobre direitos individuais ou reduzir a proteção so-

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NOTAS SOBRE A CRISE DO NOVO SINDICALISMO BRASILEIRO

cial ao que seja politicamente possível, mantendo ouampliando a legislação trabalhista coletiva para restrin-gir a ação sindical, a negociação coletiva e o direito degreve. Ou seja, enquanto cresce a pressão no sentido deque sejam eliminadas as formas de intervenção do Esta-do no âmbito do direito individual do trabalho, aumentatambém, mas em sentido contrário, a pressão pela restri-ção do poder sindical.

Em um cenário adverso como esse, não são poucas asdificuldades enfrentadas pelo movimento sindical, que tembuscado promover negociações por empresa que comple-mentem as convenções coletivas. Nas palavras do atualdiretor técnico do Dieese, “ainda que as lideranças sindi-cais posicionem-se claramente por um sistema centrali-zado e articulado no campo das negociações, a base ma-terial da economia e do mercado de trabalho (...) pressionaem outra direção: enfraquecimento do movimento sindi-cal, fragmentação da estrutura, pulverização das negocia-ções” (Mendonça, 1997).

Além disso, há o risco de uma multiplicidade de situa-ções, refletindo a heterogeneidade e a segmentação do pró-prio mercado de trabalho, e do aumento da distância entreos setores organizados e mais dinâmicos, situados nos nú-cleos modernos da indústria, e aqueles mais fragilizados, combaixa capacidade de representação e pouca ou nenhuma pre-sença nos locais de trabalho. Esse distanciamento, por suavez, reforçaria a tendência já presente de enfraquecimentodos sindicatos na regulação do mercado de trabalho.

A CRISE DO NOVO SINDICALISMO

O que se pode deduzir do quadro até aqui apresentadoé que as tendências atuais de enfraquecimento do movi-mento sindical, de fragmentação das formas de represen-tação e de pulverização das negociações coletivas encon-tram um caldo de cultura muito propício à sua reprodução.Elas se agravaram com os processos recentes de reestru-turação produtiva e de estabilização econômica, mas dealguma forma já se encontravam na origem do novo sin-dicalismo e conformaram em larga medida as escolhasestratégicas dos sindicatos brasileiros nos últimos 20 anos.

A crise em que os sindicatos estão agora mergulha-dos não decorre, portanto, de um processo inexorável dereestruturação produtiva ao qual os trabalhadores devemse ajustar rapidamente – ainda que a reestruturação sejaum problema real que não pode ser desprezado. Ela reve-la toda a dimensão dos impasses acumulados no amploesforço de reorganização do movimento sindical em meioa um cenário político e econômico marcado pela crise ecujo desfecho está se desenhando no atual ciclo de mo-dernização conservadora, que parece reiterar os proble-mas de origem do novo sindicalismo.

A par desse problema, há uma crise interna no movi-mento sindical, que guarda estreita relação com a tendênciaprogressiva de acomodação de todas as correntes sindi-cais ao sistema corporativo. Essa acomodação, voluntá-ria ou involuntária, foi acompanhada por uma rivalidadecrescente entre várias correntes ideológicas. Para além dasdisputas entre as centrais sindicais, que no início destadécada já haviam delimitado suas áreas de influência, cres-ceram as guerras internas em cada uma delas, envolven-do, basicamente, o controle dos sindicatos de categorias.

No caso da CUT, para quem a luta ideológica é umtraço distintivo de seu projeto político, essa disputa foiencoberta pelos apelos retóricos em favor da maior oumenor radicalização dos trabalhadores. Porém, apesar doesforço considerável que ela vem realizando para implan-tar o seu modelo organizativo, os sindicatos de catego-rias continuam a ser a sua principal fonte de poder. Mui-tas vezes, derrotados seus rivais das CGTs e da ForçaSindical, crescem as disputas entre os próprios membrosda CUT pelo controle da máquina sindical.

Diante do pequeno número de organizações nos locaisde trabalho e da limitação da participação direta das ba-ses às campanhas salariais e às eleições sindicais, o do-mínio dos sindicatos por essa ou aquela corrente tem le-vado rapidamente ao surgimento de uma nova burocracia,mais preocupada com os pequenos privilégios e a perpe-tuação no poder. A organização nos locais de trabalho estárestrita a um número reduzido de empresas e não tem seirradiado para o conjunto do movimento sindical, nãoapenas devido à repressão patronal ou à ausência de le-gislação eficaz, mas também pelo afrouxamento dos sin-dicatos, que temem ver colocada em xeque a sua repre-sentatividade.

Outro problema decorre da rapidez com que muitosquadros sindicais com expressão nos locais de trabalhoforam ou estão sendo guindados às diretorias sindicais e,logo depois, à vida partidária, um traço comum na relaçãoentre a CUT e o PT. Isso provocou um hiato entre a pri-meira geração de dirigentes, que fizeram da luta pela li-berdade e autonomia sindical uma questão estratégica, eas novas gerações, que foram beneficiadas pela democra-tização parcial dos sindicatos e já não consideram o siste-ma corporativo um sério obstáculo à prática sindical.

O mesmo se pode dizer do licenciamento de delega-dos sindicais, que passou a figurar como tema da pautasindical. Depois de enfrentar toda ordem de conflitos emsuas empresas, o patronato preferiu ver as novas lideran-ças circunscritas aos sindicatos oficiais, mas longe doslocais de trabalho. Hoje, se forem consideradas a enormerotatividade de mão-de-obra, as mudanças no chão defábrica e as tendências recentes do mercado de trabalho,esses dirigentes correm cada vez mais o risco de se dis-

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tanciar de suas bases e de passar a falar para uma catego-ria alheia à prática sindical.

Essas distorções, reforçadas pelos critérios de escolha dedelegados às instâncias deliberativas da CUT, estenderam-se às suas estruturas horizontais e verticais com a ascensãode quadros com pouca representatividade, mas que passa-ram a assumir posições de comando por força de seus laçospolíticos. Artificialmente projetados no cenário nacional,esses quadros contribuíram para enfraquecer uma organiza-ção já débil e reproduziram na Central os seus vícios de ori-gem, chegando até mesmo a se opor, nem sempre de formaexplícita, ao fim do sistema corporativo.

Se não há dúvida de que a defesa pela CUT da organi-zação nos locais de trabalho, da fusão e criação de sindi-catos por ramos, da criação de federações e confedera-ções, do contrato coletivo articulado e mais recentementedo sindicato orgânico dependem de profundas mudançasinstitucionais, elas também exigem uma repactuação depoder entre os próprios sindicatos e as suas lideranças.Isso abalaria a posição e o prestígio de muitos dirigentes,sobretudo daqueles ligados a correntes minoritárias e semrepresentatividade de fato. Porém, sem uma coalizão quepermita transpor na prática as imposições da lei, como sefez no passado, as mudanças dificilmente caminharãonesse sentido.

Ainda que as situações da CGT-Central, da CGT-Con-federação e da Força Sindical pareçam muito distintas,uma vez que nunca se caracterizaram pela defesa de umprojeto alternativo ao sistema corporativo de relações detrabalho, esses problemas também são notados em suasfileiras, obviamente sem o colorido das disputas ideoló-gicas. Para a CUT, eles assumem porém uma dimensãosingular, pois o seu projeto político sempre esteve anco-rado na idéia de um novo modelo sindical que dotasse ossindicatos de instrumentos capazes de ampliar a sua au-tonomia política e organizativa e as conquistas sociais.

O fato é que o sindicalismo brasileiro no seu conjuntocontinua a pagar tributo à tradição corporativa, encontran-do fortes resistências em suas fileiras à adoção de um novosistema de relações de trabalho. Há setores (patronais ede trabalhadores) que sobrevivem apenas graças aohibridismo do atual sistema de relações de trabalho. Mes-mo no caso dos adeptos de uma reforma global, são gran-des as resistências às mudanças. Seja como for, essa novaburocratização contribui hoje para desarmar os sindica-tos no enfrentamento dos processos de reestruturação pro-dutiva e do desemprego estrutural.

CONCLUSÃO

Ao valorizar as relações individuais em detrimento dascoletivas e ao inviabilizar o pleno exercício da liberdade

sindical, inclusive a organização nos locais de trabalho,o sistema corporativo pode favorecer indiretamente astendências atuais de descentralização da negociação co-letiva. Como a empresa é o lugar privilegiado das inova-ções tecnológicas e organizacionais e os sindicatos estão,na sua maioria, fora dos locais de trabalho, estaria abertoo caminho para as soluções unilaterais no plano local,mesmo que continuem a existir obstáculos legais à nego-ciação coletiva por empresa.

As metas empresariais de flexibilização não estão en-frentando, portanto, fortes obstáculos no plano das rela-ções de trabalho. De certa forma, essas metas são facili-tadas pela inexistência ou baixa eficácia dos mecanismosde contratação coletiva nos planos local, setorial e nacio-nal. Dentro da atual via de “modernização restringida econservadora”, o sistema de relações de trabalho não pre-cisará sofrer grandes mudanças, bastando promover a al-teração daqueles aspectos que vão de encontro às metasde flexibilização e que se referem basicamente aos direi-tos individuais.

A idéia de que os trabalhadores poderão resistir ao atualcontexto de crise e mudança por intermédio do sistemacorporativo é insustentável e não afasta o risco de esva-ziamento de suas organizações e de uma maior perda dedinamismo do movimento sindical. Mesmo que dê mar-gem à preservação da máquina sindical e à sobrevivênciaformal dos sindicatos, isso seria ineficaz diante das mu-danças recentes no mercado de trabalho e no perfil dostrabalhadores, podendo ampliar a distância entre os or-ganismos de cúpula e os locais de trabalho, o que reduzi-ria ainda mais o poder de resistência e negociação e a par-ticipação institucional dos sindicatos.

Essa situação torna-se ainda mais grave quando se con-sidera que no centro do debate sobre a reforma do siste-ma corporativo estão as iniciativas de desregulamentaçãodos direitos sociais e de flexibilização das relações de tra-balho – disseminadas no meio empresarial e promovidaspelo poder público –, diante das quais os sindicatos serãocada vez mais desafiados a rever sua agenda e a transcen-der o âmbito exclusivo das relações de trabalho para en-contrar as saídas que permitam manter e ampliar sua basede sustentação, seu poder de representação e suas con-quistas sociais, sem o que a democratização das relaçõesde trabalho continuará a ser pura ficção.

NOTAS

1. O termo “novo sindicalismo” foi utilizado originalmente pelos historiadoresdo movimento operário para distinguir as Industrial Unions dos sindicatos tradi-cionais de ofício na Inglaterra. Neste artigo ele é utilizado para aludir às mani-festações sindicais surgidas no Brasil a partir de meados da década de 70, sem apretensão de estabalecer qualquer relação conceitual com aquelas manifestaçõesdo movimento operário.

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NOTAS SOBRE A CRISE DO NOVO SINDICALISMO BRASILEIRO

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

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O

MUDANÇAS NA NEGOCIAÇÃO SINDICALNOS ANOS RECENTES

ANTONIO PRADO

Economista, Professor Universitário e Coordenador de Produção Técnica do Dieese

mundo do trabalho vem passando por um intensoprocesso de mudanças, sob os efeitos da transiçãode padrões de acumulação desde o início dos anos

70. Com o esgotamento do padrão de acumulação fordista,entra em declínio uma ordem social em que os sindicatosformavam junto com o Estado keynesiano uma rede de pro-teção ao emprego e à renda (Jessop, 1995). Ao mesmo tem-po em que se redefine, sob intenso conflito, o modo de regu-lação das economias ocidentais, emergindo com força as tesesneoliberais, hegemônicas por mais de duas décadas (An-derson, 1995), também é redefinido o modelo de organizaçãodo trabalho (Coriat, 1994). Esse processo ocorre principalmentenos países protagonistas do capitalismo contemporâneo. No en-tanto, através do processo de inserção subordinada dospaíses subdesenvolvidos na globalização e do papel dasempresas transnacionais como difusoras de novas tecno-logias e inovações organizacionais, tanto o modo de re-gulação pós-fordista quanto o modelo de organização dotrabalho vão se difundindo além das fronteiras da Europae dos Estados Unidos.

O modelo de organização de trabalho pós-fordista, ca-racterizado em sua dimensão tecnológica pela informática eautomação microeletrônica e, em sua dimensão organizacio-nal, pela produção enxuta (lean production), aos poucos vaisendo adotado no Brasil, bem como o modo de regulaçãosocioeconômico. Esta nova forma de produzir e (des)regulara economia cria um ambiente adverso de relações de traba-lho, abrindo espaço para uma agenda sindical mais comple-xa em sua variedade temática e volátil em seus resultados.

SURGIMENTO DA AGENDA DE LONGO PRAZO

A reorganização do movimento sindical, após os pe-ríodos mais duros da repressão do regime autoritário, ini-

ciou-se em 1977-78, com as campanhas salariais pela re-composição das perdas no poder aquisitivo (Jornal daTarde, 06/09/77), provocadas tanto pelas políticas sala-riais criadas a partir de 1964, que indexavam de formaimperfeita a remuneração dos trabalhadores, como pelasmanipulações dos índices oficiais de inflação (Jornal doBrasil, 22/08/77).

Como o período era ainda de forte crescimento da eco-nomia brasileira, apesar das políticas econômicas contra-cionistas adotadas em 1977, a questão salarial era pontoprioritário na agenda sindical, como viria a ser nos anos80, por outros motivos que serão tratados mais adiante.

A agenda sindical, no que se refere às questões de natu-reza econômica, permaneceu centrada na questão salarial,mas, a partir de 1979, sofreu derivações, em função da cria-ção da Lei no 6.708/79, que pela primeira vez, desde o iníciodo período autoritário, abria a possibilidade, na política sa-larial, de serem realizadas negociações entre capital e traba-lho. O tema da negociação era a produtividade.

O conturbado início dos anos 80 esvaziou esse pontoda agenda sindical, pois a crise da dívida externa já semanifestava de forma clara. Em dezembro de 1979, foirealizada uma maxidesvalorização do cruzeiro, que do-brou o patamar da inflação e, já no segundo semestre de1980, foram adotadas medidas econômicas contracionis-tas, que provocaram, nos primeiros dias de 1981, a pri-meira grande crise no emprego desde o chamado “mila-gre econômico”.

Inaugurava-se uma longa era de estagnação econômi-ca, interrompida por períodos breves de crescimento doPIB, sempre ancorados na ocupação da capacidade ocio-sa. As políticas econômicas de stop and go nunca foramcapazes de sinalizar um retorno da estabilidade necessá-ria para a realização de investimentos de expansão da

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MUDANÇAS NA NEGOCIAÇÃO SINDICAL NOS ANOS RECENTES

capacidade produtiva. O tema da produtividade, portan-to, não se coadunava com a conjuntura de estagflação.

No entanto, esse tema chamava a atenção do movimen-to sindical para a questão da organização do trabalho. Arevolução provocada pelo paradigma tecnológico da mi-croeletrônica, já em clara difusão nos países industriali-zados da OCDE, notadamente o Japão, não poderia pas-sar desapercebida, bem como o fato de que, mais cedo oumais tarde, esse paradigma viria a se difundir também noBrasil. Não se sabia ainda a profundidade da crise em queo país estava entrando e tampouco a sua duração. Em umpaís acostumado com taxas médias de crescimento de 7%ao ano, no período de 1946 a 1980, parecia pouco prová-vel para os atores sociais que as políticas de ajustamentoexterno resultassem em uma catástrofe da dimensão daque veio a ocorrer. A expectativa era a de que os investi-mentos retornariam, e já incorporando o novo paradigmatecnológico e que, portanto, o tema da reestruturação in-dustrial seria parte necessária da nova agenda sindical.

De fato, isto veio a tornar-se realidade na década de80 devido aos efeitos das políticas de ajustamento exter-no e não em função da mudança tecnológica, que adqui-riu um padrão de adoção pontual, em pontos de estrangu-lamento do processo produtivo, a partir de investimentosde reposição-modernizadora e não de expansão (Prado,1989). Se 1981 foi um ano de ruptura com o padrão decrescimento anterior, 1983 veio consolidar o cenário, prin-cipalmente após a quebra do México, quando se interrom-peu o fluxo voluntário dos capitais que financiavam osdéficits de transações correntes dos países do TerceiroMundo. O Brasil também entrou em moratória e ficouevidente que o financiamento dos investimentos privadose públicos brasileiros não se daria mais a partir de pou-panças externas. Ao contrário, o fluxo se inverteria e, apartir daí, o pagamento dos encargos da dívida externa,em média de 3% a 4% do PIB ao ano, transformou-se emuma fonte adicional de instabilidade da economia brasi-leira. Os investimentos, principalmente os públicos, caí-ram dramaticamente, gerando problemas sociais de vá-rias naturezas, que são hoje dados estruturais para agendados anos 90, principalmente a má distribuição da renda,profundamente agravada pela estagnação e a hiperinfla-ção dos anos 80/90.

Nesse ambiente completamente adverso, o movimentosindical passou a agir principalmente na luta por melho-res salários, pois a inflação entrou em uma espiral ascen-dente acelerada, provocada pelo esgotamento do padrãode financiamento da economia brasileira. A alta inflaçãoexigiu cinco reformas monetárias, nos anos de 1986, 1988,1990, 1993 e 1994. Foram bilhões de porcento, que só nãose caracterizaram como uma hiperinflação (Dieese, 1989)clássica porque não houve um colapso do sistema finan-

ceiro e do sistema industrial. Isto deveu-se, basicamente,aos mecanismos de indexação que, se por um lado impe-diam uma depressão econômica, por outro mantinham ainflação em rota de crescimento. As políticas salariais fo-ram mais de 26 (Dieese, 1991), invariavelmente formula-das dentro de um arcabouço de política econômica quetinha os salários como variável de ajuste e, portanto, res-tringindo seu crescimento real. As lutas sindicais reivin-dicavam melhorias salariais, que sempre se revelavam comefeitos positivos, mas transitórios, basicamente nos mo-mentos de go das políticas de stop and go.

A ação sindical ultrapassou o âmbito das relações ca-pital e trabalho, adquirindo um contorno institucional maisamplo, pois, principalmente após a Constituição de 1988,intensificaram-se os embates em relação às políticas sa-lariais no Congresso Nacional. A partir desse momento,começava a ficar claro que os problemas do mundo dotrabalho não poderiam mais ser resolvidos no espaço cor-porativo, que a inflação tinha causas complexas e quereformas estruturais seriam necessárias para debelar oprocesso inflacionário. Isto evidenciou-se particularmenteapós 1990, quando o novo governo eleito propunha umaampla agenda de reformas, porém muito além de sua ca-pacidade de articulação no Congresso Nacional.

Temas como abertura da economia, privatização, com-petitividade internacional, Mercosul, reestruturação indus-trial, câmaras setoriais, reforma administrativa do Esta-do, flexibilização dos direitos trabalhistas passaram a serdebatidos. Isso implicava o surgimento de um novo espa-ço lingüístico, ao qual tanto assessores quanto liderançassindicais estavam pouco familiarizados.

Não se tratava apenas de se preparar para negociaçõesnesses novos temas. Mais do que isso, era preciso se pre-parar para negociações realizadas em uma economia emprofunda transformação, em novos espaços de negocia-ção. A reestruturação industrial e as reformas econômi-cas geravam esses novos espaços de negociação, com di-nâmicas diferenciadas. As negociações no âmbito dascategorias econômicas e profissionais somavam-se àsnegociações em câmaras setoriais, envolvendo interessesde diversos setores e também interesses públicos maisabrangentes, como o nível de emprego em complexosindustriais, tributação e investimentos. Também foramrealizadas várias tentativas de negociações nacionais, tra-tando de temas como previdência social, política de em-prego, reforma tributária e fiscal, políticas sociais. O cha-mado “Entendimento Nacional”, em 1991, e a “AgendaBrasil”, em 1993, eram espaços de negociação de políti-cas governamentais, envolvendo governo, trabalhadorese empresários.

Neste momento, mais de três anos após a implementa-ção do Plano Real, já há sinais de que a economia brasi-

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leira está consolidando a estabilização econômica e man-tendo os ganhos sistêmicos de produtividade.

O recuo das taxas de inflação e a desindexação da econo-mia transformam o cenário das negociações coletivas, abrindoespaços de discussão sobre os patamares salariais do país,reconhecidamente baixos, sobre a incorporação da produti-vidade e sobre as outras formas de remuneração do traba-lho, como participação nos lucros e resultados.

No entanto, persistem e se agravam alguns problemas,como o desemprego, gerado tanto por fatores conjuntu-rais quanto por aspectos estruturais, como as mudançasorganizacionais e tecnológicas. No aspecto conjuntural,após a implementação do plano de estabilização, foi feitauma correção de rumos com base na retração das taxas decrescimento, verificadas nos primeiros meses do plano,via uma forte contenção do crédito. A retração econômi-ca também tem sido utilizada pelas empresas para o ajus-te de seus quadros funcionais, preparando processos dereestruturação. Ao mesmo tempo, começa a se verificarno país a ocorrência do chamado desemprego de exclu-são, em que os trabalhadores afastados do mercado detrabalho, em função do desemprego prolongado ou da faltade acesso a direitos básicos como renda, educação e saú-de, vêem-se impossibilitados de recuperar ou obter pos-tos de trabalho, em face das crescentes exigências de qua-lificação do mercado.

A Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, reali-zada pela Fundação Seade e Dieese, demonstra como oproblema tem evoluído desde 1985, data de início da pri-meira pesquisa, na Região Metropolitana de São Paulo.A partir de 1990, as taxas de desemprego na região, quese situavam nos anos anteriores em torno de 9%, cresce-ram continuamente, chegando a 15,2% na média do anode 1992 e mantendo-se em patamares em torno de 14%nos anos seguintes, o que representa um contingente demais de um milhão de trabalhadores desempregados.Apesar das flutuações que vêm apresentando nos últimosanos, estas taxas permanecem acima deste patamar.

Estes dados evidenciam profundas transformações naestrutura do mercado de trabalho, bem como o fato de que amanutenção e a geração de postos de trabalho devem tor-nar-se um dos grandes temas de debate na sociedade brasi-leira nos próximos anos. Os altos índices de desempregoagravam um dos mais sérios problemas do país: a exclusãosocial. A má distribuição da riqueza nacional reflete-se nospéssimos indicadores sociais do país e na enorme desigual-dade na repartição da renda (Dieese, 1995b).

No momento em que começa a se configurar um pe-ríodo de retomada do crescimento econômico, mesmo quea taxas ainda pífias, este tema tem importância crescentena discussão sobre as atuais possibilidades de desenvol-vimento que se apresentam para o Brasil. Também se in-

sere de forma direta no debate sindical, quando visto soba ótica da reestruturação em curso, o que confere impor-tância ainda maior à participação sindical na busca desoluções.

Assim, agora está definida essa grande agenda, que vemse formando desde 1980 e que exige ações concretas eproporcionais aos problemas colocados.

PERDA DO PODER REGULATÓRIODOS SINDICATOS

A década de 80, a partir da retomada do movimentosindical iniciada em pleno regime autoritário em 1976,com as campanhas de reposição salarial, inaugura um fértilperíodo de crescimento da contratação das relações detrabalho. Apesar dos claros constrangimentos ainda im-postos pela legislação sindical pré-Constituição de 1988,como as seguidas intervenções do Ministério do Traba-lho nas entidades sindicais, com a conseqüente deposi-ção de seus dirigentes, o movimento sindical resiste aoregime militar e, ao mesmo tempo, avança no campo con-tratual nas relações de trabalho.

As convenções ou acordos coletivos de trabalho du-rante os anos 80 continham de cinco a seis vezes maiscláusulas daquelas do final dos anos 70 (Tabela 1). Estefato revela não apenas o vigor sindical dos anos 80, mastambém a construção de um novo papel das entidades sin-dicais, segundo a lógica das formações sociais fordistas.Cresce o número de cláusulas e, portanto, a abrangênciada regulação da relação salarial via convenções e contra-tos coletivos. Esse é um processo que se dá em meio a umsignificativo aumento de greves durante os anos 80, re-fletindo um padrão negocial conflitivo. Se, por um lado,os resultados salariais não são positivos, pois diluem-sedentro de um forte conflito distributivo em ambiente in-flacionário, por outro, impediu-se nesse âmbito (o sala-rial) que a situação se agravasse. Também ampliou-se aregulação sobre as outras dimensões da relação capital etrabalho, no que se refere aos salários indiretos, às condi-ções de trabalho e às relações sindicais.

Se os anos 80 foram pródigos em relação à trajetóriadas entidades sindicais brasileiras como instituições rele-vantes no modo de regulação da economia, mesmo comtodas as restrições impostas pelas circunstâncias históri-cas, como uma legislação limitante da liberdade e auto-nomia sindical, o mesmo já não ocorre com os anos 90.Na atual década, a abrangência das convenções coletivasvem sendo reduzida, apesar da ampliação da liberdade eautonomia sindicais pós-1988, havendo uma estagnaçãoou diminuição do número de cláusulas negociadas. O casoparadigmático é o dos petroleiros, por ter sido uma cate-goria duramente atingida nos embates pela redefinição do

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modo de regulação social, que caminha, conforme asorientações políticas neoliberais, para esvaziar o papel dasentidades sindicais. Essa categoria voltou a ter, em 1994,um acordo coletivo de trabalho com menos cláusulas doque tinha em 1979.

Porém, esse fenômeno não se restringe apenas às cate-gorias do setor produtivo estatal, que são alvo do redese-nho do papel do Estado brasileiro, mas atinge também asdo setor privado. Nesses casos, o número de cláusulas nãose reduz, mas passam a crescer bastante lentamente e seuconteúdo é praticamente o mesmo nos últimos anos.

DESCENTRALIZAÇÃO DANEGOCIAÇÃO COLETIVA

Ao mesmo tempo em que o poder de regulação dossindicatos sobre as relações de trabalho vai sendo restrin-gido, em sua abrangência e conteúdo, a prática de nego-ciação está caminhando para uma descentralização, devi-

A própria estratégia de enfrentamento sindical na crisede desemprego conduz para uma gradual descentraliza-ção da negociação, um resultado não esperado e indesejado,pois o movimento sindical trabalha em sentido oposto aodefender o contrato coletivo de trabalho e uma estruturasindical mais enxuta, através das fusões de entidades.

Por outro lado, as iniciativas governamentais no senti-do da introdução da remuneração variável1 conduzemtambém para uma descentralização da negociação, comoé o caso da medida provisória que criou a participaçãonos lucros e resultados (Dieese, 1995a), que fragmenta anegociação no âmbito das plantas de uma empresa, atra-vés da constituição de comissões de trabalhadores. A ló-gica da chamada PLR, a partir da visão governamental,fragmenta a negociação, podendo conduzir ao estabele-cimento, de fato, de um sindicalismo por empresa.

TABELA 1

Número Médio de Cláusulas Acordadas,segundo Categorias Selecionadas

1975-1996

Categorias Anos Anos 70 Anos 80 Anos 90Considerados (1)

Aeronautas – Nacional (78-89-94) 14 86 82

Bancários – SP/Nacional (2) (78-89-95) 9 46 48

Construção e Mobiliário

Bento Gonçalves – RS (79-88-95) 10 31 53

Costureiras – SP (79-89-95) 14 38 87

Eletricitários – MG (76-88-95) 6 13 14

Eletricitários – SP (76-87-95) 4 13 9

Jornalistas – MG (77-89-95) 1 22 42

Metalúrgicos – BA (79-88-95) 19 84 75

Metalúrgicos – RS (76-89-95) 8 43 55

Metalúrgicos – SP (78-89-94) 17 90 93

Petroleiros Nacional (79-89-94) 32 41 33

Petroquímicos – BA (78-89-95) 11 62 57

Professores – SP (79-88-95) 3 27 66

Químicos – RJ (79-88-95) 6 23 66

Químicos – SP (75-89-95) 9 59 73

Telefônicos – MG (76-89-96) 10 58 50

Telefônicos – SP (79-88-92) 7 12 13

Vidreiros – SP (78-89-95) 9 52 63

Média de Cláusulas na Década 11 44 54

Fonte: Dieese. SACC – Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas.(1) Esta coluna informa, para cada categoria, o ano dos acordos ou convenções coletivas uti-lizados em cada década.(2) A partir da década de 80, a convenção coletiva dos bancários é fechada em âmbito nacional.

TABELA 2

Número Médio de Greves e Grevistas por MêsBrasil – 1990-96

Anos Greves Grevistas

1990 163 757.0561991 94 627.3111992 52 234.9511993 61 432.8351994 94 272.1731995 94 221.2191996 111 224.515

Fonte: Dieese. Anuário dos Trabalhadores, 1994 e 1996-97 e Boletim do Dieese, n. 191/fev. 97.

do tanto às estratégias sindicais de enfrentamento de umambiente adverso do ponto de vista do poder de barga-nha, quanto à adoção gradual de novas formas de remu-neração, relacionadas em alguns aspectos ao modelo deorganização de trabalho pós-fordista, e a decorrente rela-ção salarial.

Na década de 90, o movimento sindical, tendo queenfrentar várias crises econômicas e um aumento, porrazões estruturais, no patamar de desemprego, tem segui-do um padrão de negociação em que as convenções cole-tivas estabelecem direitos mínimos e os acordos coleti-vos por empresa ampliam esses direitos. Cada vez maisdificultadas pelo desemprego elevado, principalmente naindústria, as mobilizações de categorias profissionais in-teiras vão se tornando fenômeno raro. Os dados sobregreves desvendam esse processo (Tabela 2), pois enquantoo número de grevistas é fortemente cadente, o número degreves é crescente, principalmente a partir de 1992, anode profunda crise de desemprego. Isto ocorre porque pro-liferam greves por empresa, que sinalizam para as outraso patamar para a negociação.

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NOTAS

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1. A remuneração variável é parte constitutiva do sistema de relações de traba-lho no Japão. Mas é importante ressaltar que, para as empresas-núcleo do siste-ma industrial daquele país, ainda deve-se acrescer a senioridade e o empregovitalício. Elementos deste sistema de relações de trabalho acabam por acompa-nhar a globalização do modelo de organização de trabalho pós-fordista, como éo caso da remuneração variável.

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ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDA SINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

A

ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDASINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

CARMEN LUCIA EVANGELHO LOPES

Economista, Coordenadora Técnica da Secretaria Nacional de Formação da Força Sindical

Sob a face sedimentada do passado, embaixo de

uma face que sugere harmonia, estão contradições

enterradas, como se fossem cartuchos de pólvora.

Leandro Konder

to. As diferentes correntes ideológicas em voga naqueleperíodo defrontavam-se com a possibilidade de se torna-rem prisioneiras das interpretações construídas sobre elaspróprias.

As diversidades presentes no movimento sindical pós-78 permitiram a coexistência de versões contraditóriassobre o passado, ligadas não só à pluralidade dos mode-los teóricos adotados para a análise dos fatos, mas tam-bém à fragmentação daquilo que interessava às diferen-tes correntes recuperar deste passado, condicionando osfatos a serem selecionados para explicar os conflitos exis-tentes, dificultando uma compreensão de todo o proces-so. A disputa entre as correntes dava-se, também, pelaapropriação da versão verdadeira do que ocorria.

Ao analisar o novo sindicalismo, Sader afirma que aautodefinição de sua identidade constituiu-se em um pro-cesso de interpretação dos acontecimentos e que “desdea designação dos fatos considerados significativos até aatribuição de significados a tais fatos, o trabalho de in-terpretação expressa uma luta” (Sader, 1988:226). Paraqualquer agrupamento social, a necessidade de au-todefinição da identidade é, na maioria das vezes, umaquestão de sobrevivência. A utilização que os grupos fa-zem desta ou daquela versão para atrair adeptos ou forta-lecer-se politicamente está ligada a princípios éticosestabelecidos pelo próprio grupo. Aceitar estas interpre-tações como ponto de partida para análises teóricas pos-teriores pode levar a confundir-se legitimidade com ins-trumentalização do trabalho de interpretação, trocando-sea questão “por que isto aconteceu?” para “de quem é oerro?” Ou, o que não é menos grave, a adoção de postu-ras tais como interpretar o ocorrido com os olhos do pre-sente, retirando-se os fatos do contexto que os gerou eanalisando-os com e para os objetivos pretendidos; ou ain-

s greves de maio de 1978 trouxeram à tona osresultados de um lento e sistemático trabalho nointerior das fábricas. As manifestações de desa-

grado com a política salarial, com o clima de repressãovivido e com os limites impostos pela ditadura ultrapassa-ram as formas de manifestos, de memoriais, de paralisa-ções parciais, adotadas no início da década de 70, empur-raram os portões das fábricas e saíram à luz do sol. Omovimento grevista iniciado na Saab-Scania, no ABC pau-lista, se espalhou como um rastilho de pólvora por todo opaís, numa tentativa de romper com a situação imposta aostrabalhadores pelo “milagre econômico”: deterioração sa-larial, obrigatoriedade de horas extras, intensificação doritmo de trabalho, insegurança no emprego e repressão fa-bril. As greves aconteceram numa conjuntura em que alegitimidade do regime militar vinha sendo contestada pordiferentes setores sociais, que se organizavam na luta porliberdades democráticas e anistia política. O momento erafértil para a construção de uma interpretação histórica queservisse de suporte a uma nova e necessária organizaçãosocial. Assim, maio de 78 passou a ser referência de umnovo período na história do movimento sindical.

Nascia a teoria do “novo sindicalismo”, sem “vícios”,“vínculos ou heranças passadas”. Não se questionava sea análise da ação operária a partir de um modelo, qual-quer que fosse, de ação política/ideológica/partidária per-mitiria um entendimento mais detalhado deste movimen-

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da, atribuir significados ao passado para depois buscaros fatos que possam justificar os significados atribuídos apriori. Ao se emitir juízos de valor na escolha dos fatos,estabelece-se uma distância da realidade, rompe-se como restante do acontecido, nega-se ao discordante o direitode existir, achata-se o próprio mundo.

A rotulação dos diferentes períodos da história sindicalleva, como alerta Hobsbawn (1989:20), a “uma seleção (par-cialmente viciada) de fatos, que classifica alguns como cen-trais e marginalizava outros, ou os excluía”. No caso do “novosindicalismo” brasileiro, esta rotulação conduziu a culpadosou heróis, não considerou o conteúdo da pauta sindical, masa forma de explicitar este conteúdo. As derrotas sofridas como golpe militar levaram, não raro, a caracterizar-se a políticasindical desenvolvida pelo PCB pré-64 como culpada pelogolpe, ao não buscar “a autonomia das organizações em nomeda classe operária (autonomia que não poderia existir sem aliquidação da estrutura sindical vertical e corporativista e acriação de uma nova que a substituísse)” (Weffort, 1973:85).

Posteriormente, frente ao poder coercitivo exercido peloEstado após o golpe militar, mais explicitamente no pós-68, a sociedade civil aparece como o canal de salvação.“Nós queríamos ter uma sociedade civil, precisávamos delapara nos defender do Estado monstruoso à nossa frente.Isso significa que, se não existisse, precisaríamos inventá-la. Se fosse pequena, precisaríamos engrandecê-la (...)”(Weffort, 1984:95). Como resposta à necessidade de umasociedade civil, surge a quase exaltação aos movimentossociais que se constituíram e se desenvolveram fora dasinstituições oficiais. Eram os novos sujeitos que surgiam:“novo sujeito histórico” (Boff, 1986:58), “novo sujeitocoletivo” (Moises, 1982:36), “sujeitos de sua própria his-tória” (Evers, 1984:18), “sujeito político-histórico”(Martins, 1987:15). Sem grandes vinculações com o pas-sado, estes “novos sujeitos” quase nunca “possuem ou nãoreconhecem laços de parentescos políticos com as lide-ranças do período anterior” (Almeida, 1988:327), exce-ção feita, geralmente, às lideranças de origem comunista.

As greves que eclodiram em 78 foram resultado de umlento, duro e reprimido trabalho de organização dentrodas fábricas, sendo antecedidas por estágios menos visí-veis (não menos importantes), como as “operações-aci-dentes” (diminuição do ritmo de trabalho para não pro-vocar acidentes), “operação-zelo” (cumprimento de todasas normas de segurança), “operação-controle de qualida-de” (atraso na produção para um rígido controle das es-pecificações de qualidade), “operação-tartaruga” (ritmoextremamente lento na produção) (Frederico, 1979:71-72),etc. Mas acabaram aparecendo como “espontâneas”(Antunes, 1988:22), “inesperadas”, trazendo consigo afir-mações como “lideranças sem origens”, “bases como su-jeitos”. Inúmeros depoimentos de militantes revelam a

existência, dentro do espaço fabril, de pessoas que fa-ziama ponte com o passado, contando e relembrando fatos,reconstruindo momentos, episódios e períodos, contribu-indo para uma reação operária à ditadura militar. Este tra-balho nem sempre teve a direção e a orientação dos sin-dicatos ou partidos políticos. Muitas vezes, resultou depersistentes investidas de militantes isolados – ou mes-mo de esporádicas iniciativas de pessoas politicamentemais experientes que tentavam dar um rumo às ações de-sarticuladas –, sem responsabilidades maiores que as de-correntes de sua atuação individual.

No entanto, a noção de a-historicidade do processo,implícita nestas análises, fez do “novo sindicalismo” algoquase natural (mesmo que não esperado), sem elos com oprocesso histórico pelo qual foi gerado. Mas este concei-to a-histórico tem laços de historicidade bastante fortes.Vale registrar aqui um trecho de Hobsbawn, referente ao“novo sindicalismo” inglês, do final do século passado.

“Quando aplicado a seu período de origem, a décadade 1880 e o início da década de 1890, o termo ‘novo sin-dicalismo’ pode sugerir três idéias a um historiador domovimento operário britânico. Sugere primeiramente umnovo conjunto de estratégias políticas e formas de orga-nização para os sindicatos em oposição àquelas já exis-tentes no ‘antigo’ sindicalismo. Em segundo lugar, suge-re um posicionamento social e político mais radical porparte dos sindicatos dentro do contexto do surgimento domovimento operário socialista, e, em terceiro, a criaçãode novos sindicatos de trabalhadores até então não orga-nizados ou não organizáveis, bem como a transformaçãode velhos sindicatos segundo as linhas seguidas pelos ino-vadores. Conseqüentemente, também sugere um cresci-mento explosivo da organização e associação sindical”(Hobsbawn, 1989:221).

Transportando-se para o Brasil pós-78 as referênciasde Hobsbawn, o “novo sindicalismo” poderia ser tradu-zido como organização nos locais de trabalho, sindicalis-mo “combativo” ou “autêntico”, sindicalização de seto-res de classe média e do funcionalismo público, combatesistemático à estrutura sindical. Porém, como “na histó-ria dos movimentos sociais (...) é limitado o espaço paraa invenção completa, para a criação do absolutamentenovo” (Frederico, 1990:152), as propostas trazidas por este“novo sujeito” faziam parte do cenário sindical desde oDecreto no 19.770 de março de 1931, que atribuía ao Mi-nistério do Trabalho o direito de reconhecimento das en-tidades sindicais. Naquele momento, diferentes correntesmanifestaram-se contrárias à implantação da estruturacorporativa e à ingerência do Estado na organização dostrabalhadores, ao mesmo tempo em que reivindicavam oreconhecimento de suas entidades como interlocutoras noencaminhamento das questões sociais.

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ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDA SINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Vargas criou não apenas um mecanismo de cooptaçãoe de ingerência no movimento sindical, como também es-tabeleceu diferenças legais para o exercício da cidadaniados trabalhadores: somente os sindicalizados nos sindica-tos oficialmente reconhecidos poderiam usufruir da legis-lação social ou compor o Colégio Eleitoral para a eleiçãodos representantes classistas na Constituinte de 1933. Arepressão ao levante de 35 e a instalação do Estado Novoajudaram a desarticular as forças oposicionistas ao proje-to presidencial. Além disto, ainda em 1932, a Igreja criouos Círculos Operários, que apoiaram a implantação da es-trutura sindical, não só por seu caráter assistencial, mascomo forma de se contrapor ao comunismo.

Estavam dadas as condições para o combate ideológi-co que marcaria o período que antecedeu o golpe militarde 64. Após romper com a proposta de atuação paralela àestrutura sindical, incentivando a organização de base forados sindicatos (1952), o PCB propôs uma atuação “por den-tro” dos sindicatos, introduzindo “ alterações que, gra-dualmente, convertessem um instrumento criado para finsde controle e manipulação num organismo vivo, capaz deexpressar, cada vez com mais fidelidade, os interesses dostrabalhadores” (Martins, s.d.p.), impondo uma linha sin-dical que seria hegemônica no período de 52 até o golpede 64, e que lhe proporcionou acesso aos sindicatos.

A implementação desta diretriz política não foi tran-qüila. Se no plano intersindical a proposta obteve resulta-dos razoáveis, enfrentou também inúmeros adversários:desde os que lutavam por manter intacta a estrutura legal,até aqueles que propunham sua destruição completa ea adoção de novas regras desvinculadas do Estado– entre eles os sindicalistas ligados à AFL-CIO, as lide-ranças do Movimento Renovador Sindical e a sempre pre-sente e forte instituição secular da Igreja Católica.

No plano jurídico-trabalhista foram poucas as modifi-cações alcançadas, que possibilitaram, posteriormente, queo golpe militar de 64 aplicasse a legislação sindical exis-tente. O não reconhecimento legal foi a contrapartida daaceitação oficiosa das entidades horizontais que se articu-lavam, explicitando claramente a correlação de forças naaplicação da proposta de “atuação por dentro” da estrutu-ra sindical. A Igreja combateu esta política, não só por seuanticomunismo, mas também por não mais acreditar naluta institucional como forma de resolução dos problemasespecíficos dos trabalhadores. Propondo a organizaçãoautônoma e sem ingerência do Estado, a Igreja centravano incentivo às organizações de base a sua atuação.

Estavam em disputa dois projetos sindicais com omesmo objetivo: a obtenção de uma nova estrutura sindi-cal. Mas suas táticas divergiam entre atuar “por dentro” e“pelo paralelo”, muito mais que por uma postura ideoló-gica e por um desejo de hegemonia na condução do pro-

cesso. Para sua viabilização, as duas propostas dependiamde ligações com as lideranças de base que efetivamentemobilizavam, aglutinavam e conduziam, no interior dasfábricas (ou das paróquias), às diferentes palavras de or-dem.

O golpe militar modificou a situação, mais do ponto devista das alianças que das propostas, que permaneceram pre-sentes no cenário sindical. Os partidários de atuar “por den-tro” da estrutura, privilegiando a ação institucional, tenta-ram articular-se já nos primeiros momentos depois do golpe,mantendo, na medida do possível, seus contatos no interiordas entidades. O trabalho de “ação paralela”, implementadopela Igreja, fortaleceu-se a partir das modificações introdu-zidas pelo Concílio do Vaticano II e pela Conferência deMedellín (1968), com a linha da “Igreja do Povo”, das de-núncias às estruturas sociais que geravam as desigualdades,a miséria, a exploração, e do incentivo à criação das Comu-nidades Eclesiais de Base.

No plano político, de combate à ditadura, a Igreja, nasua “ida ao povo”, aproximou-se da esquerda armada, quesubstituíra o conceito de proletariado pela idéia de povoe adotara a tática da guerrilha. “Estimar, respeitar, aju-dar o povo e jamais violentar os seus interesses; (...). Aguerrilha é para defender a causa dos pobres, dos humi-lhados e ofendidos (...). Nossa guerrilha não tem base fixa.Sua base é o povo, é o homem brasileiro (...). O segredoda vitória é o povo” (Mariguella, s.d.p.).

Estas duas correntes – Igreja e esquerda não PCB –tinham como denominador comum da ação conjunta aidéia de povo em abstrato, tendo a miséria como pontoreferencial.

A partir de 1971-72, com as derrotas sofridas nos en-frentamentos das guerrilhas, urbanas e rurais, as perdasimpostas pela repressão e a conseqüente pulverização dosgrupos de esquerda armada, cresceu a opção por um tra-balho junto ao movimento operário. Na maioria das ve-zes, esta opção vinculou-se à anterior “ida ao povo”, aonão reconhecimento da luta institucional e à adoção deSão Paulo como palco privilegiado desta nova atuação.A necessidade de uma infra-estrutura para implementar otrabalho e de canais que facilitassem o acesso aos traba-lhadores (agora não mais povo, mas trabalhador) permi-tiu esta associação de projetos, assim como a adoção deuma proposta similar à do trabalho veiculado pela Igreja,através das Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral Ope-rária, Frente Nacional do Trabalho, Ação Católica Ope-rária, etc., de defesa da autonomia operária com uma po-lítica que se pretendia classista e independente.

Os metalúrgicos de São Paulo e seu sindicato torna-ram-se o locus privilegiado desta política, pois tanto aIgreja incentivou a organização paralela quanto ocorreuo trabalho “por dentro” da entidade. A “atuação por den-

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tro” deu-se também em outros pontos sindicais, dos quaisSão Bernardo talvez tenha sido o mais importante deles.Só que ali, o trabalho de oposição realizado pela Igrejafoi absorvido pela própria diretoria sindical, o que nãoocorreu em São Paulo. Com dinâmicas próprias, os doispólos sindicais implementaram, pós-golpe militar, a mes-ma política com resultados diferentes. “Dispondo-se acolaborar com o governo, a diretoria de Vidal1 reivindi-cava a contrapartida ao respeito à dignidade dos traba-lhadores (...): revogação da política salarial, negociaçãodireta com os patrões, contratos coletivos de trabalho eplena liberdade sindical” (Sader, 1988:180). O que nãose diferenciava muito do que foi a ação de São Paulo nomesmo período. No período de 1965 a 1974, a queda dosalário mínimo foi maior que a queda do salário médioreal dos metalúrgicos de São Paulo. Em relação ao nívelsalarial de 1961, a perda da categoria, neste período, de-corrente da “Lei do Arrocho Salarial”, foi de 19%, en-quanto a perda do salário mínimo foi de 47%.

As greves de 78 fizeram de São Bernardo o palco na-tural do “novo sindicalismo”, deste “novo sujeito” quenascia, que significou “mais do que as ondas de greve nofinal da década de 70 (...) uma atitude com a atividadesindical” (Keck, 1988:393). Sader afirma que o “novo su-jeito” constitui-se “quando emerge uma matriz discursi-va capaz de reordenar os enunciados, nomear aspiraçõesdifusas ou rearticulá-los de um outro modo, logrando queindivíduos se reconheçam nesses novos significados”,acrescentando que “discurso” é o uso ordenado da lin-guagem através do qual (fato/texto) um sujeito se dirigea um público, pois “aquilo que é dito e o que é escon-dido, aquilo que é louvado e o que é censurado compõemo imaginário de uma sociedade, através dos quais seusmembros experimentam suas condições de existência”(Sader, 1988:60).

Os discursos que enfatizavam o “novo sindicalismo”,analisando-o sob ângulos diferenciados – greves, açãosindical, cotidiano, etc. –, concordavam nos pontos an-teriormente levantados: autonomia, críticas à estruturasindical e incentivo à organização de base (comissõesde fábricas), como característica deste novo sujeitoemergente.

A verificação entre o dito ou escondido sobre este “novosujeito” acaba mostrando que os arcabouços teóricos seprestavam antes a sustentar a criação de um novo agentesocial do que a fundamentar as análises do movimento sin-dical do momento. A organização sindical assumia umanova roupagem necessária a outro momento histórico, maspermanecia discutindo as mesmas questões do período pré-golpe. Analisando a pauta da ação sindical pós-78, em facedos princípios que norteavam o “novo sindicalismo”, ve-rifica-se que o primeiro deles era a defesa intransigente

da autonomia sindical em relação aos partidos e ao Esta-do, sempre atribuída ao “novo sindicalismo”.

A influência do PT no “novo sindicalismo” era usual-mente justificada pelo caráter de formação do partido,criado “pelos de baixo”, sem a interferência do Estado oudo patronato, como resposta a uma necessidade existenteno movimento sindical e nos movimentos sociais em ge-ral. O PT se constituiria numa novidade no sistema polí-tico brasileiro ao agrupar aqueles que estavam de certaforma à margem do poder, tendo “como primeira virtudea de ter nascido dos próprios trabalhadores (...) idéia queveio realmente do seio dos trabalhadores brasileiros”(Pedrosa, 1980:17). Na realidade, “o PT surgiu dos mo-vimentos sociais, mas dos movimentos sociais controla-dos e influenciados pela Igreja, que está longe de ser, noBrasil, uma instituição fraca, marginal e ilegítima”(Rodrigues, 1990:10). O incentivo para que esses movi-mentos trabalhassem ativamente na construção do parti-do teria saído de uma idéia já concebida na “própria Igre-ja de viabilizar a construção de um partido de trabalhadores– um PT Cristão” (Meneguello, 1989).

A proposta de formação do PT foi aprovada no XI Con-gresso Estadual dos Metalúrgicos de São Paulo, realizadoem Lins, em 1979, por um grupo de sindicalistas ligados àestrutura sindical oficial – incluindo diretores dos sindi-catos de São Paulo e São Bernardo – que, certamente, nãose trata de lideranças desprovidas de poder de pressão, semlegitimidade na sociedade ou incapazes de criar mecanis-mos que auxiliem a mobilização das massas.

Entre o Congresso de Lins e a fundação do PT, noColégio Sion, em fevereiro de 1980, emergiram visõesdivergentes quanto ao caráter do partido a ser criado. Estasdivergências acabaram isolando o grupo de sindicalistasposteriormente conhecido como Unidade Sindical, queabandonou a iniciativa. Os sindicalistas que permanece-ram vinculados à proposta encontravam sua melhor ex-pressão no presidente dos metalúrgicos de São Bernardo,Lula. Defendendo a neutralidade partidária, com amplaliberdade, pluralismo ideológico e um partido de massas,este grupo aproximou-se das oposições sindicais e, atra-vés delas, da Pastoral Operária e da Igreja. Esta aproxi-mação resultaria no papel decisivo assumido pela Igrejana formação e no desenvolvimento do partido. “Assim,embora o PT tivesse nascido longe do Estado e das clas-ses empresariais, surgiu a partir de duas instituições sóli-das na sociedade brasileira: a Igreja e a estrutura sindicaloficial” (Rodrigues, 1990:12). Até a fundação do PT, aingerência da Igreja no movimento sindical se dava atra-vés da crítica à estrutura sindical, com a proposta de atua-ção paralela e a acusação ao PCB de instrumentalizaçãodos sindicatos. A partir do PT, essa ingerência, inicial-mente pouco visível, acabou tomando a forma de um di-

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ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDA SINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

visor de águas, influindo de maneira decisiva no conjun-to do movimento sindical. Para isto, a Igreja se utilizoude uma emaranhada rede de instituições nacionais e in-ternacionais sob sua influência, assim como criou outras,investiu na formação de quadros, subvencionou projetose incentivou todos os mecanismos que ajudassem a legi-timar sua interferência no processo.

Outro princípio que norteava o “novo sindicalismo”era a crítica permanente à estrutura sindical, com o in-centivo à organização de base.

O Entoes (Encontro Nacional de Trabalhadores emOposição à Estrutura Sindical),2 organizado em 1980, como objetivo de estabelecer “uma plataforma comum de rei-vindicações e do acerto de uma estratégia calcada na rea-lidade”3 e combater a estrutura sindical, teve uma partici-pação decisiva da Igreja. Em função das divergências entreos sindicatos com mandato e os das oposições sindicais,acabou se transformando no Enos (Encontro Nacional dasOposições Sindicais) e, posteriormente, na Anampos (As-sociação Nacional de Movimentos Populares e OposiçõesSindicais), tendo como objetivo “unir as forças do movi-mento sindical e do movimento popular da cidade e docampo” (Entoes,1980). “A Igreja tinha um peso decisivonessa articulação paralela. Um dos seus encontros (...) traçaa política de impulsionar as oposições sindicais, que nãoeram mais uma simples chapa de oposição para concor-rer às eleições num determinado sindicato. Eram organi-zações permanentes, à margem da estrutura sindical, comsede e imprensa próprias, constituindo-se num verdadei-ro sindicato paralelo” (Pinheiro, 1989).

Para o movimento sindical, o ano de 1981 foi marcadopela realização da 1a Conclat (Conferência Nacional dasClasses Trabalhadoras). Coexistiam duas tendências den-tro do grupo de entidades que organizaram este encontro,que constituíram a Comissão Pró-CUT. Estes dois gru-pos se aglutinavam em torno de divergências sobre ques-tões como “unidade x pluralidade sindical”, formas de en-caminhamento da luta e “frente democrática x frente deesquerda” na luta contra a ditadura.

Na Comissão Pró-CUT, a Anampos distribuiu um do-cumento em que se defende a noção de “pureza” na lutasindical, priorizando o trabalho “por fora” das entidadese dividindo maniqueisticamente o movimento sindical(Anampos, 1983): “sindicalistas do bloco 1: têm uma di-reção de cúpula, tomando as decisões de cima, sem con-sultar as bases, os trabalhadores, ou passando por cimadas decisões coletivas; sindicalistas do bloco 2: têm umadireção voltada para o respeito às decisões de base atra-vés de assembléias e reuniões por fábricas, comissões, etc.(...); sindicalistas do bloco 1: apóiam todas as chapas depelegos e reformistas para continuarem a ter em suas mãosa grande maioria das confederações, federações e sindi-

catos e utilizam toda esta máquina contra os interessesdos trabalhadores; sindicalistas do bloco 2: apóiam aschapas combativas, de oposições sindicais conseqüentesna cidade e no campo com o objetivo de derrubar a estru-tura sindical atual e de colocar o sindicato a serviço dosinteresses dos trabalhadores”(Anampos, 1983).

Este conceito de “pureza” ressaltava a representativi-dade de lideranças oriundas dos movimentos vinculadosà Igreja, que pretendiam disputar em igualdade de condi-ções a direção da Comissão Pró-CUT. A Anampos incen-tivava o “popular” em detrimento do “sindical”. As di-vergências culminaram quando esta organização nãoconcordou com a exclusão do item do estatuto da Conclatque permitia às oposições sindicais convocarem assem-bléias e elegerem representantes até mesmo das entida-des que não participassem do congresso. Esta era justa-mente a política adotada para impulsionar as oposiçõessindicais a se transformarem em organizações permanen-tes, à margem da estrutura sindical, com imprensa e se-des próprias e com grandes verbas de manutenção obti-das no exterior graças ao apoio, indicação e interferênciade diferentes segmentos dentro da Igreja.

Estas divergências não demoraram a vir a público comdiversas tentativas de contornar as disputas que já anteci-pavam o que seria a divisão do movimento sindical nosanos subseqüentes.4 A realização de dois congressos5 e aposterior formação de duas centrais externou para a so-ciedade, de forma estereotipada, a divisão orgânica domovimento sindical.

Na medida em que a matriz discursiva deve revelar aação e atribuir sentido às coisas a partir do estabelecimentodas identidades (Sader, 1988:57), ao se anunciar os “no-vos sujeitos” torna-se necessário discutir, sem críticas oulouvores preconcebidos, a relação partido x sindicato xIgreja, de maneira a tornar público o papel de cada um naformação das identidades e, assim, se entender melhor porque hoje é legítimo o que na década de 50 era considera-do “correia de transmissão e atrelamento”. A reconstru-ção do passado em todas as suas versões, sem dogmasnem ojerizas, talvez pudesse ajudar a esclarecer algumasdas inúmeras incógnitas de nossa organização social.

Por que, depois de mais de 50 anos, o movimento sin-dical ainda discutia atrelamento, estrutura sindical e or-ganização de base? Por que as propostas de ação giravamem torno de alternativas teóricas seculares – “por dentro”e “pelo paralelo”? Por que avançou tão lentamente a or-ganização nos locais de trabalho durante estes anos? Mes-mo que estas alternativas tivessem assumido outras for-mas, elas mantinham o mesmo conteúdo.

Os anos 80 foram o momento em que os modelos tradi-cionalmente utilizados para entender e explicar as ques-tões sociais começaram a não suportar mais o próprio ar-

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cabouço e tenderam a desmoronar, como se tropeçassemem seus próprios pés. O mundo mudava e apresentavanovos embates. A realidade superava os modelos, exigin-do a análise de novas variáveis para sua compreensão.

O avanço tecnológico acelerado impunha enormestransformações. No interior das empresas, a automação,a informática e a robótica causavam significativas modi-ficações em todos os setores produtivos, mudando a rela-ção dos trabalhadores com as máquinas, mudando máqui-nas e equipamentos; transformando a forma de organizara produção e a maneira de gerir esta produção; aparece-ram os processos de reengenharia e de reestruturação daprodução, com reflexos no emprego, na remuneração, nascondições de trabalho e, sobretudo, nas relações de tra-balho. Do lado de fora das empresas, a mundialização daprodução, e a conseqüente comercialização mundial des-ta produção, colocou novos parâmetros de qualidade eprodutividade necessários à competitividade internacio-nal, mudando a relação entre as empresas, entre os paísese, mais recentemente, formando os blocos econômicos.

Assim, as questões que foram o foco das discussões edas ações sindicais nos anos 80 também se alteram. Am-pliou-se o enfoque sindical, novas variáveis começarama ser enxergadas como parte da relação capital/trabalho,portanto, fatores passíveis de negociação. E as diversastendências que atuam no movimento sindical tiveram (eainda estão tendo) de repensar as ações e, sobretudo, asquestões que norteiam estas ações. Dentro das empresas,além das condições de trabalho, passaram-se a negociaroutras formas de aumento salarial, como, por exemplo, aparticipação nos lucros e resultados (PLR), diretamenteligada à produtividade e à qualidade. Alargaram-se os li-mites do mundo sindical, que se deu conta de que seusrepresentados eram cidadãos aflitos com outros proble-mas, além daqueles estritamente vinculados ao local detrabalho (salário, condições de trabalho, doenças profis-sionais, etc.). Saúde, educação, transporte, habitação, pre-vidência influem no cotidiano dos trabalhadores, exigema formulação e a execução de políticas públicas. O movi-mento sindical passou a ter como preocupação a partici-pação na formulação de políticas públicas.

A década de 90 tem sido rica na definição de novasesferas para a ação sindical. Para além das mudanças noe do sistema produtivo, está em mutação o próprio mun-do do trabalho, que se contrai e se expande ao mesmotempo. Por um lado, a diminuição dos postos de trabalho,a retração do setor industrial em termos de trabalhadoresempregados, associadas à utilização de todas as modifi-cações tecnológicas já mencionadas, têm feito com quesejam necessárias menos horas de trabalho para manter,quando não aumentar, a produção de bens e serviçosofertados. O encolhimento do estoque de empregos for-

mais tem sido acompanhado por queda de qualidade des-te emprego, aumento das exigências de qualificação paraobtenção de um posto de trabalho, acréscimo de traba-lhadores em empregos temporários, aumento do trabalhoinfantil, incentivo à informalidade, caracterização da res-ponsabilidade individual do trabalhador para a obtençãode um posto de trabalho, descrédito do papel da organi-zação sindical, seja como forma de solidariedade entre ostrabalhadores, seja como instrumento de pressão ou in-tervenção social.

Por outro lado, ao se incorporar outras variáveis nasrelações de trabalho, ampliaram-se as fronteiras da açãosindical para “mares nunca dantes navegados”. Na ver-dade, ao ter de responder às questões colocadas pela mu-tação do mundo de trabalho, o movimento sindical estásendo obrigado a se qualificar para estas novas discus-sões, sob pena de enfraquecimento e desprestígio social.Hoje, não adianta mais um potente carro de som na portada fábrica, uma gráfica ultramoderna e um batalhão deativistas para “carregar o piano” e distribuir panfletos. Emface de fatores que incentivam a exclusão social, é neces-sário incentivar o exercício de cidadania do trabalhador,formulando propostas, definindo projetos, interferindo deforma capacitada e organizada nas políticas sociais diri-gidas à formação profissional, à escola fundamental, aomeio ambiente, ao desenvolvimento auto-sustentado, aosmeninos de rua, à violência social, à garantia de direitoshumanos, etc.

As questões mais imediatas continuam fazendo par-te da agenda sindical neste final de século, mas o eixode sua ação é o emprego e suas variáveis, entre elas, aeducação profissional e a geração de renda. O desafiomaior é manter o trabalho como fator de integraçãosocial, atendendo às exigências de qualidade e produ-tividade impostas pela competitividade internacional,sem prejudicar a geração de postos de trabalho, permi-tindo a igualdade de oportunidades e evitando a mar-ginalização e a exclusão social.

Desde a Constituição de 88, ampliou-se a participaçãodos trabalhadores nos fóruns institucionais que discutemas variáveis do processo de reestruturação produtiva. Nãoé sem grandes dificuldades que os sindicatos respondemàs solicitações desta participação. Se, de um lado, cres-cem diariamente as possibilidades de intervenções nestesespaços, de outro, as representações dos trabalhadores en-frentam o enorme desafio de fazer chegar aos locais detrabalho o resultado desta participação.

Uma das formas de participação institucional que temsido mais frutífera para o conjunto dos trabalhadores,embora ainda esteja muito aquém de atender as suas ne-cessidades, é a que se refere às discussões sobre forma-ção profissional.

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ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDA SINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Definida como um dos principais fatores que influen-ciam a competitividade internacional, a formação profis-sional entrou na pauta de discussão da sociedade brasi-leira. Considerada até há alguns anos como atribuição doEstado e tarefa do patronato, a formação profissional temassumido um papel cada vez mais importante na ação ena reflexão sindicais, que discute sua importância, papel,conteúdo, gestão, operacionalização, objetivos, relaçãocom outras formas do conhecimento e, mais recentemen-te, sua negociação.

Para o movimento sindical, a educação profissional émais do que uma resposta aos padrões de competitivida-de do mercado internacional ou às exigências de tornar otrabalhador “polivalente”. Cerca de 17 milhões de traba-lhadores, em plena idade ativa, são analfabetos; a escola-ridade média é de menos de 4 anos; a escola pública éprecária, deficiente, inadequada à realidade que vivemos,provocando altos índices de repetência e evasão e os anal-fabetos; os trabalhadores brasileiros aprendem fora daescola; o ensino profissionalizante também está defasa-do, não contempla mais nem as exigências do sistemaprodutivo, nem as necessidades dos trabalhadores, e atendeapenas a uma parcela insignificante da população traba-lhadora, contribuindo para a exclusão e a marginalizaçãosocial. Assim, a educação profissional – integrada ao sis-tema educacional –, mais do que um fator decisivo naqualidade da produção e na competitividade, é um ins-trumento básico e fundamental ao exercício da cidada-nia, pois milhões de trabalhadores sequer decodificam ossímbolos elementares da escrita.

Têm permeado as discussões sobre educação profis-sional quase todos os outros fatores que influenciaram adefinição desta nova agenda sindical, tais como:- introdução de novas tecnologias: a robótica, a automa-ção e a informatização modificaram a relação do traba-lhador com seu instrumento de trabalho. Seja o caixa desupermercado, o torno de comando numérico computa-dorizado (CNC) ou a colhedeira no setor da cana-de-açú-car, os trabalhadores que precisam utilizar cada um des-tes equipamentos seguramente não têm qualificação paramanejá-los e nem sempre a defasagem desta qualifica-ção é passível de ser superada; na maioria das vezes, eleserá substituído por outro trabalhador com o perfil exigi-do. Como evitar que este trabalhador preterido pela pro-dução seja sucateado como material descartável?

- novas concepções de qualidade e produtividade para acompetitividade: a necessidade de competitividade dosprodutos exige maior produtividade, mais qualidade doproduto e do trabalhador. É preciso ser o maior, o melhore o mais competitivo. As empresas competem entre si paragarantir a parcela de mercado (mais qualidade, melhorproduto, maior produção, menor preço e maior mercado);

os países competem pelas exportações, pelos incentivosà instalação de grandes empresas, pela balança de paga-mentos (maior número de empresas competitivas, maiorvolume de exportações, maior superávit externo); os blo-cos competem para garantir maior circulação da produ-ção, integração econômica mais eficiente e produção emmaior escala para as empresas; os trabalhadores compe-tem entre si para serem os mais competentes e garanti-rem o emprego. Ser mais competente para os trabalha-dores implica novas exigências de qualificação e decompetências – entendidas como mais habilidades – demaneira a garantir maiores chances de obter um novo postode trabalho ou de se manter no posto atual. Ter mais ha-bilidades significa maiores possibilidades de desempenharmais funções, ser mais “polivalente” – variáveis que fo-gem ao seu controle pessoal;

- novas formas de organização e de gestão da produção edo trabalho: os processos de reengenharia e de rees-truturação da produção, com seus reflexos na organiza-ção e na gestão da produção e do trabalho, modificaramtodas as relações dentro do sistema produtivo. Na grandemaioria das vezes, as empresas convivem com formasdiferenciadas de organização da produção e de gestão dotrabalho: trabalhadores na linha de montagem – cumprindoautomaticamente tarefas predeterminadas – e trabalhado-res de grupos semi-autônomos – definindo suas tarefas eo ritmo de trabalho para atingir determinado nível de pro-dução – podem até dividir os mesmos espaços produti-vos, utilizar os mesmos equipamentos e fabricar o mes-mo produto, mas sua atitude diante da produção tem queser inteiramente diferenciada. Qualificar um trabalhadorde linha de montagem, habituado a gestos repetitivos e adesempenhar determinadas funções, normalmente tendorecebido treinamento no próprio posto de trabalho, pararefletir sobre as características daquele processo de tra-balho, decidir sobre algumas das condições em que o tra-balho é exercido, seguramente é uma proposta ousada dequalificação/requalificação profissional. Em geral, estetrabalhador está sendo substituído por outro que tenha ashabilidades requeridas. Novamente, coloca-se o proble-ma do que fazer com o trabalhador que perde o emprego.Programas de reconversão profissional exigem conheci-mento das tendências da reconversão produtiva para pos-síveis (embora cada vez mais raras) alocações em outrospostos de trabalho;

- diminuição dos postos de trabalho: a retração do merca-do formal tem sido citada como tendência mundial. O sis-tema produtivo não deve mais gerar postos de trabalhoem quantidade suficiente para atender parcela significa-tiva dos trabalhadores. Os índices de desemprego são alar-mantes e grande parcela de nossa população já está no

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mercado informal. A formação profissional, por sua rela-ção direta com o emprego, tem sido apontada como ins-trumento para garantia do posto de trabalho, uma vez quesupriria as necessidades de habilidades, de qualificação ede “competências” exigidas pelo mercado de trabalho. Éa “empregabilidade” atual: o aumento das possibilidadesde empregar-se está relacionado ao maior domínio dashabilidades, maior nível de qualificação e maiores chan-ces de competitividade. A vinculação direta entre forma-ção profissional e emprego, muitas vezes, faz com que seconsidere aquela como solução para a crise do emprego(ou do desemprego), elixir a ser receitado para os traba-lhadores nas buscas incessantes de emprego e para suanecessidade de salário/renda. A incessante ênfase na for-mação profissional como fator-chave da “empregabilida-de” acaba colocando nas costas dos trabalhadores a res-ponsabilidade de empregar-se, como se a geração depostos de trabalho fosse sua atribuição.

Tendo enfocado alguns dos novos conteúdos da açãosindical, ou parte do conteúdo da ação sindical diante dasquestões colocadas pela reestruturação produtiva, e, so-bretudo, pela globalização da produção (e do consumo),cabe perguntar qual é a política que tem regido esta ação.Ou, em que espaço político o movimento sindical tem de-senvolvido estas ações.

Se, de um lado, o encolhimento do mundo do trabalhoenfraquece a ação sindical, de outro, a abrangência dasquestões agora colocadas na agenda, fortalece, qualificae amplia as possibilidades desta ação. Outros temas pas-saram a afetar a relação capital-trabalho, exigindo trata-mentos diferenciados e negociações específicas, enri-quecendo esta relação. Os trabalhadores, além dasreivindicações ligadas diretamente à sua sobrevivência,transformam em processo negocial questões relacionadasà sua cidadania, ampliando, assim, sua integridade social.O movimento sindical adquire outra visibilidade, incor-pora responsabilidades, coloca-se como interlocutor dequestões que atingem a vida diária dos trabalhadores forado ambiente de trabalho, mas diretamente associadas àsmodificações que ali acontecem.

Os novos espaços de participação institucional que seabriram no início dos anos 90, a partir das discussões so-bre qualidade e produtividade, com o objetivo de tornar aprodução nacional mais competitiva, têm exigido a capa-citação do movimento sindical para discutir, negociar epropor alternativas ao processo de transformação produ-tiva que estava acontecendo no país, apresentando a chan-ce de se incorporar à concepção de qualidade e produti-vidade da produção a questão social: qualidade dascondições de trabalho, qualidade de vida, qualidade depromoção do emprego, permitindo a ampliação do poderde negociação do movimento sindical sobre estas trans-

formações. Estes espaços sempre contaram com a parti-cipação do governo e dos empresários, mas somente apartir de 1992 é que se efetivou a participação dos traba-lhadores. Desde então, o movimento sindical tem amplia-do esta representação: está voltado ao Programa Brasilei-ro de Qualidade e Produtividade (PBQP) – do Ministérioda Indústria, Comércio e do Turismo – e, com a reestru-turação deste programa coordena – através do Dieese edas três centrais (Força Sindical, CUT e CGT) – um deseus projetos estratégicos; no Programa de Apoio à Ca-pacitação Tecnológica da Indústria (Pacti) – do Ministé-rio da Ciência e Tecnologia – coordena a subcomissão deEmprego, Educação e Tecnologia, também com a parti-cipação do Dieese e das três centrais; no Instituto Brasi-leiro da Qualidade e Produtividade faz parte do Conselhode Administração e indicou representação para o Conse-lho Consultivo; no Programa de Educação para a Com-petitividade (Proeduc), da Finep, integra o grupo coorde-nador do programa; nestes fóruns a participação étripartite, em alguns até polipartite, uma vez que, além degoverno, empresários e trabalhadores, estão representa-dos consumidores e outras entidades da sociedade civil.No PBQP, no Pacti e no Proeduc foi constituída uma co-missão tripartite para discutir os problemas da educaçãoe elaborar propostas que contribuíssem para a soluçãodestes problemas. Deste trabalho, já resultaram dois pro-dutos importantes: o primeiro foi a publicação “QuestõesCríticas da Educação Brasileira”, que sistematiza os diag-nósticos e as propostas de diversos setores sociais para aeducação e sua relação com a questão da qualidade e atecnologia. O segundo foi o Encontro de Educação Bási-ca e Profissional, realizado em agosto de 1996, no Rio deJaneiro, e que aprovou a Carta do Rio, contendo dez pon-tos de concordância sobre questões afetas à educaçãobásica e profissional.

Em outros setores, os trabalhadores também têm sidochamados à participação institucional, com representaçãono Conselho Curador do Fundo de Garantia, nos conse-lhos do Trabalho, da Saúde e da Educação, da Criança edo Adolescente em suas diferentes esferas de atuação,nacional, estadual e municipal.

Porém, existe um espaço de participação institucionalque merece nossa atenção mais especial: o Conselho De-liberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – Codefat,no qual o movimento sindical tem atuado de forma maisorganizada. Criado em 1990, o FAT – Fundo de Amparoao Trabalhador é um fundo social, alocado no Ministériodo Trabalho, constituído por recursos arrecadados peloPIS/Pasep e gerenciado por um Conselho tripartite eparitário.6 Constitucionalmente, 40% destes recursos sãodestinados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social – BNDES, com o objetivo de financiar

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ALGUMAS QUESTÕES DA AGENDA SINDICAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

projetos de investimento que promovam a ampliação dasplantas industriais, modernização das empresas, etc. Em-bora estes recursos sejam reembolsados ao FAT, com umataxa de mercado, muitos destes investimentos ainda sãopoupadores de mão-de-obra, o que não deveria acontecercom recursos públicos quando a sociedade brasileira seorganiza para viabilizar propostas de geração de empre-go e renda. Desde 1996, há representação sindical noConselho de Administração do Banco.7 Infelizmente, estarepresentação ainda não é paritária, o que tem dificultadoa efetiva execução da proposta de que, com os recursosdo FAT, o BNDES só financie projetos que contemplemtambém a criação de postos de trabalho.

Os recursos do FAT, que pagam o seguro-desempre-go, têm sido igualmente destinados ao Sistema Nacionalde Emprego nos Estados. Desestruturado, com reduzidacapacidade de absorção efetiva destes recursos, os Sinesde todo o país pouco têm servido como instrumentos efe-tivos de uma política de emprego. Por resolução doCodefat, desde 1994, os estados da federação, para rece-berem os recursos do FAT aplicáveis nos Sines, devemconstituir comissões estaduais/municipais tripartites deemprego (com representação paritária dos três agentessociais envolvidos). Estas comissões devem definir asdiretrizes a serem implantadas e as metas a serem atingi-das nos estados e municípios, com o objetivo de diminuiras mazelas causadas pelo grave quadro de desempregoque vivenciamos.

A participação tripartite é uma prática ainda muito re-cente na sociedade brasileira. A participação tripartite nadefinição de políticas sociais é um dos grandes desafiosque o movimento sindical tem enfrentado nos últimosanos. Ainda é muito cedo para um balanço, pois só muitorecentemente os sindicatos brasileiros começaram a de-senhar os limites desta participação. Muita desconfiançaainda rege as ações sindicais neste campo, acrescida degrande inexperiência de construir novos paradigmas paraa ação sindical do século que se avizinha. Assim, estascomissões vêm encontrando grandes dificuldades paraentender seu papel e definir sua identidade.

Delimitar o campo de ação das comissões não é tarefasimples, provoca momentos de tensão, cria constrangimen-tos entre as bancadas, recoloca como núcleo central o res-peito pelo interlocutor e o incentivo à resolução dos proble-mas pelo processo de negociação: as comissões não são enão podem se transformar em espaços de disputa. Pela pró-pria concepção, elas constituem locus especiais para a cons-trução do processo de negociação. Há que se percorrer lon-gos e sinuosos caminhos até que as comissões efetivamentedefinam metas e objetivos para suas comunidades.

No entanto, uma certeza já se desenha mais nitidamente:as questões que tendem a envolver a atenção sindical se-

rão cada vez mais voltadas à inserção dos trabalhadorescomo agentes sociais, interagindo com outros segmentos,e construindo, em conjunto, uma proposta de sociedademenos injusta e desigual.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

1. Paulo Vidal foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo,no período 1969-75.

2. O I Entoes ocorreu nos dias 13 e 14 de setembro de 1980, no Rio de Janeiro,com a presença de 90 dirigentes sindicais e 413 ativistas de 15 estados brasilei-ros. Eram trabalhadores que se opunham à estrutura sindical e que, posterior-mente, se tornaram oposições sindicais, ou seja, oposições às diretorias sindi-cais, disputando as máquinas sindicais.

3. Convocatória para o Entoes, julho de 1980.

4. O III Congresso da CUT (Belo Horizonte – set./88) reformulou os critérios departicipação das diretorias – que passou a ser proporcional aos sindicalizados enão aos trabalhadores da base – e o das oposições sindicais – que passou a serdefinido pela proporção de votos obtidos na última eleição da categoria.

5. O grupo de sindicalistas ligados à Anampos, à Igreja e ao PT e os independen-tes realizou o I Conclat, nos dias 26, 27 e 28 de agosto de 1983, em São Bernar-do, criando a CUT. O outro grupo realizou em Praia Grande, nos dias 4, 5 e 6 denovembro de 1983, o I Conclat, criando a Conclat. A prática de designar semprecomo primeira a própria iniciativa foi constante no movimento sindical pós-78.

6. Estão representadas no Codefat as seguintes entidades: por parte dos traba-lhadores: Força Sindical, CUT e CGT; por parte dos empregadores: CNI, CNC,Febraban; e por parte do governo, os ministérios: do Trabalho e da PrevidênciaSocial e o BNDES.

7. Estão representadas neste Conselho duas centrais sindicais: a Força Sindical ea CUT.

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AS NOVAS ESFERAS DE REGULAÇÃO DO TRABALHO E O DILEMA SINDICAL

A

AS NOVAS ESFERAS DE REGULAÇÃO DOTRABALHO E O DILEMA SINDICAL

ALVARO A. COMIN

Pesquisador do Cebrap

NADYA ARAUJO CASTRO

Pesquisadora do Cebrap, Professora aposentada da Universidade Federal da Bahia

estrutura sindical brasileira, herdeira de um mo-delo corporativista estatal, que se reproduz atra-vés de décadas de transformações políticas, so-

ciais e econômicas, induziu os sindicatos brasileiros a umsério dilema: embora estes conservem o monopólio da re-presentação trabalhista, o fazem confinados a uma agen-da “congelada” no tempo e no espaço. O imenso grau depulverização da estrutura sindical brasileira1 impediu quese consolidassem instituições centralizadas capazes de ope-rar de fato uma representação seja de cunho macro-regu-latório (incidente sobre todo o mercado de trabalho), sejade alcance meso-regulatório (abrangendo setores ou com-plexos produtivos por inteiro, a única exceção ficando porconta da breve experiência da Câmara Setorial do Com-plexo Automotivo).

Tampouco nossos sindicatos lograram, de forma signifi-cativa, penetrar o espaço historicamente restrito da produ-ção, sendo até hoje muito tênues e circunscritas as experiên-cias de organização nos locais de trabalho (uma vez mais esempre a exceção situa-se no setor mais moderno da indús-tria automobilística, ainda assim quase exclusivamente nosmunicípios do ABC, onde os sindicatos são controlados pelaCUT). Dessa forma, a atuação dos sindicatos também nãochegou a constituir mecanismos de micro-regulação. Esta,porém, não deixa de existir e, na verdade, parece ganharenorme importância sobre as formas mais tradicionais deregulação do trabalho, motivada especialmente pelos movi-mentos mais recentes de reorganização dos mercados e dosmodelos tecnológicos e de gestão do trabalho. Pesquisasatuais apontam para o surgimento de inúmeras modalidadesinstitucionais de micro-regulação no âmbito das empresas,que, embora respondam por boa parte do que de mais im-portante se negocia entre trabalho e capital, escapam intei-ramente ao controle dos sindicatos.

Neste artigo, pretende-se desenvolver a hipótese de quese, para os padrões produtivos dos anos 70 e 80, o mode-lo de sindicatos, apesar de todas as suas limitações, foicapaz de exercer importante influência nos termos da re-gulação do trabalho, no cenário atual ele corre o risco dese ver cada vez mais marginalizado por novas formasinstitucionais. Para ilustrar melhor o que está sendo cha-mado aqui de novas formas institucionais, será utilizadauma recente pesquisa realizada em empresas do setorquímico e petroquímico, localizadas em dois dos princi-pais pólos industriais do país neste setor.

REGULAÇÃO DO TRABALHO EAÇÃO SINDICAL NOS ANOS 80

A vasta produção acadêmica acumulada nos últimos20 anos atesta a importância que o fenômeno sindicaladquiriu no Brasil neste período. Não por acaso, o con-flito – e especialmente as greves – foi um dos aspectosmais salientados em toda esta produção. O final dos anos70 e a década de 80 talvez tenham sido os períodos demaior efervescência em toda a história do movimento sin-dical brasileiro. Entre 1978 e 1989, registrou-se a ocor-rência de mais de 12 mil greves (Noronha, 1994). Comovários analistas já observaram (Tavares de Almeida, 1988e 1995; Noronha, 1994; Comin, 1994 e 1995; Oliveira,1994; Jácome Rodrigues, 1994, entre outros), as grevesforam um importante instrumento de afirmação institu-cional e política dos sindicatos – diante tanto de suas ba-ses quanto dos interlocutores patronais e estatais – de-pois do longo silêncio imposto pelo regime militar.

A conjuntura econômica também acrescentou vigoro-sos ingredientes a este quadro conflituoso. Após os anosiniciais de recessão, o restante da década de 80 exibiu um

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quadro de desemprego relativamente baixo (inferior a 4%,segundo a PME-IBGE, e abaixo dos 10%, para a PED-Seade/Dieese),2 acompanhado de um violentíssimo con-flito distributivo, materializado em taxas de inflação nacasa dos milhares. O impacto do processo inflacionárioera tamanho que fez dele o principal combustível da açãosindical e especialmente das greves.3 Embora as pautasde negociações tenham ganho muito em extensão e com-plexidade, as questões salariais (reajustes, aumentos eparticularmente indexação) estiveram sempre no centrodas negociações e dos conflitos entre trabalhadores eempregadores.

É verdade, como já observou Tavares de Almeida(1988), que os temas econômicos tenderam a preponderarna agenda dos sindicatos, cuja influência sobre as refor-mas sociais e políticas foi bem mais modesta; por aqui,nada parecido com os pactos sociais à lá espanhola, porexemplo, teve lugar. Nem mesmo a intensa mobilizaçãosindical dos anos 80 foi capaz de contra-arrestar as perdasde rendimentos sofridas pelos assalariados. É possível ar-riscar-se dizer que isso decorreu menos de uma estratégiaconsciente e deliberada dos sindicatos e mais de entravesde naturezas política (o caráter extremamente conserva-dor da frente que pilotava a transição e que não estava dis-posta a aceitar a inclusão das forças de esquerda no pro-cesso de democratização) e econômica (a própria violênciado processo inflacionário e a ênfase na contenção salarialcomo suporte das políticas de estabilização). Além dessesfatores, a enorme pulverização da estrutura sindical e ainsipiência das centrais sindicais minaram as possibilida-des de que os sindicatos viessem a se engajar em, ou lutarpela, emergência de arranjos macro-regulatórios. Esse éum aspecto que interessa especificar.

A estrutura sindical brasileira induz à formação de sin-dicatos de base municipal, fragmentados em categoriasdefinidas simultaneamente pelo setor econômico e pelaprofissão. Resguarda, ainda, a unicidade e o monopólioda representação trabalhista e confere tributação compul-sória para o sustento destes sindicatos. Além disso, asnegociações coletivas também são rigidamente reguladas,através de datas-base anuais, única oportunidade em quepatrões e sindicatos devem, compulsoriamente, exercerseu “direito” de firmar contratos, que caso não se consti-tuam espontaneamente, serão arbitrados pela Justiça doTrabalho. Décadas de vigência desta legislação produzi-ram milhares de sindicatos capazes, pelo menos formal-mente, de negociar em nome de suas bases, independen-temente do grau de penetração e aquiescência que possuamou da sua capacidade de arrecadar fundos e adeptos.

Até 1988, as organizações horizontais, como as cen-trais sindicais, eram legalmente proibidas, embora pelomenos duas já houvessem se consolidado na prática. Não

obstante, a manutenção do monopólio da contratação nasmãos dos sindicatos de base privou estas centrais de umpapel efetivo de representação trabalhista e, como já sedisse, quase anulou a possibilidade de acordos amplos,envolvendo trabalhadores, empresários e Estado.4 Poroutro lado, a abrangência extremamente restrita destessindicatos, confinados em sua maioria a pequenos muni-cípios ou grupos de municípios, aliada à artificialidadedas estruturas federativas oficiais, inibiu o desenvolvimen-to de negociações setoriais ou por complexos produtivos,que aqui está sendo chamado de meso-regulação. Por fim,a inexistência de uma legislação de apoio às organizaçõespor local de trabalho e a própria fragilidade de boa partedos sindicatos impediram que emergissem mecanismosde micro-regulação, voltados para um universo de temasmais específicos, relacionados com os regimes fabris, coma organização do trabalho, condições de saúde, ritmos ejornadas de produção, estruturas de cargos e salários, etc.

A inexistência ou a insipiência destas esferas de regu-lação não impediu que os sindicatos se constituíssem ematores importantes na definição de alguns dos termos dasrelações de compra e uso da força de trabalho, ou que suasações redundassem em benefícios concretos para os tra-balhadores. Pelo contrário, dado o contexto de transiçãopolítica e de instabilidade econômica, e a despeito da alu-dida pulverização da estrutura sindical, os sindicatos fo-ram capazes não apenas de mitigar as perdas dos assala-riados como também de universalizar ganhos que seoriginavam quase sempre nos setores e regiões economi-camente mais dinâmicos e organizados. Se é verdade quea questão salarial foi o item central dos conflitos e nego-ciações daquela década, é importante observar que a lutapor salários não se travava apenas no âmbito das relaçõesprivadas entre trabalhadores e empregadores. A regula-ção salarial foi antes de tudo objeto de políticas públicas(componente central de quase todas as tentativas de con-trole da inflação) e os conflitos que a envolviam estive-ram desde logo no centro da arena pública. Embora asreivindicações sindicais se dirigissem diretamente aosagentes patronais (com exceção das poucas greves gerais),em última instância era contra o Estado, em sua capaci-dade de determinar o valor dos salários, que se voltavamas grandes mobilizações trabalhistas.

Foram as sucessivas campanhas salariais (freqüente-mente acompanhadas de grandes greves), primeiro demetalúrgicos e depois de petroleiros, petroquímicos, pro-fessores e bancários, que terminaram derrubando as polí-ticas salariais governamentais. As conquistas destas ca-tegorias logo tornaram-se referência para as demais,terminando por se generalizar, por estimular novas mo-bilizações ou mesmo por criar jurisprudência que seriaseguida pelos tribunais do trabalho. Do mesmo modo, foi

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a capacidade de pressão daquelas categorias mais organi-zadas que assegurou a inscrição no texto da nova Consti-tuição de uma série de direitos que se aplicariam aos tra-balhadores das categorias e regiões mais desmobilizadas(redução da jornada de trabalho para 44 horas, licenças-maternidade de 120 dias e paternidade de oito, aumentoda multa por rescisão contratual, abono de férias, exten-são de direitos a trabalhadores rurais e domésticos, liber-dade a greve, extensão do direito de sindicalização aosfuncionários públicos, entre outros).

Assim, mesmo sem ter logrado significativos avançosnas formas institucionais da representação de interesses5

e da própria gestão da sociedade, o sindicalismo brasilei-ro foi capaz tanto de interferir em alguns dos aspectoscentrais da agenda que se impunha ao mercado de traba-lho quanto de irradiar, a partir de seus núcleos mais soli-damente organizados, conquistas e direitos para aquelessetores com menor capacidade de barganha. Esta agenda,entretanto, sofreu profundas e velozes alterações nos anos90, que nem de longe foram acompanhadas pela dinâmi-ca dos sindicatos. Aí está a raiz do dilema que desafia osindicato enquanto instituição detentora do monopólio le-gítimo da representação de interesses coletivos que ema-nam da experiência do trabalho.

A NOVA AGENDA DE NEGOCIAÇÕESCAPITAL-TRABALHO E OS SINDICATOS

Não é o caso aqui de desfiar uma análise sobre as mu-danças estruturais vividas pela economia brasileira nestadécada. Abertura comercial, integração regional, privati-zações, estabilização monetária e ajuste fiscal, com todasas suas conseqüências mais gerais sobre a economia bra-sileira, são temas que vêm sendo exaustivamente debati-dos, especialmente entre os economistas. É interessantechamar a atenção para as mudanças diretamente relacio-nadas ao mercado de trabalho e aos modelos de gestão daprodução e suas implicações para a intervenção sindical.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, importan-tes deslocamentos verificaram-se nestes anos. Diante daabrupta abertura do mercado nacional, as empresas indus-triais viram-se duramente afetadas pela concorrência in-ternacional e lançaram-se a profundos ajustes de custo eprodutividade que tiveram na mão-de-obra um de seusalvos preferenciais. Este tipo de estratégia foi especial-mente estimulada pelo fato de o ajuste ter se iniciado emmeio a uma profunda recessão econômica. As empresasviram-se obrigadas a buscar incrementos de competitivi-dade num cenário nada propício para novos investimen-tos em capital-fixo ou mesmo para a ampliação da capa-cidade produtiva.6 A natureza do ajuste ficou bastanteevidenciada pela queima de mais de 1 milhão de postos

de trabalho industrial nos anos 90 que, conforme a maio-ria dos especialistas em emprego, teriam desaparecido deuma vez por todas (Salm et alii, 1996).

O destino dos trabalhadores que antes ocupavam estespostos é objeto de análises ainda em curso. Entretanto,algumas tendências são hoje razoavelmente consensuais.Em primeiro lugar, as taxas de desemprego, mesmo apósos anos recessivos iniciais desta década, tenderam a seestabilizar em patamares significativamente superiores aosda média dos anos 80. Se nos últimos anos daquela déca-da as taxas oscilavam abaixo dos 10%, nos anos mais re-centes têm se situado na casa dos 15%.7 Em segundo lu-gar, observa-se um alto crescimento no emprego emserviços. Mesmo sendo este um macrossetor de enormeheterogeneidade e, portanto, de difícil categorização, es-tudos preliminares apontam para um significativo aumentoda mão-de-obra empregada em serviços de mais baixaqualificação, notadamente serviços pessoais e de comer-cialização (Paes de Barros e Mendonça, 1995 e Caruso ePero, 1997). Em terceiro lugar, num movimento que guar-da estreita relação com os dois anteriores, as ocupaçõescom vínculos formais perderam enorme espaço para asocupações informais.8 Por fim, tudo indica que estamosassistindo a uma progressiva e irreversível desconcentra-ção do emprego industrial, que se desloca da RegiãoMetropolitana de São Paulo em direção ao interior dopróprio estado e a outras regiões emergentes, como Mi-nas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná, Mato Grossodo Sul e Ceará.9

Essas reconfigurações do mercado de trabalho, espe-cialmente considerando a velocidade com que vêm ocor-rendo, têm, pelo menos a curto prazo, enormes impactosnegativos sobre os sindicatos. Resumidamente, poder-se-ia dizer que tais tendências implicam a migração de tra-balhadores dos setores mais solidamente organizados (tra-balhadores industriais, concentrados nos grandes póloseconômicos, desfrutando de relações de trabalho formais),bases dos grandes sindicatos e centrais sindicais, parasetores ainda fracamente organizados e, em muitos ca-sos, de difícil organização (particularmente as ocupaçõesdo chamado setor informal). Trata-se, portanto, de ten-dências que muito provavelmente estão atuando no senti-do de erodir as bases tradicionais dos sindicatos. Não sequer dizer com isto que estes não possam se reerguer so-bre novas bases, mas, sim, que dificilmente manterão omesmo perfil que os caracterizou até os anos 80.

Ainda no plano da macro-regulação do mercado de tra-balho, aquele que foi o principal combustível da ação sin-dical nos anos 80 – a corrida entre salários e inflação (sem-pre vencida olimpicamente pelo segundo) – perdeu a suacentralidade com a estabilização monetária. Não que ossalários tenham deixado de ser um item importante da pauta

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sindical, até porque eles continuam muito desiguais no Bra-sil. Porém, a dinâmica da negociação salarial mudou radi-calmente de formato. Em primeiro lugar, porque pratica-mente deixaram de existir políticas salariais diretamentedefinidas a partir do Estado. Dizemos praticamente por-que os salários do funcionalismo público, por exemplo,seguem sendo determinados pelos governos (embora nãomais de forma articulada entre os três níveis como emoutros tempos), bem como os proventos de aposentados(cruciais para a determinação do salário mínimo, impor-tante referência para o mercado de trabalho). Contudo, paraa imensa maioria dos trabalhadores, a questão salarial nãoapenas passa a depender mais da conjuntura de cada setore empresa (perdendo parâmetros fixos e universais comoo índice de inflação), como também tende a se diluir emnovas rubricas, como participação em lucros e resultados,metas de produtividade, etc., diretamente vinculadas aodesempenho das empresas e, por vezes até, de indivíduosou pequenos coletivos de indivíduos. Dada a pequena pe-netração dos sindicatos no interior das empresas, a suacapacidade de intervenção neste tipo de negociaçãotende a ser bem mais difícil do que no modelo anteriorde negociação salarial. Isto não significa que nenhumaoutra forma de negociação se estabeleça, mas unica-mente que ela pode estar passando cada vez mais aolargo dos sindicatos, mediadas por novos tipos de ins-titucionalidades. Porém, esse assunto será retomado naseção final deste artigo.

Se a questão salarial perde, pelo menos em parte, acentralidade que possuía, diluindo-se em novos formatose modalidades de determinação, os processos de reestru-turação produtiva introduzem novos e importantes itensna agenda de negociações (e de conflitos) entre trabalha-dores e gestores da produção.10 O enxugamento do em-prego industrial não se processa de forma aleatória, umavez que persegue ganhos de produtividade, sejam estesacompanhados ou não de novas tecnologias. Em setoresdinâmicos, como o automobilístico, a redução do empre-go andou de par com enormes aumentos na produção fí-sica, sendo que os estudos de caso mostram que istoocorreu tanto em plantas que se modernizaram tecnolo-gicamente quanto naquelas que se limitaram a introduzirinovações organizacionais (Cardoso, 1995). Além disso,revelam também que, sobre a força de trabalho remanes-cente, passam a recair exigências e encargos mais inten-sos e/ou variados, não sendo casual que, tanto no setormetalúrgico quanto no químico, tenham sido justamenteos trabalhadores mais experientes e escolarizados os quetenderam a sobreviver em seus respectivos mercados detrabalho. A força de trabalho menos escolarizada e/ouqualificada tendeu, em muito maior proporção, a ser ex-pulsa, deslocada seja para atividades periféricas a estes

setores (através de terceirizações e outras modalidades desubcontratação de trabalho), seja para atividades distan-tes destes setores, seja ainda para fora do mercado formalde trabalho.11

A redução dos níveis hierárquicos, os programas dequalidade, o incremento vertiginoso da produtividade, afusão de múltiplas funções a determinados postos de tra-balho, a necessidade de normatização de procedimentose a informatização dos canais de comunicação e de arma-zenamento de informação passam a demandar novos atri-butos cognitivos, técnicos e/ou de atitudes dos trabalha-dores. Essas novas exigências, postas para esta força detrabalho que permanece empregada (e que afinal seguesendo a base possível dos sindicatos), introduzem, comocorolário, um novo rol de competências, qualidades, ha-bilidades, atitudes e suas contrapartidas em matéria derecompensas (materiais ou simbólicas), que não estãodadas (nem as primeiras, nem as segundas) a priori. An-tes, pelo contrário, constituem um novo campo de nego-ciações (e de conflitos), ao qual já se fez referência, noprincípio deste artigo, como uma esfera de micro-regula-ção e que será abordado a seguir. Cumpre salientar quetambém nesta esfera de regulação (que, se não é nova,vem, sem dúvida, sendo recheada de novos conteúdos)os sindicatos têm tido grandes e crescentes dificuldadesde interferir.

NOVAS INSTITUCIONALIDADES EEXPERIÊNCIAS DE MICRO-REGULAÇÃO

Para dar forma ao que está sendo chamado aqui denovas esferas de regulação, serão utilizados recentes es-tudos de caso que vêm sendo realizados em quatro gran-des empresas na cadeia produtiva da indústria química nosdois maiores pólos químico-petroquímicos brasileiros.Não serão feitas descrições dos casos, o que extrapola oobjetivo aqui.12 Chamar-se-á a atenção apenas para osaspectos que parecem apontar para a emergência de umnovo padrão de micro-regulação e quiçá para um novoregime fabril, fixando-se em seus efeitos para a atual es-trutura sindical brasileira.

A escolha de empresas na cadeia química-petroquími-ca para estudo de caso não é fortuita. Trata-se de um dosmaiores complexos industriais brasileiros e possui, pelosseus efeitos de encadeamento, um papel estratégico naorganização da economia (da agricultura aos serviços deponta, atravessando todos os setores industriais). Pelosmais diversos pontos de vista, essa se revela uma cadeiaindustrial bastante diversificada: abrange desde a indús-tria pesada de base (como o refino de petróleo) até indús-trias de ponta voltadas para nichos altamente sofistica-dos de mercado (como a indústria de medicamentos, ou

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materiais especiais para aviação); reúne todas as formasde capital (estatal, privado nacional e multinacional, fun-dos de pensão, estatal estrangeiro) e combinações dosmesmos; congrega plantas produtivas de todos os portes,distribuídas na cadeia de forma pouco convencional quan-do comparadas às indústrias de produtos discretos; espa-lha-se pelas principais regiões do país, organizada sob aforma de pólos; possui, por fim, múltiplas vocações demercado (mercado interno abrangente ou apenas nichosdo mercado interno, mercados externos regionalmenteespecializados, como América Latina, ou internacional-mente diversificados).

Do ponto de vista do mercado de trabalho e das formasde gestão da produção, a cadeia industrial química-petro-química também abriga uma variada gama de situações.Aqueles pólos que foram fruto da política estatal que com-binou substituição de importações de insumos básicos comdesconcentração industrial e desenvolvimento regional(especialmente o da Bahia) erigiram-se sobre mercados detrabalho menos estruturados e menos embebidos numacultura do trabalho fabril. Por isto mesmo, as estratégiasgerenciais e do planejamento estatal foram, já no nas-cedouro, desafiadas a produzir uma oferta local de traba-lho, qualificada e afeita às especificidades dos regimes deturno contínuo na moderna indústria química; criou-se,assim, um mercado setorial de trabalho relativamente res-trito (do ponto de vista da seletividade e da circulação) ede perfil mais homogêneo (em termos dos níveis de ins-trução, relativamente mais elevados, da extração social eda origem regional) (Guimarães, Agier e Castro, 1995).Já no grande pólo paulista, inversamente, a indústria quí-mica teve seu lugar desde os primórdios do crescimentoindustrial do começo do século. Nesse sentido, formou-seum tecido industrial complexo, em torno do qual foi erigidoum mercado de trabalho extremamente heterogêneo e bemmais volátil;13 ali se combinam desde estratos altamentequalificados e estáveis até contingentes de mão-de-obrade baixa qualificação e capazes de circular por diversosoutros setores de atividade.

No que diz respeito aos modelos de gestão da produ-ção, encontram-se desde indústrias de tipo capital intensi-vo, com uma força de trabalho altamente especializadaoperando em regimes organizacionais flexíveis (times,células, etc.), até sistemas fordistas (mão-de-obra intensi-va, ocupando uma força de trabalho não necessariamenteescolarizada ou qualificada e pagando baixos salários). Éainda um complexo que, por suas características de in-dústria de processo contínuo, usualmente antecipa movi-mentos de inovação tecnológica e organizacional, quedepois se difundem pelos demais setores industriais (Cas-tro e Comin, 1997). Finalmente, trata-se de um setor in-dustrial com longa tradição de um sindicalismo bastante

atuante e combativo, boa parte dele atualmente congrega-do na CUT.

A escolha das empresas a seguir analisadas pretendeu,dentro das limitações que caracterizam os estudos de casoem profundidade, dar conta, ao menos parte, desta hete-rogeneidade. Resumidamente, o perfil dessas empresaspoderia ser assim caracterizado:

- uma estatal monopólica e tradicional, situada no princí-pio da cadeia e de grande porte. Trata-se de uma plantaantiga e que vem atravessando nos últimos anos um pro-cesso tímido de modernização. Seguindo o padrão dasestatais brasileiras, acumulou durante anos um padrão degestão da força de trabalho paternalista, tendo como con-trapartida um rol relativamente amplo de benefícios (sa-lários relativamente mais altos, estabilidade no emprego,aposentadoria especial, etc.). Sua força de trabalho pos-sui um perfil bastante qualificado e instruído, extraído deum mercado de trabalho restrito. Embora o sindicalismonesta empresa possua longa tradição, as negociações ten-dem a ser cada vez mais nacionalmente centralizadas,esvaziando de funções o sindicato local;

- uma ex-estatal, atualmente em poder de grupos priva-dos nacionais, principal produtora de petroquímicos bá-sicos e, portanto, em um ponto intermediário da cadeiaquímica. Trata-se de uma planta de grande porte, tecno-logicamente atualizada, com uma mão-de-obra de instru-ção relativamente alta (e em elevação), recrutada nummercado de trabalho igualmente restrito. Em função desua localização, e do momento de sua construção, teve devocacionar-se para o mercado externo, altamente compe-titivo. Devido à história de relações sindicais conflituosas,a empresa passou a adotar um regime de gestão autoritá-rio e refratário ao sindicato. Este, apesar de combativo,não chegou a enraizar na empresa uma estrutura de mi-cro-representação, de sorte tal que, num contexto de ca-pacidade decrescente de mobilização, viu ser posta emrisco a sua influência na empresa;

- uma ex-estatal do setor petroquímico, também sob con-trole de grupos nacionais, de porte médio, bastante anti-ga, e que só recentemente experimenta alguma atualiza-ção tecnológica. A exemplo do caso 1, pautou-se por ummodelo paternalista de gestão, que apenas com a privati-zação começou a se desestruturar. Por ser antiga e situar-se no coração do principal pólo industrial brasileiro, adespeito de suas deficiências, possui um mercado cativoainda pouco exposto à concorrência externa. O sindicatoregional é dos mais tradicionais e atuantes, entretantopossui escasso acesso à planta;

- uma empresa química de capital multinacional, respon-sável por uma planta de médio porte, muito antiga e pou-co modernizada tecnologicamente. A despeito disso, é

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líder de mercado em todas as linhas de produtos em queatua, mesmo após a abertura comercial. Além de domi-nar o mercado interno, funciona como plataforma do grupomultinacional para toda a América do Sul, onde tambémocupa posição de destaque. Insere-se em um mercado detrabalho bastante variado e de fácil recrutamento. Adotaum modelo de gestão permeável à negociação com seustrabalhadores e também com o sindicato, que é tradicio-nalmente bastante atuante, tem expressiva adesão interna(medida aqui pela sindicalização), mas que também nãologrou consolidar representação interna à planta.

As três últimas empresas têm em comum fortes movi-mentos de enxugamento de mão-de-obra, nos anos 90, basi-camente motivados pela necessidade de incrementar a com-petitividade – em função da abertura comercial –, perseguidaatravés da redução de custos fixos. No caso da primeira em-presa (única estatal), a redução de custos vem afetando mui-to suavemente o tamanho dos efetivos (o mecanismo maisusual se restringe ao estímulo à aposentadoria voluntária),conquanto tenha promovido uma importante diversificaçãodas práticas de emprego dirigida a distintos contingentes doseu pessoal. Embora as estratégias de enxugamento tenhamvariado de caso a caso e, mesmo em cada caso, ao longo dotempo, muitas vezes encadeando aposentadorias e demis-sões, programas de demissão voluntária e programas de de-missão orientada, transferências e terceirizações, reduçãosimplesmente da força de trabalho e renovação, todas tive-ram em comum o fato de orientarem esses processos porcritérios semelhantes de seletividade. Deixando de lado osdesníveis que marcavam cada caso no início destes proces-sos, em todos houve um expressivo esforço por elevar osníveis educacionais dos trabalhadores remanescentes. Nes-te aspecto, aliás, é importante observar que as análises maisgerais sobre cada um destes mercados de trabalho revela-ram que a tendência seguida por estas empresas não distavada que se exprimia, em média, pelo setor como um todo, oque torna os casos em estudo ainda mais interessantes.

Menos trabalhadores, porém mais instruídos (e, aomenos no discurso gerencial, mais qualificados): eis onovo perfil da mão-de-obra escolhida pelas empresas paradeslanchar esforços de reorganização produtiva, tecno-lógica (em alguns casos) e organizacional (em todos). Écerto que as estratégias de reorganização seguidas por cadaempresa têm diferido bastante, especialmente em funçãodos padrões pretéritos de gestão (autoritário, paternalistaou negociador), das distintas pressões exercidas pelomercado, das relações sindicais pretéritas (mais ou me-nos conflituosas), do volume e das formas adotadas paraenxugar a mão-de-obra (se negociadas ou impostas, sepaulatinas ou em massa) e do perfil dos mercados de tra-balho (mais ou menos restritos, condição para uma reco-locação mais ou menos vantajosa).

Entretanto, a despeito de todas estas diferenças, pre-valecem alguns aspectos em comum, e muito sugestivospara efeitos da hipótese desenvolvida aqui sobre os sin-dicatos. Em todas, o eixo condutor dos esforços de reor-ganização produtiva correspondeu aos programas de qua-lidade, levando a um deslocamento de diversos aspectosda regulação do trabalho que antes eram geridos pelosdepartamentos de relações humanas, departamentos derelações industriais e outras gerências administrativas eque terminam por se concentrar nas mãos das gerênciasprodutivas e de qualidade e especialmente dos engenhei-ros. Esses, que antes eram os responsáveis basicamentepela gestão técnica do trabalho, assumem crescentes par-celas de responsabilidade pela gestão do trabalho. Políti-cas de recrutamento e enxugamento (que afinal definemos critérios de seletividade); treinamento, qualificação,investimentos em educação formal; reorganização do tra-balho e das tarefas e, por conseqüência, determinação decompetências e habilidades; revisão de funções, hierar-quias e cargos; promoções; punições; férias, folgas e tur-nos; e até mesmo a negociação com os sindicatos passama ser responsabilidades daquelas chefias e gerências queantes possuíam uma autoridade eminentemente técnica.Paralelamente, a legitimação interna para tal esforço co-letivo pela qualidade e produtividade tem se baseado emum discurso que, mais além de propugnar a participaçãoe o envolvimento, procura se fundar num princípio de“eqüidade cognitiva” que apela à importância dos sabe-res, formais e tácitos, e das práticas cotidianas dos traba-lhadores com vistas à melhoria contínua dos processosprodutivos e da gestão organizacional.

A confluência destas características passa a constituirum universo cada vez mais nevrálgico em termos da re-gulação do trabalho, perfilando interesses e gestandomecanismos que permitam tanto a produção de consen-sos quanto a administração de conflitos. Certamente nãoterá sido casual que, em todas as situações analisadas, odesencadeamento de processos de reorganização produ-tiva veio sempre acompanhado da emergência de formasinstitucionais, mesmo que embrionárias, conexas e/oucontidas nos programas de qualidade e produtividade.Graças à soberania destes na gestão cotidiana da vida fa-bril, as novas práticas de formação de consenso sobre oprocesso técnico tendem a contaminar progressivamenteas demais negociações das relações sociais no trabalho,abrindo canais de representação de interesses coletivosque contornam e competem com os sindicatos.

Tais formas institucionais assumem expressões varia-das: grupos autônomos; comitês de qualidade; programasde qualificação, treinamento, aperfeiçoamento técnico ecomplementação educacional; conselhos ou clubes deacionistas (no caso das empresas privatizadas); comissões

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de negociação para a definição das quotas de Participa-ção nos Lucros e Resultados – PLR; comissões para aprevenção de acidentes e doenças profissionais; associa-ções de empregados com finalidades várias. Elas têm emcomum, contudo, o fato de buscarem absorver e concen-trar no interior do espaço fabril os elementos que gradati-vamente assumem maior destaque em termos da regula-ção do trabalho, ao mesmo tempo em que operam nosentido de imantar o envolvimento do trabalhador. O graude “sucesso” que atingem é relativo e seu fôlego aindaincerto, mas parece cada vez mais razoável que, pelomenos até aqui, seu avanço tem escapado à capacidadede interferência dos sindicatos. Dediquemos as últimaslinhas deste artigo a esta questão.

CONCLUSÕES

Se é plausível a hipótese de que um novo regime fa-bril microcentrado possa estar surgindo e que este seriaacompanhado por novas formas institucionais de canali-zação de interesses, produção de consenso e regulação deconflitos (Castro, 1996; Castro e Comin, 1997), algumasconseqüências possíveis devem ser examinadas. A primei-ra refere-se ao fato de que esse novo padrão de regulaçãotenderá a pulverizar e atomizar as pautas e negociaçõescoletivas, que, no limite, reduzir-se-iam cada vez mais aoâmbito das unidades produtivas. Em um cenário como este,o poder de influência dos sindicatos – tal como está orga-nizada hoje a maioria deles – tenderá a ser decrescente; aagenda de negociações deslocar-se-ia para um terreno noqual sua capacidade de interferência seria bastante redu-zida, quando não inexistente, posto que não se criaraminstitucionalidades de pactação, reconhecidas por patrõese trabalhadores, capazes de negociar a este nível.

Como procurou-se sublinhar no princípio deste artigo, ossindicatos brasileiros, não obstante suas enormes dificulda-des (derivadas tanto das características de sua estrutura or-ganizacional, quanto da baixa permeabilidade do sistemapolítico) se não foram capazes de se firmar como agentesmacro e nem mesmo meso-regulatórios, ao menos (e isso jánão parece ser tão pouco) lograram irradiar seu maior poderde barganha em determinados setores e regiões, benefician-do universos mais vulneráveis da força de trabalho. Este jánão parece ser o quadro atual. O estreitamento e o aguça-mento da seletividade do mercado de trabalho, ao lado damultiplicação de práticas de emprego em torno de formasmuito heterogêneas de trabalho, características desta déca-da, tendem a estabelecer uma fronteira mais rígida entre osnichos “nobres” (localizados nos núcleos mais modernos edinâmicos da indústria) e os setores periféricos. Essa novaconfiguração do mercado de trabalho, combinada com oinsulamento dos mecanismos de definição dos parâmetros e

regras de uso e remuneração da força de trabalho, hipóteseque este artigo pretende ter colocado em pé, dá vazão a pelomenos duas suspeitas. A primeira, de que o fosso que separaos setores mais e menos integrados do mercado de trabalho(com toda a sua correspondência em termos de direitos so-ciais, níveis de remuneração e bem-estar) tenderá a se apro-fundar. A segunda é a de que os sindicatos, ao menos semantidos na sua forma atual de intervenção, desempenha-rão papel cada vez mais coadjuvante na definição dos ter-mos das relações entre trabalhadores e empregadores. Ce-nário este pouco alvissareiro, mas, oxalá, não inevitável.

NOTAS

E-mail dos autores: [email protected] e [email protected]

1. O último levantamento oficial realizado pelo IBGE, em 1991, apontava a exis-tência de mais de 11 mil sindicatos. Informalmente, técnicos do Ministério doTrabalho estimam que o número de sindicatos no Brasil, atualmente, esteja nacasa dos 20 mil.

2. Independente da enorme diferença entre os resultados dessas duas formas demensuração do fenômeno, estes índices são relativamente baixos quando com-parados com os picos históricos registrados: acima de 7%, em 1984, no caso daPME, e acima dos 15%, em 1992 e 1997, no caso da PED.

3. O principal trabalho sobre greves no Brasil continua sendo o de Noronha (1992).

4. Para um estudo mais amplo sobre as conseqüências da estrutura sindical parao desenvolvimento das centrais sindicais no Brasil, ver Comin (1995).

5. A principal delas, sem dúvida, foram as centrais sindicais, especialmente aCUT, embora estas tenham encontrado na persistência da estrutura oficial debase um forte obstáculo à sua consolidação institucional. Veja-se a este respeitoComin (1995). As comissões de fábrica foram também inovações de enorme sig-nificado, muito embora o seu alcance, restrito a algumas poucas categorias eregiões, impeça que sejam consideradas como uma novidade que tenha contami-nado estruturalmente o cenário sindical brasileiro.

6. Além da recessão, outros fatores de natureza macroeconômica inibidores doinvestimento, como as altas taxas de juros e a sobrevalorização do câmbio, fo-ram insistentemente apontados como indutores deste tipo de estratégia, por eco-nomistas de todos os matizes.

7. Sempre tendo como referência a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, doconvênio Seade/Dieese, para a Região Metropolitana São Paulo. Na verdade, o últimolevantamento divulgado apontava taxa superior a 16% em setembro de 1997, numano em que se estima que a economia do país venha a crescer perto de 3,5%.

8. A relação entre diminuição do emprego industrial e crescimento do emprego in-formal está em que o setor industrial apresenta índices de formalização do empregomuito superiores aos da maioria dos serviços. Ver Paes de Barros e Mendonça (1995).

9. Segundo estudo recentemente realizado pela consultoria Simonsen e Associa-dos, estes foram os estados cujas economias mais cresceram nos anos 90 (OESP,20/10/97).

10. Não é casual que já não se mencione aqui empregadores, mas sim em qua-dros gestores. Isso tem a ver com a própria natureza desta nova agenda.

11. Estamos aqui nos baseando em nossos próprios estudos sobre as mudançasnos perfis destes mercados de trabalho, efetuadas com base nos dados da Rais edo Caged (Comin, Cardoso e Campos, 1997; Campos et alii, 1997).

12. Para as descrições de casos, ver Comin (1997), Castro (1997) e Santos eFartes (1997).

13. Para uma análise minuciosa e comparativa desses dois mercados de traba-lho, ver Campos; Comin e Santos (1997).

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O ‘RAPTO’ DA VANGUARDA

A

O ‘RAPTO’ DA VANGUARDA

GUSTAVO CODAS

Assessor de Política Sindical da Central Única dos Trabalhadores

s empresas no Brasil estão, nestes anos 90, dis-putando de forma direta, com os sindicatos e ospartidos de esquerda, a formação da consciên-

cia e o engajamento ativo dos trabalhadores. Tal fenôme-no atinge em cheio os trabalhadores dos setores de pontada economia, que lideraram, nos últimos 20 anos, a for-mação, a construção e o crescimento da Central Única dosTrabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT),duas das principais organizações do movimento operáriocontemporâneo do país. O empresariado lançou, com suatentativa de “raptar” essa vanguarda social, um enormedesafio para esse movimento operário.

Quais são os termos da disputa? Em que momento delanos encontramos? Quais têm sido as respostas do movi-mento sindical? Qual é a agenda do movimento sindicalpara o próximo período? Essas são algumas das questõesde que se tratará aqui.

CENTRALIDADE DA CONSCIÊNCIA DOTRABALHADOR

As mudanças que vêm acontecendo nas empresas po-dem ser agrupadas em duas grandes categorias. De umlado, estão as mudanças da base técnica, em especial aautomação, a informática e o uso de novos materiais. Deoutro, encontram-se as mudanças organizacionais – com-pondo um cardápio amplo que permite diversas combi-nações – e que segundo Bresciani (1997) e Salerno (1993)podem ocorrer em diversos âmbitos:- na relação entre empresas (desverticalização, focaliza-ção, terceirização, parcerias);

- na organização geral da empresa (criação de “unidadesde negócios” e mini-fábricas, desdepartamentalização,novos critérios de contabilidade de custos, etc.) e da pro-

dução (“produção enxuta”, just-in-time/kanban, inspira-das no modelo toyotista, manufatura celular);

- na organização dos processos de trabalho (ControleEstatístico de Processos, trabalho polivalente, trabalho emgrupos);

- na gestão do trabalho e da empresa (programas de “qua-lidade total”, redução dos níveis hierárquicos, Círculosde Controle de Qualidade, sistemas participativos, remu-neração variável/programas de participação nos resulta-dos, etc.).

Assim como Henry Ford no começo do século nãoprecisou de uma nova base técnica para revolucionar afabricação de automóveis através da linha de montagem(Braverman, 1983:55), hoje no Brasil as transformaçõesde maior peso e mais disseminadas na produção e servi-ços são sobretudo as de caráter “organizacional”. Mes-mo nos casos em que há importantes mudanças na basetécnica, estas são aproveitadas para impulsionar altera-ções organizacionais.

É verdade que a substituição do “trabalho vivo” pelo“trabalho morto”, de trabalhadores/as por máquinas, étanto uma tendência que lentamente se verifica na histó-ria do capitalismo como uma utopia radical que habita oimaginário empresarial desde há muito tempo.

Assim, não é de se estranhar que tenha ganhado forçacom a crise dos anos 70, em algumas empresas no mundoindustrializado, a “resposta pan-tecnológica”. Mas os quese aventuraram por tal caminho não demoraram a perceberque o elemento-chave estava no outro extremo da equação,na força de trabalho (Malabarba, 1995). O taylorismo, quetinha inutilmente tentado dispensar a “cabeça” do/a traba-lhador/a para utilizar apenas seus braços para o trabalho frag-mentado, foi colocado em questão. A empresa precisava

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lançar-se ativamente à conquista “da cabeça e do coração”do/a trabalhador/a: “O capital já não quer só a força de tra-balho: ele quer a alma de cada trabalhador. Essa é a essênciada terceira revolução tecnológica em curso” (Sindipolo,1997). No entanto, o que aparece como a nova força daempresa pode também vir a ser seu “calcanhar de Aquiles”,já que agora ela, para funcionar em condições consideradasótimas, “depende” dos trabalhadores muito mais do que an-tes (Malabarba, 1995; Salerno, 1993).

O desafio colocado era como operar tal revolução semalterar o caráter capitalista da empresa. O “modelo japonês”(“toyotismo”, “ohnoísmo”) deu ao mundo ocidental desen-volvido as diretrizes, e a longa crise econômica aberta nosanos 70 colocou o cenário propício para a resposta.

No Japão, o terreno produzido pela feroz repressão aomovimento operário entre finais dos anos 40 e inícios dos50 articulou-se com políticas de integração de segmentosestratégicos dos trabalhadores ao marco dos interesses dasempresas, por exemplo, através do “emprego vitalício” eda “senioridade” (Ichiyo, 1995; Watanabe, 1993).

Já no Ocidente, o toyotismo é um fenômeno tardio quevem combinado com dramáticas transformações do mundodo pós-Segunda Guerra Mundial. O desemprego em pa-tamares mais altos, conjugado com a precarização domercado de trabalho e os ataques neoliberais ao Estadode Bem-Estar, e a intensa campanha ideológica sobre o“fim da história”, acompanhando a crise final do “socia-lismo realmente existente”, são algumas das “novidades”do cenário para o qual o “modelo japonês” foi importa-do. Elas exprimem uma nova correlação de forças, maisdesfavorável aos trabalhadores, e é nesse contexto que ocapital convocará trabalhadores/as a colaborar com osobjetivos da empresa.

Peça-chave nesse cenário é a “globalização”, isto é, oaumento do grau de liberdade concedido pelos Estadosnacionais sob hegemonia neoliberal para a circulação decapitais pelo planeta. A ameaça da migração dos postosde trabalho para regiões onde os salários ou as exigên-cias trabalhistas são menores, ou mesmo para onde há umaprodutividade maior do trabalho, vai juntar-se ao medodo desemprego criando um “caldo de cultura” muito es-pecial. As empresas também buscam introduzir os traba-lhadores pelos labirintos da disputa por competitividadeem um mercado que se anuncia mais aberto e ameaçador.O operativo vai, na verdade, mais longe estimulando aconcorrência entre trabalhadores dentro da própria em-presa – como também entre trabalhadores de diversasempresas do mesmo ramo na mesma região, entre regiõesdiferentes1 e entre países diferentes.

No Brasil dos anos 90, sob hegemonia neoliberal, to-dos esses fenômenos sofrerão uma dramática aceleração.Como detectou Gramsci (1987a) em relação ao taylorismo-

fordismo nas primeiras décadas do século no Ocidente in-dustrializado, também esta nova estratégia empresarialbusca sua transformação em uma visão de mundo, em umaideologia de massas. Não se trata de “envolver” e “con-vencer” um/a trabalhador/a, mas também sua família, seusamigos e vizinhos. Fora da jornada de trabalho, o empre-gado terá espaços de lazer na empresa para desenvolveruma sociabilidade totalmente vinculada a ela. Por outrolado, conceitos tais como qualidade total, empregabilida-de, competitividade, flexibilidade, globalização, etc. pas-sam a fazer parte do cotidiano das pessoas comuns. Nãose trata apenas de reorganizar uma fábrica ou um banco,mas a sociedade inteira.

A REESTRUTURAÇÃO REALMENTEEXISTENTE2

Em relação às estratégias empresariais, vivemos no paíssituações muito diferenciadas. Mas algumas tendências3

estão se impondo nos setores mais dinâmicos da econo-mia brasileira – e é neles que se encontram os contingen-tes de trabalhadores que tiveram o papel fundamental naconstrução das principais organizações do movimentooperário atual.

Cardoso, Comin e Campos (1996), em recente estudoempírico sobre os metalúrgicos do ABC, mostram que ostrabalhadores que conformam o “núcleo duro” dos queapóiam o sindicato sobrevivem nas empresas após os ven-davais da reestruturação produtiva. Tal núcleo estaria for-mado por homens de mais de 30 anos, com mais de cincoanos de firma, alocados na produção, trabalhando nasgrandes empresas, com escolaridade média e com maiorqualificação profissional: “Esses trabalhadores (são os)mais sindicalizados, mais presentes nas assembléias, maisatuantes nos movimentos grevistas, mais assíduos nas elei-ções sindicais e mais informados sobre a vida de seus sin-dicatos.” Esta constatação reforça a hipótese de que aempresa precisa, para viabilizar suas novas estratégias,desenvolver uma feroz luta ideológica para conquistar aadesão desses trabalhadores.4

A convocatória do capital para a participação do/a tra-balhador/a, o discurso da “parceria” capital/trabalho sãoparte, efetivamente, de uma “revolução empresarial”. Masnão do modo exposto pelos propagandistas que a apre-sentam como uma nova e idílica era nas relações capital-trabalho, afinada com o propalado “fim da história”.

Meses atrás o presidente FHC saudou publicamente umtexto do ultra-liberal Gustavo Franco, hoje presidente doBanco Central, que assinalava o grande aumento da pro-dutividade do trabalho nos anos 90, no Brasil, como ques-tão-chave do atual modelo econômico (Franco, 1996). Afala do presidente misturou conceitos dos tempos do “jo-

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vem Cardoso” à intencionalidade neoliberal do “velho”:“O que é a produtividade senão o velho conceito de mais-valia relativa de Marx?” e “Marx entendeu como ninguéma essência da dinâmica do capitalismo” (Folha de S.Paulo,15/09/96). Ao igualar a “produtividade” de Franco com a“mais-valia relativa”, FHC buscava identificar o modeloem implantação no Brasil dos anos 90 com a “moderni-dade” capitalista, em contraposição à “mais-valia abso-luta” que caracterizou sobretudo as fases iniciais daindustrialização capitalista. Questionando essa caracteri-zação, mostramos em outro lugar como o modelo emimplantação no Brasil está fortemente alicerçado em ele-mentos de “mais-valia absoluta”, configurando um “re-torno às origens” próprio do capitalismo da época neoli-beral (Codas, 1996).

Na atual década, o crescimento da produtividade dotrabalho no Brasil veio acompanhado do aumento do de-semprego e combinado com uma pressão sobre os traba-lhadores que permaneceram empregados. Os profundoscortes de pessoal na indústria e a chegada de jovens re-cém-formados têm ampliado a quantidade de trabalhado-res semiqualificados e qualificados dentro do “exércitoindustrial de reserva”, que são “usados” para ameaçar osque não perderam o emprego. Recuperando o mais puropensamento conservador, o desemprego é visto como umpositivo elemento disciplinador da força de trabalho, atépelos mais progressistas consultores governamentais,como fica claro nesta fala de José Márcio Camargo: “Euinsisto em que o ponto fundamental é o seguinte: plenoemprego torna os trabalhadores indisciplinados e isso re-duz a produtividade” (Singer et alii, 1996:148). As novasestratégias empresariais5 têm sido a “forma” com o queessa pressão tem se apresentado sobre os trabalhadores.

Nesse marco, a participação proposta pelos empresáriosaos trabalhadores trata-se quase sempre de uma “democra-cia concordativa”, na expressão utilizada por um sindicalis-ta gaúcho: funciona enquanto o trabalhador concorda comos objetivos traçados pelo empresário. Os programas de “qua-lidade total” inspirados no “modelo japonês”, muito popu-lares entre os empresários brasileiros, têm claramente essaorientação. Um dos principais consultores empresariais bra-sileiros na matéria afirma, por exemplo, que “o Controle daQualidade Total é implantado pela linha de cima para baixo(top-down)” (Falconi, 1992:177). Analisando empresas emque essa diretriz tem sido aplicada, no Rio Grande do Sul,Roesch e Antunes (1995:41) comentam que “um aspectoextremamente positivo do modelo”, a ampliação “da parti-cipação das pessoas em outros aspectos diretamente ligadosao conteúdo de seu trabalho (...), conflita com o forte papelatribuído à liderança, combinado com o estilo autoritário (top-down) de implementação do modelo. É a alta gerência queinicia o processo; ... (é seu papel) transmitir as metas de qua-

lidade aos subordinados, mostrando comprometimento eentusiasmo. Neste sentido, torna-se difícil classificar a Ges-tão pela Qualidade Total como um modelo de gestão parti-cipativo”.

Se a inspiração autoritária é coerente com a tradiçãodo empresariado brasileiro, há também casos em que umaefetiva transformação do trabalho pode levar os trabalha-dores a avaliarem que “se não está bom com as novasformas de organizar o trabalho”, eles também “não que-rem voltar à anterior”. Este é um dos aspectos mais desa-fiadores para o movimento sindical.

Ao lado do crescente desemprego, a precarização domercado de trabalho cumpre um papel político e econô-mico fundamental. O capital consegue fragmentar e dis-persar a classe trabalhadora (Antunes, 1995) e, o que émais importante, uma minoria de trabalhadores com maiorqualificação, salários melhores e menor rotatividade noemprego se vê frente a um oceano de trabalhadores sub-contratados, eventuais, temporários, etc. Se aqueles so-frem uma pressão sobre o ritmo e a intensidade do traba-lho, estes vivem a “modernização” através disto, daredução de suas condições de sobrevivência e do aumen-to de sua insegurança, por estarem desprovidos de prati-camente qualquer proteção social.

Esta combinação de modernização e barbárie, de ilhasde excelência e oceanos de exclusão, de convocatórias para“participar” e demissões em massa, etc. talvez expliqueas fortes limitações enfrentadas pelas estratégias empre-sariais para conquistar “corações e mentes” dos/as traba-lhadores/as.

AS RESPOSTAS SINDICAIS

As novas estratégias empresariais envolvem vários ti-pos de desafios para o movimento sindical. Os sindicatosbrasileiros tinham secundarizado na sua agenda de atua-ção os temas referentes aos processos de produção e detrabalho (com exceção dos aspectos referentes à saúde eà segurança no trabalho). Foi assim que as aceleradas trans-formações nos últimos dez anos pegaram os sindicatosdesaparelhados para analisar e agir sobre esse terreno.

Deve ser ressalvado que houve importantes anteceden-tes históricos (Bresciani, 1994a). Já nos anos 80, o Dieese,a CUT e alguns sindicatos cutistas (como os de Metalúr-gicos de São Bernardo do Campo e de Telefônicos deMinas Gerais) tiveram iniciativas pioneiras. Desde 1983,o Boletim Dieese, de edição mensal, vem publicando aseção permanente “Linha de produção” (Dieese, 1994a).Em 1985, a CUT criou a Comissão Nacional de Tecnolo-gia e Automação (CNTA, hoje denominada Grupo deTrabalho sobre Reestruturação Produtiva), e logo depois,o Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políti-

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cos (Desep). Ambos desenvolveram discussões e estudossobre o tema (CNTA, 1987; Desep, 1988). Se tais inicia-tivas tivessem sido mais amplamente assimiladas pelomovimento sindical, poderiam tê-lo colocado em outropatamar para enfrentar os anos 90. Mas isto não ocorreu.

Dois aspectos têm limitado a ação sindical neste terreno.O primeiro é a fragilidade ou mesmo a ausência da organi-zação sindical nos locais de trabalho – regra que vigora es-pecialmente nas empresas privadas.6 Isso é resultado sobre-tudo da postura marcadamente autoritária do empresariado,que age com impunidade graças à inexistência de uma le-gislação que proteja o direito à organização dos trabalhado-res dentro das empresas. Colabora para esse quadro o fatode as direções sindicais, acostumadas ao padrão do sindica-lismo getulista, não priorizarem a luta por conquistar essedireito ou mesmo por consolidar as atuais organizações. Ossindicatos de categoria sem organização nos locais de traba-lho são politicamente incapazes de perceber, acompanhar eresponder às transformações que estão acontecendo no “chãodas empresas”. A presença ou não de uma representação or-ganizada do sindicato ou mesmo autônoma nas empresas temconstituído uma linha divisória das respostas sindicais. Ossindicatos que contam com organização no local de traba-lho, via de regra, conseguem perceber com antecipação asintenções das empresas e podem agir antes da reestrutura-ção se consumar. Os sindicatos que não contam com essesorganismos só tomam conhecimento das mudanças quandoelas já aconteceram e, em geral, alertados pelas demissõesmassivas.

Um segundo aspecto é que o movimento operário bra-sileiro incorporou os parâmetros do taylorismo-fordismoà sua própria cultura trabalhista (ressalvados os questio-namentos no campo da saúde e da segurança no traba-lho).7 Dessa forma, quando o capital iniciou seu movi-mento de crítica e superação do taylorismo-fordismo, ossindicatos não tinham acumulado uma visão autônoma ealternativa sobre a organização do trabalho.

Na imensa maioria dos casos, as mudanças organiza-cionais aconteceram sem interferência dos sindicatos, quan-do não sem seu conhecimento. Em uma minoria dos ca-sos, houve resistência organizada e, em alguns poucos, umprocesso de negociação da reestruturação produtiva. Osregistros disponíveis mostram assim uma baixa quantida-de de negociações sobre a reestruturação produtiva dasempresas que resultaram em acordos assinados (Dieese,1997) – se desconsiderarmos o tema da “participação noslucros ou resultados”. Como regra geral, os sindicatos sóconseguem recuperar espaços políticos rapidamente porduas vias. Ou porque a implantação das mudanças provo-ca contradições dentro das empresas que resultam em boi-cotes por uma parte dos chefes e gerentes das mesmas ouem uma aplicação truncada do modelo; ou porque temas

“externos” à organização da produção e do trabalho (salá-rios defasados, cláusulas sociais que a empresa quer reti-rar dos acordos/convenções coletivas, etc.) reaproximaramos trabalhadores aos sindicatos. Colabora para essa fragi-lização das estratégias empresariais o fato de o mercadode soluções miraculosas para as empresas ter crescidomuito nesta década e, com ele, a prática do managment bybest seller.8 De acordo com Salerno (1993), “as empresase suas direções estão testando propostas de reestruturação”num processo de aprendizado ainda inacabado, o que abreespaços para a intervenção sindical.

O fato de os sindicatos não terem interferido direta-mente no início não significa que não houvesse reaçãopor parte dos trabalhadores. Da mesma forma que sob otaylorismo-fordismo a ação individual ou de coletivos detrabalhadores/as buscava alterar a forma de organizaçãoprescrita pelas empresas, também no momento de mudan-ça deste modelo registra-se uma intensa negociação in-formal, mesmo sem a presença dos sindicatos (Leite,1994). Os registros disponíveis mostram, assim, uma baixaquantidade de negociações sobre a reestruturação produ-tiva das empresas que resultaram em acordos assinados(Dieese, 1997) – se se desconsidera o tema da “participa-ção nos lucros ou resultados”.

A NEGOCIAÇÃO E OS VERDADEIROSDILEMAS

O movimento sindical cutista tendeu a colocar a ques-tão como um dilema entre “negociar” ou “não negociar”a reestruturação produtiva. Em parte, o debate acadêmi-co fez o mesmo. Mas uma análise que tente dar conta dosverdadeiros dilemas deve trilhar outros caminhos.

Bresciani (1994b:203) elaborou uma ampla categoriza-ção de situações vividas em matéria de respostas sindicais,organizadas segundo a “forma” que toma a influência con-seguida pelos trabalhadores em face das estratégias empre-sariais – desde a “resistência não declarada” até a “influên-cia” conseguida em lei, em acordo coletivo ou em espaçoinstitucional. Salerno (1993) aborda a mesma questão a par-tir da “postura” com que as direções sindicais respondem aodesafio – a omissão dos que não querem “gerir o capitalis-mo”, dos pelegos, dos que negociam para minimizar impac-tos e dos que intervêm antecipadamente com “projeto pró-prio”. Poder-se-ia pensar ainda em duas outras vertentes aserem exploradas: uma classificação conforme o conteúdodas reivindicações ou das cláusulas negociadas/acordadascom a empresa; e uma categorização segundo os resultadosobtidos em matéria de “legitimação” do sindicato junto aostrabalhadores afetados.

Apesar da maneira como foi introduzido o debate naCUT, a “negociação” em si nunca definiu campos políti-

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cos no movimento sindical. Relevante é o conteúdo doque se reivindica e do que, eventualmente, se assina en-quanto acordo, assim como “o marco” em que tudo issoacontece. É dispensável enfatizar que os “resultados” de-penderão, em boa medida, da correlação de forças cons-truída, isto é, da mobilização, do convencimento dos tra-balhadores, da disposição de pressionar e fazer greve, etc.dentro de uma determinada conjuntura.

No entanto, deve-se reconhecer que nesta matéria há, efe-tivamente, um aspecto que em geral não se coloca nas tradi-cionais negociações trabalhistas. Em acordos coletivos quetratem da reestruturação produtiva, podem ser inseridos ele-mentos que dizem diretamente ao controle do capital sobreos trabalhadores, à disciplina que o capital exerce sobre otrabalho. Nas experiências de acordos de “participação noslucros ou resultados” (PLR), que vêm sendo desenvolvidaspelos sindicatos filiados às várias centrais sindicais desde1995, aparecem cláusulas desse tipo, como no caso das quecondicionam a sua obtenção à diminuição do absenteísmo.Dessa maneira o próprio sindicato pode estar sendo levadoa cumprir um papel de controle sobre a força de trabalho.9

Um levantamento sobre acordos de PLR feito pelo Sindica-to dos Metalúrgicos de Osasco (filiado à Força Sindical)mostra que essa é a cláusula mais freqüente nos acordos as-sinados na categoria (Dieese/Sindicato dos Metalúrgicos deOsasco, 1997).

No outro extremo estariam acordos que permitem umainterferência dos trabalhadores sobre a estratégia empre-sarial. Este parece ser o caso dos acordos assinados entre1993 e 1995 pela Comissão de Fábrica, o Sindicato dosMetalúrgicos do ABC (filiado à CUT) e a Mercedes-Benzdo Brasil, saudados como uma alternativa às estratégiaspredatórias das empresas (Arbix, 1996).10 Esses acordosaconteceram dentro de um prolongado processo de con-flitos em torno da reestruturação da empresa. Em 1990 aComissão de Fábrica já denunciava as transformaçõesradicais que a Mercedes queria implantar até 1995 (Jor-nal da Comissão, 1990). Entre 1990 e julho de 1995, fo-ram deflagradas 48 paralisações pelos trabalhadores daempresa – enquanto entre 1980 e 1989, no auge das lutassindicais no Brasil, foram 20 paralisações no total.11 Di-ferentemente da década passada, nos anos 90 tratava-sesobretudo de paralisações setoriais curtas e de atos deprotesto realizados dentro da empresa, em boa parte vin-culados a temas da reestruturação.

Porém, a história não se deteve nesse ponto. No se-gundo semestre de 1995, quando o governo federal pro-vocou uma recessão, afetando o mercado de caminhões,e a instalação da planta da Volkswagen em Rezende (RJ)era apresentada como uma ameaça para a Mercedes, adireção da empresa fez de forma unilateral e abrupta de-missões em massa e cortes de benefícios. A conjuntura

externa lhe permitiu reverter a correlação de forças inter-na. A cicatriz deixada pelas demissões (respondidas comuma prolongada greve de solidariedade dos trabalhado-res que não foram demitidos) comprometeu a idéia de“parceria” – que antes a empresa afirmava procurar. Re-centemente, a Comissão de Fábrica e o Sindicato denun-ciaram que os acidentes de trabalho, que tinham diminuí-do por quatro anos, recomeçaram “depois que a Mercedesmudou a forma de produção e instalou células, kaizen,etc. atropelando os acordos feitos com os trabalhadores”;e em 7 de outubro uma paralisação setorial protestavacontra o aumento do ritmo e as más condições de traba-lho (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1997).

“LEGITIMIDADE” E IDEOLOGIA NA AÇÃOSINDICAL

Cresce no movimento sindical a idéia de que sua legi-timidade junto aos trabalhadores está indissoluvelmenteligada à existência de acordos assinados em sua repre-sentação perante os empregadores – critério que deve serestendido à temática da reestruturação produtiva. A ques-tão é relevante, já que há um consenso de que parte doprograma neoliberal para a sociedade consiste na margi-nalização dos sindicatos, inclusive no interior das rela-ções capital-trabalho.

No entanto, a questão novamente está mal colocada.O processo de legitimação da organização sindical é com-plexo e não raramente tem passado pela recusa em assi-nar acordos ruins e, eventualmente, até pela negativa deassinar acordos prejudiciais, malgrado a posição favorá-vel dos trabalhadores. Esta, por exemplo, foi a condutaassumida pela CUT quando em 1990, sob o impacto doPlano Collor, as empresas (e, em muitos casos, os traba-lhadores) queriam assinar acordos de redução da jornadacom redução de salários. Estas atitudes poderão (ou não)ser reconhecidas pelos trabalhadores da base como cor-retas de imediato ou em um futuro próximo, já que háuma complexa relação “pedagógica” de mão dupla entrea organização sindical e os trabalhadores.

Outro tema de discussão é se o movimento sindical nãoestaria “ideologizando” a questão da reestruturação, o queseria incorreto, já que as decisões deveriam ser guiadaspor critérios eminentemente práticos, do tipo “serve/nãoserve aos trabalhadores da empresa”. O problema é que,como vimos, há um componente altamente ideológico naspropostas empresariais. Estas visam reorganizar a vida ea visão de mundo do trabalhador em torno dos interessesda empresa e, se exitosas, podem anular qualquer noçãode “autonomia operária” e, com ela, a possibilidade daexistência de um sindicato independente. Este é um desa-fio político e ideológico que tem que ser respondido. Por

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exemplo, a noção de competitividade utilizada pelas em-presas encontra seu contraponto na idéia de solidarieda-de dos trabalhadores (TIE, 1995). Mesmo o uso de ex-pressões “inocentes” como “reestruturação produtiva”,“trabalho em equipes”, etc. contribuem ideologicamentepara encobrir o conteúdo e impacto das estratégias em-presariais. É por considerar que as denominações devemajudar a esclarecer os conceitos que Slaughter e Parker(1988), por exemplo, usam a expressão managment bystress para referir-se à “produção enxuta”.

AÇÃO NA EMPRESA E ESTRATÉGIA GERAL

A experiência do movimento sindical aponta ainda ou-tros dois aspectos importantes. Um deles foi evidenciado nobalanço feito da experiência na Mercedes-Benz por um mem-bro da Comissão de Fábrica, que avaliou como um dos erroscometidos pela representação dos trabalhadores ter agidocomo se se pudesse avançar “numa empresa só”.12 Sempreque se conseguem direitos de forma isolada, o contra-ata-que patronal é uma questão de tempo e as chances de umaresistência exitosa são remotas. Com a “globalização” omesmo problema se coloca, agora também em escala mun-dial, introduzindo na agenda sindical a necessidade de umnovo e revigorado internacionalismo.

Mas também é difícil enfrentar as estratégias empresa-riais nos locais de trabalho sem atacar simultaneamente ascondições macroeconômicas que muitas vezes as condicio-nam. A tentativa mais ambiciosa de equacionar este proble-ma foi, sem dúvida, a das “câmaras setoriais”, em especial ada indústria automotiva (Desep, 1993). A hegemonia nacondução da política econômica do grupo liderado pelo en-tão ministro da Fazenda, FHC, encerrou essa experiência,criticada como exemplo de um corporativismo reciclado quenão deveria ser seguido (Franco, 1993). Com isso, voltou-se ao padrão anterior de relação promíscua e negociaçõessecretas entre o grande capital e o poder central, como ficouevidente na definição do regime automotivo instituído pordecreto em 1995 a partir de consultas entre o governo e asmontadoras multinacionais.

Há, no entanto, uma série de espaços institucionais deque o movimento sindical participa,13 e que tem em suapauta temas da reestruturação produtiva. O mais impor-tante é, sem dúvida, o Codefat no qual uma das batalhasda “bancada dos trabalhadores” tem sido pela revisão doscritérios que o BNDES utiliza para emprestar recursosoriundos desse fundo. Busca-se corrigir uma situaçãokafkiana, já que parte importante dos programas de rees-truturação de empresas, que têm significado profundoscortes de pessoal, tem sido financiada, via BNDES, comos mesmos recursos públicos arrecadados para financiaro seguro-desemprego. Hoje, os temas que estão no foco

das atenções do Codefat, do ponto de vista das centraissindicais, são aqueles relacionados ao processo de cons-tituição de um Sistema Público de Emprego (que deveriaarticular os programas de seguro-desemprego, requalifi-cação profissional e intermediação pública de mão-de-obra).

Outros espaços foram criados pelos governos, nos anos90, justamente para discutir “políticas para a competiti-vidade” (por exemplo, o PBQP, IBQP e Pacti). Ainda nãoexiste no movimento sindical (ou mesmo na CUT) umbalanço dessa intervenção. Numa primeira abordagem,podemos assinalar os seguintes pontos, que evidenciamas insuficiências da estratégia geral do movimento sindi-cal neste campo:- o governo federal e as entidades empresariais, em geral,é que pautam esses espaços com temas do seu interesse;

- os temas pautados, em geral, são vistos pelos sindicatoscomo distantes das suas prioridades, existindo um vácuoentre a intervenção institucional das centrais e as açõesdos sindicatos;

- nem sempre fica claro se a participação tem por objetivodefender reivindicações específicas de uma categoria ou dis-putar com um projeto alternativo e, muitas vezes, tambémnão se tem claro qual a relação entre as reivindicações decategorias e os interesses do conjunto dos trabalhadores.

A AGENDA SINDICAL

Em 1996, a Plenária Nacional da CUT aprovou a pro-posta política de “Ação sindical frente às mudanças tec-nológicas” que afirmava: “A orientação estratégica bási-ca para enfrentar esse novo cenário é o fortalecimento doslaços de solidariedade entre os trabalhadores dentro da em-presa, no ramo, entre as categorias, a nível nacional e in-ternacional. Esta orientação agrega-se à deliberação do 5ºCongresso Nacional (1994) que apontou a rejeição da ideo-logia da parceria trabalhador-empresa e reafirmou o ca-ráter conflitivo da relação capital-trabalho também no planoda organização da produção e do trabalho” (CUT, 1996).

A mesma resolução estabelecia três grandes eixos deatuação:- a luta por uma política que busque o pleno emprego ecombata a precarização;

- a construção de organizações nos locais de trabalho, lugarprivilegiado de disputa com as estratégias empresariaisde reestruturação;

- a capacitação da militância para enfrentar os “novos te-mas”.

A resolução identificava ainda a necessidade de se in-tervir em três planos diferentes, que devem ser articula-dos entre si pela estratégia da Central:

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O ‘RAPTO’ DA VANGUARDA

- o legal, por exemplo, ao buscar a regulamentação doart. 7º da Constituição Federal no que diz respeito à pro-teção do trabalhador frente à automação;14

- o institucional, nos fóruns anteriormente mencionados;

- a relação direta de negociação com as entidades empre-sariais ou as empresas.

No 5º Congresso Nacional em 1994 e na 7ª PlenáriaNacional de 1995, a CUT aprovou uma política de for-mação profissional questionando as concepções empre-sariais e as políticas governamentais para definir a es-tratégia para a Central nesse tema, que pode ser umaimportante porta de entrada para os sindicatos na questãoda reestruturação produtiva. Em 1996, incorporou-se, pelaprimeira vez, na resolução sobre reestruturação produti-va, a dimensão da preservação ambiental. Também recen-temente, a dimensão de gênero tem começado a ser dis-cutida como parte dos diagnósticos e para a formulaçãode políticas em relação à reestruturação das empresas.

Mas, o desafio maior que o movimento sindical vive hojeé o de pensar “o trabalho”. Faz parte da natureza dos sindi-catos tratar dos aspectos referentes ao valor da força de tra-balho, isto é, dos salários. Mas, recorrentemente, os traba-lhadores têm exigido, desde o início do capitalismo, maisdo que isso: têm buscado recuperar o controle sobre o pro-cesso de trabalho (perdido com a hegemonia do capital so-bre a produção), isto é, decidir sobre “como trabalhar”. E éna “passagem” do trabalhador enquanto “assalariado” aotrabalhador enquanto “produtor” que se dá o mais impor-tante salto político de consciência de classe (Gramsci, 1976).

Curiosamente, foram as necessidades do capital paraenfrentar a crise econômica que fizeram com que as pró-prias empresas trouxessem à tona este tema. O capital,ajudado por uma correlação de forças mais favorável eprecisando “raptar” a vanguarda social da classe traba-lhadora, apropriou-se à sua maneira, e de acordo com seusinteresses, de temas de um debate (o “controle operário”)que era patrimônio do movimento socialista.

Há pelo menos três vias que podem recolocar aos sindi-catos no debate e na disputa. A primeira, na qual há bastanteacúmulo, é a da saúde e segurança no trabalho – que vemincorporando também a questão ambiental. A segunda é ada formação profissional. O escasso interesse que, em geral,os sindicatos mostraram ao longo dos anos 70 e 80 em rela-ção a esse tema estava provavelmente associado ao escassoquestionamento ao taylorismo-fordismo. Mas os poucos sin-dicalistas classistas que se aventuraram na discussão da for-mação profissional nesse período foram levados a aprofun-dar a crítica ao “processo de trabalho” taylorista-fordista.Desde meados dos anos 90, há um crescente interesse naformação profissional, em boa parte explicado pela existên-cia de volumosos recursos financeiros destinados pelo

Codefat à requalificação profissional, assim como pela tar-dia tomada de consciência dos sindicalistas sobre o imensovolume de recursos públicos destinados à formação profis-sional, que as entidades empresariais gerem de acordo comseus interesses através do chamado “Sistema S”. De qual-quer maneira, esse interesse sobre o tema pode constituir umaoportunidade ímpar para que os sindicatos reflitam e atuemsobre os temas da formação profissional e da reestruturaçãoprodutiva. A terceira via, a mais difícil e estratégica, é a deintervenção no “processo de trabalho” – o que inclusive podelevar a discutir o próprio “processo de produção”. Há umlegítimo temor por parte de muitos sindicalistas de que, poresta via, se caia na situação de “administrar a empresa parao patrão”. A questão não é nova. Se envolve esse risco, tam-bém abre o caminho para o avanço da consciência dos tra-balhadores, quando estes concebem a possibilidade de deci-dir por si próprios sobre seu trabalho e sobre a produção(Gramsci, 1987b).

Para que os sindicatos possam enfrentar o desafio de dis-cutir “o trabalho”, precisariam antecipar-se às iniciativaspatronais e, apoiados em uma organização no local de tra-balho, reunir aos trabalhadores autonomamente em relaçãoà empresa para construir uma visão própria de como se de-veria trabalhar, de forma a colocar “como se quer trabalhar,ao invés de como não se quer trabalhar” (Salerno, 1993).

Este movimento por dentro dos locais de trabalhos, sequer ter êxito, deve ser acompanhado de iniciativas polí-ticas mais amplas. Uma alteração da correlação de forçasadversa que permeia o atual cenário das relações de tra-balho só pode ser um processo combinado de ações den-tro e fora dos locais de trabalho, no terreno sindical e noplano político nacional. Mas há batalhas que devem servencidas dentro dos locais de trabalho15 para se ter chan-ces nos embates maiores.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

As idéias aqui expostas não representam necessariamente as posições da CUT.Agradeço os comentários de José Correia Leite, Caio Galvão, Sebastião Neto eHeitor Lemmerz.

1. No Brasil, a observação empírica indica que migrações internas de capitais erealocação de empresas se aproveitam tanto das grandes diferenças salariais ede convenções coletivas de trabalho entre regiões como da “guerra fiscal” entreestados. Ver também nota 4.

2. Não abordaremos aqui, já que por sua complexidade exigiriam outro artigo, ostemas ligados às “novas qualificações” e aos desafios para uma política de formaçãoprofissional, que estão intimamente ligados aos da reestruturação produtiva. Paraum tratamento do assunto, remetemos a dois documentos da CUT (1994, 1995).

3. Marson (1997) adverte sobre a grande distância entre o discurso empresarial eas práticas concretas nas empresas que caracterizou a incorporação do taylorismonos diversos países, o Brasil incluído. Em relação aos novos modelos, deve-seter o mesmo cuidado.

4. Ou então, como já vem acontecendo em muitos casos, as empresas se mudampara regiões consideradas “campos verdes”, isto é, regiões sem tradição sindi-cal, sem concentrações operárias, pequenas cidades “conservadoras”, etc.

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5. “Coerção” e “persuasão” na relação com os trabalhadores são dois pólos quecombinados estão presentes em toda estratégia empresarial capitalista. Como dizMarson (1997), também o taylorismo tinha sua faceta de “persuasão”. A ênfaseno segundo pólo seria, de acordo com o discurso empresarial, a principal carac-terística das estratégias atuais.

6. A reestruturação das empresas estatais, nesta década, quase sempre está liga-da a sua privatização (como preparação e/ou como conseqüência dela). O gover-no federal introduziu, em 1990, um mecanismo que permite ganhos financeirosextraordinários, ainda que momentâneos, aos trabalhadores que, através de “clubesde investimento”, participem da compra das empresas nas quais trabalham. Comisso, buscou neutralizar sua oposição às privatizações. É um caso de “corporati-vismo” facilmente aceito pelos neoliberais.

7. Se essa foi a regra, é evidente que houve importantes exceções. Uma delas foia articulação de experiências de formação profissional vinculadas à resistênciacontra a ditadura militar iniciada após 1964 e que nos anos 80 se transformariano Conselho das Escolas Operárias (hoje, Conselho das Escolas de Trabalhado-res). Tais experiências desenvolveram toda uma crítica à formação profissionalrealizada pelas entidades empresariais (Senai, Senac) e ao processo de trabalhoao qual essa formação se destinava.

8. Expressão usada por John Humphrey na palestra “Reestruturação da indústriaautomotiva: Índia e Brasil nos anos 90”, na Poli/USP em 23/05/97.

9. O conceito de “absenteísmo” não é necessariamente o mesmo em todos osacordos e, conseqüentemente, a aceitação desse tipo de cláusula pode ter alcan-ces diversos.

10. Foram assinados os seguintes acordos: em 1993, um acordo, sobre logística;em 1994, dois, sobre desverticalização/terceirização e manufatura celular; em1995, quatro, sobre kaizen, trabalho em grupo, redução/flexibilização da jorna-da de trabalho e participação nos resultados (Arbix, 1996). O sentido geral detais acordos correspondia ao que apontamos no texto. Isso não quer dizer queeram “quimicamente puros”ou homogêneos entre si. Por exemplo, o acordo so-bre participação nos resultados incluía uma cláusula sobre absenteísmo.

11. Os dados são de um levantamento realizado pela própria empresa e constam deuma pesquisa em curso de Glauco Arbix, gentilmente cedida pelo mesmo ao autor.

12. Intervenção feita no seminário “Experiências cutistas em empresas que apli-cam qualidade total”, organizado pelo Grupo de Trabalho sobre ReestruturaçãoProdutiva da CUT, em 21 e 22 de março de 1996.

13. Os principais são: no âmbito do Mercosul, o Fórum Consultivo Econômico-Social, o Subgrupo 10 de relações de trabalho, emprego e seguridade social e oObservatório Permanente sobre Emprego; no âmbito nacional, Conselho Deli-berativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), Conselho Nacional doTrabalho (CNTb), o Conselho de Administração do BNDES, Programa Brasilei-ro de Qualidade e Produtividade (PBQP), Instituto Brasileiro de Qualidade eProdutividade (IBQP), Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indús-tria (Pacti), o Programa Brasileiro de Design (PBD), Pró-Educ (ligado à Finep),Senar e as Comissões Tripartites de revisão das normas técnicas (no âmbito doMinistério da Previdência) e de revisão das normas regulamentadoras (no Mi-nistério do Trabalho); nos estados, as Comissões Estaduais (ou Municipais) Tri-partites de Emprego, a Câmara Regional do Grande ABC (SP) e o ObservatórioPermanente sobre Emprego em São Paulo.

14. Há dez anos da promulgação da atual CF, ainda não há uma proposta domovimento sindical no Congresso Nacional sobre essa matéria.

15. Slaughter (1997) mostra a importância decisiva, para se contrapor à ação daempresa e preservar a organização sindical, que pode ter o fato de os coordenado-res das “equipes de trabalho” serem eleitos pelos próprios trabalhadores e não indi-cados pelas chefias, e que tais porta-vozes eleitos se pautem pela orientação dosindicato e os interesses dos seus companheiros e não pelas diretrizes da gerência.

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COOPERATIVAS DE TRABALHO: MUDANÇAS DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO?

V

COOPERATIVAS DE TRABALHOmudança das relações de produção?

PAULO PEIXOTO DE ALBUQUERQUE

Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS

Você não precisa ser um meteorologistapara saber a direção do vento.

Bob Dylan

ivemos num mundo de profundas e rápidas trans-formações que surpreendem e deixam as pessoasperplexas, angustiadas, principalmente porque os

- os atores sociais (empresas, sindicatos) estão pensandooutras formas e tipos de organização da produção, bus-cando um contraponto à organização capitalista, pois nestao monopólio dos saberes socialmente aceitos se produz ereproduz em um contexto de conflito e antagonismos;

- no contexto da globalização da economia, torna-se cadavez mais difícil falar em empresa capitalista em oposi-ção à empresa cooperativa, visto que os “empreendimen-tos cooperativos” vêm sendo propagados e incentivadostanto por empresas como por sindicatos enquanto umanova forma de organização da força de trabalho;

- esta nova forma está sendo buscada, mesmo que tal fatosuponha a “desconstrução” dos antigos pactos socio-po-líticos que diferenciavam e regulavam os atores sociaisno processo de trabalho.

É importante esclarecer este aspecto, pois as coopera-tivas de trabalho, via de regra, são apresentadas enquan-to propostas administrativas e gestionárias que, ao cau-sarem impactos nos antigos pactos sociais, concorrem paraque a percepção das relações sociais de produção sejamentendidas não como conflito entre trabalhadores e pa-trões, mas sim como alianças que se caracterizam pelaparceria entre aqueles que ontem eram concorrentes.

Estas alianças possuem algo de original e idios-sincrático, pois, ao mesmo tempo em que melhoram aprodutividade dos trabalhadores e a capacidade de res-posta ao que o mercado deseja, também relativizam osantagonismos e os conflitos dentro das organizações.

Neste sentido, as cooperativas de trabalho estão sen-do apresentadas como propostas que sugerem a supera-ção de antigas formas de organização do trabalho (con-flituosas), por apresentarem as virtudes do “consenso”como fator fundamental para agregar valor ao trabalho,

novos tempos insinuam uma estranha mistura de dois esta-dos de espírito: a sensação de partida para um mundo novo euma sensação de que o velho já não existe e que as pessoasestão confrontadas com uma situação que exige respostascompletamente novas, um novo paradigma.1 Isso não é in-teiramente falso, mas também não é inteiramente correto.

Não é correto, porque existe uma considerável conti-nuidade no modo de pensar a organização do trabalho, osavanços da tecnologia e a reestruturação das economiasnacionais que simplesmente empurramos para a frente.2

O problema do qual se está falando diz respeito àsmutações do processo produtivo e de organização do tra-balho, cujo tema passou a ser tratado e focalizado a partirde um certo particularismo normativo ligado a um proces-so de globalização que privilegia o ponto de vista econômi-co e valoriza o “consenso”, as “parcerias” como fatores fun-damentais de organização dos processos produtivos (Barlette Steele, 1992; Ohmae, 1990; Aburdene e Naisbit, 1990;Porter, 1990). A preocupante realidade do novo ambienteprodutivo é o surgimento de uma lógica social que, ao pro-mover a incorporação de “empreendimentos cooperativos”,no processo produtivo, pretende que este fato seja consi-derado inovador, uma vez que reconceitualiza as relaçõessociais de produção. Essa reconceitualização deve ser res-saltada porque a inovação proposta insinua que:

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em um cenário produtivo desenhado pelo mercado e pe-las novas conjunturas do capitalismo contemporâneo.

Chama a atenção o fato de que as estratégias marcadaspelos “acordos e parcerias” estabelecem relações e coopera-ção entre um determinado tipo de ator social, ou seja, asempresas, mas não qualquer empresa. Estas estratégias sóconcernem àquelas empresas cujas ações são parametrizadaspela lógica do mercado global ou transnacional.3

São formas de organização da produção que corres-pondem a um outro tipo de arquitetura empresarial e queconcorre para modelar um determinado tipo de relaçõessociais de produção, cujo caráter diferenciado refere-se ànão restrição ao espaço interno da fábrica no que diz res-peito à gestão da força de trabalho.4

Na verdade, por não saber exatamente o que são as coo-perativas de trabalho, a literatura (Drucker, 1988; Mills, 1991;Savage, 1990) apresenta-a na forma técnico-jurídica de modofragmentado, contribuindo para a proliferação de análisesque agradam pelo seu bom senso, mas que confundem o sig-nificado destes acordos e parcerias.

O presente artigo pretende fazer uma reflexão sobre alógica social que os parâmetros de ação oferecem às coo-perativas de trabalho, principalmente porque é ela queaparece, no quadro da globalização da economia brasi-leira, como indutora de mudança dos novos processosorganizativos da força de trabalho.

A TENDÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES:QUANDO A COOPERAÇÃO É FUNDAMENTAL

Não se pode falar na organização e/ou processo de mu-dança pelo qual as empresas capitalistas estão passandosem fazer referência à “cooperação” e ao “espírito em-preendedor das bases” que são necessários para a altera-ção do espaço de produção que envolve os processos detrabalho e de produção.

A mudança se deve ao fato de a estrutura atual das em-presas estar apoiada num sistema supersofisticado de ad-ministração que não apresenta resultados competitivos.A fórmula vencedora dos últimos 30 anos centrada napirâmide – com o líder olhando para baixo em busca deordem, simetria e uniformidade numa perfeita decompo-sição das tarefas e responsabilidades – acabou fragmen-tando os recursos das empresas e não tem a mesma per-formance diante das fortes alterações do mercado e dasnovas tecnologias de produção.

No início dos anos 90, percebeu-se que o crescimentoprovocado por essas formas estruturais cada vez mais com-plexas custava caro. O método de administração de divisões,unidades estratégicas de negócios, grupos, setores funcio-nou muito bem nos anos 70 (Jacquemin, 1985:135), mas, apartir dos anos 80, este modelo de empresa, organizado para

que decisões bem calculadas fossem tomadas transformou-se no fator de bloqueio das empresas.

O modelo de divisões dos anos 70 fragmenta os recur-sos, criando canais verticais de comunicação que isolamas unidades produtivas e impedem a utilização de todopotencial produtivo. Como conseqüência, o total da em-presa passa a ser geralmente menor que a soma de suaspartes, visto que há uma supervalorização das partes: cadadivisão percebe-se como única e capaz de alavancar asmetas organizacionais propostas. Além disso, a estruturadivisional retém as responsabilidades e o espírito de ini-ciativa junto aos altos postos da hierarquia. Os demaisparticipantes do processo produtivo são meros executo-res de decisões estratégicas, ou seja, a forma de organi-zação da empresa responde a uma exigência de eficácia apartir de uma perspectiva hierarquizada, em que a aloca-ção dos recursos tem por objetivo essencial minimizar osdiferentes custos de produção.

A crise dos anos 80 e 90 expôs as dificuldades destetipo de organização: pouca capacidade de renovação eresistência a mudança. Assim, num esforço para resolveros problemas causados por uma estrutura rígida e lentaem suas respostas, várias empresas ao redor do mundopartiram para uma “desintegração”, isto é, para uma re-dução dos níveis hierárquicos, para a descentralização pro-dutiva (flexibilidade produtiva) e para um reagrupamen-to de funções e tarefas que, personalizando as relações detrabalho, introduzem a idéia de parceria.

A idéia-chave sugerida na maior parte dos discursos éa de cooperação,5 que se objetiva em um modelo organi-zacional cujas características são:

- uma organização menos hierarquizada, em que as regrasde gerenciamento tendem mais a associar decisões entre se-tores do que fundamentá-las na força da hierarquia;

- coordenação assegurada por um conjunto de regras tá-citas e informais, através das quais a inexistência de umaunidade central de decisão e a ausência de dependênciafinanceira pessoal e direta permitem que a coordenaçãoseja o resultado do reconhecimento de uma dependênciamútua, que constitui-se em uma verdadeira rede de co-municação e controle;

- terceirização das operações para reduzir os custos admi-nistrativos; a lentidão dos processos de produção é que-brada, o que significa respostas rápidas da organização aomercado. Os custos são menores porque, com a terceiri-zação, o capital financeiro imobilizado é reduzido.

Esta nova forma de organização do trabalho é chama-da de inovadora porque se refere a uma prática diferen-ciada de alocação de recursos e à designação de respon-sabilidades e controle da gestão. O princípio conceitualde base é o de motivar as pessoas a pensarem sobre o pro-

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COOPERATIVAS DE TRABALHO: MUDANÇAS DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO?

cesso de trabalho, criando um ambiente que as encoraje atomar iniciativas, cooperar e aprender.

O objetivo principal é modificar comportamentos a par-tir da organização do espírito empreendedor dos traba-lhadores e funcionários, direcionando os esforços para oque a clientela deseja e, acima de tudo, mantendo o com-promisso com a renovação constante, pois, num mundode tecnologias convergentes, tudo se deve fazer para su-perar os rivais. É necessário explorar não apenas as van-tagens da economia em escala, mas também o talento e oconhecimento dos funcionários.

Para tirar vantagens desse patrimônio, as empresas pre-cisam de um processo de organização do trabalho quefavoreça a alavancagem dos recursos existentes, o que sóé possível a partir de um outro modelo organizativo quese objetive em uma densa rede de canais de comunicaçãoe fóruns decisórios – em equipes de trabalho com conhe-cimento do processo de produção para “agregar valor”ao bem ou serviço produzido.

Nesta perspectiva, o discurso da cooperação tem apa-recido cada vez mais nas práticas gerenciais das empresascapitalistas com um significado muito particular de demo-cratização dos espaços fabris: discutir questões do ambientede trabalho que impliquem a resolução de problemas oudificuldades referentes ao processo de produção.

Essas práticas gerenciais (qualidade total, just-in-time,kanban) são ações que visam assegurar um regime de acu-mulação, através da aplicação de meios técnicos que fa-voreçam a integração entre um processo de fabricação,até aqui descontínuo e fragmentado, e um processo orde-nado, que associa máquinas de melhores performances aotrabalho humano.

Ressalte-se que estas novas técnicas e administraçãomelhoram consideravelmente a competitividade da maiorparte das empresas e podem ser consideradas um “big bangorganizacional” (Seieyx, 1993), ou seja, um movimentoque cria as condições de “reconfiguração administrativa”tão em moda hoje em dia.

COOPERAÇÃO E COOPERATIVAS DETRABALHO: UMA ESTRATÉGIA INOVADORA?

Mais do que se adaptar às mudanças de um ambienteeconômico instável e incerto, as estratégias empresariais,principalmente dos grandes grupos que se engajam emuma cooperação, têm por objetivos: primeiro, ressaltar umtipo de conhecimento (técnico) que se valoriza pela suatransversalidade e aplicação em diferentes espaços pro-dutivos; segundo, fixar um determinado tipo de evolu-ção, protegendo suas atividades no futuro da mesma for-ma como protegem seus investimentos contra o brutalaparecimento de novas opções técnicas.

Na literatura sobre administração de empresas – preocu-pada com o gerenciamento –, fica bem explicitado que osacordos de cooperação caracterizam-se mais enquanto es-tratégia de dominação de um ator social (as empresas), par-ticularmente apropriada para ambientes de incerteza econô-mica. A atualidade destas estratégias deriva diretamente depráticas combinatórias, que vão bem mais além do simplesjogo de complementaridade em que cada um dos parceirosaporta um elemento particular, uma peça ao quebra-cabe-ças, como nas operações tradicionais de terceirização.

É verdade que as exigências de rapidez e de sofisticaçãodos componentes elementares dos produtos transformam,cada vez mais, os contratos de terceirização em verdadeirasrelações de parceria, em que executante e demandante par-ticipam de procedimentos e de afinação de produtos ins-taurando uma verdadeira concertação técnica de “co-autores”(Coriat, 1990). Entretanto, convém salientar que noBrasil a generalização de novas formas de acordo do tipoparcerias, alianças não substitui as formas tradicionais decontrole da força de trabalho ou a sua precarização.

O aspecto tradicional que se explicita na referência aoscustos de produção domina uma boa parte da literaturasobre o incentivo à formação de cooperativas de trabalho(Albrecht, 1993; Bradford e Cohen, 1992; Levy, 1992).O conceito que fundamenta a criação das cooperativas detrabalho repousa na idéia de que as instituições do siste-ma capitalista tem por principal fim e resultados econo-mia nos custos de produção (Williamson, 1985).

As empresas, diante da instabilidade do mercado atual, sejainterno ou externo, têm seus custos de transação cada vez maisaltos, pois a flexibilidade do mercado não se coaduna com arigidez interna das relações de produção em série baseada emum modo de funcionamento do tipo hierárquico.

Neste sentido, o incentivo à formação de cooperativasconstitui-se na estratégia que busca evidenciar o consensocomo valor capaz de neutralizar juridicamente os conflitosentre capital e trabalho, pois todos são proprietários do em-preendimento. Por um lado, a cooperativa aparece comoinstrumento organizativo que propõe alternativas ao chamado“custo Brasil”, visto que se propõe diminuir o descompassoexistente entre os altos custos de manutenção da força detrabalho e o custo de produto, diminuindo a carga tributáriaque incide sobre o processo produtivo.

Precarização do Trabalho no RS

O paradoxal neste movimento de expansão do capita-lismo, que tem na globalização dos mercados o fatorimpulsionador da modernização tecnológica e dos novosmétodos de trabalho, refere-se ao fato dele gerar um am-biente econômico altamente regulamentado (OrganizaçãoMundial de Comércio/Blocos Econômicos/ISO 9000/

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9014, etc.), mas instável porque desencadeia um proces-so em que a desregulação e os desajustes macrossociaistêm ampliado consideravelmente as inseguranças no mun-do do trabalho. O desemprego não é mais apenas uma si-tuação de marginalização provisória, ocasional, que atin-ge apenas alguns setores, mas sim o resultado de umalógica produtiva que vem consagrando o domínio domercado como instância reguladora da vida.

“Em tempos assim, poucos são aqueles que conseguemencontrar um posto de trabalho e uma fonte de renda no ca-derno de classificados de empregos do jornal. Para se inte-grar ao mercado de trabalho o indivíduo enfrenta uma ver-dadeira guerra (...) o mercado globalizado não perdoa aquelestrabalhadores com baixo nível de qualificação profissional”(Oliveira, 1997). “As transformações registradas no setorindustrial em função da globalização da economia, associa-das à falta de flexibilidade das relações de trabalho no Bra-sil, estão se refletindo diretamente no padrão de empregodas indústrias do País: 1 milhão de empregos industriais fo-ram eliminados entre 1989 e 1996, enquanto 85% dos no-vos postos de trabalho criados nos últimos quatro anos fo-ram na informalidade” (CNI, 1997:35).

No espaço urbano da região mais populosa e econo-micamente mais importante no Estado – a Região Metro-politana de Porto Alegre (RMPA) –, segundo os dados daFundação de Economia e Estatística – FEE, a tendênciaque se manifesta é a seguinte:- queda do emprego formalizado (-0,4% no assalariamentono setor privado com carteira assinada e -2,2% no setorpúblico);

- crescimento das formas precárias de inserção (3,4% entreos assalariados do setor privado sem carteira assinada,10,3% entre os autônomos e 24,8% no emprego domésti-co) (FEE, 1997).

A tendência que se verifica é de crescimento do de-semprego aberto, visto que a área de serviços não tem con-dições de absorver a reciclagem dos postos de trabalhofechados na indústria.

Através da Tabela 1, observam-se a sensível diminui-ção da oferta de postos de trabalho com carteira assinadae o aumento significativo do percentual de trabalho porconta própria. Esta situação na RMPA abre espaço paraque as cooperativas de trabalho apareçam como formaalternativa de geração de trabalho e renda.

“Assumindo um papel importante no mercado de tra-balho brasileiro, as cooperativas surgem como uma ex-celente alternativa para aqueles que procuram uma ocu-pação. Com presença marcante nas áreas urbanas, osegmento ganha destaque em função das bem-sucedidasexperiências em vários setores, compatibilizando melho-res condições de trabalho e remuneração (...) em uma coo-

perativa de trabalho tanto se pode produzir algum bemquanto administrar serviços” (OCB, 1997:8).

No Rio Grande do Sul, em novembro de 1996, havia 30cooperativas de trabalho funcionando. Hoje, segundo infor-mações da Federação das Cooperativas de Trabalho (Feetra-balho), existem 62 cooperativas de trabalho, assim divididas:- 46 cooperativas de trabalho diversas;- 1 cooperativa de trabalho cultural;- 2 cooperativas de trabalho de artesãos;- 13 cooperativas de trabalho de transportadores.

O aumento do número de cooperativas de trabalho reve-la que a queda no emprego industrial veio para ficar, sendolícito esperar até um acirramento dessa tendência daqui parafrente. Além disso, com a atualização tecnológica da indús-tria, houve o enxugamento de pessoal, que resultou em re-dução do nível de emprego no setor industrial.

No Rio Grande do Sul, muitos dos que estão hoje nocooperativismo de trabalho tiveram contato com este tipode estratégia a partir do movimento sindical. Chegaramao cooperativismo devido à ineficácia da ação sindicaldiante dos problemas enfrentados pelo trabalhador. Nosetor da indústria de vestuário e calçados, por exemplo, oenxugamento de postos de trabalho foi da ordem de 36,8mil empregos nos últimos três anos, chegando a superara perda líquida de postos de trabalho na indústria do Es-tado, no mesmo período, que foi de 36,5 mil empregos.

Neste contexto de instabilidade e precarização do mer-cado de trabalho, as cooperativas ganham relevo e sur-gem como fatores de mudança nas relações de trabalho,uma vez que se propõem a romper com as prevalecentesformas de regulação da força de trabalho, apresentando-se como contraponto ao sistema de trabalho assalariadodominante. Entretanto, no plano da operacionalidade,esbarram em um marco legislativo totalmente inadequa-do, que busca aplicar ao “trabalho associado em coope-rativa” as mesmas normas e aferições do “trabalho assa-lariado” empregado e subordinado.

TABELA 1

Distribuição dos OcupadosRegião Metropolitana de Porto Alegre – 1990-96

Anos Com Carteira Sem Carteira Por ContaAssinada Assinada Própria

1990 52,10 21,12 26,781991 48,05 22,04 29,911992 47,13 23,00 29,871993 45,00 23,09 31,911994 45,03 23,00 31,971995 43,01 24,93 32,061996 42,65 25,00 32,35

Fonte: IBGE. Dados relativos à Região Metropolitana de Porto Alegre – expansão do trabalhopor conta própria.

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COOPERATIVAS DE TRABALHO: MUDANÇAS DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO?

Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras(OCB), “as cooperativas de trabalho ganham destaque emfunção das bem-sucedidas experiências com artesãos, ca-minhoneiros, digitadores, vendedores, técnicos, consul-tores profissionais”.

As cooperativas de trabalho surgem no cenário nacio-nal com rapidez impressionante: em 1994 foram criadas156 cooperativas; em 1996 chegavam a um total de 516;e, em março de 97, já somavam 737 cooperativas, commais de 119 mil associados e cerca de 3,5 mil funcioná-rios em todo país (OCB, 1997).

No entanto, a difusão e o aumento quantitativo dascooperativas de trabalho relacionam-se às práticas de ter-ceirização, que tendem a ampliar o universo tanto decooperativas de trabalho como de pequenas empresas.Porém, é preciso levar em consideração que a estratégiada “cooperação entre empresas” concorre para a deterio-ração das condições de trabalho, visto que geralmente sãoas pequenas cooperativas de trabalho que são contrata-das em condições mais precárias, em relação ao tempo deduração do serviço a ser prestado.

REPENSANDO O COOPERATIVISMODE TRABALHO

Embora o termo cooperativismo de trabalho já se te-nha tornado corrente enquanto possibilidade de organi-zação do trabalho a partir de uma outra matriz lógica, oseu significado está sendo usado muito mais para desig-nar uma matriz de conhecimento relacionada a determina-dos métodos ou técnicas administrativas, que desconsiderama realidade organizacional enquanto resultado das práti-cas sociais de atores em um determinado contexto (histó-rico, geopolítico, espacial, etc.).

De maneira geral, pode-se dizer que o termo “coope-rativas de trabalho” está sendo usado dentro de uma pers-pectiva reducionista, que dissimula a realidade social e acomplexidade do processo de produção, induzindo à cren-ça nostálgica (Mircea, s/d) 6 de que uma relação simplese sã entre aqueles que produzem pode ser promovida atra-vés de sistemas de participação propostos e de responsa-bilidade apenas gerencial.

A análise da “cooperação” proposta pelas empresas ca-pitalistas às cooperativas de trabalho sinalizam que as mu-danças na organização e controle do trabalho traduzem:- uma concepção de desenvolvimento determinada de fora,em que a margem de autonomia das empresas cooperati-vas variará segundo a forma de inserção (ou não) no sis-tema econômico internacional;7

- a necessidade de neutralizar, no sistema de poder (Esta-do), as demandas específicas de um ator social – sindica-tos – (em termos econômicos ou sociais), que, diante da

emergência destas organizações, não tem como influen-ciar direta ou indiretamente e, muito menos, influir napolítica industrial (Petrella, 1989:3-35);

- a composição de competências através de acordos e par-cerias, em que a incapacidade tecnológica de um é com-pensada pela tecnologia do outro. É o the only best waypara o desenvolvimento e apresentado como um fato de-rivado da concertação social;

- as “inovações sociais” do processo de trabalho e a ar-quitetura organizacional enquanto provas visíveis dastransformações econômicas e sociais.

Percebe-se que os elementos centrais das estratégias em-presariais podem ser externalizados nos “acordos e parce-rias” entre organizações, mas o que realmente se verifica éque nesta recentragem a competência logística e o sabercomercial são conservados pela empresa que terceiriza to-das as outras atividades para a cooperativa de trabalho.

Neste caso, a empresa central continua sendo a gestoraprincipal do conjunto e decide quem ou o que se terceirizae qual os resultados esperados.

Neste sentido, a clivagem da descentralização não con-duz a uma alteração substancial da lógica de recortetayloriano do processo de produção, visto que o fracio-namento da empresa em um conjunto de entidades autô-nomas engajadas em uma rede de cooperação não nega oeixo da concepção taylorista.

Os acordos e parcerias, do ponto de vista da estratégiadas empresas, não se limitam à consideração do acordo comoum objeto único que materializa uma ligação entre parcei-ros, mas sim como parte de suas atividades e como elemen-to submetido à sua lógica própria. É importante ressaltar queas alianças entre grupos constitui-se um marco estratégicoorientado não para resultado, mas sim para ações.

A análise das cooperações evidencia que a complemen-taridade dos parceiros ocorre sobre uma base de fragili-dade, porque está fundada em uma complementaridadevertical, equivalente a uma troca de competências que seadicionam e não de integração. É por esse motivo que ascooperativas de trabalho situam-se naquelas atividadeseconômicas periféricas: artesãos, caminhoneiros, digita-dores, vendedores, etc.

Na verdade, a formação das cooperativas de trabalhosinalizam a perda de competência e a relativização do saberoperário substituída pela noção de “especialização deconhecimentos ou construção de competências”, eviden-ciando, no seu crescimento vertiginoso, uma lógica uni-lateral de relações sociais, que indica a hegemonia de umator social – as empresas capitalistas.

O fato novo, se existe, na entrada da cooperativa detrabalho no processo de trabalho, indica a retirada de doisatores sociais do processo produtivo: o sindicato, afetado

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por uma “anemia sindical” que impossibilita ações decontraponto; e o Estado, cuja retirada é legitimada políti-ca e ideologicamente pelo neoliberalismo.

Por outro lado, pensar as cooperativas de trabalho en-quanto “... um sistema de organização da força de traba-lho cujo controle das atividades se dá pelo próprio qua-dro social” (Perius, 1992:60) ou como um modelo deorganização do trabalho que se refere à alocação de re-cursos e designação de novas responsabilidades, contro-les da gestão, apenas em função da eficiência econômica,é imaginar os agentes econômicos ou os novos pactos so-ciais sem uma efetiva ruptura com os velhos vínculos desubalternidade estatutária, assistencialista, paternalistaexistentes tanto nas empresas capitalistas como nas coo-perativas, onde a solidariedade aparece mais como o re-sultado de uma relação “usuário-cliente”.

A Lógica Neoliberal do Cooperativismo

Percebe-se que neste processo de mudança pelo qual pas-sam as empresas,8 é forte a noção de racionalidade, sendoque nestas ações está subjacente não a lógica do one bestway dos tempos tayloristas e fordianos, mas sim formas deracionalidade no sentido utilizado por L. Karpic.9

Neste sentido, são lógicas específicas que variam se-gundo as formas do capitalismo e em função de certascondições da realidade concreta: concorrência internacio-nal que põe em questão a sobrevivência das empresas eassegura um modo de ação das empresas multinacionaise das grandes empresas dominantes no mercado, imita-ção de práticas de proveniências diversas, que se revela-ram eficazes na luta econômica.10

São as lógicas das empresas capitalistas que dão contadas escolhas estratégicas de um determinado ator socialque influencia e estabelece paradigmas de ação coletivae de um certo “fundamentalismo” gerencial: para ser “mo-derno”, deve-se não somente promover o estabelecimen-to de novas tecnologias, de informatização dos processosde comunicação, mas também criar equipes de trabalhocooperativas, empresas cooperativas.

Com efeito, todas as reflexões feitas pelos defensoresda “cooperação entre parceiros” sobre as transformaçõesdo processo de trabalho continuam a valorizar o caráterracional da ação gerencial enquanto o principal fator desteprocesso de mudança. O caráter racional das ações ge-renciais justifica-se por uma política econômica liberalque não esconde o novo papel desempenhado pelas em-presas no processo de redenção de um regime de acumu-lação em dificuldades.

Nestas concepções de “cooperativa de trabalho”, ocaráter financeiro de revalorização de um determinadoregime de acumulação não se explicita porque, enquanto

instrumento ou técnica de gerenciamento, a “cooperação”aparece mais como um ferramental de medida de “mo-dernidade” das organizações do que elemento essencialda mudança.

A “cooperação” e a externalização de tudo que não fazparte do “produto” da empresa são mutações que expri-mem as alterações do processo de trabalho que se apre-sentam como “inovações sociais” (e mesmo que falaciosas)e que são a prova visível das transformações materiaispelas quais passam as empresas.

Todavia, estas novas formas de organização do trabalhoindicam e expressam um poder social conservador no senti-do do “tope para baixo”. Tal orientação conservadora é, emsi mesma, paradoxal, porque resulta da cooptação da mão-de-obra e, ao se fazer de cima para baixo, o faz através danegação sistemática dos princípios liberais básicos.

Neste sentido, o cooperativismo de trabalho propostoé na verdade uma proposta de co-gestão, surgindo comouma técnica de administração, uma forma de associaçãoentre partes, ditas parceiras, com o objetivo de alcançarresultados. Difere portanto da autogestão, que é umamodalidade de gestão pela qual o grupo governado, aoprescindir de um corpo exclusivamente governante, as-sume a direção de seus destinos.

Na co-gestão, tal como está sendo proposta na maiorparte das cooperativas de trabalho, os associados partici-pam de forma seletiva em algumas instâncias decisórias,principalmente no âmbito operacional do processo pro-dutivo, como parceiros de empresas capitalistas, sem ja-mais reivindicar para si ou discutir a distância existenteentre o poder dos chefes e gerentes mantido acima e oconjunto de trabalhadores.

Por outro lado, pensar um processo de empresas coo-perativas autogestionárias implica considerar um movi-mento em direção à sociedade civil, na passagem do con-trole sobre políticas do grupo dirigente para o grupodirigido, o que significa transferência do poder para ogrupo social autônomo nos assuntos que lhe atingem di-retamente.

Aí está a essência da autogestão nas cooperativas detrabalho – o controle sobre a situação de uma dada buro-cracia, seja esta institucional ou empresarial. O controlerepresenta o limite da participação do grupo dirigido e oinício de seu poder, como grupo dirigente.

Pensar autogestão sem controle do grupo sobre os as-suntos que lhe atingem diretamente é esterilizar uma for-ma de gestão, comprometendo o seu caráter singular, ereduzi-la ao estabelecimento de graus de cooperação,consulta e até conhecimento de decisões estratégicas.

A cooperação trata da implicação do grupo dirigido nosinteresses da empresa. A consulta refere-se a um exercícioformal, no qual o trabalhador aufere informações sobre seus

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COOPERATIVAS DE TRABALHO: MUDANÇAS DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO?

interesses específicos, enquanto indivíduo isolado. O conhe-cimento das decisões estratégicas confere ao trabalhadorjurisdição sobre os termos da relação existente entre o Esta-do, a empresa e o usuário, bem como o reconhecimento deseu papel nesta relação enquanto trabalhador.

Na verdade, co-gestão é um tipo de participação entredois atores sociais, a partir de um interesse comum, peloqual um agente provê o outro dos recursos que tem emabundância. Muitos são os usuários da co-gestão. Nelesse incluem o condomínio, a cooperativa, o comodato, ajoint venture, etc.

Em linhas gerais, as condições organizadoras que pre-cedem o pleno funcionamento de co-gestão dependem deuma multiplicidade de órgãos deliberativos e consultivosinternos à organização.

Cabe observar que o desenvolvimento da co-gestão nãoultrapassa o âmbito da unidade produtiva, mas implicaum sistema generalizado de participação, no qual capitale trabalho se associam na busca de determinados objeti-vos econômicos e/ou políticos. A co-gestão se passa nosconselhos de administração, dentro dos parâmetros de umsistema pluralista de decisão e idealmente reflete o poderdecisório da assembléia dos membros da organização, enão do conselho formal ou do conselho diretor. Os repre-sentantes do grupo dirigido, em geral composto por tra-balhadores, devem, com base no conhecimento de causa,atuar acima da estrutura hierárquica, em função da maxi-mização da produtividade e da otimização dos resultadose dividendos que serão auferidos proporcionalmente portodos dentro da empresa.

As empresas co-gestionárias e autogestionárias devemser sejam entendidas na sua singularidade e não em umaperspectiva de equivalência. O Quadro 1 procura apre-sentar, de modo sinóptico, estas diferenças.

O esforço em diferenciar as formas de organização dotrabalho objetiva sinalizar que, por detrás de algumas for-mas de “emancipação” anunciadas e/ou propostas na orga-

QUADRO 1

Diferenças Organizacionais

Classificação Co-gestão Autogestão

Ênfase da ação Ação gerencial Ação coletiva/grupo

Sentido da ação Garantir o poder dos Garantir a açãogerentes e/ou conselho interdisciplinar eadministrativo multifuncional

Finalidade Controle de órgãos Responsabilização do grupo,consultivos e deliberativos autonomia das decisões

Resultado Regulação das relações Emancipação dos atoressociais de produção sociais que participam das

relações sociais de produção

nização do trabalho, existe o resultado de uma experiênciahistórica. Assim sendo, entende-se a autogestão como umaproposta socialista no âmbito de organizações, propondo aautonomia de decisões em relação às organizações e às em-presas dominantes, bem como às suas políticas de mercado.A autogestão formula-se como uma estratégia de liberação,enquanto a co-gestão consiste numa metodologia adminis-trativa e numa relação desigual entre os parceiros ou atoressociais.

COOPERATIVAS DE TRABALHO: UMACONSTRUÇÃO A SER REALIZADA ...TAMBÉM PELOS SINDICATOS

A distinção entre co-gestão e autogestão feita anterior-mente é pertinente principalmente porque a ênfase dada àparticipação e à cooperação dentro das empresas tem signi-ficados que levam a marca daqueles que detêm o poder. Nestesentido, a participação do trabalhador no processo de traba-lho enquanto ator social nas empresas é fundamental tantopara a co-gestão como para o au-togerenciamento, mas tempouco significado em termos de uma real democratização,pois, na maior parte das vezes, estas propostas participati-vas nada mais são do que expedientes para camuflar formasmais sofisticadas de repressão: “... se constata no discursopatronal a intenção de distencionar a relação capital-traba-lho no interior das empresas. Apelar para o ‘nós somos par-ceiros’ e a métodos de gerenciamento pela qualidade é umademonstração de como os dirigentes estão sendo mais e maiscontroladores, bem como mais e mais exigentes” (Albu-querque, 1995).

A democratização dos espaços de trabalho não se li-mita à integração do funcionário e às metas e aos objeti-vos da empresa, porque ela exige a redefinição das for-mas de participação no processo de trabalho.

A construção de uma empresa cooperativa passa, ne-cessariamente, pela discussão, pela explicitação das dife-renças. Assim como democratização no trabalho não re-duz a participação individualizada e formal, é necessárioque os mecanismos de representatividade e participaçãonão se restrinjam apenas à questão sindical para haverpossibilidade de interferência concreta na gestão.

É necessário que o conflito seja realmente encaradocomo um fator importante para a administração, pois ad-ministrar pelo consenso tal como é feito hoje em dia sig-nifica apenas uma modalidade de subordinação, visto quea hegemonia do processo de comunicação está nas mãosdos chefes e das administrações.

A construção de novas relações sociais na produção sefaz pela interação dos atores sociais, pela diversidade,porque a cooperativa de trabalho é sobretudo um proces-so e, enquanto processo, não está completo, encontra-se

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reduzido a fórmulas preestabelecidas que buscam a neu-tralidade ou o obscurecimento de dado conflito.

No entanto, o cooperativismo de trabalho proposto pelamaior parte dos modelos autogerenciáveis reduz-se a umarepresentatividade falaciosa porque reside no distancia-mento entre representantes e representados. A superaçãodas propostas administrativas “modernas”, ditas democrá-ticas, passa pela construção e discussão de um projetocoletivo, pela não banalização dos princípios da partici-pação e do compromisso, concretizando-se em um con-junto de medidas políticas que visam a democratizaçãodas decisões e a passagem de controle, na transferênciado poder para o grupo social autônomo nos assuntos quelhe atingem diretamente.

Essa participação supõe autonomia dos movimentos so-ciais e de suas organizações em relação à administração eabertura de canais de participação e comunicação, trans-parência administrativa, isto é, democratização das infor-mações.

Neste sentido, as empresas cooperativas e autogeren-ciáveis devem ser entendidas como uma modalidade degestão multidimensional (social/econômica/política/téc-nica), através da qual os parceiros do processo de traba-lho organizam-se com o objetivo de alcançar resultados.Esta associação entre as partes, ao privilegiar o fator tra-balho, implica a discussão do poder de decisão pelo gru-po governado que assume a direção de seus destinos.

É uma modalidade de gestão multidimensional porqueremete a várias dimensões. A primeira refere-se ao fatorhumano, porque nas organizações existe a preocupaçãocom a estabilidade e o crescimento da organização, sen-do que estes objetivos implicam a proteção dos recursoshumanos e a busca de sua qualificação (Emery e Trist1960; Katz e Kahn, 1978).

A segunda concerne à racionalidade das organizações;a lógica do funcionamento da organização é a eficiênciaeconômica, em que se busca a autosustentabilidade a partirda conjugação de esforços para reduzir os custos, melho-rando a qualidade do produto (bens ou serviços).

A terceira dimensão diz respeito à legitimidade juntoaos grupos da comunidade – associados e consumidores(Pfeffer e Salacik, 1978; Hirschman, 1970; Nord, 1983).Esta exigência constitui uma limitação que pesa sobre aeficiência das organizações, pois é preciso compor comestas exigências que são potencialmente antagonistas eaté contraditórias.

Finalmente, a quarta dimensão refere-se à continuidade/perenidade, pois, para alcançar a eficiência, é necessáriodesenvolver, manter e promover um “saber tecnológico” deforma que este know-how satisfaça da melhor maneira pos-sível os interesses dos empregados, clientes e que permita,ao mesmo tempo, o crescimento da organização.

CONCLUSÃO

O exame do processo de transformação nas formas deorganização do trabalho para adequar-se às novas exigên-cias de um regime de acumulação traduz uma estratégiasocial definida pelo principal ator social – as empresas.Com efeito, no quadro de globalização da economia, atransformação dos processos de produção nas empresaslegitima-se por um discurso neoliberal que, centrandosobre princípios de liberalização, abertura internacional,flexibilidade e privatização dos sistemas produtivos eco-nômicos nacionais, apresenta-se como explicação damudança e símbolo de modernidade.

As estratégias das empresas são muito parecidas: fle-xibilidade interna e externa; e modos de organização dotrabalho ambíguos, em que a polivalência operária e/oufuncional aparece como sinal de mobilidade dos traba-lhadores e aniquila os pontos de referência antigos queeram os fatores sinalizadores das negociações sociais,assim como dá novos “significados” a concepções comoautogestão e co-gestão.

Cooperação passa a significar, segundo os princípiosneoliberais, uma utilização mais intensa de novas tecno-logias, uma liberalização no uso dos fatores de produçãoe uma aceleração da rotação do capital (fixo e circulante)das empresas.

Nas empresas capitalistas, os principais argumentos emfavor das “novas” formas de organização do trabalho tipocooperativas de trabalho são a redução dos custos e o au-mento da produção e da produtividade.

Tendo em vista que este artigo objetiva identificar e ex-plicitar a lógica que permite o aparecimento das cooperati-vas de trabalho, podem ser feitas as seguintes constatações:- as cooperativas de trabalho, tal como são apresentadashoje em dia, visam a manutenção da ordem capitalista. Aênfase na cooperação significa uma nova técnica de ad-ministração, que vem propondo a participação e o com-promisso da empresa com a sociedade, mas a partir daperspectiva patronal;- as empresas cooperativas podem coexistir na pluralidadeda ordem capitalista neoliberal, mesmo estando comprome-tidas com a crítica de certas premissas do sistema na sua to-talidade (Cahier, 1973). Sua eficácia é mínima por se cons-tituírem em unidades isoladas;- mas também é verdade que estas novas técnicas e admi-nistração melhoram consideravelmente a competitivida-de da maior parte das empresas e podem ser consideradasum “big bang organizacional” (Seieyx, 1993);- esta forma de organização do trabalho, proposta pelocapital, justifica-se por um discurso neoliberal que seapresenta também como via de superação da crise, doprogresso e da modernização.

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COOPERATIVAS DE TRABALHO: MUDANÇAS DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO?

Para finalizar, a pretensão maior deste trabalho foi expli-citar que a forma como estão sendo discutidas as cooperati-vas de trabalho, ao contrário do que indica, pode sinalizarque o espaço da produção pode ter perdido o pro-tagonismosocial e cultural das décadas anteriores, sobretudo o pesopolítico. Porém, enquanto espaço de organização multidi-mensional da força de trabalho assalariado, a produção é hojemais central do que nunca, sendo que a sua importância au-menta com a ideologia do produtivismo e do mercado, coma compulsão do consumo. Entretanto, sem a re-significaçãodas cooperativas de trabalho, o sentido desta organizaçãoprodutiva pode ser mutilado, equivocado ou como disseMorin (1986:119): “... o pensamento mutilado não é inofen-sivo, cedo ou tarde conduz a ações cegas, ignorantes do fatode que o que elas ignoram age e retroage sobre a realidadesocial, e também conduz a ações mutilantes”.

NOTAS

1. “O conceito de paradigma cresceu e ultrapassou a definição existente nos di-cionários. Atualmente o termo paradigma é constantemente usado para definirmodelo amplo, uma maneira de pensar, ou um esquema de compreensão da rea-lidade” (Kuhn, 1970).

2. Os títulos dos novos livros de administração e negócios escritos por importantespensadores situam-se no âmbito do relato das condições de mudança no ambienteempresarial e discutem as mudanças fundamentais na situação econômica mundiale a necessidade de um novo paradigma de uma forma simplista que não possibilitacompreender e tratar as novas realidades do processo produtivo.

3. Apresentam-se alguns casos para ilustrar o que se evidencia no cenário eco-nômico: Colgate/Kolynos; Philip Moris/Lacta; Grupo Abril/Folha da Manhã; Me-tal Leve/Mahle/Cofap.

4. São formas de organização ou arquitetura empresarial que podem envolver acriação de consórcios de produção, desenvolvimento, negócios de cross-licencinge até mesmo associações que reúnem diversas indústrias e podem ser centraliza-das por um banco. No Japão esta prática é conhecida por keiretsu.

5. Na verdade, os discursos são na maior parte do tempo a reprodução de fragmen-tos de métodos administrativos de iniciativa patronal, buscando promover no inte-rior das empresas a flexibilidade da produção e a polivalência na utilização da mão-de-obra que até então estava limitada à rigidez de suas tarefas e funções.

6. O mito do bom selvagem traduz interpretações apologéticas de uma realidadesocial onde a liberdade, a divisão do trabalho e os frutos do trabalho se dão deforma justa, onde o homem vive em perfeita harmonia com a natureza.

7. Parafraseando A. Leiptz, poder-se-ia classificar de “neofordismo periférico”esta concepção de desenvolvimento determinado do exterior.

8. Processo que vem sendo denominado de “reconversão industrial”, “reconfi-guração organizacional”, “reengenharia”, etc.

9. “Lógicas das empresas são lógicas de ação e/ou práticas sociais que tradu-zem, em um dado momento, a pluralidade das posições de um ator social domi-nante, no caso atual as empresas capitalistas” (Karpic, s/d).

10. As técnicas de administração japonesas, como o kanban, 5 S , QTC, etc., sãoum exemplo concreto de just-in-time.

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PODER SINDICAL E NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

CECÍLIA ORNELLAS RENNER

Socióloga, Analista da Fundação Seade

indicato evoca representação de trabalhadores eesta se dá, primariamente, na defesa das condiçõesde trabalho, junto ao empregador. É justamente este

processo comunicativo estabelecido nas negociações co-letivas que propicia a situação estratégica por excelênciapara o conhecimento da natureza do sindicato, sua liber-dade de ação e seu poder de barganha. As vantagens des-te ângulo de análise decorrem da possibilidade de visua-lização simultânea dos meios utilizados pelos atoresenvolvidos no âmbito das determinações econômicas e ju-rídicas da sociedade mais ampla, o que, no caso do sindi-cato corporativista, inclui a análise dos vínculos jurídi-cos em vigor entre esses atores e o Estado. Este prismaprivilegia a compreensão dos significados das normas, desua manipulação e da recorrência das ações dos agentessociais em suas manifestações de poder. Nos procedimen-tos e resultados das negociações coletivas devem influirmúltiplos fatores: a situação econômica geral, a local, e ado segmento produtivo do empregador; sua atitude paracom os sindicatos e as negociações coletivas; o poder daorganização trabalhista e a habilidade de seus negociado-res; assim como as aspirações e determinação dos traba-lhadores. Pode-se assim vislumbrar as possibilidades deescolha deixadas aos agentes sociais e como estes agem ereagem no encaminhamento de suas práticas.

Esta perspectiva viabiliza a hipótese de que as catego-rias fortes, com poder de pressão e de barganha, fazem osmelhores acordos, independentemente de seu vínculo cor-porativista, ao superarem por sua estratégia os entravesda legislação, desenvolvendo livremente sua ação. O des-fecho das negociações coletivas é, assim, atribuído a for-mas distintas de se desenvolver as negociações coletivase de se conceber o próprio movimento sindical. A forçado sindicato nas negociações coletivas residiria em sua

capacidade de mobilizar os trabalhadores, nas greves, notamanho da categoria, na filiação a ramos modernos daeconomia e em sua posição estratégica. Enfim, essa con-cepção norteia-se pela idéia de que a cooptação determi-na o caráter corporativista do sindicato e de que o volun-tarismo e a independência da ação sindical, ao atualizar acada momento a negação dos vínculos corporativistas,mudam a natureza do sindicato, liberando seu campo deação. Essa visão do sentido da ação sindical, amplamen-te difundida desde 1978, preconiza uma ação sindicalvigorosa, vinculada às bases, reivindicativa e agressiva,que diferenciaria as categorias pelo desempenho expres-sivo e personalizado. Assim, a extensa rede dos sindica-tos, sem romper os liames jurídicos que vigoram no cor-porativismo, formaria um amplo gradiente de atuaçõesmatizadas, tendo em um dos extremos o sindicato buro-crático e no outro o sindicato livre. Este, assumindo sim-bolicamente a força de um personagem pela continuidadede seu desempenho, fixaria a imagem de independência, comrepercussões contínuas e positivas nas negociações coleti-vas. Assim foram divulgados e apreendidos os fundamen-tos da ação sindical diferenciada desenvolvida desde 1978.Esta versão unilateral das complexas inter-relações entreos agentes do sistema corporativista – o sindicato, o em-pregador e o Estado – faz recair exclusivamente no sin-dicato a responsabilidade por sua persistência e vigor deseus vínculos. As cores deste quadro tornam-se mais ví-vidas pelos acréscimos recentes à legislação corporati-vista: seu novo adorno, a figura do árbitro e o discursooficial sobre a vigência de livres negociações.

Casos exemplares para a constatação da veracidadedestas afirmações constituem os resultados das negocia-ções coletivas dos sindicatos metalúrgicos. Esta catego-ria consistiu no núcleo de eclosão das greves em 1978 e,

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também, foi a que desencadeou o maior número de gre-ves do período subseqüente (Noronha, 1992). Desde 1978,foram marcantes as transformações que tiveram comoparadigma o desempenho do Sindicato de São Bernardodo Campo e Diadema (SSBCD) no desenvolvimento deação em sintonia com as bases sindicais, no apelo às gre-ves, na denúncia dos vínculos corporativistas e na for-mulação de novo projeto para o sindicato.

As negociações metalúrgicas evidenciam o papel doestatuto jurídico corporativista, as relações entre traba-lhadores e empregadores e as formas de pressão, os con-flitos e, em especial, a greve, seja tanto no quadro autori-tário quanto em seu afrouxamento a partir de 1985.

Sob a ditadura, na iminência do conflito, interpunha-sea Justiça do Trabalho com procedimentos conciliatórios,exigências de cumprimento de intrincadas normas legaisdificilmente viáveis e, finalmente, o rigor das formas derepressão. Desde 1967 (Decreto-Lei no 229, de 28/02/67),passaram a ocorrer acréscimos significativos no rol de suasatribuições: podia intervir se uma das partes se negasse aentabular negociações. “Caso ocorra recusa à negociaçãode uma das partes, à outra parte caberá dar ciência do fatoao Ministério do Trabalho, para convocação compulsóriados sindicatos ou empresas recalcitrantes. Persistindo arecusa por desatendimento às convocações feitas pelosórgãos regionais do Ministério do Trabalho, faculta-se aossindicatos ou empresas interessadas a instauração dodissídio coletivo” (Consolidação das Leis Trabalhistas, art.616). O próprio presidente do Tribunal do Trabalho ou aProcuradoria da Justiça do Trabalho, em caso de suspen-são do trabalho, poderia tomar a iniciativa de instaurar odissídio. A inviabilidade do acordo, manifestada duranteo desenvolvimento das negociações coletivas, tambémimplicava a obrigatoriedade de uma das partes comunicaro caso ao Tribunal do Trabalho, que buscaria a concilia-ção, passando as negociações a serem efetuadas atravésda mediação dos delegados regionais do trabalho. Haven-do conciliação, o DRT homologava o acordo. Na impos-sibilidade de juízo conciliatório, este se converteria ne-cessariamente em juízo arbitral, digamos em “julgamentode dissídio”. Tenta-se, novamente, o entendimento entreas partes, o que, tendo êxito, resultaria em “acordo emdissídio”. Não ocorrendo acordo, os juízes passariam a jul-gar a pauta de reivindicações, normalizando as condiçõesde trabalho. A decisão estabelecida em dissídio substitui aconvenção malograda (Art. 856 e seguintes da CLT e le-gislação complementar).

Para os empresários, o acordo consistia em pré-requisitopara a formalização do reajuste de preços e, para os sindica-tos, no único espaço regularmente aberto às reivindicaçõespara se garantir ou conquistar melhores condições de traba-lho. No entanto, no período que precedeu e acompanhou as

greves do final da década de 70, os trabalhadores queixa-vam-se da maneira de o patronato conduzir as negociações.As negociações não chegavam a ocorrer, cumpriam-se me-ras formalidades. O patronato, por ocasião das negociações,apresentava sua proposta, sem dar margens ao diálogo ou àsrazões interpostas pelo sindicato dos trabalhadores. Ao re-cusarem a proposta patronal, os sindicatos assistiam passi-vos à solicitação de instauração do dissídio coletivo efetua-da pelo patronato. As partes envolvidas eram convocadaspela Justiça do Trabalho e conciliavam-se efetuando acor-do. Assim, o assentimento fundava-se na pressão suportadapelos trabalhadores. À guisa de exemplo, Lula, em ofício aoTRT em 20/03/78, manifesta-se sobre a celeridade com queos empregadores, respaldados pela Justiça do Trabalho, sus-citaram o dissídio coletivo nas negociações daquele ano, antesque se esgotassem as possibilidades de negociações: “maisuma vez a fase das negociações não chegou a ser cumprida,este sindicato vem sustentando, ao longo de vários anos, queé necessário um entendimento direto com os empresários,para que se atinja uma fórmula de conciliação”, acrescen-tando: “nada impede que as negociações se prolonguemdurante o mês de abril, uma vez que se assegure a manuten-ção da data-base” (Frei Betto, 1989). Inexistindo entendi-mento, os trabalhadores aguardavam a sentença. Comenta-se que, até o final da década de 70, as negociações davam-seem órgãos do Ministério do Trabalho.1

A Justiça do Trabalho manteve-se sempre presente nasrelações entre empresários e trabalhadores, caracterizan-do, no mínimo, o primarismo das relações entre capital etrabalho vigentes no país. Manifesto o antagonismo, dis-tante o consenso, a Justiça do Trabalho era presença roti-neira nas relações entre capital e trabalho. Os procedi-mentos adotados nas negociações, embora não fossemuniformes e variassem segundo a localidade, eramtrilaterais, participando delas o sindicato, a representaçãopatronal e a Justiça do Trabalho, conforme pode-se ob-servar nas negociações de nove sindicatos metalúrgicosrepresentativos das diferentes regiões do território nacio-nal, entre 1978 e 1988.2

No Sul, as negociações do Sindicato de Canoas e daFederação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Rio Gran-de do Sul eram habitualmente remetidas à Justiça do Tra-balho, instaurando-se o dissídio e, a seguir, o acordo emdissídio. Em Manaus, Salvador e Recife, o documento re-sultante foi a convenção coletiva, o que não significounecessariamente a existência de entendimento na primei-ra etapa das negociações. O acordo comumente efetua-va-se na fase de conciliação, com a participação de dele-gados do TRT.

Os acordos firmados pelos sindicatos de SBCD, SP eRio de Janeiro romperam as normas habitualmente segui-das nas relações entre capital e trabalho, devido à eclosão

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de greves em 1978 e 1979. O Sindicato de SBCD desta-cou-se por sua atuação discrepante dos demais, apresen-tando um quadro ímpar: do total de 11 negociações, cin-co foram decididas pela Justiça do Trabalho, através deseus órgãos regionais – o TRT – ou da instância federal –o TST. Esteve sob intervenção em quatro dos 11 proces-sos de negociações. Somente uma vez o SSBCD instau-rou o dissídio, três vezes o patronato e duas vezes a pró-pria Justiça do Trabalho.

A partir de 1985, houve quebra nesse ritual das nego-ciações. A mudança na rotina das negociações – excetuan-do-se os sindicatos de Salvador, de Recife e a Federaçãodos Trabalhadores do Rio Grande do Sul – deveu-se àeclosão de greves em sindicatos onde, até então, elas eramincomuns. Chegou-se até ao dissídio coletivo e, com maiorfreqüência, à sentença normativa, pois, em resposta aoprocesso de democratização das relações sociais e à me-lhoria da situação econômica, os sindicatos tornaram-semais afoitos.

No entanto, o dissídio instaura-se, via de regra, por de-manda empresarial, constituindo a resposta do patronato àmaior pressão sindical nas negociações. Dado que o TRTapenas faz cumprir a lei, qual seria a razão dos sindicatosevitarem a sentença normativa? Os sindicatos tampouco uti-lizaram amplamente o direito de recurso ao TST. Para com-preender este quadro, deve-se conhecer o conteúdo das de-cisões da Justiça do Trabalho pertinentes ao conjunto dascláusulas que compõem o acordo coletivo. De fato, quantoàs demandas salariais, a Justiça do Trabalho, ao julgar odissídio, faz apenas cumprir a lei ou confirmar a linha dapolítica econômica em vigor. No entanto, suas sentenças nor-mativas primam por sistematicamente excluir cláusulas que,constituindo conquistas antigas dos trabalhadores, não inte-gravam as matérias em discussão no dissídio. É comum ofato de suas sentenças normativas, além de repetirem o rea-juste oficial, ignorarem as parcas cláusulas já conquistadas,que acrescem pequenas vantagens às condições de trabalho.Tais cláusulas, que constituem as vitórias do sindicato na-quelas negociações, podem ser negadas pelos juízes, vigo-rando um sistema de signos, que associa desta vez a rejeiçãodos procedimentos conciliatórios que antecedem ao dissídio,à punição.

Conseqüentemente, o conteúdo das sentenças normati-vas difere do conteúdo do acordo coletivo, significandorupturas no processo de acumulação das conquistas dostrabalhadores. Note-se que este procedimento é rotineiroe mantém-se vivo hoje, sendo praticado por ambas as ins-tâncias, o TRT e o TST. Exemplo recente dessa atitudeencontra-se na greve desencadeada pelos petroleiros, em1994. Constituíam matérias do dissídio as seguintes de-mandas: reajuste salarial e aumento por produtividade;quitação de dívidas de antigos planos econômicos (Bresser,

Verão e Collor); e integração de demitidos sob o governoCollor. No entanto, a sentença normativa retirou dos tra-balhadores o direito à estabilidade de emprego.

Por outro lado, nos casos em que o sindicato recorreao TST devido a sentenças controversas, via de regra,condiciona-se a esperar anos pelo julgamento e, ainda queeste se refira apenas à questão salarial, o efeito suspensivopode estender-se à totalidade do acordo, ficando os tra-balhadores desprotegidos. Os sindicatos conhecem bemesta prática e a evitam. Em 1984, o Sindicato de BeloHorizonte e Contagem – SBHC justificou-se frente aostrabalhadores por ter impetrado recurso, garantindo quenão haveria efeito suspensivo. No ano de 1986, o SSBCDimpetrou recurso ao TST, que foi julgado apenas em 1989,ficando os trabalhadores sem acordo naquele ano.3 So-mente em circunstâncias peculiares, tendo certeza da vi-tória, o sindicato impetra recurso. No período analisado,o SSBCD recorreu uma vez. Neste caso, tinha conheci-mento prévio de que o TST concederia aumento por pro-dutividade maior que o oferecido pelo patronato.

Assim, não nos deve surpreender o fato de as negocia-ções coletivas terem beneficiado o Sindicato dos Metalúrgi-co de São Paulo em detrimento do Sindicato de São Bernar-do. Salvo raras exceções, as novas cláusulas, que significaramconquistas pioneiras, foram acordadas primeiramente peloSMSP. Estas cláusulas constaram, no ano seguinte, naque-les mesmos termos e com a mesma abrangência do acordodo SSBCD. Tudo se passou, como se o objetivo fosse bene-ficiar o SMSP, sem perder de vista a finalidade última: auniformização dos acordos. A regularidade com que tal fatoocorreu possibilita supor que o patronato desenvolveu suaação com razoável autonomia, podendo conceber sua estra-tégia e orientar com precisão os resultados. O domínio e amargem de manobra do empresariado são de tal magnitudeque, entre 1978 e 1988, o SMSP – de atuação principalmen-te conciliadora e discreta – firmou acordos mais avançadosque o SSBCD, apesar de não lograr romper a tendência ge-ral de depreciação dos salários e condições de trabalhoimperantes nos anos 80, enquanto o SSBCD – reivindicati-vo e usando as greves como meio de pressão – lutou, a cadaano, para incorporar as pequenas vantagens que o SMSPobtivera no ano anterior.

As negociações coletivas ocorridas no período queantecedeu o Acordo Automotivo não alteraram esse qua-dro. Pelo contrário, nos acordos assinados entre 1989 e1991, em meio ao desemprego, greves e dissídios coleti-vos, percebe-se a grande eficácia do controle exercido pelopatronato. Em 1990 e em 1991, sindicatos que negociamna mesma data-base (a Federação e os sindicatos a elafiliados, e o SSBCD e sindicatos filiados à CUT) não acei-taram os termos do acordo proposto pela Fiesp, sendosuscitado dissídio. Posteriormente, a Federação assinou

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acordo em dissídio e, em seguida, o SSBCD aderiu a esteacordo. No final de 1991, essa situação se repetiu. A gra-vidade da situação chegou a tal ponto que o padrão dosacordos formulados pela Federação – considerada pelaslideranças do SSBCD moderada e conciliadora – torna-ram-se atraentes.4 Nesses anos, em meio a greves, os tra-balhadores das montadoras assinaram acordos separada-mente, mas sem lograr estabelecer um padrão favorávelem relação, por exemplo, aos do Sindicato de São Paulo.

A atuação do patronato foi coesa, empenhando-se emuniformizar os acordos coletivos de trabalhadores perten-centes a ramos produtivos desiguais. A indiferenciação in-terna dos acordos do SSBCD, que engloba os trabalhadoresdas montadoras, mostrou que procurou-se nivelar, por bai-xo, salários e demais condições de trabalho e padronizar si-tuações de trabalhadores vinculados a segmentos econômi-cos com diferentes graus de desenvolvimento tecnológico einvestimento. A noção de categoria – ampla e diferenciada– instrumentalizou muito bem os anseios patronais de unifi-car salários e demais condições de trabalho, procedimentoadotado em todo o território nacional.

Falsos pesos e medidas foram atribuídos ao desempe-nho destes sindicatos. Criou-se um ilusionismo, em queembaralharam-se os personagens e os sentidos de suasações, fazendo constar ao observador despreparado quehá meios para se obter bons acordos sem pressões, semgreves, quando na realidade o que se obteve deveu-se àspressões e às greves desenvolvidas pelo SSBCD, cujosresultados foram creditados ao SMSP. Este sindicato,habilidosamente, ampliou seus espaços e absorveu mo-dalidades do novo desempenho sindical, compatível coma atuação corporativista no sistema democrático que des-pontava, beneficiando-se com a convivência. A seguir,formulou seu último e indispensável passo, definindo suaidentidade sob a proposta de ação eficaz no então deno-minado “sindicalismo de resultados”.

Estes resultados não constituem apenas o recado exem-plar dado pelo patronato a um caso especial de tensão entredois sindicatos de atuações antagônicas. Os resultados denegociações observados no contexto de nove sindicatosmetalúrgicos, dispersos em todo o território brasileiro ediversificados quanto ao tamanho e importância econô-mica de suas bases, que, em sua maioria, negociam semgreves, agravam o significado do que aqui foi menciona-do (Renner, 1993). Para fins de comparação, estes sindi-catos foram reunidos em grupos que têm em comum ofato de negociarem sob o mesmo imperativo legal e emdatas-base próximas, o que propicia condições favoráveisao estudo de seus resultados.

Assim, no grupo formado pelos sindicatos de SBCD,Canoas e pela Federação dos Trabalhadores Metalúrgi-cos do Rio Grande do Sul, destacam-se os resultados dos

acordos assinados pelo pequeno Sindicato de Canoas, que,entre 1980 e 1984, equipararam-se aos do SSBCD e, em1985 e 1987, foram superiores a este. A Federação efe-tuou acordos sem impacto, mas ainda assim, em 1986 e1987, seus acordos superaram os do SSBCD, contrarian-do as expectativas. A Federação representa sindicatos cujasbases territoriais são constituídas por inúmeras pequenasempresas, dispersas por uma vasta região, com pequenopoder econômico, onde as dificuldades de mobilizaçãosão muito grandes, tornando as greves praticamenteinviáveis. Em Canoas, predomina a indústria mecânica,sendo que o sindicato é pequeno e não pode rivalizar-seao poder econômico das bases territoriais do SSBCD. Por-tanto, nesse grupo, o poder da pressão sindical, o tama-nho do sindicato, o dinamismo dos trabalhadores expres-so em greves, assim como a importância econômica daestrutura produtiva em que se apóiam as bases sindicaisnão expressaram as regularidades esperadas. Os acordosfirmados reuniram em denominador comum sindicatospequenos e grandes, estruturas produtivas heterogênease diferentes comportamentos dos trabalhadores.

No grupo dos sindicatos de Manaus, Salvador e Reci-fe destaca-se o de Manaus por representar os trabalhado-res do segundo centro de produção da indústria de mate-rial elétrico e de comunicações do país, sendo suplantadoapenas por São Paulo. Os sindicatos de Salvador e deRecife têm mais ou menos o mesmo porte e, do ponto devista econômico, menor relevância. O ramo de comuni-cações teve bom desenvolvimento nos anos 80, particu-larmente entre 1984 e 1988. No entanto, o Sindicato deManaus não realizou regularmente acordos superiores aosdemais sindicatos, como seria de se esperar. Dos 11 anosobservados, apenas em quatro firmou acordos melhoresque os do Sindicato de Salvador. Sobre o Sindicato deRecife, as informações são mais fragmentadas, mas indicamque este fez os acordos salariais menos significativos.

No último grupo, estão os três grandes sindicatos daregião Sudeste: o do Rio de Janeiro, o de Belo Horizontee Contagem e o de São Paulo. São sindicatos razoavel-mente homogêneos, que estão dentre os maiores sindica-tos metalúrgicos do Brasil. O de São Paulo, a partir de1984, realizou, sem greves, melhores acordos que o Sin-dicato do Rio de Janeiro e, em 1984, 1985 e 1988, acor-dos superiores ao do Sindicato de Belo Horizonte e Con-tagem. O acordo firmado pelo Sindicato de São Paulo,em 1985, foi único e ocorreu quando o segmento indus-trial de suas bases territoriais ainda estava bastante afeta-do pela crise econômica. Esse acordo superou o do Sin-dicato de Belo Horizonte e Contagem, que representaprincipalmente os trabalhadores do ramo metalúrgico –segmento que crescera entre 1984 e 1988 –, tendo desem-penho relativamente ativo nesses anos.

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A grande homogeneidade dos acordos coletivos assi-nados pelos sindicatos de trabalhadores metalúrgicos dosquatro cantos do país revela a fragilidade das negocia-ções coletivas. As particularidades relativas às caracte-rísticas e formas de desempenho que personalizam os sin-dicatos não deixaram suas marcas nos acordos firmados,sejam elas referentes ao tamanho, a vínculo a linhas pro-dutivas de tecnologia mais ou menos avançadas ou a for-mas de atuação sindical. Ao contrário, sindicatos comcaracterísticas e desempenhos díspares apresentaram re-sultados similares. Paradoxalmente, os grandes sindica-tos, de atuação personalizada e agressiva, ligados aos se-tores dinâmicos da economia, não firmaram os melhoresacordos, como corriqueiramente tem-se afirmado.

Essa situação tende a perpetuar-se porque o elo corpo-rativista responsável pela reprodução da mesma não foitocado. A Constituição não introduziu mudança que atin-gisse qualquer norma essencial nas negociações ou acor-dos coletivos, de forma a alterar as relações entre capitale trabalho. Não foi minimizada a importância da Justiçado Trabalho nesse processo. Se houve alguma ampliaçãode direitos no âmbito dos acordos coletivos, estes sedi-mentaram-se no âmbito do corporativismo estatal. Asmudanças constitucionais orientaram-se no sentido deafrouxar várias amarras estatais, fortalecendo o sindica-to, mas não no tocante às negociações coletivas.

A principal mudança nas condições que regem as nego-ciações coletivas referiu-se à Lei de Greve. Foram elimina-dos os procedimentos prévios intrincados e as sanções daslegislações anteriores. O direito de greve, tal como apareceformulado na Constituição, é direito do trabalhador e inde-pende do sindicato: “É assegurado o direito de greve, com-petindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade deexercê-lo e sobre os interesses que devem por meio deledefender” (Art. 9o da Constituição Federal). Este direito foirapidamente regulamentado pelo Congresso, em 1989, o quepor si só já constitui uma exceção (Lei no 7.783, de 28/06/89). Não se estabeleceu, a priori, motivos válidos para adeflagração da greve, competindo ao trabalhador decidirsobre a oportunidade e os interesses a serem defendidos. Noentanto, as restrições legais indicam as condições em que sepermite seu exercício. Constitui abuso do direito de greve amanutenção da paralisação após a celebração de acordo, con-venção ou decisão da Justiça do Trabalho, exceto as que te-nham por objetivo o cumprimento de cláusula ou condiçãoe as que sejam motivadas pela superveniência de fato novoou acontecimento imprevisto que modifique substancialmen-te a relação de trabalho. Assim, sua eclosão deve estar rela-cionada às condições imediatas à elaboração ou ao cumpri-mento do acordo.

Foi restabelecido o poder normativo da Justiça do Tra-balho, “facultando-lhe estabelecer normas e condições de

trabalho” (Instrução Normativa no 4, do TST, 08/07/93).As palavras de um juiz em julgamento de dissídio mani-festam os ideais que devem regê-la: “Os ditames doregramento maior desta Corte Trabalhista é a prolação daJustiça Social. Justiça Social nem sempre emana doregramento juridicamente ordenado, escreve-a princípiosde conjuntura econômico-social, estreitamente ligados aosditames da sensibilidade e criatividade do Magistrado nomais apurado senso, do que seja socialmente justo, comvistas ao preceito da eqüidade” (Julgamento de Dissídiodo SMSP, TRT, 1991). No entanto, tais objetivos não sãoalcançados, seja pelos procedimentos empregados, sejapela persistência da política salarial como instrumento decontenção de salários. Quanto aos procedimentos empre-gados, a pauta de reivindicações dos trabalhadores cons-titui um conjunto coerente de demandas, uma diretriz aodesenvolvimento das relações de trabalho e tem unidadeinterna. Entretanto, como observado anteriormente, nojulgamento, o acordo sofre fragmentações que o desfigu-ram. Cada juiz vota individualmente, cláusula por cláu-sula, aceitando-a, aprovando-a parcialmente, substituin-do-a ou eliminando-a. Tudo se passa como se os juízesestivessem apreciando fragmentos isolados das deman-das de um sindicato. Quanto à política salarial, embora aJustiça do Trabalho possa normalizar as condições de tra-balho, deverá fazê-lo em conformidade com a políticaeconômico-financeira do governo ou com a política sala-rial vigente (CLT, art. 623). As regras salariais governa-mentais deverão ser obedecidas, restando ao jurista arbi-trar sobre suas obscuridades, ambigüidades ou omissões.

O desempenho da Justiça do Trabalho assim descritotorna difícil sua atuação arbitral. A arbitragem requerautonomia, liberdade e condições para se avaliar situa-ções singulares e propor soluções inovadoras. No entan-to, a Justiça do Trabalho situa-se muito aquém da impor-tância da matéria que trata.

A Constituição de 88 instituiu o árbitro, mas não o re-gulamentou, constando que “frustrada a negociação co-letiva, as partes poderão eleger árbitros” (Art. 114, pará-grafo 1o). O árbitro agrega-se às matérias que tratam daconciliação e julgamento do dissídio, o que o descaracte-riza, pois, “recusando-se as partes à negociação ou à ar-bitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizardissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabe-lecer normas e condições convencionais e legais mínimasde proteção ao trabalho”. Evidentemente, ele só terá ver-dadeira importância se reportar-se a relações desenvolvi-das sobre um mínimo de consenso.

Outrossim, pode ser considerado um avanço no em-preendimento das negociações coletivas o fato de ter-sepassado a exigir, como precondição ao ajuizamento dodissídio, a apresentação de provas documentais que com-

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PODER SINDICAL E NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

provem a tentativa de negociação e indicação das causasque a impossibilitaram (Constituição de 88, InstruçãoNormativa no 4, VI, d.).

A prática das negociações coletivas metalúrgicas pós-88 mostra a ocorrência de algumas mudanças no compor-tamento sindical. De um lado, há uma aparente desagre-gação dos ramos que compõem a categoria: por ocasiãodas greves de 1989, 1990 e 1991, houve maior flexibili-dade das montadoras em firmar acordos independentes, oque concretizou-se plenamente no Acordo Automotivo, em1992. De outro, surgiram novas polarizações na composi-ção dos blocos de sindicatos metalúrgicos nas negociaçõesem 1990 e 1991, tendo o SSBCD solicitado sua inclusãono acordo firmado pela Federação,5 o que pode indicar umamelhoria na importância do papel desta entidade nas ne-gociações coletivas. Ainda neste início de década, os sin-dicatos tenderam a suscitar o dissídio com maior freqüên-cia, em virtude de controvérsias em relação às normas dasnovas leis salariais, desencadeando greves por ocasião dasnegociações, sendo que, ainda que seus objetivos não te-nham sido logrados, estas não foram consideradas abusi-vas, vigendo os preceitos constitucionais.

A novidade sob o processo democrático foi a so-lidificação dos laços do corporativismo estatal, pela rele-vância atribuída à Justiça do Trabalho. Desta forma, odireito coletivo do trabalho identifica-se com o poder deEstado e foi por ele apropriado.6 Tal fato remete a umempresariado apegado a formas autocráticas de controle,particularmente em relação às normas de utilização e docusto do trabalho. Acomodou-se a práticas que o favore-cem, minimizando esforços. Embora tenha havido notá-vel mudança na forma de atuação dos trabalhadores, talfato não teve correspondência no patronato, nem encon-trou vias institucionais de absorção. Sem imputar ao esta-tuto corporativista o papel de causa, destaca-se sua funçãona perpetuação de relações retrógradas, legitimando-as. Fun-ciona como um freio, que impede a captação das mudan-ças comportamentais provindas da classe trabalhadora, quenão encontram meios de expressão para serem incorpo-radas institucionalmente, pois a prática desse estatutoimplica um contra-senso: os sindicatos não podem, porlei, “recusar-se à negociação coletiva quando provocados”(CLT, art. 616) e assim, na data-base, reúnem-se sindica-tos e empresários para a assinatura do acordo, sem que defato existam negociações. Tudo se passa, como se o man-dato houvesse se convertido na máxima da conduta dosparceiros, quando, de fato, ocorre o inverso. A adesão aomandato existe unicamente em mérito da relação formalde obediência, sem se levar em conta o conteúdo do man-dato como tal.

Esse instituto carece de substância no âmbito em que sedistinguem situações e personalidades, corporificando-o,

modificando-o e sendo por ele modificadas. De fato, ele nãorege a ação e, sem incorporá-la, reduz-se ao formalismo bu-rocrático. Existe enquanto fonte de autoridade outorgada,mas é inoperante para modelar as negociações, enquantoações, discussões, pressões e entendimentos que precedemo acordo.

Inegavelmente, o sindicato representa um salto de quali-dade na caminhada dos trabalhadores, sendo que o méritodessa legislação, preservada por estágios históricos, foireconhecê-lo, criando uma estrutura sindical estável. Tem-se tecido muitas considerações sobre a “genialidade” desseestatuto, que perdura por décadas. Na verdade, ele tem sidoretocado e emendado para enfrentar as mudanças. Sua per-sistência deve-se antes à manipulação do poder para a ma-nutenção da estabilidade social e, nestes termos, tem absor-vido inovações apenas na medida de conter a mudança.

“Mudança estrutural de caráter inovador e controlesocial conservador são entidades excludentes” (Fernandes,1972). O estatuto, que deveria dar suporte à interação en-tre sindicatos e empresários, distanciou-os. Sem aproxi-mação entre os parceiros, não houve redefinições norelacio-namento. As negociações coletivas fazem partedeste conjunto de regras que visam antecipar-se às situa-ções de confronto, recusando a normalidade do conflitooperário. Não criou sindicatos autônomos, mas fê-los su-bordinados ao Estado.

A necessidade da implantação de uma nova regulamen-tação das relações de trabalho, compatível com o proces-so de diferenciação da sociedade, independe das novida-des do processo de globalização. Os princípios da estruturasindical precisam ser alterados desde o topo, regido peloEstado – instância suprema na regulamentação das rela-ções entre capital e o trabalho – até as bases. A estruturaa ser implantada deverá sobrepujar o sindicato de fábri-ca. Este, via de regra, é controlado pelo empresário, quetende a solapar suas funções através dos conselhos defábrica e demais projetos de representação operária. Noque tange às negociações coletivas, conviria à Justiça doTrabalho limitar-se à condição de fiadora da liberdade denegociações – garantindo o diálogo sobre temas legiti-mamente formulados, sem poder decisório – e de fiscali-zadora do cumprimento dos contratos.

Na falta de novas instituições, não será evitada a mudan-ça, que ocorrerá provavelmente no velho estilo: mudançasparciais, artifícios imediatistas orientados pelos empresários,que visam aqui e ali eliminar obstáculos que cerceiam seusinteresses, na linha que atualmente se convencionou deno-minar de “flexibilização das relações de trabalho”. Nestemomento histórico, a situação do trabalhador tende a ser maisgrave do que na época da criação da legislação corporativis-ta. As propostas de transformação concentram-se unicamentena defesa das relações econômicas, projeto em que o traba-

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lhador se integra apenas pela exclusão de direitos. Assim,corre-se o risco de se perpetuarem as funções do Estado comoárbitro das relações de trabalho, sem suas compensaçõespaliativas: as pequenas garantias e direitos, efeitos das múl-tiplas estratégias buscadas pelos sindicatos para equilibrar ainflexibilidade do empresariado perante as negociações. Apresente estrutura eleva o sindicato à elite do poder, sem dar-lhe condições de gerar mudanças nas condições de trabalho.Contradição bem explicitada pelo líder sindical que, semmeios para fazer valer suas reivindicações, afirmou: “Eu ligopara o presidente, ele me atende... Isso faz muito bem para aminha vaidade, mas não resolve os problemas do país.”7

NOTAS

1. Requerimento de Lula ao presidente do TRT de São Paulo, 20/03/78.

2. Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Manaus, Recife, Salvador, Riode Janeiro, Belo Horizonte e Contagem, São Paulo, São Bernardo do Campo eDiadema, Canoas e Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado do RioGrande do Sul.

3. Ainda em 1990, foi julgada outra pendência judicial dos dissídios de 1986.

4. Sobre essa disputa, ver Renner (1993).

5. Desde a década de 70, o SSBCD, que negociava sob a liderança da Federação,tentava estabelecer negociações independentes com a Fiesp. A partir de 1979, oSSBCD aliou-se a alguns sindicatos do interior, formando “o grupo independen-te”, separando-se assim da Federação.

6. Ver desenvolvimento dado a este tema por Paoli (1994) e Boito Jr. (1991).

7. Comentário de Paulo Pereira da Silva, Folha de S.Paulo, 17/05/96.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOITO Jr., A. O sindicalismo de Estado no Brasil. São Paulo, Hucitec/Unicamp,1991.

FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro,Zahar, cap. 2, 1972.

FREI BETTO. Lula – biografia de um operário. São Paulo, Estação Liberdade,1989.

NORONHA, E.G. Greves na transição brasileira. São Paulo, Unicamp, v.I, 1992.

PAOLI, M.C. “Os direitos do trabalho e sua justiça – em busca de referênciasdemocráticas”. Revista da USP. São Paulo, Edusp, mar.-abr.-maio 1994,p.100-114.

RENNER, C.H.O. O rouxinol e o pássaro mecânico. Análise dos acordos cole-tivos dos sindicatos metalúrgicos de São Paulo e de São Bernardo do Campo,1978-1988. Tese de Doutoramento. São Paulo, FFLCH/USP, 1993.

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ALCANCE E LIMITES DA REESTRUTURAÇÃO NEGOCIADA

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ALCANCE E LIMITES DAREESTRUTURAÇÃO NEGOCIADA

LEILA MARIA DA SILVA BLASS

Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP

nização industrial, na qual as empresas buscam integrar,de modo sistêmico, as formas de gestão da produção, dotrabalho e as inovações tecnológicas, tendo em vista astradições culturais, a formação das instituições e o jogoentre as forças políticas presentes na construção da de-mocracia em cada sociedade.

Os dados coletados na pesquisa indicam que as mon-tadoras instaladas no Brasil, há décadas, parecem maisdispostas, nos anos 90, a modificar as formas de gestãodo trabalho do que as da produção, pois enfrentam, pelaprimeira vez, a competitividade intercapitalista no pró-prio mercado interno, em decorrência das medidas pro-mulgadas pelo governo Collor, particularmente no quese refere à abertura do mercado interno às importaçõesde veículos e autopeças por meio da redução do impostode importações. Diante dessa situação, estas montadoraspromovem uma série de reformas na capacidade já insta-lada das empresas e nas relações de trabalho, fundadasnos princípios organizacionais do fordismo. O primeirocaso abrange a transição e as adaptações do projeto for-dista às novas exigências de horizontalização das empre-sas industriais, pondo em evidência, no caso da ex-Auto-latina (Brasil), o que Wood (1991) chama de “japonizaçãodo fordismo”. No segundo caso, a ação empresarial e apressão dos movimentos mais organizados de trabalha-dores alteram muito lentamente o padrão dominante dasrelações de trabalho no Brasil. Apesar das mudanças po-lítico-institucionais e da presença de interlocutores polí-ticos, válidos e reconhecidos pelos representantes patro-nais e governamentais, são os próprios trabalhadores queampliam a sua participação e representação política, sejano interior das empresas, seja na sociedade. A estruturasindical verticalizada fundada nos sindicatos únicos porcategoria e região, a Justiça do Trabalho e os fundos fi-

ste artigo pretende levantar algumas questões re-ferentes à proposta sindical conhecida por “rees-truturação ou modernização negociada”, seu al-

cance e limites, tendo em vista os desafios que se confi-guram para o movimento operário e sindical brasileiro,nos anos 90. A análise enfocará, basicamente, os meta-lúrgicos do ABC paulista, herdeiros de uma longa traje-tória de lutas e os principais porta-vozes dessa proposta.

As informações aqui sistematizadas resultaram do es-tudo comparativo, recentemente concluído, “A indústriaautomobilística em Portugal e no Brasil, no contexto daglobalização.”1 A mesma associação de capitais que for-ma a Autolatina no Brasil e na Argentina, até março de1995, subsidia, em parceria com os investimentos da UniãoEuropéia e do governo português, a partir de 1992, a cons-trução da AutoEuropa, uma montadora sediada na penín-sula de Setúbal, em Portugal. Ambas resultam da fusãodas unidades da Ford e da Volkswagen e estão localiza-das em regiões – o ABC paulista e Setúbal – que forampalcos de inúmeras manifestações operárias e sindicais,desde o final dos anos 70 e durante a década de 80.

Nesse jogo de espelhos, os paradoxos e as contradi-ções internas, que perpassam o chamado processo de glo-balização em que se insere a reestruturação mundial dosetor automobilístico, ficam mais nítidos. A implantaçãodos novos paradigmas produtivos, que se materializam emdiversos padrões tecnológicos e técnico-organizacionais,expressa diferentes tempos históricos. A Ford/Taboão e aVolkswagen/Anchieta simbolizam, por exemplo, o pro-jeto desenvolvimentista do governo brasileiro de Jusceli-no Kubitschek, na segunda metade dos anos 50, enquan-to a AutoEuropa mobiliza as imagens da nova fábricaglobalizada dos anos 90. A organização do seu processoprodutivo segue as tendências contemporâneas da moder-

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nanceiros recolhidos e controlados pelo Estado perma-necem, por sua vez, quase intactos (Boito, 1991; Rodrigues,1990). Por esse motivo, o sistema brasileiro de relaçõesde trabalho apresenta uma mistura e justaposição de prá-ticas e contratualidades, nas quais as continuidades pare-cem prevalecer sobre as rupturas, ao contrário do que seobserva em Portugal (Relatório de Pesquisa JNICT/CNPq,1995).

Neste artigo pretende-se chamar a atenção para o fato deque começa a se delinear a idéia de uma ação sindical decaráter mais propositivo do que de confronto direto, na vira-da de década de 80, quando um conjunto de mudanças emdiferentes níveis apresenta múltiplos desdobramentos e di-mensões. O rearranjo do capitalismo internacional, sob ahegemonia do capital financeiro, direciona, segundo algunsautores (Forrester, 1997), as mudanças introduzidas na po-lítica interna dos países periféricos, atendendo, nessa medi-da, às exigências das empresas transnacionais, que caracte-rizam-se como “um dos grandes agentes da reestruturação”(Santos, 1994:216).

A proposta de reestruturação negociada insere-se nes-se cenário histórico, sendo enunciada, em meados dos anos90, em lugares diferentes e por vários atores sociais – sin-dicalistas, representantes patronais, governamentais, em-presários, pesquisadores e imprensa. Porém, ela é gesta-da no transcorrer das experiências de luta dos metalúrgicosda região do ABC paulista, mais precisamente a partir dagreve Vaca Brava, que eclode em 1985. Essa proposta nãoestaria, portanto, em dissonância com a prática sindicaldesses trabalhadores; ao contrário, só ganha sentido quan-do remetida ao desenrolar da sua própria história, nosúltimos anos. Nesse sentido, destaque-se a participaçãona Câmara Setorial do Complexo Automotivo, em 1992e 1993, formada por representantes governamentais, em-presariais e sindicais. Nessa oportunidade, são negocia-dos, entre outros pontos, o nível de emprego, a introdu-ção de novas tecnologias, reajustes salariais e índice deprodutividade, sendo os resultados bastante positivos paraos trabalhadores (Arbix, 1996).

Um representante da comissão de fábrica na Volks-wagen/Anchieta identifica dois períodos na história dosmetalúrgicos do ABC paulista: o primeiro abrange o fi-nal dos anos 70 até o início da década de 90; e o segundocompreende esse momento até os dias atuais. Segundo ele,no primeiro período, o sindicato cresceu “reivindicandotudo que tinha direito, aquilo que o empresário tinha dei-xado de pagar naquela época. E, mais tarde, diante dasmudanças, não é mais possível fazer isso...” E completa:“Se o sindicato quiser continuar mobilizando, ele tem quepartir para outros meios”,2 o que implicou a modifica-ção das suas formas de mobilização e de organização.Sempre respaldados nas comissões de fábrica, os meta-

lúrgicos buscam contrapor-se de várias maneiras aos efei-tos sociais da política econômica e industrial implemen-tada pelo governo Collor.

A nova estrutura salarial horista,3 implantada nos últi-mos meses de funcionamento da Autolatina, e a regula-mentação da jornada de trabalho na Ford e na Volkswagen,definida após a sua dissolução, respectivamente, em ou-tubro de 1995 e janeiro de 1996, exemplificam a propos-ta de reestruturação negociada. A regulamentação dajornada de trabalho (Blass, 1997) apresenta graus dife-renciados de institucionalidade na Ford e na Volkswagen.Nos acordos firmados nestas empresas, a redução e a fle-xibilização da jornada de trabalho articulam-se com a ins-tituição de um banco de horas que constitui uma grandenovidade nas relações de trabalho no Brasil. O seu prin-cipal objetivo seria cercear a prática generalizada e in-discriminada de horas extras para manter o nível de em-prego, ou mesmo possibilitar novas contratações. Essesacordos são, sem dúvida, importantes conquistas políti-cas, cujo alcance restringe-se às empresas onde eles fo-ram negociados. Neste ponto, deixam transparecer um doslimites da proposta de reestruturação negociada, uma vezque não atingem outras empresas e setores produtivos.

Os metalúrgicos na Ford/Taboão e na Volkswagen/Anchieta reatualizam não só as experiências anteriores,mas também a prática das negociações diretas – sem amediação do Estado – entre empresa, sindicato e traba-lhadores, bastante difundida no interior do movimentooperário e sindical de São Paulo, no final dos anos 20(Blass, 1986). Essa prática traz as marcas da excep-cionalidade, tendo em vista o sistema vigente de relaçõesindustriais no Brasil.

EM TEMPOS DE MUDANÇAS

Várias mudanças são introduzidas, desde o final dosanos 70, pelas empresas. Assim, o chamado processode reestruturação produtiva, no Brasil, pode ser divi-dido em três fases. A primeira inicia-se nesse período,estendendo-se até os primeiros anos da década de 80,quando se difundem os Círculos de Controle de Quali-dade (CCQ). A segunda fase começa com a retomadado crescimento econômico, em 1984, e vai até o iníciodos anos 90, quando as empresas introduzem equipa-mentos de base microeletrônica, mas com difusão eutilização ainda limitadas se comparadas a outros paí-ses. As novas tecnologias encontram-se, principalmen-te, nas indústrias automobilísticas que se remodelampara produzir os carros mundiais. A terceira fase ini-cia-se na década de 90 e estende-se até os dias atuais,quando, além das mudanças nas formas de gestão daprodução, são introduzidos os programas de comuni-

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ALCANCE E LIMITES DA REESTRUTURAÇÃO NEGOCIADA

cação e participação, produtividade e qualidade quecaracterizam as novas formas de gestão do trabalho.

A dissolução da Autolatina, os investimentos na uni-dade Ford/Taboão para a produção dos modelos de car-ro Fiesta e Ka, a construção de novas unidades da Volks-wagen, em Rezende e São Carlos, a transferência de linhasde produto e o fechamento ou deslocamento de fábricaspara outras regiões ou cidades brasileiras são diferentesdimensões dessa terceira fase. Ao lado disso, modifica-se o desempenho das indústrias brasileiras em decorrên-cia da abertura comercial do mercado para a importaçãode veículos e autopeças, desencadeia-se um processo dereformas constitucionais e há a promulgação, em 1994,de um plano de estabilização econômica – o Plano Real.Essas medidas repercutem no sistema de relações indus-triais e nas negociações diretas entre empresários e traba-lhadores. A desindexação dos salários em vigor, desdejulho de 1995, e a aplicação dessas políticas fazem comque o Estado assuma um rígido controle sobre as conces-sões salariais.

Vários movimentos grevistas e diversos protestos eclo-dem, a partir da segunda metade dos anos 80, na regiãodo ABC paulista. Alguns deles influenciam, mais direta-mente, na formulação da proposta de reestruturação ne-gociada, como, por exemplo, a greve Vaca Brava, em1985, a dos Golas Vermelhas, na Ford/Taboão, em 1990,e a Noite de Vigília contra a recessão e o desemprego, emdezembro de 1991.

A semana de 40 horas de trabalho sem redução de sa-lários faz parte do plano de lutas aprovado no I Congres-so Nacional da CUT, realizado em 1984, em São Bernar-do do Campo. A campanha salarial de 1985, na região doABC paulista, tem na redução da jornada de trabalho para40 horas a sua principal reivindicação. Os metalúrgicosdo ABC tentam fugir das demandas salariais que caracte-rizavam, até então, as lutas operárias e sindicais. Dessemodo, reintroduzem a questão da jornada de trabalho quenão era tematizada, desde 1935, pelo movimento sindicale operário brasileiro.

Tanto a vida fora da fábrica quanto a construção doslaços afetivos são temas abordados nessa ocasião. A im-portância da família e da educação dos filhos são ques-tões postas para reflexão no movimento de 1985. Comentaum entrevistado da Perkins: “As 40 horas não eram sópara nós. Eram para nossos filhos também. A gente quertrabalhar menos e ter mais um lazer com nossas criançase, quem sabe, até uma forma de gerar mais emprego.”4

O modo de organizar a greve, denominada Vaca Bra-va, funda-se, por outro lado, na surpresa. A cada dia, ten-do por base um conjunto de dados e informações siste-matizadas em “mapas da cadeia produtiva”, dirigentes emilitantes sindicais decidem qual(is) a(s) empresa(s) que

será(ão) paralisada(s) e em que momento. Tentam, assim,deixar os empresários sem rumo, quer dizer, sem saber“qual é a fábrica que ia parar, qual ia continuar” porque“um pára, o outro começa e descontrola todo o sistemade produção; desorganiza tudo, porque a produção é emcadeia, um vai produzindo em seqüência do outro...”5 NaVolkswagen, conta um entrevistado, “nós estávamos pa-rados porque não havia peças, mas nós não estávamos emgreve. Quando começou a chegar peça, aí nós paramos”.6

É difícil montar um quadro preciso dos resultados dessemovimento grevista, pois os acordos são firmados porempresas. São as pequenas e do setor de autopeças queaceitam a implantação imediata da jornada de 40 horas.7

Nas grandes empresas automobilísticas, ainda vigora ajornada semanal de 45 horas de trabalho.

A Vaca Brava inauguraria, portanto, outra forma degreve: é uma paralisação geral, mas com a “greve em umaou duas fábricas”, como definiu Vicentinho, presidentedo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Dia-dema, nessa época. É um movimento que resulta de umasérie de ações pontuais e diferenciadas conforme as ca-racterísticas das empresas ou de setores de uma mesmafábrica. Rompe, assim, com uma das tradições das gre-ves operárias, apresentando aspectos importantes quepodem ser mais bem explorados numa ação coletiva, nes-ses tempos de mudança. Destacar-se-ia, principalmente,a relação entre as partes e o todo que é construída a partirde critérios qualitativos – o que se produz, em que condi-ções – e não só quantitativos – número de funcionários,produtividade, etc. Explica um entrevistado: “Uma em-presa que faz bomba injetora, pára essa fábrica. Daqui apouco faltará peça na fábrica de automóveis. A fábricade automóveis pára porque como vai andar o carro sem ocoração, sem bomba injetora?” E complementa: “Se al-gumas fábricas continuam funcionando, é possível toda acategoria bancar o salário da peãozada dessa fábrica.”8

A organização do movimento grevista dos Golas Ver-melhas, em 1990, segue esses passos. A vontade coleti-va, a solidariedade e a união dos trabalhadores são reafir-madas, embora não seja uma greve de “todo mundo junto”.Esse movimento eclode fora da campanha salarial e en-volve apenas os funcionários da manutenção e ferra-mentaria na Ford/Taboão, que se identificam e são reco-nhecidos pela cor das golas dos seus uniformes. Dura 50dias, de 11 de junho a 30 de julho, marcados por intensosconflitos, vários confrontos e apenas alguns instantes denegociação. Logo nos primeiros dias, a empresa suspen-de os membros da comissão de fábrica e demite funcio-nários, negando-se a estabelecer qualquer forma de diá-logo. Após um mês de greve, a empresa publica, nosprincipais jornais paulistanos, anúncios de contratação depessoal para ocupar as mais diferentes funções.

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Os grevistas, por sua vez, criam várias formas de arre-cadação de fundos com o objetivo de cobrir uma parcelados seus salários. A distribuição do dinheiro obtido ba-seia-se em um rígido controle da presença diária dos gre-vistas na fábrica, que são obrigados a responder à chama-da na entrada e na saída dos turnos. Alguns entrevistadosapontam para o paradoxo dessa situação, ao comentar:“Nós estamos de greve, vocês estão parecendo a firma,não querem nos pagar porque nós não viemos trabalhar,vocês estão pior que a Ford.”9 Com os sistemas de arre-cadação de fundos e de distribuição, os grevistas chegama receber o equivalente a 30% do seu salário mensal.

No final do mês de julho, a empresa decide não pagar ossalários a quem estava trabalhando. Revoltados com essaatitude, os trabalhadores atacam os carros da gerência e daschefias estacionados no pátio da empresa, quebram os vi-dros, depredam várias dependências e invadem os escritó-rios do Departamento de Relações Industriais. A empresacondiciona o pagamento dos salários ao retorno dos “golasvermelhas” aos seus postos de trabalho. Os seus represen-tantes e a comissão de fábrica insistem na abertura de nego-ciações, sem suspender a greve. Nos momentos iniciais dasnegociações para encerrar a greve, a Ford aciona a polícia,pedindo a ocupação da empresa e retirando antes os seusdiretores. Os trabalhadores não grevistas do noturno, quan-do chegam, são impedidos de entrar na fábrica. Diante des-se fato, promovem sucessivos quebra-quebras nos prédios edepredações nos carros. As máquinas e os instrumentos detrabalho são totalmente preservados.

Os quebra-quebras e a união demonstrada pelos traba-lhadores na Ford/Taboão são acontecimentos que se man-têm vivos na memória dos metalúrgicos de São Bernardoe Diadema. Os grevistas defrontam-se também com aorientação dos dirigentes sindicais. Tanto que alguns en-trevistados confessam que essa greve constituiu numa ini-ciativa exclusiva “dos próprios trabalhadores, dos própriosgolas vermelhas (...). Partiu de dentro da fábrica, atravésde toda liderança. Não foi um movimento que partiu atra-vés de estudos, do trabalho do sindicato...”10 Se essemovimento se caracteriza pela autonomia dos trabalha-dores na Ford, põe a descoberto, ao mesmo tempo, o iso-lamento político dos “golas vermelhas” em relação aoconjunto das classes trabalhadoras brasileiras.

Em dezembro de 1991, acontece, na sede do Sindicatodos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema,a “Noite de Vigília contra a recessão e o desemprego. Paraacender a chama da produção, da dignidade e da esperan-ça”. Com um extenso programa, o primeiro protesto ope-rário no governo Collor pode ser considerado o pontoculminante da trajetória de lutas desses trabalhadores e omomento de inflexão da sua prática sindical. A idéia derealizar essa atividade surge no bojo de um debate inter-

no sobre o esgotamento da greve, enquanto forma de pres-são, e os limites políticos de uma prática sindical centra-da, exclusivamente, nas questões econômicas e fabris. Poresse motivo, a programação da Noite de Vigília toma comoponto de partida os problemas enfrentados na região doABC paulista para refletir sobre a realidade econômica esocial brasileira e as estratégias a serem adotadas naque-le momento. Os diferentes segmentos da sociedade sãoconvidados a compartilhar dessas preocupações e a pro-por formas de atuação diante do cenário histórico que seconfigura nos anos 90.

O debate em torno de uma ação sindical propositiva ins-tala-se, segundo alguns dirigentes e militantes sindicais, apartir de 1985, quando o processo de reestruturação produ-tiva atinge a sua segunda fase. Nesse momento, são levanta-das algumas alternativas com o objetivo de manter o nívelde emprego, a questão da jornada de trabalho, participaçãonos lucros, etc. Os mesmos temas são retomados, mais tar-de, quando se intensifica esse processo – os efeitos da polí-tica econômica brasileira, alterando o desempenho das em-presas instaladas na região do ABC paulista. A singularidadeda posição dos metalúrgicos da região do ABC paulista,considerando os sindicatos que gravitam em torno da CUT,fica evidente. Talvez, assim, seja possível entender melhora dinâmica das divergências internas suscitadas pela suaentrada e defesa pública das Câmaras Setoriais, bem como oimpasse em que se encontra o movimento sindical e operá-rio brasileiro, em meados dos anos 90. Algumas perguntaspermanecem, no entanto, sem resposta. Em que medidaoutros grupos de trabalhadores brasileiros, cuja históriafoge desses parâmetros político-organizativos, poderiamdesenvolver uma ação sindical propositiva, tendo em vistaque os próprios empresários de outros setores e/ou regiõesnem sempre tiveram a oportunidade de se defrontar comdemandas semelhantes à dos trabalhadores da região doABC paulista?

Importa ressaltar, nesse sentido, que as relações indus-triais nessa região são redirecionadas em resposta à atua-ção sindical e à pressão dos trabalhadores, configurandouma série de ambigüidades e paradoxos. Um deles trans-parece na instalação das plataformas para montagem doscarros Fiesta e Ka. Nessa ocasião, uma parcela dos “go-las vermelhas” e as principais lideranças da greve de 1990são convocadas para acompanhar a construção da novafábrica Ford/Taboão. Este fato demonstra mais uma vezque as mudanças nas formas de gestão da produção e dotrabalho dependem do saber técnico acumulado por quemfaz funcionar as máquinas e do seu consentimento, masexpressaria também a força política desses trabalhadores,duramente conquistada, nos inúmeros confrontos, confli-tos, impasses e negociações em que participaram nas úl-timas décadas.

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DILEMAS E DESAFIOS

Os dilemas da reestruturação negociada, forjados notranscorrer das lutas operárias e sindicais na sociedadebrasileira, transfiguram-se em desafios a serem enfrenta-dos, no caso, pelos metalúrgicos do ABC paulista.

Os trabalhadores, quando buscam fazer valer suas rei-vindicações e interferir nas situações vividas no cotidia-no de trabalho e de vida, mobilizando vontades e organi-zando ações coletivas, reatualizam tradições políticas eculturais herdadas que se configuram em diferentes ex-periências de classe. Os seus protagonistas nomeiam es-ses acontecimentos vividos e criam matrizes discursivas(Sader, 1988), utilizando-se de linguagens variadas, apro-priando-se e reapropriando-se de semânticas bastante di-fundidas. Nesse processo, tentam inverter o seu signifi-cado como, por exemplo, na proposta de reestruturaçãonegociada. A regulamentação da jornada de trabalho,particularmente na Volkswagen, exemplifica esse fato.

Desse ponto de vista, as mudanças nas relações de traba-lho e nas práticas sindicais, principais temas da reestrutura-ção negociada, não respondem apenas aos determinantesestruturais, no caso aos ditames impostos pela reestrutura-ção produtiva, pela globalização ou pela nova divisão inter-nacional do trabalho e da produção. Essa proposta, assimcomo as relações de trabalho nas montadoras sediadas noABC paulista, é construída e reconstruída pelos trabalhado-res nas e pelas mobilizações operárias e sindicais, que ficamconhecidas pela sua combatividade e repercussão políticano cenário nacional. Frente à ação sindical propositiva, aocontrário do que se poderia acreditar – ou seja, de que o mo-vimento sindical e operário nessa região estaria com os seusdias contados –, é possível afirmar, com base na análise deBeynon (1995) sobre a experiência recente da classe operá-ria inglesa, que este movimento estaria em um processo dereformulação. Esse autor resgata a noção de “longa revolu-ção” formulada por Willians para concluir que, naquela ex-periência, o operariado não está destruído, pois “os padrõesindustriais e tecnológicos mudam e até se desenvolvem emvirtude da continuidade de práticas culturais e formas insti-tucionais da vida adaptadas às novas condições” (Beynon,1995:6). As suas referências básicas, que são as instituiçõese um conjunto de valores já estabelecidos, persistem.

Do mesmo modo, os valores de união e solidariedade ain-da podem ser percebidos entre os trabalhadores nas monta-doras no ABC paulista. Os seus órgãos de representação,como, por exemplo, a comissão de fábrica, no interior daFord/Taboão e Volkswagen/Anchieta, e o sindicato, no âm-bito da sociedade, contam com o reconhecimento políticodo empresariado, de representantes governamentais e dospróprios trabalhadores que dão respaldo às práticas de ne-gociação. Em outras palavras, uma avaliação da proposta de

reestruturação negociada não pode desconsiderar quem sãoos seus protagonistas e a sua história política.

As dificuldades enfrentadas pela Volkswagen/Anchietaem obter o consentimento dos seus funcionários, em de-zembro de 1997, para a redução da jornada de trabalho edos salários, ignorando a instituição do banco de horasfirmada em acordo em janeiro de 1996, ilustram clara-mente esse fato. No entanto, os trabalhadores e dirigen-tes sindicais, nessa empresa, ao fazer valer o acordo an-terior, põem a descoberto o alcance e os limites dareestruturação negociada. Eles são conclamados a nego-ciar, mas não podem perder de vista as tendências domercado e a defesa do emprego. Por isso, vêem-se obri-gados a se colocar na perspectiva da empresa para pre-servar o emprego. Nesse jogo de poder, são chamados aassumir responsabilidades sociais,11 evidenciando o de-sequilíbrio na correlação de forças entre trabalhadores,sindicatos e empresas transnacionais e o modo de inser-ção de cada país na divisão internacional da produção edo trabalho. Os representantes sindicais participam dessejogo como um dos seus atores sociais, ao lado da impren-sa, empresários e do próprio governo.12

A sua “ironia mais amarga” (Morgan, 1996) reside nofato de as empresas decidirem deslocar as suas subsidiá-rias na busca constante de maiores lucros e não porquedeixaram de ser rentáveis nas regiões e países onde jáestavam sediadas. Os discursos coletivamente elaboradosem torno dos custos ABC, ou dos custos Brasil, fundam-se nessa lógica econômica, ao reiterarem e reafirmarem adesvantagem competitiva das montadoras, que insistemem se manter, como a Ford, no ABC paulista. É evidenteque a contrapartida de quem fica está na obtenção de fi-nanciamentos e incentivos fiscais que visem a redução dosseus custos operacionais.

Qual seria a principal referência econômica e políticado discurso em torno dos custos ABC? Destaca-se a ex-periência recente da Fiat, localizada em Betim (MinasGerais), que ultrapassou a Volkswagen, nos últimos me-ses de 1997, nas vendas de automóveis para mercado in-terno.13 Do ponto de vista empresarial, os resultados ob-tidos por essa empresa decorrem das suas formas de gestãoda produção, mais precisamente a gestão do trabalho.

Nos últimos anos, essa empresa vem intensificando ocontato direto com os consumidores e fornecedores, atra-vés do programa Fiat on line (Posthuma, 1997), que per-mite acionar os processos de trabalho detrás para frente,isto é, a partir da compra antecipada feita pelos clientes.Paralelamente, desenvolve um programa intenso de co-municação direta com seus funcionários, negando-se aestabelecer quaisquer formas de interlocução política como sindicato ou com outros organismos de representaçãodos trabalhadores (Neves, 1996:23), o que contrasta, for-

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temente, com os caminhos trilhados pelas empresas loca-lizadas no ABC paulista.

Os representantes empresariais na Ford e na Volks-wagen insistem nos altos custos operacionais dessas em-presas, responsabilizando os salários e os benefícios so-ciais oferecidos aos seus funcionários pelos preços dosseus produtos no mercado. Um entrevistado afirma que,na “Fiat de Betim, os salários são a metade dos nossos,em São Bernardo. Aí, se diz: ‘ela está lá, é distante, a mão-de-obra é...’ O comprador de automóvel, na cidade dointerior, praticamente na esquina principal tem os quatromodelos lá – Ford, Volks, GM e Fiat e um dos importa-dos. Quando o cliente entrar na loja da Ford, vai falar:‘puxa, esse carro custa mais caro do que o da GM, da Fiat,da Volks?’ ‘Ah! Mas os nossos analistas falam inglês ealemão; (...) os nossos operários têm um padrão de vidamuito bom porque a gente paga bons salários.’ Ele res-ponde: ‘o problema é de vocês, não é meu...’”14

Quando se comparam os salários pagos na Ford/Taboãoe na Volkswagen/Anchieta com os da Fiat, fica confir-mada essa avaliação. Neves (1996) mostra que os ferra-menteiros, naquelas empresas, recebiam, em abril de 1994,154% a mais do que na Fiat e os operadores de produção,151%. Essas informações corroboram, portanto, paraapontar os desafios a serem enfrentados pelas liderançassindicais e militantes operários vinculados aos metalúr-gicos do ABC paulista, nos meados dos anos 90, e escla-recem sobre as perspectivas que se avizinham com o pro-cesso de reestruturação produtiva. O que, em si mesmo,não traria muita novidade.

As estratégias globais são reinventadas pelas empre-sas conforme as características políticas do movimentooperário e sindical atuante na região onde se instalam edo sistema de relações industriais, definido nos limitesdo Estado-Nação. As montadoras e empresas que com-põem a cadeia produtiva do complexo automotivo nãofogem à regra. Suas estratégias gerenciais, mesmo sendouma tendência inexorável da expansão capitalista, sãoredefinidas pelos atores sociais no seu cotidiano e a par-tir das relações sociais que se estabelecem entre si. Porisso, não configurar-se-ia um único processo de reestru-turação produtiva, assim como dificilmente se pode de-signar as mudanças que se desenrolam no cenário histó-rico contemporâneo por globalização, enquanto umatendência no singular. Sendo esse processo resultado deum conjunto de relações sociais, Santos (1995:53) concluique “rigorosamente não há globalização, mas globalizações,diferentes modos de globalização” (grifo nosso).

As empresas, buscando evitar um conflito aberto comseus funcionários, que comprometam os seus altos inves-timentos, tentam reduzir, ao mínimo, a incerteza que per-passa as relações capital-trabalho (Freyssenet,1993 e

1995) mostrando-se mais dispostas ao diálogo com osfuncionários e seus representantes sindicais. Explica odiretor de Recursos Humanos da Ford: “À medida que acompetitividade no mundo aumenta, maior deve ser a (sua)participação. O que nós estamos tentando fazer é colocarcomissão de fábrica, no nosso processo, mais antecipa-damente possível. Fazer com que conheça as nossas si-tuações, o futuro, o que nós precisamos fazer e em quecondições nós estamos...”15

Nesse momento, as comissões de fábrica, se consulta-das, podem negociar alternativas em que as antigas rei-vindicações operárias podem vir à tona e serem conside-radas legítimas pelo patronato, se não colocarem em riscoa competitividade da empresa. Estaria, então, a comissãode fábrica assumindo outro papel? A resposta a esta inda-gação exigiria uma análise que assumisse como perspec-tiva o conjunto de situações que envolvem as mudançasdo perfil socioeconômico dos metalúrgicos, incluindo osjovens trabalhadores (tocando também na questão damemória histórica).

As mudanças nas formas de gestão do trabalho, na Ford/Taboão, incluem a troca dos uniformes dos seus funcio-nários na produção e nos escritórios. Todos passam a sevestir com as mesmas roupas, na tentativa de homoge-neizar as diferenças entre funções, cargos e sexo. Nesseaspecto, assemelha-se à AutoEuropa. Na “velha fábrica”,segundo um entrevistado, “os setores eram todos dividi-dos por gola. Primeiro, a ferramentaria e manutenção eramvermelha; depois dessa greve, separaram. Ficou, manu-tenção com gola vermelha; ferramentaria, amarela; ins-peção, verde”. Agora (1995-6) “sumiu tudo, não tem maisgola. É tudo igual no chão de fábrica”. 16 Com isso, desa-parece, portanto, um dos símbolos que identificava os seustrabalhadores e, principalmente, os grevistas em 1990: agola vermelha nos uniformes dos trabalhadores.

O processo de reestruturação produtiva nas montado-ras do ABC paulista está, desse modo, coincidindo comuma certa modificação no perfil dos seus funcionários. Aentrada de outra geração de trabalhadores consiste em umdos desafios a serem enfrentados pelas lideranças sindi-cais dessa região, na segunda metade dos anos 90. Desa-fio que não reside no fato de serem jovens, nem na suaformação técnica, mas sim no modo de transmitir para asnovas gerações o conhecimento acumulado e o significa-do político das inúmeras lutas operárias e sindicais,protagonizadas pelos metalúrgicos do ABC paulista, nasociedade brasileira. Refere-se, portanto, à memória his-tórica, uma questão pouco explorada pela literatura socio-lógica brasileira.

Os valores, sonhos e expectativas trazem as marcasgeracionais e as lutas sociais acabariam modificando ascondições históricas nas quais elas se desenrolaram. Por-

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tanto, a unidade entre ação e representação, garantida pelacultura e em que se fundou todo o comportamento huma-no, expressa outro tempo histórico. Beynon (1995) cha-ma a atenção justamente para esse aspecto. Tomando comoexemplo a Ford britânica de Hallewood, escreve esse au-tor: o “grupo que, no início dos anos 70, julgava entenderdo riscado, saber o que era o sindicalismo. Achavam quehaviam realizado algo na Ford, que a organização sobre-vivera e era forte. Para o recruta novato, eles formavamuma turma prodigiosa” mas totalmente desconhecida poreles. E ainda declaram em depoimento para o autor, “elestinham tanta experiência que não lhes podíamos dizernada” (Beynon, 1995:451-2).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por suposto que a proposta de reestruturaçãonegociada sintetiza e expressa a experiência de luta dostrabalhadores metalúrgicos de São Bernardo do Campo eDiadema, até que ponto poderia se generalizar para ou-tros setores produtivos e sindicatos?

Se a proposta de reestruturação negociada pressupõe apresença de interlocutores políticos válidos e a organiza-ção dos trabalhadores nos seus locais de trabalho para queas negociações possam se desenrolar, ficam evidentes asdificuldades políticas da sua aplicação generalizada emoutros setores produtivos ou mesmo empresas. Quantomais se configuram os seus limites, mais visível fica aheterogeneidade das experiências de classe, no contextoda globalização. Os trabalhadores, embora experimentemas mesmas relações de produção, não as vivem do mes-mo modo. Por isso, forjam diferentes trajetórias políticasque, por sua vez, dificultam a articulação de um progra-ma comum de ação sindical. Nesse processo, surgem ten-sões e cisões que podem acentuar ainda mais a fragmen-tação interna do movimento operário e sindical.

Nas sociedades contemporâneas, a empresa aparececomo o locus privilegiado e gerador de novas relações detrabalho, levando à pulverização dos sindicatos e ao afas-tamento do Estado de suas funções de regulação social.No Brasil, a regulamentação das relações de trabalho tempassado pelo interior das empresas, demonstrando a for-ça política de alguns sindicatos que contribuiria, assim,para reforçar a privatização das relações de trabalho, umadas tradições da política brasileira. Nessa medida, a forçapode transformar-se, mais tarde, em fragilidade política.

Se uma das tarefas fundamentais das Ciências Sociaisfor analisar as tendências de um processo histórico, comodesvendá-las no tempo presente? Os riscos de interpreta-ção são grandes, pois cada fato emergente pode invalidaras informações obtidas, até o momento da sua sistemati-zação. Este texto corre esse perigo. A sua elaboração não

foi, portanto, uma tarefa fácil, mas consistiu numa raraoportunidade de relatar o presente “enquanto tal, isto é,independente do seu destino histórico” (Bruni, 1993:89).

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

1. Este estudo teve apoio da Fapesp e CNPq, no Brasil, e da JNICT, em Portugal.Este texto trata apenas das indústrias automobilísticas pesquisadas no Brasil.

2. Entrevista realizada pela autora, em 25/03/97.

3. Nos últimos meses da Autolatina, foi criado um plano de cargos e saláriospara os horistas, denominado tabela ou grade, que se compõe de cinco grausdiferenciados de funções, antes dez, e até sete níveis salariais. A progressão sa-larial é por mérito através de avaliação sistemática e individual do desempenho,escolaridade, participação em cursos de treinamento e reciclagem profissional.Ver Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1995b:34) e Bresciani e Oda (1995:48).

4. Entrevista realizada pela autora, em 20/02/1989, com representantes da Co-missão de Fábrica da Perkins-Maxion.

5. Entrevista realizada pela autora, em 12/12/1988, com militantes sindicais eoperários na sede do sindicato em Diadema.

6. Entrevista realizada pela autora, em 30/01/1989, com a Comissão de Fábricana Volkswagen/Anchieta.

7. Conforme os dados obtidos junto ao Departamento Jurídico do Sindicato dosMetalúrgicos do ABC, as seis empresas que aceitaram a redução imediata dajornada de trabalho para 40 horas semanais possuíam, na época, por volta de 80funcionários. As 25 que previam a redução no prazo de um ano empregavam,em média, 153 trabalhadores; e cinco empresas fixaram a jornada de 45 horassemanais a partir de julho de 1985. Duas reduziram a jornada para 42 horas emdois anos, atingindo 207 funcionários, e 92 empresas definiram a jornada sema-nal de 44 horas para vigorar no prazo de dois e três anos, envolvendo por voltade 35 mil trabalhadores.

8. Entrevista realizada pela autora, em 28/02/1989.

9. Entrevista realizada pela autora, em 28/02/1996.

10. Entrevista realizada pela autora, em 31/01/1996.

11. Confessa um representante da comissão de fábrica na Ford, em entrevistarealizada pela autora em 13/03/97: “para nós, se a Ford fechar vai ser ruim. Va-mos ter um monte de pai de família na rua. O nosso objetivo é fazer com que ostrabalhadores passem a entender a Ford, dar até mesmo esse aval para voltar aliderar o mercado. Senão, estamos perdidos. Para nós fechando uma empresacomo essa, a Ford do Brasil, é mais desemprego. Então, a gente tem que come-çar a preparar o trabalhador (...) e assumir alguns compromissos com a fábrica.”

12. Ver, por exemplo, Folha de S. Paulo, 08/06/1997 e 13/07/1997.

13. Conforme os dados fornecidos pela Anfavea, são 47.149 automóveis vendi-dos pela Fiat, em setembro, e 47.250, em outubro de 1997, enquanto a Volkswagenvende 43.824 unidades e 42.086, nos mesmos meses desse ano. No entanto, sese considerar o período de janeiro a outubro, as posições se invertem e esta em-presa mantém-se na liderança das vendas para mercado interno, com 446.824automóveis, e a Fiat, com 441.407. Ver: Carta da Anfavea (1997).

14. Entrevista realizada pela autora, em 10/03/1997.

15. Entrevista realizada pela autora, em 26/08/1996.

16. Entrevista realizada pela autora, em 28/02/1996.

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NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO: DO FORDISMO AO TOYOTISMO

O

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHOdo fordismo ao toyotismo

JESUS CARLOS DELGADO GARCIA

Técnico do Departamento de Geração de Emprego e Renda da Prefeitura Municipal de Santo André

s diversos fenômenos contidos na NegociaçãoColetiva de Trabalho ou nos sistemas de contra-tação coletiva, assim como outros aspectos das

relações de trabalho, passam por momentos de redefini-ções e ajustamentos dentro das mudanças operadas, a partirdas duas últimas décadas, no curso das economias em queestão inseridos.

O objetivo do presente artigo é o de, recolhendo algu-mas pinceladas, situar um determinado olhar sobre a con-tratação coletiva – aquele que busca entender sua lógicae sentido –, bem como levantar algumas possibilidadesde interpretação, não como resultados adquiridos, mas simcomo sugestões de indagações ou como hipóteses abertasde trabalho.

As páginas que seguem representam, então, aproximada-mente, o que o título indica: apontamentos, conjecturas, ob-servações, resumos ..., tentando-se, neste primeiro momen-to, sem se deixar levar por ecleticismos artificiais, recolheros principais traços que giram em torno da problemática doconceito de Negociação Coletiva de Trabalho – NCT.

As práticas de NCT, corriqueiras e institucionalizadasnos países industrializados e com economia de mercado econsolidação democrática – mas caricatura das mesmasno Brasil pelas condições impostas pelo corporativismode Estado –, desenvolveram-se dentro e no marco regula-dor do modelo fordista de desenvolvimento. A perguntasubjacente às reflexões aqui é a de se esse arranjo pecu-liar em que tem consistido a contratação coletiva de tra-balho tem idêntica ou semelhante razão de ser quando in-serida dentro do âmbito referencial toyotista.1

Em outras palavras, quais as pressões, constrangimen-tos e deslocamentos que esse instrumento recebe no novocenário da reestruturação produtiva, ou quais as condi-ções de possibilidade, continuidade e/ou ruptura desse ins-

trumento regulador dos conflitos inerentes às relações detrabalho, uma vez que as tendências emergentes parecemimplicar modificações profundas e significativas no con-teúdo e relações de trabalho?

CONFLITO E REGULAÇÃO NASRELAÇÕES DE TRABALHO

As sociedades de cunho capitalista, com maior oumenor desenvolvimento industrial, devido ao conflitoantagônico de que emergem,2 encontram-se obrigadas aregular de alguma forma os problemas manifestados nasrelações de trabalho, uma vez que a supressão coercitivado mesmo tem-se tornado impraticável de forma dura-doura, sendo que a eliminação das suas causas é contra-ditória com a lógica capitalista.

Ao longo da história dos trabalhadores no capitalis-mo, apareceram várias formas de regulação das relaçõesde trabalho, isto é, de um corpo de regras ou normas maisou menos institucionalizadas, explícitas ou difusas, com-partilhadas ou aceitas pelas partes envolvidas, que tran-sitam entre esses dois extremos: a supressão coercitiva ea eliminação das raízes ou causas do conflito. Dentre estasdestacam-se:- a negociação individual, que predominou nas primei-ras fases da industrialização, antes de os trabalhadoresconseguirem conquistar o direito à venda coletiva da forçade trabalho por meio dos sindicatos e da conseguinte ins-titucionalização dos sistemas de contratação coletiva, equando as empresas eram suficientemente pequenas, oque possibilitava estabelecer uma relação individual en-tre cada operário e seu empresário;

- a determinação unilateral por parte dos empresários doconteúdo das relações de trabalho, que ocorre em con-

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texto de sindicatos particularmente fracos ou em situa-ção de fortes crises econômicas;3

- a imposição de condições de emprego por um sindicato,que correspondeu ao sistema organizacional dos sindica-tos de ofício, hoje inexistentes, que controlavam a ofertade trabalhadores especializados no mercado de trabalho,como forma de manter o valor das diferentes profissõesartesanais em patamares desejáveis;

- a regulação das relações de trabalho pela imposição dosgovernos, típica do corporativismo de Estado, que con-siste em subordinar a força de trabalho às necessidadesde acumulação do capital, mediante o controle institucio-nal e político do movimento operário pelo Estado. O mo-delo corporativista está, então, vinculado, historicamen-te, a regimes ditatoriais e fascistas. Foi adotado na Itáliae Alemanha, no período entre guerras, bem como na Es-panha e em Portugal. Trata-se, como é muito conhecido,do modelo adotado no Brasil, que caracteriza-se, essen-cialmente, pelo não reconhecimento da legitimidade doconflito capital-trabalho e pela não confiança no pro-tagonismo das partes para regulação das manifestaçõesdesse conflito. Conseqüentemente, há que se ter uma for-ma alternativa de entendimento forçado entre empresá-rios e trabalhadores para resolução dos problemas do tra-balho. Daí o intervencionismo do Estado: a arbitragemcompulsória do poder judicial no âmbito trabalhista, aintervenção legislativa, o controle dos sindicatos, a repres-são aos direitos coletivos e sindicais, etc.;

- a negociação coletiva, que consiste numa regulação con-junta (entre os empresários e os trabalhadores) dos ter-mos e condições do emprego. À diferença do que ocorreno corporativismo de Estado, a negociação coletiva partede princípios que implicam a legitimidade do conflitocapital-trabalho e o protagonismo dos empresários e tra-balhadores para regulação de suas relações.

Esta última forma de regulação das relações do traba-lho desenvolveu-se no meio do modo de desenvolvimen-to fordista, sendo este o seu macrocontexto. Por este mo-tivo, antes de focalizar a NCT, seria conveniente um brevecomentário sobre o funcionamento do fordismo.

A NEGOCIAÇÃO NO MODELO DEDESENVOLVIMENTO FORDISTA

Na primeira década deste século, nos primórdios dasegunda revolução industrial, o aparecimento da linha demontagem ocasionaria profundas e radicais mudanças noprocesso de produção e na organização do trabalho.Alicerçados nesse câmbio tecnológico da produção, cons-tituir-se-iam, não sem fortes lutas sociais, diversos arran-jos sociais e políticos, que formariam um poderoso mo-

delo de desenvolvimento e de reorganização social, o for-dismo (Ferreira, 1993), que, nos países industrializados,compreenderia os “anos dourados” do capitalismo(Hobsbawn, 1995), de finais do segundo pós-guerra até ametade dos anos 70. Nesse modelo, tanto nos EstadosUnidos como nos diversos países europeus – apesar dediferenças importantes –, o processo de barganha, alta-mente institucionalizado, que se originou entre o capitale o trabalho, isto é, os sistemas de contratação coletiva,teve importância crucial na dinâmica desse modelo de de-senvolvimento.

A Escola Francesa de Regulação tem explicado o for-dismo como a harmonia entre três níveis de análise: o“paradigma tecnológico ou modelo de industrialização”,o “regime de acumulação” e o “modo de regulação”(Leborgne e Lipietz, 1988; Lipietz, 1991).4 Nessa linhainterpretativa, o funcionamento do fordismo pode serdescrito da maneira apresentada a seguir.

Na área produtiva, caracterizava-se pela adoção daracionalização taylorista do trabalho, pela automação fixada linha de montagem, que multiplicava a produtividadedo trabalho como jamais fora visto, pela produção emmassa de bens padronizados, pela norma salarial consis-tente em permitir salários crescentes em decorrência dosganhos de produtividade.

Na área da relação capital-trabalho, o fordismo distin-guiu-se pelo arranjo institucionalizado, não sem grandeslutas sociais, de uma barganha especial (os trabalhadoresaceitariam a sujeição fabril à linha de montagem fordis-ta-taylorista, em troca de aumentos contínuos dos salá-rios), pela qual se estabelecia a negociação coletiva comoprincipal forma de determinar os salários, implicando oreconhecimento social dos sindicatos, que se tornariamatores politicamente importantes, e a legitimidade do con-flito trabalhista.

O Estado assumiu, então, um forte papel regulador daeconomia, constituindo-se em avalista da barganha capi-tal-trabalho, orientando-se pela política de pleno empre-go e assumindo os contornos do Estado do bem-estar.

O mercado viveu não só em contínua expansão, mas,sobretudo, em um crescimento superior ao espetacularaumento da produtividade, sendo, então, regido pela de-manda, o que se adequava perfeitamente à produção emmassa de produtos padronizados. Nesse contexto, tudo oque era produzido era absorvido pelo mercado. Daí a pos-sibilidade de coerência da famosa frase atribuída a Ford:“Os compradores podem escolher a cor do carro, desdeque seja preto.”

A lógica do fordismo, enquanto modo de desenvolvi-mento, parte da barganha estabelecida, que permitia ocrescimento real dos salários, verdadeiro motor econô-mico do sistema. A sua virtuosidade pode ser representa-

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da num “círculo virtuoso” que se auto-alimenta: o aumentoda produtividade obtido pela nova tecnologia de produ-ção (linha de montagem mais taylorismo) permite, quan-do se constituem sindicatos fortes, aumentos reais dossalários. Estes induzirão ao dinamismo dos bens de con-sumo, que demandarão crescimento dos bens de capital,que gerarão lucratividade elevada e acumulação, que in-jetará investimentos na produção, que fará, novamente,aumentar a produtividade e permitirá aumentos reais dossalários, etc.

Como se vê, trata-se de um tipo de desenvolvimentopuxado pelos salários, ou cuja dinâmica radica na demandagerada pela possibilidade do aumento do padrão de vidadas populações dos países centrais. Constata-se, então, aperspicaz estratégia de Ford quando se propôs a fabricarcarros que pudessem ser comprados por seus operários.

CARACTERÍSTICAS DA NEGOCIAÇÃOCOLETIVA NO INTERIOR DO FORDISMO

Antes de abordar as questões relativas ao deslocamen-to da NCT no toyotismo, é necessário reconstituir os as-pectos que compõem a NCT no interior do fordismo eentender a sua lógica, até para poder captar ou descreveros deslocamentos desse instrumento em outros cenáriossocioeconômicos.

Os diferentes sistemas de contratação coletiva resulta-ram de um processo histórico, fruto e condensação de lutase arranjos sociais. A NCT não pode ser entendida comouma fórmula precisa e automática, devido à diversidadedas formas concretas que apresenta. Contudo, existemalguns traços mais ou menos comuns que permitem umavisão de conjunto.

Dessa forma, embora inexista uma teoria completa eacabada da NCT no sentido de dar conta explicativa (muitomenos normativa) da grande diversidade de fenômenosque apresenta, procurou-se aqui recolher de forma muitosintética os aspectos principais da sua caracterização.

Dunlop (1978) caracterizou-se por ter inserido a ne-gociação num “sistema” de relações constituídas por umjogo de forças entre os atores, o contexto socioeconômi-co, o mercado, o nível tecnológico, um corpo de regrasmais ou menos aceitas e uma forma preponderante depensar a respeito do conjunto dessas relações.

Do ponto de vista democrático, o fato de a negociaçãoter sido concebida como uma “regulação conjunta” (Flan-ders, 1968) das relações de trabalho entre os representan-tes dos trabalhadores e os empresários5 ou seus represen-tantes constitui uma característica fundamental, norteadorade sentido e decisiva, que é conhecida no mundo do di-reito do trabalho como “autocomposição” das relações detrabalho (Siqueira Neto, 1991; Guigni, 1991). Nesse sen-

tido, ela é tão definidora que se pode afirmar que as rela-ções de trabalho são democráticas quando as instituiçõesque representam os trabalhadores e os empresários regu-lam conjuntamente ou autocompõem essas relações. Nasditaduras e nos sistemas não democráticos de relações detrabalho, os conteúdos das mesmas são impostos ou“heterocompostos” pelos governos.

A segunda característica essencial da negociação co-letiva é aquela que define a sua lógica. “Esse processo sedenomina negociação porque cada uma das partes podepressionar a outra. Uma singela exposição das opiniões,ou uma solicitação para que se considere um assunto emconcreto, não é negociação. As formas de pressão maisconhecidas são a greve e o lockout, mas existem muitasmais”6 (Clegg, 1985:18).

A razão da consideração da lógica da pressão comoessencial ao sistema de contratação coletiva deriva doentendimento de que a força de trabalho deve ser tratada,pelo menos, como qualquer outra mercadoria que se com-pra e se vende no mercado.7

Poder-se-ia argüir, em contraposição, que também nosistema de negociação individual é necessário consideraro trabalho como mercadoria. É verdade. Porém, a lógicado funcionamento é completamente diferente no merca-do individual de trabalho e na negociação coletiva. Issose deve não apenas ao fato de que, na negociação indivi-dual, cada trabalhador ao requerer aumento para si secontrapõe ao resto dos trabalhadores, fazendo notar quetrabalha igual, mais ou melhor do que os outros e que porisso lhe é devido, só a ele, esse aumento, e que, na nego-ciação coletiva, ao contrário, geralmente se solicita au-mento para todos, ou, em ocasiões, para um grupo. Essadiferença entre a negociação individual e a coletiva – queé significativa porque enquanto a primeira induz à con-corrência interna entre os trabalhadores, a segunda tendeà solidariedade – não é a mais importante do ponto devista da compreensão do seu funcionamento. Aconteceque esses dois modos de negociação se movem em lógi-cas diferentes: no primeiro, troca-se maior esforço indi-vidual por maior salário; e no segundo, a ameaça de gre-ve ou a greve caminha no sentido de alterar a relaçãooferta-demanda a favor do aumento do salário dos traba-lhadores, ou troca-se o aumento do salário pela garantiade continuidade do trabalho (Pizzorno, 1991).

Para que a negociação coletiva seja possível, é essen-cial que a força de trabalho, de forma coletiva, por meiodas instituições representativas dos trabalhadores, possaser tratada como uma mercadoria no mercado de traba-lho. Em outras palavras, os sistemas de contratação cole-tiva são, logicamente, inviáveis sem o reconhecimentoprévio das organizações dos trabalhadores, em particu-lar, dos sindicatos. Isso envolve todo o processo históri-

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co do surgimento da convicção da existência de alguns“direitos” dos trabalhadores ou de uma especial “cidada-nia” ou democracia industrial e remete à questão das pre-condições da NCT: a liberdade e autonomia sindicais e odireito de greve.

Pela liberdade e autonomia sindicais deixa-se à livrevontade dos trabalhadores a formação dos sujeitos danegociação a qualquer nível. Do ponto de vista do mer-cado de trabalho, então, a liberdade e autonomia sindi-cais permitem que pelo lado da oferta, isto é, dos quevendem trabalho, os trabalhadores possam se comportarsem travas organizativas para a venda da sua força de tra-balho. Trata-se de um pré-requisito estrutural. As NCTsnão são independentes dos sujeitos que negociam. A his-tória do sindicalismo sob o fordismo pode ser vista, aomesmo tempo, como a história da NCT. Uma não se fezsem a outra. O reconhecimento da NCT como forma ins-titucional de resolução de conflitos foi precedido, histo-ricamente, pelo reconhecimento da representatividade dossujeitos que negociam: os sindicatos e outras formas derepresentação operária. Existe, geralmente, uma relaçãode correspondência entre o tipo de organização sindical eo tipo de NCT que se desenvolve em um determinadocontexto socioeconômico (Clegg, 1985).

O mesmo ocorre com a greve, que pode ser estudada sobmuitos pontos de vista, mas aqui interessa considerá-la emrelação à negociação, isto é, situada no contexto maior emque atua. A sua função, ainda na lógica do comportamentodo mercado de trabalho, pretende alterar a favor do trabalhoa relação entre a oferta e a demanda. Por este motivo, ossistemas de contratação coletiva consideram a greve um fe-nômeno que se dá dentro da relação contratual, como umasuspensão momentânea do trabalho que não implica a dis-solução do vínculo contratual ou que não rompe ou anula ocontrato de trabalho (Guigni, 1991). Eis aqui a razão pelaqual a fonte internacional dos direitos nacionais de trabalho,a OIT, proíbe a demissão de grevistas para serem substituí-dos por outros trabalhadores.

Quando a liberdade sindical e o direito de greve sãoadmitidos,8 quando as duas características principais danegociação – a regulação conjunta e o fato de que as par-tes possam pressionar-se – existem de fato, então, pode-se observar por que a negociação coletiva não é a mesmacoisa que a soma de muitas negociações individuais. “Nomercado da negociação coletiva, a arma do trabalhadororganizado é a greve, ou outras formas de interrupção daprodução. O empresário paga mais por assegurar a conti-nuidade do trabalho. Quando o sindicato é o agente ca-paz de organizar a greve, também é, como conseqüência,o agente capaz de assegurar a continuidade do trabalho.É dizer, leva a cabo uma função de controle social, subs-tituindo por negociação as ordens do empresário ou da

gerência que representam a outra forma de controle so-cial da organização da produção. (...) A recompensa so-cial da negociação coletiva se materializa em termos debenefícios organizacionais: continuidade da execução,obediência, predictibilidade e estabelecimento de direi-tos” (Pizzorno, 1991:383).9

Junto com essas duas características assinaladas,Pizzorno destacou as trocas de natureza política para ex-plicar fenômenos ligados à institucionalização da nego-ciação coletiva. Nesses casos, por meio da pressão políti-ca, as organizações representativas de interesses obtêmbenefícios ligados ao mercado de trabalho em troca deconsenso ou apoio. “O possuidor de bens (geralmente ogoverno) está disposto a intercambiá-los por consensosocial com outro ator que pode ameaçar com a destruiçãodesse consenso (ou, o que é mais ou menos o mesmo co-locar a ordem em perigo) a menos que receba os bens quenecessita (...) Para resumir diremos que uma situação deintercâmbio político difere de outra de negociação cole-tiva em que: a) os benefícios se obtêm contra ameaça di-rigida à ordem social, ao mesmo tempo em que na nego-ciação coletiva se conseguem contra ameaças dirigidas àregularidade do trabalho; b) o poder do mercado está emfunção da necessidade de consenso, não da demanda demão-de-obra; c) em ocasiões concorrem com os sindica-tos vários atores no ‘consenso mediador’ (por suposto,os partidos políticos são o melhor exemplo)” (Pizzorno,1991: 384-385).10

Essas características que foram assinaladas11 só exis-tem analiticamente de forma abstrata, separada. Na reali-dade, apresentam-se combinadas em diferentes con-cretudes, mas parecem conseguir passar uma visão deconjunto descritiva dos mundos da NCT. Contudo, emrelação à democracia nas relações de trabalho, é precisoacrescentar que para atingir o nível minimum ainda falta-ria assinalar a necessidade de incluir uma legislação deproteção e sustento (Guigni, 1991; Benites Filho, 1997),precisamente para diminuir a desigualdade de condiçõesexistente entre o trabalho e o capital. Ela não consegueequilibrar essa relação, mas possibilita, se os trabalhado-res vierem a fazer uso dessas proteções, que a negociaçãocoletiva seja realizável nas caraterísticas aqui descritas.

O Esgotamento do Fordismo

Todo esse arranjo social, econômico e político em queconsistiu o fordismo começa a ter problemas de harmo-nia nos três níveis de análise e, portanto, de esgotamentoou crise no advento da Terceira Revolução Industrial.

Uma série de mudanças contribuiriam para convertera “virtuosidade” originária do fordismo em fonte de defi-ciências que levariam a perder a funcionalidade interna

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do sistema (Ferreira, 1993). No campo da tecnologia deprodução, tem-se observado um estancamento da capaci-dade produtiva. Isto é, as grandes plantas fabris atingi-riam um topo de produção acima do qual não consegui-riam aumentar a produtividade. Continuar crescendo emprodutividade, que era a mola mestra do sistema, só seriapossível com a construção de grandes e dispendiosas fá-bricas, mas não foi possível aumentar a capacidade pro-dutiva intrínseca a cada unidade fabril e tampouco esta-vam preparadas aquelas fábricas para uma produção detipo flexível que desse conta de produzir uma variedadede modelos ou produtos.

Dessa forma, a norma salarial fordista e a barganhacapital-trabalho que regulava o sistema perdem a base desustentação técnico-produtiva, sofrendo pontos de atrito.A intensidade do conflito trabalhista e social, no final dosanos 60, tem, então, como causa de fundo a crise fordis-ta. Além disso, deve-se acrescentar o fato de que as no-vas gerações de trabalhadores, educados com as caracte-rísticas democráticas da escola pública dos Estados dobem-estar, resistem à disciplina taylorista do trabalho, oque contribui para aumentar a conflitividade.

No âmbito do mercado, as mudanças levariam a umasituação inversa. Este começa a ser regido pela oferta, istoé, a variedade e qualidade dos produtos são o fator deci-sivo para a maioria dos consumidores, num momento emque os mercados dão sinais de saturação. Este câmbioindica que agora o mais importante começa a ser não aprodução padronizada na maior quantidade possível nacerteza de que será absorvida pelo mercado, mas sim adiversidade de produtos, a qualidade e a adequação aosdiferentes gostos ou necessidades dos consumidores. Eisaqui, precisamente, onde começa a surgir uma nova tec-nologia de produção e de organização do trabalho, otoyotismo, ou produção enxuta (ou flexível), que começaa se reger por uma lógica contrária ao fordismo, permi-tindo uma adequação muito mais ágil ao novo mercado.A tecnologia de base microeletrônica, unida a uma linhade montagem flexível (just-in-time, kanban), a uma novaintensificação do trabalho multifuncional, participativo,em equipe e a novos arranjos na relação entre as empre-sas, seria reconhecida como a inflexão que marcaria o iní-cio da Terceira Revolução Industrial.

Junto com esta mudança estrutural no âmbito da pro-dução, começou, interligada, outra mudança não de me-nor efeito: a globalização. A abertura dos mercados, aimportância do capital financeiro, a interpenetração pa-trimonial, a desregulamentação da economia, a criaçãodos blocos econômicos regionais de governo, etc. co-meçariam a desenhar uma profunda reestruturação ca-pitalista, que se intensificaria e se generalizaria a par-tir dos anos 80.

Negociação e Toyotismo

Os sistemas de contratação não só se formaram e seconsolidaram ao mesmo tempo em que o arranjo fordistaconstituíra-se, como também o fizeram profundamenteinseridos e encaixados perfeitamente na sua contex-tualidade. A NCT poderia, então, ser compreendida ape-nas como uma peça da engrenagem fordista, mesmo queapresentando diferentes formatos? Só teria sentido nocontexto fordista? Haveria uma relação de determinaçãointrínseca entre o fordismo e a NCT? Ou, pelo contrário,poder-se-ia afirmar-se que “o fordismo passou, a nego-ciação ficou?”

Dependendo do tipo de resposta que se dê a essas ques-tões, se estará vaticinando ou não a sobrevivência dos sis-temas de negociação, assim como o foco de atenção re-cairá no exame das continuidades e descontinuidades desseinstrumento, quando situado em contexto toyotista.

Para tanto, como condição epistemológica, é necessá-rio problematizar e caracterizar o conceito de reestrutu-ração produtiva (Salerno, 1992; Piore e Sabel, 1992;Hirata, 1992; Coriat, 1994), questão ainda em aberto(Markert, 1994) e que atrai numerosos pesquisadores emvárias partes do mundo. Porém, desde já, é possível, atra-vés do acúmulo acadêmico, costurar um esboço descriti-vo sobre o tema. Assim, embora as mudanças organiza-cionais e a automação flexível possam ser consideradasos aspectos fundamentais da reestruturação produtiva oudo “novo padrão tecnológico” (Salerno, 1993) sobre osquais precise debruçar-se de forma especial, é necessáriointegrá-los no conjunto das características que parecemcompor o fenômeno da reestruturação produtiva:12

- base técnica – informática, automação flexível: máqui-nas CNC (Comando Numérico Computarizado), CP ouCPL (Controlador Lógico Programável), robôs, sistemasde transporte de materiais, sistemas CAD/CAM (desenho/manufatura assistida por computador), SFM (SistemasFlexíveis de Manufatura), SDCD (Sistema Digital deControle Distribuído); telemática, novos materiais: plás-ticos especiais, cerâmica, fibras ópticas, materiais com-postos (fibra de carbono), supercondutores, biochips;novos processos: laser, tecnologia de superfície; plásti-cos substituindo metais, mecânica fina de precisão, ele-tronização dos produtos;

- mudanças na relação entre as empresas: focalização,terceirização, parcerias, acordos de cooperação;

- mudanças na organização do processo produtivo; just-in-time/kanban, tecnologia de grupo, células de produção;

- mudanças da organização dos processos de trabalho:trabalhadores diretos assumindo tarefas de manutenção einspeção de qualidade, polivalência, trabalho em grupo;

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- mudanças na gestão do trabalho e na gestão empresa-rial: redução de níveis hierárquicos, treinamento compor-tamental de gerentes, implantação da qualidade total, prê-mios por idéias, programas de remuneração variável(Salerno, 1992; CUT, 1995).

Com a entrada em cena do toyotismo, recoloca-se a ques-tão do conflito capital-trabalho em bases que apresentam umanova fenomenologia. No modelo fordista, nos países cen-trais, a experiência de situação homogênea dos trabalhado-res era favorecida, por um lado, pelas grandes e verticaliza-das fábricas, onde a mesma condição de trabalho repetitivo,parcelado, quase que inconsciente, era partilhada por umagrande massa de trabalhadores que se via e sentia na mesmasituação de emprego. Por outro lado, o caráter de confli-tuosidade com os empresários era percebido como “natu-ral”, uma vez que se apoiava num padrão regulador que le-gitimava o conflito e a disputa para a determinação do valordos salários e das condições do emprego.

Nas relações de trabalho que começam a se situar nocentro gravitacional da lógica toyotista, esses dois fato-res se desenfocam ou se diluem. O aparecimento de maiorheterogeneidade das situações de trabalho, a redução dotamanho das empresas, o “envolvimento” dos trabalha-dores com os objetivos das empresas, a concorrência en-tre grupos de trabalhadores no interior das cadeias pro-dutivas e até dentro da mesma empresa, dentre outrosfenômenos, fragmentizam a percepção de igualdade desituação no trabalho, de construção de identidades cole-tivas, de representatividade de interesses homogêneosentre diferentes grupos de trabalhadores e os coloca comorivais ou concorrentes entre si, deslocando ou distribuin-do, assim, o conflito para dentro do recinto assalariado.13

Independentemente da opção por um determinado para-digma teórico ou epistemológico a respeito do antagonismoentre o capital e o trabalho, não há dúvidas de que no nívelda percepção há mudanças com importantíssimos reflexosno sistema de contratação coletiva. Como fundamentar anegociação coletiva na institucionalização do conflito capi-tal-trabalho quando os trabalhadores hão de identificar-secom os objetivos da empresa, isto é, quando a dinâmica em-butida os leva a optar pela colaboração, o que por definiçãosignifica o não aparecimento do conflito?

Pelo lado da constituição dos sujeitos que negociam,têm-se verificado o aumento do desemprego e a diminui-ção da sindicalização, como fenômenos ligados à rees-truturação produtiva (Mattoso, 1995), o que mina as con-dições estruturais em que se assentava a NCT. A rápidamobilidade do capital facilita estratégias empresariais quebuscam instalar as fábricas em lugares de forte desem-prego e escassa tradição industrial e de organização ope-rária e sindical, com o objetivo de determinar o mais uni-lateralmente possível as relações de trabalho, sejam estas

tipicamente fordistas ou com algumas característicastoyotistas.14 Nessas condições, para que, pelo menos, semantenha a institucionalização da NCT em condições deum certo equilíbrio entre a oferta e a demanda e, portan-to, para que esse instrumento – ao mesmo tempo de pres-são e de regulação – funcione minimamente, é necessáriauma forte legislação de proteção e sustento. Nestes ca-sos, a estratégia das trocas políticas pode ser uma saídaconveniente para a manutenção da institucionalidade daNCT. Dessa forma, tem-se verificado, em diversos paí-ses, o reforço do corporativismo enquanto forma de res-ponder às novas situações industriais e políticas (Crouch,1991; Schmitter, 1991).

O conteúdo do trabalho, ao menos no vértice das ca-deias produtivas e paradigmaticamente, pode ser mui-to menos parcelado e repetitivo do que no fordismo esem aquela marcante divisão social entre a concepçãoe a execução do trabalho. Nas unidades produtivas ba-seadas na automação flexível e microeletrônica, cons-tata-se a necessidade de uma maior participação, con-trole e tomada de decisões dos trabalhadores noprocesso de trabalho, bem como, em não poucas ocasi-ões, trabalho polivalente ou enriquecido e envolvimentoe identificação com as orientações estratégicas dasempresas. Na base e ao longo das cadeias produtivaspode combinar os traços tipicamente fordistas e aindaaumentar a intensidade do ritmo de trabalho. O con-teúdo do trabalho tende à dualidade e à polarização,dependendo do lugar de maior proximidade ou não como produto final da cadeia produtiva, mas tem impor-tantes conseqüências para a negociação coletiva.

Diversas formas de flexibilidade – da produção e dotrabalho (Salerno, 1995), do mercado do trabalho15

(Sengenberger, 1991; Treu, 1993; Locke, Kochan e Pio-re, 1995) e do direito do trabalho (Uriarte, 1996; SiqueiraNeto, 1997) – têm sido vinculadas aos processos de rees-truturação produtiva.

Nesse contexto, e geralmente para posicionar-se a fa-vor da desregulamentação, costuma-se argumentar que asflexibilidades produtiva e do trabalho exigem necessaria-mente flexibilidade e desregulação das relações de traba-lho. Aqui pode estar a chave de compreensão da proble-mática relacionada à negociação. Compreende-se quequando trabalhadores inseridos em fábricas de produçãoenxuta exista uma pressão da direção para que a jornadalaboral adquira maior flexibilidade, dependendo do flu-xo produtivo, para que as regulamentações do trabalhodos trabalhadores polivalentes sejam também mais flexí-veis, etc., mas é difícil imaginar uma forma de regulaçãodas relações de trabalho mais flexível do que a negocia-ção coletiva, a não ser o retorno da imposição unilateral,que constitui uma forma de regulação das relações de tra-

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balho que não raro busca diretamente excluir os sindica-tos do processo de implantação da reestruturação produ-tiva.16

As formas predominantes de negociação coletiva naEuropa sofreram algumas modificações em conseqüên-cia da entrada em cena de fenômenos ligados à reestrutu-ração industrial:- tendência predominante à descentralização da negocia-ção coletiva, como resultado de que o lugar típico dasinovações tecnológicas e organizacionais não é o setorou a cadeia produtiva em geral, mas sim as unidades fa-bris. Esse fenômeno vem deslocando o peso da contrata-ção coletiva, que de regional ou setorial foi transitandopara a maior importância das negociações por fábrica, comconseqüências diversas. Assim, por exemplo, na Espanhaapareceram as chamadas “cláusulas de desamarre”, pelasquais na negociação articulada os trabalhadores de umadeterminada unidade de negociação num âmbito menor,geralmente a empresa, se vêem obrigados a aceitar queum determinado assunto fique “desamarrado” do pisomínimo pactuado no âmbito setorial nacional ou regio-nal. Essa situação tem uma importância muito mais doque simbólica, porque abre importante brecha no meioda estratégia fundamental da negociação articulada, emque as negociações nos níveis mais baixos eram, precisa-mente, para aumentar as conquistas obtidas nos níveis denegociação mais altos e nunca para diminuí-los, visto quesignificavam o patamar mínimo, abaixo do qual não teriavalidade o acordo;

- em paralelo com essa situação e derivando-se do menorpoder de barganha dos sindicatos com o novo cenário,surgiram as “negociações de concessões”, pelas quais osrepresentantes dos trabalhadores se viram na necessida-de de conceder a redução salarial e de abrir mão de cláu-sulas, direitos e conquistas já estabelecidas e consolida-das. Comparando esta situação com o cenário habitual dofordismo de tendência do aumento crescente dos saláriose da melhoria das condições de trabalho, a “negociaçãode concessões” significa verdadeira reviravolta da cultu-ra negocial;

- por outro lado, a jornada de trabalho, símbolo de con-quista progressiva operária, sofreu também alterações de-vido à pressão empresarial, sendo que diversas formas deflexibilidade apareceram;

- no âmbito dos contratos de trabalho, expuseram-se vá-rias modalidades de contratos “especiais”, que foram ga-nhando peso como diversas formas de contratos tempo-rários, parciais, atípicos, de menor custo para as empresase de menor densidade de direitos.

Em resumo, as relações de trabalho no contorno toyo-tista tendem a aumentar a heterogeneidade das relações

de trabalho, apresentando, juntas e combinadas, diferen-tes formas de regulação das relações de trabalho, desde aimplantação unilateral autoritária até a introdução nego-ciada, passando por diversas formas de “envolvimento”individual e coletivo e pela negociação de concessões. Ainiciativa tem estado do lado empresarial, que tem feitovaler sua posição de maior poder de barganha. No sindi-calismo, devido à diminuição da sindicalização, à frag-mentalização das relações de trabalho e à elevação dodesemprego, prevaleceram no geral as atitudes defensi-vas, embora em alguns casos em que predominavam ne-gociações centralizadas ou setoriais tenham aparecido,também, atitudes propositivas. Dessa forma, explica-se atendência à unilateralidade de determinação das relaçõesde trabalho e à individualização das mesmas. É como seo “envolvimento”, quando não negociado, caminhassepara uma fórmula histórica nova que consistiria numa voltaà lógica de negociação individual: trocar-se-ia maior en-volvimento, individual e coletivo, por maior salário.

No caso brasileiro, tem-se observado que, a partir dosanos 90, o país parece ter entrado num período de intro-dução sistêmica da reestruturação produtiva, que pode serdescrito pelas seguintes características: rápida difusão deequipamentos de automação flexível; introdução de téc-nicas japonesas de produção (just-in-time/kanban, produ-ção em células); forte investimento em mudanças organi-zacionais do trabalho; novas formas de gestão do trabalhovisando o envolvimento dos trabalhadores com a quali-dade e a produtividade; e enxugamento de estruturas hie-rárquicas (Leite, 1995).

No âmbito da negociação da reestruturação produtiva,embora seja necessária uma ampla pesquisa sobre o tema,já podem ser sinalizados os seguintes assuntos sobre osquais existem acordos: células de produção (kaizen); par-ticipação nos lucros ou resultados; introdução de tecno-logia; terceirização; trabalho em grupo; flexibilização dajornada de trabalho; e estrutura de cargos e salários(Bresciani e Brathawaite, 1992; Bresciani, 1997a e 1997b).

Para poder responder à pergunta sobre o papel regula-dor da negociação coletiva, é necessário estudar, no âm-bito do modo de regulação, as mudanças institucionaisque a demarcam e perguntar-se como esses câmbios nasregras do jogo têm afetado a negociação, precisamentena sua capacidade e potencialidades reguladoras. Nessesentido, no Brasil, importantes e recentes mudanças ins-titucionais vêm alterando a dinâmica tradicional das ne-gociações coletivas, fazendo com que a negociação dositens envolvidos na reestruturação produtiva possua im-portância singular.

A reedição constante da medida provisória da parti-cipação dos trabalhadores nos lucros e resultados dasempresas, iniciada no governo Itamar Franco, introdu-

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ziu mecanismos que, em tese, permitem mudar o cen-tro de gravidade da negociação coletiva, apontando paraa remuneração variável. A pergunta subjacente a essamudança institucional busca identificar até que pontoessa medida provisória (que facilita a tentativa de iden-tificação dos trabalhadores com a empresa e cuja re-muneração está livre da incidência do imposto de ren-da e dos encargos vinculados à relação salarial) pode(ou não) equivaler à remuneração da reestruturaçãoprodutiva ou à flexibilidade da norma salarial em cor-respondência à produção flexível.

As medidas provisórias da dexindexação salarial, quese podem considerar como a política salarial do Plano Real,por normatizar o fim da obrigatoriedade da reposição sa-larial correspondente à inflação passada a partir de julhode 1995, mudaram abruptamente uma das principais re-gras do jogo institucional sobre a determinação do valormonetário do salário. Ao confinar-se a antiga garantia dereposição salarial à negociação coletiva em condições dedebilidade do poder de barganha sindical pelo desempre-go crescente somado aos obstáculos do corporativismode Estado, induz-se a negociar a reposição salarial pelavia aberta da produtividade.

Uma outra incógnita na linha da desregulamentação eflexibilização consiste em averiguar até que ponto a ter-ceirização pela forma de “cooperativas”, via aberta pelaalteração do art. 442 da CLT, e a subcontratação possam(ou não) estar relacionadas com os processos da negocia-ção da reestruturação produtiva.

O papel regulador da negociação é também influen-ciado pela sua inserção nas mudanças macroeconômicasintroduzidas pelo governo Collor, com significativa con-tinuidade nos governos Itamar Franco e Fernando Henri-que Cardoso, no âmbito do modelo de desenvolvimentobrasileiro característico: o modelo de substituição de im-portações. Qualquer análise sobre a regulação das rela-ções de trabalho nas fábricas sob a égide toyotista develevar em conta o novo cenário macroeconômico de aber-tura da economia brasileira para poder analisar o papelregulador da negociação coletiva.

No Brasil, o padrão de regulação das relações de tra-balho teve alguns elementos em comum com o padrãofordista, como o processo de trabalho parcelado e a su-bordinação fabril, mas diferenciou-se das suas principaiscaracterísticas ao assumir feições corporativistas: falta dereconhecimento à livre organização sindical; o Estado, nãocomo avalista da negociação capital e trabalho, mas comointerventor e disciplinador da mesma; a insignificânciadada ao Estado do bem-estar; a profunda inibição a quefoi submetida a regulação das relações de trabalho via ne-gociação coletiva; a não ocorrência do aumento do salá-rio real em decorrência do aumento da produtividade; etc.

Em Delgado Garcia (1994), essa lógica corporati-vista e os processos dela emanados foram caracteriza-dos como de pseudonegociação. Neste trabalho, com-provou-se, também, que, devido principalmente à lutado movimento operário, no caso o Sindicato dos Meta-lúrgicos do ABC, estariam sendo produzidas, no âmbi-to de sua atuação, mudanças que se contraporiam à ló-gica emanada do corporativismo de Estado, as quaisforam caracterizadas como a introdução de elementosde um sistema contratual ou negociado no interior docorporativismo de Estado brasileiro.

No Brasil, a inadequação entre o marco corporativistadas relações de trabalho e esses novos fenômenos impul-sionou diversos atores sociais no desejo de modificaçãodo modelo vigente de regulação das relações de trabalho.À proposta inicial de mudança do sistema pelos trabalha-dores, somam-se agora propostas de âmbito empresariale iniciativas governamentais. Há o consenso entre os di-ferentes atores sociais e políticos, mas por diferentesmotivos e com diversas finalidades, de que o sistema atualde regulação das relações de trabalho deve ser mudado eestão contrapostas divergências profundas sobre caracte-rísticas definidoras do que se deseja que venha a ser onovo modelo de regulação das relações de trabalho.17

A priori, quando se pensa no futuro modelo de rela-ções de trabalho no Brasil, pode-se vislumbrar a inter-confluência de três cenários possíveis: um mais relacio-nado com o modelo de contratação europeu (Suécia,Alemanha, Itália, Espanha) centralizado e articulado nosdiferentes níveis e com forte legislação de sustento; ou-tro mais parecido com o sistema norte-americano de ne-gociação por empresa e sindicatos de fábrica; e um ter-ceiro, não impossível mas altamente indesejável do pontode vista social e democrático, que poderia consistir, me-diante uma simbiose entre o neoliberalismo e o corporati-vismo de Estado, numa flexibilização dos direitos individuaisdos trabalhadores combinada com travas repressivas aosdireitos coletivos, não sendo possível descartar configura-ções intermediárias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após mais de 20 anos de relacionamento conflituosoentre as diversas formas de flexibilidade e os sistemas decontratação coletiva europeus, considerados, na opiniãopredominante dos anos 80, símbolos de rigidez institu-cional que impediriam ágeis ajustamentos às flutuações eà rápida mobilidade dos mercados, bem como a causa dafalta de competitividade européia, parecem superadas asprevisões mais pessimistas.18

Nesse sentido, reduziu-se consideravelmente o viésideológico do debate nesses países, ganhando terreno

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posturas mais guiadas pelo pragmatismo (Treu, 1993), queparecem convergir para a construção de novos equilíbrios.A contratação coletiva, fenômeno particularmente sensí-vel a diversas contextualidades, está incorporando a mar-ca da negociação da flexibilidade enquanto forma deregulação da problemática vinculada à reestruturação pro-dutiva.19 Essa opção estratégica estaria, segundo Treu, re-forçando-se frente àquelas escolhas que priorizaram abusca da flexibilidade externa combinada com regulaçãounilateral: “Os interlocutores sociais, com apoio do go-verno, têm aceito uma flexibilidade interna regulamenta-da, a troca da estabilidade externa” (Treu, 1993:231).

Essas constatações indicam que, embora mudanças sig-nificativas afetem os processos, as estratégias e a dinâmi-ca da contratação coletiva, esta pôde continuar explican-do-se, ao menos nos países europeus, como um sistemaregido pela lógica simultânea da regulação conjunta e dapressão entre as partes, combinada com trocas políticasque têm buscado tanto o aumento da competitividade comoa estabilidade.

Talvez o fenômeno mais marcante dinamizado pelareestruturação produtiva seja o deslocamento progressi-vo da tradicional importância da negociação setorial paraa negociação no interior da empresa. Nesse sentido, bas-ta lembrar que alguns autores (Göran e Tommy, 1994) seperguntam se na Suécia, espaço paradigmático da nego-ciação centralizada, não estaria desenvolvendo-se, devi-do ao peso que vem adquirindo a regulação local, um trân-sito do corporativismo societal típico daquela sociedadepara um corporativismo de empresa ou “corporativismogerencial”.

A aceitação entre as partes da negociação da reestru-turação produtiva, da flexibilidade interna, da produtivi-dade coloca novas complexificações nas estratégias denegociação, abre novas possibilidades de entendimentose introduz novas responsabilidades entre os atores sociais.Para os sindicatos, particularmente, vários desafios sãocolocados: combinar as estratégias defensivas de prote-ção de emprego com posturas proativas na introdução dareestruturação produtiva mediante a negociação coletiva;responder à problemática da flexibilidade oriunda do lo-cal de trabalho ao mesmo tempo em que se constroemidentidades coletivas que superem a tendência à fragmen-tação da representação operária induzida pela reestrutu-ração produtiva; elaborar estratégias que, diante da am-bivalência da reestruturação produtiva, assumam comoprópria a tarefa de perseguir que as mudanças na organi-zação da produção e do trabalho constituam renovadasformas de melhoria das condições de trabalho e de prote-ção do emprego; etc.

Nos casos em que a reestruturação produtiva se im-planta unilateralmente, sem convênio coletivo, parece

ocorrer o retorno à lógica da negociação individual: omaior esforço individual, acrescentado agora de maior en-volvimento, seria trocado por maior salário e maior se-gurança no emprego. Essa parece ter sido a via predomi-nante de introdução da reestruturação produtiva nosEstados Unidos e no Reino Unido (Locke; Kochan e Pio-re, 1995), mas, devido aos problemas que originam, estácolocada a necessidade de revisão desses processos: “Nes-ses dois países também começou a debater-se a conve-niência de tomar medidas para diminuir ou evitar algu-mas das conseqüências trabalhistas da desregulamentaçãoda ação empresarial. A raiz das tensões sociais que surgi-ram como conseqüência das disparidades salariais e a cres-cente desigualdade entre a população que pôde benefi-ciar-se da ‘nova economia’ e de práticas de empregorenovadas, e, por outra parte, todos os trabalhadores queficaram relegados, se fez mais evidente a necessidade dereorientar a política oficial e de redefinir as vias de parti-cipação. Haverá que renovar as funções dos sindicatos ouidealizar novas formas de representar os interesses dosassalariados nos lugares de trabalho, nas decisões dasempresas e nos órgãos que formulam as políticas indus-triais e econômicas” (Locke; Kochan e Piore, 1995:181).20

No Brasil, quando são anunciadas breves mudanças nalegislação na busca da flexibilidade, as considerações arespeito da negociação da reestruturação produtiva adqui-rem um outro tom e outros acentos, porque faltam as pre-missas estruturais e fundantes dos sistemas de contrata-ção coletiva. Certamente, sem a instituição da liberdadee autonomia sindicais, sem que a representação sindical edos trabalhadores no local de trabalho constitua direitoprotegido, sem legislação de proteção e sustento que am-pare a institucionalidade do sistema de negociação, sempossibilidades de verdadeiro exercício do direito de greve,como poderia constituir-se um sistema de autocomposiçãodas relações de trabalho? Como se institucionalizaria, nes-sas condições, a lógica da negociação coletiva, baseada nasimultaneidade da pressão e da regulação conjunta entre osatores sociais envolvidos nas relações de trabalho?

Dessa forma, a necessidade de primeira magnitude re-side na institucionalidade de um verdadeiro sistema denegociação coletiva que, como eixo regulador das rela-ções de trabalho, substitua o corporativismo de Estado.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

1. Foram tomadas como sinônimas, pelo grau de generalidade correspondenteao tipo de abordagem necessária no momento, expressões como “produção en-xuta”, “especialização flexível”, “terceira revolução industrial”, “toyotismo”,“ohnoísmo”, “novas tecnologias”, “sistemofatura”, “acumulação flexível” ou até,com as devidas reservas, “McDonaldização”, para se referir ao fenômeno com-plexo e multidimensional das mudanças financeiras, industriais, sociais que pa-

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recem suceder ao período do capitalismo conhecido como “modelo fordista dedesenvolvimento”, que se estende do final da Segunda Guerra mundial até a pri-meira metade da década de 70.

2. Marx assinalou que “mesmo quando nos limitamos à relação entre o capital e otrabalho assalariado, os interesses do capital e os interesses do trabalho assalariadosão diametralmente opostos” (Marx, 1987:41). Dado que na complexidade do siste-ma capitalista o antagonismo essencial que o constitui pode não verificar-se sempree necessariamente em todas e cada uma das suas particularidades ou concreções,Mészáros (1991:12) indica que esta tem por contexto “o irreconciliável antagonismoentre o capital social total e a totalidade do trabalho” (grifo do autor).

3. Tradicionalmente, crise econômica era sinal da retração econômica e o princi-pal sintoma o desemprego: “As crises econômicas são caracterizadas pelo fatode gerarem desemprego e subemprego como fenômenos de massa” (Offe, 1985:19). Com o aparecimento da reestruturação produtiva, o desemprego não é mais,necessariamente, sinal de crise econômica (“a economia vai bem, obrigado”),uma vez que crescimento econômico e investimento são fenômenos acompanha-dos de desemprego. Essa re-caracterização da crise como apenas social e nãocomo econômica indica a desarmonia entre esses dois âmbitos da realidade, oparadoxo diante do qual a “produção flexível” nos coloca, o que trará conse-qüências importantes para a natureza da negociação coletiva.

4. O paradigma tecnológico “compromisso social aceito – por bem ou por mal –pelos dirigentes e trabalhadores” (Lipietz, 1991:102) que caracterizou o fordis-mo pode ser descrito como a junção da linha de montagem no processo produti-vo com os princípios tayloristas da “Administração Científica”. Por regime deacumulação, Leborgne e Lipietz (1988:13) entendem: “Os princípios macroeco-nômicos que, por um período prolongado, descrevem a compatibilidade entre astransformações nas normas de produção e as transformações nas normas de usosocial”. O regime de acumulação fordista pode ser descrito como uma lógica dedesenvolvimento em que os ganhos de lucratividade decorrentes do aumento daprodutividade que a tecnologia de produção permitia são repartidos na malhasocial, permitindo o aumento real dos salários. Estes tornar-se-iam o verdadeiromotor do desenvolvimento por meio do estímulo da demanda, que seria transmi-tido por todas as cadeias produtivas, dos bens de consumo aos bens de capital.Do modo de regulação ou “sistema das regras do jogo” das quais resulta esse arranjosocioeconômico podem destacar-se: o reconhecimento social dos sindicatos e o con-seqüente aumento do poder de barganha, favorecido pelos ganhos contínuos de pro-dutividade; a legitimidade e, até, a institucionalização do conflito capital-trabalhodesde que limitado à relação salarial; a adoção do Estado do bem-estar; e a inclusãomassiva da população assalariada aos bens de consumo.

5. Clegg (1985:18) considera que a negociação coletiva “não requer a ação cole-tiva por parte dos empresários, pois os sindicatos negociam tanto com as asso-ciações patronais como com cada empresário ou com seus representantes” (tra-dução nossa).

6. Grifos e tradução nossos. Ver Guigni (1991) para a defesa da negativa daconcessão do direito de lockout aos empresários, como fazem a maioria dos or-denamentos jurídicos em âmbito internacional.

7. Offe, seguindo Marx e Polanyi, descreve as condições “forçadas” e “fictí-cias” para poder considerar a força de trabalho como mercadoria num livre mer-cado. Condições forçadas porque para constituir-se um livre mercado de forçade trabalho é necessário desprover os assalariados de qualquer propriedade quepermita sua sobrevivência, assim como impedir que sejam propriedade de al-guém. Fictícias porque, diferentemente das outras mercadorias, primeiro, os as-salariados não são produzidos para serem vendidos no mercado; segundo por-que, devido à extrema variabilidade e flexibilidade da força de trabalho, estatem tantas formas de ser usada que contrasta com a imutabilidade do valor deuso das restantes mercadorias; e terceiro porque, como a força de trabalho é in-separável do seu possuidor, só pode ser efetivado seu valor de uso se o trabalha-dor colabora, participa ou quer trabalhar (Offe, 1985:71-78).

8. Não é necessário agora entrar na questão da análise dos parâmetros da regula-ção desses direitos. Basta assinalar que existe um amplo campo situado entre olimite da absolutização dos direitos e a regulamentação que, na verdade, trava oseu funcionamento. Ao mesmo tempo, devem ser contempladas também as pu-nições contra os atos que impedem o livre exercício desses direitos.

9. Tradução nossa.

10. Tradução nossa.

11. Não é necessário aqui estender-se sobre os diferentes modelos de negocia-ção coletiva, níveis, etc. Uma descrição desses assuntos pode ser encontrada emDelgado Garcia (1994).

12. Aqui está sendo usado o conceito reestruturação produtiva como paradigma con-ceitual, independentemente de se verificar ou não, na realidade, essa forma pura.

13. Nas palavras de Castro (1996:116): “Como fazer face às demandas das fir-mas no sentido de que as organizações de trabalhadores as apóiem em suas no-vas estratégias de competitividade, especialmente quando os próprios trabalha-dores passam a estar diretamente interessados nos ganhos das empresas? Comonegociar as condições de remuneração do trabalho quando os benefícios simbó-licos e as vantagens extra-salariais passam a ser tão importantes quanto os ga-nhos salariais diretos? Onde sustentar a força coletiva de base quando as frontei-ras entre trabalho manual e não-manual, direto e indireto, de concepção e de

execução se tornam menos efetivas em sua capacidade de organizar interesses econstruir identidades?”

14. Para conhecer a ampla gama de combinações de modalidades de relações detrabalho pós-fordistas, ver Falabella (1988), Lipietz (1991), Sengenberger (1991),Boyer (1994), Hirata et alii (1992) e Markert (1994).

15. Entende-se por flexibilidade do mercado de trabalho: a) dos custos do traba-lho ou salarial, que consiste na possibilidade de ajustes salariais dependendo devariáveis como produtividade, demanda, inflação; b) numérica externa, median-te a qual os empresários podem mais facilmente contratar ou demitir segundo osfluxos produtivos; c) do tempo do trabalho ou numérica interna, que permitediferentes extensões da jornada de trabalho; e d) funcional, que compreende acapacidade de mobilização dos trabalhadores no interior da empresa segundo ovolume do trabalho e a implantação da reestruturação produtiva (Lagos, 1994).

16. As posturas anti-sindicais encontram-se de forma quase explícita em algu-mas condutas neoliberais. Beynon (1995:11-12), por exemplo, relata: “Numa en-trevista pela televisão, Alan Budd, professor de Economia da London BusinesSchool e antigo assessor de Mrs. Thatcher, deixou claro que, por trás dessas ini-ciativas, havia uma estratégia política muito séria. Falando a respeito das açõesgovernamentais durante a década de 80, ele afirmou o seguinte: ‘Aumentar odesemprego foi uma maneira muito conveniente de reduzir a força da classeoperária (...) o que se procurou forjar – para falar numa linguagem marxista – foiuma crise no capitalismo, que repôs o exército industrial de reserva e permitiuaos capitalistas a obtenção de grandes lucros daí por diante’”.

17. Para conhecer as principais propostas de reforma das relações de trabalho noBrasil, ver Siqueira Neto e Oliveira (1996).

18. Tomou-se como paradigmática a frase de Franco Modigliani: “Os sindicatos sãouma espécie de dinossauro em vias de extinção”, citada por Zapatero Ranz (1993).

19. A essa mesma conclusão chegam Locke, Kochan e Piore (1995): “As pautasobservadas nos países com uma sólida tradição de relações de trabalho centrali-zadas tendem a seguir rumos negociados e progressivos com o objetivo de lo-grar resultados equilibrados que conformem distintos grupos sociais e econômi-cos” (tradução nossa).

20. Tradução nossa.

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DIRIGENTES SINDICAISprodutores da história e contadores de histórias

MICHEL MARIE LE VEN

Professor Aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais

Estou cansado de viver, de agir, de sentir para condenareste e dar razão a aquele. Estou cansado de viver conformea imagem que outros me dão de mim. Decido a autonomia,

reclamo a independência na interdependência

Camus (1994:280)

por isso que se recorre aqui à metodologia da história oral,quer dizer, de fala e de escuta que envolvem duas histó-rias individuais. Esta “oralidade” feita de palavras, ações,gestos, símbolos, sonhos, patologias vem a se constituirum momento de busca da verdade, de saber, de consciên-cia e ciência, que recorda, acorda sentimentos que preci-sam ser acolhidos com cuidado porque expressam vidashumanas que experimentam prazer e sofrimento. É porisso também que se entende a “história oral” não comouma terapia, mas sim como um momento terapêutico, nosentido que há uma mudança nos indivíduos envolvidos.É o que se entende por “sociologia clínica”, que será ex-plicitado no decorrer deste artigo.

TRABALHO E PODER: SUBJETIVIDADEE HISTÓRIA

Preliminarmente, deve-se definir um lugar de onde sefala. Optou-se não por um discurso sobre ou para traba-lhadores e dirigentes sindicais, mas sim por um discursocom os trabalhadores e os dirigentes sindicais para sechegar a um saber que também venha a construir a histó-ria e, nesse sentido, é científico.

Esta localização é importante porque o diálogo entre omundo do trabalho e os intelectuais é tenso, existindo umadificuldade de compreensão entre estes últimos e os diri-gentes sindicais, conforme os olhares que trocam entre si.Desconfiança, rivalidade, preconceito, objetivação dooutro são posturas comuns e recíprocas. Ver e dizer o ou-tro passa a ser nominar, apropriar, dominar (Orlandi, 1990).

Esta questão não é recente, como pode-se descobrir nahistória das representações sobre o trabalho no Brasil (LeVen, 1994). Também ela não é especificamente brasileiraou latino-americana. Além de ser antiga – os filósofos eram

ste artigo procura refletir sobre a história do tra-balho na construção da sociedade, ou seja, tratados trabalhadores que se tornam dirigentes sin-

dicais, constituindo-se assim em produtores e ao mesmotempo produtos da história que eles mesmos podem con-tar. Dessa forma, não serão abordados os “sindicatos”, massim os “sindicalistas”, enquanto sujeitos históricos que ex-perimentam um poder individual, social e político e quese tornam objetos e sujeitos de sua própria história na so-ciedade.

Desta maneira, entende-se o trabalho e a ação sindicalenquanto espaços de “criação de história”. “Por criador dehistória entendo (...) todo indivíduo que tenta não se si-tuar somente como carregador de uma história na qual elese sente preso, mas que tenta, ao contrário, provocar emalgum campo da vida social uma certa interrogação (...)numa palavra todo indivíduo que procurar falar em seunome” (Enriquez, 1984). Por isto, a ação dos dirigentessindicais criadores de história é também uma palavra queexpressa sua subjetividade como indivíduo e ator social.

Partindo desta compreensão da ação sindical, a meto-dologia seguida aqui situa-se no mesmo universo teórico:o “sindicalista” é entendido como alguém que fala e que,portanto, precisa ser escutado e, como será visto, entre-vistado,1 numa ação comum do pesquisado e do pesqui-sador, que, ao se encontrarem e entrevistarem, criam algoque vem a constituir também um momento de história. É

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filósofos na medida em que não “trabalhavam” –, a ques-tão é universal. Dois estudos podem ser citados nesse sen-tido. O primeiro é um ensaio de Eder Sader e Maria CéliaPaoli sobre “classes populares no pensamento sociológi-co brasileiro” (Sader e Paoli, 1986), em que constatam umprocesso de desqualificação das classes populares no queeles chamam de “visões instituídas” e propõem uma visão“instituinte”, que vê o objeto de estudo como um sujeitocapaz de pensar, agir e dizer-se de maneira autônoma. Noplano internacional, após uma avaliação de que as rela-ções dos intelectuais com as organizações sindicais foramou de exclusão ou de absorção, um intelectual conclui, naRevista Internacional de Psicosociologia, que os intelec-tuais podem e devem, na sua relação com o movimentosocial e em particular com o sindical, conjugar e interpre-tar seu compromisso de “cidadão” com a vontade de exer-cer plenamente seu métier de intelectual (Kergoat, 1996).

É de tais aspectos que se fala quando se trata de pro-duzir um saber sobre o mundo do trabalho, com os traba-lhadores que se fazem dirigentes sindicais, de avançar nacompreensão do que somos, do que fazemos neste mo-mento de perplexidade diante dos desejos, esperanças esonhos não realizados. Uma reflexão atual sobre o traba-lho e o poder dos dirigentes sindicais nos provoca a re-pensar as nossas propostas individuais e coletivas – so-mos todos convocados, não a dar respostas iluministas oupalavras de ordem sumárias, mas a tentar retornar o ca-minho da justiça, enquanto possibilidade e esperança deação que recoloque a ética na política.

Neste sentido, ganha atualidade uma reflexão sobre opoder que supõe, no dizer de Enriquez, algo sagrado, li-gado ao amor e à vida, e ao mesmo tempo destrutivo emortífero (Enriquez, 1992).

Em termos teóricos e metodológicos, é preciso aindaavançar para delimitar melhor o que se entende por sub-jetividade e poder, de um lado, e por história oral e me-mória, de outro.

Quanto à questão da subjetividade ou do sujeito foiafirmada, anteriormente, a relação do sujeito com a his-tória como produto, produtor e contador da história, masé necessário ainda descrever o modo pelo qual um indi-víduo se faz sujeito num processo de subjetivação.2

Costuma-se definir e assimilar a subjetividade como pri-vacidade e identidade como traço de personalidade: por sub-jetividade não se entende propriamente nem só psíquico emuito menos o privado e/ou o afetivo; tampouco entende-seo subjetivo enquanto o oposto do empírico, do objetivo numarelação de contraposição do subjetivo com o objetivo.

Compreende-se os processos psíquicos e históricos pelosquais um indivíduo vai se fazendo como homem à medidaque ele é atravessado pela história, que é a história socialde seu nascimento, de sua família, de suas crenças, de suas

inserções históricas e de seus investimentos afetivos. Asubjetividade de um indivíduo se produz nas suas relaçõescom o saber, a política, as artes, o trabalho, o momentohistórico. O sujeito sempre constitui-se em relação a umoutro. O conceito de sujeito “se constitui por relação como outro sujeito (relação intersubjetiva) ou seja: não há di-ferença entre sujeito psíquico (sujeito da história indivi-dual e do desejo inconsciente) e sujeito social (sujeito dahistória social e de suas transformações)” (Losicer, 1992).

A questão do poder individual e social permite ressal-tar ainda mais esta relação com o outro. O poder não éuma função ou um cargo, apesar de também poder ser isso.O poder é a forma que os indivíduos têm de se relacionarmutuamente numa postura de desigualdade imposta e/ouconsentida. O desejo de poder é, ao mesmo tempo, o es-forço que o indivíduo faz para viver, e a necessidade quetem um grupo social de se instituir. Assim, o poder com-porta tanto uma capacidade de direção como uma aceita-ção (a obediência em suas múltiplas formas) de uma au-toridade, de uma instituição, de uma regra que defina oslimites possíveis e necessários na vida social. Assim, opoder é pulsão do indivíduo e é relação com o outro. To-dos nós temos um certo poder, tanto o intelectual quantoo homem de ação. Porém, o que caracteriza um poder sin-dical é o fato de ser um poder social e político, individuale institucional, que se exerce na esfera das relações vo-luntárias (o sindicato não é uma empresa ou um partidoou um governo de uma cidade) exercidas no espaço polí-tico que tem muito a ver com o compromisso pessoal, aideologia, a representação social, senão a missão ligada àtransformação e à revolução social. Faltam estudos sobreo métier de militante sindical e sobre o indivíduo queexerce essa profissão (Mothé, 1973).

Como mencionado no início deste artigo, a sociologiae a ciência política se interessaram mais pelo sindicato(instituído) do que pelo sindicalista (instituinte), para uti-lizar conceitos de Castoriadis (1982).

Portanto, é para tentar responder a estas questões que serecorre aqui à história oral, mais exatamente à entre-vista dehistória oral. Para Portelli (1997), que auxilia a definir o quese entende por história oral, ela “... é ciência e arte do indiví-duo”, que consiste numa relação entre dois ou mais indiví-duos que conversam, se entre-vistam, acordam sua memó-ria, falam como autores numa relação, ao mesmo tempo, deigualdade e diferença. A arte essencial da história oral é aarte não só de ouvir, mas também de aprender juntos: de umlado, o entrevistado que tem as informações e aceitacompartilhá-las; e, do outro, o cientista que tem a respon-sabilidade de interpretar a fala, construindo um “textodialógico de múltiplas vozes e múltiplas interpretações: asmuitas interpretações dos entrevistados, nossas interpreta-ções e as interpretações dos leitores”(Portelli, 1997).

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Por este motivo, a história oral tem a vantagem, alémdo benefício de ir diretamente à fonte que é o ator e oautor, de impedir o entrevistador de ser “o intelectual dopartido, o companheiro de estrada, a vanguarda esclare-cida, ou o intelectual a serviço do povo”(Kergoat, 1996).Na história oral, o máximo de subjetividade dos dois ato-res faz com que todos aprendam um pouco sobre si e so-bre a história social e política.

Após tais observações de ordem teórica e metodológi-ca, passa-se a um exercício que é o resultado da expe-riência de um grupo de trabalho voltado à história de “pe-quenos grandes homens” que se fazem contadores dahistória e de histórias. Além disso, esse grupo – que vemaprendendo nessa experiência – pretende conhecer tra-ços da memória coletiva das gerações passadas de mili-tantes, despertando a memória que é sempre profunda-mente revolucionária tanto quanto o sonho. Enfim, háainda um objetivo adicional que é o de reforçar a auto-estima de sujeitos que fizeram e fazem a história. Nestemomento de perplexidade, quando se diz que as ilusões eos sonhos da geração de 60 se desfizeram, preferimos nosver como criadores e não vítimas de balanços negativosou autojustificativas de mudanças supostamente neces-sárias e irreversíveis, de submissão a novas ideologias oudo desânimo e renúncia aos sonhos sonhados mas nãorealizados conforme nossos interesses.

Para desenvolver esses aspectos e avançar na com-preensão do poder dos Dirigentes Sindicais, foram esco-lhidos, dentre muitas outras possibilidades, três figuras,três momentos, três posturas e também três metodologiasde história oral, que possibilitam acompanhar, entender erestituir histórias individuais e sociais.

Serão narradas três histórias:3 uma propriamente de his-tória oral de vida; a segunda de trajetória de vida que apontapelas continuidades e descontinuidades, transgressões e rup-turas, investimentos e desinvestimentos, identificações edesindentificações, deslocamentos de lugares e de classes; eenfim, uma terceira, a história oral temática que tem exata-mente o objetivo de ouvir, escutar e registrar a fala de indi-víduos que conquistam o poder sindical e que dizem como oexperimentam e o sofrem enquanto indivíduos.

Nos três casos, trata-se da constituição de sujeitos depoder. Esses sujeitos relatam como se fizeram “podero-sos” e como produziram história e assim dizem hoje sobreo nosso presente – única questão que é realmente válida.

Nos três casos, tentar-se-á contar a história em torno detrês eixos: os processos de identificação, a experiência dopoder e a relação do indivíduo com o social histórico, sendopossível adiantar que, no primeiro momento, o poder é vivi-do como crença coletiva, no segundo, como prazer da ação,enquanto, no terceiro, o poder tende a se fechar nele mesmocomo lugar a ser ocupado e que ocupa toda a vida.

HISTÓRIA ORAL DE VIDA:1960-1997 – A ÉTICA NA POLÍTICA

O nome do primeiro entrevistado é Dazinho, cujo nomepode ser divulgado com a sua concordância. É um ho-mem público conhecido e respeitado, em Minas, por in-telectuais e políticos; nasceu no interior de uma famíliade agregados camponeses, de onde saiu com 11 anos parair a Belo Horizonte. Interno numa escola agrícola, duran-te seis anos, saiu para trabalhar como pedreiro e, com 17anos, era mineiro na mina de ouro em Nova Lima. Ali, seentregou ao trabalho e ao sindicato profundamente mar-cado pela presença dos companheiros comunistas (ele quese fez “cristão” no interior da Juventude Operária Católi-ca). Secretário do sindicato, rapidamente ele foi seu pre-sidente. Em 1962, elegeu-se deputado estadual e, em 1964,foi cassado, preso e torturado. Após um longo período deprisão e um processo em Juiz de Fora, voltou à família eao trabalho na construção civil. Candidato ao Senado, em1986, pelo Partido dos Trabalhadores, teve uma votaçãoque o consagrou como um mito: o nome Dazinho passoua ser uma referência obrigatória no meio das esquerdas eno meio popular.

A entrevista de história oral de vida durou seis meses,mas foi iniciada vários anos antes de um acidente, que odeixou paraplégico.

Pode-se simbolizar a experiência de vida, a compreen-são da política e o sentido do poder por esse pensamento:“tudo o que eu fiz e tudo que eu faço é em cumprimentode uma missão”, que é realizada com serviço, muitas ve-zes com sacrifício, sem nenhum interesse pessoal, mascomo uma total independência.

“Fui candidato a senador. Eu aceitei depois das ale-gações que fizeram. O partido precisava de mim,(...) mas distribuía boletins denegrindo a imagemdos outros para aumentar meus votos... isso não...Além de tudo estavam mandando em mim, pois eunão autorizei, nem fui consultado. Como que iamfazer uma coisa com meu nome à revelia de mim?Se fosse uma coisa para o bem comum podia atéser... Passada a candidatura eu não tinha aspiraçãonenhuma. Continuo como membro do partido, par-ticipando servindo ao partido. Não quero ser can-didato a deputado estadual, federal.”

A política, enquanto missão, nasce num compromissoético com o serviço da classe social e em cumprimentode um engajamento religioso. Porém, tudo tem suas raí-zes nos valores vividos em casa na infância, no trabalhobem feito, na felicidade da vida interior, na memória davida familiar, de trabalho e de fidelidade religiosa:

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“É com 5 anos (...) botar cana no engenho, tirarbagaço, mexer tacho de rapadura. Só ia em casade madrugada. Saíamos de casa normalmente qua-tro horas da madrugada tocando as vacas para ocurral. Chegava lá, ia para o engenho acender afogueira, pegar os animais para moer a cana, tirarbagaço, pôr cana no engenho (...)Eu tenho a impressão que foi a questão da minhaavó, da minha mãe, do meu pai que sempre, ape-sar de serem atrasadas escolarmente, tinham pro-funda convicção de fé (...) do jeito deles, à modadeles e de como eles entendiam as coisas. Mas euacho que valeu porque foram pessoas honestas,trabalhadoras, fiéis. Com os defeitos de todo mun-do mas muito mais virtudes também de todo mun-do, de todo mundo pobre, não é?”

Essa passagem lembra trechos de Albert Camus, nolivro Primeiro homem, sobre a dignidade dos pobres quetêm o sentimento da honra como a sua avó, sua mãe, seustios. Dazinho, trabalhador, sindicalista, político, o é porfidelidade aos valores reencontrados, mas com um mo-mento de ruptura, que o faz diferente dos seus pais. Nocaso, ele se faz estranho a seu próprio meio de origem:

“Acabei chegando à JOC, a Juventude Operária Ca-tólica, que me forneceu o embasamento da minhacrença e o fortalecimento da minha fé. Então daípara diante a espiritualidade para mim foi uma coisaséria. Tudo que passei a praticar, a fazer foi total-mente embasado na minha crença de que somosaqui a continuidade do que Cristo queria que sefizesse, a pregação do Amor, da Paz, da Justiça. Eisto continua tão arraigado em mim que eu me tor-nei um sujeito político por causa disso.”

Esse sujeito político – Dazinho, presidente de um sin-dicato referência no Brasil, deputado estadual, mineiro,pai de família, militante cristão – construiu sua vida emtorno de crenças e valores, sentimentos e comportamen-tos que definiram seu rosto de homem, mas, ao mesmotempo, rompeu, transgrediu, inovou e fez história. Acom-panhando a narração de vida do homem-Dazinho, assis-te-se a história do trabalho e da política em Minas Geraise no Brasil, mas a história de “ponta-cabeça”, narrada porum homem que não é “dono” do poder por privilégio denascimento ou por jogo político, mas sim alguém que, avida toda, viu crescer “o poder dos pobres”.

Dois sentimentos perpassam essa vida e, até hoje, es-tão presentes na fala de Dazinho: de um lado, a “solidão”por estar a vida toda na política, não a solidão do isola-mento, mas da capacidade de conviver consigo mesmo e

de encontrar dentro de si a força da ação; do outro, a ex-periência do poder partidário, que exige uma outra visãodo poder político, ou seja, a luta pelo poder assumida epartilhada pelos companheiros de classe trabalhadora.

Uma vida e uma ação construídas como um bloco, mas“públicas” a serviço do outro. Isto, pela experiência dapesquisa, vale também para os comunistas, colegas e con-correntes de Dazinho em Nova Lima.

TRAJETÓRIA DE VIDA:O PRAZER E O SOFRIMENTO

Esta entrevista faz parte de uma pesquisa, na linha dasociologia clínica, com trabalhadores(as) que se tornaramsindicalistas e políticos e que, na época, estavam no exer-cício de um cargo político, na grande maioria na admi-nistração do prefeito Patrus Ananias. O objetivo era per-correr com os entrevistados seu percurso individual esocial, sua convivência com a conquista e a experiênciado poder. É uma pesquisa na linha da sociologia clínicaporque permite uma prática terapêutica, propiciando aquem fala e é ouvido a possibilidade de refletir em vozalta, de perceber o sentido de sua própria trajetória e, as-sim, se tornar sujeito de sua história social.

Narra-se aqui a trajetória de uma mulher que atuou nahistória do movimento e da organização dos trabalhado-res rurais nas duas últimas décadas. Cida, atualmente com40 anos, é casada, tem uma filha de dez anos, estuda geo-grafia à noite na PUC e é assessora de um deputado naAssembléia Legislativa. Na época da entrevista, era che-fe de gabinete da Secretaria de Abastecimento do muni-cípio de Belo Horizonte.

Relatando essa experiência de poder desde os seus 15anos, ela diz de si mesma:

“O que sou em todo esse percurso, em que tive tantoprazer em construir espaços políticos, ser reconhe-cida?Do dia em que assumi a Escola com 15 anos eu metornei adulta pelas minhas responsabilidades. E eufazia isto com prazer: eu amava tanto todas essasresponsabilidades.Esse encontro com a CPT foi para mim a desco-berta de um novo horizonte de vida, de um novomundo...Num curso de formação política me senti em êxta-se. Eu me sentia alucinada com as descobertas, oslivros políticos, as músicas, a coragem das pessoas,a história de cada um. Eu me sentia parte de umgrupo que sentia e pensava como eu, que criticavacomo eu, que se preocupava como eu e que sonha-va como eu.

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Eu voltei absolutamente conquistada pela idéia desindicato, pela idéia do trabalho, de organizaçãodos trabalhadores rurais e nunca mais parei.”

Não é uma missão externa. É um re-conhecimento mú-tuo dela e da família, dos posseiros e trabalhadores ru-rais, da escola, da organização, do sindicato; um mundoao mesmo tempo familiar e histórico, mas que rompe comcomportamentos tradicionais: estudar fora da cidade, di-rigir uma escola com 15 anos, viajar, não casar, não ficarem casa, participar de cursos e, no meio dos homens, pa-rentes, amigos e também de proprietários e capangas, fun-dar um sindicato na herança do pai assassinado e de umtio aberto ao mundo.

“Éramos tão felizes nessa época. Aprendi os valo-res mais importantes, o valor do trabalho, da ami-zade, da solidariedade. Fomos sempre uma famí-lia trabalhadora desde a infância. Éramos e somosainda uma família muito unida.”

É herdeira da mãe comunicativa, do pai organizadormorto pela luta por terra em solidariedade aos posseirose de um tio que lhe abriu o mundo (o projeto parental estágarantido), mas uma herdeira que transforma os valoresda família e da terra em valores políticos e nacionais. Elainveste integralmente e parte de Unaí para o mundo sem-pre em nome do seu povo:

“A minha vida se transforma em luta sindical.Minha vida se tornou ação política. Minha famíliacresceu, transformou-se em sindicato, meus pais,minhas irmãs, meus irmãos eram parte dessa novafamília.Eu não tinha mais vida pessoal, vida privada. Masisso não tinha nenhuma importância. Eu me torneireferência para as pessoas. Eu participava de tudo.Eu tinha informações jurídicas, eu conhecia o Di-reito e a lei. Daí ‘não parei mais’: de secretaria àpresidência do sindicato, mulher presidente, me-nina moça, à delegada na Fetaemg, na fundaçãoda CUT, na direção do PT. Prazer em ser reconhe-cida? Vaidade?”

Porém, a Cida da CUT e do PT não é mais de Unaí:desencontro com os outros, mudança de regras, jogo depoder, deslocamento (déplacement-déclassement).

“O jogo do poder pelo poder nunca soube jogá-lo.Eu nem quero jogá-lo. Isto me anula como pessoa(...). Na medida em que começo a ocupar cargosna CUT estadual, a participar do centro do poder,

das instâncias de decisão, isto me coloca no uni-verso das lutas de diferentes grupos políticos pelopoder. Eu não tinha nenhuma teoria política. Nun-ca tinha lido Marx, Engels, Lenin (...). Mas a mi-nha identificação se fazia na ação, nossa ação desindicalistas rurais. Nós não sabíamos falar e res-ponder ao confronto. Nós tínhamos somente nos-so saber-fazer, e não a formação política. Nesse mo-mento tinha intuições muito claras sobre posiçõespolíticas assumidas pelas tendências. Eu fiquei coe-rente com minha história, com minha concepçãoda luta e recusei benefícios e vantagens que meeram oferecidas. Com a igreja houve também umaruptura porque ia sempre menos à missa. Achava maisinteressante ir às reuniões da CUT e da Federação doque às reuniões de base. Ir rezar para mim não haviamais sentido. Preferia preparar a luta, organizar osgrupos. Assim fui estigmatizada: traidora da classetrabalhadora, de um lado, e pelega, de outro. A partirdesse momento toda minha ascensão, todo o reco-nhecimento do meu trabalho perde o seu valor.”

É o desencantamento, o momento de sofrimento. Con-tinuar, defender seu lugar de poder, não ser reconhecidapela ação, mas pelos vínculos de grupos em oposição nomesmo partido político. É o conflito entre valores herda-dos e os valores adquiridos.

Angústia sobretudo do sentimento de infidelidade a seupai, a seu meio. A política como morte, a orfandade dopoder: “Eu estava sem identidade. Não valorizava maismeu trabalho.”

Cida então viaja à Cuba, cria um tempo para sua pró-pria afetividade, torna-se mãe, encontra amigos. Nova-mente, sente-se livre. Ela reinveste no partido, no seu pro-grama rural, na prefeitura, na Secretaria de Abastecimentoque a recoloca em contato com os camponeses. Realizaum trabalho, ela é somente ela.

“Hoje eu tenho um cargo administrativo (...) me-reço meu salário, trabalho oito horas por dia. Evi-dentemente misturo um pouco as coisas, o traba-lho e a militância. Até às vezes troco os papéis.Mas o que acho importante é o fato de não maisser dependente de uma disputa pelo poder parasobreviver e conseguir ser exposta e me expor. Aquie agora, hoje eu sou somente Cida.”

A POLÍTICA E O PODER:POLÍTICA COMO PROFISSÃO

Uma terceira metodologia, a história oral temática, temobjetivos e características específicos: ela é uma propos-

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ta do pesquisador que recorre aos indivíduos que possamser com ele sujeitos de uma pesquisa. No caso, trata-sede compreender a experiência da direção de um grandesindicato de professores, num conjunto de tendências queocupam o lugar do poder sindical como partilha repre-sentativa de correntes político-ideológicas, inclusive nomesmo partido. O pesquisador é também militante sindi-cal, foi professor e hoje é mestrando em Ciência Política.A pesquisa está em curso e aqui também serão tratadasespecificamente a entrevista e a sua interpretação.

O pesquisador inspirou-se num livro escrito em outrocontexto, O métier de militante, de autoria também de ummilitante que se tornou sociólogo, Daniel Mothé. Por essemotivo, esta obra permite desparticularizar os problemasencontrados e sobretudo despassionalizar um confronto quese mostra como uma questão universal. O autor trata comjusteza do métier, da profissão de militante transformador,senão revolucionário, e das imagens e representações queele suscita: o tribuno, o doutrinário, o administrador, o pro-feta, o burocrata, todas formas humanas legítimas, seja porvocação pessoal, seja por necessidade histórica, seja mesmopor responder às exigências do grupo representado que pre-cisa ser dirigido e orientado num projeto próximo e longo.Sendo profissão, exercer função de dirigente corresponde adesempenhar um papel frente ao patrão, à massa e à socie-dade. No caso, parece que a subjetivação não se faz tantopelas suas raízes, seu passado individual e coletivo (o proje-to parental), mas sim por oposição, ruptura posta e impostacontra o outro e pelo futuro a ser alcançado amanhã. Aqui, aquestão do poder tem a ver com a exigência de coerênciainterna do público e do privado e com a correspondênciacom o modelo que o grupo deve projetar na sociedade.

O processo de subjetivação tende a nivelar e identifi-car as diversas instâncias da vida social: a vida afetiva, otrabalho profissional e a militância encontram-se numgrupo que se define, de um lado, pelo amor a um líder e adedicação a uma causa e, de outro, pela ruptura com afamília de origem, pela oposição ao patrão que age con-forme a lógica de poder burocrático da administração epela crítica à sociedade que não acompanha e que deveser transformada por uma ação revolucionária.

A militância inicia-se como numa espécie de conver-são, que significa um questionamento de valores, com-portamentos, ações da família e do grupo de origem. Épreciso romper com esse passado e inaugurar um novo com-portamento, encontrando e expressando o pertencimento aum grupo que tem também uma liderança reconhecida comocarismática. É uma absorção individual de conhecimen-tos intelectuais que devem informar os espaços da vidatoda, a afetiva e a profissional, muito mais que uma ex-periência pessoal de crescimento em nome de uma co-munidade.

“ (...) nós fazíamos um trabalho sério e me desper-tou uma vontade, ainda sem nenhum estudo téorico,de ser comunista (...). Eu achava que aquela erauma causa justa, passei para uma opção. Eu entreino PT mas vinculado a um grupo (...). Aí fui tendouma formação mais teórica.”

É na greve e nas manifestações que se desenvolve aação sindical. Esta ação é realizada por uma liderançareconhecida como a melhor, a única possível, e a orienta-ção total da vida:

“Eu conheci nesta época meu companheiro, umapessoa da oposição na direção do sindicato (...).Fui admirando enquanto pessoa que admirava, quefalava bem, que tinha por mim uma posição coe-rente, uma vida coerente com o discurso. E fomosnos aproximando.Acho que mudou totalmente a minha vida e hoje emdia eu sinto um reflexo nas minhas filhas que estãocomeçando a militar e que hoje têm uma certa inde-pendência e que por iniciativa própria participam detodos os movimentos (...). Hoje eu ainda continuoquase 24 horas na militância, meu marido mexe comisso certamente 24 horas por dia, sábado e domingo.Hoje eu sou uma pessoa assim dura, professora, mi-litante (...). Praticamente reneguei todas as pessoasque me conheceram naquela época...”

A QUESTÃO DA RESTITUIÇÃO COMOEMPREENDIMENTO POLÍTICOE COMUNITÁRIO

O desafio maior da história oral é o momento da resti-tuição entendida como “uma dimensão interna e necessá-ria de empreendimento político e comunitário” (Portelli,1997). Pergunta esse autor: “O que fazemos com o poucoque aprendemos e com as interpretações que dele faze-mos? A questão certa é para que o fazemos e para quecontamos histórias.

Conforme Portelli, em primeiro lugar, o fazemos por nósmesmos, que acabamos tendo uma percepção diferente denós mesmos porque a entre-vista nos provoca e nos convo-ca a aprender com os outros e com isso nos transforma. A“carta de cessão” necessária para que os direitos e deveressejam reconhecidos num contrato não é suficiente para darconta de toda a experiência humana que ela representa.4

Porém, há também uma dimensão política que tem a vercom o saber individual e coletivo: os entre-vistados são es-colhidos pelos pesquisadores como indivíduos atravessadospela História e criadores de grupo e/ou de um vínculo so-cial, seja ele comunidade, instituição ou movimento. Esses

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indivíduos sempre falam de algum lugar e algum tempo; elescontinuam a existir e a fazer e ainda são consciente e in-conscientemente fazedores da história. É o que pode ser cha-mado de construção da memória coletiva.

Nesse sentido, ainda é para ser aperfeiçoada a questãocentral da devolução ou restituição. Retomando propos-tas de Portelli, é preciso distinguir restituição de objetos,fitas, transcrições, publicações e inclusive disponibilida-de em arquivos e museus, com o “acontecimento” ocorri-do entre sujeitos que se entrevistaram.

A reflexão aqui caminha em dois sentidos: um quePortelli sugere e outro que vai na linha do que chamamosde “sociologia clínica”.

Portelli afirma que aquilo que realmente “restituímosé uma oportunidade para as pessoas, com que conversa-mos, organizarem seus conhecimentos com maior clare-za: um desafio para aumentarem sua consciência paraestruturarem o que já sabem”. Restituir vem a ter com onosso próprio desenvolvimento e com aquele das pessoasque encontramos na entrevista. Em uma entrevista, umparticipante disse espontaneamente: “agora, acho queconsegui pôr ordem na minha cabeça”. Na pesquisa detrajetória de vida, a pesquisadora ouve dos seus entrevis-tados, homens altamente ocupados, agradecimentos porterem, pela primeira vez na vida, tomado um tempo parase dizerem e serem competentemente escutados.

A dificuldade não reside tanto nesse relacionamento in-ter-subjetivo, mas no que parece ser um desafio nosso comointelectuais no Brasil, da relação com os grupos dos quaisos entrevistados foram de alguma maneira os porta-vozes.Retorna-se aqui à questão da relação intelectuais-militantesa qual foi mencionada no início deste artigo. Diz Portelli quea restituição toma seu significado quando “muda a imagemque a comunidade já tinha de si própria.” A restituição nocaso não é neutra e sempre constitui uma intervenção, umainterferência na história cultural da comunidade. Imagemnova de si, outra história, mas também outra imagem delesnas representações sociais, acadêmicas, como verdadeirasfontes de história. É levar a palavra para fora, a palavra dos“pequenos grandes homens”; é torná-la universal porquehumana. Neste sentido, pode-se ler Denise Paranã com suahistória oral da família Silva, no livro O filho do Brasil – deLuís Inácio a Lula.

É também o que estamos iniciando hoje, com uma bio-grafia de Dazinho, que no caso reescreve a história dostrabalhadores da mina de Morro Velho, do seu sindicato,das violências do golpe de 1964, da reorganização domovimento social e partidário em Belo Horizonte. Me-mória e fala têm a ver com a auto-estima dos vivos e oreconhecimento da dignidade dos “pobres”. Vale lembraro que diz Albert Camus (1994:320) sobre a honra dos “quenão têm nada e que são tão pobres que nunca desejaram

ter e possuir (...) a imensa tropa dos miseráveis (...) quevivem ou sobrevivem por obstinação e persistência, naúnica honra que valha no mundo, a honra dos pobres (...).Dêem toda a terra aos pobres como se dá o sagrado aosque são sagrados”. Com alguma razão, Portelli comparaa história oral à literatura que recria as experiências hu-manas individuais em uma linguagem universal.5 Esta é aprimeira linha que vale para o grupo na sociedade.

A segunda linha tem a ver com a sociologia clínica querepresenta talvez uma dimensão terapêutica da históriaoral, mas que não significa nem terapia nem garantia decura. A sociologia clínica pretende colocar as questões paraos indivíduos e grupos que levem a uma autocompreensãoda história individual e coletiva, relacionando as dimensõespolíticas, econômicas, ideológicas e psicológicas dos fatose sentimentos vividos pelo indivíduo atravessado pelo so-cial. A questão do poder é uma das questões centrais narelação do instituído com o instituinte. Nesse caso, é evi-dente que os olhares podem ser somente interdisciplinarespara cercar as diversas facetas do social, mas sempre vi-vido pelos sujeitos. Nesse sentido, a sociologia clínicaaborda a história de vida nos seus três elementos: o psi-cossocial (história social do indivíduo, da família); oemocional e afetivo na sua relação com o social; a falaque produz uma narração sobre sua própria história, o quemostra que a história passada é sempre presente, seja namemória (como lembrança) seja no corpo (como marcanão lembrada).

O cuidado clínico da psicossociologia não pretendecurar a sociedade porque a sociedade não está doente. Aocontrário, ela se produz, se transforma a partir dos indiví-duos. Por isso o “cuidado” presente na postura psi-cossociológica, na relação do pesquisador social com di-rigentes sindicais, objetiva somente estar presente epróximo, igual e diferente, aos atores sociais e ajudá-losa tomarem consciência das contradições que vivem e adescobrirem respostas às situações que as provocam. Eisto tem a ver com dignidade, respeito e auto-estima doshomens e de suas ações e instituições (Gaulejac, 1997).

Assim, a política pode vir a reencontrar a ética e o podervia a ser autoridade. Desta maneira, o poder pode ser vi-vido na sua extensão, como crença coletiva, como prazerda ação e da instituição e, também, como estrutura quetransforma os indivíduos e a sociedade.

NOTAS

Este texto foi apresentado no Seminário Temático no 16: “Trabalho, trabalhado-res e sindicatos: desafios teóricos”, coordenado pela professora Leila Blass, noXXI Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, Minas Gerais, em 22 de outubro de1997.

1. O termo entre-vistado é utilizado como diálogo baseado no entrever; ver um eo outro.

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2. Vamos tratar do sujeito na sua atividade sindical, mas isto não elimina a questãomais global da subjetividade e do seu uso hoje no mundo do trabalho. A gerênciaempresarial hoje é fortemente baseada na produção de uma nova subjetividade dotrabalhador, da qual, apesar de não ignorá-la, vamos tratar aqui. O sujeito do traba-lho não é mais visto só como recurso, mas como colaborador (Losicer, 1992).

3. Entrevistas de história oral de vida do Projeto integrado – visões de Minas:memória e história Fafich-UFMG/CNPq; entrevista de trajetória social da tesede doutorado da professora Vanessa Andrade de Barros, na Universidade de ParisVII; entrevistas de história temática do mestrado em Ciência Política, RafaelFerreira de Paula. Os nomes dos entrevistados são silenciados, apesar de seremmuitas vezes facilmente identificáveis.

4. É o que tentamos transmitir num texto sobre o instante da entrevista publica-do na Revista Vária História.

5. Comparar a história oral à literatura é dizer que a literatura trabalha com umregistro que é do universal, do que todos os homens podem ler e entender por-que interpreta sentimentos e valores humanos universais. No Brasil temos nessesentido os gigantes como Guimarães Rosa e Euclides da Cunha; mas temos tam-bém obras de colegas nossos mais próximos. Pode-se citar dois textos que pare-cem cumprir esse papel: Os errantes do novo século, de Douglas Teixeira Monteiroe Pelo espaço do cangaceiro, Jurubeba, de Arthur Shaker. Podem ser entendi-dos no mesmo sentido as biografias, teatro e filmes que ressuscitam fatos e fei-tos de homens e grupos que deixaram sua marca na memória coletiva, mas nemsempre na história oficial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SINDICALISMO PATRONAL BRASILEIROauge e declínio

MARCIO POCHMANN

Professor do Instituto de Economia, Pesquisador e Diretor Executivo do Cesit da Unicamp

s associações empresariais têm um papel desta-cado nas sociedades modernas, pois tendem abuscar uma constante aglutinação e expressão

organização sindical e atuação assistencial e burocrati-zada.

O processo recente de reorganização econômica na-cional rompe com o tradicional padrão de desenvolvimen-to introduzido inicialmente nos anos 30, de formação deum parque produtivo industrial complexo, diversificadoe integrado, menos dependente do exterior. Atualmente,sob o imperativo da especialização e da competitividadeprocessa-se um conjunto de transformações rápidas e pro-fundas na economia e, por conseqüência, no mundo em-presarial.

As organizações patronais, não alheias a esse movimen-to, enfrentam novos desafios, em que requisitos como efi-ciência e eficácia assumem maior relevância. Nesse senti-do, a constante avaliação sobre as qualidades e os defeitosda atual estrutura dual de representação de interesses patro-nais não se coloca apenas como mais uma tarefa acadêmica,mas como uma exigência dos novos tempos para a tomadade decisões. Por conta disso, desenvolveu-se o presente tra-balho, procurando discutir a situação atual do sindicalismopatronal em pleno contexto de profundas transformações daeconomia nacional.

Por ser um tema complexo e polêmico, optou-se pordividir o artigo em duas partes principais. A primeira re-cupera a evolução da atuação sindical patronal a partir dasegunda metade dos anos 70, procurando caracterizar oauge e a crise das instituições de representação de inte-resses empresariais no Brasil. A segunda parte apresentao perfil atual do sindicalismo patronal.

ATUAÇÃO RENOVADA

Ao final dos anos 70, a economia brasileira dava si-nais inquestionáveis de possuir uma planta produtiva com-

dos interesses patronais podendo, dessa forma, contribuirtanto para a manutenção dos regimes democráticos quan-to para a sustentação das bases de uma economia de mer-cado. No presente século, as associações patronais, cons-tituídas a partir dos anos 30, no Brasil, estiveram presentesna maior parte dos principais acontecimentos nacionais,procurando, como é natural, representar os interesses em-presariais.

A permanência ao longo dos últimos 60 anos de umsistema corporativo de relações de trabalho terminou porimpor características especificamente nacionais à repre-sentação e à intermediação de interesses patronais. Porum lado, garantiu precocemente uma rápida organizaçãopatronal, no período em que o país ainda começava a tran-sitar de uma economia primária-exportadora para umaeconomia urbana industrial. O aparecimento e fortaleci-mento dos sindicatos corporativos dos empresários mos-traram-se importantes para a manutenção, ao longo do tem-po, de um compromisso nacional em torno do projeto deindustrialização.1

Por outro lado, os sindicatos patronais se comprome-teram com regras rígidas de funcionamento estabelecidaspelo sistema corporativo de relações de trabalho, o quefavoreceu a existência de uma estrutura dual de representa-ção de interesse, por meio da criação e expansão das chama-das associações empresariais civis (extracorporativas). Dessaforma, a ação empresarial constituída pela estrutura cor-porativa de representação e intermediação de interes-ses levou à formação de entidades que possuem comocaracterísticas gerais a fragmentação, a descentraliza-ção e diferenciação, assimetrias entre base econômica e

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SINDICALISMO PATRONAL BRASILEIRO: AUGE E DECLÍNIO

plexa, diversificada e integrada, com estágio avançado deabsorção do padrão tecnológico da segunda RevoluçãoIndustrial, somente comparável ao das grandes potênciasindustriais. Identificado como portador do oitavo produ-to industrial entre o conjunto das economias capitalistas,o país parecia uma ilha de prosperidade diante do marrevolto da crise que abalava a economia internacionaldesde o início da década de 70, segundo análise da épocapor parte do governo militar.

Distante das avaliações positivas das autoridades go-vernamentais brasileiras, estava em curso um profundomovimento nas economias avançadas, que combinavacontraditoriamente, por exemplo, reestruturação produ-tiva com políticas neoliberais e desregulação financeiracom formação de sindicatos de bancos credores de paísesendividados. Ao mesmo tempo, ganhava destaque a ma-turação de uma Terceira Revolução Industrial e Tecnoló-gica, capaz de introduzir transformações imediatas nomundo empresarial.

Esse novo e nebuloso cenário internacional que come-çou a ser desenhado a partir da segunda metade dos anos70 encontrou o Brasil com graves problemas sociais tra-dicionais (renda concentrada, pobreza e desigualdade re-gionais), crescente endividamento externo e interno, ace-lerado processo inflacionário e desacelerado ritmo decrescimento econômico. No interior da sociedade civil,começavam a ser dados os primeiros passos rumo à cam-panha pela redemocratização nacional.

O saldo de tudo isso, ao final dos anos 80, não permiteconcluir que o país tenha encaminhado satisfatoriamentepara a resolução de seus mais graves problemas internos,nem tampouco que tenha avançado adequadamente nosentido da incorporação dos avanços proporcionadospela Terceira Revolução Industrial e Tecnológica. O Brasilmarcou passo no mesmo lugar, apresentando indicado-res de estagnação das atividades econômicas, de tí-midas iniciativas internas de reestruturação industrial,de supertaxas de inflação e de agravamento do quadrosocial.

A conquista do regime democrático foi lenta e gradual,impossibilitando que as sinergias decorrentes da transi-ção de uma situação política para outra pudessem ser ca-nalizadas para os esforços de modernização, necessáriapara o país, conforme demonstrou a experiência recenteda Espanha. Além disso, a opção pela reintrodução de umcomplicado programa forçado de substituição de impor-tações, logo no início dos anos 80, para fazer frente àsexigências de pagamento dos serviços da dívida externa(crise da dívida externa de 1982), levou o país a se trans-formar em uma das economias mais fechadas do mundocapitalista. A conformação de um quadro de desorgani-zação das finanças públicas, de instalação do processo

hiperinflacionário, de desaceleração das taxas de investi-mento e de elevada e contínua oscilação no nível de ati-vidade econômica também ocorreram ao longo da déca-da de 80, com conseqüências nefastas para a sociedadebrasileira.2

Apesar da intensa instabilidade monetária e da descon-tinuidade econômica verificada no período em análise, oambiente sociopolítico se mostrou fecundo às mudançasinstitucionais, como expressão das lutas sociais pelas di-retas em 1984 e pela Constituinte em 1987. É claro quevárias das reformas necessárias ao país deixaram de serrealizadas, colocando a sociedade e a economia em situa-ção de prisioneiras do combate à inflação e do ajuste dascontas externas.

Na década de 90, entretanto, uma nova fase no com-portamento da economia brasileira foi aberta, diante deum cenário internacional com grande liquidez de re-cursos financeiros. Inicialmente, com o questionamentodas regras de proteção do parque produtivo nacional,associado ao uso de políticas deflacionárias e de redu-ção do tamanho do Estado pelo governo Collor, houvea imposição de um conjunto de mudanças substanciaisnas empresas que operam no país. A recomposiçãopolítica governamental, a partir do impeachment deCollor, parecia levar a uma possível reversão do proje-to neoliberal, pois passou-se a promover tanto a reati-vação do nível de atividade pós-1992 quanto a pos-tergação do processo de privatização do setor produtivoestatal.

Todavia, a partir de julho de 1994, com a implantaçãodo Plano Real, tornou-se claro a continuidade do proces-so de privatização, da abertura comercial e da desregula-ção financeira, bem como a necessidade de compressãodo gasto público, tendo em vista as condicionalidadesestruturais de sustentação do programa de estabilização.Nesse sentido, a política cambial tornou-se rígida, a moe-da nacional foi sobrevalorizada, os juros reais (manuten-ção de uma reserva em moeda forte elevada) se elevarame cresceu rapidamente o endividamento interno e externo– isto tudo num ambiente concorrencial desfavorável àsempresas estabelecidas no Brasil.

Em função disso, está em curso um movimento dereorganização da economia nacional, pautado pelamaior internacionalização das empresas, pela ampla pri-vatização do setor público estatal e pela desarticula-ção de algumas cadeias produtivas. O aumento da he-terogeneidade na estrutura produtiva (fechamento,internacionalização e fusão de empresas tradicionais)coloca ao capital nacional um espaço subordinado noprocesso de especialização da economia, com sériasconseqüências para as instituições de representação deinteresses patronais no Brasil.

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Bases da Renovação nos Anos 70

O ponto de inflexão na atuação patronal em relação aocomportamento das autoridades governamentais, ocorri-do a partir de 1974, foi marcante na formação de umaparcela considerável de lideranças empresariais que, as-sociadas às entidades civis patronais, se comprometeramcom um certo distanciamento do regime militar. A cam-panha antiestatização do período 1974-76 criou uma basede discussão e de reivindicações em torno da defesa doretorno ao Estado de Direito, sem expressar-se na viabi-lização de uma candidatura alternativa ao regime políti-co. Tanto assim que o projeto de abertura apresentado pelogoverno Figueiredo não deixou de receber apoio de vá-rias lideranças empresariais.3

A ruptura de alguns laços que sustentavam a legitimi-dade do regime militar pelas lideranças empresariais –localizadas principalmente nas associações extracorporati-vas – que foi precipitada com a saída de Severo Gomesdo governo em 1977, contribuiu para criar um ambientede renovação de lideranças nas entidades tradicionais in-tegradas à estrutura corporativa. A passividade dessas en-tidades e a escassez de iniciativas por parte das diretoriasesvaziavam a estrutura corporativa, inclusive como umaengrenagem clientelista a mais no moinho de sustentaçãodo status quo.

As lideranças empresariais associadas às entidades civise pertencentes aos setores modernos, como de bens de capi-tal e de eletroeletrônicos – que já tinham revelado sua capa-cidade de canalização de esforços na campanha anties-tatização –, mais uma vez demonstraram ter condições delevar avante a renovação dos quadros de direção em váriosórgãos da estrutura corporativa. O grupo renovador, sobre-tudo em São Paulo, teve um papel disruptivo no meio sindi-cal patronal, com algumas características que o aproxima-riam, guardada a devida proporção, do surgimento dochamado “novo sindicalismo” trabalhista.4

O maior espaço obtido no meio sindical patronal tor-nou muito mais visíveis as possibilidades e os problemasgerais do conjunto dos empresários, e permitiu reunir for-ças suficientes para retirar da direção de entidades im-portantes personagens tradicionais, implementar dinamis-mo à estrutura sindical corporativa e alcançar postos dedestaque na política nacional.5 Para melhor exemplifi-car a interessante experiência do movimento de renova-ção das lideranças patronais ocorrido no final dos anos70, pode-se tomar o caso da Federação das Indústrias doEstado de São Paulo.

A eleição do empresário Luís Eulálio Bueno Vidigalpara a presidência da Fiesp marcou uma profunda reno-vação do tipo de gestão levada adiante no período 1966-80 por Theobaldo de Negris. Com a mudança da direto-

ria, rapidamente observaram-se os sinais de revitalizaçãoda instituição. Uma nova fase de envolvimento com asesferas sociais e governamentais foi estimulada, com baseem uma plataforma de defesa da redemocratização polí-tica do país, da participação dos empresários nas deci-sões nacionais, da livre iniciativa e das negociações cole-tivas de trabalho.

Além disso, o revigoramento dos sindicatos de traba-lhadores terminou por colocar uma nova realidade para arelação capital-trabalho. As grandes mobilizações, a ex-plosão das greves com o apoio de parcelas significativasda sociedade, no final dos anos 70, em pleno regime mi-litar, dividiram as atuações das instituições sindicais pa-tronais em duas vertentes básicas. A primeira vertenterefletia a ação da maioria dos sindicatos patronais, queapelaram para a legislação repressiva do regime militar(apoio à intervenção nos sindicatos de trabalhadores e àprisão de lideranças sindicais, não aceitação da negocia-ção coletiva, demissão de líderes grevistas, realização delistas negras de trabalhadores demitidos, definição de ummanual de procedimentos homogêneos entre os empresá-rios diante da mobilização dos trabalhadores, etc.).

A segunda vertente procurou inovar. Rapidamente in-centivou a modernização dos sindicatos, com a criaçãode novas assessorias (jurídicas, políticas, econômicas esindicais), a contratação de assessores especializados nanegociação com os sindicatos de trabalhadores e o apoioao desenvolvimento de cursos de capacitação de empre-sários para uma nova fase das relações capital-trabalho.No plano político, buscou articular lobbies no Parlamen-to e nos ministérios da Fazenda, Planejamento, Indústriae Comércio, Agricultura e Trabalho, com vistas à defesade interesses econômicos patronais – como uma políticasalarial e uma legislação sindical menos repressivas.6

Atuação Defensiva nos Anos 80

Logo no início dos anos 80, com a crise da dívida ex-terna, uma parcela importante dos empresários pertencen-tes às instituições sindicais corporativas e às associaçõescivis pronunciou-se contrária à adoção das políticas re-cessivas embutidas nos programas de ajustamento esta-belecidos pelas autoridades do governo militar, em con-cordância com as metas do Fundo Monetário Nacional.O Fórum da Gazeta Mercantil, que reuniu os dez maisvotados líderes empresariais do país à época, registrou umaposição patronal contrária à condução da política econô-mica nacional.

É importante destacar, todavia, que as posições do gru-po de renovação das entidades patronais não foramcontinuamente de oposição. A desaprovação, quandoexistente, não avançava limites nem transformava os em-

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presários em inimigos do regime. O pragmatismo diplo-mático das posições se revelava uma constante dentro dasituação de renovação das lideranças empresariais.

Com o fim do regime militar e o advento da Nova Re-pública, não foi possível constatar a definição de umaproposta geral de reordenamento da nação por parte dosempresários, coordenada por suas respectivas entidadesde representação e intermediação de interesses. Prevale-ceu a continuidade da prática de negociações comparti-mentalizadas entre grupos econômicos e esferas gover-namentais específicas, mesmo com a tentativa inglória dacriação de uma entidade que congregasse todo o setorempresarial (União Brasileira dos Empresários, em 1987).

A debilidade do sistema político nacional impediu, decerta forma, a incorporação de interesses organizados porparte das lideranças empresariais num plano neocor-porativo de negociações. Mesmo assim, observou-se a pre-sença de vários representantes empresariais no Congres-so Nacional. Da mesma forma, cresceu a atividade delobby empresarial, refletindo os esforços direcionados àformulação de propostas e mais precisa representação dosinteresses patronais.

No plano sindical, o grupo de renovação das liderançasempresariais optou pela ampla modernização das entidadescorporativas, através do desenvolvimento de novas estrutu-ras internas, reaparelhamento técnico, aperfeiçoamento dasassessorias (jurídica, parlamentar, econômica, comercial,entre outras) e de estudos e pesquisas sobre a realidade dossetores de atividade. Em parte, as associações corporativaspatronais tiveram de se preparar rapidamente para atender àação também renovada e crescente do novo sindicalismotrabalhista, em um cenário de aprofundamento do processode democratização nacional.

A manutenção, ao longo dos anos, de uma estruturasindical corporativa praticamente intacta, mesmo com aredemocratização do país e a aprovação da nova Consti-tuição Federal em 1988, permitiu que continuasse aumen-tando o número de sindicatos patronais. A presença desindicatos patronais é generalizada em todo o país, em-bora sua importância seja regionalmente desigual.

Apesar das divergências, prevaleceu uma certa identi-dade entre as entidades patronais na definição de umapostura contrária, em geral, à mudança do sistema de re-lações de trabalho, sobretudo no que diz respeito à passa-gem da unicidade para a pluralidade da organização dossindicatos e à subordinação financeira (recursos parafis-cais) da estrutura de representação dos interesses empre-sariais. Ao mesmo tempo, houve também manifestaçõesde intolerância quanto ao alargamento constitucional dosdireitos trabalhistas.7

Constatou-se, mais uma vez, uma perda de oportuni-dade na implementação de um sistema democrático de

relações de trabalho, esquecido durante a Constituição de1988. A manutenção das formas tradicionais de represen-tação patronal, com acesso restrito às esferas estratégicasdo governo para negociações de interesses setoriais, ga-rantiu as condições básicas para a formação de novos sin-dicatos. Talvez por isso, o aumento continuado do núme-ro de sindicatos patronais revele a constante necessidadede fragmentação da estrutura sindical, como marca dagarantia de uma representação constituída com base naexpressão dos interesses setoriais e localizados.

Em 1989, o número de sindicatos patronais em todo opaís era estimado em 3.436, o que significava um acrés-cimo de 664 em relação ao ano de 1974. Destes, 556 eramdo meio urbano e 108 do meio rural, no período 1974-89.Já no período 1966-74, ocorreu um movimento em senti-do contrário, ou seja, o número de sindicatos patronaisurbanos aumentou apenas em 18 e o de rurais em 1.225.

É interessante destacar também que a proliferação desindicatos patronais no meio urbano ocorreu justamentedurante uma fase de estagnação das atividades econômi-cas. O baixo dinamismo da economia brasileira se refle-tiu, por exemplo, no comportamento dos estabelecimen-tos industriais, que apresentaram crescimento entre 1970e 1980, desaceleração em 1980-83 e baixo crescimentoem 1984-89.

O crescimento do número de sindicatos patronais, des-vinculado da situação econômica, revela uma ruptura darelação entre organização patronal e base econômica. Aestagnação das atividades econômicas nos anos 80 nãoconteve a criação de sindicatos, que se multiplicaram,talvez, em função da expectativa de atuarem de maneiramais particularista no plano das esferas governamentais.

Apesar disso, o sindicalismo patronal atuou organizada-mente sem perder a dimensão das questões estratégicas na-cionais, sobretudo aquelas voltadas ao conjunto do empre-sariado, representado pela estrutura sindical oficial. Ao longodos anos 80, as instituições patronais prosseguiram narenovação de seus quadros técnicos e de assessorias e desuas lideranças sindicais. Podem ser destacadas as açõesvoltadas: à criação de centros de informações e de pes-quisas sistemáticas sobre economia e relações de traba-lho (emprego, salário, greves, lideranças sindicais, etc.);à capacitação de assessores voltados à prática da nego-ciação coletiva e ao ajuizamento de dissídios coletivosna Justiça do Trabalho; ao apoio a políticos que repre-sentassem os interesses patronais (Albano Franco, Gui-lherme Afif Domingos, Tasso Jereissati, entre outros); àconstrução de entidades de cúpula para homogeneizar,quando possível, atuações conjuntas (União Brasileira dosEmpresários, Movimento Nacional pela Livre Iniciativa,Grupo de Mobilização Permanente, Pensamento Nacio-nal das Bases Empresariais, entre outros); e à ampla di-

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vulgação das opiniões das lideranças patronais (revistas,jornais, boletins, campanha na mídia, etc.).8

Reacomodação e Crise nos Anos 90

O processo de reestruturação empresarial teve seu cursoretomado recentemente, já que o movimento lançado pe-las grandes empresas estrangeiras, ainda no final da dé-cada de 70, havia sido bruscamente abandonado devidoao conjunto de medidas de ajustes macroeconômicos im-plementados no período pós-1980, que levou a um novoimpulso na substituição de importações. Nos anos 90,contudo, o processo de reestruturação passou a ocorrersobre novas bases da economia nacional, atingindo gran-de parte das empresas.

Os efeitos ainda não são muito claros, podendo serconstatados indicadores tanto positivos (modernização deempresas) quanto negativos (desintegração da cadeia pro-dutiva nacional). Talvez por isso, o processo em cursomereça uma melhor avaliação.

Em primeiro lugar, trata-se de uma alternativa de re-organização da economia brasileira, diferente do antigoprojeto de industrialização nacional, que se direciona àconsolidação de um parque produtivo integrado e diver-sificado e ao fortalecimento do mercado interno. O pro-jeto em curso não estabelece grandes diferenciações en-tre os mercados interno e externo, pautando-se pela buscada modernização e maior competitividade.

Em segundo lugar, o conjunto de instrumentos utiliza-dos não se apega, como no passado, à presença de políti-cas industrial ativa, comercial defensiva e social com-pensatória. A condução das políticas nacionais é passiva,o que significa dizer que diante da maior exposição doparque produtivo à competição internacional, aos empre-sários cabem ajustes microeconômicos (esfera de deci-são estritamente empresarial), voltados para a moderni-zação da sua empresa e elevação de sua competitividade.

Possíveis problemas como moeda apreciada, taxas dejuros incompatíveis com as registradas no mercado inter-nacional, ausência de bancos adequados ao financiamen-to de longo prazo e infra-estrutura satisfatória, entre ou-tros, são considerados constrangimentos gerais, que devemser enfrentados individualmente pelos agentes econômi-cos. O Estado, ao procurar descomprometer-se de váriasfunções de natureza econômica, deixa de dar respostas àstensões de ordem empresarial.

Assim, a dinâmica econômica endogenamente deter-minada perde importância diante do comportamento daeconomia internacional. Nesse novo contexto, empresase setores econômicos que não conseguem se adaptar ra-pidamente tendem a reduzir de tamanho ou mesmo a de-saparecer, podendo provocar rompimento da cadeia pro-

dutiva (desintegração) e até desindustrialização (passa-gem de uma estrutura produtiva complexa para uma es-pecializada, conforme espaços nacionais obtidos na eco-nomia mundial).

Nesse sentido, observa-se uma ampliação do grau deheterogeneidade no interior da cadeia produtiva nacional,fundamentalmente com a modernização quase exclusivados grandes grupos econômicos, sendo a maior parte in-ternacionalizados. A recomposição patrimonial que sesegue nos anos 90 torna extremamente difícil a atuaçãodas instituições sindicais patronais, pois amplia a hetero-geneidade dos atores sociais entre uma massa de peque-nos negócios e uma minoritária parcela de grandes gru-pos econômicos internacionalizados.

Um certo esvaziamento das instituições sindicais pa-tronais é acompanhado de uma perda relativa de impor-tância dos atores sociais empresariais na agenda gover-namental, salvo por ações intempestivas na forma deprotestos ou manifestações de apoio governamental. Fatoemblemático dessa dura realidade foi a reunião de em-presários promovida pela principal instituição de repre-sentação de interesses dos industriais, a Fiesp, na capitalfederal, com mais de dois mil participantes de todo país,em que se reivindicou a realização de reformas e algu-mas proteções ao setor econômico, sem se obter, entre-tanto, êxito imediato. O mesmo parece ocorrer em rela-ção às mais recentes manifestações patronais, a primeiracontra a política macroeconômica do governo, em tornodo estabelecimento de condições isonômicas de compe-tição (crédito subsidiado, câmbio desvalorizado e prote-ção comercial); a segunda pela redução da carga fiscal; ea terceira em favor da realização de reformas constitu-cionais.

Em contrapartida, são constantes as manifestações deapoio às ações governamentais, através de seminários,almoços e reuniões. As datas de comemoração dos ani-versários de implantação do Plano Real têm sido, entreoutras oportunidades, exemplares na difusão de declara-ções favoráveis à agenda governamental. Com isso, o sin-dicalismo patronal foge da responsabilidade pela defesado parque produtivo nacional, ao contrário do que ocor-reu até o início dos anos 70.

Essa postura oscilante das lideranças patronais podeser identificada, em certo sentido, nas raízes de renova-ção das entidades patronais nos anos 70. Naquela época,uma parcela importante das lideranças empresariais atuouna formação de uma postura favorável ao processo deprivatização da economia, redução do tamanho do Esta-do e de redefinição do padrão de desenvolvimento indus-trial montado a partir da década de 30. Mas somente apartir de 1990, com o rompimento forçado da chamadatríplice aliança, que mantinha articulada e integrada des-

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de a segunda metade dos anos 50 a estrutura industrial(capital privado nacional e internacional e empresas es-tatais), passou a haver maior especialização da produçãoe ampliação das empresas estrangeiras sobre as de ori-gem nacional. Ao mesmo tempo, encadeou-se um pro-grama de privatização e de redução do papel do Estadona economia.9

Apesar disso, a permanência de um padrão fragmenta-do e diversificado de representação de interesses patro-nais dificulta sobremaneira o estabelecimento de progra-mas nacionais abrangentes de articulação das açõesempresariais. Prevalece, cada vez mais, como uma açãovoltada para a diferenciação da representação empresa-rial, com ações focalizadas, descentralizadas e de presta-ção de serviços.

A persistente proliferação de novas entidades patro-nais contribui para o fortalecimento de uma estrutura duale para a abertura de espaço competitivo entre liderançasnovas e velhas, especialmente no que diz respeito ao esti-lo de ação e estratégias de longos prazos. O surgimentode entidades nacionais (Pensamento Nacional das BasesEmpresariais e Instituto de Estudos para o Desenvolvi-mento Industrial) e regionais (Institutos Liberais) revela,por exemplo, o aprofundamento da pluralidade e diferen-ciação nas cúpulas empresariais, atendendo, de certa for-ma, aos problemas específicos, que marcam cada vez maisa heterogeneidade da estrutura econômica e, por conse-qüência, a separação entre grande e pequeno empresárioe as estratégias de mercado nacional e internacional.10

O recente aumento na heterogeneidade na estruturaprodutiva (inter e intra-empresa) parece ser resultado domovimento de modernização e de maior competitivida-de, acompanhado da desestruturação de parte das cadeiasprodutivas. As diferenças regionais ganham novas dimen-sões, tornando mais difícil o exercício da representaçãodos interesses de empresários pela própria estrutura sin-dical corporativa, seja ela setorial, municipal, regional ounacional.

A criação de novos sindicatos patronais é intensa, a talponto de alcançar, em 1996, o número expressivo de 4.885entidades, representando um aumento de 1.304 novas or-ganizações patronais em relação a 1992 (uma média anualde aumento de 261 sindicatos em quatro anos). Por faltade razões claras de ordem infra-estrutural, a explicaçãoparece residir na diferenciação dos interesses e na maiorfragmentação das estratégias de ação impulsionadas pe-las mudanças econômicas em curso.

Entre 1987 e 1992, por exemplo, houve um crescimentode 111 sindicatos patronais, paralelamente a uma redu-ção de 229 entidades do meio rural e o aumento de 340entidades no meio urbano. Com isso, os sindicatos deempregadores urbanos passaram a representar 54,1% do

total das entidades existentes em 1992, 4,6 pontos per-centuais a mais que em 1987.

A distribuição dos sindicatos por grandes regiões geo-gráficas refletiu, em parte, as variações na quantidade dossindicatos no meio rural. As regiões Sul, Sudeste e Norteaumentaram suas participações relativas no total dos sin-dicatos, enquanto Nordeste e Centro-Oeste perderam par-ticipação relativa. Estas regiões, que representavam jun-tas 31,5% do total dos sindicatos em 1987, passaram arepresentar 27,9% em 1992, enquanto a participação dasregiões Sul e Sudeste chegou a 66,5% nesse mesmo ano(2,4 pontos percentuais acima de 1987).

A expansão no número de sindicatos não se concen-trou naqueles com maior quantidade de associados. Aocontrário, entre 1987 e 1992, como se observa no Gráfi-co 1, a criação de sindicatos patronais estava associadaàqueles com menor quantidade de associados, o que mos-tra possibilidade de redução da representatividade em ter-mos das empresas filiadas.

GRÁFICO 1

Evolução dos Sindicatos, segundo o Número de AssociadosBrasil – 1987-1992

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

No período 1987-92, as entidades na faixa de 5.001 a2.000 associados apresentaram uma redução de 62 sindi-catos, enquanto as entidades patronais com até 500 asso-ciados aumentaram em 186 entidades. Esses dados suge-rem uma fragmentação e uma diversificação ainda maioresdos interesses patronais no período recente.

Além do movimento de multiplicação e de diferencia-ção das entidades patronais, produzido pelo sistema sin-dical corporativo, identifica-se na estrutura paralela(extracorporativa) de representação e intermediação deinteresses patronais traços gerais de ampliação da fragmen-tação. No setor financeiro, por exemplo, a constituição de

81,7

14,8

3,0 0,5

84,0

12,6

3,1 0,30

6

121824

3036

42

4854

606672

7884

até 500 501 a 2.000 2.001 a 10.000 mais de 10.000

1987 1992

Em %

Número de Associados

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associações paralelas de representação e intermediação deinteresses revelou-se profícua. Entre as décadas de 60 e80, por exemplo, foram criadas 13 novas entidades patro-nais de caráter nacional no setor financeiro, sendo cinconos anos 60, três nos anos 70 e cinco nos anos 80.11

Outra característica do padrão de representação patro-nal é a forte presença de sindicatos de criação relativa-mente recente, apesar de quase sete décadas de existên-cia de uma estrutura sindical corporativa no Brasil. NoGráfico 2, pode-se observar que a maior parte dos sindi-catos existentes em 1992 foram fundados entre as déca-das de 60 e de 90, período em que o país completou ociclo de industrialização (1956-80) – que recentementefoi interrompido (pós-1990). Com exceção das entidadesdo setor de serviços, nota-se também que nos setores agrí-cola e industrial a presença de sindicatos com data de fun-dação mais recente é bem maior.

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

PERFIL DA ATUAL AÇÃO SINDICAL

A conformação de uma estrutura dual de representa-ção e intermediação de interesses patronais no Brasil cons-titui uma das principais características do desenvolvimentodo sistema corporativo de relações de trabalho no Brasil.Além disso, pode-se também destacar: a manutenção deuma estrutura organizacional fragmentada com crescentediversificação dos interesses patronais; os constrangimen-tos estruturais e infra-estruturais à existência de um po-deroso e independente sindicalismo patronal; a ausênciade entidades nacionais de cúpula, com ampla capacidadede representação e intermediação dos heterogêneos inte-resses patronais; e a persistência de um padrão de ação

sindical restrita e particularista, voltada ao curto prazo(setorialização das demandas e negociações compartimen-talizadas).

Essa forma multifacetada de organização dos interes-ses patronais, que supera ou suplementa o marco legal,tem sido cada vez mais questionada por força das recen-tes transformações econômicas. Com interpretações di-vergentes, muitas vezes identificadas com uma estruturade representação em estado terminal, o sistema corpora-tivo de relações de trabalho segue em frente, deixandoclaras as limitações e potencialidades na aglutinação dosinteresses patronais.

Não obstante o papel privilegiado das entidades patro-nais na consolidação e manutenção do regime democráti-co e pluralista, bem como a ação ativa na representaçãodos interesses empresariais, limitada sempre aos contor-nos da estrutura sindical corporativa, cabe indagar sobrea eficiência e eficácia dessas instituições na atualidade. Ésabido que o país dá sinais inegáveis de ter ingressadoem uma nova fase de reorganização econômica – rom-pendo drasticamente com o padrão de desenvolvimentodas décadas de 30 e 70 –, direcionada à montagem de umaampla, diversificada e integrada planta produtiva, restri-ta ao mercado interno e o menos dependente possível doexterior.

Com isso, se está levantando como hipótese norteadorade um questionamento mais efetivo sobre a eficiência eeficácia das ações das organizações patronais, num con-texto de abertura comercial e financeira e de maior com-petitividade externa, de reconversão industrial, de incor-poração tecnológica e de reordenação da ação do Estado.O mundo empresarial em transformação rápida e profun-da não parece contemplar apenas e tão-somente açõesempresariais segmentadas e negociações bipartites esetorializadas, conforme o padrão corporativo tradicio-nal e o desenvolvimento industrial passado.

A manutenção ou alteração pontual ou profunda doatual sistema de relações de trabalho envolve, a priori,uma definição, a mais abrangente possível, por parte dasatuais lideranças patronais. Independentemente disso, asmudanças econômicas seguem seu curso, principalmenteaquelas que dizem respeito às transformações no nívelmicro da empresa, como resultado da introdução de no-vas tecnologias, terceirização, adoção de novos progra-mas de gestão da produção e da mão-de-obra, descentra-lização, regionalização da produção, entre outros.

A seguir, procura-se simplificadamente apresentar umperfil geral da organização e atuação sindical patronalrecente no Brasil. Destacam-se, como referências do per-fil das entidades patronais, a assimetria entre base econô-mica e organização sindical; a descentralização e a dife-renciação das organizações sindicais; a fragmentação na

GRÁFICO 2

Período de Fundação dos Sindicatos ExistentesBrasil – 1930-1992

Em %

1,1

18,9

80,0

1,05,3

93,7

0,6

41,9

57,5

1,2

47,851,0

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

até 1930 1931 a 1960 1961 a 1992

Brasil Agricultura Indústria Serviços

Anos

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representação; a ação assistencial; e a burocratização daatuação sindical.

Assimetria entre Base Econômica eOrganização Patronal

A estrutura sindical de um país tende a relacionar-se,na maioria das vezes, tanto com o arcabouço institucio-nal (condicionalidades infra-estruturais) que estabelece asnormas mínimas de funcionamento das organizações pa-tronais, quanto com a base econômica em que operam asempresas e os empresários (condicionalidades estruturais).No Brasil, a avaliação direta sobre as bases da economiae da organização sindical patronal revela a existência deassimetrias relevantes.

A relação entre a distribuição do Produto Interno Bru-to, dos estabelecimentos empresariais e dos sindicatospatronais permite identificar, numa primeira aproxima-ção, diferenças significativas. O setor primário da econo-mia, por exemplo, é responsável por 11,0% do PIB na-cional e 2,1% do total de estabelecimentos, concentrandoquase 43% do total de sindicatos patronais, enquanto osetor urbano é gerador de 89,0% do PIB e responsávelpor 97,9% dos estabelecimentos e ainda por 57,5% dossindicatos. Ao mesmo tempo, o setor terciário da econo-mia, que possui 33,5% do total dos sindicatos do país, éresponsável pela geração de quase 55% do PIB e por69,7% dos estabelecimentos empresariais.

O setor secundário da economia é o que menos assi-metria apresenta entre base econômica e organização sin-dical patronal. Representa quase 35% do PIB e 28,2% dosestabelecimentos, concentrando 24,0% do total das orga-nizações sindicais em 1992.

Uma segunda aproximação sobre a existência de assi-metria direta entre base econômica e organização patro-nal no Brasil pode ser observada através da análise dadistribuição geográfica dos sindicatos e dos empregado-res. De imediato, chama a atenção a presença despropor-cional da organização patronal com a distribuição dosempregadores por grandes regiões geográficas do país.

Em 1992, por exemplo, as regiões Norte e Nordesteeram responsáveis pela concentração de quase 26% dototal dos sindicatos patronais. Ao mesmo tempo, possuíamum pouco mais de 20% de todos os empregadores do país.

A menor participação relativa dos empregadores diantedas organizações patronais também pode ser verificadanas regiões geográficas do Sul e Centro-Oeste. Situaçãoinversa somente ocorre na região Sudeste, que concentra40,2% dos sindicatos patronais e 49,5% dos de emprega-dores, conforme permite observar o Gráfico 3.

Uma terceira aproximação sobre a existência de assi-metria direta entre base econômica e organização patro-

nal no Brasil pode ser observada a partir da relação entrevalor do Produto Interno Bruto e quantidade de sindica-tos. O Brasil apresenta, em relação a um grupo de paísesselecionados – África do Sul, Alemanha, Cingapura, Es-panha, Finlândia, Japão e Suécia –, o maior número desindicatos patronais (3.581).

Do conjunto de países selecionados, o Brasil registrauma posição intermediária em termos de potência econô-mica, pois apresenta o quarto maior PIB. Com relação àseconomias mais fortes, o Japão possui 489 sindicatos pa-tronais, seguido da Alemanha, com 46, e da Espanha, com165. Já em economias com menor PIB que o Brasil, pode-se mencionar a Suécia, com 27 organizações patronais,seguida da Tailândia, com 193, da África do Sul, com 110,da Finlândia, com 25 e de Cingapura, com 84.

Apesar das restrições que podem ser feitas à consis-tência das informações anteriormente apresentadas, nãose pode negar que há sérios indícios de uma grave assi-metria entre a base econômica e as organizações patro-nais no Brasil. Sem considerar as associações civis, o paíscontava, em 1992, com 3.581 organizações patronais per-tencentes à estrutura sindical corporativa. Em agosto de1996, segundo levantamento do Ministério do Trabalho,havia 4.885 entidades sindicais reconhecidas oficialmente.

A Descentralização e Diferenciaçãodas Organizações Patronais

A estrutura básica de organização dos interesses pa-tronais no país não deixa dúvidas quanto aos traços ge-rais de descentralização e de diferenciação. A estruturasindical corporativa, que disciplina verticalmente as ca-tegorias econômicas, convive com a sobreposição de ou-tras entidades civis, quase no mesmo plano de represen-tação e intermediação dos interesses patronais.

GRÁFICO 3

Composição do Produto Interno Bruto, dos Empregadores e dosSindicatos Patronais

Brasil – 1992

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

3,1

12,9

62,1

5,8

16,1

3,8

17,1

49,5

7,9

21,7

5,6

19,9

40,2

8,0

26,3

0

10

20

30

40

50

60

70

Norte Nordeste Sudeste C. Oeste Sul

PIB Empregador SindicatoEm %

Regiões

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Além dos sindicatos oficialmente reconhecidos, atuamconjuntamente múltiplas associações paralelas de caráter na-cional, regional e local, existentes em praticamente todos ossetores de atividade econômica. A estrutura multifacetadade representação de interesses patronais do país pode serrepresentada, de forma simplificada e em linhas gerais, daseguinte maneira:

- indústria: Confederação Nacional da Indústria – CNI,que engloba as federações e os sindicatos; PensamentoNacional das Bases Empresariais – PNBE; Instituto deEstudos sobre o Desenvolvimento Industrial – Iedi; Ins-tituto Liberal – IL; Associações Civis Nacionais, que com-preendem a Associação Brasileira das Indústrias Ele-troeletrônicas – Abinee, a Associação Brasileira dasIndústrias de Base – Abdib, a Associação Brasileira dasIndústrias de Máquinas – Abimaq e a Associação Brasi-leira das Empresas de Celular - Abecel;

- comércio: Confederação Nacional do Comércio, queengloba as federações e os sindicatos; Confederação Na-cional dos Diretores Lojistas – CNDL, que compreende oClube dos Diretores Lojistas – CDL; Confederação dasAssociações Comerciais – CAC, que engloba a Associa-ção Comercial – AC; Associações Civis Nacionais, quecompreendem a Associação Brasileira de Supermercados– Abras e a Associação dos Diretores de Venda do Brasil– ADVB;

- bancos: Confederação Nacional de Instituições Finan-ceiras – CNIF, que compreende a Federação Nacional deBancos – Fenaban e os sindicatos; Associações Nacionais,que englobam a Associação Brasileira dos Bancos Comer-ciais – ABBC;

- agricultura: Confederação Nacional da Agricultura –CNA, que compreende as federações e os sindicatos;União Democrática Ruralista (secções regionais e locais),Associações Nacionais (Associação dos Fumicultores doBrasil – Afubra e Sociedade Rural Brasileira – SRB).

No setor secundário da economia, por exemplo, ob-serva-se, paralelamente ao funcionamento da estrutura

sindical corporativa, a presença de associações de re-presentação de interesses setoriais nacionais (Abinee,ANFPE, Abimaq, etc.) e de outros organismos que pre-tendem representar interesses multissetoriais (Iede, PNPE,Institutos Liberais). No setor terciário, a diferenciação dasorganizações dos interesses patronais parece ser aindamaior.

Além da estrutura sindical corporativa, operam asso-ciações extracorporativas (Confederações das AssociaçõesComerciais – CAC e Confederação Nacional dos Clubesde Diretores Lojistas – CNCDL) e associações setoriaisde caráter nacional (Abras, ADVB, etc.). A situação nãoparece ser diferente para os banqueiros e os empresáriosdo setor agrícola.

Diante da ausência de indicadores adequados da quan-tidade exata de associações civis patronais, não há condi-ções de avaliar a quantidade total. Pode-se concluir, con-tudo, que quanto maior a diversidade e descentralizaçãodas inúmeras entidades patronais menor o potencial depromoção da ação sindical voltada à melhor representa-ção e intermediação dos interesses empresariais.

A heterogeneidade na base econômica, identificada apartir das desigualdades no tamanho de empresas do mes-mo setor, das diferenças setoriais e regionais expressivas,de certa forma, termina sendo reproduzida pela estruturade representação e intermediação dos interesses patronais.A própria estrutura sindical corporativa, ao estabelecer aorganização de sindicatos a partir do conceito de catego-ria econômica e base mínima geográfica municipal, con-tribui para a ação descentralizada, particularista e restritadas organizações patronais.

Conforme a Tabela 1, pode-se observar que 77% dasorganizações sindicais patronais do país possuíam basegeográfica municipal ou intermunicipal em 1992. No meiorural, a presença de sindicatos de base geográfica muni-cipal ou intermunicipal é maior que no meio urbano.

Em todo o país, menos de 1% dos sindicatos patronaistem base geográfica nacional. As entidades urbanas combase geográfica estadual atingiram, em 1992, quase 37%

TABELA 1

Distribuição dos Sindicatos, por Base GeográficaBrasil – 1987-1992

Sindicatos Nacional Estadual Municipal Interestadual Intermunicipal Total (Nos Absolutos)

1987 1992 1987 1992 1987 1992 1987 1992 1987 1992 1987 1992

Total 1,0 0,9 20,2 21,1 59,6 50,2 0,9 1,0 18,3 26,8 3.470 3.581Urbano 2,0 1,6 40,7 36,4 32,8 28,5 1,8 1,7 22,7 31,8 1.719 2.059Rural 0,0 0,0 0,0 0,3 86,0 79,6 0,0 0,1 14,0 20,0 1.751 1.522

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

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SINDICALISMO PATRONAL BRASILEIRO: AUGE E DECLÍNIO

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.Nota: TSTE = taxa de sindicalização total dos empresários (relação dos associados com onúmero de empresários); TSTEQ = taxa de sindicalização total dos empresários quites com atesouraria (relação dos associados quites com o número de empresários); TSEU = taxa desindicalização dos empresários do meio urbano (relação dos associados com o número deempresários do meio urbano); TSEUQ = taxa de sindicalização dos empresários do meio ur-bano quites com a tesouraria (relação dos associados quites com o número de empresáriosdo meio urbano); TSEeU = taxa de sindicalização dos estabelecimentos de empresários urba-nos (relação dos associados com o número de estabelecimentos urbanos) e TSEeUQ = taxade sindicalização dos estabelecimentos de empresários do meio urbano quites com a tesoura-ria (relação dos associados quites com os estabelecimentos urbanos).

No caso de cálculo da taxa de sindicalização, confor-me a quantidade de estabelecimentos empresariais, osnúmeros são outros. A taxa de sindicalização no meiourbano seria de 20,7%, se levados em consideração asso-ciados e estabelecimentos, e 13,6%, se levados em contaassociados quites e estabelecimentos em 1991.

Ação Assistencial

Uma vez identificadas as características gerais da or-ganização patronal pela estrutura corporativa e extracor-porativa, vale considerar também o tipo de ação sindicalpredominante. Para isso, avaliam-se a seguir as ações denatureza assistencial e burocratizadas desenvolvidas pelosindicalismo patronal.

Quando se contabiliza a receita proporcionada pelaestrutura sindical corporativa, chega-se à conclusão queos valores consideráveis, sobretudo se se levam em contaa renda média dos brasileiros e a arrecadação de organi-

dos sindicatos e uma proporção desconsiderável no meiorural. A expansão dos sindicatos oficiais (unissetoriais)representa o fortalecimento dessas características intrín-secas à estrutura corporativa.

Quando considerado o setor econômico predominantedo sindicato patronal (grupo econômico) e contrastadocom o seu enquadramento na estrutura sindical confe-derativa (categoria econômica), verifica-se o deslocamentoentre o sindicato oficial e a estrutura corporativa. A exis-tência de entidades patronais não filiadas às entidades decúpula da estrutura confederativa revela a dificuldade deatuação sindical centralizada, com efetividade e eficácia.Dos sindicatos patronais, menos de 44% encontram-selocalizados na estrutura confederativa. A situação pareceser mais grave nas áreas da educação e da indústria.

Representação Fragmentada

Não obstante a constatação sobre a dispersão das or-ganizações empresariais e a assimetria na relação entrebase econômica e sindicato patronal, pode-se tambémidentificar a fragilidade da estrutura sindical corporativana representação e intermediação de interesses. Nos últi-mos anos, há registro de queda do número de associados.

Entre os anos de 1988 e 1992, as organizações pa-tronais reconhecidas oficialmente perderam quase 200mil associados, sendo a maior redução verificada nossindicatos rurais (143 mil) do que nas entidades urba-nas (55 mil).

No mesmo período, o número de organizações patro-nais foi acrescido de mais 170 sindicatos. No meio rural,onde a queda no número de associados foi maior, houvea redução de 156 sindicatos, enquanto no meio urbano,apesar da menor redução na quantidade de associados,houve o aumento de 326 sindicatos patronais.

Em 1992, cada sindicato patronal possuía, em média,380 sócios, enquanto em 1988 havia 457 sócios. A quedana relação global de sócios por sindicato, nos anos 1988-92, foi de 16,8%, sendo maior nos sindicatos urbanos(-22,1%) do que nos sindicatos rurais (-9,1%).

A fragmentação na representação dos interesses patro-nais implica taxas de sindicalização não muito elevadas,ainda que se possa chegar a diferentes graus de sindicali-zação, dependendo sempre dos parâmetros utilizados nocálculo. Como se pode perceber, não é simples o cálculoda taxa de sindicalização no Brasil.

Em 1991, a taxa de sindicalização patronal seria alta(45,5%), se levados em consideração o número total deassociados e a quantidade de empresários, ou poderia serrelativamente baixa (22,7%), se levado em conta somen-te o associado em dia com o pagamento da tesouraria. Épossível que essas taxas estejam supervalorizadas, pois a

categoria ocupacional como empresário no campo não étão nítida como no meio urbano (Gráfico 4).

A taxa de sindicalização patronal é menor no meiourbano que no rural, pois enquanto a quantidade de asso-ciados é praticamente a mesma nos dois sindicatos, onúmero de empresários no campo é menor do que nascidades. Em 1991, a taxa de sindicalização no meio urba-no era de 17,9% e de apenas 11,8%, se levados em consi-deração somente os associados quites com a tesourariaem relação aos empresários.

GRÁFICO 4

Diferentes Taxas de Sindicalização PatronalBrasil – 1991

45,5

22,717,9

11,8

20,7

13,6

0

0

0

0

TSTE TSTEQ TSEU TSEUQ TSEeU TSEeUQ

Em %

Taxas

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zações empresarias em países com situação econômicasemelhante. Apesar disso, os sindicatos patronais, de certomodo, possuem uma estrutura de despesa relativamente rí-gida, de difícil compressão e com tendência ao crescimento.

Em primeiro lugar, nota-se que a maioria dos sindica-tos patronais depende relativamente pouco da contribui-ção sindical obrigatória. Conforme a Tabela 2, observa-se que quase 70% das entidades patronais sobrevivem coma contribuição sindical obrigatória, representando menosde 40% na receita total em 1992.

Para o mesmo ano, os sindicatos urbanos apresenta-vam melhor situação, já que 75% deles viviam da contri-buição obrigatória, representando menos de 40% da re-ceita total. No meio rural, 62,4% dos sindicatos patronaisviviam com menos de 40% da contribuição obrigatóriana receita total. Com exceção dos sindicatos rurais, asentidades melhoraram a situação financeira na compara-ção entre os anos de 1989 e 1992.

Em segundo lugar, pode-se dizer que a estrutura de fi-nanciamento dos sindicatos patronais tem periodicidademensal no sistema de cobrança, sobretudo no meio urbano(65,1%). Os sindicatos rurais ainda possuem um sistema decobrança com peso importante nos pagamentos anuais, o quepossivelmente está associado às safras agrícolas (40,9%).

Em terceiro lugar, observa-se que a participação dosserviços oferecidos aos associados no total dos sindica-tos patronais não é uniforme (Gráfico 5). Para os sindica-tos urbanos, o departamento jurídico é o que mais se des-taca no conjunto dos serviços oferecidos. Em 1990, porexemplo, 43,3% dos sindicatos ofereciam serviços jurí-dicos, seguidos de 18,7% com serviços de assessoria téc-nica e 11,4% com serviços de saúde.

Para os sindicatos rurais, a concentração dos serviçosoferecidos localiza-se na saúde (53,8%), seguindo-se ser-viços jurídicos e de assessoria técnica. Os gastos comcolônia de férias e realização de congressos são reduzi-dos entre os sindicatos patronais do meio rural.

TABELA 2

Sindicatos Patronais, por Participação daContribuição Sindical Obrigatória na Receita Total

Brasil – 1989-1992Em porcentagem

Sindicato PatronalMenos de 10% 11% a 39% 40% a 50% 51% a 80% Mais de 80%

1989 1992 1989 1992 1989 1992 1989 1992 1989 1992

Total 32,8 44,5 28,7 24,7 13,6 11,6 13,7 9,7 11,2 9,4

Urbano 34,9 55,8 27,4 19,0 12,4 8,4 12,2 7,8 13,1 9,0

Rural 30,5 30,7 30,1 31,7 15,1 15,6 15,3 12,1 9,0 9,9

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

A composição dos gastos pelos sindicatos patronais estádiretamente associada às finalidades pelas quais foramcriados no interior da estrutura sindical corporativa. Muitasvezes, a permanência de associados é garantida pelos ser-viços oferecidos pelo sindicato e não por sua capacidadede articulação e representação de interesses. Talvez porisso, a fragmentação da ação sindical seja uma expressãodireta da necessidade de oferta constante dos serviços aossindicalizados, o que significa a permanência de uma es-trutura rígida de gastos.

Burocratização da Atuação Sindical

A manutenção de uma estrutura pesada de funciona-mento do sindicato gera um conjunto de gastos com sede,subsede, imprensa, assistência jurídica, assessoria, entreoutros. Por conseqüência, o dirigente sindical passa a teruma rotina de atividades que enrijecem a ação sindical,no sentido de sua burocratização.

Além dos gastos oriundos dos vários serviços presta-dos pelos sindicatos patronais, cabe lembrar as despesascom manutenção de diretores e funcionários. Em 1989,

GRÁFICO 5

Composição dos Serviços Oferecidos nos Sindicatos PatronaisBrasil – 1990

9,5

1,8

11,4

53,8

43,3

24,6

2,7 0,36,6

0,8

18,712,9

0,0

20,0

40,0

60,0

Urbano Rural

Formação Profissional Saúde Jurídico

Colônia de Férias Congresso Assessoria Técnica

Em %

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SINDICALISMO PATRONAL BRASILEIRO: AUGE E DECLÍNIO

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.

45.465 44.051

1.414

24.799 23.68720.666 20.364

1.112 3020

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

Total Homem Mulher

Total Urbano Rural

72,8

5,2

66,1

55,7

69,9

6,4

39,8

17,2

0

10

20

30

40

50

60

70

80

mais de 2 gestões mais de 1 chapa na eleição

mais de 5assembléias/ano

mais 60% devotantes na eleição

Sindicato Urbano Sindicato Rural

GRÁFICO 6

Diretores Efetivos, por Sexo, em Sindicatos PatronaisBrasil – 1990

por exemplo, havia cerca de 15 mil funcionários contra-tados pelas entidades patronais, o que equivalia, em mé-dia, à presença de cerca de 4,4 empregados por sindicato.Um ano depois, a quantidade de diretores efetivos dossindicatos patronais foi estimada em 45,5 mil empresá-rios. Cerca de 55% desse contingente de diretores perten-ciam aos sindicatos urbanos.

A concentração de diretores do sexo masculino nos sin-dicatos patronais é absoluta. Cerca de 97% do conjuntode diretores de sindicatos patronais são homens. Nos sin-dicatos rurais, a presença masculina entre os diretores efe-tivos é ainda mais marcante, como mostra o Gráfico 6.

Por outro lado, mais de 90% dos sindicatos possuíamacima de oito diretores em exercício. Dos sindicatos commais de 12 diretores em exercício, 49,1% são rurais e53,6% urbanos.

As funções burocratizadas, em certo sentido, são esta-belecidas pela estrutura corporativa, quando há envolvi-mento com serviços de assistência oferecidos aos asso-ciados e há a necessidade de um conjunto de funcionárioshabilitados e dirigentes efetivos nos sindicatos patronaispara essas funções. Além disso, os sindicatos possuemdespesas relativas ao local físico de funcionamento (sede,subsede) e aos instrumentos de divulgação de informa-ções e da vocalização dos interesses patronais.

Em 1990, verifica-se que a presença de sindicatos comsede própria não é elevada nos sindicatos patronais urba-nos (32,7%). Nas entidades do meio rural, contudo, cercade 64% possuem sede própria. Além disso, mostram-setambém mais efetivos na utilização de revistas (60,8%) eboletins próprios (60,2%) do que os sindicatos urbanos.Estes, por sinal, se caracterizam por apresentar maiorconcentração de gastos na publicação de jornais (8,2%),revistas (17,8%) e boletins próprios (78,0%).

A avaliação dos indicadores referentes às atividadesde dirigente sindical possibilita levantar a hipótese de que

há um imperativo da estrutura corporativa em conformarfunções burocratizadas na representação dos interesses pa-tronais. Mas o exercício das ações burocratizadas pelo sin-dicalismo corporativo patronal implica estabilidade dodirigente sindical.

Em outras palavras, o pleno exercício da atividade dedirigente assegura, na grande maioria das vezes, a possi-bilidade de permanência em vários mandatos de direção.Nesse sentido, há uma outra característica inegável noexercício da atividade sindical, que é a permanência noscargos por mais de um mandato.

A estrutura sindical corporativa é, pela lógica de seufuncionamento, um instrumento de conservação dos in-teresses dominantes nas direções das entidades patronais.Ainda que a estabilidade dos dirigentes sindicais patro-nais seja uma fato constatado, não significa, necessaria-mente, a existência de um descolamento entre a cúpula ea base da categoria econômica. Todavia, em períodos demudanças na estrutura econômica, como a verificada nosanos 90, não há como deixar de se identificar os sinais decrise do sindicalismo patronal.

GRÁFICO 7

Participação do Presidente do Sindicato Patronal em mais de DuasGestões na Diretoria, de mais de uma Chapa na Última Eleição Sindical,

de Cinco Assembléias Durante o Ano e demais de 60% dos Votantes nas Últimas Eleições

Brasil – 1990

Um bom exemplo pode ser encontrado na ConfederaçãoNacional da Indústria – CNI, que, desde a sua criação, em1938, até os dias de hoje, teve apenas nove diferentes presi-dentes (média de 6,4 anos de gestão), excetuando-se os anosde 1961, 1962 e 1964, caracterizados pela presença de jun-tas governativas.12 Além disso, predomina a combinaçãoregional dos interesses empresariais na representação decúpula do sindicalismo patronal, o que permite manter nasestruturas nacionais o pensamento empresarial geralmentemais atrasado.

Outro componente sindical que dá estabilidade à es-trutura corporativa está associado à dificuldade de reno-

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GRÁFICO 8

Evolução do Número de Sindicatos Patronais Oficialmente ReconhecidosBrasil – 1931-96

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

5.000

31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95

Sindicato Rural Sindicato Urbano Total Sindicato

Anos(1)

vação contínua dos dirigentes patronais, salvo determi-nados momentos históricos em que há a introdução de umanova elite empresarial. Na maioria das vezes, o processoeleitoral é realizado sem a presença de chapas de oposi-ção, pouco contribuindo para o envolvimento de maiorquantidade possível de associados no processo eleitoral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil experimenta, desde a montagem e consolida-ção do sistema corporativo de relações de trabalho, a par-tir dos anos 30 até os dias de hoje, uma longa trajetóriade estabilidade nas formas de organização patronal. Sobo manto do corporativismo bilateral, que possibilita a aglu-tinação dos interesses patronais dominantes com as agên-cias governamentais, são constituídas entidades de expres-são que superam fronteiras regionais e canalizaram opiniõese interesses de uma classe emergente: os empresários. A ten-dência da crescente incorporação e fortalecimento denovas organizações patronais, dado o contínuo alargamen-to da estrutura produtiva, promovida durante o processode industrialização nacional, parece ter sido contida rapi-damente nos anos 90. Diante de uma nova fase de reorga-nização da economia nacional, as tradicionais formas deorganizações sindicais patronais apontam para o rompi-mento com o movimento histórico de aglutinação dosinteresses do conjunto dos empregadores.

Atualmente, a perda de alguns elos da cadeia produti-va e o aprofundamento da especialização da economia,promovida pela modernização dos principais grupos eco-nômicos situados no país – a maior parte internacionali-zada —, provoca uma separação ainda maior entre pe-quenos e grandes empresários, bem como entre estratégiaslocais e internacionais. A crescente heterogeneidade dosinteresses empresariais contribui para que as instituiçõessindicais patronais caminhem cada vez mais no sentidoda fragmentação e descentralização das ações, perdendocapacidade de representação específica e de poder paraaglutinar um conjunto amplo de forças no plano nacio-nal. Talvez por isso, predominam as ações pulverizadas,com queda na eficácia das mobilizações patronais em tornode interesses comuns.

Depois de ter alcançado uma fase de auge na atuaçãodefensiva dos interesses empresariais durante a segundametade dos anos 70 e o final da década de 80, o sindica-lismo patronal, ao promover um movimento de reacomo-dação de suas ações, passou a revelar sinais de crise. Nãobastasse a origem paraestatal do financiamento de boaparcela de suas atividades, o sindicalismo patronal depen-de também do Estado para garantir o monopólio de re-presentação dos interesses empresariais. Essa força ex-terna que deveria garantir a centralização dos interesses

empresariais nas instituições sindicais passa a represen-tar, cada vez mais, a fraqueza da classe empresarial na-cional diante da histórica incapacidade de articulação deseus interesses no plano das relações de trabalho e dasarticulações econômicas, bem como de manter o finan-ciamento autônomo do sindicalismo patronal no Brasil,sobretudo nas regiões menos desenvolvidas e nos setorestradicionais da economia. Atualmente, isso parece se con-cretizar inclusive nas regiões mais desenvolvidas e nossetores de ponta da economia, pois o processo de abertu-ra comercial, tal como foi conduzido, e a manutenção deum ambiente desfavorável à competição para os empre-sários nacionais acaba por solapar as bases tradicionaisdo sindicalismo patronal.

Fonte: Fundação IBGE. Elaboração do autor.(1) Os dados para os períodos 1938-1940; 1975-1986 e 1993-1995 são estimativas.

Talvez por isso, seja tão significativa ainda hoje a reaçãodas lideranças patronais contrárias a qualquer modificaçãono sistema corporativo de relações de trabalho implementa-do no país desde os anos 30, principalmente no que diz res-peito ao monopólio da representação e às formas compulsó-rias de financiamento dos sindicatos (contribuição patronalobrigatória e demais fundos parafiscais como Sesi, Senai,Sebrae). Paralelamente, a manutenção dessa posição de aco-modação das ações sindicais nos anos 90 está levando aoaprofundamento da crise na representação dos interessespatronais.

A explosão na quantidade de sindicatos patronais é umforte indício da crescente pluralidade na representação deinteresses, assim como do aumento das ações pulveriza-das e descentralizadas, que têm levado a perdas no graude eficácia e eficiência do sindicalismo. A construção deum novo sistema de relações de trabalho, o mais demo-crático possível, poderia, nesse sentido, permitir uma atua-ção revigorada por parte das entidades patronais, commaior representação e força adicional de articulação eexpressão real dos interesses do conjunto dos empresá-

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rios. Enquanto isso não ocorre, verifica-se, conforme seprocurou demonstrar neste artigo, um agravamento dacrise do sindicalismo patronal no Brasil.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

1. Ao contrário do que indica a literatura especializada sobre o tema, o sistemacorporativo de relações de trabalho no Brasil não expressa propriamente os ob-jetivos da implementação autoritária de organizações fascistas promovidos naItália, Alemanha, França e Espanha nos anos 20 e 30, que buscavam enquadrarsegmentos sociais ativos aos princípios do regime antidemocrático. Ao invés disso,a implementação de estruturas corporativas de representação de interesses orga-nizados (patronal e laboral) no Brasil buscou dar identidade e expressão a forçassociais emergentes a partir do processo de industrialização nacional. Tanto as-sim, que até o início dos anos 60, a estrutura sindical corporativa estava previstaapenas para o segmento urbano da economia. Foram os próprios segmentos ex-cluídos da estrutura corporativa que pressionaram por sua inclusão, como no casodo setor rural nos anos 60 e dos funcionários públicos nos 80. Em função disso,a implementação do sistema corporativo de relações de trabalho no Brasil pare-ce expressar muito mais uma proposta positivista de organização social, comocrítica ao predomínio, até os anos 20, das formas liberais de organização da so-ciedade vigentes no Brasil. A forte presença de mecanismos de disciplina (or-dem), de ação pública (antiliberal) e de negação de conflitos não deixa de ex-pressar a identidade positivista de apoio ao progresso social.

2. A análise econômica do período 1977-89 encontra-se em Carneiro (1991) eIpea (1990).

3. Sobre o comportamento de lideranças empresariais na segunda metade dosanos 70, ver Bresser Pereira (1974) e Velasco e Cruz (1995).

4. Personagens como José Midlin, Cláudio Bardella, Severo Gomes, AntônioErmírio de Moraes, Paulo Gerdau, Mário Garnero, Luis Eulálio Bueno Vidigal,entre outros, tiveram papel precursor na renovação das elites empresariais à frentede entidades tradicionais da estrutura sindical corporativa no final dos anos 70.Sobre isso, ver Diniz (1994) e Diniz e Lima Junior (1986).

5. A renovação nas lideranças patronais regionais e nacionais abriu espaço paraa promoção de ministros identificados com as novas aspirações empresariais(Funaro), de governadores (experiência do Ceará) e vários políticos. Experiên-cia semelhante também ocorreu com o chamado novo sindicalismo, que levou àprojeção de vários políticos eleitos e autoridades governamentais identificadascom os novos anseios dos trabalhadores.

6. A nova postura de parcela da liderança patronal pode ser encontrada em Diniz(1991) e Chaia (1992).

7. Sobre a atuação dos empresários nos anos 80 e, em especial, na Constituinte,ver Diniz (1996) e Camargo e Diniz (1989).

8. Sobre as características da atuação sindical patronal nos anos 80, ver Keller(1993) e Diniz e Boschi (1993).

9. A tríplice aliança revelava o formato de integração de distintas origens de capi-tais, sendo o privado nacional responsável pela ocupação de setores como constru-ção civil, madeiras, maquinário, vestuário, papel e papelão, bebidas, alimentos, au-topeças, entre outros; o privado internacional, atuando em setores de superioridadetecnológica, como automobilístico, pneumático, químico, de eletrônica de consumo,de material de construção, entre outros; e o estatal, nos serviços públicos (telecomu-nicações, saneamento, eletricidade) e de infra-estrutura material (siderúrgico, ferro-viário, portuário, petroquímico, aeroportuário). A ruptura da tríplice aliança levou àmaior especialização e à internacionalização da economia pós-1990. Ver Evans (1982),Comin et alii (1994) e Portugal Junior et alii (1994).

10. Sobre a atuação empresarial e seus órgãos de representação e intermediaçãode interesses, ver Diniz e Boschi (1993) e Lima e Cheibub (1994).

11. A análise sobre a situação das entidades patronais no setor financeiro podeser encontrada em Minella (1996) e Brigadão e Hansenbalg (1988).

12. Sobre a literatura que trata da CNI, ver CNI (1984 e 1988).

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O

SOLUÇÃO DE CONFLITOS COLETIVOS DETRABALHO NO BRASIL

o poder normativo e a arbitragem privada

JOSÉ EYMARD LOGUERCIO

Professor de Direito do Trabalho na Universidade de Brasília, Assessor Jurídico da CUT

Brasil mantém um sistema de solução jurisdi-cional1 de conflitos coletivos através do cha-mado Poder Normativo da Justiça do Traba-

lho. A Constituição de 1988, além de preservar o podernormativo, inseriu a arbitragem como técnica de solução.A arbitragem no Brasil nunca foi efetivamente praticadae não havia (como não há) uma legislação específica eadequada para o mundo do trabalho. Recentemente, noentanto, foi publicada a Lei no 9.307/96, que regulamentaa arbitragem privada comercial e muitos viram ali umembrião para a aplicação da arbitragem nos conflitos co-letivos. Neste artigo procurou-se estabelecer um balançocrítico dos dois sistemas de solução de conflitos, uma vezque ambos são modelos heterônomos e que, portanto, de-vem ser aplicados apenas de modo residual quando efeti-vamente se propicia a construção de modelos autônomosde solução de conflitos e se reordena a embaralhada orga-nização sindical brasileira de modo a possibilitar um sis-tema de negociação efetivo e eficaz.

O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DOTRABALHO

Poder Normativo e Flexibilização de Direitos

A questão da sobrevivência do Poder Normativo da Jus-tiça do Trabalho2 e a dos dissídios coletivos de natureza eco-nômica têm atormentado atores diferentes. Há os que defen-dem a permanência do instituto, os que defendem o fim doinstituto e os que defendem uma “revisão” do instituto.

Não há, no entanto, um corte ideológico único e preci-so a perpassar as várias posições. Ao contrário, defendemo fim do instituto atores tão diferentes quanto a CUT –Central Única dos Trabalhadores e os professores JoséPastore, Otávio Bueno Magano e Antônio Álvares da Silva.

Defendem, por outro lado, a permanência do instituto,com maior ou menor ênfase e, inclusive com alguma re-visão, atores tão distintos quanto Tarso Fernando Genro,Ricardo Carvalho Fraga, Orlando Teixeira da Costa e osdirigentes das confederações sindicais.

É impossível, dessa forma, fazer uma oposição entreas teorias flexibilistas e a manutenção dos dissídios cole-tivos. Ainda que se possa afirmar que os mentores da “fle-xibilização” ou da “desregulamentação” defendem o fimdo Poder Normativo, certo é que, entre esses e outros se-tores que defendem o afastamento da arbitragem compul-sória da Justiça do Trabalho, vai uma longa distância.

Para Roberto Santos (1993:171), “seria interessanteafastar desde logo o equívoco segundo o qual a revisãodo poder normativo está vinculada à doutrina da desesta-bilização da economia ou de desregulamentação do Di-reito do Trabalho. Certo, desregulamentação ou flexibi-lidade não constitui um risco remoto em nosso país. OGoverno Federal tentou inaugurar sua aplicação práticaatravés de um projeto de lei em 1991, ao estipular crité-rios para a negociação coletiva, a mediação e a arbitra-gem de conflitos em desconformidade com os interessesda autodefesa coletiva dos trabalhadores. Mas a flexibi-lização é uma proposta recente originária dos países maisdesenvolvidos da Europa. Ora, nesses países não existe aarbitragem judicial obrigatória de conflitos coletivos dotrabalho, muito menos um poder normativo de órgãos ju-dicantes. A solução não-estatal dos conflitos coletivos deordem econômica é bastante anterior à doutrina de flexi-bilização e há muito que a conciliação e a negociação sefirmaram como regra geral nos países altamente indus-trializados”.

Este é o patamar inicial do debate! A confusão entreflexibilização (ou das teorias desregulamentadoras) e fimdo Poder Normativo só faz afastar o aprofundamento do

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tema, com o isolamento daqueles que defendem a supe-ração não só do Poder Normativo da Justiça do Trabalho,mas também de todo o entulho corporativo de que aindapadece a nossa organização sindical.

CULTURA DO MODELO CORPORATIVO

Para os limites desse trabalho, é impossível o aprofun-damento sobre os motivos da sobrevivência do modelocorporativo até os dias atuais. No entanto, não se podefalar em revisão ou fim do Poder Normativo sem tocarnas suas origens.

O Poder Normativo da Justiça do Trabalho nasceude uma visão de sociedade e de Estado, a partir do Es-tado Novo, mas que se implantou e se desenvolveu nosdiversos períodos seguintes – de maior ou menor espa-ço democrático ou de nenhuma democracia – chegan-do aos anos 90.

As relações coletivas travadas no interior do modelo eda estrutura sindical, ainda vigente, propiciou uma ver-dadeira “cultura” de sindicalistas, advogados e juízes doTrabalho, incorporados à chamada ideologia do “traba-lho”. Criou-se uma nova visão de mundo, difícil de sersuperada pelas artimanhas que o próprio modelo possibi-lita e pela lógica do seu funcionamento.

Na construção do modelo corporativo verificou-se, deum lado, a concessão,3 através de lei, de vários direitosindividuais aos trabalhadores (férias, 13o salário, saláriomínimo, proteção ao trabalho da mulher, etc.) e, de ou-tro, a repressão à sua organização autônoma. Alguns ob-servam que nem sempre houve repressão direta, mas simapropriação indevida da “fala” dos trabalhadores, peloEstado, orientando e determinando a forma da organiza-ção dos sindicatos. Basta comparar, por exemplo, o rolde direitos sociais (ainda que existentes só formalmente)e a legislação que inibe, e que por vezes impede, a pró-pria negociação coletiva. Esta lógica – concessão de di-reitos individuais versus repressão aos direitos coletivos(e à autonomia coletiva privada) – constitui a mola pro-pulsora do corporativismo.

O que chama a atenção de muitos estudiosos é o su-cesso do discurso trabalhista, apesar das mudanças ocor-ridas nas relações coletivas de trabalho e, em especial,mesmo após o surgimento do chamado “novo sindicalis-mo”, a criação de fortes centrais sindicais e a incorpora-ção, na Constituição de 1988, do princípio da liberdadesindical. Por que o Judiciário Trabalhista e uma razoávelparcela do próprio movimento sindical continuam tãoapegados à lógica do corporativismo?

Para Gomes (1991:78), “a questão é entender que eleteve sucesso porque conseguiu reler a experiência dos tra-balhadores, apresentando os benefícios materiais (legis-lação social) concedidos pelo Estado como dádivas a que

se devia retribuir com obediência política. O sucesso dodiscurso trabalhista tem, assim, sólidas razões simbóli-cas, mas sua implementação só poderia se efetuar atravésde instrumentos organizacionais. (...)

Nesse sentido, é importante observar que a montagemde um modelo de organização sindical corporativa noBrasil começa a se realizar plenamente, não no momentoautoritário do Estado Novo, mas no período de transiçãodo pós-42. Os esforços sistemáticos das elites políticasgovernamentais desencadeiam-se quando a questão damobilização de apoios sociais tornou-se uma necessida-de inadiável ante as transformações do contexto nacionale internacional. Assim, o problema da adesão das ‘mas-sas trabalhadoras’ ao corporativismo – e sua vinculaçãocom Vargas, não se restringiu a uma lógica meramenterepressiva, ou a um cálculo utilitário por interesses mate-riais. O objetivo do discurso trabalhista e da organizaçãosindical corporativista foi mobilizar (de forma controla-da, evidentemente) os trabalhadores, preparando lideran-ças e criando seguidores”.

São mais de 50 anos de experiência corporativa acu-mulada e da formulação de uma “concepção de mundo”para juízes, advogados, juristas, sindicalistas, trabalhado-res, empresários e políticos. Em outros termos, poder-se-iadizer que criou-se um “sistema de crenças”4 que se (re)faz nas relações sociais.

Dentre as crenças que se difundiram, está a de que aJustiça do Trabalho, via Poder Normativo, consegue equi-librar a “menoridade” ou “fragilidade” sindical e que oseu afastamento representaria um prejuízo concreto paraos setores menos organizados. Roberto Santos (1993:173),contestando essa crença, afirma que “a prova empíricaexistente é no sentido de ele (poder normativo) servir ti-picamente ao controle dos salários, na medida em queexerce sobre eles uma pressão descensional”.5 O autor cita,em complemento, estudos do Dieese que revelam a que-da do salário real em período de pleno funcionamento doPoder Normativo. De outro lado, o movimento sindicalmais organizado vem abandonando, já há muito tempo, aprática do ajuizamento de dissídios coletivos, preferindocelebrar acordos ou convenções coletivas, ainda que emníveis formais inferiores às vantagens possivelmente ob-tidas, via Justiça do Trabalho.6

Assim, as mudanças ocorridas na sociedade, nos últi-mos anos, e a experiência dos novos movimentos sociaistêm gerado a necessidade de repensar todo esse “sistemade crenças”.

No entanto, a tarefa traz incertezas que não poderãoser resolvidas sem o experimento. O difícil é desapegar-se desse modelo, especialmente quando nascem as pro-postas flexibilizadoras. Os chamados grupos progressis-tas ou de esquerda7 se vêem obrigados a buscar nas origensdo direito do trabalho os argumentos para se oporem à

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frenética onda flexibilizante.8 Com isso, embaralham-sealguns conceitos e mais, impede-se o caminhar seguro nadireção da autonomia coletiva privada que se vinha dese-nhando no pólo mais ativo do movimento sindical.

Assim, não é difícil entender por que alguns setoresimportantes, ligados aos movimentos sindical e popular,ou mesmo de orientação confessadamente progressista,temem o fim do Poder Normativo. O fazem por acreditarque “com a extinção do poder normativo teremos no Bra-sil um movimento de ‘categorialização das regras’ e, ain-da, de acantonamento da produção da regra no âmbito daempresa e o que deveria ser conquista global dos traba-lhadores será conquista de um pequeno grupo de traba-lhadores dos pólos mais modernos da atividade econômi-ca” (Genro, 1992).

Porém, há um equívoco evidente nesse argumento!Basta ver que, passados mais de 50 anos de Poder Nor-mativo, a Justiça do Trabalho não conseguiu “redistri-buir” os direitos ou universalizá-los. Foi incapaz de“fortalecer” a atividade sindical exatamente porque en-fraqueceu as possibilidades de autonomia sindical e dereconstrução da cidadania do trabalhador. Burocrati-zada e distanciada da realidade, especialmente os seusórgãos de cúpula, não deu conta de enxergar o novo ede caminhar junto.9 As conquistas em dissídios coleti-vos regionais acabam por ter seu efeito suspenso, peloTribunal Superior do Trabalho, como reconheceu publi-camente o ministro Ney Doyle: “...(a SDC)... depoisde deferir, segura a cautelar e traz aqui somente no diaem que julgar a ação principal. É exatamente isso quea Seção de Dissídios Coletivos faz: impede o efeitosuspensivo, concede o efeito em cautelar e segura oprocesso” (Revista LTr, 1994:804).10 Não há, assim,segurança ou certeza jurídica de que os Tribunais con-seguem “universalizar” direitos a partir do seu PoderNormativo. No entanto, paira ainda a sensação de quea Justiça do Trabalho consegue “proteger os desiguais”(Paoli, 1994).

O esforço atual de reconstrução da autonomia cole-tiva privada passa, necessariamente, pelo desapego aosistema de crenças que ainda envolve o funcionamen-to da Justiça do Trabalho, especialmente no exercíciode seu poder normativo. Contraditoriamente nos últi-mos anos, com o enfraquecimento do movimento sin-dical, tem-se retomado uma perspectiva de judi-cialização dos conflitos.

NOVOS PARADIGMAS PARA (RE)CONSTRUIRA AUTONOMIA COLETIVA PRIVADA

Um dos mais lúcidos e instigantes trabalhos publica-dos recentemente, refletindo sobre o papel do direito e daJustiça do Trabalho, é o de Paoli (1994). Partindo-se da

premissa de que o tipo de direito criado na era Vargasestava ligado ao modelo de sociedade e de Estado que segestava em confronto com o liberalismo irresponsável daConstituição da República, constata-se que “sessenta anosdepois (esta mesma sociedade) compreende-se a si mes-ma de modo diametralmente oposto. Quem aparece hojecomo desarticulado e perdido em mesquinharias políti-cas fragmentadas é o Estado, inapto a responsabilizar-setanto pela miséria de metade dos trabalhadores do paísquanto a entender, sequer, as potenciais fontes de inova-ção e ação de uma sociedade pluralista, com fóruns dife-renciados de debate, de conflito e de consenso. Uma so-ciedade já organizada suficientemente para enunciar váriosprojetos de futuro, que circulam no espaço de uma opi-nião pública crescentemente com acesso à informação.Sessenta anos depois da implantação de uma modernida-de capitalista coercitiva e burocraticamente tutorada peloEstado, a sociedade que se formou sob sua referênciaenuncia o desejo de autonomia e de redefinir sua relaçãocom as normas e regras estatais” (Paoli, 1994:103).

O surgimento de novos centros de irradiação de direi-tos que procuraram se universalizar na prática instituintedos movimentos sindical e popular, bem como a necessi-dade de ampliar os espaços de autonomia para além daspráticas tutoradas pelo Estado, vai redefinir a relação dasociedade com o Estado. Não é crível, em contexto de-mocrático, que o Judiciário Trabalhista possa “redistri-buir” Justiça e “universalizar” direitos a partir da inter-venção compulsória através dos dissídios coletivos, issoporque a experiência dos trabalhadores com a lei e com aJustiça não confirma o discurso do seu funcionamento.

Como demonstra Paoli (1994:107-108), “é a experiên-cia da lei feita pelos trabalhadores que revela o paradoxodo fracasso dessa justiça em legitimar-se apenas pelas suasdecisões favoráveis à parte mais fraca. A memória dostrabalhadores, que lhes serve de referência para algo pró-ximo de uma cultura jurídica, registra claramente estaforma de operação da justiça. Ela opera uma ruptura en-tre a certeza que cada trabalhador tem sobre a existênciados direitos trabalhistas e a incerteza de onde se encon-tram: pesquisadores encontram a expressão ‘procurar osdireitos’, sugerindo que eles se escondem em algum lu-gar pouco visível ou pouco alcançável. Pior ainda é aexpressão ‘correr atrás dos direitos’, indicando a possibi-lidade de eles escaparem de repente, caso não se saibapor onde procurá-los ou caçá-los. Este lugar obscuro étambém altamente arbitrário em relação à forma como sedecide se os direitos vão valer ou serão ‘perdidos’, ou,algo mais aflitivo ainda, qual a forma e em que tempo osdireitos vão aparecer”.

A autora anota ainda que os trabalhadores desenvol-vem, a partir da sua própria experiência, a sua noção deJustiça, eqüidade e de direito, sendo que essa não neces-

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sariamente coincide com os critérios da Justiça do Traba-lho. “Talvez, por isso, nomeiem as disposições da Justiçado Trabalho favoráveis aos trabalhadores como doaçãode direitos (Bicalho de Souza), seguindo a única explica-ção possível para tanta externalidade e arbitrariedade: rea-tualizam a personificação do poder de decidir e doar, cujamatriz foi elaborada intencionalmente na ditadura Vargas.Assim, mais uma vez a esfera pública do exercício sociale político do julgamento é irreconhecível, e a única saídapara explicá-lo é dar-lhe o caráter privatizado da vontadede quem o enuncia” (Paoli, 1994:108).11

Ora, ao entregar para o Judiciário a solução do conflitocoletivo, com poder de arbitrar compulsoriamente os direi-tos e obrigações a serem assumidos pelas partes, bem comonormatizar as relações de trabalho por um determinado pe-ríodo, retira-se dos trabalhadores a experiência de constru-ção da sua cidadania. Os rituais da Justiça criaram “umamultidão de clientes dos direitos e não de cidadãos”; de fato,este modelo ratificou seu ‘desamparo’ político ao impor esteestilo de amparo social” (Paoli, 1994:109).

A noção de direitos desenvolvida pelos trabalhadoresna experiência e no cotidiano, bem como a consciênciade que se têm direitos (inclusive os formalmente reco-nhecidos), é fundamental à noção de democracia. Esta seconsolida na afirmação dos direitos adquiridos e na lutapor novos. Daí a importância de se observar empiricamente(e não através de nuvens filosóficas ou dos discursos fun-dantes do direito do trabalho) as relações entre a Justiçado Trabalho (especialmente pelo seu poder normativo) eos trabalhadores organizados nos seus sindicatos. A so-lução compulsória dos conflitos coletivos, via judiciáriotrabalhista, serviu, de um lado, mais à satisfação de inte-resses de categorias lideradas por direções apegadas aomodelo corporativo e, de outro, aos empresários poucodispostos ao diálogo e à negociação.

Lefort (1983:61-62) faz uma distinção oportuna entre asreivindicações fundadas na “noção de direitos” e aquelasbaseadas no que chama de “interesses”. Para Lefort, enquantoas lutas inspiradas na noção de direitos se constituem emcaminho para a sociedade democrática, em que são produ-zidos os critérios do justo e do injusto, as reivindicações fun-dadas no interesse “chocam-se umas contra as outras e re-gulam-se em razão de uma relação de força”, limitando-seaos critérios do permitido e do proibido, apoiando-se, ex-clusivamente, nas “vantagens obtidas” ou nos prejuízos in-fligidos e surgindo em conflitos conjunturais, que não sefundem. Quando os trabalhadores não são reconhecidos naprática das reivindicações, não se pode falar em direito. Este,por certo, só existe quando houver reciprocidade e reconhe-cimento dos atores sociais envolvidos.

Nessa concepção, os direitos tendem a universalizar-se (ainda que partam de fatos ou circunstâncias isoladas),enquanto os interesses continuarão sendo particulares e

identificando-se com os privilégios, que, aliás, são umtraço marcante da cultura que se desenvolveu sob inspi-ração corporativa.

Os dissídios coletivos têm se mostrado próprios para asolução de interesses (e têm servido mais para a soluçãode casos particulares do que para a generalização de di-reitos de toda a classe), ainda que, como é sabido, criemformalmente direitos para os trabalhadores. É comum aafirmativa de que os tribunais reconhecem estabilidadede 90 dias, horas extras com adicional de 100%, produti-vidade de 4% e outros direitos. No entanto, tais “direi-tos” continuam restritos a uma lógica de afastamento dostrabalhadores (porque impedem a criação, por um lado,de laços de solidariedade e, por outro, de canais legíti-mos de representação do grupo) e de ocultação desses mes-mos direitos (uma vez que a sentença normativa está in-serida em contexto procedimental complexo – publicação,recursos, cautelares para efeito suspensivo, possibilidadede ajuizamento de ação de cumprimento, etc.).

Por outro lado, é recorrente o uso do Poder Normativopara desobrigar-se do resultado do processo negocial. Oentão assessor especial do Ministério da Fazenda, sr. Mil-ton Dallari, afirmou publicamente que o governo não ad-mitirá o repasse de reajustes salariais para os preços, só ofazendo se houver concessão pela Justiça do Trabalho(Correio Brasiliense, 04/08/94). Aponta-se, nesse caso,para a utilização da Justiça como instrumento de pressãocontra os próprios trabalhadores, ou como legitimadorade uma prática de “concessão de benefícios” restrita àlógica de interesses particulares, de grupos específicos oudo próprio governo. Muitas vezes instaura-se o dissídiocoletivo apenas para conseguir os 4% de produtividade(sobretudo nas empresas públicas ou sociedades de eco-nomia mista).12 Outras vezes, instaura-se o dissídio cole-tivo para que a direção sindical não seja responsabilizadapelo fracasso da negociação coletiva. Nesse caso, se oJudiciário não conceder o reajuste pleiteado, a “culpa”recairá sobre este último.

Assim, também aqui, será preciso saber separar o queé direito (apto a universalizar-se) e o que é mero interes-se, incapaz de propiciar a inclusão dos “excluídos” nocampo da cidadania. A experiência com a lei e com a Jus-tiça do Trabalho – na via do uso de seu poder normativo– não tem propiciado essa universalização de direitos, aocontrário, não se reescreve o espaço público, da luta e dareivindicação, na delegação da solução do conflito, deforma distante e irreconhecível pelo trabalhador. O Po-der Normativo da Justiça do Trabalho tem sido incapaz,de fato, de universalizar direitos e de atuar no equilíbrioou na distribuição de proteções legais diante de estraté-gias de flexibilização e de destituição de direitos formais.

Lefort não despreza, no seu esquema conceitual, ascircunstâncias e fatos isolados que possam vir a consti-

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tuir-se em mola propulsora para unir grupos em um pro-jeto comum (capaz de universalizar-se). Não despreza,também, os direitos formalmente reconhecidos e os di-reitos adquiridos como fator que impulsiona a sociedadedemocrática (dado a importância da consciência de quese tem direitos). A diferença se dá é na articulação entre acerteza de ter direitos e a experiência de vivenciá-los. Está-se trabalhando aqui com a hipótese de que o afastamentoimposto pela solução judicial do conflito coletivo corta apossibilidade de uma boa articulação desses dois fatores.13

O que se quer, portanto, é buscar um novo lugar, a partirda autonomia coletiva privada, que se vai desenhando como afastamento do modelo corporativo e da solução juris-dicional (compulsória) de conflitos coletivos.

Está certo, por outro lado, que a empresa não poderá sero centro exclusivo de irradiação da universalização das con-quistas, sob pena de nas fronteiras da empresa o movimentosindical e os trabalhadores se esfacelarem na “lógica domercado”. Para isso existem as centrais sindicais (e toda umapossibilidade de articulações intercategoriais horizontal everticalmente) e contra essa possibilidade deve estar atentoo movimento sindical.14 Em países onde não atua o PoderNormativo não se pode dizer que houve a “categorializaçãodas regras”, como aponta Genro nas suas reflexões em defe-sa do Poder Normativo. É que o Poder Normativo, no Bra-sil, não pode sair de cena sem uma profunda alteração emtoda a estrutura sindical corporativa. No entanto, repensaressa, em contexto democrático, importa em repensar aquelanecessariamente.

Paoli (1994:114) auxilia na reflexão sobre o tema quan-do afirma que a “questão contemporânea para a legislaçãotrabalhista e para seus tribunais passa, portanto, hoje, pelomodo como ela atua ‘sobre’ os direitos e a possibilidade deoperar ‘para’ os direitos, ou seja, o modo como pratica econcebe a definição de suas garantias diante de um mercadode trabalho onde mais de um terço dos trabalhadores do paísestá de fato destituído das proteções legais mínimas codifi-cadas historicamente (...); e onde, para culminar, o processode coletivização autônoma dos trabalhadores e suas tentati-vas de instituir formas negociadas de participação esbarraexatamente na fragmentação operada pela própria lei. Pois aoperação da lei continua a impor ‘soluções’ jurisdicionaisque restringem (se é que não anulam) o diálogo instituintede canais para acordos; que inibem a capacidade de criaçãode normas; que burocratizam e banalizam a interlocução;que são ineficientes em julgar as questões corriqueiras deabusos patronais”.

Não basta dizer que o Poder Normativo tem asseguradovários direitos individuais. É preciso ir além e verificar comoos trabalhadores têm experimentado esses direitos e de queforma a atuação do Judiciário trabalhista, via Poder Norma-tivo, tem servido para a afirmação da autonomia dos traba-lhadores e para a construção da sua cidadania.

OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

A qualificação de “novos” aos movimentos sociais sefez, na sociologia, a partir da identificação de traços mar-cantes nos movimentos sociais populares a partir da dé-cada de 70. Marilena Chauí, ao responder a pergunta:“Por que sujeito novo?” diz: “Antes de mais nada, por-que criado pelos próprios movimentos sociais popularesdo período: sua prática os põe como sujeitos sem que teo-rias prévias os houvessem constituído ou designado. Emsegundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo edescentralizado, portanto, despojado das duas marcas quecaracterizaram o advento da concepção burguesa da sub-jetividade: a individualidade solipsista ou monádica comocentro de onde partem ações livres e responsáveis e osujeito como consciência individual soberana de onde ir-radiam idéias e representações, postas como objetosdomináveis pelo intelecto. (...) Em terceiro, porque é umsujeito que, embora coletivo, não se apresenta como por-tador da universalidade definida a partir de uma organi-zação determinada que operaria como centro, vetor e elosdas ações sociopolíticas e para a qual não haveria pro-priamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da má-quina organizadora” (Chauí, 1988:10-11). Esses novosmovimentos sociais surgiram em meio à crise dos “anti-gos centros organizadores” que são “desfeitos e refeitossob a ação simultânea de novos discursos e práticas queinformam os movimentos sociais populares, seus sujei-tos” (Chauí, 1988).

São sujeitos novos ainda porque tendem a “romper coma tradição sociopolítica da tutela e da cooptação e, porisso mesmo, fazendo a política criar novos lugares paraexercitar-se” (Chauí, 1988).

Procurou-se instaurar uma nova prática social e políti-ca construída no cotidiano para a defesa de direitos e ex-pressão de vontades, organizando, dessa forma, uma iden-tidade coletiva que decorre dessas práticas cotidianas eque desloca o político para todos os lugares.

A marca distintiva desses novos sujeitos é a forma deconstrução da sua identidade e subjetividade. Esses su-jeitos qualificaram-se como coletivos, uma vez que con-seguiram construir uma identidade cotidiana na busca daemancipação política e na reafirmação de sua cidadania.Pretendiam romper as amarras cotidianas para viver me-lhor e com dignidade e, a partir do trabalho, conquistar acidadania. Maria Inês Rosa, em interessante estudo, pro-cura identificar o espaço de trabalho como locus ao mes-mo tempo público e privado, onde se vão tecendo as re-des que enlaçam os sujeitos e os aproximam criandoidentidades. É espaço privado à medida que identifica olocal de trabalho como um “segundo lar” e cria relações(inter) pessoais que não se limitam às relações de traba-lho. Reproduz-se, em certa medida, a própria vida domés-

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tica no ambiente de trabalho e vice-versa. Diz a autoraque “a imagem transmitida pelo trabalhador do espaço nolocus de trabalho tem como referente a imagem do espa-ço de convívio familiar. É como se deste se deslocassemas relações interpessoais (intersubjetivas) e o convívio parao espaço no locus de trabalho, pois é aqui que (trans)correa maior parte do tempo de sua existência” (Rosa, 1994:68).

O espaço doméstico invade o espaço da produção e se(re)criam relações que constroem a subjetividade desses tra-balhadores no agir pessoal e coletivo e na construção da suaconsciência de direitos, redefinindo o que se convencionoua chamar de espaço público e privado. “O trabalhador apro-pria-se do espaço deste locus como espaço de convívio en-tre si – espaço privado – na relação que tece com os resulta-dos de seu trabalho e com o tempo de trabalho em relaçõesde trabalho que tentam reduzi-lo à força física (...) e dócil. Eesta apropriação que é (re)invenção se efetua porque, antesde tudo, é o locus de trabalho espaço público. Aqui pensa-mos este espaço como manifestação do público conformeArendt que enfatiza o seu caráter de construção pelos ho-mens de um mundo comum, pelo agir em comum graças àação e ao discurso, (re)afirmando a condição humana dodireito a ter direitos. Contudo, para a autora (Arendt), a nãodistinção do privado do público e o avanço sobre este doprimeiro expulsam o agir em comum dos homens ou o com-partilhar de um mundo onde tem lugar a pluralidade entreos homens, assegurada pelo direito a ter direitos (Lafer, C.A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo, Compa-nhia das Letras, 1988, p.153-154). Deste modo, o públicoprivatizado é o campo da mera necessidade – do labor – enão mais do agir em comum e, portanto, do direito a ter di-reitos dos homens. O social é redescoberto por este campo eos homens são descartáveis (supérfluos), perdendo a sua hu-manidade. Contudo, é possível retomarmos o caráter públi-co enquanto construção (liberdade) pelos homens de um mun-do comum – agir em comum – graças ao discurso e a ação(re)afirmando a condição humana do direito a ter direitos,enfatizado pela autora. Assim, consideramos o locus de tra-balho como espaço público. Este é o campo de ‘ação e dediscurso’ do trabalhador contra a sua redução, ainda naspalavras da autora, a operário, a animal laborans, a mera-mente ser que labora. No seu agir, o trabalhador (re)afirmaa sua humanidade, ou seja, o direito a ter direitos e, portan-to, (re)afirma o aparecer em público do agir em comum noespaço do locus de trabalho, tentanto limitar o exercício dopanóptico, do poder normalizador. Em uma palavra o locusde trabalho é a ‘esfera’ pública dos conflitos, das oposições,das resistências – das batalhas – travadas pelo trabalhadorcontra essa redução” (Rosa, 1994:117-118).

O espaço da produção passou a ocupar, assim, lugarcentral nas investigações da sociologia e ciência política,à medida que se pôde identificar um novo sujeito surgin-do nas relações que não se reduziam ao meramente eco-

nômico. O “direito a ter direitos” não era só uma ficção,mas passou a representar um modo de reivindicação eparticipação dentro e fora da fábrica.

Novas formas jurídicas foram experimentadas na cria-ção das comissões de fábrica, com a elaboração de meca-nismos extra-estatais de solução de conflitos no local detrabalho.15 Também para o direito e para a pesquisa jurí-dica, o espaço da produção constitui um local importantepara o reconhecimento quer de uma pluralidade jurídica(já reconhecida no âmbito das fontes formais do direitodo trabalho), quer de novas tensões e conflitos que exi-gem novos mecanismos de solução.16

Nesse espaço não só se constroem as relações de sub-jetividade, mas também demarcam-se as relações de po-der. A luta contra o poder “normalizador” das chefias, porexemplo, desafia a regra positivista da fonte estatal exclu-siva do Direito. As resistências no cotidiano do trabalhocolocam em xeque a exclusividade do “poder diretivo doempregador”, traçando novos limites para o jus variandi,pedra de toque da subordinação jurídica. Há, de todo modo,no espaço da produção, a criação de direitos (e não a suamera reprodução) que se contrapõem ao direito estatal ou,outras vezes, uma noção difusa de justiça e de cidadaniaque invoca o direito posto como única forma (simbólicaou real) de lutar contra o poder normalizador.

Esses direitos podem estar, inclusive, institucionaliza-dos, mas em confronto com o direito praticado no âmbitoda produção (fábrica). Não raras vezes, o trabalhador sevale da “lei” para neutralizar o poder normalizador, comose percebe nessa passagem:

“(...) Porém o diretor do sindicato não se deixa ven-cer pelas táticas do poder normalizador praticadaspor aqueles e recorre ao direito:– então eu fui obrigado a abrir um processo contraa empresa.

No primeiro julgamento de conciliação, aempresa não faz acordo.– deu um NÃO como se a outra ... o outro ladofosse simplesmente um objeto que estivesse ali,sabe, não sei se pela autoridade que ela se acha terou tem, não sei, simplesmente falou NÃO.

(...) Nesse primeiro julgamento do proces-so, o trabalhador sai vitorioso, contudo a direçãoda empresa o chama para fazer um acordo, o qualconsistia em:– ‘você tira o processo.’ Eu falei: eu tiro, só queeu quero ganhar o que a pessoa ganhava na época(quando há mais de dois anos assumiu a função deencarregado). Não, isso não pode. Então não exis-te acordo.O processo durou de 3 a 4 anos. Considerando os doisanos trabalhados na função de encarregado e maisestes anos, são mais de 6 anos lutando o trabalhador

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pelo direito da promoção salarial. Na luta por estedireito, o diretor do sindicato também combate os nãolimites do poder normalizador exercido pela chefiaimediata e superior, ou seja, o contradireito que tentasujeitá-lo, vencer as suas forças de insubmissão naafirmação de sua condição do direito a ter direitos.Finalmente ganha o processo e obtém o direito dapromoção salarial.O trabalhador teve o seu direito de promoção sala-rial na função de encarregado garantido e legiti-mado pelo direito, aparecendo este como limitati-vo ao abuso de poder por parte da direção daempresa. No entanto, o próprio funcionamento dopoder no nível do direito é o de não-limitação defato deste abuso, a não ser no nível de seu discur-so, ou seja, de suas regras gerais e formais. Por isso,continua a direção da empresa no exercício de nor-malização da conduta do trabalhador, de suas for-ças de insubmissão, pois são estas a serem derro-tadas” (Rosa, 1994:134-136).

Essa passagem do texto de Maria Inês Rosa mostracomo, nas relações de trabalho (produção), criam-se re-gras próprias convertidas em poder de normalização daconduta do trabalhador. A utilização, muitas vezes sim-bólica, da lei e do direito institucionalizado, serve comopossibilidade de contestação daquele poder. A constru-ção de uma legislação do trabalho rígida e altamente re-gulatória criou essa ilusão.17 No entanto, o próprio exem-plo dado desmente a eficácia do excesso de regulaçãocomo forma de conter o poder normalizador do “direitoda produção”.18 Depois do trabalhador lutar por mais dequatro anos, na Justiça, obteve êxito na ação, mas o em-pregador o transferiu de turno, recomeçando uma novaetapa no processo de sujeição.

Nesse sentido, a relação do trabalhador com a lei é umarelação contraditória. A lei serve ora para oprimir, ora paralibertar. Muitos trabalhadores servem-se do espaço da leipara assegurar uma vida mais digna, o seu espaço de ci-dadania. Os chamados direitos fundamentais, que não ul-trapassam os portões da fábrica, são a referência de dig-nidade e podem ser reafirmados por uma jurisdiçãodemocrática. As decisões judiciais que reafirmam os di-reitos fundamentais dos trabalhadores servem de referên-cia para a instauração de um espaço democrático em to-dos os níveis, pois a certeza de ter direitos potencializa aluta pela sua preservação.

A PLURALIDADE DOS CONFLITOS E DOSMECANISMOS DE SOLUÇÃO

Boaventura de Sousa Santos (1994) distingue nas so-ciedades capitalistas quatro espaços estruturais: o espaço

doméstico, o espaço da produção, o espaço da cidadaniae o espaço mundial. O autor considera cada espaço en-quanto “fenômeno complexo”, permitindo mostrar que “anatureza política do poder não é um atributo exclusivo deuma determinada forma de poder. É antes o efeito globalda combinação entre as diferentes formas de poder”.

Ao se considerar o quadro conceitual proposto porBoaventura, verifica-se que o espaço da produção articula-se com os demais espaços estruturais de modo ambíguo econtraditório. Porém, de todo modo, este espaço se não podeser tomado isolado, também não pode ser desprezado naanálise das relações do Estado e da sociedade civil e do modode produção, circulação e consumo do direito.

Lefort (1983:57-58), em outro contexto, mostra a re-lação ambígua entre a “consciência do direito e sua insti-tucionalização”, ao afirmar que: “Entretanto, já que fala-mos da sociedade democrática, observemos que adimensão simbólica do direito se manifesta ao mesmotempo na irredutibilidade da consciência do direito a todaobjetivação jurídica, o que significaria sua petrificaçãonum corpo de leis, e na instauração de um registro públi-co onde a escrita das leis – como escrita sem autor – sótem por guia o imperativo contínuo de um deciframentoda sociedade por ela mesma.”

A relação de ambigüidade entre a contestação de umalegalidade ilegítima e a afirmação, por um lado, de novosdireitos e, por outro, de uma nova noção de Estado de Direi-to que não implique uma espécie de “jusnaturalismo tardio”ou de qualquer positivismo renegado, é fundamental para atransição democrática. A postulação de um Estado de Direi-to como o “lugar vazio que realiza a democracia” (Warat,1997:134) parece resgatar as possibilidades, de um lado, deuma ética jurídica de segurança do cidadão contra o totalita-rismo e, de outro, de não enrijecer a noção de Estado deDireito como Estado perfeito e acabado ou como mera rela-ção formal de respeito às regras do jogo.

Os conflitos coletivos de trabalho surgem desta rela-ção de ambigüidade entre a possibilidade de construçãode novos direitos e a manutenção de direitos já reconhe-cidos, institucionalizados.

O conflito, no entanto, é inerente à sociedade demo-crática, sendo que o Estado de Direito não o faz desapa-recer. Os conflitos coletivos de trabalho, por sua dimen-são, articulam-se nos espaços estruturais e os mecanismosde solução devem refletir esta articulação. Uma propostade solução de conflitos coletivos, concebida como con-traposto de uma jurisdição considerada anacrônica oumesmo obsoleta, isolada de um contexto de solução deconflitos de trabalho, individuais e coletivos, representauma abordagem apenas parcial do problema.

A resposta global que o modelo corporativo (de corteautoritário) encontrou foi trazer o sindicato para o inte-rior do Estado e oferecer mecanismos (formais) adminis-

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trativos (com o Ministério do Trabalho) e jurisdicionais(criando o Poder Normativo da Justiça do Trabalho) desolução dos conflitos coletivos. Uma aparente, mas ne-cessária, idéia de segurança jurídica localizada no exces-so regulatório.19 Porém, o modelo corporativo teve umavirtude: possibilitou uma resposta global ao sistema. Per-mitiu uma resposta funcional às demandas sindicais deseu tempo e, ao mesmo tempo, não impediu que se crias-se, no seu interior, uma militância sindical crítica. É cla-ro que pelo viés autoritário, mas de uma incrível enge-nharia social.

Isso quer dizer que os mecanismos de solução de con-flitos coletivos de trabalho praticados revelam a formade uma sociedade e suas relações com o Estado. Mais ain-da, revelam os caminhos e as possibilidades da constru-ção democrática. Se pretendemos aprofundar os mecanis-mos democráticos do Estado de Direito, não podemosdeixar de potencializar os espaços de resistência a qual-quer tipo de totalitarismo e, se a política já não se concen-tra em um lugar determinado, se o espaço de produção étambém espaço da política, os meios autocompositivos de-vem ser estimulados desde o local de trabalho até espaçosmais amplos (nacionais, regionais e mesmo supranacio-nais) e os meios heterocompositivos de conflitos devemser pensados como mecanismos residuais, mas efetivos,no que concerne à preservação dos direitos fundamentaise à reafirmação da dignidade humana do trabalhador.

O chamado “novo sindicalismo” fez, a partir dos anos70, ressurgir a autonomia e o reconhecimento de um su-jeito coletivo, uma vez que transformava em ação a idéiade Justiça e a noção de direitos. Eles “constituíam – sob aforma sindical – sujeitos reconhecidos no plano dos di-reitos. Suas lutas se referiam a um campo legal estabele-cido, seja para fazer cumprir direitos que estivessem sen-do desrespeitados, seja para conquistar novos direitos, oumesmo simplesmente para regulamentações mais favorá-veis no interior da legislação dada. Apoiando-se nessaexistência legal e na percepção de suas próprias forças naesfera da produção, os movimentos sustentados por tra-balhadores nas empresas desenvolveram enfrentamentoscom o patronato e o governo num campo de referênciasonde o sindicato era reconhecido como interlocutor legí-timo. Tais movimentos iriam tematizar as injustiças peloângulo da falta de reciprocidade entre a importância dotrabalho desempenhado, de um lado, e a remuneraçãorecebida e as precariedades das condições de trabalho evida, de outro” (Sader, 1988:194).

No período de expansão econômica do mundo capita-lista central, e mesmo das sociedades periféricas, a pro-cura por maior participação dos trabalhadores nos espa-ços de poder encontrou condições de desenvolvimento.O Estado providência desenvolveu um tipo de regulaçãopara o mundo do trabalho, cujo modelo Maurício Godinho

Delgado (1995) denomina por “Justrabalhista democrá-tico privatístico subordinado”. A experiência da negocia-ção coletiva nos setores mais organizados da economiaeuropéia serviu de parâmetro para as lutas sindicais bra-sileiras e de inspiração para a transição incompleta donosso sistema corporativo.

O grande problema é que o ímpeto por mudanças es-truturais no sistema sindical brasileiro esbarrou na criseeconômica e nas propostas de flexibilização e desregula-mentação do direito do trabalho e, portanto, da descons-trução de direitos socialmente adquiridos pelos trabalha-dores. Esse fator torna ainda mais sério e contraditório oproblema da solução dos conflitos coletivos de trabalhono Brasil e a idéia de abandono da jurisdição normativa(de uma arbitragem pública) para a construção de umaarbitragem privada ou mesmo para a aposta nos mecanis-mos autocompositivos.

A organização dos trabalhadores por categoria e a expe-riência corporativa fragmentaram a solidariedade possívelna luta por interesses particulares, não da classe, mas do gru-po. Esse fenômeno, que Tarso Genro (1992) chama de“categorialização das regras”, coloca os setores mais ativose organizados da economia em confronto com setores maisdébeis. As vantagens econômicas obtidas por estes setores,muitas vezes, são vistas como privilégios e não como direi-tos. Nos anos 70 e 80, na inspiração do Estado Social, a idéiade universalização dos direitos passava pela noção de eman-cipação social, tratada anteriormente, neste artigo, de formabreve. O surgimento do chamado “novo sindicalismo” pa-recia indicar a possibilidade de construção de uma nova eta-pa na emancipação social, em que a subjetividade e a cida-dania encontravam-se mais bem articuladas no projetopolítico de uma sociedade democrática e pluralista. Mesmopartindo de setores mais organizados ou de reivindicaçõeslocalizadas, o duplo movimento de interiorização na empre-sa (com as comissões de empresa) e de construção in-tercategorial (com as centrais sindicais), com articulaçãopolítica nos vários espaços estruturais (participação organi-zada dos trabalhadores na comunidade – associação de mo-radores, núcleos de saúde, grupos feministas, etc.), produ-zia uma nova “solidarização”, possibilitando que “umaexigência em si mesma de puro caráter defensivo” pudesse“erguer-se num contexto estratégico historicamente ofensi-vo” (Kurz, 1996).

Ocorre que, antes mesmo que se universalizassem de fatoos direitos sociais no Brasil, a velocidade dos acontecimen-tos tem produzido, no sindicalismo dos anos 90, um caráterpuramente defensivo. Nesse contexto, os setores mais orga-nizados e influentes tendem a se proteger contra grupos emcondições mais desfavoráveis,20 fazendo desaparecer a soli-dariedade social. A lógica econômica e a chamada “globali-zação” têm imposto, conforme acentuado por Boaventura,“diferentes estratégias de flexibilização ou, melhor, de pre-

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carização da relação salarial que um pouco por toda a partetêm vindo a ser adotadas: declínio dos contratos de trabalhopor tempo indeterminado, substituídos por contratos a pra-zo e de trabalho temporário, pelo trabalho falsamente autô-nomo e pela subcontratação, pelo trabalho ao domicílio epela feminização da força de trabalho (associada em geral auma maior degradação da relação salarial). Todas estas for-mas de relação salarial visam sujeitar os ritmos da reprodu-ção social aos ritmos da produção (há trabalho quando háencomendas), um processo que podemos designar por re-gresso ao capital variável. A síndrome da insegurança queele gera entre as famílias trabalhadoras e a concorrência quecria entre elas têm-se revelado poderosos instrumentos deneutralização política do movimento operário” (Sousa San-tos, 1994:218-219).

É certo que não há espaço para as saídas concentradasno Estado, uma vez que este, de fato, perdeu centralida-de. Porém, é certo também que não há saídas concentra-das em nenhum outro espaço estrutural específico dadoas suas múltiplas combinações e articulações.

A ARBITRAGEM PRIVADA E A LEI NO 9.307/96

Os autores que têm se ocupado do tema louvam a arbi-tragem como mecanismo menos oneroso e mais célere pa-ra a composição de conflitos. O professor Luiz OlavoBaptista (apud Pucci, 1997) afirma que “o processo deglobalização da economia, associado aos novos meios decomunicação e transporte, tem o condão de generalizaras práticas que são bem-sucedidas em todo o mundo. E acrise do poder judiciário parece um fenômeno universal,com queixas semelhantes por parte dos jurisdicionadosem todo o mundo. Demoras, custo elevado, alegaçõesdescabeladas ou absurdas feitas por advogados visandoganhar tempo, falta de recursos dos estados – em fase deencolhimento – para aumentar o aparato judiciário, ve-tustez das práticas destes, todos esses aspectos aparecemnas críticas que se faz à solução judicial das divergên-cias”. A arbitragem surge, assim, como uma das respos-tas à crise do Estado e da Jurisdição. Não resta dúvidaque tende a funcionar bem entre os iguais, ou seja, nasolução de conflitos entre agentes econômicos internacio-nais – especialmente pela ausência de uma jurisdição in-ternacional e pela complexidade e valores envolvidos nastransações. No plano interno, tende a desenvolver-se como estímulo da Lei no 9.307/96. No plano regional, a exis-tência do Mercosul e a ausência de uma jurisdição tam-bém estimulam a adoção do sistema. Mas entre os desi-guais? Qual a viabilidade da arbitragem? Assim, propõe-seaqui uma aproximação prudente e “desconfiada” do temapara evitar o deslumbramento e que, desde logo, se em-punhem bandeiras a favor ou contra a arbitragem dosconflitos coletivos de trabalho. Com menos preocupação,

talvez, com relação aos mecanismos específicos da arbi-tragem, pretende-se partir aqui da indagação acerca daspossibilidades de mecanismos democráticos de soluçãode conflitos coletivos de trabalho, em contexto de pro-gressiva degradação do processo de trabalho.

À GUISA DE UMA CONCLUSÃO (INCONCLUSA)

É dentro deste contexto que se pode perguntar sobreos meios de solução de conflitos coletivos de trabalho eavaliar as possibilidades da arbitragem privada, tomadacomo solução isolada e meio heterocompositivo de efeti-va aplicação no Brasil, bem como propor soluções deautocomposição para os conflitos coletivos de trabalho.

A arbitragem poderá satisfazer, inicialmente, à lógicade setores mais organizados se mantido o atual panoramapolítico-sindical. Da mesma forma como tem funcionadorelativamente bem para os setores de ponta da economiamundial, para a solução de divergências entre as empre-sas transnacionais – especialmente na ausência ou des-confiança de uma jurisdição internacional –, também po-derá servir como meio de solução de conflitos coletivosde trabalho para aqueles setores que se vêem hoje emcontexto defensivo ante a progressiva perda de benefí-cios assegurados no período em que o Estado, sob o pre-texto de distribuir direitos, acentuou as diferenças.

No entanto, a arbitragem dificilmente poderá funcio-nar como mecanismo de universalização de direitos quepermita uma síntese de emancipação social e subjetivi-dade que estava presente, de algum modo, na práticainstituinte do movimento sindical nas décadas de 70 e 80.É que a arbitragem funciona bem quanto mais iguais sãoos interlocutores. Para um bom funcionamento do siste-ma de arbitragem, seria preciso que não houvesse discre-pâncias significativas de poder social entre as partes (SousaSantos, 1982).

Assim, por mais tentadora que seja, a Lei no 9.307/96não poderá contribuir efetivamente para a democratiza-ção das relações de trabalho no Brasil. E, de fato, nem foipensada para isso. Foi pensada e servirá para a expansãodas transações comerciais nacionais, regionais e interna-cionais. No campo da solução de conflitos coletivos detrabalho, será preciso apostar, definitivamente, na cons-trução de um modelo democrático de relações coletivas,passando, necessariamente, pela modificação da estrutu-ra sindical corporativa e pela reforma do Judiciário tra-balhista, de modo a estabelecer uma melhor articulaçãoentre a certeza de ter direitos e a experiência efetiva devivenciá-los.

Se nos anos 80 a esperança era de que a reconstruçãoda autonomia coletiva privada pudesse dar uma nova di-mensão para a cidadania social, na década de 90 essa no-va dimensão passa, como vem chamando a atenção

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Boaventura, por uma “nova teoria da democracia”, com-plementando a democracia representativa com a partici-pação política entendida de modo substancialmente difu-so em todos os espaços estruturais (e nenhum deles há deser negligenciado), no sentido de possibilitar a criação denovas solidariedades. Ou seja, se o trabalho dava susten-tação à cidadania, agora é a cidadania que poderá dar sus-tentação ao trabalho.

A arbitragem poderá servir como meio heterocompo-sitivo dos conflitos trabalhistas, especialmente de confli-tos coletivos,21 sendo que a questão não está em ser con-tra ou a favor do mecanismo, mas de pensá-la dentro docontexto das atuais perspectivas de regulação do mundodo trabalho. Não resta dúvida de que todo o modelo derelações de trabalho (coletivas e individuais) é hojedisfuncional. Porém, as respostas que se tem dado são loca-lizadas, sem visão de conjunto, e os atores sociais e mesmoo judiciário encontram-se desnorteados diante da crise doparadigma tutelar do direito do trabalho e da ausência deum novo paradigma que dê respostas efetivas às crises eco-nômica, de regulação, representação e jurisdição.

Melhor seria que a implantação de um sistema de ar-bitragem de conflitos coletivos de interesse se desse nocontexto de uma ampla revisão de todo o conjunto legis-lativo: coletivo e individual, para o mundo do trabalho.Pensados desde o espaço da produção – com a represen-tação no local de trabalho, as comissões de empresa, ascomissões mistas, etc. (que vêm mudando sobretudo nossetores de ponta, mas que ainda são referência para a cons-trução de cidadania e subjetividade do trabalhador) – atéos espaços estruturais mais amplos, incluindo-se, dessemodo, a democratização do Judiciário.22 Isso evitaria odesconforto das mudanças parciais com que temos con-vivido e da aplicação subsidiária, para o direito e o pro-cesso do trabalho, de institutos criados para outros ramosdo direito, pensados para a solução de outros conflitossociais ou econômicos.

Para não ficar exclusivamente na crítica, apontam-sealgumas virtudes da arbitragem, no plano do conflito co-letivo, se comparada com a solução jurisdicional norma-tiva adotada pelo nosso sistema,23 chamando a atençãosobre dois pontos. O primeiro refere-se ao fato de que aarbitragem voluntária decorre necessariamente da vonta-de comum das partes (Franco Filho, 1997). Nesse senti-do, são inaplicáveis os artigos 6o e 7o da nova lei, nosconflitos de trabalho, por impossibilidade de imposiçãojudicial frente ao artigo 114 da CF/88. Em segundo lu-gar, chama-se a atenção para o compromisso com o re-sultado da arbitragem. Hoje, as partes recorrem ao Ju-diciário trabalhista via dissídio coletivo de naturezaeconômica, para a satisfação de seus interesses particula-res (com os mesmos riscos da categorialização das regras,pois esta decorre mais do modelo corporativo de sindica-

to único por categoria do que do sistema de solução deconflitos). Os atores sociais não estão comprometidos como resultado. Nem empresários, nem trabalhadores, nemas direções sindicais comprometem-se com a sentençanormativa. Qualquer que seja a decisão, recorre-se. Nosistema de arbitragem, ao contrário, as partes assumem ocompromisso com o resultado do processo e, nesse senti-do, dão um passo adiante na construção de um mecanis-mo não autoritário de solução de conflitos do trabalho.

Entretanto, o problema continua em aberto: a ausênciade árbitros, especialmente privados, que sejam confiáveispara partes social e economicamente discrepantes. Poroutro lado, ainda que não concordando com a permanên-cia do atual modelo da Justiça do Trabalho e, em especial,com as “facilidades” do Poder Normativo, é de se fazeruma indagação provocativa: ao degradarem-se as condi-ções de participação autônoma na área da produção e nou-tras áreas da vida social, como abandonar a jurisdição?

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

1. Será tratada aqui de Jurisdição normativa para designar o Poder Normativoconferido à Justiça do Trabalho, para criar novas normas e condições de traba-lho. Jurisdição vai designar um conceito mais amplo de “poder, função e ativi-dade do Estado” como “capacidade de decidir imperativamente e impor deci-sões” sobre conflitos de direito.

2. Para simplificar, Poder Normativo é a competência conferida à Justiça do Tra-balho para a fixação de normas e condições de trabalho.

3. Muitos autores consideram que a legislação social no Brasil foi fruto, exclusi-vo, da concessão do Estado. Embora equivocada essa idéia, porque também éfruto de conquista e de lutas dos trabalhadores, não é menos certo que os mento-res do corporativismo estratificaram um tipo de direito e dissiparam uma idéiaaté hoje introjetada, de que o Estado “concedeu” os direitos trabalhistas na eraVargas (a ideologia do trabalhoso).

4. “As crenças advêm dum contacto diferente com o mundo circundante, e nãosomente as religiosas, porém todas as molas da conduta, que nos impelem a atitu-des estéticas, morais, jurídicas, políticas. Não as discutimos, em seu fundamento,nem propriamente as conscientizamos, enquanto tais” (Lyra Filho, 1972:7-8).

5. Em outras passagens, o professor Roberto Santos desenvolve a idéia do quechama de “causação circular acumulativa” de modo a demonstrar a tese de que afragilidade é circular e que faz, somente, retroalimentar a própria fragilidade.“Assim, na medida em que a pretensa ‘fragilidade’ sindical recorre ao podernormativo (v. seção 5 adiante), este é justificado e se apresenta como respostaque gera mais fragilidade, mais dependência psicológica” (Santos, 1993:173).

6. Ericson Crivelli demonstra que em sucessivos anos os bancários firmaramconvenções e acordos coletivos mesmo com decisões mais favoráveis de Tri-bunais Regionais, para manter a unidade nacional da categoria: “(...) Com adecisão do TRT de São Paulo, a Executiva da Comissão de Negociação pas-sou a exigir os mesmos índices para todo o País. O não cumprimento imedi-ato da decisão do Judiciário trabalhista criou um impasse. Os demais Tribu-nais Regionais, por sua vez, aguardavam a solução. Essa situação levou ossindicatos de volta às ruas em manifestações públicas.(...) Na última das vá-rias negociações realizadas após a paralisação, passado mais de um mês dadecisão do Tribunal, os banqueiros contrapõem um percentual de 89,55% aos90,78% determinados pelo TRT, um adicional de hora extra de 30% – umpouco acima dos 25% previstos na lei –, consideravelmente inferior aos 100%previstos na sentença. No dia 15 de setembro, os banqueiros recorreram aoTST para que revisse a decisão do TRT de São Paulo, conseguindo com queaquele Tribunal determinasse a suspensão da aplicação imediata da decisãoenquanto apreciasse o recurso. (...) No começo de novembro, dois meses apósa paralisação, a executiva da Comissão Nacional de Negociação liberou ossindicatos para a assinatura do acordo nos termos da última contrapropostaapresentada pela Fenaban. No dia 10 de novembro uma assembléia do sindi-cato de São Paulo aprovou o percentual e as condições da contrapropostapatronal, aceita pelos demais sindicatos, pondo fim à campanha salarial de1985” (Crivelli, 1994:189).

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7. São utilizados aqui referenciais clássicos, embora questionáveis, de esquerda(em confronto com direita) e progressista (em contraposição à conservador) nacerteza de que servem ainda de marco teórico (sem qualquer significado pejora-tivo).

8. O termo “flexibilização” não é unívoco. Há diferentes enfoques e propostas.Amadeo (1994) chama a atenção de que “De fato, há dois modelos de flexibili-dade. Um ‘modelo liberal’ – do qual o prof. Pastore é adepto – que se baseia nadesregulamentação do mercado de trabalho, na descentralização das negocia-ções e na redução do papel dos sindicatos. Um modelo social democrata, quevaloriza a negociação em diferentes níveis entre patrões e trabalhadores, comoforma de flexibilizar o trabalho e aumentar o grau de cooperação entre empresase empregados”.

9. A Justiça do Trabalho se agigantou e se burocratizou conforme constata Costae Silva citado por Pastore (s/d:175-176).

10. Na prática, esse procedimento é capaz de atrasar, ainda mais, o resultadofinal do processo de dissídio coletivo vindo, muitos vezes, a data-base seguintesem a composição da anterior. Embora o procedimento atual não seja exatamen-te o mesmo – porque hoje a legislação prevê a concessão de efeito suspensivopelo presidente do Tribunal e não mais na via de medida cautelar – a conseqüên-cia prática é a mesma, pois os efeitos da decisão regional ficam aguardando umadecisão definitiva do TST.

11. Aos que atuam na Justiça do Trabalho é impossível não lembrar dos inúme-ros casos em que o trabalhador não consegue entender como pode o juiz julgarsem a presença dele ou, ao menos, sem ouvir as suas razões. Por outro lado,muito comum também é a sensação de que se tem muito mais direito do que seconsegue “provar” no processo individual. Nos dissídios coletivos, a distânciase dá, normalmente, com a demora na aplicação da sentença normativa – muitasvezes vem através das demoradas ações de cumprimento.

12. O que não mais vem sendo possível ante a jurisprudência do Tribunal Supe-rior do Trabalho, negando índice de produtividade para as chamadas Estatais.

13. É importante anotar a importância de uma jurisdição efetiva para a tutela dedireitos coletivos e difusos, o que não se confunde com a permanência de umpoder normativo da Justiça do Trabalho. A ampliação do conceito de ação cole-tiva no processo do trabalho, reconhecendo de modo mais amplo a substituiçãoprocessual dos sindicatos, é fator importante para a democratização do próprioJudiciário e para ampliar o acesso à Justiça. A diferença é que, nesse caso, seestá diante de conflitos de direito e não de interesse, como nos dissídios coleti-vos que têm por objetivo a criação de normas e não a sua interpretação e aplica-ção no caso concreto.

14. Exigem-se, hoje, uma profunda modificação na organização sindical brasi-leira e o urgente reconhecimento das centrais sindicais como unidades negocia-doras.

15. Rodrigues (1994) demonstra que as comissões de fábrica conquistaram “umcerto poder de veto e controle sobre contratações, a capacidade de recusar con-dições inadequadas em que se processava o trabalho fabril e de fazer cumprirpelos empregadores normas de trabalho anteriormente acordadas entre as duaspartes”.

16. Ver, nesse sentido, a pesquisa de Vasconcelos (1995), onde se analisa a ex-periência de interação tripartite entre a Junta de Conciliação e Julgamento dePatrocínio, o Sindicato Rural de Patrocínio e o Sindicato dos Trabalhadores Ruraisde Patrocínio-MG.

17. A legislação do trabalho, convertida na CLT como símbolo de concessão dedireitos para os trabalhadores a partir dos anos 30, criou a ilusão de que o exces-so regulatório com a criação do Ministério do Trabalho, do sindicalismo de Es-tado ou corporativo e da Justiça do Trabalho seriam suficientes para, de um lado,manter os níveis de exploração do capitalismo e fazê-lo expandir e, de outro,conferir direitos aos trabalhadores que até então não os tinham formalizados.

18. Utiliza-se aqui o conceito de “direito da produção” para identificar a formade juridicidade que se estabelece no âmbito da produção conforme utilizado porSousa Santos (1994).

19. A insegurança nas relações de trabalho provoca uma espécie de “retorno” àpré-contratualidade característica da Idade Média. A modernidade experimen-tou o “contrato” como pacto de vontade, como instaurador da convivência emsociedade. Se o excesso regulatório não viabiliza a segurança jurídica necessá-ria, outras formas, inclusive jurídicas, hão de ser encontradas para evitar a bar-bárie. É por isso que os sistemas de solução de conflitos coletivos não podemlocalizar-se em um único espaço estrutural, porque o conflito também não seconcentra em nenhum deles.

20. Ver, nesse sentido, Giddens (1996).

21. Propositadamente não foi feita, até aqui, qualquer distinção entre a arbitra-gem dos conflitos individuais e coletivos.

22. A crise do Judiciário não pode implicar a sua destruição, assim como a crisedo Estado não implica a sua eliminação. As propostas de arbitragem não podem,

assim, estar centradas na crítica da inoperância do Judiciário na resolução deconflitos. São formas e mecanismos institucionais que podem conviver, mas écerto que a arbitragem não tem qualquer função simbólica na aplicação dos di-reitos fundamentais do Homem.

23. Acredita-se que a Justiça do Trabalho deveria ampliar a sua jurisdição nasolução de conflitos de direito, admitindo as ações coletivas de modo mais am-plo, aceitando uma noção de lesão nos contratos individuais de trabalho, penali-zando o empregador com multas, instituindo indenizações por danos morais. Nocampo dos dissídios coletivos, deveria permanecer o dissídio coletivo de nature-za jurídica e a possibilidade de uma arbitragem pública, ou seja, da Justiça doTrabalho ser acionada por ambas as partes e não apenas por uma delas, quandose trata de conflito de interesse.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O SINDICALISMO DO MERCOSUL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS...

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O SINDICALISMO DO MERCOSULtrajetória e perspectivas

na ampliação comercial hemisférica

MARIA SILVIA PORTELLA DE CASTRO

Socióloga e Consultora Sindical

ACHIM WACHENDORFER

Coordenador Sindical para a América Latina e o Caribe da Fundação Friedrich Ebert

a virada da década de 80 completava-se no ConeSul a longa transição do período desenvolvimen-tista para o modelo de internacionalização dos

mercados internos, através da adoção definitiva de polí-ticas de redução do papel e gastos do Estado, de privati-zação das empresas públicas e de abertura comercial e,finalmente, de planos de ajustes fiscais e cambiais. Mu-danças estruturais que têm provocado crescente alteraçãodos sistemas trabalhistas.

É neste contexto que se situa o Mercado Comum doSul – Mercosul, estabelecido pelo Tratado de Assunção,acordo firmado em 1991 entre os governos da Argentina,Brasil, Paraguai e Uruguai – uma continuidade de umanova experiência de relacionamento econômico e comer-cial que vinha sendo testada pelos dois maiores paísesdessa sub-região, Brasil e Argentina, desde 1986, após ofim dos regimes militares, através de um acordo de com-plementação econômica e de integração comercial, aindasob inspiração cepalina. Refletindo a eleição dos gover-nos Menem e Collor, significou uma espécie de precipi-tação de um processo que assumia o modelo de “comple-mentação econômica e comercial”, direcionando-o paraa via prioritária da liberalização comercial, que incluíaParaguai e Uruguai, ressoando assim as novas opções depolítica comercial que esses governos preconizavam parasua inserção no novo cenário internacional.

O Tratado de Assunção incorporou os novos elemen-tos trazidos pela transição a uma economia aberta edesregulada, mas estabeleceu como meta a criação de umbloco comercial “fechado”, e definiu como estratégia deintegração a liberalização tarifária entre os quatro sócios(Zona de Livre Comércio) em menos de quatro anos, pe-ríodo em que também se harmonizariam as políticas ne-cessárias para a criação de uma União Alfandegária e as

políticas macroeconômicas, visando a criação de um mer-cado comum na metade dos anos 90.

O Mercosul é considerado o quarto bloco comercialno ranking mundial: concentra 54% do PIB latino-ameri-cano (mais ou menos 800 bilhões de dólares), atrai umterço dos investimentos diretos na região (Gratios, s.d.)e sedia a maior parte das multinacionais (metade delas sóno Brasil) instaladas no continente latino-americano.Ostentando um mercado de cerca de 200 milhões de pes-soas, apresenta a renda per capita mais alta dos continen-tes sul e centro-americanos e, diferentemente de seus vi-zinhos, tem um relacionamento comercial externo bemmais diversificado, com um volume de comércio com aUnião Européia equivalente ao estabelecido com a Amé-rica do Norte (praticamente um terço cada um), sendo queo Brasil ainda tem importantes transações comerciais coma Ásia e, secundariamente, com a África. Trata-se, pois,de um espaço econômico importante e, sem dúvida, o quemais oferece atrativos ao sul dos Estados Unidos.

Inicialmente, os termos definidos pelo Tratado de As-sunção – “Os Estados-Partes decidem constituir um Mer-cado Comum, que deverá ser estabelecido a 31 de dezem-bro de l994 e que se denominará ‘Mercado Comum doSul (Mercosul)’” – apareceram como extremamente ir-realistas, tendo em vista as diferenças entre as quatro eco-nomias e o grau de protecionismo ainda vigente nas duasmaiores, principalmente a brasileira. Mas o fato de ter-seiniciado esse processo pela liberalização comercial des-ses países tornou possível uma ampliação significativa erápida do intercâmbio comercial (de menos de US$ 4 bi-lhões em 1991 para cerca de US$ 14 bilhões em 1996),tornando irreversível o caminho que muitos tinham du-vidado ser possível, tendo em vista frustradas experiên-cias anteriores do continente.

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O Tratado estabeleceu ainda que nos mesmos três anose meio, além da liberalização tarifária intrazona se esta-beleceria “uma Tarifa Externa Comum e a adoção de umapolítica comercial comum em relação a terceiros Estados(a União Alfandegária); a “coordenação de políticas ma-croeconômicas e setoriais entre os Estados Partes” ( co-mércio exterior, políticas agrícola, industrial, fiscal, mo-netária, etc.) “a fim de assegurar condições adequadas deconcorrência entre os Estados-Membros”; finalmente, ocompromisso de harmonização de “suas legislações, nasáreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do proces-so de integração” e então, segundo interpretações da época(dos próprios funcionários dos governos), se iniciaria aimplantação do Mercado Comum.

O cumprimento dessas metas foi projetado pelo Cro-nograma de Las Leñas, acordado pelos presidentes em ju-nho de 1992 através de uma estrutura intergovernamentalbastante ágil e enxuta. Os órgãos decisórios durante operíodo de transição eram: o Conselho do Mercado Co-mum – CMC1 ; o Grupo Mercado Comum – GMC2 e a Se-cretaria Administrativa do Mercosul,3 e no âmbito con-sultivo, a Comissão Parlamentar Conjunta – CPC.4

Para cumprir a desgravação tarifária, assim como oestudo e a harmonização das diferentes áreas políticasenvolvidas no processo, foram criados 11 subgrupos detrabalho,5 subordinados ao GMC, sendo o último de Rela-ções Trabalhistas, em atendimento à primeira demandados sindicatos. O GMC estabeleceu também um regimentode funcionamento dos SGTs que permitia a participaçãode representantes do setor privado (empresários, sindica-tos, outras entidades), a critério de seus coordenadores.Foi esse regimento que permitiu aos sindicatos uma par-ticipação direta no processo, ainda que sem nenhum po-der de interferência no processo decisório.

A escolha governamental de priorização da desgravaçãotarifária para o aumento do comércio, para depois se passarà harmonização macroeconômica, provocou o inevitável:aumento do desnível econômico e produtivo entre o Brasil eos demais parceiros, devido à superioridade de seu parqueprodutivo, mas também em parte pelas diferenças de políti-ca cambial vigentes até 19946 que tornavam seus produtosmais competitivos. Além disso, o fato do Brasil ainda exibiruma altíssima taxa inflacionária, ao contrário da Argentinaque em 1991 havia adotado o Plano de Conversão (paridadedo peso com o dólar) e eliminado a inflação. Eram diferen-ças que punham em dúvida a viabilidade da conclusão docronograma nos prazos previstos.

Entre meados de 1993 e meados de 1994, o Mercosulatravessou uma fase de baixa credibilidade, devido à con-jugação desses aspectos às diferenças de interesses seto-riais, que se refletiram nas negociações de um elemento-chave para a continuidade do projeto: a Tarifa Externa

Comum – TEC. Um último agravante veio do governoargentino, que por declarações e ações aventou a hipóte-se de pedir sua entrada no Nafta, a exemplo de seu vizi-nho chileno, o que encontrou a total oposição do Brasil.

O interesse em consolidar a União Aduaneira era so-bretudo do Brasil que, obviamente, desejava estabelecermarcos de proteção à sua entrada num mercado onde seconfrontaria com economias mais fortes. Com a finali-zação do cronograma de abertura comercial brasileiro,sintomaticamente coincidente com o do Mercosul, e aadoção de medidas de estabilização ancoradas na desva-lorização do dólar e na venda do patrimônio público (PlanoReal, em 1994), as tensões foram praticamente elimina-das. A TEC foi quase integralmente acordada, reprodu-zindo o quadro tarifário dos dois maiores países que, emtroca, fizeram concessões aos países menores. Para con-tornar as diferenças insolúveis naquele momento, adotou-se um novo período de transição para a finalização daUnião Aduaneira. Uma transição que prevê um processode convergência tarifária (diante de terceiros mercados)nos setores de produção mais sensíveis, como indústriaautomobilística e autopeças, informática e máquinas, e aomesmo tempo prazos maiores para a total conclusão da eli-minação tarifária intrazona em relação às duas menores eco-nomias e todos os países apresentaram listas de produtos queficariam sob “regime de adequação”, ou seja, apenas circu-lariam com tarifa zero em 1999/2000.

O açúcar ficou fora do acordo (em razão dos enormesimpactos sociais que se produziriam na Argentina e noUruguai). Ao mesmo tempo, as mudanças cambiais noBrasil e na Argentina se encarregaram de diminuir o rit-mo exportador (principalmente o brasileiro), permitindoaos países menores obterem mais vantagens em algunsitens da pauta comercial. Para evitar uma possível “recaí-da” da Argentina em direção ao Nafta, o Brasil ampliousua pauta importadora com o país vizinho e passou a com-prar petróleo e mais trigo, gerando um déficit crescenteem sua balança bilateral.7

A finalização das novas relações comerciais foi consubs-tanciada pelo Protocolo de Ouro Preto, assinado em dezem-bro de 1994,8 quando teve início a Zona de Livre Comércioe a complementação da União Aduaneira (até 2001).

No plano institucional,9 o Protocolo de Ouro Preto res-tabeleceu a estrutura anterior de subgrupos técnicos e crioua Comissão de Comércio – CCM (terceiro órgão em im-portância no Mercosul),10 que comanda a implementaçãoe monitoramento da finalização da União Alfandegária.

Outros aspectos importantes do Protocolo de Ouro Pre-to foram a criação do Foro Consultivo Econômico e Social– FCES11 e a ampliação do papel da Comissão ParlamentarConjunta,12 um avanço em direção à democratização doprocesso.

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No entanto, os acordos estabelecidos, ao contrário doprevisto no Tratado, referem-se basicamente a comércio,e conviverão com uma situação de fato: o aprofundamentodos níveis de integração produtiva, sem nenhum instru-mental regional para o seu tratamento. Esse procedimen-to tem facilitado a atuação de grupos empresariais trans-nacionais e tem sido absolutamente insuficiente (para nãodizer omisso) no tratamento dos impactos que a integra-ção tem causado a diversos segmentos econômicos, agra-vando a situação social nos quatro países.

Em resumo, pode-se dizer que a Zona de Livre Co-mércio foi concluída porque o crescimento do intercâm-bio comercial tornou-se uma saída para setores produti-vos nacionais (principalmente os brasileiros), que haviamse retraído com a diminuição de seus mercados internos,e o Mercosul passou a integrar as estratégias dos gruposempresariais multinacionais na região. A concomitânciadesse processo com a desregulação comercial e estatal,principalmente na Argentina e Brasil, foi outro fator de-terminante no sentido de se constituir uma União Adua-neira, ainda imperfeita, reequacionada sob o formato deum “regionalismo aberto”, isto é, sem a rigidez de políti-cas econômicas e produtivas integradas, mas com uma po-lítica de comércio exterior comum, que prevê a realiza-ção de acordos externos no âmbito da região, do continentee inter-hemisférica.

Mas, se a convergência macroeconômica consolidadapelos planos Cavallo e Real permitiu a finalização da li-beralização comercial no prazo previsto, ao mesmo tem-po debilitou o projeto de se chegar a um mercado comum,tendo em vista as dificuldades que o estabelecimento depolíticas regionais integradas imporiam para a sustenta-ção dos planos nacionais de estabilização. Da mesma for-ma, condicionará esse processo o grau de compromissoexigido pelos acordos externos.

Já em l994, antes da assinatura do Protocolo de OuroPreto,13 o Mercosul decidiu iniciar as negociações de acor-dos bilaterais com os demais países da Aladi (os primei-ros foram o Chile e a Bolívia), dentro de um formato “4 +1” (Mercosul e cada país em separado), uma estratégiaproposta pelo governo brasileiro para fortalecer-se numfuturo confronto com os Estados Unidos, já preconizadopela Cúpula das Américas, em Miami (realizada em de-zembro desse mesmo ano) quando os presidentes de 34países do continente assinaram um tratado visando a cria-ção da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) emum prazo de dez anos.

Para fortalecer o Mercosul nesse novo cenário apro-vou-se também, em Ouro Preto, uma nova agenda ma-croestrutural – o Mercosul 2000 – que, para se concreti-zar, no entanto, dependerá, em grande parte, dos termosa serem negociados no âmbito da Área de Livre Comér-

cio das Américas, ou seja, um maior grau de aprofunda-mento da integração econômica entre os países do Mer-cosul dependerá do espaço que os blocos sub-regionaisterão na Alca. Haja vista que apesar de no final de 1995 aAgenda Mercosul 2000 ter se transformado no “Mandatode Assunção” (uma espécie de novo cronograma, porémsem o detalhamento do anterior), até meados de 1997 aindanão havia se refletido nas agendas dos subgrupos e de-mais organismos negociadores do Mercosul.

NOVO CENÁRIO PARA A AÇÃO SINDICAL

A chamada globalização é resultante de um processocombinado entre a modernização tecnológica e a adoçãode um conjunto de decisões políticas “desreguladoras”,sobretudo no funcionamento dos mercados financeiros.Se, no modelo anterior, a meta das empresas de capitalinternacional era conseguir que suas filiais se expandis-sem no interior dos mercados nacionais protegidos, ago-ra, ao contrário, a estratégia das grandes empresas trans-nacionais é expandir-se no mercado global e, para isso,invertem e modificam sua estrutura espacial, gerando es-truturas globais de produção e oferta (Fiori, 1996). Essanova lógica rompe com os parâmetros sindicais anterio-res devido às constantes pressões empresariais e gover-namentais pelo aumento da competitividade comercialatravés da redução dos custos de produção, via o rebai-xamento dos conteúdos dos convênios coletivos e de re-formas laborais. Esses também são os argumentos para aatração de novos investimentos externos e manutençãodos empregos.

No caso do Mercosul, a ausência de políticas integra-das regionalmente no campo industrial, agroindustrial etributário faz com que as empresas transnacionais implan-tadas na região desfrutem da liberalização dos fatores demercado e utilizem essa vantagem em dois sentidos: node acirrar a guerra fiscal entre os países associados; e depressionar pela redução cada vez maior dos custos do tra-balho, ou seja, a intensificação da desregulação laboral.Nos dois casos, são os trabalhadores que mais perdem efrente aos mesmos, a manutenção de uma estratégia sin-dical semelhante à praticada no período do desenvolvi-mentismo/protecionismo não favorecerá a capacidade deresistência e acentuará a divisão entre “incluídos” e “ex-cluídos”(Castro, 1996).

Com o aprofundamento da interdependência comercial– principalmente entre os países que integram um acordode comércio (regional, sub-regional) –, a estratégia res-trita à esfera nacional se torna ineficiente, sendo necessá-rio estabelecerem-se novos parâmetros para a ação sindi-cal, ou seja, levar em conta também os espaços regionais,para que não se transfira para o ambiente sindical a

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disputa comercial travada pelo capital. Isso leva as rela-ções sindicais inter-regionais a uma situação de avançose recuos – a busca de uma ação integrada é permeada porperíodos de acirramento da crise social, nos quais ressur-gem estratégias defensivas pela disputa de empregos.

É especialmente esse aspecto – as atitudes do movi-mento sindical que atua de forma unitária frente ao Mer-cosul – que esse artigo pretende abordar.

Como em outras regiões e outros continentes, tambémna América Latina a ação sindical teve uma orientaçãoessencialmente nacional. Os problemas eram resolvidospelos sindicatos no contexto nacional em conflito ou emcooperação tanto com o Estado, ao qual cabia um papeldecisivo na organização das relações de trabalho, quantocom as representações patronais ou empresas isoladas.Fatores geográficos, sociais e políticos fizeram com quea tendência ao isolamento em relação aos países vizinhosse acentuasse, especialmente no sul da América Latina,registrando-se algumas exceções nos primórdios do mo-vimento operário, quando predominava o anarco-sindi-calismo.14

Pelo menos a partir dos anos 30, quando, dentro de umquadro de coordenação dos Estados Nacionais, estabele-ceram-se nos países do hemisfério sul as concepções sin-dicais que, em grande parte, continuam predominando atéhoje, os sindicatos dos diversos países costumavam reve-lar pouco interesse pelo que acontecia nos países vizinhos.Essa atitude não distinguia nem mesmo os sindicatos deorientação socialista ou comunista pois, via de regra, ointernacionalismo ficava restrito aos discursos e a umaou outra iniciativa de solidariedade.

Inclusive a filiação de diversos sindicatos do Cone Sula organizações internacionais, nos anos 50 e 60, teve pou-co efeito concreto, tornando-se, às vezes, mais um elementode desagregação do que de união. Depois da SegundaGuerra Mundial, os maiores organismos sindicais da re-gião, a Orit (Organização Interamericana de Trabalhado-res), representação regional da CIOSL (ConfederaçãoInternacional de Organizações Sindicais Livres) e aCPUSTAL (Coordenação Permanente de Unidade Sindi-cal de Trabalhadores da América Latina), ligada à FSM(Federação Sindical Mundial), eram fortemente marcadospela retórica e prática da “guerra fria”. A Orit, dominadadurante décadas pelo sindicalismo norte-americano, ser-via muitas vezes de porta-voz da política externa dos Es-tados Unidos, vendo na luta contra o comunismo uma desuas principais tarefas. Enquanto isso, a CPUSTAL, do-minada pelos partidos comunistas e por Cuba, via nos sin-dicatos filiados à Orit apenas “serviçais do imperialismo”.15

Mesmo que os fatores internacionais tenham tido al-guma importância em casos esporádicos, como por exem-plo nas relações sindicais entre Argentina e Uruguai, ha-

via causas mais profundas para a falta de comunicaçãoentre os sindicatos do Cone Sul, entre as quais merecemdestaque a estrutura e a evolução política e econômica.Até os anos 60, os sindicatos argentinos, de inspiraçãoperonista e orientação nacionalista, não tinham interesseem contatos com o exterior. No caso do Brasil, o fenôme-no se repetia, menos por ideologia que por sua subordi-nação à tutela do Estado, que inclusive proibia sua filia-ção internacional. Os sindicatos paraguaios, após a tomadado poder pelo general Stroessner, foram praticamenteextintos, sendo substituídos por um arremedo de organi-zação sindical que tinha apenas uma função legitimadorada política do ditador. De fato, existia algum interesse emcontatos internacionais por parte de círculos sindicais doUruguai ou de grupos sindicais de oposição em outrospaíses do Cone Sul, mas a falta de condições técnicas efinanceiras impediu que esse interesse prosperasse. Final-mente, vale lembrar que a instabilidade política relativa-mente grande, provocada pelo revezamento entre go-vernos civis autoritários ou democráticos e ditadurasmilitares, dificultava ainda mais as possibilidades de co-municação e a ação sindical para além das fronteiras.

Porém, o condicionante decisivo na conformação davisão “nacionalista” dos sindicatos era a vigência de ummodelo econômico marcado pelo protecionismo, o quedificultava muito as relações econômicas e comerciais entreos países do sul da América Latina e gerava uma inserçãobastante reduzida da região na economia mundial. Quan-do, nos anos 60, algumas empresas transnacionais – so-bretudo do setor automobilístico – começaram a se insta-lar na Argentina e no Brasil, registrou-se, na melhor dashipóteses, uma intensificação dos contatos entre os sindi-catos dos países de origem dessas empresas transnacio-nais e os das filiais nos respectivos países do Cone Sul.

Ao final do período dos regimes militares, no iníciodos anos 80, começaram, no entanto, a surgir os primei-ros contatos sindicais, alimentados pelo crescimento dosmovimentos de resistência democrática no Chile, Argen-tina, Uruguai e Brasil, sendo que neste grande força daresistência provinha do movimento de renovação sindi-cal. No entanto, uma mudança mais profunda e de alcan-ce maior veio a se realizar a partir das primeiras tentati-vas de integração econômica e de abertura para o mercadointernacional (1988-89). Esse movimento refletia, aomesmo tempo, uma série de transformações políticas esociais nos diversos países, que gerariam, a partir daí, umabase completamente diferente para a ação sindical.

A crescente integração dos países do Cone Sul, a presen-ça cada vez maior de empresas transnacionais que se bene-ficiavam dessa integração, o acirramento da concorrênciaeconômica não só entre países vizinhos, mas no âmbito domercado mundial, influenciariam profundamente também os

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sindicatos: um grande número de indústrias sumiu ou enco-lheu, o que provocou um aumento do desemprego e do su-bemprego; mas, ao mesmo tempo, introduziram-se novastecnologias, conceitos e processos produtivos que exigiamnovas qualificações dos empregados.

Em virtude do desenvolvimento político num contex-to de redemocratização e da semelhança dos modelos eco-nômicos adotados pelos governos civis, os sindicatos dospaíses do Cone Sul viram-se confrontados com proble-mas idênticos: redução do aparelho do Estado, privatiza-ção de empresas e serviços estatais, flexibilização domercado de trabalho, etc. A consciência de estarem dian-te de processos econômicos interdependentes criou nossindicatos, pelo menos, os pressupostos necessários à su-peração de uma estreita visão nacional, além de provocarcondições favoráveis à cooperação em âmbito regional.

Outro fator que acelerou esse processo foi a existênciade estruturas temáticas de negociação no Mercosul, aber-tas à participação de empresários e sindicatos. A existên-cia de uma agenda oficial e o tratamento de temas produ-tivos e laborais, sobretudo, criaram uma nova dinâmicanas relações sindicais, obrigando os sindicalistas a bus-carem, ao menos em âmbito regional, uma ação de con-senso sobre questões concretas.

Em resumo, há uma adaptação progressiva das exigên-cias que se fazem à iniciativa sindical, uma vez que todaa região está submetida a uma combinação de transfor-mação econômica, social e política e de dinâmica de in-tegração econômica.

Mas, será que os sindicalistas estão em condições deconsolidar posições comuns, tendo em vista suas diferentestradições, sua visão específica de política e as grandesdiferenças econômicas e sociais entre seus países? Seráque existe, de fato, a disposição de superar concepções eidéias ultrapassadas para encarar as novas exigências?Existe, nos sindicatos dos países do Mercosul, a compe-tência política, técnica e de conteúdo necessária para umaintervenção ativa no processo de integração, ou será queestes ficarão relegados a um papel de espectadores passi-vos sem possibilidades de intervenção? Todas essas ques-tões se agravam ainda mais se atentarmos para a situaçãode debilidade em que se encontra atualmente o sindica-lismo mundial e, portanto, também o do Mercosul, já quedevido às transformações econômicas, registra-se umadiminuição do número de sindicalizados e a perda de podere influência dos sindicatos, hoje em posição defensiva.

Se o panaroma da relação entre os agentes sindicaisparece dificultoso à primeira vista, por outro lado, ele-mentos como a facilidade maior de comunicação (apenasdois idiomas), menores diferenças culturais ou históricas(diferentemente do quadro europeu) e, principalmente, aidentificação de ameaças comuns têm contribuído para

que as centrais sindicais consigam atuar com razoável graude articulação. Já na primeira fase da integração, as orga-nizações sindicais do Mercosul passaram a atuar conjun-tamente. A prévia existência da Coordenadora de Cen-trais Sindicais do Cone Sul – CCSCS,16 impulsionada pelaOrit, em 1987, contribuiu para que se estabelecesse umnexo de trabalho sistemático e rapidamente as centrais seapresentassem de forma unitária nas mesas oficiais denegociação.

Sem dúvida, é um fato surpreendente, levando-se emconta as diferenças políticas e ideológicas entre as cen-trais sindicais, as diferenças entre as quatro economias ea total ausência de experiências anteriores. A que se atri-buir, então, a rapidez de construção dessa ação unitária?Como se desenvolveram as relações nesses últimos seisanos e que fatores têm favorecido ou dificultado a regio-nalização de uma ação sindical de passado corporativo erestrito aos âmbitos nacionais? E, mais importante: essaunidade de ação, vigente até o momento, resistirá aosnovos caminhos de integração do Mercosul com outrosblocos econômicos mais poderosos?

Talvez não seja possível responder a todas essas ques-tões, mas pelo menos dar indícios para possíveis desfe-chos em algumas delas, a partir da descrição e da análiseda ação sindical em prática no Mercosul. Para que essequadro fique mais claro, no item seguinte se traçará umarápida trajetória dos movimentos sindicais dos países queintegram o Mercosul – assim como também do Chile e daBolívia, países associados através de recentes acordoscomerciais com esse bloco –, observando-se como estesse formaram e se consolidaram como atores políticos. E,nos seguintes, serão tratadas as propostas e atitudes sin-dicais no processo de construção do Mercosul e os novosdesafios colocados pela participação desse bloco na ne-gociação da Área de Livre Comércio das Américas – Alcaque, definitivamente, incidirá sobre as possibilidades deconsolidação ou não de uma ação sindical em níveis re-gionais.

TRAJETÓRIA DOS ATORES SINDICAIS E OCENÁRIO ATUAL

Existe um bom número de publicações a respeito domovimento sindical argentino que enfatizam o caráterespecífico ao perfil de suas organizações. Nos anos 40, atradição predominantemente socialista dos sindicatos deulugar à identidade “peronista”. Inicialmente, como minis-tro do Trabalho e, depois, como presidente, o generalPerón fez do sindicalismo uma das colunas de sustenta-ção de seu modelo corporativista de sociedade. Os sindi-catos, transformados em poderosos organismos com li-deranças autoritárias, conseguiram manter esta posição

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forte mesmo após a queda de Perón, em 1955. Sua posi-ção econômica se viu ainda mais reforçada com a admi-nistração das obras sociais, isto é, das caixas de seguro-saúde, que lhes foi outorgada durante o governo militarde Ongania. Em conseqüência desse processo, criaram-se grandes máquinas burocráticas dirigidas por sindica-listas que partilhavam do poder político, dentro e fora doperonismo, e que, para se manterem, lançaram mão demétodos muitas vezes autoritários, que não admitiam acontestação de tendências de oposição, muitas delas oriun-das do próprio peronismo. Em face da diminuição de ga-nhos sociais e para consolidar esse poder, a cúpula sindicalfoi se vinculando cada vez mais ao Estado, principalmentenas gestões do peronismo, perdendo com isso parte de suacapacidade de barganha, o que, no futuro, se converteriatambém em perda de credibilidade junto às bases sindi-cais, contrariando a histórica representatividade da CGT.

Com a política econômica do presidente peronistaMenem, os sindicatos se viram, a partir de 1989, confron-tados de repente com um ambiente novo. O Estado, atéentão parceiro “todo-poderoso” dos sindicatos, viu agorasuas funções radicalmente reduzidas: as estatais, fonteshistóricas do poder sindical, foram privatizadas, e muitasoutras funções do Estado foram terceirizadas. O seguro-saúde, bastante combalido, ficou cada vez mais fora docontrole sindical. Os sindicatos tiveram de admitir que jánão eram reconhecidos como parceiros e que seu estilopolítico e seu poder de negociação tinham se tornadoobsoletos. Cada vez mais reduzidos em suas margens denegociação, alguns sindicatos no interior da CGT, mui-tos oriundos da indústria, passaram a atuar de forma maiscontestadora e se afastaram do governo, ao mesmo tem-po que outros consolidaram ainda mais uma aliança como menemismo, submetendo-se à política governamentalem troca de uma participação “empresarial” nos proces-sos de privatização das estatais e das obras sociais. Essasdiferenças e contradições têm se acirrado e imobilizado acentral nos últimos cinco anos, período em que surgiu umanova central sindical, a CTA (Central de TrabajadoresArgentinos), uma organização menor e de perfil oposicio-nista17 e se criou no interior da CGT uma corrente oposi-cionista, o Movimiento de los Trabajadores Argentinos –MTA, que atua dentro e fora da confederação, tendo sealiado, em alguns momentos, à CTA. É difícil precisar oscaminhos que tomará o sindicalismo argentino. O que épossível detectar agora são diversas tentativas de reação,que vão desde a insistência nas posições tradicionais,passando pela submissão à política governamental, poruma tímida modernização e abertura para os temas de cortesocial, até à constituição de um sindicato “movimentis-ta”, mais social e político que gremial, como é o caso dacentral oposicionista.

Bem diferente foi o processo de desenvolvimento sin-dical no Brasil, onde, no final dos anos 30, o presidenteVargas instalara um sistema sindical que se orientavaigualmente pela cartilha corporativa, sem lhe reservar, noentanto, um poder comparável ao do sindicalismo argen-tino. Esse sistema sindical permaneceu praticamente in-tocado, apesar das grandes mudanças políticas e econô-micas que o país atravessou desde então.

A nova onda de industrialização, patrocinada pelosmilitares, criou as condições para que pudesse surgir, nosanos 70, na Grande São Paulo, um movimento de protes-to dirigido tanto contra a ditadura, que se instalara no paísem 1964, quanto contra a legislação sindical corporativae estatalista. A concepção expressa por esse “novo sindi-calismo” conseguiu se impor no meio sindical, gerando,em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Sobmuitos aspectos, esse movimento, personificado pela CUT,representava uma ruptura com os conceitos sindicais tra-dicionais vigentes na América Latina.18 A CUT é hoje,com seus mais de cinco milhões de trabalhadores filia-dos, a central sindical mais importante e melhor organi-zada, não só no Brasil, como em toda a América Latina,representando tanto os modernos setores industriais e deserviços, quanto a maioria do setor agrário, assalariados,pequenos agricultores e lavradores “sem terra”, assimcomo tem também a hegemonia na representação do se-tor público. A central soube estabelecer sólidos laços in-ternacionais com as principais centrais sindicais da Eu-ropa Ocidental, do Canadá e, ultimamente, também dosEstados Unidos. Mas, mesmo que a CUT tenha provoca-do um rompimento ideológico com o passado corporati-vo do sistema sindical brasileiro, até hoje não foi capazde superar as bases organizacionais e a estrutura dessesistema que continua em vigor. O principal ônus dessaruptura inacabada está no fato de o sindicalismo brasilei-ro não ter conseguido ainda o direito de representação nointerior das empresas, o que lhe confere uma crescentedebilidade, tendo em vista as características do atual mo-delo produtivo e tecnológico.19

Convivem com a CUT mais seis centrais sindicais, dasquais, no entanto, apenas duas, a Força Sindical – FS e,em escala menor, a Confederação Geral dos Trabalhado-res – CGT, dispõem de alguma representatividade. A FS,com sua representação basicamente restrita aos setores dasindústrias metalúrgica, confecções e têxtil e de alimentose no comércio, sobretudo na região Sudeste, foi delibera-damente fundada como organização oposta à CUT. Ten-do apoiado o governo Collor, tem hoje forte aliança como governo Fernando Henrique Cardoso. A CGT é, talvez,a mais tradicional das três e tem poucos sindicatos deexpressão, sendo o maior o dos eletricitários de São Pau-lo (o maior do setor no país), de onde provém seu atual

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presidente. Tem alguma presença na área de transportes– rodoviários e ferroviários – e de construção. As rela-ções entre as três centrais sindicais oscilam entre confli-to/concorrência e cooperação, têm seu principal ponto dediscordância nos aspectos referentes à reforma trabalhis-ta, tendo em vista as propostas extremamente “flexíveis”da FS e sua maior convergência se dá nos temas de inte-gração econômica e comercial, onde basicamente todasas formulações têm sido da CUT.

Os sindicatos uruguaios têm tradições totalmente di-versas. Ao contrário do que ocorreu nos países vizinhos,nunca romperam com a tradição socialista que, apesar daretórica internacionalista, tinha uma prática com fortestraços nacionalistas, sobretudo para se resguardar da su-premacia geográfico-econômica de seus vizinhos. Histo-ricamente, predominavam nos sindicatos os comunistasque, ao contrário de outros países latino-americanos, atua-vam com maior autonomia, o que facilitou sua coexistên-cia com outras tendências. Os sindicatos uruguaios reve-lam uma elevada capacidade de mobilização e considerávelpotencial de resistência, qualidades comprovadas inclusivedurante os anos de regime militar (1973-84).

Logo após o fim do regime militar, para cujo declínioos sindicatos contribuíram de modo decisivo, foi criadoo PIT-CNT, que literalmente é a continuidade da históri-ca CNT (Convención Nacional de Trabajadores), dissol-vida pelos militares, e do PIT (Plenário Intersindical deTrabajadores),20 um dos principais pólos da oposição nofinal do regime militar. Coerente com sua tradição unitá-ria e autonomista, o PIT-CNT personificou a junção en-tre o passado e as lutas de resistência que, em grande par-te, foram conduzidas pela nova geração de militantes, fatorque influiu decisivamente não apenas na mudança no nomeda central, mas também na pluralização de sua conduçãopolítica. Além dessa questão, mas dois fatos, independen-tes entre si, acabaram provocando outras transformaçõessignificativas no sindicalismo uruguaio: por um lado, aderrocada da União Soviética e do socialismo real, queabalou não só a predominância do partido comunista, mastambém provocou uma profunda crise ideológica em ou-tras agremiações de esquerda; de outro lado, a participa-ção do Uruguai no Mercosul.

Pode-se dizer que em nenhum outro país-membro aintegração teve efeitos tão diretos sobre os sindicatos comono Uruguai, acirrando ainda mais o processo de desin-dustrialização iniciado pelos militares e completado pe-los governos civis posteriores, e produzindo a liquidaçãoquase completa de uma indústria pouco desenvolvida esem competitividade. Esses dois fatores, além de provo-carem uma redução considerável do número de sindicali-zados, geraram uma desorientação conceitual que, aliadaa uma certa incapacidade de reformulação de suas estru-

turas de representação, abriu uma crise político-organi-zativa que já perdura há mais de três anos.21

Na outra ponta está o Paraguai, que, a partir dos anos 50,com a chegada ao poder do general Stroessner (1955), setransformou de fato num “deserto” sindical. O ditador, quepermaneceria no poder durante mais de três décadas, permi-tiu que a Central Paraguaya de Trabajadores – CPT conti-nuasse existindo, mas sob a liderança de fiéis partidários esem definir-lhe as funções. Em meados dos anos 80, come-çou a formar-se uma oposição sindical bastante restrita, oMovimiento Intersindical de Trabajadores – MIT, que sópassou a ter maior importância após a queda de Stroessner,dando lugar à Central Unitária de Trabajadores – CUT (1989).A CPT após algumas mudanças internas, conseguiu se man-ter. Posteriormente (1993), foi criada a Central Nacional deTrabajadores – CNT, de orientação cristã e menor impor-tância. Esse sindicalismo ainda é frágil e pouco organizado,o que é natural em se pensando num país que viveu isoladodo mundo durante décadas e que ainda preserva caraterísticasmarcadamente agrárias. Provavelmente, ainda levará algumtempo até que os sindicatos paraguaios consigam estrutu-rar-se como organizações com imagem político-ideológicaprópria, consolidando, assim, sua posição social e política.

Os sindicatos chilenos e bolivianos vêm de uma longatradição, tendo chegado a exercer grande influência políticaem determinadas circunstâncias de seus países.22 Na fase detransição e de restabelecimento da democracia, os sindica-tos chilenos organizados na CUT tinham perdido muito ter-reno e até hoje não conseguiram libertar-se da dependênciados maiores partidos políticos. A COB boliviana, por suavez, depois de permanecer algum tempo sob forte influên-cia do partido comunista e de grupos da esquerda dogmática,tem tido muita dificuldade de superar uma visão política queignora ou despreza as mudanças políticas e sociais ocorri-das nas últimas décadas.

AÇÃO DOS TRABALHADORES NO MERCOSUL:IDAS E VINDAS RUMO A UM NOVO PROJETOSINDICAL

Em 1991, quando as centrais sindicais fizeram seu pri-meiro pronunciamento público sobre o recém-criadoMercosul, apresentaram duas demandas centrais: a demo-cratização do processo e a adoção de uma Carta Social.Como resposta foi criado o Subgrupo de Relações Traba-lhistas, Emprego e Seguridade Social (SG 11) e incluídana agenda oficial a adoção de uma Carta de Direitos Fun-damentais.

Priorizando a atuação no SGT 11, no prazo de poucomais de um ano e meio, a CCSCS apresentou aos gover-nos um projeto de Carta de Direitos, entendendo-o comoum sistema de regras laborais e sociais que garantisse

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iguais direitos e condições de trabalho a todos os traba-lhadores dos quatro países, considerando a futura livrecirculação de trabalhadores no mercado integrado. O pisoda proposta sindical seria um conjunto de Convenções daOIT e os melhores aspectos de cada legislação. Inspira-das pelo exemplo europeu, reivindicavam ainda que esseinstrumento jurídico fosse além e incluísse direitos so-ciais e políticos.

A agenda sindical contemplava também as questões deemprego, qualificação profissional, saúde e segurança notrabalho, mas sem dúvida a meta principal era um Mer-cosul regulado por regras laborais comuns, a exemplo datradição laboral desses países.

Um dos fatores que pode ajudar a compreender a rapi-dez com que se construiu uma proposta com essas dimen-sões é que naquele momento não se apresentavam si-tuações concretas de concorrência e o setor privado(empresários e sindicatos) não tinha governabilidade so-bre as decisões macroeconômicas e políticas do proces-so. No plano da retórica política, é mais fácil estabelecerum discurso de unidade.

Outro fator pode ser o temor dos sindicatos de que osgovernos estabelecessem uma “legislação laboral Merco-sul”, tomando por base os parâmetros nacionais mais bai-xos, o que os apressou na formulação de um projeto queestivesse “acima” das realidades nacionais.

Além disso, apesar das ameaças já existentes, ainda eralento o ritmo das mudanças nos sistemas de relações tra-balhistas nacionais. Na Argentina, depois de várias amea-ças, o processo se acelerou de fato a partir de 1993-94(segundo mandato de Menem); o Paraguai, nesse perío-do, se preparava para uma Constituinte, que aprovaria umnovo Código Laboral, regulamentado somente em 1994;no Brasil, o processo de mudanças trabalhistas só seriade fato iniciado depois da eleição de Fernando HenriqueCardoso (1994); e no Uruguai, apesar da flexibilizaçãovia convênios coletivos, a legislação não havia se altera-do e o movimento sindical fora um dos principais atoresda derrota da lei de privatizações e de reforma do Estadoque o governo Lacalle tentava implementar (1992). Ouseja, as realidades nacionais ainda não haviam sofrido asprofundas reduções que hoje enfrentam os sindicatos.

Mas, ao lado dessa visão mais laboralista, cresciamtambém formulações políticas mais inovadoras, e o sin-dicalismo passava a adotar uma agenda nova, com temasque não faziam parte da história sindical recente, quaissejam: o papel e contorno das políticas produtivas (indus-trial e agroindustrial) e a política de comércio exterior. Aformulação da estratégia sindical partia da idéia de que,cada vez mais, esses temas estariam submetidos aos con-dicionantes externos e ao desenvolvimento do processode integração. Enfim, um dimensionamento inédito nos

fóruns sindicais – a tentativa de participar da própria ne-gociação do modelo de integração.

A inovação foi além. Foi por iniciativa sindical que serealizaram alguns debates com segmentos empresariais,principalmente do Brasil, chegando-se a vislumbrar apossibilidade de alianças para a negociação de uma Tari-fa Externa Comum – TEC e de uma “certificação de ori-gem” em bases diferentes das que foram aprovadas. Ouentão, no caso da Argentina e do Uruguai, o interesse dealguns setores empresariais pela proposta sindical de cria-ção de um Fundo de Apoio à Reconversão Produtiva.Porém, essas iniciativas não ultrapassaram reuniões pou-co significativas: acertado o quadro tarifário e as regrasque regulariam a União Aduaneira, os segmentos empre-sariais em questão trataram de se adaptar a ele e uma pos-sível aliança produtiva não prosperou.

Depois de Ouro Preto, em 1995, flexibilizado e inter-nacionalizado o processo de implementação do Merco-sul, a agenda institucional que poderia viabilizar um apro-fundamento do processo de integração foi esvaziada, osSGTs foram suspensos e as negociações entre os gover-nos ficaram resumidas a acertos comerciais para a con-clusão da União Aduaneira. Negociações das quais o sin-dicalismo estava excluído.

Ao mesmo tempo, os processos nacionais de reestru-turação, flexibilização e desemprego entraram em acele-ração, colocando o sindicalismo numa posição mais de-fensiva (1994-95). Esse fato e a paralisação dos subgruposde trabalho (áreas que facilitavam a integração sindical)fragilizaram o perfil da atuação da CCSCS, levando asorganizações sindicais a priorizar mais os temas nacio-nais. Essa era uma fragilização perigosa, tendo em vistaque, nesse período, aumentava a interdependência comer-cial e tornavam-se mais visíveis as estratégias comerciaise produtivas regionais das empresas transnacionais (au-tomobilística, agroindústria) – situação propícia para osurgimento de tensões geradas pela concorrência por em-prego. Mesmo assim, a coordenação sindical nunca che-gou a romper-se e nem se suspendeu o processo de “re-gionalização da ação sindical”.

Em 1996, os planos de “estabilização nacional” come-çaram a dar mostras de sua incapacidade de retomar odesenvolvimento e, com isso, as respostas sindicais, emespecial as greves, deram novo impulso também à açãoregional. Nesse ano, houve uma clara retomada das mo-bilizações sindicais no Paraguai e, principalmente, naArgentina; no Brasil esse processo se verificaria a partirdo início de 1997. Esse cenário, combinado com a reto-mada das discussões do Subgrupo de Relações Trabalhis-tas, agora SGT 10, e a conformação do Foro ConsultivoEconômico e Social – FCES, reacendeu a energia sindi-cal. Um resultado eloqüente desse reaquecimento foi o

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ato massivo de 17 de dezembro de 1996, em Fortaleza,por ocasião da reunião dos presidentes do Mercosul.

Os impactos dos novos cenários nacionais podem serpercebidos na agenda apresentada pela CCSCS ao SGT10, assim como nas prioridades sindicais propostas ao ForoConsultivo Econômico e Social do Mercosul – FCES (ou-tubro de 1996). No primeiro âmbito, as prioridades pas-saram a ser a criação de mecanismos que permitissemações de intervenção sobre o tema do emprego e da qua-lificação profissional (a criação de um Observatório so-bre Mercado de Trabalho). No FCES, as centrais elege-ram como prioridade as questões do emprego, de políticasde Promoção Industrial e os Acordos Comerciais Exter-nos do Mercosul – principalmente a Área de Livre Co-mércio das Américas – Alca.

A proposta de Carta Social do Mercosul, que havia sidoprojetada para o futuro mercado comum, foi temporaria-mente substituída pela proposta de adoção de um Proto-colo Laboral anexo ao Tratado de Assunção, apresentadocomo um instrumento transitório que garantiria padrõeslaborais básicos, mecanismos de negociações coletivassupranacionais, a criação de comitês regionais de traba-lhadores de empresas multinacionais e mecanismos inter-governamentais, de composição tripartite, para controleda aplicação do Protocolo. A Carta Social, na nova agen-da sindical, deverá ser construída em aliança com outrossetores sociais e políticos num futuro próximo.

São propostas que, em face do esclerosamento dos mo-delos sindicais nacionais, buscam dotar o estágio atual deintegração (União Aduaneira) de mecanismos de proteçãolaboral, tendo em vista que hoje as políticas empresariais egovernamentais dos quatro países atuam de forma a não es-tabelecer qualquer patamar, nem alto e nem baixo, em âm-bito nacional e, logicamente, regional. Ao mesmo tempo,refletindo seu esforço para construir o FCES, as centraispassaram a entender que sua possibilidade de êxito no Mer-cosul depende em grande parte de sua capacidade de am-pliar alianças políticas com outros setores sociais.

Mas as possibilidades de êxito no plano laboral depen-dem antes dos condicionamentos que os planos de esta-bilização interna e os novos compromissos externos im-põem ao desenvolvimento do Mercosul. Pode se mantero esvaziamento da agenda institucional do Mercosul e,com isso, dificultar-se o estabelecimento e o cumprimen-to de regras laborais comuns. Para enfrentar isso, cadavez mais a CCSCS terá de investir em uma nova estraté-gia de ação, mais autônoma, que combine uma ação polí-tica mais direta com o estabelecimento de alianças comoutros segmentos, mas principalmente centrada numa forteorganização setorial.

A maior visibilidade dos efeitos da integração comer-cial e da ação das empresas tem gerado a necessidade de

se intensificar a coordenação e a integração entre traba-lhadores de iguais setores produtivos – condição funda-mental para a viabilização das propostas sindicais de ne-gociações coletivas supranacionais e a formação decomitês de trabalhadores em empresas transnacionais pre-sentes na região.

A redefinição da ação sindical no Mercosul é, portan-to, dimensionada por dois fatores aparentemente contra-ditórios, mas de igual importância: de um lado, o escle-rosamento do modelo sindical corporativo, regulado pelocódigo de trabalho e pela interlocução privilegia-da como Estado, que a cada dia vai sendo mais desfigurado; e,de outro lado, a maior internacionalização das economias,que por si só força a ampliação da agenda sindical (Cas-tro, 1996).

QUAIS OS EFEITOS DA ALCA SOBRE A AÇÃOSINDICAL NO MERCOSUL?

Se é cada vez mais difícil discutir o Mercosul sem umavinculação com o processo de negociação da Alca, issovale também para as alternativas sindicais. Tanto pelosimpactos que poderá trazer a associação com economiasmuito mais fortes, como a norte-americana e a canaden-se, como pela necessidade de se estabelecer estratégiasconjuntas com realidades culturais e políticas distintascomo a do sindicalismo latino-americano e, principalmen-te, o da América do Norte.

Desafios que significarão um quase recomeçar para ascentrais sindicais do Mercosul, tanto pelo necessário per-curso de reconhecimento cultural e político entre um sindi-calismo com realidades tão diferentes, quanto pelo desafiode construir propostas político-econômicas com sindicatosque, naturalmente, tendem a atitudes mais defensivas para apreservação de seus empregos e padrões laborais. Além dis-so, não se deve esquecer que nos demais blocos inexiste umaatuação sindical articulada como a experiência da Coorde-nadora de Centrais Sindicais do Cone Sul.

Vale dizer que, no plano sindical, se poderá reprodu-zir o mesmo desenho das negociações inter-governamen-tais: “4 + 1”. Porém, se nos planos econômico e comer-cial não se pode garantir em hipótese alguma a capacidadede que essa fórmula seja mantida, no plano sindical me-nos ainda, tendo em vista que as empresas transnacionaisatuam independentemente da rigidez ou não das negocia-ções formais, podendo gerar fatores de desestabilizaçãodessa “unidade” construída.

Novamente o primeiro passo para o tratamento dessasquestões exige uma rápida descrição dos parceiros lati-nos e norte-americanos da CCSCS.

No Pacto Andino, o bloco comercial mais antigo, nun-ca houve de fato uma ação sindical coordenada entre as

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centrais sindicais, apesar da existência do Conselho La-boral Andino e de um órgão técnico a serviço dos sindi-catos, o Instituto Laboral Andino – ambos sustentados peloEstado –, e de que ainda nos anos 80 tenha sido aprovadauma Carta Social. Em todos esses anos, o sindicalismopouco ou quase nada interferiu. Há várias hipóteses so-bre por que isto ocorreu. Uma delas é que a Confederaciónde Trabajadores de Venezuela – CTV, a central sindicalmais poderosa, nunca quis estabelecer políticas conjun-tas com os demais sindicatos, com medo de ver rebaixa-das suas conquistas (Lucena, 1996); além disso, existe umforte problema social com a onda de migrantes colombia-na para aquele país, que ocupam os níveis mais precáriosdo mercado de trabalho venezuelano. No caso da Bolí-via, a ideologização histórica da COB nunca lhe permitiuinvestir nesse âmbito, e no Peru são por demais conheci-das as dificuldades de um sindicalismo premido pela po-lítica repressiva e anti-sindical dos últimos governos epelas ameaças do terrorismo.

Outro aspecto relevante é que o Pacto Andino foi ges-tado ainda sob o modelo de substituição de importaçõese, como tal, durante muitos anos não produziu uma inter-nacionalização da economia dessa sub-região; depois, essaárea sub-regional entrou num período de pouquíssimosavanços e de quase paralisação, ressurgindo nos anos 90sob a égide de uma economia internacionalizada e à beirade um acordo de livre comércio continental. Nesse perío-do, os sindicatos, assim como a quase totalidade da Amé-rica Latina, já se achavam fragilizados pela abertura demercados, reestruturação produtiva e flexibilização labo-ral, sendo mais grave o caso da Colômbia.

Na América Central e Caribe, é muito grande a fragili-dade do sindicalismo, devido ao crescimento do “soli-darismo”, movimento de origem social-cristã, que vemsubstituindo os sindicatos por associações entre empre-sas e empregados, reduzindo-se a números insignifican-tes as negociações coletivas, e devido ao crescimento das“maquiladoras” em toda a região, levando apenas ao cres-cimento do mercado de trabalho desregulado. Além dis-so, nos países onde houve longos períodos de guerra civil(Nicarágua, El Salvador e Guatemala), os sindicatos esti-veram muito tempo engajados na luta democrática e ain-da não conseguiram, de fato, se estruturar para uma atua-ção sob as novas regras que hoje regulam o mercado detrabalho.23 Existe um Parlamento Centro-Americano euma coordenação de sindicatos promovida pela Orit, masque não têm a mesma organicidade e expressão da CCSCS.

No Nafta, a realidade é bastante distinta. Em primeirolugar, este é o primeiro acordo de comércio “norte-sul”, ouseja, que traz para o seu interior o desnível hemisférico, in-tegrando países com economias fortes (EUA e Canadá) edesenvolvidas, com alto padrão social, e um país em desen-

volvimento (México), com fortes desequilíbrios sociais in-ternos e salários e padrões sociais muito mais baixos.

No Canadá, existem várias organizações sindicais. Amaior e a mais importante é a Canadian Labor Congress– CLC , a única com uma estrutura nacional. Existe tam-bém a CSN, que apesar de restrita apenas ao Québec, aca-bou desempenhando, ao lado da CLC, um papel impor-tante na luta contra o acordo bilateral entre Canadá e EUA(Cusfta) e depois no Nafta.

Para o sindicalismo canadense, os maiores impactossobre o mercado de trabalho foram causados pela inte-gração com os EUA, negociada no período entre 1987 e1990, quando as organizações sindicais travaram umaampla luta de resistência para deter o FTA. A oposiçãodas centrais sindicais – CSN e CLC – era motivada, emprimeiro lugar, pela exigência de não se permitir o rebai-xamento dos padrões laborais e sociais, mais altos quenos EUA, e além disso pela discordância com a estraté-gia econômica que vinha sendo adotada. Mesmo assim,os canadenses apresentaram várias propostas sobre temasde comércio e políticas produtivas. Na questão laboral, aCLC apoiava as campanhas da CIOSL e Orit para incluira Cláusula Social na OMC e todos os acordos regionais24

e a CSN apresentava uma formulação mais próxima àsdas centrais do Mercosul. Hoje, o Canadá tem a taxa maisalta de desemprego na região (mais de 10%) e ainda os-tenta a legislação social e laboral mais alta.

Para o sindicalismo norte-americano, o Nafta era maiscomplicado, tendo em vista a migração mexicana e a exis-tência das maquiladoras na fronteira com o México. AAFL-CIO, maior central sindical do mundo capitalista,historicamente tem reagido de modo defensivo com amesma visão protecionista e unilateral do governo. NoNafta não foi diferente, ainda mais quando estavam emjogo a ameaça de transferência de empresas e empregospara o mercado mexicano. Nos debates sobre certificaçãode origem e legislação de propriedade intelectual, as po-sições apresentadas pela AFL-CIO ao governo não tinhamuma visão regional, mas sim de defesa dos padrões nor-te-americanos. Também a AFL-CIO se opôs ao tratado e,no final do processo, conseguiu que o governo Clintonincluísse no Tratado um acordo anexo no plano laboral eno ambiental.25

A Confederación de Trabajadores Mexicanos – CTMdesde o início viu o Nafta como uma oportunidade de elevaros padrões salariais e as ofertas de emprego e, acima dequalquer razão, seguiu a política do governo, apoiando aassinatura do Tratado com apenas uma exigência: que nãohouvesse a harmonização da legislação trabalhista dostrês países, pois julgava a legislação mexicana mais avança-da e mais protecionista que as dos demais. Na avaliação dealguns sindicalistas dos outros países, a CTM foi contra a

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“harmonização da legislação trabalhista porque isso amea-çaria o controle do governo sobre os trabalhadores e afeta-ria a ‘comparative advantage’ do México”.26

Mas, o que é importante ressaltar é que nessa região aoposição ao Nafta foi forte e se deu através das “redes”(duas nos EUA, uma no Canadá e uma no Québec, e umano México), criadas por iniciativas de ONGs, centraissindicais e sindicatos do Canadá e sindicatos norte-ame-ricanos (a AFL-CIO jogou um papel menor que a CLCdo Canadá), que conseguiram expandir o debate para asociedade dos três países. Com a posição “oficialista” ado-tada pela CTM, as redes cumpriram um papel importantetambém no México, onde conseguiram penetrar tambémna opinião pública. A principal base de apoio naquelepaís era o FAT (Frente Auténtica del Trabajo), pequenacentral sindical mexicana, com origem democrata-cristãe hoje com um perfil oposicionista e combativo, que aca-bou ocupando um espaço político maior que sua pró-pria representação, aproveitando o vazio deixado pelaCTM.

Depois de três anos de Nafta, as “redes” continuamativas, e hoje contam com maiores possibilidades, devi-do à forte renovação da AFL-CIO,27 onde alguns sindi-calistas de importância na atual direção já tinham vincu-lações anteriores com estas. Com a vigência dos “acordosparalelos” laboral e de meio ambiente, os sindicatos eONGs têm tentado uma inserção institucional maior, masa aplicação das regras desses acordos está muito limitadaàs esferas governamentais, o que torna difícil a ação sin-dical e política.

Atualmente, essas centrais sindicais e as redes de ação,que se formaram contra o Nafta, consideram importantea articulação com a Coordenadora de Centrais Sindicaisdo Cone Sul – CCSCS para uma atuação conjunta na Alca.Porém, pelas próprias dimensões econômicas e sociais deseus países, têm preocupações diferentes de seus colegasda América Latina. A CLC, por exemplo, entende que oCanadá deveria priorizar os acordos multilaterais, comouma forma de se proteger do unilateralismo dos EUA. Paraa AFL-CIO, é fundamental concentrar sua estratégia naquestão doméstica – sua direção já declarou ao governo eaos congressistas que apoiará o projeto do governo deobtenção do fast track, desde que se determine que emtodos os acordos de livre comércio sejam incluídas cláu-sulas sociais e ambientais. Mas, diante das enormes dife-renças sociais dos países latino-americanos, a maior preo-cupação das duas grandes centrais sindicais da Américado Norte é com a defesa de seus padrões laborais.

Essa rápida descrição contrasta em vários aspectos daexperiência da CCSCS. Em primeiro lugar, esse sindica-lismo nunca foi contrário à criação do Mercosul, pelocontrário, apoiou a idéia, apesar de uma postura bastante

crítica e dura à condução oficial. Em segundo lugar, des-de o começo a CCSCS logrou espaços de participação(concedida pelos governos talvez em função de sua maiordebilidade, diferentemente das centrais do norte) e ten-tou interferir na negociação dos termos e formato do acor-do. Pode-se dizer (com uma relativização bastante gran-de) que, no Mercosul, o sindicalismo teve uma posiçãomais propositiva, e no Nafta mais defensiva.

Em terceiro lugar, as centrais sindicais do Mercosultiveram uma postura bastante pragmática (tanto as maisconservadoras, quanto as de esquerda), e conseguiramconstruir uma pauta comum, voltada para aspectos maisregionais que nacionais. Isso não ocorreu no Nafta. Tal-vez porque as disparidades econômico-sociais em jogofossem maiores, diferentemente do Mercosul, onde o paísde maior economia, o Brasil, ostenta também os pioresíndices sociais, não provocando portanto nas organiza-ções sindicais desse país uma estratégia defensiva típicade sindicatos grandes, que dificulta uma ação mais inte-grada.

E, por último, apesar da vinculação histórica da CGTargentina com o peronismo e seu apoio a Menem, sua pos-tura frente ao Mercosul, no plano retórico, sempre seguiua da CCSCS, não gerando os problemas enfrentados pe-las centrais sindicais canadenses e norte-americana coma CTM, que foi de total adesão ao projeto do governopriísta.

Porém, se no Mercosul a participação dos trabalhado-res se dá através da representação sindical e as centraispodem atuar como parte do processo (atores de segundalinha) (Hirst, 1996), estas não conseguiram no entanto“politizar” o tema, como ocorreu no Nafta. Na Américado Norte, os sindicatos tiveram e têm tido um papel me-nos visível nos âmbitos institucionais, mas uma presençamais forte no debate social e político. Talvez a experiên-cia do Foro Consultivo Econômico e Social – FCES doMercosul permita que os sindicatos supram essa lacuna,já constatada em documentos internos da CCSCS.

Ou seja, pode-se dizer que, no Mercosul, o sindicalis-mo ampliou e politizou (ofensiva) a antiga agenda sindi-cal e tem atuado de forma “gremialista” (defensiva), noque diz respeito à politização do processo, a ponto de nãoter conseguido expandir para nenhum segmento organi-zado a defesa da proposta de Carta de Direitos Funda-mentais – que, mais que laboral, se propunha a ser umacarta social. No Nafta, ao contrário, as centrais sindicaistêm tido uma ação mais conservadora (defensiva) quantoà questão puramente laboral, mas conseguiram estabele-cer amplas alianças políticas e sociais (ofensiva) para pres-sionar por mudanças no Tratado.

Essa combinação estará presente nas articulações nointerior da Alca e já deram suas primeiras mostras no

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Fórum Paralelo “Nossa América” dentro da III Reuniãodos Ministros de Indústria, Comércio e Economia da Alca,realizado em Belo Horizonte, em meados de maio de 1997.No programa de atividades alternativas, mesclaram-sereuniões sindicais e de vários movimentos sociais e ONGse, no encerramento, houve uma manifestação conjunta dasrepresentações sindicais e das inúmeras ONGs e movi-mentos populares presentes. A reunião sindical (Fóro dosTrabalhadores da Alca) foi organizada pela Orit e pelaCCSCS e, pela primeira vez, além de um manifesto sin-dical (repetindo o que havia ocorrido nas reuniões ante-riores de Denver em 1995 e de Cartagena das Índias em1996), foi aprovado um documento conjunto entre cen-trais sindicais e os movimentos populares e ONGs. Essafórmula deverá se repetir em Santiago do Chile, em abrilde 1998, quando se realizará uma nova Cúpula Presiden-cial das Américas.

Até lá, porém, o movimento sindical das Américas deve-rá tentar construir uma agenda comum de trabalho e buscarinterferir nos debates e negociações que se realizam. É inte-ressante ressaltar que as propostas de cada “agrupação re-gional” refletem as experiências aqui mencionadas. A CUT-Brasil propôs a criação do Fórum Sindical da Alca (àsemelhança do Fórum Empresarial), proposta que passou aser a principal demanda dentro do documento encabeçadopela Orit (além de ter contado com o apoio dos governos doMercosul e dos EUA). Essa proposta revela a tentativa de seconstruir um âmbito de participação e articulação sindicalque possa acompanhar as negociações nas suas diferentesesferas, permitindo que o sindicalismo tenha uma atuaçãomais abrangente no processo.

A AFL-CIO propôs a criação de um working groupsobre as questões trabalhistas e ambientais (propostaencampada por todo o sindicalismo e apoiada pelo go-verno dos EUA). Essa proposta poderia indicar comoobjetivo a garantia de que a Alca adote a Cláusula So-cial, refletindo a legislação nacional e a estratégia adota-das diante de outros acordos e da OMC, ou a própria ex-periência do SGT 10 do Mercosul.

As propostas sindicais, por enquanto, têm se combi-nado, mas a construção de uma articulação sindical deve-rá percorrer difíceis caminhos para se concretizar. De umlado, estarão os enormes desequilíbrios econômicos esociais entre os países do norte e os demais e, de outro, asdiferenças de tarifas dos países do Mercosul e os demais.Para o sindicalismo do Canadá e o FAT mexicano, a con-cretização da Alca seria uma forma de ampliar um poucomais as relações multilaterais com seu grande vizinho eminimizar o peso de uma associação desvantajosa. Ascentrais sindicais do Mercosul apoiaram a posição caute-losa e defensiva de seus governos e foram além, questio-nando, inclusive, se este bloco deveria fazer parte da Alca,

obviamente pela falta de competitividade de seus paísesdiante daquelas economias.

A questão mais importante talvez decorra da estraté-gia das empresas multinacionais, que terão o papel maisativo nesse processo, acelerando de fato a concretizaçãoda Alca. Nos últimos cinco anos, os EUA vêm incremen-tando 12% ao ano seu comércio com a América Latina,sendo que Brasil e Argentina, principalmente, têm défi-cits crescentes com esse país. Hoje já supera os 11 bi-lhões de dólares o capital de empresas norte-americanasque atuam no comércio intracontinental.

O deslocamento da produção e de empregos promovi-do pelas transnacionais poderá produzir dificuldades paraa integração sindical, tanto no âmbito continental (entresul e norte), como no interior do próprio Mercosul. De-pendendo de para onde as empresas se desloquem ou quepaíses priorizem dentro da região (já há uma forte dispu-ta entre Brasil e Argentina pela atração de investimen-tos), elevando ou diminuindo empregos, será facilitadaou dificultada a formação de coalizões sindicais setoriais,fragilizando um caminho fundamental para o fortaleci-mento da ação da Coordenadora de Centrais Sindicais doCone Sul e da própria articulação sindical na Alca.

NOTAS

1. O CMC é o órgão superior na estrutura decisória e é responsável pela condu-ção política. É o guardião do Tratado de Assunção, dos Protocolos e Acordoscelebrados no seu âmbito e determina as políticas fundamentais para a confor-mação do mercado comum. É composto pelos ministros de Relações Exteriorese os ministros da Economia dos respectivos Estados e pelo menos uma vez aoano se reúne com a presença dos presidentes. Além disso, ficou estabelecida arotação entre os Estados-membros da presidência do CMC a cada seis meses.

2. O GMC é o órgão executivo do Mercosul, sendo integrado por 32 técnicos doMinistério de Relações Exteriores (responsável pela coordenação) da Economiae Banco Central. Tem capacidade de iniciativa e cumpre as seguintes funções:zelar pelo cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho, encaminhar pro-postas ao CMC, etc.

3. A Secretaria Administrativa, com sede em Montevidéu, tem como funçõesprincipais: organizar e difundir a documentação do Mercosul; funcionar comocentro de comunicações para intercâmbio de informação e verificar o cumpri-mento de prazos e compromissos assumidos ao nível dos distintos SGTs; facili-tar o contato direto entre as autoridades do GMC; organizar os aspectos logísti-cos das reuniões que se realizem no marco do GMC.

4. Criada em 1991, em Montevidéu, teve funcionamento inexpressivo na pri-meira fase.

5. Na primeira fase foram criados 11 subgrupos de trabalho – SGTs : SGT1–Assuntos Comerciais; SGT 2– Assuntos Aduaneiros; SGT 3 – Normas Técnicas;SGT 4 – Política Fiscal e Monetária; SGT 5 –Transportes Terrestres; SGT 6 –Transportes Marítimos; SGT 7 – Política Industrial e Tecnológica; SGT 8 – Po-lítica Agrícola; SGT 9 – Política Energética; SGT 10 – Coordenação de PolíticasMacroeconômicas; SGT 11– Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade So-cial. O GMC define o alcance e objetivos dos SGTs e determina os temas a se-rem tratados por eles. Os SGTs funcionam, aprovam e apresentam os resultadosobtidos ao GMC, o qual, como órgão executivo, resolve e/ou encaminha os te-mas que o requeiram para a apreciação nas reuniões do CMC do Mercosul.

6. Depois do Plano Real a situação se inverteria, tornando o Brasil deficitário narelação com a Argentina e o Uruguai, o que certamente favoreceu a conclusãodas negociações.

7. O déficit comercial acumulado nos últimos cinco anos, resultante da rela-ção do Brasil com a Argentina, já representa mais de um terço de seu déficittotal. Mas a pauta importadora é basicamente de insumos (petróleo) e trigo,com uma expressão muito pequena para itens manufaturados que, no entan-

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O SINDICALISMO DO MERCOSUL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS...

to, representam parcela significativa dos produtos industriais exportados pelaArgentina.

8. O Protocolo foi assinado na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil emdezembro de 1994, e ratificado pelos Congressos Nacionais em 1995.

9. A estrutura orgânica atual do Mercosul compõe-se de seis órgãos: Conselhodo Mercado Comum – CMC, Grupo Mercado Comum – GMC, Comissão Parla-mentar Conjunta – CPC e Secretaria Administrativa do Mercosul, Comissão deComércio do Mercosul – CCM e o Foro Consultivo Econômico-Social – FCES.Os Subgrupos Técnicos de Trabalho – SGTs atualmente são 11 (dez restabeleci-dos pelo Protocolo de Ouro Preto e o 11o criado em 1997): SGT 1– Comunica-ções; SGT 2 – Minas; SGT 3 – Regulamentos Técnicos; SGT 4 – Assuntos Fi-nanceiros; SGT 5 – Transportes; SGT 6 – Meio Ambiente; SGT 7 – Indústria;SGT 8 – Agricultura; SGT 9 – Energia; SGT 10 – Relações Trabalhistas, Empre-go e Seguridade Social; SGT 11– Saúde. Existem ainda as Reuniões de Minis-tros – por exemplo ministros do Trabalho, Educação, Justiça, Agricultura, etc. –e de Reuniões Especializadas – por exemplo, de Secretarias de Turismo, de Ciênciae Tecnologia, Cultura, Meio Ambiente, etc.

10. A CCM, além de implementar a TEC e harmonizar os demais instrumentosde política comercial comum (as práticas desleais de comércio, as restrições nãotarifárias, o regime de origem, a defesa do consumidor e da concorrência, aszonas francas, os regimes automobilístico, têxtil e açucareiro, etc., é integradapor dez comitês técnicos.

11. Apesar de aprovado em 1995, o FCES somente se constituiu em 1996. É oorganismo de representação dos setores econômicos e sociais (segundo o Proto-colo de Ouro Preto), de caráter consultivo, e que deverá atender às consultasfeitas pelos organismos intergovernamentais. O FCES é composto por quatroSeções Nacionais, que indicam nove membros cada uma para participar do FCESMercosul. É basicamente um organismo integrado por entidades empresariais esindicais dos quatro países, sendo que na Argentina e no Brasil participam tam-bém consumidores.

12. A CPC foi criada em 1991, mas teve seu papel ampliado pelo Protocolo deOuro Preto. Sua função é estudar os projetos de acordos específicos negociadospelos Estados-membros antes de serem enviados para seu tratamento em cadaPoder Legislativo e transmitir suas Recomendações aos Poderes Executivos. Osnegociadores de cada Estado manterão seus respectivos Congressos informadossobre a evolução do Programa Mercosul.

13. O Protocolo de Ouro Preto estabeleceu ainda a linha de negociação externado Mercosul.

14. O objetivo dos anarco-sindicalistas, que no final do século XIX e no iní-cio do século XX dominavam os sindicatos da região, era a abolição do Esta-do e das fronteiras. Seu ponto de vista internacionalista era reforçado pelofato de uma parte considerável dos sindicalistas da primeira geração teremsido imigrantes.

15. Essas idéias provocaram choques também no Cone Sul, levando a um climade polarização que só podia ser prejudicial à causa sindical. Somente com a reo-rientação e reestruturação da Orit, em meados dos anos 70, e com o declínio daFSM/CPUSTAL, sobretudo após o declínio da União Soviética, foi possível acabarcom essa divisão.

16. Criada com o apoio da CIOSL/Orit, em 1987, e integrada pelas três centraissindicais brasileiras (CUT, CGT, FS), a CGT – Argentina, a CUT – Paraguai, oPIT/CNT – Uruguai, a CUT– Chile e a COB – Bolívia. Nos seus três primeirosanos de vida, a CCSCS era quase simbólica, e o desenvolvimento do processode integração passou a ter uma vida mais efetiva.

17. Em meados de 1997, teve reconhecimento oficial uma nova central sindical– Central de Trabalhadores Argentinos, CTA, criada em 1993.

18. Essa nova visão se expressa, por exemplo, numa política internacional rela-tivamente consistente, na introdução de uma cota para as mulheres, na luta con-tra o trabalho infantil, na mobilização pela reforma agrária, etc.

19. No ABC, região industrial de São Paulo, os sindicatos conseguiram instalarcomissões de fábrica em praticamente todas as empresas; mas isto não se aplicanem a 10% dos sindicatos brasileiros.

20. O PIT foi criado em 1983, após um ano de ação pela reconstrução das orga-nizações sindicais que, em sua maioria, haviam sido fechadas pela ditadura enaquele ano dirigiu um dos Atos de 1o de Maio mais numerosos da história da-quele país, com a presença de cerca de 400 mil pessoas.

21. Esta foi uma das principais causas dos conflitos ocorridos no último con-gresso, em 1996, que em parte foram contornadas na sua continuidade emjunho de 1997, quando foi então finalizado, com a alteração no quórum paraaprovação de mudanças no estatuto da central e pela primeira vez a eleiçãode uma diretoria através da votação secreta em “listas” organizadas por ten-dências políticas. Tradicionalmente, a diretoria da CNT e do PIT/CNT eracomposta pelos sindicatos representativos dos setores econômicos.

22. Foi o caso dos sindicatos chilenos durante o governo Allende (1970-73) edos sindicatos bolivianos entre 1952 e 1970.

23. Para mais informações, ver CASTRO e WACHENDORFER (1995).

24. Entrevista com Sheila Katz, assessora da Secretaria de Relações Internacio-nais da CLC para os temas de integração comercial – maio de 1997.

25. Mais informações, ver Fiori (1996).

26. Ver Russell Smith, nesta revista.

27. Mais informações, ver artigo de Russell Smith neste número da revista SPP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, M.S.P. “Ação sindical no Mercosul.” Revista Brasileira de PolíticaInternacional. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – Ibri, n.2,ano 39, 1996.

CASTRO, M.S.P. e WACHENDORFER, A. Sindicalismo latino-americano –entre la renovación y la resignación. Editorial Nueva Sociedad, Caracas,1995.

FIORI, J.L. A globalização e a novíssima dependência, junho 1996, mimeo.

GRATIOS, S. Mercosur: ein ou fsteingender markt in Suden der USA.s.d.

HIRST, M. “A dimensão política do Mercosul: atores, politização e ideologia”.In: ZYLBERSTAJN et alii. Processos de integração regional e a socieda-de. Paz e Terra, outubro 1996.

LUCENA, H. “A reestruturação e a abertura da indústria automobilística: osefeitos sobre as relações trabalhistas”. In: ZYLBERSTAJN, H.;CASTRO,M.S.; RODRIGUES, I. e VIGEVANI, T. (orgs.). Processos de integraçãoregional e a sociedade. Paz e Terra, outubro 1996.

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N

SINDICALISMO NA INGLATERRA E NO BRASILestratégias diante das novas formas de

gestão da produção

IRAM JÁCOME RODRIGUES

Professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo

JOSÉ RICARDO RAMALHO

Professor do Departamento de Sociologia/IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro

unca a instituição sindical esteve sob tanta pres-são política e institucional como nos anos 80 e90. Nos países de tradição industrial, o proces-

so de reestruturação produtiva atingiu de modo indiscri-minado a organização coletiva dos trabalhadores e mu-dou significativamente a correlação de forças entre capi-tal e trabalho. A desregulamentação das relações detrabalho e sua precarização, o aumento do desemprego eas mudanças no perfil do mercado de trabalho, todos es-ses fatores juntos têm diminuído a eficácia de movimen-tos operários com larga experiência de confronto dentrodas fábricas.

A situação não é muito diferente em países de indus-trialização tardia, principalmente aqueles que adotarampolíticas de reajustamento econômico voltadas à aberturado mercado e à busca de maior competitividade. A aplica-ção de novas formas de gestão nas fábricas, supostamentepara aumentar a eficiência e a qualidade dos produtos in-dustriais, coloca os sindicatos diante de uma gama varia-da de novas estratégias gerenciais e de políticas de recur-sos humanos, basicamente tomadas emprestadas dochamado “modelo japonês”. Isto tem sido objeto de inten-so debate dentro do movimento sindical. Há os que argu-mentam pela necessidade de negociar propositivamente asmudanças trazidas pelas novas estratégias gerenciais e osque defendem a oposição ativa a quaisquer alterações de-correntes do processo de reestruturação. Pode-se dizer queambas as posições contêm aspectos importantes, mas épreciso considerá-las à luz dos efeitos que produzem so-bre as condições de vida e de trabalho dos sindicalizadose sobre o papel da instituição sindical como contrapontoao domínio da gerência dentro das fábricas.

A partir dos dilemas do movimento sindical inglês dosúltimos anos e da experiência atual do movimento sindi-

cal brasileiro, este artigo pretende fazer um balanço dasdiversas alternativas políticas e organizacionais criadaspelos sindicatos de ambos os países em face da implanta-ção de novas formas de gerenciamento da produção, eapontar algumas especificidades desses dois movimen-tos, resultantes de tradições trabalhistas bastante distin-tas. Para isto, apóia-se em análises recentes sobre o sin-dicalismo inglês (e europeu em geral) e sobre osindicalismo brasileiro, em especial o do ABC paulista,considerando a experiência das câmaras setoriais e asestratégias diante do desemprego e da precarização dotrabalho.

O CASO INGLÊS

A Inglaterra, pode-se dizer, vem protagonizando umadas experiências mais radicais de liberalização e desre-gulamentação da economia do mundo capitalista. Isso sig-nificou, até recentemente, uma declaração de guerra aossindicatos e a outros organismos de representação coleti-va. A busca de competitividade por parte das empresas eas políticas desestatizantes de um governo conservadorrepresentaram um incentivo à individualização de con-tratos, à “dessindicalização”, à utilização crescente detrabalho em tempo parcial, trabalho temporário e outrasformas de trabalho precário. A forte organização sindicalinglesa, associada à proximidade histórica com o PartidoTrabalhista, transformou-se em ameaça à plena implan-tação do projeto neoliberal de Margaret Thatcher, sendoconsiderada por ela como uma barreira a ser necessaria-mente removida. Os mineiros de carvão, maior símbolodo poder organizado e enraizado dos trabalhadores(Beynon e Austrin, 1994), receberam, durante a famosagreve de 1984-85, um tratamento de “inimigos de guer-

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SINDICALISMO NA INGLATERRA E NO BRASIL: ESTRATÉGIAS DIANTE...

ra”. Foram escolhidos, por sua importância simbólica, paraserem derrotados e servirem de exemplo para todo o mo-vimento sindical. O modelo inglês de relacionamento doEstado com os sindicatos é comumente caracterizado comode extrema hostilidade. Foi nesse contexto, com desdo-bramentos nos anos 90, que surgiram iniciativas de im-plantação de novas formas de gestão do trabalho. Este foitambém o momento em que o movimento sindical tevede lidar com uma crise de representação e buscar novasestratégias de ação dentro das fábricas.

Relações Industriais

Estudos recentes sobre relações industriais na Ingla-terra ressaltam sua especificidade em comparação a ou-tros países europeus. Para entender o padrão de organi-zação do trabalho é importante, antes de mais nada, notara ausência de uma estrutura legal e de negociações cole-tivas para a definição de direitos e obrigações das partesenvolvidas. As relações de trabalho na Inglaterra, segun-do Edwards et alii (1992), foram estabelecidas no dia-a-dia do local de trabalho, onde “o costume e a prática” (re-gras não escritas e acordos para cada local de trabalhoparticular) eram uma fonte importante de autoridade. Issolevou ao desenvolvimento de vários conjuntos de costu-mes e regras práticas, com semelhanças entre si, cujo cerneestava na negociação em cada local de trabalho e não eminstância superior. Além disto, a estrutura da representa-ção sindical é bastante diversificada (Sisson 1995:34-6):os grandes sindicatos representam várias categorias e têmfiliados em diferentes ocupações e setores; outros lidamcom ocupações específicas, que são comuns a quase to-dos os setores da economia; e um terceiro grupo, que in-clui bancários e professores, restringe sua participação aocupações particulares de setores específicos. A negocia-ção coletiva também apresenta diferenças, já que o ins-trumento do acordo coletivo (multi-employer bargaining)nunca conseguiu neutralizar a preponderância das deci-sões no local de trabalho. Alguns acordos coletivos emvigor têm uma pauta diminuta e afetam somente umaminoria de empregados. Na área metalúrgica, por exem-plo, os acordos coletivos são quase inexistentes e algu-mas empresas se recusam a obedecê-los. Embora perten-çam a associações de empresas que assinam acordoscoletivos, em muitos casos as empresas se recusam a obe-decê-los.

A conjuntura política e econômica também tem sidoextremamente hostil aos sindicatos. A reestruturação dasrelações de trabalho na Grã-Bretanha contemporânea,segundo Ackers, Smith e Smith (1996:17-19), ocorreuconjuntamente com o projeto dos governos conservado-res de reformular a legislação sobre o trabalho, restrin-

gindo o poder dos sindicatos e desregulamentando consi-deravelmente o contrato de trabalho. Isso significou umaumento do poder patronal na elaboração dos termos docontrato de trabalho e na estrutura da organização de tra-balho. O objetivo declarado do Estado era proteger osditames do mercado, reduzindo a liberdade de greve (coma delimitação da disputa industrial por organização e lo-calização, a introdução de regras de procedimento para adeclaração de greve e a autorização de ações judiciais dasempresas contra os sindicatos por danos financeiros) e re-formando a máquina e os serviços do Estado.

A reestruturação produtiva, assim como as mudançasnas relações de trabalho, com as empresas sendo pressio-nadas pelo mercado e tendo a oportunidade de introduzirnovas tecnologias, tornou possível certas práticas queseriam impensáveis duas décadas atrás. Há grandes em-presas que vêm promovendo iniciativas dentro do mode-lo de HRM – Human Resource Management (Storey,1992). Mas alguns pesquisadores constatam mais conti-nuidades que mudanças, como Sisson (1995:47-50). Eleobserva que ainda é muito pequeno o número de Círculosde Qualidade e de Grupos de Trabalho Autônomos; e afir-ma que muitas das novas estratégias de gestão parecemrelativamente superficiais quando examinadas mais deperto. Ao mesmo tempo, reconhece-se que o contextoorganizacional mais geral, dentro do qual a gerência temde trabalhar, não conduz ao desenvolvimento de umapostura mais estratégica. O horizonte gerencial, na ver-dade, estaria preparado para dar respostas anuais, semes-trais e até trimestrais. As exigências desse regime esta-riam premiando as ações e os investimentos de retornoimediato e, conseqüentemente, desencorajando, ou mes-mo penalizando, os de longo prazo; e as gerências esta-riam sendo pressionadas a fazer uso, de forma oportunis-ta, dos acordos de última hora (quick-fix agreements) edas soluções construídas apenas para os momentos decrise. Beynon (1995:12) considera que a velocidade damudança técnica tem sido muito rápida na indústria detransformação, mas que seu impacto no conteúdo do tra-balho não é tão profundo. Ele sustenta que as mudançasnão criaram um operário “individualizado e polivalente”,como anunciam as novas estratégias gerenciais, mas ape-nas introduziram uma multiplicidade de pequenas mudan-ças incrementais na organização do trabalho, que leva-ram a uma elevação dos níveis de stress dos trabalhadores.Além disso, uma boa parte dos cargos abertos pelos no-vos setores de serviços seriam postos de trabalho manualnão-qualificado, muitas vezes executado de modo nãomuito diferente do praticado na indústria de transforma-ção. Waddington e Whitson (1996) também descrevem omovimento das gerências pela participação e envolvimentodos trabalhadores como secundarizado pela intensifica-

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ção do trabalho, tornando as mudanças mais desiguais emenos radicais. E se reportam a uma pesquisa realizadajunto a sindicalizados que revela como principal recla-mação dos trabalhadores a atitude das gerências no pro-cesso de reestruturação, produzindo não uma parceria, masum profundo sentimento de desilusão – como destacaRainie (1996), em resenha sobre o trabalho desses autores.

A experiência britânica de reestruturação econômica,a partir de uma “cultura empresarial” thatcherista, intro-duziu um conjunto de novos conceitos de gestão, tais comoHuman Resource Management (HRM), Total QualityManagement (TQM), Employee Involvement (EI) eempowerment. Na nova linguagem empresarial, os traba-lhadores foram redefinidos como empregados, indivíduose times, e não como coletividades organizadas com inte-resses diferenciados. Os sindicatos, na melhor das hipó-teses, seriam simplesmente ignorados como estratégia paraconquistar o consentimento dos trabalhadores; na pior dashipóteses, o objetivo seria tentar destruí-los ou enfraquecê-los. Em resposta (para muitos tardia) a essas novas con-dições, as correntes mais importantes do movimento sin-dical vêm propondo um “novo realismo”, procurandopassar uma imagem mais branda, mais amistosa, tanto paraempresários como para trabalhadores (Ackers, Smith eSmith, 1996:5). No entanto, esse chamado “novo sindica-lismo” seria antes um meio de propaganda para a conquistade filiados e novas formas de colaboração com o empre-sariado do que uma ação efetiva no chão de fábrica.

Novas Estratégias Empresariais

A palavra flexibilidade vem sendo utilizada para resu-mir o caráter das mudanças na estrutura das empresas ena organização do trabalho nos anos 80 e 90. O resultadotem sido a desregulamentação do mercado de trabalho, a“terceirização” e a segmentação e polarização do traba-lho entre diferentes categorias de trabalhadores. Ackers,Smith e Smith (1996:13-16) enfatizam dois aspectos dessaflexibilidade que devem ser considerados no caso inglês: aemergência de uma nova força de trabalho periférica e odesenvolvimento do trabalho de time (teamworking) juntoao operariado principal das empresas. No primeiro aspec-to, estudos de caso apontam uma tendência à substituiçãodos trabalhadores de tempo integral pelos de tempo par-cial, para o uso sistemático de trabalho temporário, o queleva à redução da influência sindical. A composição degênero dessa força de trabalho precarizada revela padrõestípicos de participação de trabalho feminino, sem nenhu-ma relação com a adoção da flexibilidade e do “envolvi-mento” da força de trabalho nos destinos da empresa(Pollert, 1991 e 1996). É no segundo aspecto que a flexi-bilidade estaria sendo mais utilizada, com tentativas por

parte das empresas de mudar a força de trabalho perma-nente através da “polivalência” e de padrões mais flexí-veis de trabalho. Para os sindicalistas, no entanto, a flexi-bilidade incorporada nos locais de trabalho (com apresença ou não dos sindicatos) não seria vista como gran-de problema, já que esta não teve o impacto dramáticosobre o sindicalismo previsto nos modelos que defen-dem um futuro flexível para a força de trabalho.

As mudanças implementadas no “novo local de trabalho”,especialmente na indústria, se revelam no aumento do tra-balho de time e nas alterações do padrão de autoridade nochão de fábrica. O trabalho de time é apresentado pelas ge-rências como um avanço, comparado com o controle estritodas hierarquias, em que os trabalhadores estariam presos atarefas individuais, sendo comandados por mestres ou pelatecnologia, nas linhas de controle tradicionais (Ackers, Smithe Smith, 1996:17). Contudo, pesquisas sobre a prática detrabalho de time na indústria britânica mostram que o con-ceito permanece ambíguo e controvertido (Dawson e Webb,1989; Dawson, 1991; Elger e Fairbrother, 1992; Buchanane Preston, 1992). Revelou-se que as novas estratégias sãoconstruídas sobre relações de autoridade existentes e quetradições de conflito entre mestres (líderes de time) e operá-rios (time) persistem, apesar da campanha ideológica e daretórica em torno do trabalho de time, apresentado como umamudança de prática. As promessas de que os trabalhadoresteriam maior poder de decisão não estariam se concretizan-do. Pollert (1996:190), examinando a prática de trabalho detime numa empresa, argumenta que essa forma de gestãodeveria ser vista como construção ideológica do envolvimen-to do operário e como modo de organizar o chão de fábrica.Seu verdadeiro significado econômico estaria no retorno daresponsabilidade do controle orçamentário sobre os custosdo trabalho para os supervisores, o que transformaria oschefes de time em supervisores sob um novo rótulo.

Se uma parte do empresariado vem utilizando seria-mente programas de HRM, o objetivo principal seria abusca do consentimento da força de trabalho (Storey eSisson, 1993), e não um novo relacionamento com os sin-dicatos. O HRM seria o canal para a obtenção do com-promisso do empregado, e não do sindicato (Ackers, Smithe Smith, 1996:25). No entanto, ainda predominam na eco-nomia inglesa locais de trabalho sem sindicatos nem téc-nicas de HRM.

Na avaliação de Sisson (1995:41), embora os sindica-tos estejam participando de negociações sobre as mudan-ças nas práticas de trabalho, seu papel no processo de in-trodução de novas tecnologias tem sido, no máximo, deconsulta. A maioria das empresas, segundo ele, mantémum posicionamento essencialmente oportunista diante dasnovas tecnologias, consultando os sindicatos apenas quan-do obrigadas.

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SINDICALISMO NA INGLATERRA E NO BRASIL: ESTRATÉGIAS DIANTE...

O Sindicalismo Inglês nos Anos 80 e 90

O processo de reestruturação econômica trouxe gra-ves conseqüências para o sindicalismo inglês, como a re-dução do emprego industrial para pouco mais de quatromilhões de trabalhadores; a privatização de empresas es-tatais; o crescimento do trabalho não-manual; o cresci-mento do setor de serviços; a expansão do trabalho porconta própria, que dobrou entre 1979 e 1990, e do traba-lho part-time, que já envolve mais de sete milhões; a re-dução do tamanho das empresas e o crescimento de firmasmenores e menos burocratizadas; e os altos níveis de desem-prego nos anos 80 e 90 (Ackers, Smith e Smith, 1996:3-7).Os sindicatos sofreram uma verdadeira hemorragia emseus quadros, a maior na história do sindicalismo inglês,segundo McIlroy (1995:386-7). Houve uma redução dequatro milhões de filiações entre 1979 e 1992. Algunssindicatos ligados ao TUC (Trades Union Congress) vi-ram sua clientela diminuir pela metade apesar da tentati-va de implementar fusões de sindicatos como defesa contraa crise. Entre 1984 e 1990, a proporção de empresas quereconheciam sindicatos como interlocutores caiu de 66%para 53%. A área coberta pela negociação coletiva dimi-nuiu substancialmente, restringindo-se a uma minoria detrabalhadores.

O declínio do poder sindical, ainda de acordo comMcIlroy (1995:417), produziu mudanças importantes, masnão levou a uma transformação qualitativa das relaçõesindustriais ou das atitudes da força de trabalho, comoapregoava o governo conservador. Apesar de enfraque-cido, o movimento operário continuou sendo uma forçasocial significativa. A reestruturação produtiva mostrouos limites desse poder, a preponderância de sua naturezareativa e sua tendência a se adaptar às mudanças do capi-talismo. Alguns autores também consideram problemáti-ca a argumentação sobre o declínio dos sindicatos e amudança na natureza do local de trabalho (chão de fábri-ca), observando que o trabalho tem sido sempre objetode transformações radicais no capitalismo, que produz for-mas variadas de sindicalismo, e que muita certeza sobreas causas do crescimento e declínio dos sindicatos pode-ria indicar ignorância do contexto histórico e nacional(Ackers, Smith e Smith, 1996).

Um outro lado da história é a complexidade do impac-to da reestruturação produtiva sobre o caráter dos sindi-catos e sua dinâmica interna. A situação da Europa mos-tra que a mudança estrutural enfraqueceu a coerênciainterna do sindicalismo e trouxe uma série de tensões(Hyman, 1994: 111), das quais as mais comumente iden-tificadas são: a desestabilização do poder tradicional dasconfederações sindicais, com a perda de autoridade juntoaos sindicatos; a redução do domínio das confederações

ligadas aos trabalhadores manuais, nos países em que ostrabalhadores white collar tradicionalmente têm sindica-tos separados; a confusão de fronteiras jurídicas entre ossetores da produção, criando uma competição entre sin-dicatos por novos filiados, mesmo em países em que asdemarcações sempre foram claras; o enfraquecimento daautoridade centralizada dentro de cada sindicato, commaior diferenciação interna de interesses e tendência àdescentralização da negociação coletiva; a criação denovas divisões de interesse entre empregados e desem-pregados, entre trabalhadores de setores mais protegidose trabalhadores com contratos de trabalho atípicos, entreaqueles com novas especializações e aqueles com espe-cializações tradicionais ou nenhuma qualificação – tudoisso devido à maior competição nos mercados de traba-lho e de produto.

A resposta dos sindicatos na Inglaterra à introduçãode novas estratégias gerenciais foi se alterando ao longodo tempo. No início dos anos 80, foi de descrédito, emespecial por parte da esquerda do movimento, que imagi-nava que o governo Thatcher tivesse pouco fôlego. Coma consolidação do governo conservador, em meados des-sa década, e a redução da influência sindical em setoresimportantes da indústria pesada tradicional, assim comoo aumento do controle legal sobre a ação sindical, o mo-vimento teve de parar para fazer um balanço (TUC, 1988).O resultado foi uma guinada em direção a um “novo rea-lismo”, selado com a derrota dos sindicatos dos mineirosde carvão em 1985 (Ackers, Smith e Smith, 1996:26).

Outra questão importante colocada para o movimentosindical foi a fragmentação do espírito coletivista (Bacone Storey, 1996:42). Além dos fatores já apontados, queestariam ameaçando enormemente a manutenção do co-letivismo, este seria afetado também por novas formas degestão. Nesse caso, a ênfase dada ao empregado indivi-dual vem tornando cada vez mais difícil pensar um grupoestandartizado de trabalhadores lutando por interessescomuns. Embora alguns autores, como Kelly (1996), ar-gumentem que os sindicatos estão se defrontando com umaameaça antiga, bastando usar os métodos tradicionais deação sindical para enfrentá-la, a resposta sindical predo-minante na Inglaterra, embora com muitas nuances e ob-jeto de muita discussão política, seria a articulação deestratégias alternativas (Storey e Sisson., 1993). De acor-do com Bacon e Storey (1996:45-6), houve algunsacúmulos em termos estratégicos (embora diferentes eainda precários) com relação ao individualismo e ao co-letivismo, indicando uma reorientação do movimento tra-balhista britânico nunca antes vista. No entanto, algunssindicatos estariam adotando uma pauta mais direciona-da para o indivíduo, com o objetivo de identificar os inte-resses de seus membros, encarando o coletivismo, cada

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vez mais, como uma forma de estabelecer, quando possí-vel, uma parceria institucional com os empregadores. Istose explicaria, em parte, pelo declínio da resistência e da açãocoletiva revelado pela decrescente incidência de greves.

A postura gerencial que enfatiza a individualização secoloca como uma ameaça para a ação sindical porquedesconsidera os trabalhadores como uma coletividade, aomesmo tempo que estimula um novo coletivismo no lo-cal de trabalho, como o trabalho de time, e enfatiza ummaior compromisso e uma maior identificação dos traba-lhadores com os objetivos das empresas.

Na avaliação de Bacon e Storey (1996:52-58), os sin-dicatos vêm apresentando respostas diferentes ao proces-so de individualização. Uma delas é a defesa sistemáticade soluções coletivas para a maioria dos problemas indi-viduais dos trabalhadores. Outra é a ênfase na reestrutu-ração interna dos sindicatos, especialmente através defusões, de forma a se manter ou aumentar o poder de ne-gociação. Há aqueles que vêem na individualização umaameaça potencial, mas com possibilidade de ser tratadapelos sindicatos num contexto específico. Em algumasfábricas, segundo ainda Bacon e Storey, lideranças de baseconsideraram que uma resposta negativa às novas formasde gestão poderia ameaçar o futuro das empresas e que,portanto, era vital negociar as mudanças para manter al-guma influência. Essas lideranças estariam confiando nanatureza orgânica do sindicalismo no local de trabalho eem suas tradições para impedir os efeitos negativos daindividualização.

Outra resposta apontaria para a reestruturação sindi-cal, construída a partir da própria estratégia gerencial. Aoinvés de enfatizar as estratégias coletivas e a negociaçãocoletiva, a idéia era que os sindicatos passassem a dire-cionar recursos e atenção para os membros individuais.Uma estratégia complementar vem sendo considerada apartir do fato de que muitos aspectos do HRM não seriamnecessariamente contra os sindicatos; muitos teriam sidoaté reivindicados pelos sindicatos. Deste modo, esses sin-dicatos estariam procurando explorar aspectos das estra-tégias gerenciais nos quais os gerentes não estariam pre-parados, buscando não um coletivismo compatível com oindividualismo, mas um individualismo compatível como coletivismo. Essa posição vem sendo defendida pelo se-cretário geral da importante GMB – General Municipal andBoilermakers’and Allied Trades Union, John Edmonds. Eleargumenta que o HRM promete um novo relacionamentoe que os sindicatos poderiam utilizar algumas dessasidéias. A natureza vaga e ambígua das estratégias de HRM,segundo ele, lhes permitiria escolher os aspectos do seuinteresse. Onde a oposição às iniciativas empresariais nãofosse eficaz, buscar-se-ia adaptá-las aos fins desejados.Isso seria possível porque muitas das novas iniciativas não

favoreceriam nem gerentes nem sindicatos abstratamen-te, estando sua eficácia relacionada ao modo de utilizá-las. Tal resposta, segundo Bacon e Storey (1996), pode-ria ter várias conseqüências, como colocar os sindicatosna ofensiva, aumentar seu poder; impedir a substituiçãoda representação sindical por trabalhadores individuais efornecer aos sindicatos elementos para contestar quais-quer outros motivos não aparentes dessas estratégias.

Por fim, alguns sindicatos estariam aceitando a lógicado individualismo, abandonando gradativamente o con-texto coletivo e apelando para a oferta de serviços paraos seus sindicalizados, na tentativa de ampliar o númerode filiados. Além da reestruturação organizacional, a reo-rientação dos sindicatos com relação ao sindicalizado in-dividual também estaria ocorrendo no sentido político. Odiscurso enfatizando o indivíduo estaria muito mais emvoga atualmente entre os sindicalistas que no passado.

O CASO BRASILEIRO

Sindicalismo e Reestruturação Produtiva

No Brasil, o processo de reestruturação produtiva seinicia no final dos anos 80,1 mas é somente no início dadécada de 90 que ele ganha contornos mais definitivos.Comparado à experiência dos países industrializados e daAmérica Latina, o caso brasileiro tem algumas singulari-dades que precisam ser ressaltadas. Em primeiro lugar,as iniciativas de reconversão industrial ocorreram numaconjuntura de redemocratização do país, num momentoem que grande parte da sociedade civil brasileira reivin-dicava participação no processo político e em que ocorreum impulso significativo da organização, nos vários grause por todo o território nacional, de amplos setores das clas-ses trabalhadoras. Em segundo lugar, o sindicalismo bra-sileiro, contrariamente à tendência internacional, não es-tava vivendo um período de refluxo. Esses dois fatoresconjugados trouxeram certa especificidade para algumasregiões industriais do país, notadamente o ABC paulista,onde, de um lado, ficava o Sindicato dos Metalúrgicos deSão Bernardo do Campo e Diadema (hoje Sindicato dosMetalúrgicos do ABC) e, de outro, o parque industrial dasempresas automobilísticas, responsável por uma signifi-cativa parcela do PIB brasileiro. É nessa arena que o pro-cesso de reestruturação produtiva e as novas formas degestão da mão-de-obra vão ganhar contornos mais nítidos.

No final dos anos 70 e ao longo dos anos 80, o sindi-calismo brasileiro, principalmente o de São Bernardo, sepautou por uma ação política de confronto com o patro-nato. Essa tradição de conflitos extremados não impediu,contudo, que, nos anos 90, empregados e empregadoresbuscassem outros tipos de relacionamento. Um aspecto

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relevante desse novo sistema de relações de trabalho, quecomeça a se desenhar com mais ênfase na região altamenteindustrializada de São Paulo, foi a influência que sofreudo processo de globalização econômica e da experiênciade reestruturação do trabalho – tanto no que diz respeitoà organização do trabalho propriamente dita e às formasde gestão da mão-de-obra, quanto à atividade sindical –que já vinha ocorrendo nos países de capitalismo madurodesde a segunda metade dos anos 70.

O “novo sindicalismo”, principalmente do ABC, queapareceu na cena pública no final dessa década, em opo-sição ao regime militar, reivindicando melhores saláriose melhores condições de trabalho, começou paulatinamen-te a mudar sua estratégia e sua ação na década atual. Di-ferentemente do período anterior, hoje os principais itensda pauta dos sindicatos são a defesa do emprego, a parti-cipação nos resultados, a flexibilização da jornada de tra-balho e as mudanças na gestão e organização do trabalho– que revelam a preocupação em atenuar os efeitos da re-estruturação, buscando uma alternativa negociada sobreas mudanças no trabalho.

Relações de Trabalho noBrasil e no ABC

Apoiado em um sistema de relações de trabalho quenão aceita o conflito e nem contribui para a negociação, efuncionando, em certa medida, como uma coerção pater-nalista do Estado sobre as relações entre capital e traba-lho, a estrutura sindical corporativa criada nos anos 30perdura praticamente intacta até hoje. A despeito de al-gumas pequenas alterações incluídas na Constituição de1988, o edifício corporativista, passados mais de 60 anos,continua baseado no monopólio da representação, na uni-cidade sindical, no poder normativo da Justiça do Traba-lho e na contribuição sindical obrigatória (Boito Junior,1991; Rodrigues, 1988 e 1990).

O final dos anos 70, no entanto, ficou marcado pelosurgimento de uma nova prática sindical, tendo comocentro de irradiação o Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo, que colocou em xeque a estruturacorporativa. Insurgindo-se contra o regime autoritário edefendendo a democratização da sociedade, na esferapolítica, essa nova corrente, do ponto de vista da açãoestritamente sindical, procurava dar voz aos trabalhado-res e defendia o fortalecimento da atuação sindical nointerior das fábricas. Reivindicava ainda, entre outros as-pectos, a livre negociação entre patrões e empregados, odireito de greve e o afastamento do Estado das relaçõescapital/trabalho. À medida que procurava afirmar-se emsua identidade coletiva, esse movimento situava a açãosindical conflitiva como uma estratégia central para che-

gar à mesa de negociação. Foi dentro dessa perspectivaque surgiu a Central Única dos Trabalhadores, em 1983.

Passados alguns anos, a CUT se transformou em umaimportante referência para amplos segmentos trabalhistas,seja do ponto de vista político-social ou sindical. Conco-mitantemente, a economia brasileira viveu forte processorecessivo, o que trouxe conseqüências para o mundo dotrabalho. O movimento sindical de São Bernardo enfren-tou uma situação extremamente difícil nesse período. Arecessão fez cair vertiginosamente as vendas de veículosproduzidos pelas montadoras e isto levou ao aumento donúmero de demissões na base do sindicato. Algumas em-presas ameaçaram transferir-se para outros países, provo-cando uma profunda insegurança entre os trabalhadorescom relação à manutenção dos postos de trabalho.

Foi nesse contexto, que reunia um sindicato com tra-dição de luta e uma situação social de fragilidade dianteda recessão, que se articularam formas alternativas denegociação. Do ABC paulista, o movimento expandiu-separa outras regiões do país, tendo como principal exem-plo a experiência das câmaras setoriais, em particular nosetor automotivo (Arbix, 1996).

Essa experiência, durante os anos de 1992 e 1993, le-vou o sindicalismo ligado à CUT a discutir, pela primeiravez, políticas industriais de porte nacional. No caso dosetor automotivo, a câmara obteve relativo sucesso, namedida em que propiciou a recuperação econômica des-sa indústria, aumentou a arrecadação fiscal e afirmou suacapacidade de articulação política, enquanto os trabalha-dores tiveram ganhos salariais e as demissões foram con-troladas (Rodrigues e Arbix, 1996:82-83).

As decisões da câmara setorial do setor automotivoresultaram de uma negociação altamente politizada, prin-cipalmente porque suas decisões se basearam em um “in-tercâmbio de legitimações”, que fortalecia as três partesdo arranjo. Além disso, envolveram “trocas políticas”,como a redução dos conflitos, afetando as relações de tra-balho e alterando o relacionamento no interior das gran-des unidades fabris (Rodrigues e Arbix, 1996:83). Demodo geral, “as câmaras setoriais também abriram cami-nhos para uma reforma democrática das envelhecidas re-lações de trabalho”. A negociação setorial convidou sin-dicatos de trabalhadores e entidades patronais amodificarem seu relacionamento no chão de fábrica e adefinirem estratégias diferenciadas tanto das empresasquanto dos sindicatos (Rodrigues e Arbix, 1996).

Com Fernando Henrique Cardoso no Ministério daFazenda e, posteriormente, na presidência da República,essa experiência foi interrompida. O movimento sindicalpassou a ser alvo de um comportamento antinegociação,com uma recusa à estratégia da concertação. A câmaraautomotiva foi então gradativamente esvaziada de suas

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atribuições, assim como todas as outras. O relacionamentotripartite foi deslegitimado pela ação do Estado, que deusobrevida ao relacionamento bipartite, através de câma-ras escuras, entre setores empresariais e o Estado(Rodrigues e Arbix, 1996:83).

Essa nova forma de atuação sindical representou umamudança significativa para o chamado novo sindicalis-mo e, por extensão, para a Central Única dos Trabalha-dores: em primeiro lugar, representou a passagem de umaatividade sindical que tinha o conflito como seu princi-pal objetivo para outra, na qual a negociação estava maispresente; em segundo lugar, foi responsável por uma dis-cussão sobre alternativas negociadas, no bojo das trans-formações trazidas pela reestruturação produtiva.

Criou-se uma dinâmica nas fábricas e nos sindicatos,em que ganharam corpo os movimentos de participaçãodireta dos representantes dos trabalhadores na elaboraçãoe alteração dos processos produtivos e da organização dotrabalho. “Esses elementos, ainda que circunscritos ao ABCe desenvolvidos no interior de uma das categorias profis-sionais mais organizadas do país, apontam insistentemen-te para a construção negociada de novas relações de tra-balho e de políticas industriais” (Rodrigues e Arbix,1996:84).

Reestruturação Produtiva e Redução do Emprego

Se o processo de globalização econômica traz um au-mento da produtividade do trabalho, há também uma cla-ra redução do emprego industrial. As empresas automo-bilísticas e de autopeças sediadas no Brasil exemplificamesse procedimento. A Tabela 1 mostra a produção de veí-culos nos anos de 1991 e 1995, bem como o emprego e aprodutividade nestes dois períodos. A produção de veí-culos teve um incremento de 70%: passou de cerca de 960mil para mais de 1,6 milhão. Se a produtividade aumen-tou quase 80%, o que ocorreu com o emprego? Teve umcrescimento de apenas 5%.

No tocante ao setor de autopeças, o faturamento saltade quase 10 bilhões de dólares, em 1991, para 17 bilhões,em 1995. O aumento da produtividade é de mais de 70%.Mas, no mesmo período, ocorre uma diminuição de pos-tos de trabalho da ordem de 12%.

O Dieese estima que para cada emprego direto na pro-dução de automóveis são criados outros 29 postos de tra-balho no conjunto da cadeia automotiva. Isso já seria su-ficiente para mostrar a importância da indústriaautomobilística para a economia brasileira. Mas há ou-tros dados que confirmam essa importância. A Anfavea,com base em informações de dezembro de 1993, calculaque para um total de 120.635 trabalhadores empregadosnos setores de autoveículos e máquinas agrícolas, res-

pectivamente 106.738 e 13.897, são gerados 5,2 milhõesde empregos. Pressupondo um número médio de depen-dentes de 3,4, chegar-se-ia a um total de 22,7 milhões depessoas que, direta ou indiretamente, se sustentam a par-tir da atividade gerada no setor automotivo (Anfavea,1994:84).

Ainda que haja um efeito multiplicador significativodo emprego em razão dos investimentos diretos das em-presas multinacionais automobilísticas para os próximosanos (até o ano 2000 as montadoras têm planos de inves-tir cerca de 14 bilhões de dólares no Brasil), no cômputogeral há uma diminuição real de postos de trabalho nessesetor, em decorrência das mudanças organizacionais emcurso, bem como do aumento da automação e robotiza-ção de algumas fábricas.

Quando observamos o número total de trabalhadoresempregados nas montadoras do ABC, nos últimos anos,em especial do final dos anos 80 até hoje, o que chama aatenção é a significativa diminuição de empregados tan-to nas indústrias automobilísticas quanto no conjunto dosetor metalúrgico nesta região. A Tabela 2 mostra esseprocesso entre março de 1990 e julho de 1995. Observa-se, no período, uma acentuada redução de trabalhadoresempregados em todos os ramos.

Novas Estratégias Sindicais e Empresariais

É nesse contexto de reestruturação e redução de em-prego que emergem novas estratégias sindicais, princi-palmente nos setores industriais mais internacionalizados.A experiência das empresas e do sindicalismo na regiãodo ABC revela uma significativa mudança na posição maisintransigente do período anterior. Foi essa nova posturaque permitiu acordos como os da câmara setorial auto-

TABELA 1

Evolução da Produção, do Emprego, e da Produtividade e Taxas deCrescimento das Montadoras e Autopeças

Brasil – 1991-1995

Indicadores 1991 1995Taxa de

Crescimento (%)

MontadorasProdução (unidades) 960,2 mil 1.635,6 mil 70Emprego 109,4 mil 103,9 mil 5Produtividade veíc./trab./ano 8,8% 15,7% 78

AutopeçasFaturamento US$ 9,8 bilhões 17 bilhões 74Número de Trabalhadores 255.600 223.900 -12Produtividade fat./trab./ano US$ 38,5 mil US$ 75,9 mil 97

Fonte: Dieese 1996, p.22.

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motiva e negociações no interior das montadoras situa-das em São Bernardo do Campo.

Contrastando com o período anterior, “a agenda dosanos 90 foi ampliada significativamente de modo a abran-ger: salários, mobilidade do pessoal; condições de traba-lho; desverticalização; terceirização; manufatura celular;trabalho em grupo; inovações contínuas (kaizen); parti-cipação nos resultados; e, o mais importante, flexibiliza-ção da jornada de trabalho. Como resultado das negocia-ções, foram firmados os seguintes acordos depois de 1992:Logística (dezembro/93); Desverticalização/Terceirização(abril/94); Manufatura Celular (julho/94); Kaizen (feve-reiro/95); Trabalho em Grupo (março/95); Participaçãonos resultados (julho/95 e Flexibilização da Jornada deTrabalho (dezembro/95)” (Rodrigues e Arbix, 1996:79).Esse foi o processo de negociação da Mercedes-Benz. Noentanto, com ritmos e prazos diferentes, esses acordosocorreram também nas outras montadoras da região: Ford,Volkswagen e Scania.

As mudanças tecnológicas e organizacionais que vêmsendo introduzidas no processo de produção nas monta-doras de São Bernardo do Campo – Volkswagen, Ford,Mercedes-Benz e Scania, ainda que em níveis diferencia-dos, promovem transformações simultâneas nas condi-ções, na organização e nas relações de trabalho de suasrespectivas unidades de produção (Rodrigues, 1997). Oque pensam os trabalhadores sobre esses temas?

Para responder a isso, foi realizada uma pesquisa jun-to a 47 membros efetivos das comissões de fábrica dostrabalhadores das quatro montadoras (Gráficos 1 a 3). Essenúmero representava, em janeiro de 1996, cerca de 70%dos representantes das comissões de empresa dessas mon-

tadoras (Rodrigues, 1997). Um fato importante a ser res-saltado é que na base do sindicato dos metalúrgicos doABC e, principalmente, nas empresas automobilísticas, ascomissões de fábrica têm real poder na relação com os em-pregadores. Decorre daí a grande força desse sindicalismo,que tem uma forte penetração nos locais de trabalho.

O Gráfico 1 mostra o entendimento dos trabalhadoressobre as alterações no processo de trabalho e produção,induzidas por inovações tecnológicas (como incorpora-ções de robôs e demais equipamentos de automação, con-troladores lógicos programáveis, CAD/CAM, etc.). Amaioria (76%) acredita que as inovações tecnológicas aten-dem tão-somente os interesses da empresa. Outros 20%disseram que estas alterações trouxeram importantes trans-formações nas condições de trabalho. Apenas uma par-cela insignificante respondeu não ter havido nenhumamudança. A percepção desses trabalhadores é bastanteclara: as mudanças de gestão e/ou organização do traba-lho, assim como as mudanças tecnológicas – ainda quede pequena monta –, têm como alvo principal a melhoriada produtividade da empresa, a necessidade de fazer frenteà competição internacional, a melhoria dos produtos e umesforço para reduzir o custo dos bens produzidos para ummercado cada vez mais volátil.

O Gráfico 2 revela a percepção dos trabalhadores so-bre as mudanças tecnológicas e organizacionais na em-presa. Para 48% deles, essas transformações representa-ram uma maior variedade de tarefas exercidas. E o que émais interessante: para quase 40% dos trabalhadores houveuma melhoria na qualidade do trabalho, embora apenas8% tenham indicado que isto promoveu maior satisfação,interesse e envolvimento no trabalho. De todas as mudan-

TABELA 2

Número de Trabalhadores por Ramo de ProduçãoABC – 1990-1995

Ramo Mar./90 Jul./94 Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan./95 Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul.

Metalurgia 17.710 10.905 10.832 10.894 10.962 11.098 11.026 11.332 11.470 11.492 11.587 11.620 11.625 11.527

Mecânica 41.417 27.781 27.768 27.772 27.367 27.436 27.301 28.210 28.737 29.035 29.383 29.538 29.293 29.277

Máquinas 19.821 13.096 13.050 13.057 12.859 12.862 12.886 13.020 13.184 13.247 13.260 13.249 13.255 13.215

Mat.El.Com. 23.616 13.432 13.305 13.337 13.371 13.404 13.557 13.633 13.797 13.924 14.183 14.188 14.108 14.056

Ap. Elétr. 15.417 8.480 8.340 8.560 8.586 8.619 8.787 8.874 9.005 9.174 9.315 9.352 9.306 9.296

Mat.Transp. 15.417 84.624 84.577 84.096 84.078 83.986 84.302 84.295 84.604 84.144 84.562 85.354 85.329 84.680

Montadoras 58.556 48.825 48.823 48.506 48.613 48.228 48.131 47.918 48.074 47.566 47.752 48.458 48.651 48.609

Autopeças 42.955 32.910 32.843 32.888 32.508 32.804 33.244 33.408 33.559 33.623 33.860 33.919 33.702 33.036

Diversos 445 806 797 803 815 821 800 787 752 770 770 753 735 716

Subtotal 190.707 137.548 136.279 136.902 136.593 136.745 136.986 138.257 139.360 139.365 140.485 141.453 141.490 140.256

Total 201.432 143.548 143.111 142.725 142.393 142.578 142.835 144.184 145.351 145.395 146.584 147.570 147.596 146.288

Fonte: Dieese.

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ças que estariam ocorrendo no chão de fábrica, a que cha-ma mais a atenção dos trabalhadores é o possível des-locamento de responsabilidade das chefias para os em-pregados. Não é por acaso que quase 40% responderamter havido uma perceptível melhoria da qualidade do tra-balho, o que se deve, em parte, ao fato de essas mudançasterem proporcionado maior liberdade para executar o tra-balho, menor pressão das chefias, etc.

Quanto ao ambiente de trabalho, o Gráfico 3 mostraque quase a metade dos empregados considera que asnovas tarefas são monótonas e repetitivas e que causamstress e fadiga. Ou seja, se, por um lado, as alterações nagestão e, sob alguns aspectos, na organização do traba-lho, podem até trazer certo enriquecimento de tarefas, poroutro significam uma enorme intensificação do ritmo detrabalho nos locais de produção.

Os dados mostram que estas empresas demitiram mui-tos trabalhadores ao mesmo tempo em que aumentarama produção de carros. Visto que o incremento de máqui-nas e equipamentos modernos ainda não é tão significati-vo – à exceção da nova fábrica da Ford para fabricaçãodo modelo Fiesta e, em parte, da Volkswagen para a pro-dução do Gol – o que se percebe é um aumento sem pre-cedentes do ritmo de trabalho. Esse aspecto aparece empraticamente todas as entrevistas realizadas com empre-gados das quatro montadoras em questão e se associa aoprocesso de enxugamento da mão-de-obra que ocorreu aolongo dos últimos anos.

Comissões de Fábrica e Reestruturação

Os efeitos da reestruturação têm levado as comissões defábrica dessas empresas do ABC não só a buscarem um pro-cesso alternativo de negociação, como também a reconhe-cerem a necessidade de atuar com um certo pragmatismonesse processo. Rodrigues e Arbix (1996:81) colheram in-teressante depoimento de um membro da comissão de fábri-ca no ABC a esse respeito: “A expectativa nossa com rela-ção a essas mudanças é de tentar amenizar o que elas trazemde ruim e não com uma grande expectativa de que agora nósvamos controlar a fábrica, de que agora o trabalhador é au-tônomo, que é dono da bola. Nossa visão, nosso objetivo,foi o de minimizar os impactos negativos com relação aoemprego, principalmente de não perder postos de trabalho,de não permitir desqualificação profissional, aumento doritmo, etc. Pois, essas mudanças na organização do trabalhonem sempre qualificam os trabalhadores.”

O dilema de negociar ou recusar as mudanças foi co-locado para o sindicalismo do ABC e para as comissõesde fábrica das principais empresas. As lideranças sindi-cais optaram por participar das discussões e negociaçõessobre as mudanças na organização da produção e do tra-

76%

20%

4%

8%

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1% 5%

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13%

18%

16%

4%

a

b

c

Inovações tecnológicas de exclusivo interesse da empresa

Modificações significativas nas condições de trabalho

Nenhum impacto sobre as condições de trabalho

Fonte: Rodrigues, 1997

GRÁFICO 1

Alterações no Trabalho nas Montadoras Volkswagen, Ford,Mercedes-Benz e Scania

São Bernardo do Campo – 1995

Maior satisfação, interesse e envolvimento no trabalho

Melhoria da qualidade de trabalho

Maior variedade de tarefas exercidas

Nenhuma alteração na quantidade e na variedade das tarefas exercidas

Outra resposta

Fonte: Rodrigues, 1997.

GRÁFICO 2

Mudança nas Montadoras Volkswagen, Ford,Mercedes-Benz e Scania

São Bernardo do Campo – 1995

a

b

c

d

e

São monótonas e repetitivas, causando stress e fadiga

Envolvem tomada de decisões

Representam situações novas e inesperadas

Presença de grupos de discussão e de expressão dos trabalhadores

Outras características

Fonte: Rodrigues, 1997.

b

c

d

e

GRÁFICO 3

Características do Ambiente de Trabalho nas Montadoras Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz e Scania

São Bernardo do Campo – 1995

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SINDICALISMO NA INGLATERRA E NO BRASIL: ESTRATÉGIAS DIANTE...

balho na indústria automobilística, antecipando, com essapostura, a possibilidade de interferir, ainda que minima-mente, nessa dinâmica. Um exemplo disto está na defesado emprego. Um representante da comissão de fábrica daVolkswagen de São Bernardo (Rodrigues e Arbix, 1996),quando perguntado sobre esse assunto, afirmou que “ointeresse maior nosso é garantir o emprego”. “Se está aí,se aqui não é uma ilha, se fazemos parte de uma econo-mia globalizada, então, vamos para dentro, vamos discu-tir, vamos tirar proveito disso aí... Vamos ser menos pe-nalizados, vamos discutir, vamos tentar ganhar. Ou, senão dá para ganhar sempre, então perde aqui para ganharali, mas também não se pode deixar no controle deles...”

O processo de reestruturação tem sido também umdesafio para a atividade cotidiana de representação nointerior da empresa. Em entrevista a Rodrigues e Arbix(1996), um membro da comissão da Scania diz que aempresa “começou a implantar as células de produção, otrabalho em grupo, ilhas de produção e avisou para a co-missão de fábrica, chamou a comissão de fábrica e disse:nós estamos criando as ilhas de produção e nós tivemosque sair correndo atrás...”

Esses depoimentos demonstram da perplexidade quetomou conta do movimento sindical em face das trans-formações que vêm ocorrendo no interior das empresas,tanto organizacionais quanto tecnológicas, ao mesmo tem-po que mostram as tentativas por parte dos trabalhadoresde fazerem uma reestruturação negociada na região doABC. Nesse sentido, as comissões de fábrica, em parti-cular aquelas implantadas nas montadoras, têm funcio-nado ativamente, ampliando significativamente suas atri-buições e responsabilidades e chegando a funcionar comoum verdadeiro sindicato de empresa. Ainda que a posi-ção oficial do sindicato dos metalúrgicos do ABC, da CUTe dos membros das comissões de fábrica seja contrária àdiscussão do sindicato por empresa, é impossível deixarde constatar o que ocorre na prática (Rodrigues e Arbix,1996).

As comissões de fábrica das montadoras possuem sa-las de reunião, aparelhagem de comunicação, têm seusmembros liberados para a atividade político-reivindicati-va, são eleitas por todos os trabalhadores da fábrica – enão somente pelos sindicalizados. A realidade é que ostrabalhadores vêem nessas comissões internas o própriosindicato. Em todas as montadoras pesquisadas (Rodriguese Arbix, 1996), a comissão de fábrica é o representante“número um” dos trabalhadores, já que é ela que negociaos benefícios concedidos pelas empresas, trata de todosos problemas internos, dos atritos nas seções, enfim, davida cotidiana de milhares de funcionários. E funcionatambém como “escola” que prepara ativistas para partici-parem da diretoria do sindicato e da própria CUT.

As comissões, por um lado, aparecem como expressãoorganizada da resistência dos trabalhadores diante do pro-cesso de racionalização do trabalho e, por outro, da ne-cessidade de um canal permanente e institucionalizado dosconflitos que permeiam o dia-a-dia da empresa. Se paraos trabalhadores elas são a forma institucionalizada deexpressar suas reivindicações e significam uma real di-minuição do poder gerencial, para os empregadores sig-nificam, principalmente, uma tentativa de antecipação econtrole dos conflitos no cotidiano da produção. Essa ten-são e essa ambigüidade, em larga medida, caracterizamas experiências de comissões de empresas em nosso paíse é na indústria automobilística que esse processo é maisvisível.

IMPASSES E ALTERNATIVAS

O processo de implantação de novas formas de gestãonas indústrias inglesa e brasileira, em um contexto de re-estruturação produtiva, tem trazido mudanças significa-tivas para a vida dos trabalhadores e dos sindicatos. Nes-te artigo, pretendeu-se descrever, de forma resumida, apartir de resultados recentes de pesquisa, os impasses eas alternativas criadas pelos movimentos sindicais dos doispaíses, tão diferentes na história e na tradição. Na verda-de, a flexibilização da produção atinge de modo indiscri-minado os trabalhadores e seus empregos, em alguns se-tores da indústria, independentemente da localizaçãogeográfica. Do mesmo modo, afeta os sindicatos e suaspráticas mesmo em casos em que a organização coletivatem respeitabilidade através de um passado de lutas.

Embora algumas ações sejam semelhantes, os movi-mentos sindicais dos dois países, principalmente nos se-tores mais modernos, vêm passando por momentos dis-tintos. Não se pode deixar de considerar que os sindicatosingleses sofreram uma implacável campanha difamatóriapor parte dos governos conservadores dos últimos anos;e, sob o atual governo trabalhista, não têm conseguidorecuperar a influência que tiveram em passado recente.Além disso, defrontam-se com a manutenção dos meca-nismos de desregulamentação das relações de trabalho quefragilizam a ação sindical. Portanto, os impasses conti-nuam. O “novo realismo” tem sido a tentativa sindical deadaptação à realidade da reestruturação produtiva. A ne-cessidade de conseguir novos membros direciona a pautade discussão mais para o indivíduo, deixando em segun-do plano os trabalhadores como coletividade. Com rela-ção às novas formas de gestão, principalmente nos casosem que se aplica o HRM, a ação sindical estaria conside-rando uma participação estratégica de modo a se benefi-ciar das ambigüidades dessas formas de gestão e atuar pordentro em defesa dos interesses dos trabalhadores.

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No caso brasileiro, o movimento sindical vem pas-sando por momentos críticos diante dos impactos doprocesso de reestruturação nos setores industriais maismodernos, em particular no ABC paulista. No entanto,a história recente do sindicalismo brasileiro foi marca-da por uma revitalização que o transformou em atorrelevante no cenário político da luta pela democratiza-ção durante a ditadura militar e nas demandas por me-lhores salários e condições de trabalho. Essa força po-lítica, acumulada com as greves e a organização do fimdos anos 70 e início dos 80, com a criação da CUT edas outras centrais sindicais, tem possibilitado um cer-to poder de barganha nas negociações da reestrutura-ção industrial no ABC. É verdade que essa força dimi-nui com o deslocamento dos investimentos recentes daindústria automobilística para outras áreas do país. Noentanto, é no ABC que vêm se aplicando novas alter-nativas/estratégias de negociação, como o exemplo maisclaro da câmara setorial do setor automotivo e, maisrecentemente, a experiência que vem se desenvolven-do no âmbito da câmara regional do ABC. Elaboram-se novas estratégias que buscam combinar uma açãodefensiva firme, principalmente no que diz respeito àmanutenção de postos de trabalho, com uma ação pro-positiva visando consolidar a participação em fórunsde decisão que ultrapassem questões específicas da ca-tegoria metalúrgica. No caso do ABC, as mudanças tec-nológicas e organizacionais que vêm sendo introduzi-das no processo produtivo, principalmente nos anos 90,do ponto de vista sindical, têm resultado em mais de-semprego, embora produzam-se mais automóveis. Poroutro lado, a organização interna das fábricas, um dosaspectos mais significativos do sindicalismo do ABC,tem sido a garantia da existência de pelo menos umabarreira ao processo gradativo de perdas.

O retrato das duas situações, na Inglaterra e no Brasil,mostra um movimento sindical confrontado pelas novasformas de gestão e organização do trabalho. Embora asconjunturas sejam diferentes, em ambos os casos as em-presas (e as políticas governamentais) vêm enfatizando aflexibilização das relações de trabalho e a contenção dopoder sindical. As alternativas construídas pelos sindica-tos também passam pelas especificidades e tradições decada país. Na Inglaterra, a atividade defensiva, a perdade filiados devido à pressão das empresas e o novo rela-cionamento com o Partido Trabalhista têm significado umamplo processo de reestruturação do próprio movimentosindical. No Brasil, o sindicalismo do ABC, paradigmada CUT, também vem sendo atingido pelas mudançasorganizacionais nas empresas. Os efeitos do aumento dodesemprego são devastadores, mas a combatividade dossindicatos e sua representatividade dentro das empresas

revelam a capacidade de construir alternativas na defesade empregos e combater políticas econômicas recessivase prejudiciais ao crescimento econômico.

NOTAS

1. Ver, sobre esta temática, entre outros, Antunes (1995); Salerno (1993); Bresciani(1994); Leite (1994); Gitahy (1994); Guimarães e Castro (1990 e 1994).

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N

MILITÂNCIA REVIVIDA NA AFL-CIOqual a sua importância para o

sindicalismo latino-americano?

RUSSELL E. SMITH

Professor Adjunto de Economia, Washburn University, Topeka, Kansas

“compromisso renovado com o trabalho ao redor do mun-do”, um “movimento que representasse todos os trabalha-dores norte-americanos”; e um processo de planejamentoestratégico anual para a “institucionalização do processo demudança” (A New Voice for American Workers, n.d.).

Tanto Sweeney quanto Donahue foram representan-tes de mudanças dentro do contexto do passado recenteda AFL-CIO. Sweeney foi presidente da Seiu por 15 anos,período em que o número de membros da instituição cres-ceu de 625.000 para 1.100.000. Metade deste crescimen-to deveu-se muito mais ao trabalho agressivo de organi-zação – muitas vezes militante – do que ao resultado daabsorção ou associação de outros sindicatos. Curiosamen-te, Tom Donahue havia recusado anteriormente a opor-tunidade de competir contra Kirkland, alegando comorazão a sua lealdade ao parceiro e anunciando sua apo-sentadoria. Donahue somente voltou a ser candidato apósKirkland ter-se aposentado. Donahue, em seu breve pe-ríodo como presidente da AFL-CIO, implantou uma sé-rie de reformas que enfatizavam a organização e que erampertinentes ao direcionamento dado por Sweeney e aomovimento Nova Voz, o qual, por sua vez, tornou-se con-sensual dentro da AFL-CIO.

A convenção de outubro de 1995 tomou outras provi-dências quanto à reformulação e revitalização da AFL-CIO: incorporou novos grupos em sua hierarquia, o queresultou na expansão de seu Conselho Executivo, de 33para 51 membros, com o mínimo de dez cadeiras reser-vadas para mulheres, representantes de grupos minoritá-rios e negros; estabeleceu um terceiro cargo executivo, ode vice-presidente executivo, o qual dá assistência e as-sume o lugar do presidente em sua ausência, sem, no en-tanto, poder sucedê-lo. A proposta de se estabelecer aidade de 70 anos para a aposentadoria obrigatória do presi-

o dia 25 de outubro de 1995, John J. Sweeney,presidente da União Internacional dos Empre-gados do Setor de Serviços (Seiu), foi escolhi-

do presidente da Federação Americana do Trabalho –Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO) emsua convenção bienal e quinta eleição regular desde a fun-dação da AFL em 1886. Sweeney foi o primeiro presi-dente eleito em uma eleição competitiva, que ocorreu logoem seguida à aposentadoria praticamente forçada de LaneKirkland, em 1o de agosto de 1995, o qual foi sucedidopelo tesoureiro-secretário, Tom Donahue, através do votodo Conselho Executivo. Donahue, por sua vez, foi derro-tado por John Sweeney na convenção, que recebeu 56%dos votos (num total de 7.287.223 votos contra 5.718.198),seguindo-se a regra unitária de votação, o que represen-tou o apoio da coalizão formada por 26 sindicatos no mo-vimento A Nova Voz do Trabalhador Norte-Americano(Labor Relations Report, November 1995).

O movimento A Nova Voz procurava recuperar o po-der político e econômico do movimento trabalhista nor-te-americano, além de representar a voz das famílias dostrabalhadores. Alegando que “a luta não era para saberquem encabeçaria o movimento trabalhista, mas sim parasaber qual a direção que o movimento estava tomando”, aplataforma do Nova Voz citava o declínio do movimentotrabalhista nos últimos anos e o agravamento da situaçãopolítico-econômica, bem como apresentava um progra-ma de mudanças razoavelmente detalhado, cujas metassão: a organização como maneira de aumentar o númerode associados; uma agenda dirigida à expansão do poderpolítico dos sindicatos; a esperança de um movimento tra-balhista capaz de transformar as vidas das pessoas; o de-senvolvimento de ferramentas de mídia e comunicação querepresentassem uma “forte e nova voz progressista”; um

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MILITÂNCIA REVIVIDA NA AFL-CIO: QUAL A SUA IMPORTÂNCIA PARA...

dente da instituição – uma crítica implícita ao ex-presi-dente Kirkland – foi apresentada à consideração do Conse-lho Executivo para ser discutida na próxima convenção.

Richard Trumka, presidente do Sindicato dos Traba-lhadores de Minas, foi eleito tesoureiro-secretário e Lin-da Chavez-Thompson, uma dos vice-presidentes da Fe-deração Norte-Americana dos Empregados Estaduais eMunicipais, foi eleita vice-presidente executiva. As ca-deiras do Conselho Executivo foram ocupadas por uma jun-ta selecionada pelas duas facções: 25% dos membros doConselho são mulheres ou parte de grupos minoritários.

Em apoio à nova ênfase dada à organização, a conven-ção aprovou uma emenda constitucional que concede aopresidente autoridade especial e responsabilidade por su-pervisionar o trabalho de organização da AFL-CIO, alémde abrir caminho para a criação de um departamento res-ponsável pela organização e trabalhos de campo. Com oobjetivo de melhorar a imagem pública do trabalho orga-nizado, a convenção também adotou um código de práti-cas éticas para a AFL-CIO e autorizou o Conselho Exe-cutivo a exigir que os departamentos e os filiados daAFL-CIO adotem códigos que sejam consistentes com osdela (Labor Relations Report, November 1995).

Este artigo questiona a influência que a AFL-CIO –agora revigorada e voltada à organização – terá nos mo-vimentos trabalhistas latino-americanos. Dessa forma, écomposto por duas partes: a primeira analisa as mudan-ças propostas para a AFL-CIO, assim como a implanta-ção das mesmas; e a segunda delineia as implicações tra-zidas pelas mudanças na AFL-CIO com relação aosmovimentos trabalhistas da América Latina.

Neste texto serão considerados o pano de fundo e oconteúdo do programa do movimento Nova Voz e deli-neados o panorama básico das relações industriais e osmovimentos trabalhistas nos Estados Unidos, assim comoo lugar ocupado pela AFL-CIO e os seus sindicatos filia-dos dentro desses movimentos. Serão discutidos, ainda, aimplementação da plataforma do Nova Voz e o futuro dasrelações internacionais sob a nova liderança da AFL-CIO,através das recomendações dos grupos de relações inter-nacionais dos sindicatos filiados feitas ao Comitê de Re-lações Internacionais, bem como as implicações destasmudanças nos movimentos trabalhistas latino-americanos.

A PROPOSTA DE MUDANÇA NA AFL-CIO

As pressões de mudança exercidas pelos movimentostrabalhistas dentro da AFL-CIO, que já há algum tempovinham tomando forma, finalmente ocorreram após a vi-tória maciça dos republicanos conservadores nas eleiçõesnacionais de novembro de 1994 e a conquista republica-na das duas câmaras do Congresso. Isto trouxe o poder

político para a direita, que não o exercia por muitas déca-das, possivelmente desde antes dos anos 30. Embora odemocrata moderado Bill Clinton houvesse sido eleitopresidente dos Estados Unidos em 1992, a tomada repu-blicana das duas câmaras do Congresso em 1994 possibi-litou aos conservadores dar forma a importantes leis, cortaras despesas públicas relativas aos programas sociais, bemcomo eliminar outros programas que beneficiavam os tra-balhadores. Além disso, bloquearam as nomeações presi-denciais de gabinete, do Judiciário e das agências regula-doras (Labor Relations Report, February 1996).

Outro sintoma do declínio da influência trabalhista foia deterioração econômica dos trabalhadores. Desde mea-dos da década de 70, os salários reais vinham declinandoe a distribuição de renda piorava cada vez mais. Enquan-to o comércio internacional e a globalização econômicaeram responsabilizados por parte desta deterioração, oNova Voz colocava a culpa na diminuta presença dos sin-dicatos na economia e na política. A culpa caiu tambémsobre algumas ações patronais, tais como a resistência dossindicatos, o downsizing, a reestruturação econômica, atransferência para o exterior de atividades e funções an-tes exercidas dentro dos EUA e a quebra do esquema so-cial existente desde as décadas de 50 e 60. A habilidade ea vontade dos patrões de agirem de maneira diversa dosinteresses dos trabalhadores foram atribuídas ao declínio,tanto quantitativo quanto político, dos sindicatos. Comoresultado desta análise, surgiu a proposta de organizar ostrabalhadores, aumentando a presença dos sindicatos noslocais de trabalho, de construir e exercer o poder políticona arena eleitoral.

A presença do trabalho organizado na economia dosEUA caiu do pico atingido de cerca de 33% da força detrabalho não-agrícola no final dos anos 40 e início dadécada de 50, para cerca de 15% em 1990, embora emtermos absolutos, o número de sindicatos filiados tenhacrescido até 1980. Entretanto, este quadro começou amudar a partir da queda do número absoluto de sindica-tos filiados. O número de associados dos sindicatos redu-ziu-se de 17.700.000, em 1983, para 16.360.000, em 1995,o que representou um declínio de 7,5%. O nível de em-pregos, por sua vez, aumentou cerca de 25% durante omesmo período de 12 anos. O resultado líquido corres-pondeu a uma queda de 25% na taxa de associação aossindicatos, diminuindo de 20% dos trabalhadores assala-riados, em 1983, para somente 15% em 1995. A sindicali-zação no setor público ficou estável, em cerca de 38%, so-mente a partir do momento em que o nível de emprego e onúmero de novos sindicalizados cresceram no mesmo ritmoque o nível total de empregos. A situação foi radicalmentediferente no setor privado, no qual o número de sindicaliza-dos caiu de 16,5%, do total de empregos, para 10,3%.

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Vários fatores contribuíram para a queda da porcenta-gem de sindicalização no total de empregos. Primeiramen-te, o crescimento da taxa de empregos no período do pós-Guerra ocorreu em setores em que a sindicalização énormalmente mais difícil de ocorrer: no setor de servi-ços, ocupações e profissões de nível executivo e em re-giões que são culturalmente mais conservadoras e indivi-dualistas, como o sul e sudoeste dos Estados Unidos. Emsegundo lugar, o movimento trabalhista foi particularmen-te bem-sucedido em termos políticos entre as décadas de30 e 70, quando conseguiu a garantia do governo de queos trabalhadores pudessem ter acesso ao seguro social eserviços, além da criação de regulamentação do local detrabalho. O resultado deste sucesso foi o de fazer com quea população desconsiderasse a necessidade ou importân-cia dos sindicatos, pois todos os benefícios anteriormen-te descritos foram garantidos pelo governo. Em terceirolugar, o crescente bem-estar econômico – uma realidade nosanos 70 que acabou se tornando somente uma percepção nosanos 80 – levou a uma sensação geral de satisfação.

O declínio absoluto da taxa de sindicalização nos anos80 e 90 pode ser visto como uma continuação de tendênciasanteriores, intensificadas pelas grandes reestruturações eco-nômicas dentro de indústrias grandemente sin-dicalizadas,sendo resultado da desregulamentação (transporte e comu-nicações) ou do downsizing e do aumento da produção, im-portação ou terceirização (indústria manufatureira). Em vir-tude do downsizing na indústria manufatureira e docrescimento do setor de serviços, a utilização de traba-lhadores em período parcial, temporários e trabalhadorescontratados aumentou como uma maneira de reduzir cus-tos. Estas forças tornaram-se particularmente importan-tes em meados dos anos 80 e continuam até hoje. Dentrodeste mesmo período, o crescimento do nível de empre-gos e a sindicalização dos trabalhadores do setor públicoestabilizaram-se e não mais compensaram os declínios dasindicalização dos trabalhadores do setor privado.

Nos anos 80, houve um forte aumento no movimentoanti-sindicalista incentivado pelos patrões, o qual teve suamaior representação no esmagamento da greve dos con-troladores de tráfego aéreo em 1981 pela administraçãoReagan. Apesar de a resistência dos patrões à sindicali-zação ter aumentado durante a década de 70, esta tornou-se mais comum em anos recentes. Exemplos da resistên-cia dos patrões incluem o uso de trabalhadores substitutos,os fura-greves, que continuavam a trabalhar durante asgreves, substituindo os trabalhadores, mesmo no caso dea greve ser bem-sucedida, ou ameaças de mudança daempresa para outros países, como o México ou o Caribe.Enquanto estas tendências desenvolveram-se por 15 anosou mais, foi somente após as eleições nacionais de 1994que o peso acumulado dos números forçou uma reavalia-

ção geral. O controle do senado e da câmara dos deputa-dos pelos conservadores republicanos colocaram as con-quistas sociais dos anos 60 em risco.

Sob o sistema de eleições distritais para o Congresso,a queda da taxa de sindicalização e a mudança da popula-ção e das fábricas da cidade para os subúrbios significa-ram um grande declínio no número de membros do Con-gresso que dependiam dos sindicatos ou de seus membroscomo base eleitoral. Em termos de legislação, o resulta-do foi a redução da cobertura do seguro-desemprego e deoutros programas sociais. Em virtude de os planos de saúdee de aposentadoria que oferecem proventos acima do li-mite mínimo serem privados, ou providos pelos patrões,a diminuição do número dos sindicalizados representa aredução da cobertura e da qualidade dos planos privadosde saúde e aposentadoria, uma vez que estes são partescomuns dos contratos sindicais e não podem existir casoum sindicato não esteja presente. Já que a provisão de se-guro e serviços sociais está associada à sindicalização e aopoder político, fica fácil entender por que o movimento NovaVoz concentrou-se em conquistar maior poder político eaumentar o número de novos sindicalizados.

Uma das características da nova situação, e que não seconstitui na raiz do problema, é que a composição demo-gráfica da força de trabalho mudou. Agora, uma grandeproporção da força de trabalho é formada por mulheres,minorias e imigrantes. Estes grupos, que geralmente es-tão ao lado dos jovens, tendem a se concentrar em setoresque oferecem baixa remuneração e serviços não repre-sentados por sindicatos, enquanto os trabalhadores sindi-calizados são geralmente do sexo masculino, mais velhos,brancos e inseridos em setores em que, geralmente, ostrabalhadores são mais organizados. Portanto, se o movi-mento trabalhista tiver de crescer e tornar-se mais repre-sentativo da força de trabalho, este deve também alcan-çar as mulheres, as minorias, os imigrantes e os jovenstrabalhadores. Esta urgência é representada pelas medi-das que tentam incluí-los e que foram adotadas pela con-venção da AFL-CIO e inseridas em caráter de urgência.

A plataforma do Nova Voz deve ser entendida comoum documento de campanha: breve e direto, ao mesmotempo em que identifica os problemas e traz soluções. Seuplano de ação contém sete pontos principais, todos en-volvendo a organização, o movimento, o discurso, o com-promisso, assim como a mudança – como forma de revi-talizar as estruturas da AFL-CIO e conquistar o poderpolítico e econômico, tornando-se a voz do trabalhador.Cada ponto identifica várias ações diferentes ou posturas aserem tomadas (A New Voice for American Workers, n.d.).

O primeiro e mais importante ponto é sobre a organi-zação de novos membros, que “deve ser feita em um pas-so e escala sem precedentes”. As metas específicas são:

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um orçamento de 20 milhões de dólares; novas fontes definanciamento; recursos dirigidos à região do Cinturão doSol, ainda não representada por sindicatos; mais recursosfinanceiros para o Instituto Organizador da AFL-CIO;introduzir cerca de mil novos organizadores treinadosdentro dos próximos dois anos; outros mil estudantesuniversitários recrutados como voluntários dentro de umacampanha nacional de organização de grande transparên-cia, chamada de Verão do Sindicato; um departamentoorganizador independente, com um escritório de planeja-mento com o objetivo de organizar estratégias de longoprazo junto aos sindicatos filiados e aos departamentosde comércio da AFL-CIO. Além de mais membros, osobjetivos incluem a utilização de trabalhadores que pos-sam trabalhar como organizadores, a construção de umacoalização global e o apoio de membros e líderes em todoo processo de organização. Os elementos principais são:maiores recursos financeiros e humanos concentrados naorganização; um mecanismo institucional melhorado; pen-samento estratégico; e conquista de apoio à idéia de auto-organização.

O segundo ponto clama por um “movimento políticonovo e progressista dos trabalhadores”. As propostas es-pecíficas incluem centros de treinamento para os ativis-tas e candidatos, um centro de pesquisa que focalize odesenvolvimento de políticas progressistas em nome dosindicato e das famílias dos trabalhadores, reestruturaçãode conselhos centrais do trabalho como instrumentos po-líticos, mais recursos para as campanhas de 1996 e ins-trumentos de mídia inovadores. Idéias-chave e engaja-mento significam mais dinheiro para a ação política,treinamento de ativistas, pesquisas, uma presença políticalocal mais forte, instrumentos de campanha e utilizaçãomais criativa e ativa da mídia.

No terceiro ponto, é mencionado que o objetivo de ummovimento trabalhista é ser eficiente o suficiente parafazer a diferença, “para mudar as vidas dos trabalhado-res”. As propostas aqui apresentadas direcionam-se nosentido de que a coordenação e a mobilização de recur-sos dentro e fora do movimento trabalhista sejam volta-das a alvos específicos identificados através de estraté-gias. Os mecanismos incluem um Centro de CampanhasEstratégicas para a coordenação de campanhas nacionaisde contrato, um Fundo para Campanhas Estratégicas, umGrupo de Apoio a Greves de grande transparência dispo-nível quando há a necessidade de ação imediata, e uma“Câmara de Compensação para Investimentos em Pen-sões para prover uma infra-estrutura que possa responderà globalização da indústria e do capital”, e que possuaum banco de dados sobre investimentos em fundos depensão e o trabalho coordenado com outros grupos, in-clusive o Projeto Transnacional de Monitoramento Cor-

porativo, e outros centros de trabalhadores ao redor domundo.

O quarto ponto – “criar uma nova, forte e progressistavoz na vida dos norte-americanos” – realmente clama poruma voz, na forma de uma operação altamente refinadade Assuntos Públicos. O escritório de Assuntos Públicosexistente deveria ter sido transformado em um mecanis-mo estratégico de promoção de uma posição de destaquedos sindicatos na mídia, constituindo-se na “voz forte dasfamílias dos trabalhadores nas questões de âmbito nacio-nal”. As publicações da AFL-CIO deveriam ter sido revi-sadas e um novo computador e outras tecnologias deve-riam ter sido instalados.

O quinto ponto, “renovar e retomar o foco de nossoscompromissos com o trabalho ao redor do mundo”, apontapara as conquistas internacionais dos movimentos traba-lhistas norte-americanos e menciona especificamente asbatalhas travadas na África do Sul e Polônia, assim comoa tarefa de apoiar “os direitos dos trabalhadores em todosos lugares e ajudar a construir sindicatos de livre comér-cio em todas as nações”. Este ponto também reconheceque os movimentos trabalhistas norte-americanos podemaprender com outros movimentos, e vice-versa, e que omovimento de sindicatos de livre comércio é importante,em virtude da mobilidade global do capital, inclusive docapital estrangeiro dentro dos EUA. A despeito da análi-se global, a ação proposta tem suas raízes nos termos dosinteresses dos trabalhadores norte-americanos e consis-te-se de “um Projeto Transnacional de MonitoramentoCorporativo, que deveria coordenar e dar assistência aosesforços de seus filiados, às suas secretarias de comércioe aos demais grupos em suas lutas para proteger os traba-lhadores norte-americanos”. Antes que se possa erronea-mente interpretar a natureza autocentrada deste quintoponto, deve-se lembrar que ele fora preparado para fazerparte de um documento de campanha política nacional eque o presidente da AFL-CIO, cuja saída estava prestes aocorrer, foi criticado por ter passado muito tempo na Eu-ropa e ter negligenciado a situação dos EUA.

O sexto ponto, “levar um movimento democrático, oqual represente todos os trabalhadores norte-americanos”,pedia mudanças organizacionais dentro da AFL-CIO, atra-vés de mais oportunidades de participação em todos osníveis e de maior transparência nas atividades internas.Oportunidades maiores de participação incluem a expan-são da liderança através de um Conselho Executivo maisamplo e da vice-presidência executiva. Além disso, esteponto inclui o estabelecimento de um limite de idade parao exercício dos três cargos mais importantes, encontrostrimestrais do Conselho Executivo, encontros anuais doConselho Geral (de todos os sindicatos filiados à AFL-CIO), encontros dos presidentes das agências estaduais

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da AFL-CIO e dos líderes dos conselhos centrais locaisde trabalho, bem como conquistar a presença dos jovenstrabalhadores. As medidas de transparência abrangemagendas escritas de trabalho que circularão antes das reu-niões do Conselho Executivo e um orçamento formal daAFL-CIO, a serem adotados pelo Conselho Executivo edevendo estar disponíveis aos seus filiados. Embora estaspropostas sejam rotineiras, implicitamente abarcam críticassignificantes às práticas da gerência interna da AFL-CIO.

Finalmente, o sétimo ponto sugere que a AFL-CIO de-veria “institucionalizar o processo de mudança” em ante-cipação aos desafios futuros e iniciar “um processo decrescimento contínuo”. Foi especificamente proposto oestabelecimento de um processo de planejamento estra-tégico. Não somente os recursos de cada um dos elemen-tos da atividade da AFL-CIO devem ser alocados estra-tegicamente e de forma não reativa, mas tudo deveacontecer dentro do contexto de uma revisão estratégicacontínua, que antecipe futuros desafios.

A ESTRUTURA DOS SINDICATOSTRABALHISTAS NOS ESTADOS UNIDOS

Em função do fato de o programa do Nova Voz ser dereforma interna e expansão das organizações dos movi-mentos trabalhistas nos Estados Unidos, é preciso fazeruma descrição básica de sua estrutura organizacional.

Essencialmente, a estrutura dos sindicatos possuiquatro níveis: o primeiro é o da confederação centralnacional do trabalho, que se constitui na própria AFL-CIO e que é comumente chamada de a “federação”; osegundo é o dos sindicatos nacionais, que tradicional-mente representam todos os filiados dos sindicatos na-cionais em suas ocupações ou indústrias; o terceiro é odos sindicatos locais reunidos através dos sindicatosnacionais; e o quarto é o da “unidade de barganha” –que se constitui em um agrupamento de trabalhadores,ou seja, em um agrupamento de ocupações e seus ocu-pantes – estabelecida pelos processos do ConselhoNacional das Relações Trabalhistas (NLRB), sendo aunidade eleitoral que vota a favor ou contra a repre-sentação sindical, além de ser protegida por qualqueracordo coletivo de barganha subseqüente.

Um sindicato local pode representar uma ou mais uni-dades de barganha (eleição) e uma ou mais empresas, re-crutando seus filiados dentro dos grupos de trabalhadoresdestas unidades de barganha. Nos estados norte-americanoschamados de “direito ao trabalho”, onde a filiação a umsindicato não pode ser obrigatória, nem todos os mem-bros das unidades de barganha são filiados a algum sin-dicato. O modelo é praticamente o mesmo para as rela-ções trabalhistas cobertas pelo Ato Trabalhista dos

Ferroviários e para os estatutos das indústrias locais e es-taduais.

A mais importante das propostas do Nova Voz – queapresenta um nível organizacional sem precedentes – cons-titui-se em uma política que deve ser executada no âmbi-to da unidade de barganha. O objetivo específico é esta-belecer mais unidades de barganha, para que estas possamvencer as eleições de representação dentro destas unida-des e negociar os contratos relativos a essas ocupações eaos trabalhadores. Já que não há uma exigência legal quan-to à obrigatoriedade de um acordo coletivo de barganhanos Estados Unidos, a negociação de um primeiro con-trato quase nunca é bem-sucedida.

As eleições de representação são administradas por umaagência federal, o Conselho Nacional de Relações Traba-lhistas (NLRB). O procedimento eleitoral é estabelecidoatravés de leis, como meio de os trabalhadores exerce-rem seus direitos legais de se organizarem e negociaremcoletivamente os termos e condições de sua contratação.Caso a certificação do sindicato seja feita formalmente,então os trabalhadores designariam individualmente umsindicato nacional preexistente como seu exclusivo agentede barganha. Quando uma porção significante dos traba-lhadores assim o fazem, o sindicato solicita à NLBR –uma agência federal independente – o seu reconhecimen-to enquanto agente de barganha exclusivo daquele localde trabalho dentro de uma empresa específica.

Caso o empregador não reconheça o sindicato, a NLBRentão determina os limites exatos da unidade de barga-nha e estabelece quem votará nas eleições de certificação,além de conduzir ela mesma as eleições. Porém, caso umagrande parte dos trabalhadores dentro da unidade de bar-ganha votem a favor do sindicato, este é automaticamen-te certificado. Enquanto o sistema é voluntário, ou seja,os trabalhadores podem escolher entre ter ou não um sin-dicato, ele não chega a ser pluralista, já que permite aexistência de apenas um sindicato por unidade de barga-nha. Caso um trabalhador vote na minoria, ele estará su-jeito à escolha da maioria, inclusive ser representado porum sindicato, mesmo que a lei de alguns estados (como éo caso daqueles chamados de “direito ao trabalho”) proí-ba a exigência de que os trabalhadores sejam filiados aum sindicato certificado.

Infelizmente, este relato de democracia eleitoral nolocal de trabalho é uma visão idealizada, ou mesmo ro-mantizada de liberdade de associação. Enquanto a em-presa supostamente não deveria interferir nas decisões dostrabalhadores de escolher um sindicato, ela tem o direitode livre expressão e de fornecer informações, desde queestas não sejam ameaças ou coerção. A neutralidade doempregador é um ideal, tanto quanto o é a observânciapor parte dos patrões da proibição a práticas de interfe-

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rência, dominação, discriminação e retaliação dos traba-lhadores, além da observância ao dever de barganha. Aatividade sindical, que inclui a organização, deve ser pro-tegida, mas na prática os trabalhadores chegam a ser de-mitidos por participarem em tais atividades. Nos últimos20 ou 30 anos, a resistência dos patrões à sindicalizaçãodos trabalhadores tem apresentado um crescimento subs-tancial, em termos tanto de freqüência quanto de sofisti-cação, de tal forma que o “direito” legal à existência deum sindicato chega quase a perder totalmente a sua for-ça. É justamente o sucesso dessa resistência que torna maisradical o direcionamento de novos recursos para a orga-nização das prioridades da AFL-CIO.

Os sindicatos nacionais estão acima das unidades debarganha e dos sindicatos locais dentro da estrutura dossindicatos trabalhistas. Os sindicatos nacionais, por se-rem independentes, autogovernados e essencialmente so-beranos, são os centros de trabalho dos movimentos tra-balhistas. Os sindicatos nacionais, por um lado, reúnem eregulam seus sindicatos locais e são, também, os agentesque agregam os sindicatos locais em um único sindicatode trabalhadores dentro de uma dada atividade econômi-ca. As relações entre os sindicatos locais e os nacionaissão muito complexas e variam significativamente quantoà centralização e à descentralização das atividades. Ossindicatos nacionais freqüentemente têm muitos empre-gados que executam as funções centralizadas ou dão apoiotécnico e de campo às funções descentralizadas. O tama-nho pode encorajar a fusão entre sindicatos nacionais paraque possam ganhar economias de escala em pesquisa,infra-estrutura, fundo de apoio às greves, campanhas po-líticas e em outras áreas. Os sindicatos nacionais são osmembros ou “filiados” da AFL-CIO.

Tradicionalmente conhecidos como ocupacionais ouindustriais, e geralmente cobrindo uma única indústria ouocupação, as fusões entre sindicatos nacionais têm, emanos recentes, resultado em uma concentração de consi-derável proporção de trabalhadores sindicalizados den-tro de uns poucos sindicatos nacionais. Fusões à parte, ossindicatos nacionais crescem quando eles organizam no-vas unidades de barganha, as quais os representam nasbarganhas coletivas. De maneira semelhante, os sindica-tos nacionais perdem seus membros quando os locais detrabalho representados por eles diminuem de tamanho ouextinguem-se.

Dos 16.359.600 trabalhadores sindicalizados em 1995,13.014.000, ou cerca de 80%, eram membros dos sindi-catos nacionais filiados à AFL-CIO. Grande parte dos sin-dicalizados estavam concentrados em apenas alguns sin-dicatos. Os sete maiores sindicatos filiados à AFL-CIOreuniam cerca de metade desses trabalhadores e os dez maio-res sindicatos eram responsáveis por 60% de seus membros,

com, no mínimo, 400.000 associados cada. A partir de 1995,duas fusões de sindicatos contribuíram para o aumento daconcentração de filiados aos sindicatos. O sindicato dos si-derúrgicos absorveu o dos trabalhadores da indústria da bor-racha, com 79.000 membros, passando do décimo para ooitavo lugar, enquanto a fusão entre o sindicato dos traba-lhadores da indústria têxtil e o dos trabalhadores de acessó-rios, que formou a Unite, fez com que o novo sindicato for-mado assumisse a décima quinta posição.

Finalmente, outras propostas de fusões fariam aumen-tar ainda mais a concentração. Por exemplo, a fusão entreos sindicatos dos siderúrgicos, dos trabalhadores da in-dústria automobilística e dos operadores de máquinas,todos ocupando as dez primeiras posições no ranking dossindicatos filiados à AFL-CIO, acarretou um novo sindi-cato com 1.681.100 associados, ocupando a primeira po-sição no ranking e absorvendo 12,9% dos trabalhadoressindicalizados, o que resultou na redução do número dosmaiores sindicatos de dez para oito. Similarmente, a pro-posta de fusão entre os sindicatos dos trabalhadores daindústria alimentícia, dos comerciários e da indústria das

TABELA 1

Número de Sindicalizados da AFL-CIOEUA – 1995

Classificação Sindicatos SindicalizadosEm 1.000 (%)

Total de Filiados da AFL-CIO 13.014 100,01 Teamsters – IBT 1.285 9,92 State, County, Municipal – AFSCME 1.183 9,13 Service Employees – Seiu 1.027 7,94 Food and Commercial Workers – UFCW 983 7,55 Automobile, Aerospace and Agriculture – UAW 751 5,86 Electrical Workers – Ibew 679 5,27 Teachers – AFT 613 4,78 Communication Workers – CWA 478 3,79 Machinists & Aerospace – IAM 448 3,4

10 Steelworkers – USW 403 3,111 Carpenters 378 2,912 Laborers 352 2,713 Operating Engineers 298 2,314 Postal Workers 261 2,015 Hotel Employees and Restaurant Employees – Here 241 1,916 Paperworkers 233 1,817 Plumbing & Pipefitting 220 1,718 Letter Carriers – Nalc 210 1,619 Government, American Federation – AFGE 153 1,220 Fire Fighters 151 1,221 Electronic, Electrical 135 1,022 Clothing and Textile Workers – ACTWU 129 1,023 Garment Workers – ILGWU 123 0,924 Sheet Metal Workers 106 0,8

Demais Filiados 2.174 16,7

Fonte: U.S. Bureau of the Census, 1996.

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comunicações produziria um sindicato com 1.261.000membros, que ocuparia o terceiro lugar, atrás do sindica-to Teamsters. Isto reduziria o número de sindicatos commais de 400.000 membros para somente sete. Uma fusãoentre o sindicato dos professores (AFT) e a AssociaçãoNacional de Educação (NEA) – a qual não faz parte daAFL-CIO – faria com que o sindicato AFL-NEA atingis-se a primeira colocação. Os sete maiores sindicatos re-presentam cerca de dois terços dos membros dos sindica-tos filiados à AFL-CIO. Entre a sétima e a oitava colocações,há uma grande diferença de tamanho dos sindicatos nacio-nais, criando um grande viés na distribuição dos sindicatosnacionais em termos de quantidade de filiados.

Como mostrado anteriormente, a AFL-CIO está tradi-cionalmente ausente das atividades básicas de organiza-ção dos sindicatos, das barganhas coletivas e das admi-nistrações de contratos. Suas principais atividades são:prover serviços aos sindicatos nacionais, resolver os con-flitos entre os sindicatos nacionais e lidar com as rela-ções legislativas e políticas com o governo federal emWashington. Freqüentemente, seus maiores filiados pos-suem departamentos de relações governamentais com oobjetivo de fazer lobby em Washington.

As relações internacionais são normalmente conduzi-das pela AFL-CIO, embora seus maiores filiados têm suaspróprias organizações de relações internacionais, incluindoa Confederação Internacional dos Sindicatos de LivreComércio (ICFTU) e o tripartido, Confederação Interna-cional de Trabalho (ILO). Os sindicatos nacionais filia-dos à AFL-CIO pertencem, muitas vezes, juntamente comseus equivalentes em outros países, a quase dez secreta-rias de comércio (ITS), que são federações internacionaisde federações setoriais e sindicatos nacionais.

A AFL-CIO foi formada em 1955 através da fusão daAFL e da CIO. Estes grupos de atividades continuam pre-servados dentro dos departamentos industriais e comer-ciais da AFL-CIO, os quais representam os interesses dosmembros de seus sindicatos nacionais filiados. Além dosdepartamentos ligados aos sindicatos, incluem os servi-ços de alimentação e aliados, comércio marítimo, comér-cio de metais e empregados públicos, entre outros. Há umaestrutura elaborada de empregados e departamentos desuporte. Nos âmbitos local e estadual, as unidades dossindicatos nacionais filiados à AFL-CIO participam dasrelações governamentais e atividades lobbistas das AFL-CIOs estaduais e dos conselhos trabalhistas locais.

A IMPLEMENTAÇÃODO PROGRAMA DO NOVA VOZ

O desafio enfrentado por John Sweeney e pela recém-eleita liderança da AFL-CIO, durante a implementação

da plataforma do Nova Voz, foi o fato de seu elementomais importante, a organização de seus novos membros,não estar diretamente sob seu controle (Worsham, 1996 e1997). Além do mais, havia a necessidade de reorganiza-ção e mudança do foco de sua estrutura administrativa, afim de transformá-la em um instrumento de organizaçãoe direito, após muitos anos de relativa passividade. Já nolado positivo, sindicatos representando mais de 55% dototal de filiados votaram a favor das mudanças, no mo-mento quando muitos sindicatos já haviam passado porprocessos de renovação. Além disso, muitos representantesespalhados pela estrutura organizacional estavam ansio-sos por seguir adiante.

Ao final de 1995, John Sweeney estabeleceu o tompolítico, ao declarar que os “Estados Unidos precisavamde aumento de salários”, chamando a atenção para a pio-ra da situação econômica dos trabalhadores em geral epara o baixo valor real do salário mínimo. Ele tambémanunciou a formação de cinco grupos de tarefas consti-tuídos de sete representantes de 20 sindicatos para suge-rirem o modo de implementação da plataforma do NovaVoz. Os cinco grupos de tarefas participaram nas áreas or-ganizacional, de ação política, abordagem estratégica, rela-ções públicas e educação e treinamento (Labor RelationsReport, January 1996).

Durante o encontro do Conselho Executivo realizadono dia 24 de janeiro de 1996, foram apresentados os re-sultados, que, além de reafirmarem o Programa do NovaVoz, deram-lhe também um novo impulso. Em termos deorganização, Richard Bensinger, chefe do Instituto Or-ganizacional, foi nomeado chefe do recém-formado De-partamento Organizacional.

O Departamento de Organização teria a tarefa de su-pervisionar o Instituto Organizacional, administrar duranteo período de dois anos o fundo de 20 milhões de dólares,atacar o problema agudo de conquistar novos contratos,tentar conseguir a aprovação de leis federais e estaduaisque beneficiassem o processo organizacional e desenvol-ver o programa organizacional para a região Sul e o Cin-turão do Sol.

O grupo de ação política encarregou-se de encontrarmaneiras de formar uma estrutura permanente de ativis-tas políticos desde as bases, fazendo com que 100 ativis-tas fossem inseridos em cada distrito do Congresso. Comrelação ao ano político atual, o grupo propôs que 2.500ativistas fossem colocados em cada distrito durante as seissemanas finais da campanha. A criação de um fundo de35 milhões de dólares foi proposta pelo grupo, sendo quegrande parte desse montante seria utilizada para bancaros gastos com a mídia.

O grupo de tarefas encarregado da área de abordagensestratégicas assinalou a necessidade de serem conduzi-

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das pesquisas, não só na área das negociações, mas tam-bém na área organizacional. O Centro para CampanhasEstratégicas foi estabelecido com o objetivo de auxiliar aaplicação da alavancagem econômica no modelo de cam-panha corporativa. O Projeto Corporativo Transnacionalfoi inserido neste centro. Ficou decidido que a organiza-ção deveria ser conduzida pelos filiados, mas a AFL-CIOcontinuaria sendo responsável por atender a todos os pe-didos de apoio. Também ficou decidido que, no eventode um conflito trabalhista, haveria o envolvimento ime-diato da AFL-CIO.

O grupo de tarefa encarregado dos assuntos públicos re-comendou a criação de quatro divisões. Uma delas seria res-ponsável pelo contato com a mídia, a produção de discur-sos, pela mídia eletrônica e impressa além de outras mídias.Além disso, esta divisão seria responsável pela reformula-ção das publicações, de maneira a torná-las mais profissio-nais, utilizando-se tecnologia de ponta na focalização de suamensagem. A força da tarefa da área educacional e de trei-namento propôs modelos de currículos em economia políti-ca e programas de treinamento de líderes organizacionais,de ação e campanhas políticas. Novos cargos de chefia fo-ram criados dentro dos comitês do Conselho Executivo (La-bor Relations Report, February 1996).

Um plano organizacional mais detalhado foi anuncia-do no encontro do Conselho Executivo no dia 19 de feve-reiro. Tendo como base o novo foco estratégico da AFL-CIO, o plano foi definido mais como uma estratégia visandoo movimento, do que a reunião de sindicatos individuais.Dentro da estrutura do movimento, a AFL-CIO proveriaa liderança através da coordenação e apoio aos filiados,que seriam desafiados a mudarem sua filosofia organiza-cional e a utilizarem mais seus próprios recursos com oobjetivo de alocar 30% destes recursos para atividadesorganizacionais. A idéia era a de formar uma “cultura deorganização”, compartilhar especialidades e encorajarcampanhas plurissindicais.

Dos milhões de dólares dos fundos da AFL-CIO desti-nados ao trabalho organizacional em 1996, metade iriapara o Instituto Organizacional e a outra metade para ofundo organizador. O fundo da AFL-CIO não deveriasubstituir os fundos de seus filiados, sendo, portanto, es-tabelecidas algumas regras para a sua distribuição. Parareceber dinheiro dos fundos de organização da AFL-CIO,os filiados teriam que possuir um departamento organi-zacional, corpo de funcionários e metas bem estrutura-das. A prioridade seria concedida aos projetos que apre-sentassem importância estratégica para o movimentotrabalhista. Se uma ação era aprovada, ela então seria su-pervisionada pelo departamento organizacional da AFL-CIO e por um comitê composto por representantes de cadasindicato participante. O Conselho Executivo também

adotou oficialmente o slogan “Os Estados Unidos preci-sam de aumento de salário”, como parte da campanha po-lítica e como forma de ligar as atividades legislativas, políti-cas, de barganha e organizacionais sob o mesmo tema (LaborRelations Reporter, February 1996). Karen Nussbaum, di-retora do Bureau da Mulher do Departamento de Traba-lho dos Estados Unidos durante três anos e fundadora daNove às Cinco, a Associação Nacional das Mulheres Tra-balhadoras, tornou-se diretora do novo Departamento dasMulheres Trabalhadoras (Labor Relations Report, March1996). Ron Blackwell, assistente do presidente da Unite,foi apontado diretor do novo Departamento dos AssuntosCorporativos, cujo estabelecimento foi reflexo do novoformato das abordagens estratégicas.

No decorrer de 1996, os esforços mais importantesforam direcionados às eleições nacionais de novembro.Os esforços da AFL-CIO ajudaram a reeleição do presi-dente Bill Clinton. Embora a AFL-CIO não tenha sidobem-sucedida em seu objetivo anunciado de tomar o con-trole da Câmara dos Deputados das mãos do Partido Re-publicano, conseguiu fazer com que o partido perdesse amaioria na Câmara, enfraquecendo o seu controle. O pro-cesso de reestruturação organizacional continuou. O ob-jetivo da organização foi obter a representação direta,como nos anos 20 – longe do lento e difícil processo daNLBR –, tendo como meta um setor industrial inteiro den-tro de uma cidade, ou uma empresa (AFL-CIO News,1996). Por outro lado, em virtude da urgência da campa-nha política, alguns departamentos recém-criados ou re-estruturados ficaram sem funcionários até o final de 1996(Labor Relations Report, March 1997).

Quanto à área de assuntos internacionais, durante a pri-mavera de 1996, seguindo-se ao apontamento das novascadeiras dos comitês do Conselho Executivo, o Comitê deAssuntos Internacionais coordenou a revisão das atividadesinternacionais da AFL-CIO através de grupos de trabalho,que incluíam funcionários dos grupos de assuntos interna-cionais dos filiados (Kourpias, 1996). No encontro do Con-selho Executivo que ocorreu no mês de agosto, o relatóriopreparado pelos grupos foi apresentado pelo Comitê de As-suntos Internacionais (AFL-CIO International AffairsReview, 1996). Barbara Shailor, diretora de Assuntos Inter-nacionais da Associação Internacional dos Maquinistas(IAM) foi indicada diretora de Assuntos Internacionais (IAMShailor Moves..., 1996). O papel dos grupos de AssuntosInternacionais dos filiados e o apontamento de um novo di-retor de um sindicato filiado pode ser interpretado, no míni-mo, como uma injeção de sangue novo em uma área em queos grupos profissionais tradicionalmente têm funcionado commais autonomia.

Passadas as eleições e estando o processo de reestru-turação em andamento, o ano de 1997 trouxe novas ativi-

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dades nas áreas organizacional e de negociação. No en-contro de fevereiro do Conselho Executivo foi anuncia-do o plano de utilizar, através do Departamento de As-suntos Corporativos, cinco empresas onde havia disputastrabalhistas. A idéia era a de ter “a AFL-CIO na mesmamesa com o sindicato” (Labor Relations Report, March1997). Em fevereiro de 1997, o encontro do Conselho Exe-cutivo lançou também uma campanha geral de mídia, ten-do como alvo três ou quatro cidades e objetivando a me-lhora da imagem das atividades trabalhistas, quando foiestabelecido o programa das Cidades Sindicais, com o in-tuito de mobilizar os conselhos centrais de trabalhos lo-cais para se organizarem e estruturarem seus objetivos po-líticos, além de promover a idéia de coalizões comunitáriasem torno dos movimentos educacionais e questões orga-nizacionais (Labor Relations Report, March 1997). Emabril, a página da AFL-CIO na Internet foi expandida paraincluir um dispositivo de “fiscalização de renda”, para queas pessoas pudessem ficar a par do salário do superinten-dente de sua empresa e estimar quanto tempo elas leva-riam para alcançá-lo.

De um modo geral, as conquistas do primeiro ano emeio de trabalho tiveram resultados conflitantes. Enquantoa AFL-CIO deu grandes passos na área política, o Con-gresso permaneceu nas mãos do Partido Republicano.Houve uma intensa reestruturação interna e grandes pro-gressos foram obtidos quanto à incorporação de mulhe-res e representantes de minorias, além da reorganizaçãodos departamentos e modernização das publicações daAFL-CIO. Isto incluiu o uso de tecnologia eletrônica ede novas formas de atingir culturalmente os trabalhado-res mais jovens. Entretanto, em áreas mais críticas da or-ganização, os números até agora obtidos não mostraramos resultados esperados, o que pode ser explicado pelofato de 1996 ter sido um ano eleitoral, sendo que ainda émuito cedo para se fazer uma avaliação mais precisa.

AS IMPLICAÇÕES PARA OS ASSUNTOSINTERNACIONAIS

O melhor indicador para se avaliar quais mudançasainda estarão por vir (se vierem) na área de assuntos in-ternacionais, talvez possa ser encontrado no relatório dasequipes de trabalho dos grupos de assuntos internacio-nais, que foi entregue ao Comitê de Assuntos Internacio-nais do Conselho Executivo (AFL-CIO InternationalAffairs Review, 1996). O relatório foi produzido a pedi-do de John Sweeney e George Kourpias, presidente daAssociação Internacional dos Maquinistas (IAM) e pre-sidente de Assuntos Internacionais, o qual, contando coma participação dos grupos de Assuntos Internacionais dossindicatos filiados, sugeriu ao Departamento de Assun-

tos Internacionais da AFL-CIO a condução de uma revi-são dos programas internacionais da AFL-CIO. No finalde maio, o relatório foi apresentado ao Comitê de Assun-tos Internacionais (Kourpias, 1996), sendo adotado comorecomendação preliminar, a qual, por sua vez, foi poste-riormente entregue ao Conselho Executivo da AFL-CIOno início de agosto (Parks, 1996 e Hays, 1996). A parti-cipação dos grupos de trabalhadores internacionais dossindicatos filiados foi bastante significante, senão predo-minante. A preocupação dos sindicatos com questões dodia-a-dia das atividades sindicais, organização e negocia-ção coletiva pode ser vista no relatório final. Embora orelatório tenha sido somente apresentado e não adotado,presume-se que as mudanças futuras aplicadas ao progra-ma estarão de acordo com as recomendações apresenta-das no relatório (Hays, 1996).

O relatório faz dois tipos de recomendações. O GrupoI questiona a função principal das atividades internacio-nais da AFL-CIO e indaga quais são os recursos disponí-veis internacionalmente para o fortalecimento das nego-ciações coletivas e da organização. O Grupo II propõe aseguinte questão: “como fazer para que o trabalho reali-zado pelo Instituto de Programas da AFL-CIO seja maiseficaz no sentido de promover um crescimento de sindi-catos de comércio mais independentes e fortalecidos, quepossam fazer aumentar a solidariedade entre os sindica-tos internacionais, para que estes possam apoiar a luta dostrabalhadores no resto do mundo?” Alguém já disse queo objetivo é fortalecer os sindicatos e as negociações co-letivas e a solidariedade internacional em apoio às lutasdos trabalhadores, e que nenhuma ênfase extraordináriaestá sendo dada tanto em casa quanto em outros países.

As atividades dos movimentos trabalhistas internacio-nais incluem a filiação em organizações internacionaispolíticas, que ofereçam apoio às organizações e às rela-ções com os movimentos trabalhistas de outros países. Amaioria dos centros trabalhistas nacionais espalhados pelomundo agora pertencem à Confederação Internacional dosSindicatos de Livre Comércio (ICFTU). Nas Américas, aorganização regional é a Organización Regional de Trabajo(Orit). Os movimentos nacionais do trabalho participamda Organização Internacional do Trabalho (ILO), juntocom representantes governamentais e patronais, e basei-am-se nas convenções da ILO, no que diz respeito à im-plementação de padrões de trabalho em seus própriospaíses. Os sindicatos nacionais, ou federações setoriaisem muitos países, pertencem a uma ou mais secretariasde comércio internacionais específicas a uma indústria(ITS). As ITSs freqüentemente coordenam a comunica-ção entre os trabalhadores e as ações de solidariedade entreos sindicatos que representam trabalhadores de uma em-presa multinacional específica. Os movimentos trabalhis-

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tas nacionais e internacionais vêm aumentando o númerode políticas voltadas à monitoração das agências interna-cionais não-trabalhistas, como a agência do Banco Mun-dial, o próprio Fundo Monetário Internacional, a Organi-zação Mundial de Comércio e os acordos regionais decomércio, incluindo-se o Nafta e o Mercosul. Muitos doscentros nacionais de trabalho dos países desenvolvidos eas organizações internacionais de trabalho, incluindo-sea ILO, a Orit e a ITS, mantêm programas de treinamentoe desenvolvimento das questões sindicais dentro dosmovimentos trabalhistas nos países em desenvolvimen-to. Enquanto parte da intenção é dar apoio ao empenhoeconômico, social, desenvolvimento político e solidarie-dade internacional, o empenho geopolítico e de interesseeconômico de cunho pessoal não pode ser desprezado.

Desde a década de 60, a AFL-CIO tem mantido três ins-titutos de treinamento ligados a sindicatos regionais naAmérica Latina, Ásia e África, através de financiamento dogoverno norte-americano, principalmente da Agência Nor-te-Americana para o Desenvolvimento Internacional (AID).Um quarto Instituto para a Europa Oriental foi posteriormentecriado, além do Financiamento Nacional da Democracia(NED). Os quatro institutos são: o Instituto Norte-America-no para o Desenvolvimento do Trabalho Livre (AIFLD) (paraa América Latina), o Instituto Asiático-Americano do Tra-balho Livre (AAFLI), o Centro de Trabalho Afro-America-no (AALC) e o Instituto do Sindicato do Livre Comércio(FTUI) para a Europa Oriental. As atividades trabalhistasinternacionais não eram novidade nos anos 60, e já datavamdos dias do primeiro presidente da AFL, Samuel Gompers,quando assumiram a forma institucional, na mesma épocaem que as batalhas da Guerra Fria eram travadas nos paísesem desenvolvimento e havia uma série de papéis a seremdesempenhados pelas organizações norte-americanas e exis-tiam fundos dirigidos ao desenvolvimento. As atividadesinstitucionais incluíam educação sindical, treinamento e de-senvolvimento e organização da comunidade. Os programasdos institutos tornaram-se controversos, pois eles e os gru-pos com os quais trabalhavam envolviam-se em conflitospolíticos, nos quais freqüentemente acusavam seus oponen-tes de comunistas. Por causa das origens dos financiamen-tos e tipos de alianças feitas e escolha dos projetos, havia apercepção de que tais institutos eram, na verdade, governa-mentais. Quase nunca os programas institucionais faziamparte dos programas governamentais norte-americanos emoutros países e não havia comunicação com o programa tra-balhista nos Estados Unidos. Várias acusações foram fei-tas quanto à associação desses programas institucionaiscom as agências de segurança (Buchanan, 1991; Hays,1996 e Smith, 1990).

O fim da Guerra Fria e a redução do financiamento aodesenvolvimento colocaram pressão sobre o sistema do

instituto. O fim da Guerra Fria subtraiu a razão de se sub-sidiar a organização dos sindicatos de trabalho democrá-ticos, ocasionando cortes no orçamento, o que reduziu ahabilidade de ação. Anteriormente ao movimento NovaVoz, a AFL-CIO e a AID exerceram pressão para que aautonomia do instituto fosse reduzida e para que os qua-tro institutos fossem reunidos em um só sob estreita su-pervisão do Departamento de Assuntos Internacionais daAFL-CIO e da AID. Em 1995, o processo de consolida-ção estava em franco desenvolvimento, o que explica aausência de um grupo de assuntos internacionais entreaqueles anunciados por John Sweeney, ao final do mes-mo ano, bem como a ênfase dada pelo Grupo II às reco-mendações relativas aos institutos.

O primeiro conjunto de recomendações dizia que “o prin-cipal objetivo de todas as atividades internacionais deveriaser o apoio à organização e ao desenvolvimento de sindica-tos fortes e independentes tanto nos Estados Unidos quantoem outros países”, que “o único programa capaz de atingiros objetivos da construção do poder público é a construçãode sindicatos” e que “as atividades internacionais precisamser baseadas em relações recíprocas em uma causa comum”.O relatório solicitava o entendimento dos membros sobre asforças globais e a participação nas lutas globais e citava opor-tunidades para a coordenação entre os Departamentos deAssuntos Internacionais e o Departamento de Assuntos Cor-porativos, Políticas Públicas e Serviços de Campo. As áreasespecíficas referidas anteriormente incluem o fortalecimen-to da participação dos Estados Unidos nas secretarias de co-mércio internacional, na Confederação Internacional dosSindicatos de Livre Comércio (ICFTU) e nas organizaçõesregionais asiáticas, o maior envolvimento das organizaçõesnão-governamentais (ONGs) e organizações de defesa dosdireitos humanos e trabalhistas em reuniões e campanhas,uma campanha política para ratificar as Convenções da ILOde 1987 e 1998, uma campanha educacional com os mem-bros dos sindicatos filiados à AFL-CIO sobre a cláusula so-cial e o elo entre os direitos dos trabalhadores e o comércio,e um modelo para as campanhas corporativas.

Na segunda seção do Grupo I, o relatório endossou acomunicação regular entre a AFL-CIO e seus filiados atra-vés de encontros trimestrais regulares promovidos peloDepartamento de Assuntos Internacionais, precedendo oencontro do Comitê de Assuntos Internacionais em umciclo de encontros do Conselho Executivo da AFL-CIO,e um encontro anual adicional, no qual seja tratado umplanejamento estratégico de longo prazo, contando coma participação das secretarias gerais da ITS. Uma longalista de tópicos e atividades desses encontros incluía: adiscussão de questões antes e depois de conferências in-ternacionais de trabalho e organizações internacionais;resumos das atividades do governo dos Estados Unidos

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relacionadas ao Sistema Generalizado de Preferências(GSP); a Corporação Internacional de Investimento Pri-vado (Opic); o Banco de Importação-Exportação, o Re-presentante Comercial dos Estados Unidos (USTR); o Fun-do Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial;discussão sobre as campanhas dos sindicatos filiados àITS; apresentações e discussões com as ONGs e outrosespecialistas e distribuição de tarefas aos participantes.A duração e o escopo da lista são indicadores da magni-tude dos tópicos e alianças que os filiados consideram sernecessários na prática dos assuntos trabalhistas interna-cionais, assim como a sinalização da extensão de defici-ências organizacionais prévias.

Na terceira seção do Grupo I, o relatório recomendoua expansão do diálogo sobre a economia global e o futurodo movimento internacional trabalhista, através do trei-namento e sessões educacionais para trabalhadores semespecialização, com o intuito de melhorar a participaçãoe sobrepor as posições polêmicas supersimplificadas paraum melhor entendimento das questões enfrentadas. Usodo Centro George Meany foi sugerido para o desenvolvi-mento de programas e materiais. Os tópicos sugeridosincluem a economia e o comércio global, multinacionais,convenções e mecanismos da Organização Internacionaldo Trabalho (ILO), lei comercial, campanhas corporati-vas globais e códigos de conduta multinacional.

Nas recomendações, o Grupo II fez sugestões quantoao financiamento, estrutura e prioridades dos institutosde programas que operam fora dos Estados Unidos, osquais, no passado, foram quase totalmente fundados pelogoverno norte-americano através da Agência Internacio-nal de Desenvolvimento e do Financiamento Nacional daDemocracia. A primeira seção, sobre finanças, sugeria odesenvolvimento do financiamento sem a interferência ousupervisão de governos ou patrões e o desenvolvimentode programas “em total parceria” com organizações tra-balhistas estrangeiras para suprirem as necessidades lo-cais e alavancarem recursos através da coordenação jun-to com outras instituições e organizações. A necessidadede financiamento alternativo foi percebida devido ao de-clínio do financiamento vindo do governo dos EstadosUnidos e à ilegitimidade de certos projetos – muitas ve-zes estrategicamente importantes –, para o fomento de fi-nanciamento governamental. O relatório pedia a aplicaçãotransparente de processos, critérios claros e a reportagemobrigatória de suas atividades.

Com respeito à estrutura dos institutos, o relatório su-geriu a integração do instituto dentro do Departamentode Assuntos Internacionais e o estabelecimento de umaestrutura para as quatro regiões – África, Ásia, AméricaLatina e a Europa Central e Oriental – no lugar de quatroinstitutos livres. Os funcionários seriam recrutados dos

sindicatos filiados, inclusive no caso de haver a necessi-dade de substituição de algum funcionário que se ausentepor algum motivo. Também sugeriu que fossem criadosestágios nos quais uma nova geração de ativistas pudes-sem ser educados, assim como a condução de estudossobre os programas de trabalho internacional mantidos poroutros centros trabalhistas.

Uma terceira seção do Grupo II afirmou que as ativida-des do novo centro “deveriam suprir os objetivos gerais daAFL-CIO de organizar e fortalecer as negociações domésti-cas e internacionais”. Ela também enfatizava “a necessida-de clara de se focalizar os programas e os recursos dos ins-titutos para que possam apoiar estes objetivos”. Além disso,o relatório mencionou a necessidade de se analisar os mer-cados de trabalho de outros países, o que pode levar ao de-senvolvimento de prioridades baseadas nas condições espe-cíficas de cada país, além da necessidade de se implementarprogramas organizacionais entre os países.

As mudanças ocorridas desde a preparação do relató-rio dos funcionários incluem a designação de BarbaraShailor, diretora de Assuntos Internacionais da Associa-ção Internacional dos Maquinistas (IAM), para ser a di-retora do Departamento de Assuntos Internacionais den-tro da AFL-CIO. Stanley Gacek, diretor assistente paraAssuntos Internacionais dos Trabalhadores Comerciais eda Indústria Alimentícia (UFCW), com grande experiên-cia em assuntos latino-americanos, foi designado para serum dos dois diretores assistentes no início de 1997. A fusãodos quatro institutos, iniciada três anos antes, está quasecompleta e foi forçada pelos resultados dos cortes orça-mentários de 1996 de cerca de 30%. O novo Centro Ame-ricano para a Solidariedade Trabalhista Internacional, ousimplesmente, “Centro de Solidariedade”, está para rece-ber a aprovação do financiamento da Usaid. Um cargofundamental, o de diretor, está atualmente vago e os es-critórios operacionais regionais estão ocupados por pes-soas associadas aos antigos institutos regionais. Há aindaum componente do programa global de regiões não-es-pecíficas. Após ter havido a ameaça de um possível cortecompleto na primavera de 1997, o financiamento da AIDfoi restaurado e deverá ser da ordem de 5 a 7 milhões dedólares anuais, durante cinco anos, vindos do Bureau Glo-bal da AID. O financiamento também veio do Financia-mento Nacional para Democracia.

A ausência de novo financiamento do Centro de Solida-riedade da AFL-CIO é problemática, já que a maior parte desuas atividades internacionais, especialmente na área de trei-namento e algumas de suas atividades de intercâmbio, rece-bem financiamento governamental. No mínimo, as suasatividades estão sob a supervisão de alguma agência gover-namental norte-americana, que, sendo pró-democrática, éneoliberal e antiprotecionista em sua orientação. Colocan-

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do-se de maneira mais simples, a AFL-CIO é altamente cé-tica, senão ativamente oposta aos programas e abordagensapoiados pelo governo dos Estados Unidos.

Ainda espera-se ver como a nova associação se sairána prática. Espera-se que, de projeto em projeto, os pro-gramas do centro ajudem os trabalhadores e seus sindica-tos a aproveitarem e mesmo prosperarem dentro do novosistema econômico mundial que está surgindo. Se surgiralgum conflito, então a solução para a AFL-CIO será en-contrar uma fonte independente de financiamento, comoprevisto no relatório dos funcionários, originado seja dospagamentos dos sindicatos, seja de alguma propriedadeou renda vinda de algum negócio. A quantia não precisaser grande, relativa ao valor gasto em campanhas políti-cas e organizacionais e com a mídia.

Os acontecimentos relativos às políticas internacionaisda AFL-CIO, envolvendo tanto o Centro de Solidarieda-de quanto outras áreas, deveriam surgir da visão geral daorganização. Exemplos do que ainda está por surgir e avisão emergente da AFL-CIO sobre a economia global ea solidariedade internacional trabalhista podem ser encon-trados no artigo de abril de 1997 sobre o surgimento dosindicalismo global, na nova revista mensal da AFL-CIO,América@work. O artigo, “Cruzando fronteiras: o nasci-mento do sindicalismo global”, está repleto de demons-trações de solidariedade global, greves, alianças, comu-nicados e movimentos organizacionais dirigidos contraas ações de negócios internacionais e terceirização, rica-mente retratadas. George Kourpias disse: “Todos os tra-balhadores do mundo deveriam se unir em solidariedade,porque temos um inimigo em comum – e este inimigo nãosão os outros trabalhadores.” De acordo com BarbaraShailor, “sem os estabelecimentos de padrões mundiaispara o trabalho, realmente não há limites para o que estascompanhias podem fazer”. Uma ação paralela apóia ainclusão dos direitos dos trabalhadores na agenda mun-dial do comércio e propõe que as cláusulas dos direitosdos trabalhadores sejam incluídas em todos os acordoscomerciais e também aponta que a AFL-CIO está traba-lhando para o desenvolvimento de estratégias globaisno sentido de organizar as empresas, indústrias e seto-res da economia mundial, forjando novas ligações comos principais grupos de trabalhadores ao redor do mun-do (Parks, 1997).

IMPLICAÇÕES DO MOVIMENTOTRABALHISTA NA AMÉRICA LATINA

Na análise anterior, fica difícil chegar a conclusões ouimplicações que sejam mais específicas à América Lati-na do que às outras regiões desenvolvidas do mundo. Deveexistir algum ponto na história dessas regiões que tenha

sido interrompido graças à dinâmica da Guerra Fria. Es-pera-se que a AFL-CIO consiga alcançar, dentro da basede solidariedade econômica, uma certa medida de reci-procidade fraternal e propostas de estabelecimento deregras apropriadas para o sistema comercial mundial, es-pecificamente na forma de cláusulas do direito do traba-lhador dentro de acordos de livre comércio. Por outro lado,deve haver uma medida de continuidade na forma de fi-nanciamento da AID e NED e outros membros filiados.

Uma das mudanças que pode ser de maior representa-tividade para a América Latina do que para outras regiõesrefere-se ao fato de que o impacto da rotatividade de fi-liados pode ser maior na América Latina. Especificamente,tem havido uma maior debandada entre os membros maisantigos da AIFLD do que em outros programas regionais.Ambas as pessoas indicadas até agora para o Departamentode Assuntos Internacionais AFL-CIO não associam a ex-periência da América Latina com a AIFLD. Em particu-lar, o novo diretor assistente tem mais de dez anos deexperiência no departamento de assuntos internacionaisdo maior filiado da AFL-CIO, o qual tem como seu maiorfoco a América Latina. A questão que permanece, entre-tanto, é se as pequenas mudanças estruturais e no quadrode pessoal resultarão em programas que promovam a so-lidariedade entre trabalhadores baseada na reciprocidadee estratégias conjuntas, ou se algo mais será necessário.

Mais importante, no entanto, é que talvez tenham ha-vido mudanças de atitude e visão de mundo dentro daAFL-CIO. Atualmente, nos Estados Unidos, há um mo-vimento trabalhista mais ativo e energético, que está ten-tando organizar-se para enfrentar a economia global e deserviços. Sendo tanto uma conseqüência quanto um co-rolário, o movimento trabalhista está tentando fazer comque a força política se torne mais uma vez uma grandedefensora da classe trabalhadora. Para aqueles que procu-ram um modelo de militância que pode ser a fonte de novastécnicas de ação do movimento trabalhista, os Estados Uni-dos pela primeira vez em muitos anos podem agora oferecê-lo.

Na arena internacional, os movimentos trabalhistas nor-te-americanos demonstram estar interessados em lidar –por meio de alianças e da solidariedade – com os assun-tos econômicos no âmbito internacional. Já existem inú-meros exemplos de ações de solidariedade conjunta. Po-deriam haver mais. Porém, embora a estrutura deprogramas trabalhistas financiados pelo governo aindacontinue, certamente haverá mais transparência e direcio-namento sistemático da Usaid. Há o reconhecimento porparte dos movimentos trabalhistas norte-americanos deque talvez haja a necessidade de financiamento separadoe independente.

Para o movimento trabalhista latino-americano, asmudanças da AFL-CIO apresentam a possibilidade de as

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relações internacionais com os movimentos trabalhistasnorte-americanos serem baseadas na solidariedade e re-ciprocidade. Os movimentos trabalhistas norte-america-nos estão se transformando, seguindo um movimentotransicional de gerações e estão sendo procuradas respostaspara um processo de globalização que atenda às necessi-dades dos trabalhadores do resto do mundo.

No mínimo, os movimentos trabalhistas latino-ameri-canos devem tentar fazer alianças e participar de açõesconjuntas com a AFL-CIO nas questões econômicas edisputas trabalhistas que atendam tanto aos seus interes-ses quanto aos de outros. Na área de treinamento e trans-ferência de tecnologia, os movimentos trabalhistas deve-riam pedir uma maior exposição das novas tecnologiasque estão sendo desenvolvidas. Especialmente na área dascampanhas corporativas, pesquisa empresarial e o uso dasfontes de poder econômico que transcendem as formastradicionais das ações trabalhistas. Em um mundo de so-lidariedade e reciprocidade, seria mais apropriado aos sin-dicalistas que assumissem a liderança da definição dasrelações.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

Traduzido por Marcos Viesi.

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PACTO POR EMPREGOS: RESULTADOS E RESISTÊNCIAS

A

PACTO POR EMPREGOSresultados e resistências

KLAUS LANG

Membro da Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos IG Metall – Alemanha

economia alemã, a partir da reunificação do paísem 1990 – tendo como pano de fundo o desen-volvimento da economia mundial e deixando de

fora as taxas acima da média registradas nos novos Estados–, apresenta um crescimento apenas modesto. De 1991 a1993, a taxa anual não passou de 0,5%; em 1994 chegoua quase 3%; em 1995 beirou os 2%; e em 1996 atingiu2,5%. Com taxas de 6% a 8% até 1995, o crescimento naAlemanha oriental foi bem maior, ressalvando-se, porém,que, após a revirada política e econômica, o ponto departida fora extremamente baixo nessa parte do país.

CONDIÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS

Desenvolvimento Econômico

No mesmo período, a produtividade econômica totalregistrou aumentos bem mais expressivos. Tanto na par-te oeste quanto na parte leste do país, o crescimento dataxa de produtividade ultrapassou o da produção em 1%a 1,5%, o que resultou numa progressão do desempregodesde o início dos anos 90.

A diferença cada vez mais acentuada entre o aumentoda produção e da produtividade manifesta-se de modo par-ticularmente gritante na indústria metalúrgica, onde con-seqüentemente é também mais acentuada a redução donúmero de empregos. Enquanto o nível de produção semanteve praticamente inalterado entre 1990 e 1996, hou-ve um enorme avanço do nível de produtividade; o resul-tado foi a perda de mais ou menos 400.000 postos de tra-balho na parte oeste da Alemanha. Muito mais dramáticaé a situação na parte oriental do país, onde a própria pro-dução registrou uma elevação da ordem de 15%, ao mes-mo tempo em que a taxa de produtividade deu um saltode mais de 100%, de modo que, em 1996, o número de

empregos na indústria metalúrgica ficou em menos da me-tade do alcançado em 1991.

Esse desenvolvimento certamente não teve um efeitonegativo sobre os lucros, sobretudo após o término darecessão de 1992-93. Ao contrário, tanto na economia emgeral quanto na indústria metalúrgica em particular, veri-ficaram-se a partir de 1993 grandes aumentos – quandonão verdadeiras explosões – das margens de lucro.

Com tudo isso, cabe a constatação de que não existehoje na Alemanha uma crise econômica generalizada –exceção feita à situação particular da parte leste do país.O que existe é uma intensa crise de emprego.

As discussões sobre o “custo Alemanha” e sobre a “glo-balização”, ensejadas pelo governo federal e pelas asso-ciações industriais e de empregadores, projetam uma ima-gem distorcida das condições pretensamente insustentáveisda competitividade da economia alemã.

Fato é que a Alemanha continua sendo campeã mun-dial de exportações, quando se compara o número de pes-soas economicamente ativas com o montante das expor-tações realizadas. Sob esse ângulo, o país exporta trêsvezes mais que os EUA e mais que o dobro que o Japão.

Mesmo em números absolutos, as exportações lhe as-seguraram o segundo lugar no mundo. Apesar da redu-ção da jornada de trabalho e da existência de garantiassociais, registrou-se a partir de 1994 uma diminuição doscustos salariais por unidade produzida, tanto na econo-mia em geral quanto na indústria metalúrgica, de modoque houve uma melhora em termos de competitividade.Um efeito contrário foi produzido pela valorização (demais de 25%) do marco em relação às moedas dos outrospaíses industrializados, sobretudo dos EUA e da UniãoEuropéia em 1995-96; mas, nesse meio tempo, a tendên-cia se reverteu, sendo praticamente neutralizada. Apesardessas circunstâncias, melhoraram as exportações.

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A participação alemã no comércio mundial decresceua partir de 1996. Esse fenômeno, no entanto, se deve so-bretudo ao aumento da participação de países emergen-tes e do Terceiro Mundo nas transações comerciais glo-bais. Este fato certamente não pode ser interpretado comoum sinal de falta de competitividade da economia, umavez que a inserção de um maior número de países no co-mércio internacional e a consolidação de suas posiçõesdeve levar a um revigoramento da economia em geral,um desenvolvimento, portanto, que acabará benefician-do a própria Alemanha.

Desenvolvimento Político-Social

O desenvolvimento político-social na Alemanha é mar-cado por uma política de desregulamentação e redução dosbenefícios sociais executada pelo governo conservador, decomum acordo com as associações industriais e de empre-gadores, contra os interesses dos empregados. Com essasmedidas, visa-se, pretensamente, aumentar a competitivida-de da economia no cenário internacional, além de aliviar asempresas para que possam garantir e criar empregos.

Conquistas trabalhistas, garantias sociais e direitos deco-gestão e participação dos empregados no âmbito daempresa, bem como dos sindicatos no âmbito da socieda-de, são desacreditados como empecilhos na competiçãopelos mercados internacionais.

Mas, tais afirmações não correspondem à realidadequando se toma como ponto de comparação o desenvol-vimento dos custos de produção e das exportações. A glo-balização serve de pretexto para forçar a redistribuiçãode baixo para cima e para reduzir especialmente os direi-tos trabalhistas e as conquistas sociais, através de medi-das de desregulamentação e flexibilização.

Os sindicatos argumentam que a espiral da concorrên-cia quantitativa se mantém aberta para baixo e que nãofaria sentido a Alemanha pretender equiparar seus salá-rios e custos sociais aos dos países com níveis salariaisbaixíssimos. Numa situação de concorrência sem limites,os empregados seriam automaticamente os perdedores emtodos os países, enquanto o capital nacional e internacio-nal passaria a ser o único ganhador.

Nesse processo, a própria política perderia sua razão deser, já que a economia e o comércio mundiais seriam aban-donados ao sabor de uma pretensa concorrência livre.

Por isso, os sindicatos propõem uma concorrência qua-litativa que inclua a garantia do emprego e a melhoria dascondições ambientais. Uma base social e relações indus-triais com a participação de representantes dos emprega-dos e dos sindicatos não se constituiriam em desvanta-gens e, sim, em vantagens competitivas, conforme vemdemonstrando justamente esse importante indicador queé o desenvolvimento da produtividade na Alemanha.

Diante do quadro de internacionalização dos mercadosde bens, serviços e capitais, faz-se cada vez mais necessá-rio, do ponto de vista político, insistir numa cooperação maisampla na economia internacional; além disso, cabe à políti-ca assumir um papel ativo no processo de globalização e aossindicatos intensificar a coordenação de suas ações.

Desenvolvimento dosMercados de Trabalho

O desenvolvimento dos mercados de trabalho é deter-minado pelas seguintes tendências:- haverá uma expansão do setor de serviços;

- o trabalho qualificado crescerá em virtude das mudan-ças tecnológicas na produção e na organização do traba-lho, bem como por força das tecnologias de informação ecomunicação;

- aumentarão as opções por outros tipos de vínculo em-pregatício, como jornada parcial, ocupação precária, em-pregos subvencionados pelo poder público – modalida-des que, em breve, deverão perfazer um terço dosempregos, sem esquecer os sete milhões de pessoas sememprego, entre os quais se contarão mais ou menos 4,5milhões registradas oficialmente;

- finalmente, verifica-se um aumento acelerado do desem-prego de jovens e um nível elevado de desemprego prolon-gado que, no entanto, continua relativamente baixo quandocomparado ao de outros países europeus e fora da Europa.

De maneira geral, a situação atual do emprego na Ale-manha deve ser vista num contexto mais amplo, tanto emrelação ao tempo quanto ao espaço. Praticamente, todos ospaíses historicamente mais industrializados se vêem confron-tados, desde os anos 70, com um número crescente de de-sempregados. Numa comparação internacional, a Alemanha– isto é, até 1990 a Alemanha Ocidental e, desde então, aAlemanha unificada – apresenta uma taxa relativamentemaior de empregados e menor de desempregados do que amaior parte dos países da Europa ocidental.

As causas do aumento do desemprego estão localiza-das na diminuição do volume de trabalho e na crescenteparticipação em atividades remuneradas. No oeste da Ale-manha, o volume de trabalho, medido em horas de traba-lho efetivamente prestadas por cada habitante, diminuiuem mais de um décimo entre 1975 e 1995. Essa tendên-cia tem suas raízes, por um lado, na substituição de traba-lho remunerado por conhecimentos e capital (maior pro-dutividade) e, por outro lado, na progressiva divisãointernacional do trabalho (globalização).

Mas, a diminuição do volume de trabalho não se fazsentir de modo igual para toda a população economica-mente ativa. As mudanças são mais drásticas no trabalhocom vínculo empregatício, em que os empregos duráveis

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em horário integral vêm sendo substituídos por outros quenão correspondem a esse padrão. Atualmente, já encon-tramos, na Alemanha, um terço dos trabalhadores emempregos fora do padrão tradicional; e tudo indica queesse número vai continuar aumentando.

Essa situação leva a uma distribuição cada vez maisdesigual dos salários e à conseqüente transferência derendimentos. Enquanto os empregados fixos de tempointegral conseguem participar de alguma maneira do de-senvolvimento econômico, aumenta o número dos quetrabalham em empregos precários, nos quais recebem sa-lários reduzidos e dificilmente adquirem direito a rendasque lhes assegurem a sobrevivência e, sobretudo, à apo-sentadoria. Nesta situação, encontram-se atualmente cer-ca de um quarto dos empregados.

Com esse desenvolvimento desigual dos salários, aliadoa um volume crescente de descontos, o rendimento reallíqüido dos empregados praticamente deixou de aumentar,a partir de 1980, na parte oeste da Alemanha. Ao mesmotempo, é cada vez mais difícil custear, com as contribuiçõesreduzidas dos empregos precários, as aposentadorias de pes-soas anteriormente empregadas em tempo integral.

Outra conseqüência do crescente número de empregosfora dos padrões tradicionais é o aumento da população eco-nomicamente ativa, que desta maneira procura compensaras perdas de renda. Mas, esse ingresso de mais pessoas nomercado de trabalho – que, de forma indireta, contribui parao aumento dos empregos precários – não se deve apenas arazões econômicas. Trata-se também de um dos resultadosda individualização que se manifesta, por exemplo, na mu-dança da imagem que a mulher passou a ter de si mesma.Assim, as mulheres invadem hoje o mercado de trabalho comuma intensidade próxima à dos homens.

Em vista do volume decrescente de trabalho disponí-vel, o ingresso no mercado de trabalho, sobretudo demulheres jovens e freqüentemente qualificadas, desenca-deou um processo de substituição competitiva. Por isso,constata-se que o desemprego atinge sobretudo as pes-soas com pouca ou nenhuma qualificação, aquelas comproblemas de saúde ou os estrangeiros. Uma das conse-qüências da atual política para o mercado de trabalho é ainclusão dos empregados mais velhos nesse grupo. Nãofosse essa orientação política, seriam os jovens as princi-pais vítimas do desemprego, como mostram os quadroscomparativos internacionais.

Redução de Benefícios

Os últimos 15 anos de governo conservador provoca-ram mudanças perceptíveis no país. Um olhar mais aten-to sobre as mudanças realmente ocorridas revela muitasnuances. Diante das exigências radicais de desregulamen-tação e desmontagem social, feitas no início dos anos 80

– e expressas nos dossiês Lambsdorff e George, ou nocatálogo de reivindicações do Grupo de Kronberg e norelatório da comissão de desregulamentação –, o Estadode bem-estar social manteve uma certa estabilidade e osistema legal de autonomia de contratação coletiva e derepresentação nas empresas continuou praticamente inta-to (mesmo considerando os casos isolados de prejuízosconcretos devastadores), assim como continua existindo,em princípio, a rede de seguridade social (que até foiampliada com a assistência aos inválidos).

Mas, quando se compara o estado atual das coisas como que existia em meados dos anos 70 e com as idéias eesperanças reformistas dos sindicatos, aparecem as mar-cas profundas de desintegração da sociedade e os sinaisde um processo de desmontagem do Estado de bem-estarsocial. As perdas se concentram principalmente no siste-ma regulamentador do Estado social em que se baseiam arepresentação nas empresas, a autonomia de contrataçãocoletiva e a co-determinação, a seguridade social, o bem-estar econômico e a adaptabilidade social em fases detransformação. O ponto crucial é o fato de não se ter com-batido o desemprego em massa através de uma políticaeconômica e industrial voltada resolutamente à criaçãode empregos, seja por meio de incentivos públicos ou deuma política social previdente. Nas políticas financeira efiscal, procedeu-se paulatinamente a uma redistribuiçãode baixo para cima, aliviando generosamente os lucros eos patrimônios das empresas e sobrecarregando insis-tentemente o bolso dos empregados.

É verdade que não se registrou uma radical operaçãoconservadora, com os efeitos de uma convulsão social,como nos governos Margaret Thatcher ou Ronald Reagan.Afinal, as mudanças importantes (para não usar o termoreformas) nas políticas financeira e fiscal, na aposenta-doria e no sistema de saúde, para adaptá-los às novas rea-lidades, foram planejadas e implantadas também com aparticipação das oposições. Os encargos sobre desempre-gados e aposentados foram aumentados aos poucos, con-centrando-se, sobretudo, em determinados grupos sociaisque não fazem parte do núcleo do operariado. Com isso,conseguiu-se minimizar o potencial de resistência socialcontra essa política de redução dos benefícios sociais ede redistribuição. Deste modo, é compreensível que umprocesso dessa natureza seja visto por muitos emprega-dos como algo doloroso mas necessário na nova situaçãoeconômica e política globalmente modificada na qual aAlemanha tem de se reorientar em condições adversas.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DOSSINDICATOS E DAS EMPRESAS

Desde 1945, os sindicatos são estruturados na Alema-nha na forma de sindicatos ideológicos, políticos e orga-

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nizacionais únicos. Cada sindicato responde por um ouvários setores da economia, organizando todos os empre-gados envolvidos no processo produtivo de uma empre-sa, sem distinção de status, orientação ideológica ou op-ção político-partidária. Aplicam-se os princípios da“associação por setor industrial” e “uma empresa, um sin-dicato”. Esse princípio do “sindicato único” é fruto dasexperiências amargas vividas nas derrotas dos sindicatoscontra o fascismo, devidas em parte à falta de unidadepolítica e organizacional.

Os 15 sindicatos individuais, com mais ou menos novemilhões de filiados, são reunidos num organismo abran-gente único, a Confederação dos Sindicatos Alemães(DGB). Os associados da DGB dividem entre si todos ossetores da economia pública e privada.

Os interlocutores dos sindicatos são as associações deempregadores públicos e de empregadores privados, quese organizam igualmente de acordo com setores, normal-mente refletindo a organização sindical. As associaçõesde empregadores da economia privada se reúnem na Con-federação das Associações Alemãs de Empregadores(BDA). Do lado empresarial, existem ainda a Confedera-ção da Indústria Alemã, que defende os interesses políti-cos e econômicos do setor empresarial, e o CongressoAlemão de Indústria e Comércio, que reúne todas as câ-meras de indústria e comércio.

O sindicato dos metalúrgicos abrange, com seus 2,7milhões de filiados, todos os ramos das indústrias me-talúrgica e elétrica (desde o setor automobilístico atéos produtores de instrumentos musicais), a siderurgiae as atividades técnicas (automóveis, calefação,encanação, ar condicionado, etc.), com cerca de 5 mi-lhões de empregados. Nesse setor, verifica-se umamédia de 40% de sindicalização, mas as oscilações sãograndes. No setor siderúrgico e na indústria automobi-lística, o grau de sindicalização varia entre 60% e 95%,enquanto em parte da indústria eletroeletrônica e dasfábricas metalúrgicas, a sindicalização é extremamen-te baixa (em torno de 10%).

Em sua condição de unificados, os sindicatos dispõem,desde 1945, também de uma “missão social e política emrelação à sociedade em geral”.

Inicialmente, essa missão visava a reorganização daeconomia e da sociedade; posteriormente, passou a seconcentrar na implantação da co-determinação e da de-mocracia econômica; hoje, consiste na aprovação de umapolítica de reformas ecológico-sociais e de acordos paracombater o desemprego, criar novos empregos e assegu-rar o desenvolvimento do Estado de bem-estar social.

A própria política de contratação coletiva deve ter,principalmente na interpretação do sindicato dos meta-lúrgicos, uma função político-social em prol da distribui-ção de renda e da criação de empregos.

Ultrapassando o interesse de cada empresa e suas ne-cessidades administrativas, a política de contratação co-letiva deve contribuir para a distribuição adequada doproduto interno, o combate ao desemprego e a ampliaçãoda democracia econômica. Por uma questão de princípio,o sindicato deve orientar sua política de contratação co-letiva pelo desenvolvimento dos preços e da produtivida-de da economia em geral, além de dar prioridade aosaspetos qualitativos de redistribuição da renda e de redu-ção da jornada de trabalho.

A partir de 1955, verificou-se uma redução da jornadade trabalho de uma média de 48 para 38 horas semanaispara o conjunto da economia, enquanto para as indústriasmetalúrgica e eletroeletrônica a média caiu de 48 para 35horas. As horas extras, que variam de acordo com o níveldas atividades econômicas, nunca chegaram a compen-sar a redução da jornada de trabalho contratada. O volu-me do tempo efetivamente trabalhado diminuiu de acor-do com a redução da jornada contratada.

Até o final dos anos 70, a política de redução da jorna-da de trabalho conseguiu salvar ou criar milhões de em-pregos na economia em geral. Ainda nos tempos difíceisdo início dos anos 80, a redução da jornada de 40 para 38ou 35 horas semanais, respectivamente, possibilitou quese salvasse ou se criasse um milhão de empregos em todaa economia, dos quais 300 a 400 mil só na indústria me-talúrgica.

A relação entre sindicatos e entidades patronais é mar-cada tanto pela disposição à cooperação quanto pela ca-pacidade de enfrentar o conflito. O sindicato dos meta-lúrgicos vê o direito e a disposição à greve não apenascomo um elemento constitutivo de sua auto-imagem, mastambém como um instrumento prático de uma política decontratação bem-sucedida, especialmente nesses temposde crise de emprego.

Do lado das entidades que representam os emprega-dores, verificou-se, nos últimos anos, uma guinada radi-cal, sobretudo nas associações industriais.

As associações dos empregadores afastam-se cada vezmais do modelo de cooperação conflitiva, que predomi-nou até o início dos anos 80, para assumir em parte umaatitude incondicional de conflito.

A cultura de relacionamento industrial criada na Ale-manha a partir de 1945, responsável em grande parte peloprogresso econômico e social experimentado entre 1945e 1985, passou a ser encarada pelas entidades patronaiscomo obstáculo à execução de estratégias empresariaisorientadas no shareholder value e na maximização doslucros.

A Confederação da Indústria Alemã se opõe publica-mente à prática dos contratos coletivos por região e daautonomia da contratação coletiva, que pretende substi-tuir por “compromissos no âmbito da empresa”, de modo

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que as condições de trabalho e os salários passariam a sernegociados entre as partes, na empresa, sem a participa-ção dos sindicatos e sem “direito à greve sindical”.

Enquanto as décadas passadas se caracterizavam peloconsenso básico em relação ao sistema de contrataçãocoletiva, de participação e de representação nas empre-sas, constata-se agora uma progressiva destruição dasbases do consenso. Pretende-se acabar com a autonomianas negociações coletivas e com a participação nas deci-sões da empresa, restringindo o alcance da legislação so-bre a representação dos empregados.

Mais e mais, forças presentes nas entidades patronaise industriais orientam-se pelo modelo de relações indus-triais vigente nos EUA, com sua política agressivamenteanti-sindical, grandes áreas sem a presença de sindicatose direitos trabalhistas e sindicais debilitados.

ENTENDIMENTOS EM LUGAR DE PROMESSAS

O presidente do sindicato dos metalúrgicos propôs, emnovembro de 1995, um “pacto por empregos”, que visa-va alertar contra a resignação diante do desemprego econtra a indiferença frente aos desempregados; para anecessidade de criação de empregos e de vagas paratrainees não só na indústria metalúrgica; contra novos cor-tes de benefícios sociais; e, para a necessidade de umareforma do Estado de bem-estar social.

No “pacto por empregos”, exigia-se do governo fede-ral: uma contribuição político-social, suspendendo oscortes previstos no auxílio-desemprego e a adoção de cri-térios mais severos para o auxílio social; uma contribui-ção político-educacional, garantindo um número de va-gas para trainees em acordo com a procura e cobrandouma taxa de compensação das empresas que não se dis-pusessem a treinar jovens em suas instalações.

Dos empresários do setor metalúrgico, exigia-se, paraos anos de 1996 a 1998, a suspensão de demissões devi-das a razões administrativas; a criação de cem mil em-pregos por ano e contratação de dez mil desempregadoshá mais de um ano sem trabalho; e o aumento da ofertade vagas para jovens trainees em 5% por ano.

Da parte do sindicato IG Metall, oferecia-se como con-trapartida nas negociações coletivas: restrição dos aumen-tos salariais a uma compensação das perdas decorrentesda inflação do período; regulamentação contratual da re-dução de salários por tempo limitado para desempregadoscontratados durante o período de adaptação ao novo traba-lho (eventualmente com oportunidades de qualificação).

O “pacto por empregos” surgiu numa situação em quea economia não estava mal, não havia crise econômicageneralizada, mas uma crise de emprego; o sindicato nãodispunha de alternativas para o combate direto ao desem-prego em razão dos contratos coletivos vigentes; o de-

semprego em massa aumentava constantemente, atingin-do um novo recorde de 4 milhões de desempregados, como risco de a opinião pública passar a aceitar o fato comoinevitável; o governo federal se preparava para uma novarodada de diretrizes para a redistribuição e a redução debenefícios sociais; os sindicatos se encontravam numaposição defensiva em relação às discussões sobre custoslocais e globalização, dominadas e exploradas para seuspróprios fins pelas entidades patronais.

A iniciativa modificou o clima social. A sociedade setornou mais sensível à problemática do desemprego e aatividade dos sindicatos cresceu. Com seu “pacto porempregos”, o sindicato IG Metall assumiu a dianteira nodebate político e social.

A opinião pública viu na iniciativa do sindicato umaoportunidade para passar, finalmente, dos discursos inó-cuos a compromissos concretos na luta contra o desem-prego.

Nem no meio sindical, e sequer no sindicato dos meta-lúrgicos, a abordagem contida na proposta era aceita porunanimidade. Temia-se, em parte, a mudança dos para-digmas econômicos e a aceitação do princípio da renún-cia.

Mas não se tratava nem se trata disto. Substancialmente,o plano do pacto não visava a renúncia e, sim, o compro-misso, não a mudança de paradigmas e, sim, um testepolítico na prática.

A confederação DGB e os sindicatos, individualmen-te, aceitaram o plano do pacto e se identificaram com ele.Uma declaração de início de dezembro de 1995 compro-va esse fato. Ela começa com a concretização do objetivode uma política ocupacional de médio prazo: “É nossoobjetivo reduzir à metade o número de desempregadosregistrados até o final do século, além de poder oferecera cada jovem uma vaga para treinamento.”

A declaração termina defendendo uma mobilizaçãogeral da sociedade em prol de uma virada na política so-cial e de empregos: “A direção nacional da DGB se diri-ge às igrejas, às entidades sociais e de beneficência, bemcomo aos partidos políticos, com um pedido de apoio. Ofim do desemprego em massa é uma tarefa que precisa-mos resolver juntos para garantir o futuro do Estado debem-estar social e da sociedade democrática.”

Essencialmente, as propostas sindicais apresentam osseguintes aspectos a serem discutidos e assumidos pelasociedade: em primeiro lugar, o compromisso dos empre-gadores de aumentar quantitativamente e melhorar quali-tativamente as ofertas de emprego; em segundo lugar, ocompromisso dos empregadores públicos e privados deoferecer o número de vagas necessário para os traineesque queiram ingressar no mercado de trabalho e de criaruma base financeira segura para o sistema de formaçãodual (escola-emprego); em terceiro lugar, a disposição dos

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poderes públicos de praticar uma política ativa em rela-ção às estruturas e ao mercado de trabalho em geral e decriar as condições para o surgimento de novos campos detrabalho em especial; em quarto lugar, uma reforma doEstado de bem-estar social que vise a luta contra o de-semprego e a retirada de encargos não pertinentes à pre-vidência social; em quinto lugar, a disposição dos sindi-catos de, “em um contexto de acordos e compromissosdefinitivos” por mais empregos e vagas de treinamento, ofe-recer “uma contribuição dos empregados, dentro das possi-bilidades oferecidas pela política de negociação coletiva”.

A luta contra o desemprego em massa e as alternativasà desmontagem do sistema de benefícios sociais volta-ram a ocupar o centro dos debates públicos. De modogeral, elogiou-se a disposição dos sindicatos de tambémcontribuir com sua parte, não se restringindo apenas a fazerexigências aos outros.

O “pacto por empregos” foi desenvolvido dentro de umcontexto econômico e social concreto e apresentado comoproposta e apelo em vista da discussão nas empresas e nasociedade, do conflito social, das negociações entre os agentessociais e da mobilização das pessoas afetadas.

CONFRONTO X ACORDOS

O debate em torno das propostas do “pacto por empre-gos” dominou as manchetes dos jornais durante os pri-meiros meses de 1996. Ideólogos neoconservadores e li-berais criticaram o plano do pacto, desde o início,tachando-o de “acordo-garrote”. Criticaram o fato de asempresas terem de observar regulamentos quanto à redu-ção de empregos e de o governo federal perder parte deseu poder de ação.

Após uma fase de declarações cautelosas, as centraispatronais, em pouco tempo, começaram a se distanciar ea adotar uma atitude de rejeição. Foi em vão o esforço dosindicato dos metalúrgicos para chegar a um acordo co-letivo que obrigasse ambas as partes a impedirem que ashoras extras na indústria metalúrgica aumentassem aindamais os problemas do mercado de trabalho. Na indústriametalúrgica, poderiam ter sido contratados imediatamente100 mil operários, se aqueles que estão empregados nãose vissem permanentemente obrigados a trabalhar maishoras que o previsto no acordo coletivo. Basta dizer queo setor registrou 250 milhões de horas extras em 1996.Os acordos coletivos recentemente aprovados nos seto-res químico, têxtil e ferroviário demonstram que é possí-vel chegar a acordos responsáveis em torno da problemá-tica do emprego. Nem mesmo na indústria metalúrgica, acúpula patronal conseguiu impedir a celebração de pac-tos dentro das empresas. Assim, existe alguma esperançade que, por meio de campanhas de mobilização nas em-presas, a ignorância da entidade patronal em relação à

questão da política de emprego possa ser superada antes doinício das rodadas de negociação coletiva do ano de 1997.

A proposta de unificar as ações de políticos, emprega-dores e sindicatos num “pacto por empregos” apostavatambém na responsabilidade do governo em relação àpolítica de emprego. Ainda no início de 1996, parecia queos sindicatos poderiam vir a conquistar o apoio do gover-no federal em sua luta contra o desemprego, apesar detantas experiências malsucedidas no passado. Os gover-nos estaduais, com representantes de todos os partidos,saudavam unanimemente a proposta do “pacto por em-pregos”. Infelizmente, não passaram dessas declaraçõesde boas intenções.

Em reunião com o chefe do governo, em 23 de janeirode 1996, ficou estabelecida a meta comum para políticos,empresários e sindicatos de reduzirem à metade o núme-ro de desempregados até o ano 2000. Mas logo ficou cla-ro que nem as entidades patronais, nem o governo fede-ral tinham interesse em estabelecer compromissos sériospara tornar realidade esse objetivo. Sob o nome engana-dor de “pacto por mais crescimento e emprego”, o gover-no federal lançou, em 1996, um programa com “leis deausteridade”, visando reduzir ainda mais o alcance daseguridade social. O capitalismo sem barreiras sociaisparece incomodar-se com as regras para demissão e se-guro coletivo em caso de doença, velhice e desemprego.Em pequenas empresas, a proteção contra demissões se-ria simplesmente eliminada e o pagamento de salário emcaso de doença seria reduzido para 80% de seu valor.

O desemprego em massa continuaria servindo comomeio de pressão e chantagem social à custa dos emprega-dos. Os menos favorecidos socialmente perderiam aindamais para que os mais fortes pudessem aumentar seus ga-nhos. Seguindo esse raciocínio, o governo e os patrõesvão desmontando juntos o Estado de bem-estar social. Nofinal das contas, haverá ainda mais desempregados, en-quanto os já privilegiados terão todas as garantias. Emum primeiro momento, os atingidos parecem ser apenaspequenos grupos. A austeridade faz suas vítimas entre osdesempregados, as pessoas que vivem do auxílio social,as famílias, os aposentados, os doentes, os estudantes. Mas,pouco a pouco, vai sendo minada a estrutura do Estadode bem-estar, e toda a sociedade começa a sofrer um de-sequilíbrio social. Por isso, trata-se de uma política hu-manamente sórdida e socialmente injusta.

Em vista da rejeição genérica do “pacto por empregos”,os sindicatos desenvolveram seu próprio programa, “PorTrabalho e Justiça Social”, que tenta quantificar as alter-nativas políticas para a redução do desemprego à metade.Exigem-se iniciativas em investimentos e inovações, numvalor correspondente a 0,8% do PIB, além de redução dastaxas de juros oficiais em 1%, de um aumento dos salá-rios reais em 1% ao ano e diminuição progressiva da jor-

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nada de trabalho em média em 2% durante os próximosquatro a cinco anos. Com isso, poderiam ser criados doismilhões de novos empregos. Como foram recusados osentendimentos em torno de concessões salariais em trocade compromissos sociais e de emprego, os sindicatos sevêem hoje em outra situação.

Para acompanhar esse programa, os sindicatos desenca-dearam também uma campanha de mobilização, cujo pri-meiro grande momento foi a manifestação sindical de 15 dejunho de 1996, em Bonn, reunindo mais de 350 mil pessoas.Posteriormente, no início de setembro de 1996, realizaram-se novas manifestações regionais, com 300 mil a 400 milpessoas presentes. Em seguida, houve uma campanha maci-ça contra a redução do salário nos casos de doença, que re-sultou na preservação do percentual de 100%.

POLARIZAÇÃO SOCIAL E NEGOCIAÇÕESCOLETIVAS

De maneira geral, a iniciativa concreta de 1995 visan-do um “pacto por empregos” fracassou diante da atitudede recusa por parte do governo e de confronto por partedas entidades empresariais e patronais.

Isso não impediu que, em alguns estados e setores daeconomia, as duas partes chegassem a celebrar pactosrazoáveis por empregos (indústria química e têxtil). Omesmo ocorreu em certas empresas. Trata-se, essencial-mente, de concessões salariais em troca do compromissode garantir empregos e criar mais vagas. Naturalmente,registraram-se também casos em que a direção da empre-sa procurou chantagear os empregados e seus represen-tantes insistindo nos termos do “pacto por empregos”.

Este ano, a política do governo reafirma até com maisênfase o objetivo de mudar o sistema. Os planos para umareforma fiscal e para as chamadas reformas dos sistemasde saúde, aposentadoria e desemprego visam reforçar ain-da mais o movimento de redistribuição de baixo para cima,aumentando os encargos dos empregados. No fundo, adisputa política dependerá do resultado das eleições emsetembro de 1998, quando se saberá se essa políticaneoconservadora de desregulamentação terá a chance decontinuar ou se será possível convencer a maioria da so-ciedade de que existe uma alternativa política na estraté-gia de reformas socioecológicas.

Os sindicatos continuam acreditando que é possívelreduzir o desemprego na Alemanha à metade nos próxi-mos quatro a cinco anos. Por esse objetivo, é preciso lu-tar agora com os meios da mobilização na política sociale nas negociações coletivas. A mobilização social deveter como meta uma virada política que leve a uma reno-vação no campo do trabalho e do ambiente. Nem a desre-

gulamentação e a redução dos benefícios sociais, nem adiminuição dos salários e o dumping ambiental servemcomo receita para a sobrevivência da Alemanha em faceda concorrência internacional. O que importa é a compe-tição qualitativa com um crescimento sustentado, porexemplo, nas áreas de tecnologia ambiental e dos trans-portes. É preciso um posicionamento político em favorda continuidade da regulamentação política e social demaneira inteligente e inovadora, tanto para os mercadosde trabalho quanto para os mercados de capital.

A mobilização na área das negociações coletivas pre-cisa levar os sindicatos a uma nova iniciativa no campoda jornada de trabalho, visando inicialmente a reduçãoda jornada em três horas semanais no oeste e no leste dopaís. Além disso, é necessário insistir na regulamentaçãodas jornadas reduzidas para os empregados que se apro-ximam da idade da aposentadoria e na redução das horasextras ou sua compensação por horas livres, asseguradasnos contratos coletivos.

A luta na área das negociações coletivas provocará umapolarização social que, em última análise, deverá girar emtorno de uma restrição à empresa ou de uma aberturamacroeconômica, da coesão solidária ou da assimilaçãoegoísta, em torno do futuro do trabalho e da vida em umpaís como a Alemanha.

Em comparação com a situação de outros países, asdisputas sociais na Alemanha se realizam quantitativamen-te e qualitativamente em um nível bastante alto; para mui-tos, pode até parecer coisa do outro mundo a discussãosobre se o salário em caso de doença deve ser de 80% ou100%, ou se deve existir proteção contra demissões emempresas com até dez empregados, ou ainda se as apo-sentadorias devem garantir um valor de 70% ou 64% dosalário médio líquido.

Mas, é necessário ter presente que o resultado dos con-flitos político-sociais na União Européia é também umdos fatores decisivos para o futuro da dimensão social docapitalismo global.

De um ponto de vista global, essa disputa política esindical será um dos fatores que decidirão se a Alemanhae a Europa caminharão para um capitalismo social e eco-lógico, ou se deverá impor-se sem restrições o capitalis-mo da concorrência sem limites, que reduz a mão-de-obraa uma simples mercadoria, trazendo como conseqüênciasa barbárie social e a destruição ambiental.

NOTAS

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Traduzido por Alfred Keller.

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O

HÁ LUGAR PARA O SINDICALISMO NASOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL?

aspectos do debate internacional

SÔNIA M. G. LARANGEIRA

Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.Organizadora da coletânea Classes e movimentos sociais na América Latina

declínio nos índices de sindicalização é um fe-nômeno observado na maioria dos países indus-trializados, embora, segundo os analistas, o pro-

blema pareça particularmente preocupante nos EstadosUnidos, já que os percentuais de filiação, que haviam che-gado a cerca de 33% nos anos 50, caíram de forma acele-rada na década de 80, sendo que, apenas no período 1980-85, a perda de filiados teria sido de cerca de 25%. Em1994, o índice de filiação não ultrapassava a 11% da for-ça de trabalho do setor privado. O declínio desses per-centuais teria sido mais acentuado se não tivesse ocorri-do crescimento da sindicalização no setor público, nos anos60 e 70, em virtude da concessão desse direito aos funcio-nários públicos, durante o governo Kennedy (Hurd,1995:5-6).

Alguns afirmam, dramatizando a situação, que os cien-tistas sociais estudiosos do sindicalismo estariam amea-çados de se transformarem em historiadores. Há outrasmanifestações mais preocupantes, como a conclusão dorelatório preparado para a American Labor Federation –Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO) paraavaliar a percepção pública sobre os sindicatos. Seu teor:“Mostly unions are discussed as something no longerrelevant as symbolized in the frequently used shorthand‘They’re dinosaurs’”(Being Heard, AFL-CIO,1994, apudHurd, 1995:22).

Portanto, é no contexto desse cenário tão pouco pro-missor que se desenvolve, tanto entre os dirigentes sindi-cais (AFL-CIO, 1994) como entre os estudiosos, um in-tenso debate no sentido de realizar um diagnóstico sobreas dificuldades atuais do sindicalismo e para propor al-ternativas.

Este artigo tem por objetivo discutir aspectos do deba-te em curso nos Estados Unidos, acerca do declínio do

movimento sindical, do lugar do sindicalismo na socie-dade pós-industrial e das alternativas e perspectivas paraessa instituição, tão identificada com a sociedade indus-trial. O artigo divide-se em duas partes, sendo que a pri-meira apresenta diferentes percepções de estudiosos doque seriam as causas daquele declínio, e a segunda expõeas alternativas propostas. Apesar das particularidades quecaracterizam a realidade norte-americana em face da bra-sileira, mantém-se a expectativa de que lições possam serextraídas do debate em questão.

PROBLEMAS DO SINDICALISMONORTE-AMERICANO

Para os analistas, a questão em pauta é saber qual ofuturo do sindicalismo e, ao mesmo tempo, responder se,como afirmam alguns, o sindicalismo é uma instituiçãoobsoleta.

Parece haver consenso no sentido de considerar que omovimento sindical é condição essencial para a preser-vação e mesmo ampliação da democracia na sociedade e,em especial, de garantia para a instituição da cidadaniano mundo do trabalho. Há, pois, um esforço não só paraelaborar a análise de suas dificuldades, mas, sobretudo,para propor estratégias de ação alternativas, capazes deequipar a instituição com instrumentos que permitamadaptá-la às mudanças de ordem econômica e de ordempolítico-cultural próprias da sociedade atual. Daí a pro-posta, genericamente falando, para a construção de umsindicalismo pós-industrial.

Ao analisar as causas do declínio do sindicalismo nor-te-americano, os analistas tendem a associá-las à sua his-tória recente, marcada pelo momento de sua institucio-nalização nos anos 30, a partir da expressiva mobilização

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dos trabalhadores contra as condições sociais que os atin-giam de maneira desastrosa durante os anos da grandedepressão.

A maioria dos estudiosos do sindicalismo norte-americano classifica-o de “sindicalismo de negócios” –business unionism – caracterizando, dessa forma, a au-sência de uma preocupação político-ideológica mais am-pla, como no sindicalismo europeu. Ao contrário desteúltimo, o sindicalismo norte-americano estaria submeti-do a objetivos econômicos estreitos, respondendo às de-mandas imediatistas de seus filiados. Esta perspectivarepresentaria a posição da AFL, vitoriosa sobre as ten-dências mais ideológicas, tais como, Knights of Labor,International Workers of the World (IWW) e socialistasdo final do século XIX e início do século XX (Piore,1991:388-9). Piore, no entanto, discorda daquela carac-terização, argumentando que os sindicatos norte-ameri-canos – representados pela AFL-CIO – têm integrado, noâmbito político-legislativo, coalizões progressistas, advo-gando não apenas os interesses de seus filiados, mas tam-bém o de grupos sociais econômica e socialmente des-protegidos (Piore, 1991:390-1).

Sem entrar no mérito dessa discussão, o fato é que agrande mobilização dos trabalhadores nos anos 30 valeu-lhes a institucionalização de suas reivindicações, atravésde uma legislação que coincidiu com a difusão dos prin-cípios fordistas e da produção de massa. O sindicalismonorte-americano estruturou-se, portanto, no contexto defortalecimento da produção de massa com sua organiza-ção do trabalho baseada na rígida definição de postos ena fragmentação de tarefas, bem como em padrões dedisciplina e hierarquia que concediam à gerência toda aresponsabilidade pelo processo. A legislação trabalhistaque se segue reflete as características desse modelo. Como apoio de um governo simpático à causa sindical, a le-gislação trabalhista foi regulamentada através do WagnerAct de 1935, favorecendo a organização dos trabalhado-res, o que permitiu a expansão significativa do sindica-lismo, registrada no crescimento de seus índices de sin-dicalização, que passaram de 13,2% da força de trabalhonão-agrícola, em 1935, para 35,5%, em 1945 (U.S.Department of Commerce, 1975, apud Hurd, 1995). Aeleição de um Congresso hostil, em 1946, teve como con-seqüência a aprovação da emenda Taft-Hartley de 1947,que impôs restrições à organização dos trabalhadores, es-pecialmente no que se refere a movimentos grevistas eoutras formas de ação direta, assim como táticas sindi-cais de auxílio mútuo. Por outro lado, a referida emendareforçou o papel dos acordos baseados na negociaçãocoletiva, que estabeleceram, de forma detalhada e minu-ciosa, as relações de emprego. Esse tipo de instituciona-lização, em virtude dos intrincados procedimentos legais

que a acompanham, favoreceram o surgimento de umaburocracia sindical especializada, apta para o exercíciodas funções de negociação.

O longo período de prosperidade econômica experi-mentado pelos Estados Unidos no pós-guerra permitiu aossindicatos garantir aos filiados elevação salarial e melho-res condições de trabalho. Como afirma Crouch, a expan-são do fordismo criou “the mass-producing workingclass...(but) also created the mass-consuming workingclass” (Crouch, 1995:64).

O movimento sindical ganhou expressão e atingiu seumelhor desempenho em meados dos anos 50, sob um tipode organização que é também conhecido como servicingmodel, para cujo funcionamento o envolvimento do tra-balhador é dispensável (Hurd, 1995:5). Segundo os ana-listas, esse modelo que sustentou com um certo êxito asrelações industriais até os anos 70, começou a ruir emrazão de uma série de fatores, entre eles, a alteração domodelo fordista na transição para o pós/neo-fordismo.

Concebido e adaptado para funcionar sob um sistemade produção industrial de massa, esse modelo tornou-seinadequado a uma economia marcada pela informatiza-ção e pela globalização dos mercados, dominada pelo setorde serviços e por um setor industrial operando com altatecnologia, demandando dos empregados qualificação,inovação e cooperação.

Fatores de ordem econômico-estrutural, tal como aglobalização da economia e a abertura dos mercados, te-riam afetado de forma desestabilizadora as antigas rela-ções industriais, obrigando as empresas norte-americanasa reagir, buscando melhor alocação de recursos.

Esse processo, de caráter econômico-estrutural, eviden-ciaria uma série de aspectos que tornavam o sistema sin-dical norte-americano inadequado para atender às exigên-cias das novas condições no mundo do trabalho.

Um dos aspectos considerados é, por exemplo, a con-cepção detalhista e rígida dos acordos firmados pelos sin-dicatos com as empresas no que se refere à definição dasfunções a serem desempenhadas. Esse tipo de contratocolocaria as firmas norte-americanas em desvantagemdiante das mudanças nos paradigmas de produção, queexigiam maior flexibilidade no uso e gestão da força detrabalho.

Pressionadas pela competição internacional, as empre-sas norte-americanas buscaram melhorar suas posições nomercado. Decorreu daí a fuga dos investimentos para áreascom vantagens comparativas, no país e no exterior, o que,em princípio, significa escapar do controle sindical, parausufruir da flexibilidade demandada (rebaixamento sala-rial, facilidade de recrutamento e demissão de pessoal,organização do trabalho baseada na integração de fun-ções).

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Outro fator que contribuiu para o declínio dos sindica-tos foi o caráter instrumental de seus objetivos, ou seja, ofoco restrito nas condições de trabalho internamente àsempresas, o que resultou no despreparo dos sindicatos paraatuar numa estrutura de emprego mais flexível e mais com-plexa, em razão de maior instabilidade e de maior mobi-lidade no emprego, impedindo-os, dessa forma, de inter-virem em distorções do mercado de trabalho externo.

Tendo em vista que a adesão dos trabalhadores aos sin-dicatos baseia-se em interesses econômicos imediatos, aperda do emprego e dos benefícios retira a razão paramanter a filiação.

Preparados, portanto, para atuar numa economia deconsumo de massa e com baixos índices de desemprego,os sindicatos norte-americanos desenvolveram um esque-ma de ação baseado no contrato coletivo de trabalho, acor-dado por empresa, no setor industrial, voltando-se para aproteção de um determinado tipo de trabalhador (insiders)– trabalhador (em geral do sexo masculino) de tempo in-tegral contratado por tempo indeterminado na mesmaempresa – que já não seria representativo na fase atual daeconomia norte-americana. Ao afirmar-se o modelo pós-industrial, com expressivo crescimento do setor serviços,expansão da utilização de tecnologia de base microele-trônica e suas conseqüências na estrutura do emprego enas relações de trabalho, tornaram-se mais evidentes a fra-gilidade e a inconsistência da estrutura da ação sindical.

Sem tradição de organização no setor de serviços – jáque o foco de seu apelo, baseado na melhoria das condi-ções de trabalho, não é particularmente atraente aos em-pregados do setor –, o sindicalismo norte-americano res-sente-se com o vertiginoso crescimento do setor deserviços,1 o que se traduz em queda dos índices de sindi-calização.

Por outro lado, a orientação de negociação no local detrabalho (worksite) torna praticamente impossível, para aação sindical, atingir o segmento crescente dos chama-dos trabalhadores contingentes/periféricos (de tempo par-cial, com contratos por tempo determinado, subcontrata-dos, trabalhadores em domicílio) – estimados em 25% daforça de trabalho dos Estados Unidos (na maioria, cons-tituído por mulheres).

A negociação por empresa, por sua vez, ajustava-se àscaracterísticas da economia fordista, baseada na presen-ça de grandes empresas industriais, cujo padrão era a in-dústria automobilística. Tais empresas caracterizavam-sepela organização hierárquica, obedecendo à clássica di-visão de trabalho, com separação entre gerência e fun-ções produtivas; os primeiros detendo a autoridade sobrea concepção e a organização do trabalho e, os segundos,executando tarefas prescritas, em postos de trabalho bemdelimitados. Nesse contexto, as relações entre capital e

trabalho caracterizaram-se pelo conflito e aos sindicatosnão interessava reivindicar participação em funções ge-renciais.

O chamado modelo pós ou neofordista rompeu ou re-formulou elementos básicos do fordismo – a grande em-presa industrial, verticalmente integrada, contratos per-manentes e por tempo indeterminado, rígida divisão dotrabalho –, substituindo-os por outros – relação interfir-mas em forma de redes, subcontratação, contratos de tra-balho flexíveis, integração de funções e polivalência – paraos quais a estrutura atual dos sindicatos não estaria ade-quada.

As novas estratégias gerenciais, com o propósito deestender a flexibilidade e de manter afastados os sindica-tos, também constituir-se-iam em ameaça ao sindicalis-mo, pois, em termos culturais, expressariam de forma maiscompatível o contexto de alta competitividade, opondo àcultura “paternalista” dos sindicatos a cultura da “eficá-cia e da qualidade”; em termos econômicos, contribui-riam para a desagregação dos coletivos, propondo, porexemplo, formas individualizadas, não-salariais de remu-neração, através da concessão de bônus e prêmios; emtermos de relações de trabalho, estariam rompendo comformas tradicionais de dominação, estimulando a coope-ração entre trabalhadores e gerentes, oferecendo o que atéentão, quase exclusivamente, justificara a tarefa dos sin-dicatos, ou seja, condições de trabalho satisfatórias aostrabalhadores de uma empresa.

Em resumo, as dificuldades enfrentadas pelo sindica-lismo norte-americano, segundo os analistas, poderiam serexplicadas por fatores de ordem estrutural como: a glo-balização da economia e o crescimento da competição,que impõem racionalização na alocação de recursos, in-clusive de recursos humanos; a emergência da economiapós-industrial, dominada pelo setor de serviços, com par-ticularidades que se distanciam dos problemas da socie-dade industrial; a introdução de novas tecnologias e asconseqüentes alterações nos modos de produção e de usoe gestão da força de trabalho.

Entretanto, segundo alguns, os problemas relaciona-dos às mudanças econômicas seriam responsáveis apenaspor 25% a 30% da explicação das causas daquele declí-nio. Outros fatores relevantes seriam de ordem propria-mente política, como o crescimento do conservadorismopolítico, exemplarmente representado pelos governosReagan e Bush, que desencadeou um forte sentimento dehostilidade aos sindicatos, favorecendo a crescente vio-lação das leis, tais como a prática de demissão de mili-tantes sindicais (Hurd, 1995:8).

Por outro lado, porém, grande parte da responsabilida-de pelo declínio dos sindicatos é atribuída à sua própriaestrutura – considerada assistencialista e ausente na tarefa

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de organização político-ideológica – a qual condicionariaa um tipo de prática orientada pela estreiteza de reivindi-cações, incapaz de lidar com os desafios impostos pelasmudanças em curso no mundo do trabalho.

O FUTURO DO SINDICALISMO

É importante destacar que, independente das diferen-ças quanto ao teor das propostas, há consenso entre osestudiosos, como já foi dito anteriormente, no sentido dereconhecer que o sindicalismo desempenha um papel de-cisivo na manutenção da democracia na sociedade norte-americana, na medida em que garantiria maior equilíbrionas relações entre patrões e empregados. Como afirmaCobble (1994), o sindicalismo não está obsoleto, mas simo sindicalismo nos moldes em que foi estruturado nos anos30. Nessa perspectiva, há convergência entre a análise daslideranças sindicais e a dos analistas acadêmicos, no sen-tido de concordarem com a necessidade de redefinir anatureza da ação sindical, tendo em vista adequá-la à novaconfiguração societária, baseada na sociedade pós-indus-trial e pós-keynesiana.

A formulação de uma agenda para o futuro encontra-se, no entanto, matizada pela devida humildade e cautelaque os cientistas sociais aprenderam a desenvolver comos reveses da História. Elaboram suas formulações numcontexto de incertezas expressas no próprio entendimen-to da realidade presente e que se traduz na imprecisão dosconceitos. A indefinição do real evidencia-se não só nalarga utilização dos prefixos (neo, pós), mas principal-mente na incapacidade de se alcançar um consenso rela-tivo à situação presente no que se refere às mudanças queocorrem no mundo do trabalho. Afinal, que tipo de orga-nização e, por conseguinte, de relações de trabalho ten-derá a prevalecer no futuro? Especialização flexível, pós-fordismo, neofordismo? Independente das ambigüidadese controvérsias, os analistas tendem a concordar que osistema fordista clássico, tal como vigorou no pós-guerraaté os anos 70, está superado ou restrito a áreas de produ-ção de baixo padrão de consumo. A indefinição e a ambi-güidade do processo presente obrigam a consideração dediferentes cenários futuros, embora também se saiba quea realidade não reproduzirá os esquemas conceituais, talcomo formulados.

De qualquer forma, há uma visão pessimista que pre-vê o crescimento do desemprego, especialmente paraos trabalhadores não-qualificados; substituição dokeynesianismo pelo neoliberalismo, monetarismo e des-regulamentação; ausência de redistribuição da riqueza esua concentração entre os mais poderosos; dissolução daidentidade operária e a transformação dos trabalhadoresem massa de manobra da propaganda política conserva-

dora; desenvolvimento de um novo individualismo em que“Citizens become customers... a society of minimal con-tractual relations is constructed...There is little need forany wider entanglement with community and itsobligations; social relations can be entered and left atwill”(Crouch, 1995:66-7).

Na perspectiva otimista, por sua vez, o trabalhadordesempenharia funções polivalentes e enriquecidas quelhe valeriam a elevação da qualificação; sua relação coma gerência seria de cooperação, permitindo-lhe participa-ção no processo de tomada de decisões da empresa;no âmbito macro, conviveríamos com a economia pós-keynesiana, em que o governo interviria de forma pon-tual, em parceria com entidades não-governamentais; asociedade seria constituída por uma população com vari-ados interesses, identidades e comunidades, politicamentepluralista, com alta participação na vida coletiva.

Independente da formulação de modelos, sabe-se quea realidade não se enquadrará em um ou outro, simples-mente. Assim, mesmo admitindo-se a prevalência da pers-pectiva otimista, sabe-se que as oportunidades desejáveisnão estarão disponíveis a todos e, dessa forma, o papeldos sindicatos continuará sendo de fundamental impor-tância na luta pela dignidade dos trabalhadores.

Há consenso entre os analistas e militantes (AFL-CIO,1994) no sentido de reconhecer que o novo modelo deorganização do trabalho é baseado em nova cultura ge-rencial, menos autoritária, disposta a atribuir ao trabalha-dor individual e às equipes responsabilidade pela realiza-ção do trabalho, incluindo distribuição de tarefas, requisiçãode material e até responsabilidades, como as de recrutamen-to. O gerente seria substituído pelo líder do grupo.

A proposta, portanto, seria de que os sindicatos aban-donassem antigos pruridos que os impedem de participarna política das empresas e passem não só a aceitar, mastambém a reivindicar, a participação dos trabalhadores noprocesso de tomada de decisões da empresa. Nesse senti-do, o relatório da AFL-CIO (1994) afirma que a adminis-tração das empresas constitui interesse social. As deci-sões não poderiam ser deixadas apenas aos proprietáriose gerentes, cujos interesses estão restritos à lucrativida-de. Em caso de administração irresponsável, argumentao relatório, as maiores vítimas seriam os trabalhadores(AFL-CIO, 1994:14). “It is thus incumbent upon unionsto take the initiative in stimulating, sustaining andinstitutionalizing a new system of work organization basedupon full and equal labor-management partnerships”(AFL-CIO, 1994:2). Nas palavras do mesmo documento,a disposição de estabelecer parceria entre trabalhadores egerentes não deve significar a substituição da perspecti-va do conflito, pela perspectiva da cooperação, pura e sim-plesmente, no que se refere às relações daqueles agentes.

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Ao contrário, os conflitos de interesse deveriam ser trata-dos em “atmosphere of mutual respect, trust and goodwill”(AFL-CIO, 1994:2). A proposta é a de que os sindi-catos intervenham na empresa em termos não só de hu-manização da organização do trabalho, mas também dedesempenho da empresa, participando de decisões relati-vas à política de pessoal e de planejamento da empresa.

Na perspectiva desses analistas, a participação dos tra-balhadores romperia com os limites e distorções do siste-ma vigente de relações entre capital e trabalho que se es-trutura, no que se refere aos agentes, na negociação deacordos sem qualquer envolvimento dos trabalhadores e,no que se refere à abrangência, na definição de questõespontuais, relativas a salários, horas de trabalho e demaisaspectos relacionados ao desempenho da função. Nosmoldes atuais, o acordo coletivo típico contém umacláusula que especifica o direito do empregador(“management’s right clause”), que garante à gerência umconjunto de prerrogativas – determinar o tipo de trabalhoa ser desempenhado, bem como os “methodos, mannerprocesses and means of performance – and also reservesto management a residual right to control all matters notspecifically covered by the contract” (AFL-CIO, 1994:6).A força e a importância dos sindicatos decorriam preci-samente da habilidade de negociar as questões específi-cas relativas àquela cláusula, de forma a evitar abusos porparte da gerência.

Essa modalidade de negociação, como anteriormentemencionado, além de permanecer em nível muito restritodo âmbito do desempenho de funções no local de traba-lho – sem apelo a questões mais abrangentes de ordempolítico-ideológica –, contribui para o desenvolvimentode uma burocracia, eficiente apenas no manejo da defini-ção contratual. À medida que se estendem as práticasgerenciais de cooperação e de valorização do trabalha-dor, os problemas atualmente sob responsabilidade dossindicatos tenderiam a desaparecer.

Portanto, segundo alguns, haveria urgente necessida-de de alterar a estratégia de negociação, no sentido de ado-tar uma modalidade que solicite a participação dos traba-lhadores, sob a forma de “centralized-decentralization”,constituindo-se em forma de resposta à nova configura-ção dos atores na busca por maior autonomia, ao mesmotempo valorizando o papel dos sindicatos como media-dores e consultores.

Esse tipo de gestão participativa é, em grande parte,inspirado no princípio que rege as experiências da Ale-manha e da França.2

Na Alemanha,3 os conselhos de fábrica (Betriebsrat)foram reinstituídos em 1972 (haviam sido criados em 1920e dissolvidos durante o governo nazista), tornando suapresença obrigatória em empresas com mais de cinco em-

pregados. A empresa é obrigada a fornecer informaçãocompleta (e em tempo) relacionada a planejamento, in-trodução de novas tecnologias e processo de trabalho. Emempresas com mais de 20 empregados, alterações, comoredução de operações e mudanças de métodos de traba-lho, devem ser comunicadas ao conselho de fábrica. Omesmo ocorre com o processo de demissão, cuja valida-ção exige a concordância dos conselhos. Não estão pre-vistas, nessa instância de negociação, questões sobre sa-lários e condições de trabalho, estabelecidas em acordocoletivo entre sindicatos e empresas. Atividades de grevetambém estão excluídas do âmbito dos conselhos. Pelalei de 1972, os conselhos seriam formalmente indepen-dentes dos sindicatos e estes não poderiam sequer apre-sentar listas de candidatos a eleições; essa restrição foieliminada na reformulação da lei, em 1988, e os candida-tos aos conselhos, diferentemente do que ocorre na Fran-ça, Bélgica e Itália, podem ou não ser sindicalizados. Naprática, no entanto, os candidatos, em sua maioria, sãofiliados e muitas vezes apoiados pelos sindicatos, sendoestreitos os vínculos entre os mesmos. Dessa forma, ain-da que historicamente afastados dos locais de trabalho, jáque, na Alemanha, o direito dos trabalhadores é definidopela Justiça do Trabalho, os sindicatos, depois da implan-tação dos conselhos de fábrica, passaram a ter maior pre-sença no chão de fábrica, influenciando a ação dosconselhos no que se refere à organização do trabalho, prin-cipalmente como veículo de informação, treinamento eassessoria. Há, no entanto, uma certa divisão de trabalhoem busca de descentralização, em que os sindicatosatuam no âmbito da categoria ou da região, enquanto osconselhos atuariam no local de trabalho. Nesse sentido,os conselhos e as gerências transferem para si a funçãoque tradicionalmente ocorrera na negociação coletiva. Adescentralização representaria uma tendência em face dasnecessidades de flexibilização no uso e gestão da forçade trabalho. Dessa forma, acordos de proteção ao traba-lho, decorrentes dos processos de reestruturação produti-va (por exemplo, medidas relacionadas a organização dotrabalho, sistemas de pagamento, redução de horas de tra-balho), são negociados no âmbito da empresa, de acordocom suas particularidades.

A eficácia dos conselhos difere muito e é tanto maior,quanto maior for a importância do sindicato a que se vin-cula (Addison et alii, 1993:310-11). Entretanto, segundoalguns analistas, os conselhos (constituídos pelo corepersonnel) e a gerência tenderiam a formar uma productivitycoalition ou uma new base consensus fundada em comuni-dade de interesses e em mecanismo regulatório bilateral emnível microcorporativo. Dessa forma, tenderiam a privi-legiar questões da “sua” empresa, em detrimento dotodo, ignorando problemas, tais como os relacionados

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ao mercado de trabalho externo (Keller, 1993; Laran-geira, 1994).

Na França, onde o sistema de negociação coletiva eraconduzido de maneira centralizada, sendo que as formasde negociação no âmbito da empresa eram rejeitadas tan-to pelos sindicatos quanto pelos empregadores, os sindi-catos reconsideraram sua atitude anterior e passaram a es-timular a participação e intervenção dos trabalhadores noque se refere não só à organização do trabalho, mas tam-bém à apresentação de sugestões e à formulação de polí-ticas da empresa.

Já em 1973, a CFDT (Confédération FrançaiseDémocratique du Travail, uma das duas grandes centraissindicais da França) passou a reivindicar o direito de ex-pressão direta do trabalhador, com o objetivo de promo-ver a democratização e a cidadania no local de trabalho,através do envolvimento do trabalhador em questões deordem mais qualitativa, tais como ambientais, conteúdo eorganização do trabalho. A chamada Lei Auroux de 1982,ratificada em 1986, tornou obrigatória essa prática. Ini-cialmente, a lei foi recebida com certa hostilidade pelossindicatos, que a percebiam como ameaça à sua existên-cia. Na verdade, a lei ampliou o número de atores atuandona empresa: além dos sindicatos, incluiu os trabalhadoresem diferentes instâncias, redistribuindo papéis, ao invésde concentrá-los numa só instituição.

A virtude do modelo francês estaria no fato de promo-ver a democratização através da descentralização, comintervenção dos atores na realidade em que atuam – aten-dendo as diferenças locais, sem, no entanto, desprezar acoordenação central (papel dos sindicatos e do Estado,este último através da regulamentação normativa). Segun-do alguns analistas, o papel dos sindicatos é de crucialimportância para o sucesso do direito de expressão. Comoafirmam Chouraqui et alii (1994:4), “the right to directexpression only really works and bears fruits when tradeunions take an interest in it”. Esses autores afirmam quea nova configuração institucional deu aos sindicatos maiorforça ao garantir a obrigação de negociação anual sobresalários e horas de trabalho: “a new set of relations beganto emerge in some companies between management andtrade unions”(Chouraqui et alii, 1994:7). Os autores des-tacam também a importância da presença do Estado, atra-vés da supervisão e implementação da lei, sem a qualprevaleceria o direito do mais forte (Chouraqui et alii,1994:62).

Apesar da importância da presença dos sindicatos comofonte de informação e consultoria na proposição de alter-nativas, Chouraqui et alii (1994:9-10) apontam, no en-tanto, a presença de algumas distorções, tais como, a per-sistência de uma certa centralização que se expressa natendência à padronização na elaboração dos acordos, o

que descumpriria o objetivo de atender às situações espe-cíficas com a real participação dos envolvidos. Além dessetipo de distorção, haveria um outro conjunto de dificul-dades que contribuiriam para o desinteresse no funciona-mento dos grupos de expressão: a ausência, retardamen-to ou insuficiente resposta às propostas dos trabalhadores;a ausência de compensação, simbólica ou material, aostrabalhadores envolvidos; a preferência (intencional ounão) da empresa pelas propostas com origem na gerên-cia. Essas dificuldades são, no entanto, avaliadas comoparte do longo processo de aprendizagem, tanto pelos tra-balhadores como pela gerência.

Há consenso no sentido de propor que a estratégia denegociação no âmbito local com a participação dos tra-balhadores não exclua a negociação mais centralizada.Como afirmam Kochan e Wever (1991), grande parte dasdecisões que afetam diretamente os trabalhadores são to-madas pelas cúpulas executivas das corporações. Os sin-dicatos deveriam, portanto, estar presentes nesse âmbito.O caso de participação do sindicato United Auto Workers(UAW) em decisões estratégicas junto à General Motors,especialmente no caso de participação no planejamento,desenho e gerência relativamente à instalação da plantaSaturno, é freqüentemente referido como exemplo bem-sucedido de possibilidades de intervenção dos sindicatosna definição de política da empresa (Kochan e Wever,1991:375; Wial, 1994:308-9).

Nas propostas que valorizam a adoção de estratégiasdo tipo francês e alemão como alternativa às dificuldadesenfrentadas pelo sindicalismo norte-americano, está emconsideração a possibilidade de superar problemas de bu-rocratização e a conseqüente exclusão do trabalhador noprocesso de negociação, bem como a estreiteza de con-teúdo das agendas sindicais, o que, num quadro de coo-peração entre gerência e trabalhadores, tornaria o papeldos sindicatos realmente obsoleto.

Nesse sentido, as mudanças propostas atingiriam ofuncionamento atual dos sindicatos, ao alterar a distribui-ção e o papel dos atores em cena – principalmente peloreconhecimento da participação do empregado como atorefetivo no microcoletivo da empresa – sem, contudo, al-terar a composição dos atores.

Em outra perspectiva, que pode ser complementar àanterior, as propostas encaminham-se no sentido de alte-rar a estrutura dos sindicatos, que está voltada para a pro-teção dos direitos de um tipo de trabalhador que estariaem extinção, ou seja, o empregado de tempo integral, comcontrato por tempo indeterminado na mesma empresa.

Nesse sentido, há dois tipos de propostas (às vezes,conjugadas), considerando, de um lado, a organização desegmentos de trabalhadores fracamente organizados, comoos trabalhadores do setor serviços, e os hoje excluídos do

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direito de sindicalização, como os que integram a chama-da força de trabalho contingente, e, de outro, a integra-ção aos sindicatos dos excluídos do trabalho.

Em relação ao primeiro grupo, conforme referido an-teriormente, os dados são eloqüentes em demonstrar amudança na natureza do emprego: trabalhadores em tem-po parcial e os chamados contingent workers representa-riam cerca de um quarto da força de trabalho nos Esta-dos Unidos, sendo que alguns segmentos como os THS(Temporary Help Supply) teriam experimentado um cres-cimento de 250%, no período 1982-92. (Carré; duRivagee Tilly, 1994:314). Esses trabalhadores são os que, emsua maioria, encontram-se em situação de trabalho pre-cário, baixos salários, escassos ou nenhum benefício so-cial, baixa produtividade e ausência de perspectivas demobilidade profissional e social. Historicamente, os sin-dicatos norte-americanos tentaram impedir o crescimen-to desse tipo de emprego, através da negociação coletiva,estipulando, por exemplo, percentuais de admissão. Hoje,os sindicatos estariam aceitando que a flexibilidade pos-sa ser do interesse de parte da força de trabalho. Dessaforma, a estratégia mais apropriada seria a de tentar es-tender ao trabalho flexível as garantias desfrutadas pelosdemais trabalhadores: flexibility with security, como pro-põe Crouch (1995:75). Argumentam os analistas que aempresa moderna não poderia, hoje, prescindir da flexi-bilidade e da diversidade, o que imporia a necessidade decriar diferentes tipos de estrutura ocupacional. Portanto,tal como no passado, quando a preocupação foi com adistribuição de renda ou com a igualdade de oportunida-des através da ampliação do sistema educacional, hoje,afirma Crouch, “we should look instead to the chances ofshaping the structure of employment itself, so that theoverall high level of a diversity of skills reduces incomeinequalities...” (Crouch, 1995:75).

A organização dos trabalhadores de tempo parcial eoutros tipos de contrato contingentes sofre, nos EstadosUnidos, restrições de ordem legal, uma vez que a filiaçãoa uma unidade de negociação exige o cumprimento docritério “comunidade de interesses”, que significa o de-sempenho de funções semelhantes, no mesmo local de tra-balho e sob supervisão comum (Service Employee’sInternational Union, 1993, apud Carré et alii, 1994:317).Dessa forma, cerca de 43% da força de trabalho norte-americana estaria impedida de ser incluída nas prerroga-tivas concedidas pela negociação coletiva, em virtude dadefinição empregada sob o National Labor Relations Act(NLRA). A exclusão atinge os trabalhadores agrícolas,os que exercem trabalho em domicílio e os com funçõesgerenciais e de supervisão (funções exercidas por partesignificativa da força de trabalho na economia pós-indus-trial) (Cobble, 1994:295).

A proposta nesse sentido é a de que as leis devam serrefeitas, tendo em vista reconhecer o novo caráter dasrelações de emprego, estendendo a possibilidade de filia-ção sindical a uma força de trabalho crescente e que nãose ajusta ao tipo de trabalhador convencional, que foi atéentão a base de sustentação do sindicalismo. As propos-tas encaminham-se para alcançar a paridade de tratamen-to entre trabalhadores de tempo parcial/contingentes etrabalhadores de tempo integral/permanentes. Ademais,essa estratégia poderia contribuir para reduzir os incenti-vos para a utilização da mão-de-obra flexível, quando estafor motivada por baixos salários.

A proposta de apoio ao trabalho flexível pelos sindi-catos não seria de todo sem riscos: a flexibilização favo-rece a individualização das condições de trabalho e, emconseqüência, o enfraquecimento de atitudes fundamen-tais de solidariedade (Keller, 1993).

Entre as propostas, encontram-se referências ao sindi-calismo de ocupação, ao sindicalismo geográfico/regio-nal e ao sindicalismo por associação.

O primeiro caracteriza-se por basear-se na identidadeocupacional (a garantia dos direitos e benefícios dar-se-ia em função da qualificação e não do local de trabalho).Ao sindicato caberia o controle do suprimento de mão-de-obra, bem como os padrões de desempenho da ocupa-ção; a ênfase seria na segurança do emprego, ao invésde nos direitos da função/posto de trabalho; os acordoscoletivos de trabalho seriam com base na negociaçãomultiemployer.

Em relação ao sindicalismo geográfico, a proposta se-ria garantir a uniformização de salários e benefícios decategorias definidas de forma mais ou menos elástica, emuma região, tendo em vista garantir a portabilidade dosdireitos e benefícios, permitindo, assim, maior mobilida-de do trabalhador. A estrutura de negociação multiemployergarantiria aos trabalhadores continuidade de emprego, detreinamento e paridade salarial para o conjunto das fir-mas, não necessariamente do mesmo setor, mas que com-põem uma rede de fornecedores e subcontratadas (Wial,1994:305; Carré et alii, 1994:321).4

Novamente, o acordo entre a General Motors SaturnCorporation e o sindicato local dos Trabalhadores da In-dústria Automobilística é ilustrativo: o acordo incluiu nanegociação a rede de fornecedores diversos, inclusive osfornecedores de serviços. Tentativas estariam sendo fei-tas para incluir empregados de firmas que mantêm rela-ções estreitas de negócios com a General Motors. Entre-tanto, como adverte Wial, esse tipo de estratégia nãodeverá constituir-se em regra, já que a paridade de bene-fícios, especialmente de salários, poderia exigir uma re-distribuição de lucros e salários, não aceitável pelos em-pregados da(s) firma(s) dominante(s) (Wial, 1994:309).

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Numa perspectiva semelhante, partindo do pressupos-to de que na economia pós-industrial verifica-se tendên-cia para maior mobilidade geográfica dos trabalhadorese que “employees who are mobile may have greater long-term security”(Cobble, 1994:299), propõe-se que os sin-dicatos intervenham de forma mais efetiva na estrutura-ção do mercado de trabalho externo, através da criaçãode agências de emprego sem fins lucrativos, bem comoatravés de apoio de serviços relativos a transferências dedomicílio, por exemplo.

A proposta de um sindicalismo de associação, por suavez, advoga a formação de associação com bases diver-sas – raça, etnia e experiência de trabalho.

Nesta perspectiva, há o relato da experiência doInternational Ladies Garment Workers Union nas cida-des de New York, Philadelphia, Los Angeles e San Fran-cisco, onde, ao invés de tentar organizar os empregadosdas sweatshops diretamente nos locais de trabalho, semchances de sucesso, dada a resistência dos patrões, os sin-dicatos criaram os chamados Centros de Trabalho, queoferecem assistência aos trabalhadores – a maioria imi-grantes chineses e latinos – em suas necessidades maisimediatas, como aprendizado da língua inglesa e encami-nhamento de problemas de imigração. A idéia é basear asindicalização numa abordagem comunitária.

Incluída na perspectiva anterior, destaca-se a necessi-dade de organização dos trabalhadores do setor de servi-ços, tendo em vista o seu expressivo crescimento. Entre-tanto, concordam os analistas que a organização dessesetor encontra uma série de dificuldades, em virtude daextrema diversidade dos empregos que o constituem, oque exigiria estratégias igualmente diversas de represen-tação e de organização. Nesse sentido, argumentam, ve-lhas formas de representação tornam-se inadequadas.

Uma das características do setor é a polarização – exis-tência de carreiras altamente qualificadas com altos salá-rios e de ocupações de baixa qualificação e baixos salá-rios. Segundo estimativas, 4/5 dos recrutados para o setorno período 1990-2000 seriam de mulheres, minorias eimigrantes, que tradicionalmente têm ocupado funções debaixa qualificação e que, portanto, necessitarão do apoiodas organizações sindicais para prepará-los para o mer-cado de trabalho mais exigente do século XXI (Kochan eWever, 1991:371). Aos sindicatos caberia o desafio deelevar a qualificação e a produtividade desses setores atra-vés, principalmente, do treinamento.

Outro desafio seria a representação de técnicos e pro-fissionais altamente qualificados. Tais grupos não serãoatraídos ao sindicalismo por motivos convencionais ba-seados na negociação coletiva. Suas necessidades sãooutras: ampla informação sobre o mercado de trabalho ex-terno; serviços de consultoria que orientem de forma in-

dividualizada sobre o desenvolvimento ocupacional, o queinclui mobilidade interfirmas.

Dessa forma, para enfrentar mudanças da estruturaeconômica que afetam a estrutura do emprego e caracte-rísticas da força de trabalho, os sindicatos teriam de am-pliar a base de sua representação, desenvolvendo estraté-gias que visem elevar a qualidade do emprego no setorde serviços, tanto para os já qualificados como para os debaixa qualificação.

Numa outra formulação, argumenta-se sobre a neces-sidade de dissociar-se o direito à qualidade de vida e res-ponsabilidade social do fato de ter um emprego. Reivin-dica-se a cidadania sem trabalho (citizenship withoutwork), significando a garantia de um nível de vida maiselevado que o permitido pelos atuais salários-desempre-go. As dificuldades para consolidação dessa alternativasão evidentes: historicamente, a conquista de direitos estáassociada à indispensabilidade dos serviços prestados; ossem-emprego carecem de poder de barganha. Possíveissoluções indicam a necessidade de criação do maior nú-mero de empregos através da extensão dos serviços pú-blicos (especialmente, áreas de saúde, educação e lazer),bem como ampliação do horário de funcionamento dosserviços existentes (com redução de jornada de trabalho,o que tornaria menos penoso o trabalho em horários atí-picos), tarefas essas a serem assumidas pelos sindicatos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assiste-se nos países centrais um interessante debateno sentido de avaliar o desempenho e propor alternativaspara o sindicalismo, tendo em vista as mudanças econô-mico-socioculturais que ocorrem nas sociedades atuais.Tais discussões tendem a localizar os problemas, ou naesfera mais ampla da macroeconomia (globalização), ouno âmbito mais restrito da organização do trabalho (mu-danças tecnológicas e organizacionais), ou no nível polí-tico, mais conjuntural (conservadorismo político).

Como já visto anteriormente, há diferentes propostasde solução. Um conjunto de propostas apóia-se na idéiade que a revitalização dos sindicatos depende da maiorparticipação e envolvimento dos trabalhadores nos locaisde trabalho, devendo os sindicatos constituir-se em ato-res fundamentais na instauração de uma nova cidadania,no local de trabalho. Nessa alternativa, os agentes per-manecem os mesmos, alteram-se suas funções e formasde participação. Um outro conjunto de propostas buscaampliar o espectro de agentes integrantes, propondo a sin-dicalização de trabalhadores até então excluídos, comoos trabalhadores periféricos e do setor serviços. Numa ter-ceira perspectiva, buscam-se soluções fora do mundo dotrabalho propriamente dito e aposta-se num sindicalismo

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comunitário que, juntamente com outros movimentossociais, voltar-se-ia para atender às necessidades dos quese encontram excluídos do mundo do trabalho.

Em relação à primeira alternativa, há uma certa ambi-güidade quanto à sua eficácia, tendo em vista o objetivode renovar os sindicatos. Nesse sentido, cabe referir àapreciação de Chouraqui et alii (1994), ao tentarem ava-liar a relação groupes d’éxpression directe e sindicato.Os autores formulam algumas questões: qual o efeito dapresença dos grupos de expressão sobre os sindicatos –servem ou não para revitalizá-los? Há preocupação de umcom o outro ou a relação entre eles é de indiferença? Es-tão os sindicatos ainda presos a formas de ação coletivaultrapassadas ou estão adaptando-se a novas realidades?Sem respondê-las diretamente, concluem afirmando: “itwould seem that workers’ perceptions of the trade unionin a company are changing from regarding it as anextremely operational presence to seeing it more as adepository or keeper of a past and of values such as so-cial justice and that this change has a considerable effecton the links between representative and direct expression”(Chouraqui et alii, 1994:14).

No que se refere à situação alemã, há relatos de que ofortalecimento dos conselhos tenderia a enfraquecer ossindicatos.5 Keller (1993) refere-se ao processo de descen-tralização como a “clear growth of power and responsibilityfor the corporate actors on the factory level”, ou seja, ge-rência e conselhos de fábrica assumiriam posição-chaveno sistema de negociação, o que o autor denomina defactoryization of labor relations.

Mais promissoras parecem ser a segunda e a terceiraalternativas mencionadas, já que estendem o raio de açãodos sindicatos a trabalhadores destituídos de direitos. Ossindicatos teriam oportunidade de lutas pela elevação dascondições de vida e de trabalho de amplos segmentossociais. Os limites dessa proposta, porém, ficam clarosquando se considera a ausência de qualquer poder de bar-ganha por parte daqueles trabalhadores.

Parece, no entanto, que qualquer que seja o caminho aser seguido (ou uma combinação deles), há que se consi-derar a presença de fatores mais abrangentes de ordemsocietal, relacionados aos processos de complexificaçãoe diversificação social, característicos das sociedades al-tamente industrializadas, por alguns denominadas de pós-industriais/pós-modernas. Sem entrar em discussão sobrea validade da utilização dos termos pós-modernas/pós-industriais para caracterizar as sociedades atuais, não hácomo negar que se testemunha uma aceleração das mu-danças, impulsionadas, principalmente, pela extensão dacomunicação e do conhecimento, o que tende a se refle-tir, em termos gerais, em características comportamen-tais, que se expressam, no âmbito individual, na busca de

maior autonomia e oportunidades de participação – reve-lando a emergência de um novo conceito de cidadania –e na rejeição dos autoritarismos e dos centralismos.

O mundo do trabalho nos países centrais foi particu-larmente afetado por essa renovação, à medida que osvalores perseguidos passam a ser também de ordem qua-litativa. O movimento de maio de 1968, na França, cons-tituiu-se num marco ao reivindicar a cidadania no localde trabalho, significando a necessidade de estender o con-ceito de qualidade de vida, de desejo de autonomia e diá-logo ao mundo do trabalho.

Por outro lado, a nova perspectiva político-ideológicaé acompanhada por crescente diversificação também nomundo do trabalho: os trabalhadores estão cada vez maisdiferenciados econômica e socialmente; o número cres-cente de trabalhadores no setor de serviços e sua caracte-rística heterogeneidade contribuem para o aumento dadiversidade; o desaparecimento e a emergência de novasfunções favorecem desconstituição de identidades.6 Nes-se contexto, o apelo à coletividade se realiza menos emfunção de uma suposta homogeneidade natural de inte-resses, do que da formação conjuntural em torno de te-mas específicos. Daí a dificuldade de representar interes-ses coletivos, mantendo respeito às individualidades.

Os sindicatos tendem a atribuir grande parte de suasdificuldades ao individualismo vigente nas sociedadesatuais – e isso seria particularmente verdadeiro em rela-ção aos trabalhadores jovens, cujo recrutamento faz-secada vez mais difícil. Segundo alguns autores, esse fenô-meno cultural deveria, no entanto, ser avaliado de formapositiva, uma vez que tenderia a romper com formas pa-ternalistas de ação, em favor de um individualismo supe-rior em consonância com a complexificação e diversida-de social próprias das sociedades atuais (Valkenburg eZoll, 1995).

Nesse contexto, a identidade dos indivíduos tenderia arealizar-se cada vez menos em termos de similaridades ecada vez mais em termos de diferenças. Esse tipo de ten-dência cultural compromete a antiga percepção dos sin-dicatos como organização de massa com ênfase numapolítica centralizada e comum, em que o debate buscaalcançar a uniformidade em detrimento das diferenças eda autonomia. Da mesma forma, fica prejudicada a visãode solidariedade como expressão de interesses comuns –necessária às lutas sindicais por melhores condições devida e de salários.

Como afirmam Valkenburg e Zoll (1995:132): “Unionscannot respond effectively to diversity by starting from apostulate of unity; but by starting from acceptance ofdiversity...” O desafio seria, portanto, conciliar aspiraçõesde autonomia por parte dos indivíduos e grupos e as exi-gências de coesão social. As respostas a esse dilema pa-

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recem encaminhar-se no sentido de garantir aos atoresoportunidade de negociação de forma descentralizada eparticipação, buscando o acordo através de um sistemanormativo adaptável, em que a forma e não o conteúdoesteja definido e que garanta, ao mesmo tempo, autono-mia e coesão. Nessa perspectiva, a ênfase recairia sobre acapacidade de decisão dos atores em detrimento das or-ganizações.

No chamado Terceiro Mundo – no Brasil em especial –,as nossas dificuldades parecem ainda maiores, já que es-sas sociedades apresentam uma dupla face: deparam-secom aspectos próprios das sociedades pós-industriais epós-modernas, embora ainda convivam com problemasdas sociedades pré-industriais. Apesar do fosso econômicoe social que separa essas sociedades daquelas centrais,mantém-se uma certa identidade cultural que o conceitode globalização – por mais que seja questionado – ajudaa compreender e que se traduz no anseio de autonomia ede rejeição das fórmulas simplistas do unitarismo e da sub-missão de individualidades.

O novo individualismo teria como suporte a responsa-bilidade social e a solidariedade, não sendo, portanto,necessariamente anti-social, nem anti-socialista, mas simanti-reducionista e anticoletivista, se isso significar o en-torpecimento das individualidades em nome de uma ho-mogeneidade simplificadora.

Nesse sentido, a discussão sobre o papel do sindicalis-mo num mundo que enfrenta acelerado processo de indi-vidualização, complexificação e diversificação social te-ria muito a contribuir no sentido da redefinição de conceitoe de conduta da ação sindical também em países como oBrasil. Qualquer que for a via, esta deve pautar-se peloabandono da homogeneidade e respeito à pluralidade.

NOTAS

Este artigo é uma versão revisada do texto apresentado no XX Encontro Anualda Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências So-ciais), GT 23 Trabalhadores, Sindicalismo e Política, realizado em Caxambu,out. 1996. Sua realização contou com o apoio decisivo da Capes, da FulbrightCommission e da Propesp/UFRGS.

1. No início da década de 90, 90% dos novos empregos criados na economianorte-americana e 67% do total de empregos existentes estariam no setor servi-ços (Kochan e Wever, 1991:371).

2. Considerem-se significativas diferenças entre os sistemas francês e alemão,decorrentes, em parte, da natureza das relações industriais na França e na Ale-manha (por exemplo, relações entre capital e trabalho mais cooperativas na Ale-manha e mais conflitivas na França). Em relação às formas participativas, tem-se que a intervenção dos trabalhadores no processo de decisão nas empresas émais efetivo e, também, mais abrangente, na Alemanha (além do direito de in-formação e consulta, os conselhos na Alemanha possuem direito de representa-ção e o monopólio de negociação) do que na França.

3. Para essa caracterização, apoiamo-nos basicamente no artigo de Addison etalii, 1993.

4. A negociação multiemployer sofre restrições semelhantes às impostas aos em-pregados relativamente à filiação sindical (critério comunidade de interesses), à

medida que a lei incentiva para que a negociação ocorra no âmbito da firma in-dividual – appropriate bargaining units.

5. Leo Kissler, em conferência no Programa de Pós-Graduação em administra-ção, na UFRGS, Porto Alegre, 1996.

6. “A la figure de l’emploi héritée de la révolution industrielle que l’on pourraitcaractériser par quatre dimensions (normalité, régularité, continuité, homogénéité)tend à se substituer une figure dominée par l’écart par rapport à la norme,l’irregularité, la descontinuité, et l’hétérogénéité” (Boulin, 1994:170).

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