sindicalismo rico, trabalhador desesperado · mas o sindicalismo partidário, alimentado pelo...

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Sindicalismo rico, trabalhador desesperado Hélio Duque A sustentabilidade do sindicalismo brasileiro tem na Contribuição Sindical, decorrente de um dia de desconto do salário de todos os trabalhadores, a sua matriz. No ano passado arrecadou R$ 3,2 bilhões, dinheiro retirado do orçamento dos assalariados. Recursos distribuídos aos 10.620 sindicatos e centrais sindicais, sem qualquer fiscalização. A Caixa Econômica, responsável pela arrecadação e distribuição, se nega a mostrar com transparência quanto é destinado às várias entidades. Alega sigilo bancário pela razão de não serem órgãos públicos. Já o Ministério do Trabalho não fiscaliza os balanços das organizações sindicais sob a alegação de liberdade sindical. A prosperidade da indústria sindical e a consolidação de autêntica aristocracia de dirigentes sindicais ficam bem definidas e sem nenhum controle republicano. Destaque-se que o Sindicato é importante grupo de pressão na defesa dos trabalhadores. Originário da Inglaterra, no início do século XIX, sua legalização ocorre em 1824. Já no Brasil, nesse início do século XXI, os sindicatos estão feudalizados e esvaziados, existindo unicamente para negociar acordos coletivos de trabalho. E uma grande maioria como aparelhos políticos partidários, digno dos “pelegos” de tempos passados. O trabalhador brasileiro, nesse cenário, vive hoje um sentimento de orfandade, mas o sindicalismo partidário, alimentado pelo imposto sindical, busca a perpetuação no poder de “líderes” refalsados e divorciados da verdadeira classe trabalhadora. Para efeito comparativo, em todo o mundo existem 140 centrais sindicais. Na Espanha, a UGT criada em 1888; na França, a CGT (1895); na Itália, a CGL (1906) e nos Estados Unidos, a AFL (1881). Representam toda a classe trabalhadora. No Brasil, no Ministério do Trabalho, no seu cadastro, existem 12 centrais sindicais. Um recorde mundial. Já legalizadas: CUT (Central Única dos Trabalhadores); Força Sindical; CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil); UGT (União Geral dos Trabalhadores); NCTS (Nova Central Sindical dos Trabalhadores); CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil); CBBT (Central do Brasil Democrático dos Trabalhadores) e UST (União Sindical dos Trabalhadores). Ainda não legalizadas: COB (Confederação Operária Brasileira) e CSP (Central Sindical e Popular Conlutas). As outras estão sob análise ministerial. Realidade surrealista que nos remete à existência de duas paralelas: líderes sindicais vivem no paraíso, trabalhadores frequentam o inferno cotidiano.

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Page 1: Sindicalismo rico, trabalhador desesperado · mas o sindicalismo partidário, alimentado pelo imposto sindical, busca a perpetuação no poder de “líderes” refalsados e divorciados

Sindicalismo rico, trabalhador desesperado

Hélio Duque

A sustentabilidade do sindicalismo brasileiro tem na

Contribuição Sindical, decorrente de um dia de desconto do salário de todos

os trabalhadores, a sua matriz. No ano passado arrecadou R$ 3,2 bilhões,

dinheiro retirado do orçamento dos assalariados. Recursos distribuídos aos

10.620 sindicatos e centrais sindicais, sem qualquer fiscalização. A Caixa

Econômica, responsável pela arrecadação e distribuição, se nega a mostrar

com transparência quanto é destinado às várias entidades. Alega sigilo

bancário pela razão de não serem órgãos públicos. Já o Ministério do

Trabalho não fiscaliza os balanços das organizações sindicais sob a

alegação de liberdade sindical. A prosperidade da indústria sindical e a

consolidação de autêntica aristocracia de dirigentes sindicais ficam bem

definidas e sem nenhum controle republicano.

Destaque-se que o Sindicato é importante grupo de pressão na

defesa dos trabalhadores. Originário da Inglaterra, no início do século XIX,

sua legalização ocorre em 1824. Já no Brasil, nesse início do século XXI, os

sindicatos estão feudalizados e esvaziados, existindo unicamente para

negociar acordos coletivos de trabalho. E uma grande maioria como

aparelhos políticos partidários, digno dos “pelegos” de tempos passados. O

trabalhador brasileiro, nesse cenário, vive hoje um sentimento de orfandade,

mas o sindicalismo partidário, alimentado pelo imposto sindical, busca a

perpetuação no poder de “líderes” refalsados e divorciados da verdadeira

classe trabalhadora.

Para efeito comparativo, em todo o mundo existem 140 centrais

sindicais. Na Espanha, a UGT criada em 1888; na França, a CGT (1895); na

Itália, a CGL (1906) e nos Estados Unidos, a AFL (1881). Representam toda

a classe trabalhadora. No Brasil, no Ministério do Trabalho, no seu cadastro,

existem 12 centrais sindicais. Um recorde mundial. Já legalizadas: CUT

(Central Única dos Trabalhadores); Força Sindical; CTB (Central dos

Trabalhadores do Brasil); UGT (União Geral dos Trabalhadores); NCTS

(Nova Central Sindical dos Trabalhadores); CGTB (Central Geral dos

Trabalhadores do Brasil); CBBT (Central do Brasil Democrático dos

Trabalhadores) e UST (União Sindical dos Trabalhadores). Ainda não

legalizadas: COB (Confederação Operária Brasileira) e CSP (Central

Sindical e Popular Conlutas). As outras estão sob análise ministerial.

Realidade surrealista que nos remete à existência de duas paralelas: líderes

sindicais vivem no paraíso, trabalhadores frequentam o inferno cotidiano.

Page 2: Sindicalismo rico, trabalhador desesperado · mas o sindicalismo partidário, alimentado pelo imposto sindical, busca a perpetuação no poder de “líderes” refalsados e divorciados

A deformação do sindicalismo brasileiro se expressa no

número inflacionário de centrais sindicais. Criar organizações, falsamente

representantes dos trabalhadores, tornou-se verdadeira “mina de ouro”, com

a eternização privilegiada dos felizardos dirigentes classistas. A violência

nas disputas, onde quase sempre as eleições são fraudadas com adesão

mínima da categoria, tornou-se fato normal. Exemplo: no Rio de Janeiro, o

Sindicato dos Empregados do Comércio, foi presidido por 40 anos pelo

sindicalista Luisant Mata Roma, morto em 2006. Foi substituído por mais 10

anos pelo filho Otton Mata Roma. Destaca-se não ser este um fato isolado.

É prática normal.

O economista Gil Castelo Branco, dirigente da ONG Contas

Abertas é objetivo: “A simples existência do Imposto Sindical já é uma

aberração. Poucos países no mundo tem esse sistema, que representa um

atraso. Isso já deveria ter sido extinto e seria bom para os sindicatos que

precisariam ser mais representativos e eficientes”. As deformações, os

privilégios das representações sindicais que se acham tutores dos

trabalhadores, utilizando um discurso demagógico, se sustentam no poderio

econômico oriundo do confisco de renda chamada contribuição sindical.

O estimado amigo Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho,

ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho e advogado trabalhista

competente, constata: “O que faz os sindicalistas tomarem atitudes

irresponsáveis, é o imposto sindical e a estabilidade que eles gozam.

Ninguém se sindicaliza. Como o sindicalista tem sua fonte de renda

garantida, não se preocupa com o mercado de trabalho. Hoje, no Brasil,

poucos são tão privilegiados quanto essa elite sindical, que não quer perder

os seus privilégios”.

Pazzianotto advoga a solução para a estruturação de um

saudável sindicalismo brasileiro: “É o sindicato se desligar totalmente do

Estado e seguir as regras da Convenção 87 da Organização Mundial do

Trabalho. Isso significa autonomia de organização sindical, reconhecimento

pleno como pessoa jurídica de direito privado, encerrando essa história de

registro no Ministério do Trabalho, que se tornou um grande balcão de

negócios.”

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade

Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de

vários livros sobre a economia brasileira.