sinalizaÇÃo e reordenaÇÃo do fluxo da trilha da pedra grande

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SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE Marcello Leonardo Sacco Instituição: IPEG – Instituto Pedra Grande de Preservação Ambiental A Trilha – Planejamento e Manejo 1. Introdução A estória conta que na década de 60, uma família de funcionários de uma grande indústria têxtil de Atibaia, interior de São Paulo, aproveitando um feriado, resolveu fazer um pic-nic no cume da serra do Itapetinga onde localiza-se especificamente a Pedra Grande, um grande maciço rochoso que permite uma inigualável contemplação cênica, e convidaram parentes e amigos para percorrer as trilhas abertas por criadores de gado e cavalo da região, que a utilizavam para controlar suas criações. A data era primeiro de maio, dia do trabalho. Desde então, essa tradição ganhou adeptos e, atualmente, cerca de 1.000 a 1.500 pessoas passam pela trilha no período da tarde de 31 de março à tarde de 1 de maio. Soma-se a esse fluxo, os adeptos de esportes radicais como escalada, down hill, paraglinding e as pessoas que querem ter um contato com a natureza realizando um simples passeio, tirando fotos ou mesmo vendo o pôr-do-sol, percorrendo o ano inteiro as trilhas de acesso a Pedra Grande. Este trabalho é fruto da necessidade latente de ações que visam iniciar um trabalho de conscientização, recuperação e adequamento dessas trilhas uma vez que, até então, nenhuma ação efetiva foi realizada nesse intuito, mesmo com a indignação dos freqüentadores, moradores e adoradores da serra e seu entorno. 2. Objetivo 2.1. Objetivo principal O objetivo principal do projeto foi a sinalização das trilhas que dão acesso à Pedra Grande resultando na orientação e reordenação do fluxo de pessoas que por elas circulam.

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Page 1: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

Marcello Leonardo Sacco

Instituição: IPEG – Instituto Pedra Grande de Preservação Ambiental

A Trilha – Planejamento e Manejo

1. Introdução

A estória conta que na década de 60, uma família de funcionários de uma

grande indústria têxtil de Atibaia, interior de São Paulo, aproveitando um feriado,

resolveu fazer um pic-nic no cume da serra do Itapetinga onde localiza-se

especificamente a Pedra Grande, um grande maciço rochoso que permite uma

inigualável contemplação cênica, e convidaram parentes e amigos para percorrer as

trilhas abertas por criadores de gado e cavalo da região, que a utilizavam para

controlar suas criações.

A data era primeiro de maio, dia do trabalho. Desde então, essa tradição

ganhou adeptos e, atualmente, cerca de 1.000 a 1.500 pessoas passam pela trilha no

período da tarde de 31 de março à tarde de 1 de maio. Soma-se a esse fluxo, os

adeptos de esportes radicais como escalada, down hill, paraglinding e as pessoas que

querem ter um contato com a natureza realizando um simples passeio, tirando fotos ou

mesmo vendo o pôr-do-sol, percorrendo o ano inteiro as trilhas de acesso a Pedra

Grande.

Este trabalho é fruto da necessidade latente de ações que visam iniciar um

trabalho de conscientização, recuperação e adequamento dessas trilhas uma vez que,

até então, nenhuma ação efetiva foi realizada nesse intuito, mesmo com a indignação

dos freqüentadores, moradores e adoradores da serra e seu entorno.

2. Objetivo

2.1. Objetivo principal O objetivo principal do projeto foi a sinalização das trilhas que dão acesso à

Pedra Grande resultando na orientação e reordenação do fluxo de pessoas que por

elas circulam.

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2.2. Objetivo secundário Dar início a ações que visam dois objetivos:

a) Incentivar empresários, entidades, associações, grupos e pessoas que tem o

interesse comum de recuperar, preservar e desenvolver ações contínuas na busca da

manutenção e desenvolvimento desse patrimônio;

b) Demonstrar ao proprietário da área que compreende 98% das trilhas, da

importância que sua propriedade, do potencial que ela representa e das possibilidades

de uma utilização adequada a sua vocação natural, uma R.P.P.N. estruturada para a

visitação, pesquisa, educação ambiental e outras finalidades nesse segmento.

Foto 1. Vista aérea da Pedra Grande feita de paraglider.

3. Metodologia

Para se chegar ao modelo mais adequado a realidade local, associado a

viabilização econômica, procurei, em primeiro lugar, visitar diversas unidades de

conservação obtendo o máximo de informações do que está sendo feito, do que deu

certo e errado, as adequações específicas de cada local, além de novas idéias.

Visitei o parque estadual turístico do Alto Ribeira - SP, o parque estadual do

Guartelá - PR, o parque nacional de Itatiaia - RJ, o parque estadual da serra da

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Cantareira (Núcleo Engordador) - SP, o parque estadual de Ibitipoca - MG, parque

nacional da Floresta da Tijuca - RJ, entre outras unidades de conservação.

Através das informações adquiridas, separei em cinco grupos o foco de

trabalho, divididos em: trilha, placas, desenvolvimento do projeto, captação de

recursos e execução.

3.1. A trilha

Trabalhei em cima das trilhas existentes buscando o melhor aproveitamento de

acordo com aspectos como: grau de inclinação, tipo de solo, estado de conservação,

escoamento de água, vegetação, preferência de utilização e pontos favoráveis para

paradas estratégicas.

Utilizei cartas topográficas em escala 1:10.000 obtidas no departamento de

geografia do USP, São Paulo, GPS E-trex Summit da Garmim e o software Track

Maker.

Com essas ferramentas, realizei o levantamento, mapeamento e delimitação

das melhores e mais viáveis trilhas, para posteriormente, determinar quantas e quais

placas deveriam ser confeccionadas.

Foto 2. Vista panorâmica da serra com plotagem das trilhas.

3.2. As placas

Com as trilhas já determinadas, estabeleci o número de placas a serem

confeccionadas bem como seus dizeres e indicações.

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Para confeccionar as placa, busquei a melhor alternativa de material

associando robustez, qualidade, durabilidade, acabamento e facilidade de manutenção

além de procurar manter o padrão utilizado em outras unidades de conservação.

O material escolhido foi toras e costaneiras de eucalipto que passaram pelos

processos de secagem, preparação, aplicação de produtos contra a formação de

fungos e cupins além de receber, no final, três camadas de verniz náutico.

As toras que serviram como base das costaneiras, receberam na parte que

ficou enterrada, mais uma camada de proteção da umidade prolongando a vida útil da

madeira. As costaneiras receberam essa mesma camada na sua parte traseira.

Os dizeres e as imagens foram desenhados e pintados, tendo suas bordas

feitas em baixo relevo para facilitar o trabalho de manutenção e recuperação das

placas. No total, foram confeccionadas 2 placas principais, 10 placas indicativas e 5

placas de orientação. Este processo só aconteceu a partir do momento que foram

captados os recursos mínimos para a realização do projeto.

Foto 3. Placa principal Foto 4. Placa indicativa Foto 5. Placa de orientação

3.3. Desenvolvimento do projeto Depois de estabelecidas as trilhas, as placas, o fornecedor e os custos de

confecção, passei para a etapa de redigir o projeto.

Depois de pronto, enviei para uma empresa especializada que desenvolveu a

diagramação, identificação visual e o logotipo do projeto.

Page 5: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

Após essa etapa, elaborei, desenvolvi e montei as pastas que foram

apresentadas às empresas para a obtenção dos recursos necessários para a

realização do projeto.

Foto 6. Capa da pasta de apresentação do projeto

3.4. Captação de recursos

Com as pastas prontas, fui em busca das empresas patrocinadoras. Procurei

apenas empresas de Atibaia e que possuíam empresários que também demonstram

muita afinidade com Atibaia e, principalmente, com a serra do Itapetinga, cartão postal

de Atibaia.

Posso dizer com toda propriedade que esta foi a parte mais árdua, sacrificante

e desgastante de todo o projeto. Dividi o custo total do projeto em seis cotas iguais,

onde cata cota correspondia a uma espaço localizado em cada uma das duas placas

principais onde foi colocado o logotipo de cada empresa patrocinadora.

Devido a grande dificuldade, me prontifiquei a entregar a cada dois meses,

durante um ano, a partir da colocação de todas as placas, um relatório com as fotos de

todas as placas além de realizar toda a manutenção e recolocação de qualquer placa

caso haja algum tipo de depredação ou furto, tudo isso sem custo adicional. Somente

Page 6: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

com essa abertura e esse comprometimento foi que consegui vender todas as seis

cotas de apenas R$ 950,00 cada, por todo esse trabalho e conhecimento, R$ 79,17 ao

mês.

3.5. Execução A partir da quarta cota vendida, encomendei a confecção das placas pois, caso

não conseguisse vender as duas que faltavam, teria como cobrir o prejuízo mas

realizar o projeto.

Assim que elas foram ficando prontas, fui levando e colocando, uma a uma,

nos seus respectivos lugares. Primeiro coloquei todas as toras para posteriormente

colocar as costaneiras, todas de uma vez, num único dia.

Este foi um trabalho extremamente extenuante pois, como se tratava de um

material robusto e de uma trilha com trechos íngrimes, o deslocamento de todo esse

material era extremamente difícil.

Foto 7. Transporte das toras de uma placa principal

Page 7: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

Foto 8. Detalhe da tora Foto 9. Detalhe do buraco de fixação

4. Resultados

Os resultados obtidos foram muitos satisfatórios mas devo esclarecer algumas

ações que foram complementares ao projeto especificamente, pois sem essas ações,

os resultados seriam frustrantes.

Como a serra do Itapetinga vem de décadas de abandono com total

desrespeito a todo e qualquer princípio de preservação, manutenção e

conscientização ambiental, associado a isso, a ignorância de outra parte de

freqüentadores e aproveitadores como motoqueiros, carvoeiros, criadores de cavalo,

especuladores imobiliários, captadores irregulares de água, entre outros, tive que fazer

um trabalho paralelo de preparar essas pessoas para as novas condições de uso e

alertar a população e o poder público da realização e dos propósitos do projeto.

Desta forma, enquanto estavam sendo confeccionadas as placas, realizei as

seguintes ações;

a) Conversei com os criadores de cavalos que deixavam soltos seus animais na serra,

sobre os impactos causados por eles e como de alguma forma eles eram afetados e,

para evitar esses impactos, eu colocaria cercas que impediam a entrada desses

animais e, caso eles entrassem, deixei bem claro quais seriam as conseqüências;

b) Da mesma forma atuei com os motoqueiros visitando as principais lojas e oficinas

colocando cartazes, esclarecendo aos proprietários me prontificando a realizar uma

palestra para quem tivesse interesse;

Page 8: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

Foto 10. Primeira cerca. Foto 11. Cerca destruída Foto 12. Nova cerca

c) Identifiquei os captadores irregulares das águas das nascentes da serra e, junto ao

departamento do SAAE, órgão responsável pelo abastecimento de água de Atibaia,

procurei viabilizar a ligação desses imóveis na rede de água pública;

d) Continuei o trabalho de coleta de água das principais nascentes e encaminhando ao

SAAE para realizar a análise das mesmas.

e) Contatei os principais meios de comunicação da cidade para a divulgação da

realização do projeto e seus propósitos.

Foto 13. Matéria de capa do jornal “O Atibaiense”

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Foto 14. Página no site www.atibaia.com.br/trilhas

Estas ações foram fundamentais para o sucesso do projeto. Digo isso pois as

primeiras ações de vandalismo e de demonstrar que estavam contra o “fechamento”

do acesso para um determinado grupo de pessoas que, até então, vinham usufruindo

sem o maior problema, se restringiram às cercas que coloquei onde provocando a

indignação daqueles que gostam da serra e nunca tinham visto ninguém fazer nada

pela serra que fosse visível, impactante, ações estas que realizei.

A indignação dessas pessoas gerou um despertar nelas que passaram a cuidar

e patrulhar a serra evitando assim, que novas depredações viessem a ocorrer.

Passado esse período de conturbação, as placas foram colocadas e, a princípio,

algumas placas foram rabiscadas, principalmente por adolescentes que teimam em

deixar suas marcas por onde passam.

Foto 15. “Ataque” de um adolescente

Page 10: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

Como eu realizava a recuperação das placas todo o final de semana,

aproveitava e divulgava o trabalho que estava sendo realizado a todas as pessoas que

por ali passavam aumentado a rede de informações o que gerou, gradativamente, a

diminuição dos impactos até chegar a um nível muito baixo.

As pessoas que já freqüentavam passaram a respeitar os caminhos indicados

e, aqueles que vinham pela primeira vez ou não conheciam bem o caminho, passaram

a realizar a trilha sem maiores problemas o que acarretou no processo gradual de

fechamento das trilhas secundárias.

Os patrocinadores ficaram muito satisfeitos com todo o projeto, com o

profissionalismo, com a repercussão que gerou na cidade e a divulgação que foi feita,

chegando até a ser apresentado no programa Planeta Turismo do SBT em rede

nacional

Em relação ao proprietário, ele ficou muito satisfeito com o resultado pois sua

imagem mudou no conceito de muitas pessoas mas, infelizmente, ainda não consegui

convencê-lo a transformar a sua área em uma R.P.P.N. Me prontifiquei a realizar todo

o processo burocrático, sem custo algum, e ainda realizar um projeto para a captação

de recursos a fundo perdido, para a criação de um parque particular onde seria

administrado pela ONG IPEG sobe a supervisão dele. Ainda não consegui. Ainda.

5. Conclusão

Este foi um primeiro projeto que além de tudo serviu como um espelho, como

uma chama para o desenvolvimento de novas ações no intuito da recuperação,

manutenção e desenvolvimento da área da serra do Itapetinga, principalmente das

trilhas que dão acesso à Pedra Grande.

Aprendi muito e tenho certeza que saí mais forte e capacitado para realizar

novas ações. Ainda existe muito trabalho a ser feito, principalmente na área de

recuperação das áreas degradadas e das trilhas secundárias que devem ser fechadas

completamente. Associado a isso, existe o trabalho de recuperação da vegetação e o

de educação ambiental nas escolas da cidade com um foco específico para a

realidade local. Independente disso, deixo bem claro que faria tudo de novo se fosse

preciso pois é muito gratificante ver o resultado, por menor que seja, para transformar

esse mundo, nossa vida, nossa casa em algo melhor para todos.

Page 11: SINALIZAÇÃO E REORDENAÇÃO DO FLUXO DA TRILHA DA PEDRA GRANDE

6. Bibliografia

ORSI, I. L. & Paiva, E. Famílias Ilustres e Tradicionais de Atibaia. Editora Memória

Nacional. Atibaia/SP. 2000

OLIVATO, Débora. Proposta de Interpretação das unidades de paisagem e de

sinalização da trilha da mangueira – serra do Itapetinga – Atibaia/SP. 2000

WWF Brasil. Manual de Ecoturismo e Base Comunitária: Ferramentas para um

planejamento responsável. Brasília. 2003

7. Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todos os patrocinadores, Arvi, Viação Atibaia São

Paulo, Colégio Anglo, Fiat Total, Gráfica Redijo e By Roupas esportivas, pois sem eles

nada disso tinha saído do papel.

Sou muito agradecido ao Marcel Mitt e a Patrícia Clemes pelo apoio moral, financeiro,

de equipamento e profissional que me deram.

Ao meu pai e minha mãe que me ensinaram a amar e respeitar a natureza

demonstrando todo o seu valor e importância.

Aos meus irmãos Giovanni e Gustavo pela força em todos os momentos.

Ao Tonhão, ao Tião Urutu, ao Ricardinho, ao Sr, Luís, todos companheiros de

combate aos incêndios da serra e profundos conhecedores e amantes da causa.

Ao Fernando Protta por fazer muito bem aquilo que não sei fazer, política e a todos

que de uma forma ou outra contribuíram para que esse projeto se realizasse.

Muito obrigado de coração.