simmel e jameson: pequeno diÁlogo sobre a vida...

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XV SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO A Cidade, o Urbano, o Humano Rio de Janeiro, 18 a 21 de setembro de 2018 SIMMEL E JAMESON: PEQUENO DIÁLOGO SOBRE A VIDA NA METRÓPOLE. REPRESENTAÇÕES, SUBJETIVIDADES E SABERES SOBRE A CIDADE MARISTELA DA SILVA JANJULIO / UNIFEV RESUMO Este texto procura analisar a vida nas metrópoles moderna e pósmoderna a partir da crítica da cultura e de sua função e importância em ambos os períodos. No caso da metrópole moderna, utilizaremos a análise de Georg Simmel, no início do século XX. Sobre a questão da existência na metrópole pós moderna, utilizaremos as críticas de Fredric Jameson, particularmente de seus textos contidos no livro A lógica cultural do capitalismo tardio. Algumas questões colocadas são: o que aconteceu a este indivíduo em ambos os períodos? Como é sua produção cultural? Tais questões possibilitam uma discussão mais ampla sobre nosso tempo presente, em que aconteceu uma explosão da dimensão da cultura, e as mudanças que vêm ocorrendo em nossa vida cotidiana. Devese considerar, no entanto, que o pósmoderno é uma dominante cultural do capitalismo tardio, mas que nem toda produção cultural de nossos dias é pósmoderna. PALAVRASCHAVE: cultura pósmoderna metrópole moderna explosão cultural.

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XV SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO A Cidade, o Urbano, o Humano Rio de Janeiro, 18 a 21 de setembro de 2018

SIMMEL E JAMESON: PEQUENO DIÁLOGO SOBRE A VIDA NA METRÓPOLE. REPRESENTAÇÕES, SUBJETIVIDADES E SABERES SOBRE A CIDADE MARISTELA DA SILVA JANJULIO / UNIFEV

RESUMO

Este texto procura analisar a vida nas metrópoles moderna e pós-­moderna a partir da crítica da cultura

e de sua função e importância em ambos os períodos. No caso da metrópole moderna, utilizaremos a

análise de Georg Simmel, no início do século XX. Sobre a questão da existência na metrópole pós-­

moderna, utilizaremos as críticas de Fredric Jameson, particularmente de seus textos contidos no livro

A lógica cultural do capitalismo tardio.

Algumas questões colocadas são: o que aconteceu a este indivíduo em ambos os períodos? Como é

sua produção cultural?

Tais questões possibilitam uma discussão mais ampla sobre nosso tempo presente, em que aconteceu

uma explosão da dimensão da cultura, e as mudanças que vêm ocorrendo em nossa vida cotidiana.

Deve-­se considerar, no entanto, que o pós-­moderno é uma dominante cultural do capitalismo tardio,

mas que nem toda produção cultural de nossos dias é pós-­moderna.

PALAVRAS-­CHAVE: cultura pós-­moderna;; metrópole moderna;; explosão cultural.

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SIMMEL AND JAMESON: SMALL DIALOGUE ABOUT LIFE ON METROPOLIS

ABSTRACT

This text seeks to analyze life in modern and postmodern metropolis based on the critique of culture

and its function and importance in both periods. On the modern metropolis, we will use Georg Simmel's

analysis in the early twentieth century. About the question of existence in postmodern metropolis, we

will use Fredric Jameson’s criticisms, particularly his texts contained in the book The Cultural Logic of

Late Capitalism.

Some questions articulated are: what happened to individual in both periods? How is its cultural

production?

Such questions enable a broader discussion about our present time wherein there has been an

explosion of cultural dimension and the changes that have been occurring in our daily lives. It must be

considered, however, that postmodernism is a cultural mainstream of late capitalism, but that not all

cultural production of our time is postmodern.

KEY-­WORDS: postmodern culture;; modern metropolis;; cultural explosion

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O PÓS-­MODERNO: UMA DOMINANTE CULTURAL

Um dos argumentos em relação à própria existência do pós-­modernismo é a hipótese de uma quebra

radical, ou coupure, uma “ruptura”1 na esfera da cultura, muitas vezes associada ao enfraquecimento

ou extinção do centenário movimento moderno. Manifestações artísticas como o expressionismo

abstrato na pintura, o existencialismo em filosofia, a escola modernista na poesia, são vistos como a

“extraordinária floração final do impulso do alto modernismo que se desgasta e se exaure com estas

obras.” (JAMESON, 2000, p.27)

No entanto, o pós-­modernismo não envolve apenas uma questão cultural. As teorias pós-­modernas -­

celebratórias ou de denúncia – debruçam-­se sobre um novo tipo de sociedade, que, entre outras denominações, é chamada “sociedade pós-­industrial” (Daniel Bell) (Ibid., p.29), sociedade de consumo,

sociedade da informação, sociedade high-­tech.

Segundo tais teorias, a nova sociedade não obedece às leis do capitalismo clássico, onde predomina

a produção industrial. Ernest Mandel, em seu livro O capitalismo tardio, considera este um novo estágio

em sua evolução, onde ele mostra-­se mais “puro” do que em qualquer outro momento. Para ele, houve

três fases no desenvolvimento capitalista: o capitalismo de mercado (aproximadamente até os anos 90

do século XIX), o estágio do monopólio ou imperialismo (até os anos 40 do século XX) e o nosso, que

poderia ser designado por capitalismo multinacional, que se constitui em uma expansão do capital, que atinge áreas até então fora do mercado. 2

Um dos problemas da periodização é que ela tende a considerar um período histórico como

homogêneo, desprovido de manifestações culturais diversas. Para uma aproximação maior à realidade,

deve-­se considerar o pós-­modernismo como uma dominante cultural do capitalismo tardio.3 Mesmo o

modernismo, em sua vigência, não era hegemônico. Nem toda produção cultural de nossos dias é pós-­

moderna, em sentido amplo;; porém, o pós-­moderno é o campo de forças em que vários tipos de

impulsos culturais têm que encontrar seu caminho.

Da mesma forma, Simmel aponta temporalidades distintas convivendo em um mesmo período, na

época moderna.4 Sua análise da vida na cidade moderna se utiliza de contrapontos entre estas

temporalidades diversas: a da metrópole moderna e a da cidade pequena ou do campo, evidenciando

uma distância considerável entre ambas.

1 Para Jameson (2000, p.27), a origem desta quebra radical remonta ao final dos anos 1950 ou início dos anos1960. Manifestações artísticas como o expressionismo abstrato na pintura, o existencialismo em filosofia, a escola modernista na poesia, são vistos como a “extraordinária floração final do impulso do alto modernismo que se desgasta e se exaure com estas obras”. 2 A periodização cultural de Fredric Jameson (realismo, modernismo e pós-­modernismo) inspira-­se na periodização do capitalismo de Mandel. 3 Para Jameson (2000, p. 322), as afirmações da popularidade do pós-­modernismo são pouco confiáveis, pois sempre existem pessoas que recusam tal caracterização, do pós-­modernismo como uma “história universalizante”. Na verdade, para este autor, trata-­se de uma operação cultural muito mais restrita, das elites brancas, masculinas, dos países avançados. 4 Simmel não coloca uma cronologia precisa, porém, o pleno desenvolvimento da economia monetária, processo que se inicia aproximadamente no século XV, atinge seu significado e magnitude reais por volta de 1900. Nos termos de uma filosofia do dinheiro, o dinheiro é o símbolo do moderno. Onde o dinheiro se desenvolve, vemos o moderno. Porém, há diversas temporalidades que convivem no mesmo ano de 1900. A cidade grande é moderna, porém a aldeia, pouco distante, não o é, necessariamente. (WAIZBORT, 2000, p.174-­6)

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OS INDIVÍDUOS MODERNO E PÓS-­MODERNO

Para Simmel (1967, p.22-­3), apesar do choque do modernismo, e do consequente estranhamento em

relação à metrópole moderna, seu habitante é “livre”, em comparação à estreiteza da vida na cidade

pequena.

Tal liberdade é amplamente sentida na multidão da grande cidade. Mas, tal liberdade implica no fato

de que, em determinadas circunstâncias, a metrópole seja o local onde as pessoas se sintam mais

solitárias e perdidas, em meio à multidão. A proximidade entre as pessoas explicita a distância

espiritual.

Esta é a temática do quadro de Edvard Munch, O Grito (1893) -­ uma clara expressão da alienação, da solidão e da fragmentação social. O conceito de expressão supõe a dor no interior do sujeito e o

momento em que a emoção é exteriorizada: a dramatização externa de um sentimento interno.

Porém, a expressão requer a categoria da mônada5 individual. E, justamente quando nos constituímos

como subjetividade individual, como um domínio fechado, nos isolamos de todo o resto e nos

condenamos à solidão. Ou seja, na cidade moderna, o sujeito livre em meio à multidão, mas angustiado,

se expressa, faz conhecer sua angústia tributária do isolamento a que nos condena a metrópole e, ao

externar sua dor, ele se isola ainda mais.

O quadro pode ser lido como uma “desconstrução virtual da própria estética da expressão” que, para Jameson (2000, p.38-­9), parece ter desaparecido no mundo contemporâneo.

Conceitos como ansiedade e alienação, e as experiências mostradas em O Grito, não são mais

possíveis na época pós-­moderna. A alienação do sujeito transformou-­se em fragmentação.

Estas questões nos levam a outra, colocada pela teoria contemporânea: a própria “morte” do sujeito:

“(...) o fim da mônada, do ego ou do indivíduo burguês (...). O sujeito centrado que existia na época do

capitalismo clássico e da família nuclear foi dissolvido (...)”. (Ibid., p.42)

A expressão representada no quadro de Munch desaparece, de modo geral, a profundidade é substituída pela superfície, ou por múltiplas superfícies.

O tema do “sublime”, como foi colocado por Edmund Burke,6 do terror, do assombro frente à natureza

-­ algo que era capaz de esmagar o próprio homem pela sua dimensão -­, pode ser estendido à

interpretação de O Grito, como expressão da dificuldade humana em conviver com algo tão aterrador,

5 Na segunda metade do século XVII, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-­1716), na Alemanha, um dos três grandes filósofos racionalistas, refletiu profundamente sobre o significado de substância, o que o levou a introduzir o conceito de mônada. Segundo ele, "para que uma coisa seja realmente um ser – uma substância – precisa ser verdadeiramente única, precisa ser uma entidade dotada de genuína unidade. Unidade substancial requer uma entidade indivisível e naturalmente indestrutível". https://www.arazao.net/as-­monadas-­de-­leibniz.html, acesso em 18 de março de 2018. 6 Para Burke, o sublime é uma mistura de prazer e dor, no entanto, as ideias de dor seriam mais poderosas do que as ideias de prazer. Este sentimento seria tão forte que nos impediria de raciocinar. As pinturas de William Turner (1775-­1851), artista ligado ao romantismo inglês, evocam sentimentos de sublime de acordo com as definições de Burke. Suas obras retratavam a natureza e principalmente o mar agitado e as tempestades. Transmitiam uma emoção extrema e foi considerado o ponto culminante da paisagem romântica.

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como a natureza de Burke, como a metrópole de Simmel e como algo que é “uma coisa diferente que

devemos agora identificar”. (JAMESON, 2000, p.60)

Jameson (2000, p.63) nega-­se a encarar a tecnologia como a “determinação em ultima instância da

vida social cotidiana de nossos dias, ou de nossa produção cultural”.7 Ele sugere, ao invés disso, que

“nossas representações imperfeitas de uma imensa rede computadorizada de comunicações” (Ibid.,

p.63)8 são apenas uma representação de algo mais profundo de todo o sistema capitalista multinacional

de nossos dias.

Nossa tecnologia já não é fascinante em si, como a representação moderna da máquina, personificada

por Le Corbusier na habitação, mas como imagem de uma rede de poder ainda mais difícil de ser

compreendida. Esta nova rede global é, de certa forma, o terceiro estágio do capital.

A partir desta nossa incapacidade em apreendermos a totalidade do sistema produtivo contemporâneo

e suas questões econômicas, sociais e culturais, seria possível uma teorização do “sublime pós-­

moderno ou tecnológico”. As representações desta impossibilidade são inúmeras, entre elas a

“paranóia high tec”, presente na literatura de entretenimento, mas que pode também ser vista no

cinema. Representações de uma realidade ameaçadora, perceptível apenas em parte.

Estas grandes emoções negativas – o terror, a ansiedade, a esquizofrenia -­, presentes em nossa

época, podem ser entendidas no quadro de uma existência dispersa, das novas experiências -­ ou da

impossibilidade delas -­ temporais. Elas mostram a fragmentação psíquica do sujeito.

O PAPEL DA ARTE NO MODERNO: O CONCEITO DE OBRA DE ARTE TOTAL

7 Jameson escreve em uma época em que ainda não existem as redes sociais. 8 Jameson escreve em 1992, assim não poderia nomear a Internet, no entanto, é relevante entender como ela funciona. A rede surgiu a partir de pesquisas militares no auge da Guerra Fria. Nessa perspectiva, o governo dos Estados Unidos temia um ataque russo às bases militares, que poderia trazer a público informações sigilosas. Então foi idealizado um modelo de troca e compartilhamento de informações que permitisse a descentralização das mesmas. Criou-­se uma rede, a ARPANET. A Internet também teve outros importantes atores que influenciaram o seu surgimento, como professores universitários, estudantes, empresas de tecnologia e alguns políticos norte-­americanos, como Al Gore. Já na década de 1970, com a diminuição da tensão entre URSS e EUA, o governo dos EUA permitiu que pesquisadores que desenvolvessem estudos na área de defesa pudessem também entrar na ARPANET. O desenvolvimento da rede, nesse ambiente mais livre, pôde então acontecer. Não só os pesquisadores como também os alunos e os amigos dos alunos, tiveram acesso aos estudos já empreendidos e somaram esforços para aperfeiçoá-­los. A mesma lógica se deu com a Internet. Jovens da contracultura, ideologicamente engajados em uma utopia de difusão da informação, contribuíram decisivamente para a formação da Internet como hoje é conhecida. A tal ponto que o sociólogo espanhol e estudioso da rede Manuel Castells afirmou no livro A Galáxia da Internet (2003) que A Internet é, acima de tudo, uma criação cultural. Um sistema técnico denominado Protocolo de Internet -­ o IP-­ (Internet Protocol) permitiu que o tráfego de informações fosse encaminhado de uma rede para outra. Através da National Science Foundation, o governo norte-­americano investiu na criação de backbones (espinha dorsal), poderosos computadores conectados por linhas que tem a capacidade de dar vazão a grandes fluxos de dados, através de canais de fibra ótica, satélites e transmissão por rádio. Existem também os computadores criados por empresas particulares. É basicamente nisto que consiste a Internet, que não tem um dono específico. O cientista Tim Berners-­Lee, do CERN, criou a World Wide Web em 1992. E já nesta época, o então senador Al Gore falava na Superhighway of Information. O boom da Internet ocorreu na década de 1990. Até 2003, cerca de mais de 600 milhões de pessoas estavam conectadas à rede. https://pt.wikipedia.org/wiki/História_da_Internet, acesso em 18/03/2018

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Analisando o papel da arte na metrópole moderna, Simmel se utiliza do conceito da obra de arte total.

Nela, cada elemento, o singular, aponta para o todo. A essência da arte seria a ideia de que a partir do

fragmento se estabelece o todo:

(...) no singular se evidencia o tipo, no contingente a lei, no superficial e fugaz a essência e o significado das coisas. (...). A visão de mundo torna-­se um panteísmo estético, cada ponto abriga a possibilidade da redenção rumo a um significado estético absoluto, de cada um reluz, para o olhar suficientemente afiado, a beleza completa, o sentido total do todo universal. (SIMMEL, 1896, p.198-­9 apud Waizbort, 2000, p.75)

O conceito de totalidade quase sempre é entendido como soma das partes, mas é mais que isso, é necessário analisar as relações entre as partes e o todo. Ambos se opõem, mas as partes só podem

ser consideradas como tal se relacionarem-­se com o todo, que lhes confere seu significado.

Constitui-­se uma espécie de objeto transcendental – a Gesamtkunstwerk ou obra de arte total -­, a partir

de uma síntese vasta e inclusiva das várias artes, sob a liderança de uma delas, a arquitetura. A obra

de arte abrange todos os níveis do desenho.

A síntese seriam casas feitas sob medida para a alta burguesia -­ o interior burguês: móveis, quadros,

livros, piano, coleções, tudo é objeto de interesse para o cultivo de uma nova vida. Este será um dos

objetivos do Jugendstil, no início do século XX. Esta cultura da habitação já estava presente no movimento Arts and Crafts, ainda no final do século XIX, e pode ser vista na obra de Frank Lloyd

Wright:9 “Já desde então se trata da questão da arte e da vida, que está no núcleo de todas as tentativas

do moderno que Simmel presencia em Berlim: no Naturalismo, no Impressionismo, no Jugendstil, no

Expressionismo.” (WAIZBORT, 2000, p.395)

Nessas casas, almeja-­se à perfeição do interior, ao universo do sujeito, à expressão da personalidade.

Pois, mais do que a realização de um objeto, de um interior ou de um edifício, trata-­se de um projeto

de vida, de um estilo de comportamento. A própria vida torna-­se a obra de arte.

São mecanismos de diferenciação e individualização, em que se concebe uma unidade que provém do sujeito, que não se constitui a priori. Essa nova “forma” é uma espécie de subjetivação do espírito do

indivíduo. Assim, ela é única.

Pois, se a unidade estiver fechada “em si”, exclui o morador. Mas, quando o próprio indivíduo – ou o

arquiteto em conjunto com ele -­ compõe o ambiente com objetos variados, segundo o seu gosto, resulta

uma unidade subjetiva, um novo todo, cuja síntese e forma total é adaptada a apenas uma

personalidade determinada. Um ambiente exclusivo, que deveria ser a mais pura expressão do sujeito.

Para Simmel, esta síntese, entre sujeito e objeto, cultura subjetiva e cultura objetiva, é o que almeja o processo da cultura10. Porém, para ele, esta síntese, no moderno, só seria possível em um espaço

9 O movimento Art Nouveau, em todas as formas e denominações que assumiu na Europa, pode ser considerado o último grande esforço da cultura da classe média alta para demarcar seu espaço, com uma linguagem comum. Recebeu diferentes denominações nos diversos países: Jugendstil na Alemanha, Sezession na Áustria, Liberty na Itália. Uma particularização para cada país, mas ao mesmo tempo, o mesmo movimento. 10 Para Simmel, nos relacionamos com os objetos – em que nos incluindo ou os incluindo em nós, nós nos cultivamos –, que são espírito que se tornou objetivado naquelas formas éticas e intelectuais, sociais e estéticas, religiosas e técnicas. O sujeito defronta-­se com o objeto e experimenta uma formação incomparável quando ambas as partes são espírito. “Assim, o espírito subjetivo precisa na verdade abandonar sua subjetividade, mas não sua espiritualidade, a fim de experimentar a relação com o objeto, através da qual se consuma seu cultivo.

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recôndito e para estratos sociais bem definidos.11 Apenas a burguesia teria recursos para possuir e

decorar assim uma moradia.

Robie House, Frank Lloyd Wright, 1909-­10. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Robie_House#/media/File:Frederick_C._Robie_House.JPG

Robie House, Frank Lloyd Wright, sala de jantar. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Robie_House#/media/File:Robie_House_Interior_HABS_ILL,16-­CHIG,33-­7.jpg

(...). Aqui ocorre um tornar-­se objetivo do sujeito e o tornar-­se subjetivo de algo objetivo (...). São relações, relações que se estabelecem entre sujeito e objeto. O processo da cultura é essa fusão momentânea, subjetivação do que é objeto, objetivação do que é sujeito;; a cultura é o ‘ponto de cruzamento de sujeito e objeto’.” (SIMMEL, 1993, p.371 apud Waizbort, 2000, p.119) 11 Como foi dito, o modernismo, em sua vigência, não era hegemônico.

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Esse seria o papel da arte no cultivo desse sujeito. Personificada na casa, ela torna-­se um instrumento

educativo e moralizador, pode exercer uma influência benéfica, elevando espiritualmente e moralmente

seus moradores. O belo é o que é apropriado. Aliada ao domínio da técnica, com vistas ao conforto, à

funcionalidade e à racionalidade. Assim, criam-­se estas grandes obras burguesas privadas, em cujo

interior o sujeito procura se preservar e se expressar.

Simmel considera a obra de arte o extremo oposto da divisão do trabalho e da perda de sentido das

coisas: “A obra de arte é, dentre todas as obras humanas, a unidade mais acabada, a totalidade que se basta a si mesma”. (SIMMEL, 1900, p.629 apud WAIZBORT, 2000)

Ele atribui um caráter reconciliador à arte no mundo moderno, que começava a se fragmentar: o sentido pleno da arte é, a partir de um fragmento casual da realidade – fragmento cuja dependência está ligada por milhares de fios à realidade – configurar uma totalidade fechada em si mesma, um microcosmo que não necessita de nada que esteja fora de si. (SIMMEL, 1900, p. 690-­1 apud WAIZBORT, 2000, p.80)

Para Simmel, a cidade antiga, particularmente Roma, é também uma obra de arte. Ali, a beleza, como

na obra de arte, é o resultado da totalidade que é configurada quando elementos singulares são

colocados em relação entre si. Esta beleza que brota da totalidade não é atributo de nenhum elemento isoladamente, mas do seu relacionamento.

Roma produz o efeito de uma obra de arte da mais elevada ordem. (...) a importância de cada obra de arte cresceria na medida em que a multiplicidade das suas condições, do seu material, da sua problemática, seja mais diversa e a unidade em que ela é capaz de prendê-­la seja mais estreita, mais forte, mais homogênea. (SIMMEL, 1898, p.111)

“Nós não podemos nos preservar de seu poder de unificação.” (SIMMEL, 1989, p.41) Assim, as coisas que não importam, que são indiferentes em outro lugar, pelo simples fato de serem parte integrante de Roma, adquirem um sentido que ultrapassa aquele que teriam ‘em si e por si’. Graças à unidade a que Roma reconduz todos os seus conteúdos, o todo se solidariza com cada um de suas partes. Em cada elemento, se tem Roma inteira, que lhe confere uma riqueza de associações bem maior que teria a sua contemplação isolada (...) (Ibid., p.42)

Roma seria, para Simmel, o local da reconciliação. Ali, ele vê a possibilidade de sujeito e objeto se

reconciliarem, superando o dualismo que perpassa o mundo e a vida. A ideia que ele coloca, de

“redenção pela arte”, se realiza de maneira significativa na velha cidade. As pessoas que vivem ali participam da totalidade da obra de arte que é a cidade, então a vida também se transforma em arte.

Para Simmel, tanto indivíduo como sociedade, para serem um todo, precisam ser uma obra de arte.

(WAIZBORT, 2000, p.80)

“A continuidade do tempo, em Roma, (...) impede que elementos de diferentes períodos históricos se

isolem uns aos outros (...). Em razão da imensa extensão temporal que Roma abrange, o ponto de

vista histórico não é pertinente frente a este ou aquele fato isolado”. (SIMMEL, 1989, p.40)

Em contraposição à velha cidade, e à Roma em particular, a Berlim, do início do século XX, é apontada

como modelo de cidade moderna, sem passado. Não há bairros antigos, a demolição é uma constante, principalmente entre 1880 e 1910. Tudo é novo, inclusive os habitantes que migram para a cidade

devido à expansão da indústria. A cidade está em constante transformação e não possui uma

fisionomia. Nela, só pode haver o estranhamento, nunca a reconciliação. Em Roma, por outro lado, o

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passado se harmoniza com o presente. Elementos de várias épocas estão presentes. Apresenta uma

temporalidade única.

Simmel vê esta cidade grande como hostil, com certa sensação de perigo sempre presente. As

condições de vida alteram a sensibilidade e o comportamento. O homem moderno não consegue

compreender a totalidade das imagens que lhe chegam, em quantidade e velocidade espantosas. Tudo

passa tão rapidamente que ele só pode viver o momento. O passado e o futuro não importam. O

moderno está sempre em movimento. Sair à rua é perigoso, é confuso, desnorteante. Os nervos são solicitados ao máximo.

A pressa infindável, o apito da locomotiva, a campainha do bonde, a inundação permanente por coisas através do correio, o impertinente serviço de notícias dos jornais, o número crescente de contatos pessoais pela facilidade cada vez maior do transporte público, tudo isto e muito mais estimula sobretudo o desejo de escapar da escravidão do momento: o desejo de tranquilidade no gozo espiritual, de um calmo mergulho em uma existência cujos momentos solenes não precisam ser perturbados pela brutalidade da luta pela existência, cuja soma possa ser dedicada ao livre voo da imaginação. (LAMPRECHT, 1902, p.184 apud WAIZBORT, 2000, p.327)

E, contrapondo-­se à vida frenética da cidade, grande e moderna, o indivíduo recolhe-­se ao interior, de

que a moradia decorada é a configuração concreta. Este interior é o refúgio do habitante da grande

cidade, submetido a choques constantes, quase ininterruptos. Ele se recolhe a casa, à subjetividade.

A CULTURA NA ÉPOCA PÓS-­MODERNA

Este papel reconciliador da arte na época moderna modifica-­se no período pós-­moderno. Podemos

observar uma transformação na função social da cultura, ao ponto de Jameson (op.cit., p. 74) indagar

se a semi-­autonomia da esfera cultural, acima do mundo prático, não foi destruída pela lógica do capitalismo tardio.

Tal argumento não implica em afirmar sua extinção, mas que houve uma espécie de “explosão”: uma

“expansão da cultura por todo o domínio do social, até o ponto em que tudo em nossa vida social – do

valor econômico e do poder do Estado às práticas e à própria estrutura da psique -­ pode ser

considerado como cultural, em um sentido original que não foi, até agora, teorizado” (JAMESON, 2000,

p. 74)

A produção estética está integrada à produção das mercadorias em geral, pois nosso sistema de

produção necessita criar novos tipos de produtos -­ “novidades” -­, a uma velocidade crescente.

A sociedade contemporânea trouxe consigo a liberação da ansiedade, mas também a liberação de

qualquer outro tipo de sentimento: não há mais a presença de um ego para sentir. Isto não significa

que os produtos da cultura pós-­moderna sejam destituídos de sentimentos, mas que estes são agora

autossustentados e impessoais. Reificados

Com a falta de um ego, a produção cultural deste sujeito contemporâneo provavelmente se

caracterizará pela fragmentação e pela ausência de totalidade. Pode-­se tomar emprestado o conceito

de Lacan sobre a esquizofrenia, mas utilizado como um modelo estético. Ele a descreve como uma

“ruptura na cadeia dos significantes.” Quando essa relação é desfeita, quando se quebram as cadeias da significação, temos a esquizofrenia, com vários significantes distintos e não relacionados. O

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esquizofrênico “se reduz à experiência dos puros significantes materiais (...) a uma série de puros

presentes, não relacionados no tempo”. (JAMESON, 2000, p.53)

Para analisar esta produção contemporânea, Jameson (2000, p.174) se utiliza da arte conceitual.

“Conceitual”, aqui, designa o sujeito último do processo-­as categorias de percepção da própria mente,

e que podem ser examinadas através de oportunidades materiais a que chamávamos “obras de arte”,

como as instalações do artista americano Robert Gober.

Estas incluem o que, em outros tempos, poderia ser chamado de pintura, escultura, escrita e até arquitetura e que hoje poderíamos considerar como uma “construção” no interior de um sistema de

relações que inclui várias mídias.

Na “Instalação sem Título”, Gober combina vários objetos: um batente de porta, um monte de terra,

uma paisagem americana tradicional e um texto pós-­modernista. A reunião destes objetos em um

conjunto unificado, no espaço interior de um museu, nos faz querer uni-­las, “inventar a totalização

estética a partir da qual esses objetos disparatados podem ser entendidos – se não como partes do

todo, então pelo menos como elementos de um conjunto completo.” (Ibid., p.182)

Instalação sem título, Robert Gober. Fonte: JAMESON, 2000

Pode-­se analisar a instalação através da interpretação alegórica. O alegórico pode ser “formulado como

a questão colocada ao pensamento pela consciência de distâncias incomensuráveis no interior dos

objetos desse pensamento (...). A interpretação alegórica é, antes de mais nada, uma operação

interpretativa que começa por reconhecer a impossibilidade da interpretação no sentido antigo”. (Ibid.,

p.184)

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As novas estruturas alegóricas são pós-­modernas. Este tipo de interpretação percorre todos os

elementos e reajusta seus termos em uma mutação constante, sendo qualquer direção ou ponto de

partida possível. Desta forma, obtêm-­se vários tipos de “construção”.

Este é o modo de leitura da instalação de Gober: um movimento constante de um elemento a outro,

em que cada termo, enquanto confronta um dos outros três, tem seu valor e seu significado

modificados.

Podemos começar com a moldura, que representa a casa ou habitação, produtos da sociedade ou da cultura, momentaneamente em oposição ao monte de terra, que marca o espaço da Natureza. Este par

sugere que o próprio mundo -­ o social ou cultural e o natural – pode opor-­se a algo bastante diverso: a

sua própria representação. Ambos estão presentes, em relação dialética, na pintura filiada à escola do

rio Hudson.12 Um tipo especial de paisagem está implícito nesta escolha, ela transforma retroativamente

as realidades anteriores do social e do natural em ideologia e representação.

A seguir, o texto de Richard Prince, que anuncia a presença do pós-­moderno, transforma os outros três

elementos anteriores em nostalgia, projetando-­os para um passado agora distante.

Partindo do texto pós-­modernista ao monte de terra, nos perguntamos se ele não representa, na verdade, o túmulo – ou a cova – da natureza, agora dominada pela técnica. O batente da porta – a

habitação humana – agora se revela uma representação nostálgica de uma forma mais natural de

moradia e leva-­nos a uma série de questões a respeito da especulação imobiliária. Por sua vez, a

paisagem é trazida para uma realidade social nova, transformada em mercadoria, em uma peça de

decoração pós-­moderna. O texto, então, surge mais como linguagem (ao invés de como produção

artística no antigo sentido) e traz para a construção a presença das mídias, como uma das

características fundamentais da sociedade contemporânea.

Mas, as mídias combinadas no trabalho de Gober não têm a coerência interna de uma linguagem artística. Trata-­se de um “mix de mídia”, o equivalente contemporâneo da Gesamtkunstwerk, porém

sem se alcançar uma síntese entre as várias artes, sob a liderança de uma delas. (JAMESON, 2000,

p.188) Não se trata mais do projeto das vanguardas modernistas, que invocavam um programa

universal de mudança político-­cultural radical, através de uma obra, texto ou edifício. Estamos além

das vanguardas. A instalação não projeta mais qualquer política cultural.

Não se obtém uma espécie de objeto transcendental – a Gesamtkunstwerk ou obra de arte total. Este

desejo de uma forma de “totalidade” é frustrado pela própria obra, como se dá com as frustrações promovidas pela arte conceitual. Ela se apresenta fragmentada e descontínua.

A CIDADE NA ÉPOCA PÓS-­MODERNA

12 A escola do Rio Hudson vê a paisagem sob uma ótica bucólica e pastoril, onde os seres humanos e a natureza coexistem pacificamente, com um tratamento idealizado. É considerada a mais importante expressão romântica na pintura norte-­americana.

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A partir da análise da produção cultural contemporânea, da crítica de Simmel sobre a cidade moderna

e da cidade funcionalista dos arquitetos modernos, podemos tentar entender a cidade contemporânea

e, de forma mais ampla, o próprio espaço pós-­moderno.

A arquitetura demonstra as modificações da produção estética de forma mais evidente, e suas questões

teóricas têm sido constantemente abordadas. Na arquitetura, percebe-­se uma crítica mais contundente

ao alto modernismo, marcadamente ao Estilo Internacional. A análise formal do edifício, tratado

frequentemente como escultura, pelo modernismo, está acompanhada de uma crítica de seu urbanismo, apontado repetidamente como responsável pela destruição da estrutura urbana da cidade

tradicional. O autoritarismo destes mestres modernos é identificado como um dos responsáveis por

estes processos.

Nesta cidade funcionalista, surpreende a racionalidade, a organização do espaço e de sua produção.

Dimensionam-­se os elementos, segundo intervalos e direções, que podem ser aplicados de modo

universal.

Para que todos os blocos de edifícios recebessem a mesma insolação, utilizava-­se o modelo do

Zeilenbau (fila de edifícios), empregado para a distribuição de alojamentos militares. O espaçamento era determinado, para que não houvesse sombreamentos. Considerações biológicas determinavam o

desenho da nova habitação: espaço, ar, luz e calor.

Gross-­Siedlung, Bad Dürrenberg, maio 1930, arquiteto Alexander Klein.Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_102-­09733,_Bad_Dürrenberg,_Gross-­ Siedlung.jpg

As vanguardas atribuem um papel puramente “técnico” ao intelectual, que adequa o método de projeto

à estrutura da linha de montagem: do elemento padronizado à célula habitacional, ao bloco de

apartamentos, à Siedlung, à cidade, sendo que, cada elemento é resolvido em si e tende a diluir-­se na

montagem. A tarefa do profissional é a de organizar o ciclo de produção. Neste quadro de objetividade

radical, o arquiteto produtor de “objetos” isolados na cidade passa a ser inadequado. Aceita-­se a “morte

da aura”. Desaparece a acepção tradicional do objeto arquitetônico. Desaparecem os matizes, impera

a forma lógica, unívoca, matemática.

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É a visão da cidade como um agregado de partes, minimamente unificadas. Não há nuances. Como

lembra Aymonino (1973, p.91), a aparente lógica perde-­se quando se considera que, dentro de cada

etapa deste processo, “há parâmetros mais complexos e articulados que são descartados a priori: as

relações com o trabalho, a cultura e o ócio, além da representação política, religiosa e, sobretudo, a

‘diversidade’ intrínseca ao trabalho, à cultura ao ócio.”

A unidade construída não é mais um objeto;; “trata-­se apenas do lugar onde a montagem das células

assume a forma física, derivada de tipos abstratos. São reprodutíveis ao infinito. Esta cadeia de produção “prescinde do antigo conceito de ‘lugar’ e ‘espaço’”. (TAFURI, 1985, p.71) presentes na

cidade tradicional.

Mas, ainda era a proposição de uma nova cidade “real”, em substituição à anterior. No entanto, existia

um ato de separação dos grandes edifícios modernos, que se utilizavam da linguagem do Estilo

Internacional, em relação à cidade existente, porém com um significado simbólico.

Em relação ao espaço pós-­moderno,13 Jameson (2000, p.66) o analisa através de um edifício, o Hotel

Bonaventure,14 que “pretende” ser uma cidade em miniatura, seu equivalente. Um espaço total, que

corresponda a “uma nova prática coletiva, uma nova modalidade segundo a qual os indivíduos se movem e se congregam, algo como a prática de uma nova e historicamente original hipermultidão”.

No caso do Bonaventure, o próprio revestimento de vidro espelhado carrega em si uma repulsa à cidade

existente. O hotel “desaparece” do mundo real, não se harmoniza com seu entorno, não se relaciona.

Como “cidade”, uma das dificuldades apresentadas pelo Bonaventure é a da percepção real do espaço.

A grande quantidade de elementos presentes no amplo volume interior o deixa repleto e nele estamos

imersos.

A partir do átrio, pode-­se subir por um dos elevadores ao longo de uma das quatro torres, ultrapassar

o teto de vidro e ter a cidade real ao alcance de nossa visão, de uma forma que, para alguns, pode ser apavorante. A descida também é dramática: o elevador mergulha no lago, cruzando novamente o teto.

Outra questão relativa ao espaço do hotel é a sensação de desorientação, devida, principalmente, à

simetria das quatro torres. Para Jameson (2000, p. 70), este é um exemplo de “hiperespaço pós-­

modernista” – que ultrapassa a capacidade do corpo humano de se localizar no espaço e mapear sua

posição. “(...) este ponto de disjunção alarmante entre o corpo e o ambiente construído – que está para

o choque inicial do modernismo assim como a velocidade da nave espacial está para a do automóvel”.

(Ibid., p.70)

13 Em relação ao espaço pós-­moderno, Robert Venturi revela-­nos uma “espécie de populismo estético” nesta arquitetura, que pode ser atribuído à produção cultural em geral. (JAMESON, 2000, p.28) Isto assinala uma característica fundamental do pós-­modernismo, a extinção da antiga demarcação entre a alta cultura e a cultura de massa ou comercial. 14 Construído pelo arquiteto e empreiteiro John Portman, no centro novo de Los Angeles

14

Hotel Bonaventure – vista externa. Fonte: www.you-­are-­here.com

Hotel Bonaventure – lago. Fonte: www.travelpost.com

Hotel Bonaventure – elevadores. Fonte: movieplaces.tv/Places/Bonaventure-­Hotel.html

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CONCLUSÃO

Muito além de um julgamento moral, Jameson (2000, p.72) nos aconselha a conceituar o pós-­

modernismo como uma tentativa “dialética de se pensar nosso tempo presente na história”.

Rejeitaríamos, desta forma, a contraposição do período atual à “seriedade” utópica do alto modernismo.

Pois, apesar do papel reconciliador que Simmel via na arte na época moderna, esta, entre outras

questões, só se destinava a extratos sociais bem definidos. Era uma arte profundamente elitista.

E, assim, devemos considerar algo positivo, uma característica fundamental do pós-­modernismo, o fato

de haver-­se extinto a fronteira entre a alta cultura e a cultura de massa. O fato de um número muito

maior de pessoas ter acesso aos produtos da cultura.

Mas, qual a cultura de massa de hoje? Devemos ainda tentar fazer com que a alta cultura seja

dominante? Isto é possível e desejável? Afinal, a arte é uma maneira de nos expressarmos. Será ainda

uma possibilidade de atingirmos a totalidade?

Logicamente, as questões que marcaram o moderno, analisado por Simmel, exacerbaram-­se e, na

época pós-­moderna, percebe-­se uma existência dispersa, que leva à fragmentação psíquica do sujeito,

e mesmo à sua “morte”. A produção cultural, também marcada pela fragmentação e pela ausência de

totalidade, integra-­se à produção de mercadorias em geral, até ao ponto onde tudo pode ser

considerado como cultural, contrastando com a arte na época moderna.

A tecnologia à nossa disposição é, inúmeras vezes, utilizada como um meio para o aumento da

produção de coisas das quais não precisamos, cujas imagens são bombardeadas sobre nós.

Dois elementos devem ser ressaltados aqui: a internet e as redes sociais. A primeira já existia quando

Jameson escreveu seu texto, mas não era possível imaginar seu alcance nos dias de hoje. Se ele já

questionava algo como “nossas representações imperfeitas de uma imensa rede computadorizada de

comunicações”, que diremos hoje a respeito de um mundo em que a não existência da rede é

simplesmente inconcebível. Grande parte dos jovens não viveu em um mundo sem internet, e o que nos assusta hoje é a naturalização de sua existência.

As modificações em nossa vida cultural e social pelas quais ela é responsável são inumeráveis, até ao

ponto em que ela nos permite “não precisar sair de casa para viver”. É realmente a representação do

sistema capitalista multinacional de forma exacerbada em nossas vidas cotidianas.

Quanto às redes sociais, elas transformaram totalmente nossas relações sociais e levaram a

fragmentação do sujeito a níveis nunca imaginados. A ponto de alterarmos nossas prioridades, e de

nossas experiências pessoais serem agora avaliadas em termos de aprovação pública, muito mais do

que a partir de sensações e emoções que possam nos trazer. Consolida-­se nossa solidão ao lado de muitas outras pessoas.

São muitas questões e estamos profundamente imersos neste ambiente pós-­moderno, sem haver

distanciamento para pensarmos soluções. Talvez a criação de realidades utópicas possa nos fazer

aceitar que alternativas ainda são possíveis e este não é um “destino definitivo”.

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Ou precisamos apenas nos ajustar? Este já não é um processo em curso? Um ajuste já aconteceu na

forma de percepção do habitante da grande cidade, na época moderna, submetido a choques

constantes, quase ininterruptos.

Nos ajustar não seria simplesmente aceitar, uma atitude que se parece com o conformismo de Simmel

(1967, p.27-­8)?

A metrópole se revela como uma daquelas grandes formações históricas em que correntes opostas que encerram a vida se desdobram (...). Uma vez que tais forças da vida se estenderam para o interior das raízes e para o cume do todo da vida histórica a que nós, em nossa efêmera existência, como uma célula, só pertencemos como uma parte, não nos cabe acusar ou perdoar, senão compreender.”

REFERÊNCIAS

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AYMONINO, C. Vivienda racional: ponencias de los congressos ciam 1929-­1930. Barcelona: Gustavo Gili, 1973.

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FRAMPTON, Kenneth História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (1980).

JAMESON, F. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000. JAMESON, F. Virada Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

KLEIN, A. Vivienda Mínima: 1906-­1957. Barcelona: Gustavo Gili, 1980

LAMPRECHT, K. Deutsche Geschichte, volume complementar Zur jüngsten deutschen Vergangenheit, vol. I, Berlim, 1902.

SIMMEL, G. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, O. G. (org.) O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

SIMMEL, G. Philosophie des Gelds, Gesamtausgabe vol.VI, organização de D.P.Frisby e K.C. Köhnke, 2ª ed., Frankfurt/M: Suhrkamp, 1991. (1900)

SIMMEL, G. Roma. Uma análise estética. (1898) Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=844>. Acesso em: 9 Dez. 2010.

SIMMEL, G. Rome, une analyse esthetique. Genève: Printemps, 1989. SIMMEL, G. Soziologische Aesthetik. In: Aufsätze und Abhandlungen. Frankfurt/M: Suhrkamp, 1992. (1896)

SIMMEL, G. Vom Wesen der Kultur. In: Aufsätze und Abhandlungen:1901-­1908. Frankfurt/M: Suhrkamp, 1993, vol.II. (1908)

TAFURI, M. Projecto e Utopia: Arquitectura e Desenvolvimento do Capitalismo. Lisboa: Presença, 1985.

WAIZBORT, L. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Editora 34, 2000.