sim 86 herzog (i) o sonhador desperto

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BELÉM, DOMINGO, 1 DE FEVEREIRO DE 2015 MAGAZINE 11 sim [email protected] VICENTE CECIM Herzog (I): O Sonhador Desperto N unca se viu nas ruas de Be- lém um veículo trafegando tão lentamente como aquele que eu dirigia na noite em que o levei ao aeroporto no meu carro – para você ter ideia, uma tartaruga pas- sou por mim voando – como a lebre da Fábula, mas na velocidade de tartaruga mesmo. E toda essa lentidão para que? Para alongar o tempo daquela viagem, que seria minha última oportunidade de ficar só com Werner Herzog, quan- do ele veio a Belém pela primeira vez, no início dos anos 80, e conversarmos mais intimamente sobre a Vida e tudo mais – mas acabou não sendo, pois nos reencontramos quando ele voltou anos depois procurando locação para filmar Fitzcarraldo . Naquela noite lenta, lembro de lhe ter perguntado se gostava de sua famí- lia, mulher e filhos – Sim, respondeu – e por que, então, passava tanto tem- po longe dela inventando filmagens nos quatro e mais remotos e frequen- temente perigosos cantos do mundo? Porque senão em morro , me disse, no sentido de que a vida para ele perderia sentido. Eu levava na mão o meu Les Herzog não busca o reconhecimento, a fama, mas uma danação: é como uma circular condenação, hipnótica, alucinatória, ilusória. ENRICO GHEZZI Chants de Mardoror/Os Cantos de Mal- doror , do também sonhador desperto Lautréamont, onde, por convergência sincrônica, havia escrito seu endere- ço em Munique. E ainda estava sob o efeito devastador que, poucos anos antes, quando ele ainda era um desco- nhecido, me causara a descoberta, ao mesmo tempo, de seus dois primeiros filmes: Sinais de Vida e Os Anões Tam- bém Começaram Pequenos – assistidos em sessão dupla um depois do outro. Contei a ele. E, depois, fiquei muito ale- gre, como se fosse comigo, quando o mundo se abriu para seus longos falsos documentários Fata Morgana - sobre as miragens do deserto - País do Silêncio e da Escuridão – sobre cegos, mudos e surdos – e O Grande Êxtase do Escul- tor Steiner – sobre um esquiador que sonha um dia voar. E para suas gran- des obras primas de ficção em longa metragens, como Aguirre - a Cólera de Deus, Coração de Cristal e Woyzek – sua visão da peça teatral de outro poeta-bárbaro: Georg Buchner. Na véspera da nossa verdadeira peregrinação noturna ao aeroporto havíamos nos encontrado no hotel em que ele estava e meu filho Arthur – hoje Arthur Martins Cecim, escritor – deu a ele um retrato que havia feito, com seis anos, de uma foto sua vista no jornal. E ele me havia dito: - Melhor do que todos os meus filmes é o livro que escrevi: Caminhando na Neve, breve sai no Brasil. Quando saiu, li: o livro conta o Sacrifício que Herzog fez por Lotte Eisner - inspiradora e teórica do Expressionismo no cinema mudo alemão e, já idosa, do Cinema Novo que nascera nos anos 60 com Herzog, Fassbinder, Kluge - indo a pé, através de um rigoroso Inverno, de Munique a Paris, onde Lotte estava muito doente, absolutamente confiante em que assim a salvaria – e quando chegasse Lotte es- taria totalmente curada. – Oi, Werner, você por aqui? Ela lhe disse, ao abrir a porta para ele, sorrindo – pois, quando chegou, aquilo em que Herzog confiou foi exatamente o que aconteceu. Essa circulação hipnótica, alucina- tória, ilusória, como o crítico italiano Enrico Ghezzi descreveu o cinema de Herzog, será o nosso assunto da pró- xima Sim, que vai se concentrar nos filmes que ele rea- lizou – e que, para alegria dos meus olhos, vi quase quase todos. O que me permitiu, con- vivendo com Her- zog, comprovar que é pura verda- de o que ele afir- ma quando diz: - Sou o que são meus filmes. Aliás, este é o nome da Mostra Herzog que a cidade está assistindo agora, em que já foram exibidos vários de seus falsos documentários etno-dadaístas, entre eles os encantatórios Os Pastores do Sol - filmado na Nigéria, sobre um povo que se considera o mais belo da Terra – La Souffriére – que Herzog nos mostrou pessoalmente em sua volta à cidade e considera um filme frustrado porque o vulcão que ele filmava, em sua borda, não entrou em erupção - e Gesualdo, Morte para cinco Vozes – so- bre o espantoso músico & assassino da Renascença tardia Carlo Gesualdo, que no século XVI antecipou a música clássica do século XX e foi cultuado por Igor Stravinsky, entre outros. A mostra continua, no Olympia, às 18:30 horas, até a próxima quarta-feira, me- nos amanhã, segunda-feira, exibindo um dos seus filmes mais perturbador: Aguirre, a Cólera de Deus. MAGAZINE OLIBERAL DIAGRAMAÇÃO: ELISETE EDIÇÃO: ANTONIO FOTOGRAFIA: INFOGRAFIA:

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Page 1: Sim 86 Herzog (I) O Sonhador Desperto

BELÉM, DOMINGO, 1 DE FEVEREIRO DE 2015 MAGAZINE 11

sim [email protected] CECIM

Herzog (I): O Sonhador Desperto

Nunca se viu nas ruas de Be-lém um veículo trafegando tão lentamente como aquele que eu dirigia na noite em

que o levei ao aeroporto no meu carro – para você ter ideia, uma tartaruga pas-sou por mim voando – como a lebre da Fábula, mas na velocidade de tartaruga mesmo. E toda essa lentidão para que? Para alongar o tempo daquela viagem, que seria minha última oportunidade de ficar só com Werner Herzog, quan-do ele veio a Belém pela primeira vez, no início dos anos 80, e conversarmos mais intimamente sobre a Vida e tudo mais – mas acabou não sendo, pois nos reencontramos quando ele voltou anos depois procurando locação para filmar Fitzcarraldo.

Naquela noite lenta, lembro de lhe ter perguntado se gostava de sua famí-lia, mulher e filhos – Sim, respondeu – e por que, então, passava tanto tem-po longe dela inventando filmagens nos quatro e mais remotos e frequen-temente perigosos cantos do mundo? – Porque senão em morro, me disse, no sentido de que a vida para ele perderia sentido. Eu levava na mão o meu Les

Herzog não busca o reconhecimento, a fama, mas uma danação:é como uma circular condenação,hipnótica, alucinatória, ilusória.ENRICO GHEZZI

Chants de Mardoror/Os Cantos de Mal-doror, do também sonhador desperto Lautréamont, onde, por convergência sincrônica, havia escrito seu endere-ço em Munique. E ainda estava sob o efeito devastador que, poucos anos antes, quando ele ainda era um desco-nhecido, me causara a descoberta, ao mesmo tempo, de seus dois primeiros filmes: Sinais de Vida e Os Anões Tam-bém Começaram Pequenos – assistidos em sessão dupla um depois do outro. Contei a ele. E, depois, fiquei muito ale-gre, como se fosse comigo, quando o mundo se abriu para seus longos falsos documentários Fata Morgana - sobre as miragens do deserto - País do Silêncio

e da Escuridão – sobre cegos, mudos e surdos – e O Grande Êxtase do Escul-tor Steiner – sobre um esquiador que sonha um dia voar. E para suas gran-des obras primas de ficção em longa metragens, como Aguirre - a Cólera de Deus, Coração de Cristal e Woyzek – sua visão da peça teatral de outro poeta-bárbaro: Georg Buchner.

Na véspera da nossa verdadeira peregrinação noturna ao aeroporto havíamos nos encontrado no hotel em que ele estava e meu filho Arthur – hoje Arthur Martins Cecim, escritor – deu a ele um retrato que havia feito, com seis anos, de uma foto sua vista no jornal. E ele me havia dito: - Melhor

do que todos os meus filmes é o livro que escrevi: Caminhando na Neve, breve sai no Brasil. Quando saiu, li: o livro conta o Sacrifício que Herzog fez por Lotte Eisner - inspiradora e teórica do Expressionismo no cinema mudo alemão e, já idosa, do Cinema Novo que nascera nos anos 60 com Herzog, Fassbinder, Kluge - indo a pé, através de um rigoroso Inverno, de Munique a Paris, onde Lotte estava muito doente, absolutamente confiante em que assim a salvaria – e quando chegasse Lotte es-taria totalmente curada. – Oi, Werner, você por aqui? Ela lhe disse, ao abrir a porta para ele, sorrindo – pois, quando chegou, aquilo em que Herzog confiou

foi exatamente o que aconteceu. Essa circulação hipnótica, alucina-

tória, ilusória, como o crítico italiano Enrico Ghezzi descreveu o cinema de Herzog, será o nosso assunto da pró-xima Sim, que vai se concentrar nos

filmes que ele rea-lizou – e que, para alegria dos meus olhos, vi quase quase todos. O que me permitiu, con-vivendo com Her-zog, comprovar que é pura verda-de o que ele afir-ma quando diz: -

Sou o que são meus filmes. Aliás, este é o nome da Mostra Herzog que a cidade está assistindo agora, em que já foram exibidos vários de seus falsos documentários etno-dadaístas, entre eles os encantatórios Os Pastores do Sol - filmado na Nigéria, sobre um povo que se considera o mais belo da Terra – La Souffriére – que Herzog nos mostrou pessoalmente em sua volta à cidade e considera um filme frustrado porque o vulcão que ele filmava, em sua borda, não entrou em erupção - e Gesualdo, Morte para cinco Vozes – so-bre o espantoso músico & assassino da Renascença tardia Carlo Gesualdo, que no século XVI antecipou a música clássica do século XX e foi cultuado por Igor Stravinsky, entre outros. A mostra continua, no Olympia, às 18:30 horas, até a próxima quarta-feira, me-nos amanhã, segunda-feira, exibindo um dos seus filmes mais perturbador: Aguirre, a Cólera de Deus.

Escola de samba faz ensaio geral. Página 12.

MAGAZINE

O LIBERAL

raram assunto para as publi-cações de humor na internet. O site do Sensacionalista, tele-jornal fictício que subverte as notícias no Multishow, avisou que a ONU usaria o bumbum da paulistana para alcançar a paz mundial. Também circu-lam pela rede gifs (imagens em movimento retiradas de vídeo) em que Danny Bond aparece fazendo caras e bocas com os diferentes figurinos com que atendeu seus clientes.

A expectativa de ver mais cenas da garota de progra-ma fez ‘Felizes para Sempre?’ aumentar um pouco sua au-diência no terceiro capítulo, exibido na quarta, 28, quando a produção teve média de 17 pontos no Ibope. Cada ponto equivale a 67 mil domicílios na Grande SP. Na estreia, a minis-

série havia marcado 17 pontos e caído para 16 na terça. Os ín-dices não são extraordinários, porém, são bons para um pro-grama exibido às 22h40.

A trama escrita por Eucly-des Marinho é uma adaptação de Quem Ama Não Mata, cria-da por ele mesmo e exibida nos anos 1980. Com direção geral de Fernando Meirelles, a história mistura a situação de casais em crise com as maracutaias de corrupção em Brasília e um assassinato mis-terioso.

“DANNY BOND”Atriz deixa o país em expectativa por novas cenas da série "Felizes para Sempre?"

Nomes da atriz e da personagem foram assuntos mais comentados no Twitter no país

O nome de Paolla Oliveira só aparece no final da lista de créditos de abertura de Feli-zes para Sempre?, entretanto a atriz é o grande destaque da minissérie da Globo, que co-meçou na segunda-feira, 26. Só de aparecer rapidamente nos minutos finais do episó-dio de estreia, ela começou a chamar a atenção. Mas a intér-prete da garota de programa Danny Bond roubou as aten-

ções após tirar o vestido em cena, deixando o derrière à mostra, imagem que não para de circular na internet desde terça à noite.

“Já viu a vista?”, pergunta ela a Cláudio (Enrique Diaz), enquanto caminha até a va-randa do hotel para exibir seus atributos físicos. “Linda a vista”, rebate o empresário, boquiaberto com as curvas da moça. A sequência fez tanto barulho nas redes sociais que tanto o nome da atriz quan-to o da personagem ficaram no topo da lista de assuntos mais comentados no Twitter no País.

Além das milhares de te-lespectadoras dizendo que vão intensificar a dieta e a ma-lhação para ficar com o corpo da atriz, as cenas de Paolla vi-

(Enrique Diaz) e Marília (Maria Fernanda Cândido) recebem Denise (Paolla Oliveira) em casa para o programa

TV

GLO

BO-Z

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CAR

DEA

L-D

IVU

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ÃO

Agência EstadoSÃO PAULO

Furacão Paolla Oliveira incendeia a tela da TV

Prêmios ajudam Iñárritu no Oscar

Dois prêmios importantes - o do Sindicato dos Produtores - e o de interpretação coletiva na SAG Award fortalecem a candidatura de Alejandro González Iñárritu ao Oscar. Seria (será?) o segundo ano consecutivo de vitória dos mexicanos no maior prêmio da indústria norte-americana. No ano passado, Alfonso Cuarón venceu o prêmio de direção por Gravidade. Algo está se passando em Hollywood. Se as fronteiras seguem fechadas para os imi-grantes estão abertas no cine-mão. Iñárritu ama os chamados multiplots, mas em Birdman a

trama é centrada no personagem de Michael Keaton, mesmo que, com frequência, e no desfecho, em especial, ele seja visto pelos olhos da filha (Emma Stone). A crítica bate forte em Keaton - no filme. Na vida, tem sido generosa, até demais. Mas, no próprio filme, a crítica reconhece o esforço do cara. Não é para tanto. Birdman, o filme, assume os superpoderes do herói em crise. A mise-em-scène de planos-sequência é vir-tuosística, mas termina por criar uma forma (fórmula?) que se re-pete. O melhor é o plano final no rosto de Emma Stone.

MAIS

Jay-Z comprará Wimp, rival do Spotify

O rapper e empresário ame-ricano Jay-Z comprará o ser-viço norueguês de streaming musical Wimp, modesto rival do sueco Spotify, por 56,2 milhões de dólares. Na prá-tica, a empresa Project Pan-ther Bidco, que pertence ao cantor, fez uma oferta de 464 milhões de coroas suecas ao grupo sueco Aspiro, que tem o Wimp como principal ativo. A operação está assegurada, já que o principal acionista da Aspiro, o grupo de comunica-ção norueguês Schibsted, que possui uma participação indi-reta de 57%, anunciou que ven-

derá suas ações. “A Schibsted considera que a companhia (Wimp) tem um importante potencial de crescimento, mas a Aspiro precisa de uma gran-de quantidade de capital para sua expansão, além de um proprietário sólido e motivado desenvolver-se e competir no mercado global de streaming musical”, afirmou o diretor fi-nanceiro do grupo norueguês, Trond Berger. Artista e inves-tidor ao mesmo tempo, Jay-Z, marido da cantora Beyoncé, comprou no ano passado a empresa de champanhe Ar-mand de Brignac.

Carnaval infantil na Estação

O clima do Carnaval chega hoje à Estação das Docas, junto com os palhaços da Trupe de Bubuia, que vão apresentar o espetáculo “Batalhas e confe-tes”. A apresentação integra o projeto Pôr do Sol e começa às 17h30, no terminal fluvial do complexo turístico e cultural. A programação é gratuita. Co-nhecido pelo público infantil, o quarteto formado por Chorona, Jojoca, Pierierieca e Rubilota vai contar a história dos tradicio-nais bailes de Carnaval. A ori-

gem da festa e os personagens estão no roteiro do espetáculo, tais como Pierrot, Colombina e Arlequim. A Trupe de Bubuia vai fazer uma disputa musical para saber que palhaço conhe-ce mais marchinhas carnava-lescas. “Neste domingo, além das palhaçadas, vamos contex-tualizar o Carnaval, de forma bem lúdica e divertida. Para agradar as crianças e adultos, vamos cantar ainda a inédita ‘Marcha da Trupe’”, diz o ator Joécio Lima.

foi exatamente o que aconteceu.Essa circulação hipnótica, alucina-

tória, ilusória, como o crítico italiano tória, ilusória, como o crítico italiano tória, ilusóriaEnrico Ghezzi descreveu o cinema de Herzog, será o nosso assunto da pró-xima Sim, que vai se concentrar nos Sim, que vai se concentrar nos Sim

filmes que ele rea-lizou – e que, para alegria dos meus olhos, vi quase quase todos. O que me permitiu, con-vivendo com Her-zog, comprovar que é pura verda-de o que ele afir-ma quando diz: -

Sou o que são meus filmes.Aliás, este é o nome da Mostra Herzog que a cidade está assistindo agora, em que já foram exibidos vários de seus falsos documentários etno-dadaístasentre eles os encantatórios Os Pastores do Sol - filmado na Nigéria, sobre um do Sol - filmado na Nigéria, sobre um do Solpovo que se considera o mais belo da Terra – La Souffriére – que Herzog nos La Souffriére – que Herzog nos La Souffriére

DIAGRAMAÇÃO: ELISETE

EDIÇÃO: ANTONIO

FOTOGRAFIA: INFOGRAFIA: