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Capítulo 1 DA IMPORTÂNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL 1 NOS DIAS ATUAIS 1. A NOVA ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL NOEI (1974) A Nova Ordem Econômica Internacional NOEI consistiu-se no movimento proposto pelos Estados em desenvolvimento, em busca de tratamento mais igualitário na Sociedade Internacional a partir, exatamente, da premissa de que tais atores não poderiam ser considerados “iguais” aos Estados desenvolvidos, mais evoluídos e em um estágio econômico mais avançado devendo, dessa forma, receber tratamento preferencial no comércio internacional. Em 1º de maio de 1974, foi aprovada na Assembléia Geral da ONU o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional juntamente com o Programa de Ação para tal fim Resoluções 3.201 e 3.202 (S- VI 2 ), baseados na igualdade entre os Estados, soberania, interdependência e cooperação internacional. Em 12 dezembro de 1974, foi aprovada, no mesmo órgão, a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados Resolução 3.281 XXIX, elaborada com o intuito de promover o progresso econômico e social. Continha questões relativas a soberania e recursos naturais. A partir dela proclamou-se, entre outros: o direito de todo Estado de eleger seu sistema econômico, político, social e cultural, de acordo com a vontade popular, sem ingerência, coação nem ameaças externas de nenhuma classe; soberania permanente de todo Estado sobre sua riqueza, recursos naturais e atividades econômicas, direito de regulamentar as inversões estrangeiras sem obrigação de lhe outorgar nenhum tratamento preferencial, bem como regulamentar e supervisionar as atividades de empresas transnacionais que operem dentro de sua jurisdição; a proibição do enriquecimento ilícito em caso de nacionalização, expropriação ou transferência da propriedade de bens estrangeiros; a promoção da cooperação internacional em matéria de ciência e tecnologia, bem como a transferência de tecnologia, levando-se em consideração todos os interesses legítimos, inclusive os direitos e deveres dos titulares, provedores e beneficiários da tecnologia, facilitando o acesso dos países em desenvolvimento aos avanços da ciência e da tecnologia; a adoção de medidas comerciais mais benéficas para os países em desenvolvimento para que eles obtenham um aumento substancial de entrada de divisas, a diversificação de sua exportação e a aceleração de sua taxa de crescimento; a elaboração gradual de um novo sistema de relações econômicas baseado no princípio da interdepen- dência entre Estados desenvolvidos e em vias de desenvolvimento; e 1 Seguindo os ensinamentos de Akehurst (AKEHURST, Michael. Introdução ao direito internacional. Coimbra: Almedina, 1985, p. 61), quando se emprega a expressão “Direito Internacional” sem mais qualificações, quase sempre e ntende-se que se fala de Direito Internacional Público. 2 Seção Extraordinária VI Matérias Primas e Desenvolvimento, convocada pela Argélia e realizada entre 09 de abril e 02 de maio de 1974.

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  • Captulo 1

    DA IMPORTNCIA DO DIREITO

    INTERNACIONAL1 NOS DIAS ATUAIS

    1. A NOVA ORDEM ECONMICA INTERNACIONAL NOEI (1974)

    A Nova Ordem Econmica Internacional NOEI consistiu-se no movimento proposto pelos Estados em

    desenvolvimento, em busca de tratamento mais igualitrio na Sociedade Internacional a partir, exatamente,

    da premissa de que tais atores no poderiam ser considerados iguais aos Estados desenvolvidos, mais

    evoludos e em um estgio econmico mais avanado devendo, dessa forma, receber tratamento preferencial

    no comrcio internacional.

    Em 1 de maio de 1974, foi aprovada na Assemblia Geral da ONU o estabelecimento de uma nova ordem

    econmica internacional juntamente com o Programa de Ao para tal fim Resolues 3.201 e 3.202 (S-

    VI2), baseados na igualdade entre os Estados, soberania, interdependncia e cooperao internacional.

    Em 12 dezembro de 1974, foi aprovada, no mesmo rgo, a Carta de Direitos e Deveres Econmicos dos

    Estados Resoluo 3.281 XXIX, elaborada com o intuito de promover o progresso econmico e social.

    Continha questes relativas a soberania e recursos naturais. A partir dela proclamou-se, entre outros:

    o direito de todo Estado de eleger seu sistema econmico, poltico, social e cultural, de acordo com a vontade popular, sem ingerncia, coao nem ameaas externas de nenhuma classe;

    soberania permanente de todo Estado sobre sua riqueza, recursos naturais e atividades econmicas, direito de regulamentar as inverses estrangeiras sem obrigao de lhe outorgar nenhum tratamento

    preferencial, bem como regulamentar e supervisionar as atividades de empresas transnacionais que

    operem dentro de sua jurisdio;

    a proibio do enriquecimento ilcito em caso de nacionalizao, expropriao ou transferncia da propriedade de bens estrangeiros;

    a promoo da cooperao internacional em matria de cincia e tecnologia, bem como a transferncia de tecnologia, levando-se em considerao todos os interesses legtimos, inclusive os direitos e deveres

    dos titulares, provedores e beneficirios da tecnologia, facilitando o acesso dos pases em

    desenvolvimento aos avanos da cincia e da tecnologia;

    a adoo de medidas comerciais mais benficas para os pases em desenvolvimento para que eles obtenham um aumento substancial de entrada de divisas, a diversificao de sua exportao e a

    acelerao de sua taxa de crescimento;

    a elaborao gradual de um novo sistema de relaes econmicas baseado no princpio da interdepen-dncia entre Estados desenvolvidos e em vias de desenvolvimento; e

    1 Seguindo os ensinamentos de Akehurst (AKEHURST, Michael. Introduo ao direito internacional. Coimbra: Almedina,

    1985, p. 61), quando se emprega a expresso Direito Internacional sem mais qualificaes, quase sempre entende-se que se

    fala de Direito Internacional Pblico.

    2 Seo Extraordinria VI Matrias Primas e Desenvolvimento, convocada pela Arglia e realizada entre 09 de abril e 02 de

    maio de 1974.

    LORENARealce

  • a concesso de preferncias aduaneiras generalizadas, no-recprocas e no discriminatrias, para os pases em desenvolvimento a fim de satisfazer suas necessidades em matria de comrcio e

    desenvolvimento.

    Os pases desenvolvidos, em sua maior parte, votaram contra a aprovao da Carta3 ou se abstiveram4. Alm

    disso, ao questionarem a sua natureza jurdica, afirmaram referir-se essa apenas aos direitos que 120 pases

    peticionrios quiseram fazer valer frente aos demais pases sem que, surpreendentemente, no se estabelecesse

    deveres para tais Estados, no intuito de lograr o equilbrio econmico e social que se deveria buscar5.

    Deram-lhe apenas o valor de um dever poltico e moral, uma vez que a Carta no teria outra qualificao

    jurdica que no fosse a de uma resoluo da Assemblia Geral, ou seja, no passaria de uma

    recomendao carente de obrigatoriedade, por no se tratar de tratado ou conveno multilaterais6. Somente

    se os pressupostos nela contidos fossem, paulatinamente, uniformemente aceitos, poderiam tornar-se um

    costume internacional, uma vez que, reportando-se aos ensinamentos de Brierly, reconheceriam que tudo que

    a Assemblia Geral poderia fazer era discutir, recomendar, iniciar estudos e considerar relatrios de outros

    rgos, no podendo agir no interesse de todos os membros, como o Conselho de Segurana faz7.

    J os pases em desenvolvimento, embasados em posicionamentos de alguns de seus mais brilhantes

    doutrinadores8, consideraram que, sendo aprovada pela Assemblia Geral da Organizao das Naes

    Unidas ONU, tal Carta teria valor obrigatrio imediato, sem a necessidade sequer de ratificao no seio

    dos Estados-membros da ONU, uma vez que os direitos nela reconhecidos teriam um fundamento tico-

    jurdico respaldado na vontade dos 120 Estados que a haviam aprovado. Alm do mais, ao interpretar o seu

    contedo, afirmava-se encontrar nela trs critrios bsicos que lhe conferiam valor jurdico9:

    critrio de subordinao: a Carta estaria subordinada s disposies da Carta das Naes Unidas, sendo que suas normas no as contradiziam;

    critrio de unidade de interpretao: como o propsito da Carta o de obter o estabelecimento de uma Nova Ordem Econmica Internacional, justa e eqitativa, ela deve ser o resultado da aplicao de

    decises harmnicas;

    critrio de vigncia dinmica: a Carta deveria ser examinada a cada 5 anos pela Assemblia Geral.

    Apesar de ter sido originalmente negociada para ser um documento com obrigaes legais, as

    divergncias de opinies entre os Estados, desenvolvidos e em desenvolvimento, levou a um crescente

    sentimento de oposio sua obrigatoriedade jurdica. Somado a isso, fatores, tais como a expressa oposio

    3 Votaram contra a Carta: Alemanha; Blgica; Dinamarca; Estados Unidos; Luxemburgo; e Reino Unido.

    4 Houve 10 abstenes: ustria; Canad; Espanha; Franca; Irlanda; Israel; Itlia; Japo; Paises Baixos; e Noruega.

    5 Uma das obras que melhor expressa o contedo falho da Carta, concedendo apenas direitos aos Estados em desenvolvimento a de

    Eduardo Hornedo, La Carta coja: critica a la Carta de Derechos e Deveres de Las Naciones, Mxico: G. de Anda, 1975.

    6 Vide BROWER, Charles N.; TEPE JR., John B. The Charter of Economic Rights and Duties of States: A Reflection or

    Rejection of International Law?. In:__. International Lawyer, vol. 9, n. 2, 1976. p. 301.

    7 Vide MEAGHER, Robert F. An International Redistribution of Wealth and Power: a study of the Charter of economic Rights

    and Duties of States, p. 88.

    8 Foi produzida uma vasta literatura acerca da Carta, principalmente em meados da dcada de 70 e por autores mexicanos, como

    Jorge Castaneda, Jorge Witker, Csar Sepulveda. Talvez tal proficuidade tenha se dado em funo da Carta ser uma iniciativa

    vitoriosa do ex-presidente mexicano Luis Echeverra.

    9 Vide ALCNTARA, Toms Polanco. La Obligatoriedade y Validez de la Carta de Derechos y Deberes Econmicos de Los

    Estados. In:__. CASTANEDA, Jorge et al. Derecho econmico internacional, p. 123-136.

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  • norte-americana e de outras economias desenvolvidas Carta impossibilitou a sua entrada em vigor, tendo

    esta apenas o efeito de estabelecer o ideal de solidariedade internacional.

    2. A NOVA ORDEM INTERNACIONAL NOI (1989)

    A chamada Nova Ordem Internacional NOI surgiu paulatinamente, a partir de 1989, com a superao do

    modelo bipolar de confronto ideolgico (capitalismo x socialismo) e a instaurao progressiva de um novo

    sistema internacional10, assumindo, segundo nosso entendimento, trs vertentes: a poltica, a econmica e a

    do comrcio internacional.

    2.1 Nova ordem poltica internacional

    A nova ordem poltica internacional marcada por uma srie de sucessivos eventos que alteraram

    significativamente o balano de poderes ps-Segunda Guerra Mundial.

    A queda do Muro de Berlim, em 09.11.1989, foi evento decisivo que marcou o fim da hegemonia de um

    dos plos do poder, o sovitico.

    Seguiram-se a unificao da Alemanha em 03.10.1990 e, mais importante, a integrao da ex-Alemanha

    Oriental ao movimento de unificao europia, fato que, por si s, j delineava um dos focos de

    concentrao de poder: a Unio Europia.

    Em 1990 houve, ainda, a invaso do Kuwait pelo Iraque, cuja cronologia nos remonta a um memorando

    apresentado por este pas Liga dos Estados rabes, em 18 de julho daquele ano, no qual, a princpio, acusa

    o Kuwait de lhe roubar petrleo, no respeitando a sua integridade territorial, e de contribuir para a

    estagnao dos preos do petrleo, ao no respeitar a sua quota de produo, fixada pela OPEP. Seguiu-se a

    invaso do Kuwait em 02 de agosto11 e a Resoluo n. 660 do Conselho de Segurana da ONU, exigindo,

    por unanimidade, a retirada imediata e incondicional das foras iraquianas do territrio invadido. Em 8 de

    agosto, o Iraque anuncia a fuso total e irreversvel do Iraque e do Kuwait.12 Em 24 de setembro, temos, pela

    primeira vez, uma alta do preo do barril de petrleo (que era de US$16, em julho) ultrapassa a casa dos

    US$40 , levando a uma queda generalizada nas Bolsas de Valores.13 Seguem-se a adoo da Resoluo n.

    678 do Conselho de Segurana da ONU, de 29 de novembro, autorizando os membros das Naes Unidas

    que cooperam com o Kuwait14 a usar de todos os meios necessrios para fazer respeitar e aplicar as

    Resolues do Conselho de Segurana, se at 15.01.1991 o Iraque no as tivesse aplicado.15 Na noite de

    18.01.1991, inicia-se a guerra entre as tropas iraquianas e as tropas aliadas, que se encerra em 28 de

    10 Apesar da utilizao dessa terminologia, a maior parte dos historiadores insistem em afirmar que muito pouco efetivamente

    mudou: os Estados Unidos continuam poderosos; a Europa continua seu caminho integracionista; a diviso Norte-Sul no

    desapareceu; e as guerras continuam a arruinar as paisagens. At mesmo as organizaes internacionais que dominam os

    assuntos globais so praticamente as mesmas (Otan, FMI, Banco Mundial, etc.). Vide COX, Michael. International History

    since 1989. In:___ BAYLIS, John; SMITH, Steve. The Globalization of world politics. 2nd ed., p. 110 et seq.

    11 Com o refgio do Emir Jaber al Sabah na Arbia Saudita.

    12 Tornada nula pela Resoluo n. 662 do Conselho de Segurana da ONU, de 09.08.1990.

    13 De 02 de agosto a 28 de setembro: -32% em Tquio; -24% em Paris; -17% em Londres e, -15,4% em Nova Iorque.

    14 Estavam inseridos, desde 07 de agosto, na Operao Escudo do Deserto, os EUA e diversos Estados-membros da OTAN,

    liderados pelo Reino Unido.

    15 Criando tal Resoluo um precedente histrico no qual, pela primeira vez, a ONU autoriza os Estados-membros a usarem da

    fora contra um outro Estado-membro.

    LORENARealce

  • fevereiro, seguindo-se a Resoluo n. 687 do Conselho de Segurana da ONU, de 03 de abril,16 que encerra

    juridicamente o conflito. Tal guerra foi importante para a recuperao econmica dos Estados Unidos da

    Amrica EUA, que no tinha mais sada para seu arsenal, aps o fim do conflito poltico-ideolgico entre

    norte-americanos e soviticos. A indstria blica americana foi impulsionada, mas, mesmo com o aumento

    da importncia militar dos EUA, como nica potncia hegemnica, seu declnio econmico evidente.

    A imploso do bloco sovitico iniciou-se com o governo de Gorbachov, quando este anunciou que no

    mais interferiria nos Estados do Pacto de Varsvia.17 Vrios Estados foram se desvinculando da Unio das

    Repblicas Socialistas Soviticas URSS, culminando com o desmoronamento da prpria Unio Sovitica.

    Criou-se a Comunidade dos Estados Independentes CEI, composta de algumas das antigas repblicas

    soviticas18.

    Reacenderam-se as questes tnicas no s nas ex-repblicas socialistas, como no caso da Guerra na

    Bsnia-Herzegvina, mas tambm em diversos Estados da Europa Ocidental, em decorrncia da unificao

    europia, como o caso dos vales na Blgica e dos escoceses no Reino Unido.

    Em 01.07.1997, tivemos um dos fatos mais significativos do final do sculo XX, que foi o retorno de

    Hong Kong ao domnio chins19. Tal fato assumiu significado incontestvel no s por estabelecer uma

    situao inversa da unificao alem, ou seja, o retorno20 de um territrio colonial britnico, com

    significativa importncia para o mundo capitalista, para o domnio de um Estado comunista, mas

    principalmente pelas conseqncias poltico-econmicas que dele advieram.

    Como conseqncia do retorno de Hong Kong ao domnio chins e a incerteza criada acerca da interveno

    comunista em seu sistema financeiro desencadeada uma srie de crises econmico-financeiras.

    Primeiramente, temos a crise dos chamados tigres asiticos, quando a recesso japonesa expe a fragilidade

    dos sistemas financeiro e bancrio na Coria do Sul, Taiwan (Formosa), Cingapura, Tailndia, Indonsia,

    Malsia e Hong Kong, o que provocou um ataque especulativo que se alastrou em velocidade nunca antes

    vista21. Isso os obrigou a desvalorizar maciamente suas moedas, o que gerou uma onda de desconfiana

    internacional por parte dos investidores. As principais bolsas de valores do mundo registram, ento, baixas

    histricas e os investimentos so cancelados principalmente em pases emergentes, como a Rssia e o Brasil.

    A economia russa entra em colapso em setembro de 1998. O pas declara moratria (suspenso do

    pagamento) da dvida externa das empresas privadas, estimada em 40 bilhes de dlares, e adia o pagamento

    16 Aceita pelo Iraque em 06.04.1991.

    17 Autores como Halliday (Repensando as relaes internacionais. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999, p. 110)

    afirmam que foi a presso internacional pela homogeneizao que destruiu a Unio Sovitica; foi o t-shirt e o supermercado,

    no a canhoneira ou as manufaturas mais baratas que destruram a legitimidade e a estabilidade do sistema sovitico.

    18 So membros da CEI: Armnia, Belarus, Cazaquisto, Federao Russa, Moldvia, Quirguisto, Tadjiquisto,

    Turcomenisto, Ucrnia, Uzbequisto (1991), Gergia e Azerbaijo (1993). Desde 26 de agosto de 2005, o Turcomenisto

    no mais membro permanente da entidade, atuando apenas como membro associado. A Ucrnia participante de fato,

    uma vez que no ratificou o Acordo de Criao da CEI, de 8 de dezembro de 1991.

    19 Em 19 de dezembro de 1999 temos o retorno de Macau, a ltima colnia europia na sia, para a China.

    20 Em verdade, foi a China que declarou unilateralmente sua inteno de reassumir a soberania sobre Hong Kong a partir

    daquela data. Para um estudo mais aprofundado sobre os contornos jurdicos de tal ato, vide artigo de Peter Slinn, intitulado

    Aspects juridiques du retour la Chine de Hong Kong, publicado no Annuaire Franais de Droit International, XLII, 1996,

    p. 273-295.

    21 J no dia 02 de julho de 1997, o governo da Tailndia desiste de defender a paridade da moeda local, o bath perante o

    dlar, desvalorizando-a. Estima-se que, ao final daquele ano, mais de US$ 700 bilhes em capital tenham sido perdidos,

    algumas mercadorias tenham tido seu preo elevado em at 300% e a taxa de desemprego tenha triplicado.

  • de 32 bilhes de dlares de ttulos que estavam vencendo. O rublo (sua moeda nacional) desvaloriza-se em

    75% e desencadeia-se uma espiral inflacionria. Novamente ocorre uma onda de baixas nas bolsas de

    valores mundiais. A crise contornada com a revogao da moratria, o refinanciamento da dvida e novos

    emprstimos para estancar a fuga de capitais. A alta do petrleo, seu principal produto de exportao, e as

    reformas em andamento, especialmente para consolidar a insero do pas na economia de mercado,

    reativam a economia. As conseqncias da falncia russa atingem o Brasil, que, a partir de 1998, tem suas

    reservas internacionais reduzidas, sendo obrigado a depreciar o Real, em janeiro de 1999.

    A OTAN (Organizao do Tratado do Atlntico Norte), em funo da inrcia do Conselho de Segurana

    da ONU em encontrar uma soluo para o impasse criado, decide bombardear a Iugoslvia, durante 78 dias,

    em represlia ocupao de Kosovo, levando ao primeiro conflito armado dentro do continente europeu

    aps o final da Segunda Guerra22, sendo este, juntamente com a prpria reestruturao e alargamento dessa

    organizao internacional com a entrada de Estados do Leste Europeu, o fato mais marcante de 1999.

    Manifestaes populares em Belgrado derrubam, em 2000, o governo do srvio Slobodan Milosevic, o

    ltimo ditador comunista da Europa. Todavia, interessante ressaltar que, em outros Estados europeus, os

    cidados decidem, por meio do voto, demonstrar toda a sua insatisfao com a poltica adotada

    internamente, levando vitria do Partido Conservador, na ustria, e quase vitria de Le Pen, na Franca.

    Alguns pases com dificuldade para abrir sua economia ao fluxo internacional de recursos decidem, ainda,

    trocar a moeda local pelo dlar23. Apesar de resolver o problema cambial, a dolarizao considerada uma

    medida extremada. Ao adot-la, o pas abre mo de sua poltica econmica. Deixa de decidir, portanto, sobre

    a taxa de juros e a quantidade de dinheiro que circula em seu territrio. Fica submetido, ainda, s decises

    do FED, o banco central norte-americano, o que torna inqua a prpria noo de soberania.

    Em janeiro de 2001, como contraposio ao 31 Frum Econmico Mundial FEM de Davos (Sua)

    realizado o Frum Social Mundial FSM, em Porto Alegre, reunindo governos, ONGs e lideranas

    partidrias de esquerda. Ao final do encontro, o FSM faz propostas ao FEM, como: a anulao da dvida

    externa do Terceiro Mundo; a adoo da taxa Tobin (que incidiria sobre o movimento internacional de

    capital); e a reduo dos subsdios agrcolas. Por outro lado, o FEM lana a Iniciativa para o Dilogo

    Informal, que prope o dilogo entre empresas e ONGs para a soluo de problemas nas reas de educao,

    condies gerais de trabalho e meio ambiente.

    A Argentina atingida por grave crise poltico-econmica. Depois de controlar a inflao em 1991, a

    Argentina viveu vrios anos de prosperidade. O rico parque estatal do pas foi privatizado e a economia

    cresceu, em mdia, quase 7% ao ano at 1996. Desde ento, comearam os problemas. Para manter a

    popularidade e o apoio poltico a seu governo, Menem torrou rios de dinheiro. Como no podia emitir

    moeda, atrelada por lei aos dlares disponveis no Banco Central, ele precisou pedir emprstimos no exterior

    para sustentar o descontrolado gasto pblico. Com um regime cambial fixo atrelado ao dlar, os argentinos

    so forados a renegociar suas dvidas e a pedir auxlio financeiro ao Fundo Monetrio Internacional

    (FMI)24. Cortam salrios do funcionalismo pblico e elevam impostos. Com isso, tentam aumentar mais as

    22 O conflito explodiu porque a provncia srvia de Kosovo, na Iugoslvia, desejava autonomia poltica. Para impedi-la, as

    tropas srvias, sob o comando de Slobodan Milosevic, iniciaram uma limpeza tnica, que resultou na morte de centenas de

    civis de origem albanesa. Em 17 de fevereiro de 2008, um ato das Instituies Provisrias do Governo Autnomo da

    Assembleia do Kosovo aprova a Declarao de Independncia do Kosovo.

    23 Em janeiro de 2000, o Equador anuncia a medida como forma de salvar a economia e gerar emprego. seguido por El

    Salvador, forado pela falta de credibilidade do clon, a moeda local.

    24 Na tentativa desesperada de salvar seu governo e as finanas pblicas, o sucessor de Menem, Fernando de la Ra, e o

    superministro Domingo Cavallo lanaram mo de medidas emergenciais, aplicando de uma s vez todos os remdios

    amargos preconizados pelo Fundo Monetrio Internacional para naes com fortes desarranjos nas finanas do Estado.

    Cavallo imps medidas recessivas, uma depois da outra, a uma populao em que 18% das pessoas estavam desempregadas.

    Cortou 13% dos salrios do funcionalismo e das aposentadorias dos idosos. Ao cabo de uma recesso que entrava em seu

    terceiro ano, limitou os saques bancrios a 250 dlares por semana, uma vez que, contrariando abertamente a poltica fiscal

    do governo central, as provncias haviam passado a emitir suas prprias moedas. Somente em 2001 circularam catorze tipos

  • receitas para honrar compromissos externos. A situao afugenta investidores, que tambm temem pela

    sade financeira do Brasil, seu principal parceiro comercial.

    Ainda em 2001, o governo turco anuncia o abandono do regime cambial fixo e adota a livre flutuao da

    moeda local, a lira turca, em relao ao dlar. A medida visa conter uma crise poltica que provocou uma

    fuga de dlares e a cobrana de juros overnight de at 6.200% ao ano. Em trs dias, o banco central do

    pas gasta 7,6 bilhes de dlares para manter a cotao da lira e assim no comprometer o acordo com o

    Fundo Monetrio Internacional (FMI)25.

    Em junho, o governo reformista srvio entrega o ex-presidente da Iugoslvia Slobodan Milosevic (preso

    desde abril, acusado de abuso de poder e corrupo) ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para crimes de

    guerra da Organizao das Naes Unidas (ONU), com sede em Haia, nos Pases Baixos, onde ele passa a

    ser processado por crimes contra a humanidade cometidos durante a guerra de Kosovo (1999), na

    Iugoslvia. Tal fato tem relevante importncia, pois, pela primeira vez na histria, um ex-Chefe de Estado

    entregue a um tribunal internacional.26

    Por fim, temos uma srie de acontecimentos que marcam definitivamente a histria dos EUA no primeiro

    ano de gesto de George W. Bush. Em maro, os EUA anunciam que no vo ratificar o Protocolo de

    Kyoto, um tratado internacional que visa conter o aquecimento da Terra27. Em 11 de junho, Timothy

    McVeigh, responsvel pelo maior assassinato em massa, at ento, ocorrido em territrio americano28,

    morto por injeo letal, na priso federal de Terre Haute, em Indiana, sendo sua execuo transmitida por

    estaes de TV e acompanhada por jornalista e parentes das vtimas. Exatamente trs meses depois, em 11

    de setembro, os EUA sofrem, no prprio territrio, o mais grave atentado terrorista de todos os tempos: a

    destruio das torres gmeas do World Trade Center (WTC), em Nova Yorque, o segundo maior edifcio do

    pas, e de uma das alas do Pentgono, o quartel-general das Foras Armadas, em Washington D.C., por

    extremistas muulmanos que seqestram avies comerciais norte-americanos e os utilizam como msseis em

    atentados suicidas. Os ataques so atribudos organizao terrorista Al-Qaeda (a base, em rabe),

    liderada pelo saudita Osama bin Laden29. O presidente norte-americano qualifica, ento, os ataques como

    atos de guerra e promete punir os responsveis e os governos que colaborarem com eles, dando origem

    de moedas regionais, que substituram o dinheiro vivo e ttulos da dvida. O resultado foi catico. As provncias argentinas

    passaram a dever o equivalente a 7% do PIB do pas a credores privados.

    25 Em 1999, a Turquia havia assinado um acordo de 4 bilhes de dlares com o FMI para conter a inflao, que na poca estava

    em 65% ao ano, sendo fixada uma meta de reduzir o ndice para menos de 10% at 2002.

    26 Apenas alguns dias aps a entrega de Milosevic, representantes de 40 pases se renem em Bruxelas e anunciam a concesso

    de US$ 1,3 bilho para ajudar na reconstruo da Iugoslvia, uma vez que a sua extradio era uma condio imposta pela

    Unio Europia e pelos EUA para a liberao dos recursos. Milosevic foi responsvel por sua prpria defesa. O julgamento

    terminou, no entanto, sem qualquer veredito, j que ele acabou morrendo, em 11 de maro de 2006, depois de quase cinco

    anos encarcerado na Priso de Criminosos de Guerra, em Haia.

    27 Segundo o presidente do pas, o tratado contrariaria os interesses econmicos norte-americanos, uma vez que exigiria a

    reduo das emisses de gases-estufa, como o dixido de carbono, que resulta da queima de combustveis fsseis. Como o

    modelo industrial norte-americano movido a carvo e petrleo, sua remodelao para adequao ao Protocolo seria de alto

    custo, levando seu pas a perder competitividade industrial, caso cumprisse as metas, mesmo reconhecendo ser ele o

    responsvel, sozinho, por um quarto das 6 bilhes de toneladas de gs carbnico, lanadas anualmente na atmosfera.

    28 Em 1995, McVeigh explodiu um prdio do governo federal, na capital do Estado de Oklahoma, matando 168 pessoas e

    ferindo centenas, sob a justificativa de t-lo realizado por dio ao governo e em resposta ao de tropas federais contra uma

    seita messinica em Waco, no Texas, em 1993, que resultou na morte de 82 pessoas.

    29 Que, em seus pronunciamentos, prega a guerra santa contra os EUA, aos quais acusa, entre outras coisas, de profanar um lugar

    sagrado do Isl com sua base militar na Arbia Saudita e de patrocinar a ocupao de terras palestinas por Israel.

  • chamada Doutrina Bush. Sem divulgar provas conclusivas, o governo norte-americano aponta Bin Laden

    como o mentor da operao e, em represlia, os EUA lanam um ataque militar ao Afeganisto, onde ele se

    esconde sob a proteo da milcia Taliban, que controla a nao. Enquanto isso, dentro do seu prprio

    territrio, surge um novo tipo de terrorismo, praticado com armas biolgicas. Cartas com a bactria do

    anthrax doena que, adquirida por via respiratria, costuma ser fatal aparecem em diversos lugares do

    pas a partir de meados de outubro30. As investigaes, todavia, no estabelecem vnculo entre a

    disseminao do anthrax e a rede de terroristas que cometeu os atentados em Nova Yorque e em Washington

    D.C. editado o Patriot Act31, um conjunto de normas restritivas de direitos, objetivando o combate ao

    terrorismo por meio da identificao de supostos agentes pela quebra do sigilo postal e telefnico, inclusive

    internet e telefones celulares.

    A partir de 1 de janeiro de 2002, entra em circulao, em 12 pases integrantes da Unio Europia32, o

    Euro que, imediatamente, torna-se a moeda alternativa ao dlar norte-americano nas transaes

    internacionais. Existindo desde 1999, como moeda eletrnica usada pelo mercado financeiro, o Euro

    juntamente com a entrada em vigor, em 1 de julho, do Tribunal Penal Internacional e os constantes

    protestos contra a doutrina Bush arrefecem o poderio norte-americano no cenrio internacional.

    Tal poderio, todavia, restabelecido em 2003. Sob a alegao de Saddam Hussein esconder armas de

    destruio e financiar terroristas, os EUA iniciam intensos ataques ao Iraque. Batizada pelos EUA de

    Operao Liberdade do Iraque e por Saddam de A ltima Batalha, a guerra comea com o apoio apenas

    da Gr-Bretanha, sem o endosso da ONU e sob protestos de manifestantes e de governos no mundo inteiro.

    Com a derrubada do regime, outros Estados se aliam empreitada33, mais interessados em ter acesso aos

    incentivos gerados pela necessidade de reconstruir o pas do que, efetivamente, em instaurar uma

    democracia, segundo padres ocidentais. Ainda nesse ano, os rabes sofrem outra grande derrota na poltica

    internacional, a partir do incio da construo de um muro para separar Israel dos territrios palestinos.

    Em 11 de maro de 2004, temos os atentados terroristas a trs estaes de trem em Madrid, deixando mais

    de 190 mortos e levando derrota o Partido Popular como reao da populao civil divulgao

    precipitada do governo espanhol, de nota responsabilizando o grupo separatista basco ETA por tais atos.

    Ainda nesse ano, temos o alargamento da Unio Europia que, com a adeso de Chipre34, Eslovquia,

    Eslovnia, Estnia, Hungria, Letnia, Litunia, Malta, Polnia e Repblica Tcheca, passa a contar com 25

    30 O primeiro caso, na Flrida, provoca a morte de um jornalista que abriu uma carta postada antes dos atentados de 11 de

    setembro. As cartas, despachadas no prprio pas, multiplicam-se, chegando a interromper os trabalhos do Congresso por

    vrios dias e deixam, at o incio de novembro, um saldo de quatro mortos e 14 contaminados.

    31 O denominado Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct

    Terrorism USA Patriot Act 2001, assinado em 26 de outubro de 2001, aps ter sido aprovado por 98 votos contra 1 no

    Senado e 357 votos contra 66 na Cmara, contendo normas que vo desde o aprimoramento da segurana domstica contra o

    terrorismo at lavagem de dinheiro e sigilo bancrio, proteo das fronteiras, troca de informaes entre as diversas agncias

    de investigao e punio severa para todos que pratiquem ou auxiliem a prtica de atos terroristas, foi renovado em 02 de

    maro de 2006 com o voto de 89 contra 11 membros do Senado, em 07 de maro de 2006 por 280 contra 138 votos na

    Cmara e, finalmente, assinado novamente pelo Presidente George W. Bush em 9 de maro de 2006.

    32 Alemanha, ustria, Blgica, Espanha, Finlndia, Frana, Grcia, Repblica da Irlanda, Itlia, Luxemburgo, Pases Baixos e

    Portugal. Apenas trs Estados (Gr-Bretanha, Dinamarca e Sucia) no aderem moeda nica europia.

    33 Formando a chamada coalizo dos determinados, que chegou a contar com pouco mais de 36 pases aliados, mas que

    tinha no exrcito norte-americano, integrados por um contingente de 150 mil soldados, e das foras britnicas, que incluem

    pouco mais de 9 mil soldados em sua base operacional, uma vez que nenhum outro contingente significativo de tropas

    estrangeiras estava estacionado no pas.

    34 No caso de Chipre, os greco-cipriotas do sul no aceitaram a proposta da ONU de unificao com o norte turco-cipriota, e

    apenas o sul da ilha vai fazer parte do bloco.

  • membros e com um futuro incerto. Por fim, comeam a surgir denncias sobre corrupo no Programa da

    ONU Petrleo por Comida35, envolvendo, inclusive, o filho do Secretrio-geral Kofi Annan.

    O ano de 2005 foi marcado pela tentativa de redemocratizao do Iraque, com a realizao de eleies

    livres e a lenta desintegrao da coalizo que apoiou o Presidente George W. Bush na invaso daquele

    Estado. Tal pleito, o primeiro em mais de 50 anos no Iraque apesar de boicotado pelos sunitas36, tem como

    resultado um parlamento com maioria absoluta xiita37, alm de alguns representantes curdos e poucos

    sunitas38. No Ir, o ultraconservador Mahmud Ahmadinejad vence as eleies presidenciais. Por sua vez, a

    Coria do Norte declara ter-se dotado da bomba atmica para se proteger dos Estados Unidos, que acusa de

    quererem derrubar o seu regime. Os franceses rejeitam em referendo (54,67% de no) a Constituio

    Europia, abrindo uma grave crise na Unio Europia e infligindo uma derrota aos seus dirigentes,

    sobretudo ao Presidente Jacques Chirac39. Por outro lado, o ano tambm marcado pela entrada em vigor do

    Protocolo de Quioto e seu Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL/CDM40 e por atentados

    terroristas que levam a marca da Al-Qaeda41, como o que assolou Londres em julho, destruindo um nibus

    35 O programa de US$ 600 milhes, lanado em 1996, tinha o objetivo de permitir que o governo do Iraque pudesse comprar

    alimentos, remdios e outros suprimentos de valor humanitrio, usando o dinheiro arrecadado com a venda de petrleo, sem que

    isso implicasse na violao das sanes comerciais impostas ao pas depois da invaso do Kuwait, em 1990. A iniciativa buscava

    ajudar os civis iraquianos, que enfrentavam dificuldades por causa das sanes e acabou formalmente em 2003, quando as tropas

    estrangeiras lideradas pelos Estados Unidos invadiram o Iraque e afastaram Saddam Hussein do poder. importante salientar

    que at abril de 2008 a compensao global autorizada pela Comisso de Compensao das Naes Unidas United Nations

    Compensation Commission (UNCC), j havia chegado a mais de US$ 25 bilhes de dlares que, aps o encerramento do

    Programa Oil for Food passaram a ser objeto de Resolues do Conselho de Segurana. Segundo o mesmo rgo, h ainda

    dezoito reivindicaes compensatrias, incluindo 5 reivindicaes ambientais, a serem analisadas (vide:

    http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=26504&Cr=iraq&Cr1=kuwai, consultado em 30 de abril de 2008).

    36 Os muulmanos esto divididos entre sunitas, o grupo majoritrio, e xiitas, a minoria dentro da religio. Os sunitas formam o tronco

    principal da religio, ligado interpretao mais aceita da histria islmica e renem cerca de 90% dos muulmanos no mundo. A

    diferena em relao ao Isl xiita a aceitao seqncia de califas da histria islmica. Sem caractersticas comuns entre si, os

    muulmanos sunitas incluem praticantes da religio em todas as partes do mundo e de todas as tendncias, dos mais conservadores

    at os moderados e seculares.

    37 Os xiitas, que renem cerca de 10% dos muulmanos, surgiram como movimento poltico de apoio a Ali e acabaram

    formando uma ramificao da religio islmica. A dissidncia surgiu quando os xiitas se uniram para apoiar Ali, primo de

    Maom, como o herdeiro legtimo do poder no Isl aps a morte do profeta, com base na suposta declarao de que ele era

    seu sucessor ideal. A evoluo para uma frmula religiosa diferente teria comeado com o martrio de Husain, o filho mais

    novo de Ali, no ano de 680, em Karbala (no atual Iraque). Os clrigos xiitas so os muls e mujtahids, mas o clero no tem

    uma hierarquia formal. Os xiitas foram os responsveis pela revoluo islmica do Ir, em 1979, e tm graves divergncias

    com setores do islamismo sunita.

    38 Segue-se a eleio de Jalal Talabani para a presidncia do Iraque. a primeira vez na histria do pas que um curdo acede a

    tal cargo, sendo nomeado como primeiro-ministro o xiita Ibrahim al-Jaafari.

    39 A Frana foi o primeiro pas da UE a rejeitar o tratado constitucional, seguida, em 1 junho, pelos Pases Baixos, onde o

    no obtm 61,6%.

    40 Que, pelo seu artigo 12, permite que pases desenvolvidos invistam em projetos (energticos ou florestais) de reduo de emisses e

    utilizem os crditos para reduzir suas obrigaes: cada tonelada deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera poder ser adquirida

    pelo pas que tem metas de reduo a serem atingidas. Cria-se assim um mercado mundial de Redues Certificadas de Emisso

    (RCE).

    41 No s em funo da natureza (exploses em meios de transporte de grandes metrpoles) e sua justificativa (ideais

    islmicos), mas ainda pela forma como reivindicada sua autoria: por meio de grupos islmicos pouco conhecidos ligados

  • em Tavistock Square e trens do metr: Aldgate, Edgware Road, Kings Cross, Old Street e Russell Square.

    Inicia-se em Bagdad o julgamento de Saddam Hussein pelo massacre de Dujail (143 xiitas mortos em 1982),

    enquanto na Frana, a morte acidental de dois jovens que estariam sendo perseguidos pela polcia, em

    Clichy-sous-Bois (subrbios de Paris), desencadeia uma onda de violncia urbana noturna que se estende a

    todo pas, levando o governo francs a instaurar estado de emergncia. Por fim, fracassa a tentativa de

    implantar a Alca, em funo do impasse criado na IV Cpula das Amricas, em Mar del Plata e de sua

    ambgua Declarao Final42.

    O ano de 2006 foi marcado pela ascenso, no cenrio internacional, de governos nacionalistas do Terceiro

    Mundo que, financiados pelo alto preo do barril de petrleo, em torno de US$ 78,00 (setenta e oito

    dlares), no s oferecem ajuda aos pases mais pobres para enfrentar o domnio de empresas

    transnacionais e interesses externos sobre suas atividades econmicas, como no caso da Venezuela em

    relao expropriao da explorao do gs boliviano43, mas ainda enfrentam os pases belicamente mais

    poderosos e at mesmo a ONU, como no caso do Ir e seu programa de desenvolvimento de tecnologia nu-

    clear44. Os conflitos armados intensificam-se no oriente mdio, seja em termos de guerra civil (Iraque)45 seja

    rede Al-Qaeda, que publicam comunicados em websites, onde assumem a responsabilidade pelos atentados. Tais militantes,

    leais a Osama bin Laden (chefe da rede Al-Qaeda), foram responsveis pelos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA e

    pelos atentados de Bali e Madri.

    42 Para aqueles que queriam a ALCA, no se conseguiu incluir nem cronograma nem datas especficas para a prxima reunio.

    Para aqueles que no queriam avanar no tema, terminou-se por inclu-lo de maneira ambgua em uma declarao final que

    foi assinada at mesmo por seus maiores opositores, como Hugo Chvez, sem que em troca fosse obtido um compromisso

    sobre a eliminao de subsdios (tema que obviamente ficou sujeito negociao com a Unio Europia na Organizao

    Mundial do Comrcio).

    43 interessante ressaltar que, em 2006, tivemos 11 eleies presidenciais na Amrica Latina, boa parte delas com ingerncia

    direta do presidente venezuelano. Com isso, acredita-se que o principal risco poltico para a Amrica Latina est no

    ressurgimento de quatro paradigmas que, no passado, serviram de obstculo ao desenvolvimento: o populismo, uma vez que

    a partir de Chvez retomou a velha tradio do poltico centralizador que cativa os pobres com promessas de solues

    milagrosas para problemas complexos; o militarismo, Chvez egresso dos quartis e, embora se apresente como civil, tende

    a ver o uso da fora como uma alternativa legtima para conquistar e manter o poder; as ideologias revolucionrias, que

    ganham nova roupagem com o nacionalismo e o movimento indianista, onde se encaixa o presidente boliviano Evo Morales;

    e o modelo de economia fechada e estatizante.

    44 As conseqncias do desenvolvimento da tecnologia nuclear, comandada pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, o mesmo

    que diz que o holocausto uma mentira dos judeus e clama pela destruio de Israel, so imprevisveis. O Governo do Ir

    sustenta que seus esforos so modestos e pacficos, uma vez que, oficialmente, o urnio ser enriquecido apenas 5%,

    potncia suficiente para acionar usinas geradoras de energia eltrica, mas bem abaixo dos 90% exigidos para armar uma

    bomba. A questo est no fato de que a tecnologia empregada em ambos os casos a mesma, todavia, com a quarta maior

    produo de petrleo do mundo, os iranianos confiam que os pases industrializados vo relutar em aprovar sanes

    comerciais contra eles, temendo uma alta generalizada no preo dos combustveis. Com isso, o presidente iraniano,

    contrariando um ultimato do Conselho de Segurana da ONU, insistiu em avanar em um programa nuclear com fins

    obscuros e mant-lo longe dos olhos dos inspetores internacionais.

    45 A populao majoritria de muulmanos xiitas (60% do total). Os curdos, que no so rabes, representam 15% e

    usufruem relativa autonomia na regio em que so maioria, no norte. Os rabes sunitas, 20% da populao, tinham o poder

    na ditadura de Saddam e no se conformam com a eleio que entregou o comando do governo s etnias rivais. Desde a

    invaso norte-americana, terroristas sunitas, muitos deles rabes vindos de pases vizinhos, vm provocando os xiitas com

    carros e homens-bomba. Com inesperada sabedoria, seus aiatols tm recomendado pacincia, visto que, pela primeira vez

    na histria, graas s eleies democrticas de 2005, eles esto conseguindo que a superioridade numrica se traduza em

    poder real. A rixa entre as duas principais vertentes islmicas, to distantes uma da outra, quanto catlicos e protestantes

    no cristianismo, de relevante importncia no Iraque. Nos pases muulmanos onde so minoria, os xiitas so tratados

    como cidados de segunda classe. No caos que se seguiu ocupao norte-americana, muitos jovens sunitas, sobretudo

  • em termos de conflitos entre Estados e movimentos guerrilheiros, como o ocorrido entre Israel e Hezbollah,

    no sul do Lbano, levando, nesse caso, o Conselho de Segurana a aprovar a Resoluo n. 1.701, de 11 de

    agosto, elaborada pelos EUA e Frana com o objetivo de por fim a todos os ataques do Hezbollah,

    atribuindo igualmente indicaes para que Israel retire os seus 10 mil soldados que estavam em territrio

    libans e prevendo, ainda, o reforo pela distribuio ao longo da fronteira do Sul do Lbano de uma

    misso da ONU, auxiliada por tropas do exrcito reconhecido do Lbano por meio do envio de 15.000

    soldados para a zona de fronteira no sul do Lbano46. A estratgia blica norte-americana, denominada

    guerra ao terror, sofre sua maior derrota quando a Suprema Corte dos Estados Unidos, por 5 votos a 3,

    considerou ilegal a existncia do tribunal militar de exceo na priso instalada na base naval de

    Guantnamo47, seguindo-se derrota do partido republicano nas eleies para o Congresso. H a eleio do

    sul-coreano Ban Ki-moon para Secretrio-Geral da ONU48, e, possivelmente, como uma sinalizao de

    interveno no governo da Coria do Norte.

    Aps um longo e tumultuado julgamento, o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein e dois de seus

    colaboradores mais prximos foram condenados forca por crimes de guerra, pelo Tribunal Superior Penal

    do Iraque, em Bagd, por serem considerados culpados pela morte de 148 xiitas no povoado de Dujail

    (1982).

    Com um PIB de 1,9 trilho de dlares, a China torna-se a quarta economia do mundo, superada apenas

    pelos Estados Unidos, Japo e Alemanha. Todavia, questes ligadas liberdade de expresso e democracia,

    as debilidades inerentes economia chinesa, o sistema financeiro de alta vulnerabilidade torna tal modelo de

    crescimento altamente questionvel no tocante a sua sustentabilidade49.

    sauditas, viram no Iraque a oportunidade perfeita para massacrar xiitas, que consideram apstatas. A Al -Qaeda na

    Mesopotmia, grupo terrorista liderado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, declarou formalmente guerra aos

    muulmanos xiitas. O gro-aiatol Ali Sistani, o principal lder xiita, advertiu que, se o governo no capaz de garantir a

    segurana de sua gente, chegou a hora de fazer justia com as prprias mos, tal apelo ressonou no Ir (9 0% de xiitas), no

    Barein (70%) e at no Lbano, por meio de aes do Hezbollah.

    46 A Resoluo apelou, igualmente, para a libertao incondicional dos dois soldados israelitas raptados pelo Hezbollah,

    apontado como o casus beli desse conflito.

    47 Estabelecido pela Casa Branca, esse tribunal poderia julgar os acusados de terrorismo em sesses secretas e condenar sem direito

    a apelao. Com o veredicto da Suprema Corte, no s tais julgamentos tiveram de ser cancelados como o prprio status dos

    prisioneiros foi colocado em questo. O mais importante para o comrcio internacional a convergncia de capitais. A partir

    disso, tem-se a avidez de captao de investimentos, demonstrada na poltica de alta taxa de juros do Brasil. Mesmo assim, 3/4

    do investimento internacional est aplicado nestes trs blocos, Unio Europia, Nafta e Japo/Tigres Asiticos, por terem um

    sistema de governo e poltica econmica mais estveis.

    48 Com aprovao unnime na Assemblia Geral em 13 de outubro, dando-se aps a aprovao pelo Conselho de Segurana em

    09 de outubro. Ban o primeiro asitico apontado para ser Secretrio-geral das Naes Unidas desde U Thant, da Birmnia,

    que ocupou o posto de 1961 a 1971, substituindo Kofi Anan a partir de 1 de janeiro de 2007.

    49 Estados Unidos e China criaram uma interessante simbiose entre um intenso comrcio bilateral e uma aliana financeira

    singular: quase todo o dinheiro que os americanos gastam comprando artigos chineses volta ao pas quando o governo chins

    adquire ttulos do Tesouro americano. A importncia da China tambm capital para as outras duas potncias econmicas,

    Japo e Alemanha, segunda e terceira economias do mundo. A fabulosa mquina exportadora alem tem na China o seu maior

    comprador. Quanto ao Japo, boa parte da recuperao de sua economia, estagnada por mais de uma dcada, se deve ao

    fenmeno chins. Finalmente, os produtos chineses de baixo preo so um dos fatores que explicam a inflao controlada de boa

    parte dos pases do Ocidente desenvolvidos, subdesenvolvidos e emergentes. Pela extenso de seu territrio, pelo tamanho de

    sua populao e pela sua capacidade de alterar a geopoltica do planeta, o milagre chins guarda muitas semelhanas com o

    surgimento do imprio americano, entre fins do sculo XIX e incio do XX.

  • A partir de 2007 a Sociedade Internacional viu-se envolvida na chamada Crise Sistmica Global marcada

    por um contgio na economia real dos Estados desenvolvidos, indo desde a exploso da bolha norte-

    americana50 e a queda brusca do valor de todos os ativos em dlares (ttulos do tesouro norte-americano, aes

    em empresas norte-americanas, dentre outros), at a quebra dos mercados imobilirios tanto norte-americano

    quanto britnico, francs, espanhol e, mais recentemente de Dubai (2009), alastrando-se a todos os demais

    setores (militares, estratgicos e diplomticos) com o fracasso do plano de estabilizao do Iraque e, por fim,

    com a emergncia do PIB fantasma criado pelas estatsticas no intuito de mascarar o crescimento do

    desemprego, afetando, mesmo que em menor escala, os BRICs Brasil, Rssia, ndia e China 51 e demais

    Estados em desenvolvimento.

    2.2 Nova ordem econmica internacional

    Caracteriza-se pelo recrudescimento do fenmeno da globalizao. Luiz Roberto Lopez faz uma anlise

    interessante do fenmeno da globalizao, que, segundo suas palavras, implica na uniformizao de padres

    econmicos e culturais em mbito mundial, tendo suas origens no renascimento e nas grandes navegaes52.

    Ao longo do sculo XX, a globalizao do capital foi conduzindo a globalizao da informao e dos

    padres culturais e de consumo. Ao entrarmos nos anos 80/90, o Capitalismo, definitivamente hegemnico

    com a runa do chamado socialismo real, ingressou na etapa de sua total euforia triunfalista, sob o rtulo

    de neoliberalismo. Tais so os nossos tempos de palavras perfumadas: reengenharia, privatizao,

    economia de mercado, modernidade e metfora do imperialismo globalizao. A informao

    mundializada de nossos dias no exatamente troca: a sutil imposio da hegemonia ideolgica das elites.

    Cria a aparncia de semelhana num mundo heterogneo em qualquer lugar, vemos o mesmo McDonalds,

    o mesmo Ford Motors, a mesma Mitsubishi, a mesma Shell, a mesma Siemens, a mesma informao para

    fabricar os mesmos informados. a massificao da informao na era do consumo seletivo. Via

    informao, as elites (por que no dizer: classes dominantes?) controlam os negcios, fixam regras

    civilizadas para suas competies e concorrncias e vendem a imagem de um mundo anti-sptico, eficiente e

    50 Nas reas econmica, financeira e monetria, observou-se um patente fracasso da poltica estabelecida pelo Sistema da Reserva

    Federal, ao tentar ocultar as injees macias de liquidez no sistema financeiro deixando de divulgar a evoluo do ndice

    monetrio M-3 (que inclui depsitos vista, moeda em poder do pblico, ttulos em poder do pblico e depsitos em poupana).

    O objetivo era substituir a bolha imobiliria norte-americana, em situao crtica, por uma bolha financeira em uma tentativa de

    manter o crescimento e a conseqente atratividade dos EUA. Com isto, a Reserva Federal dos EUA estaria experimentando

    uma histrica perda de controle sobre as taxas de juros, pela primeira vez desde 1918, com exceo dos perodos de guerras e

    depresso socioeconmica. A partir da, a crise do mercado imobilirio atingiu grandes instituies financeiras dos EUA, como a

    Bear Stearns, Goldman Sachs e Freddie Mac.

    51 BRIC um acrnimo criado em novembro de 2001 pelo economista Jim ONeill, do grupo Goldman Sachs, para designar os 4

    (quatro) principais pases emergentes do mundo, a saber: Brasil, Rssia, ndia e China no relatrio Building Better Global

    Economic Brics. Usando as ltimas projees demogrficas e modelos de acumulao de capital e crescimento de produtividade,

    o grupo Goldman Sachs mapeou as economias dos pases BRICs at 2050. Especula-se que esses pases podero se tornar a

    maior fora na economia mundial, pois possuiro mais de 40% da populao mundial e juntos tero um PIB de mais de 85

    trilhes de dlares. Esses quatro pases no formam um bloco econmico, como a Unio Europeia, nem um bloco comercial

    (como o NAFTA), muito menos uma aliana militar (como a OTAN), mas formam uma aliana atravs de vrios tratados de

    comrcio e cooperao assinados, a partir de 2002, para alavancar seus crescimentos. Vide:

    http://www.petersoninstitute.org/publications/chapters_preview/382/4biie3780.pdf, consultado em 8 de julho de 2008.

    52 A doutrina majoritria identifica como um processo que teve seu incio no perodo dos grandes descobrimentos, no sculo XV.

    Com efeito, as expedies lideradas pelo navegante genovs Cristvo Colombo e financiadas pelo Reino de Castilla y Aragn

    romperam, em 1492, o isolamento entre o Velho e o Novo Mundo e implicaram crescente contato entre os pases ento

    existentes, seguindo-se a criao da Companhia Holandesa das ndias Ocidentais (1621), com o objetivo de eliminar a

    competio entre diferentes postos mercantis estabelecidos pelos mercadores, e a Companhia das ndias Orientais, criada pela

    Inglaterra a partir da fuso de diferentes sociedades, aspirantes ao monoplio do comrcio com aquela parte do mundo, em uma

    nica companhia, em 1702.

    LORENARealce

    LORENARealce

    LORENARealce

    LORENARealce

  • envernizado. a servio do interesse de minorias que est a globalizao da informao. Ela difunde modas

    e beneficia o consumo rpido do descartvel, e o modismo frentico e desenfreado imperativo s grandes

    empresas, nesta poca ps-keynesiana, em que, ao consumo de massas, sucedeu a nfase no consumo

    seletivo de bens descartveis. Cumpre informao globalizada vender a legitimidade de tudo isso, impondo

    padres uniformes de cultura, valores e comportamentos, at no ser diferente (diferente na aparncia para

    continuar igual no fundo)53.

    Seguindo esse raciocnio, temos uma internacionalizao da economia, em que se destacam os seguintes

    aspectos:

    Comercial a partir da homogeneizao das estruturas de demanda e oferta por empresas que estabelecem contratos de terceirizao com produtores locais e comercializam os produtos sob suas

    prprias marcas (ex: Nike, Nestl, Wal-Mart, Carrefour);

    Produtivo por meio do fenmeno da produo internacional de um bem para o qual concorrem diversas economias com diferentes insumos;

    Financeiro com o aumento do fluxo de capitais, decorrente da automao bancria;

    Sociocultural onde os mesmos instrumentos que permitem o aumento do fluxo de capitais (redes eletrnicas, televiso, satlites) constituem o atual sistema de comunicao, o que contribui para uma

    relativa homogeneizao da cultura e dos padres de comportamento nas sociedades;

    Tecnolgico pelo incremento quantitativo e qualitativo das redes mundiais de comunicao e informao (internet)54.

    J autores do porte de Richard Falk ampliam o sentido do termo globalizao, apresentando-o em diversas

    dimenses: globalizao corporativa (corporate globalization), associada ao conceito apresentado

    anteriormente por Lopez e identificada com os ideais neoliberais do Consenso de Washington; globalizao

    cvica (civic globalization), inicialmente identificada com os movimentos antiglobalizao, como os

    protestos de Seattle e Gnova, mas que passa a apresentar um ponto de vista prprio acerca do futuro da

    Sociedade Internacional; globalizao imperial (imperial globalization) relacionada aos acontecimentos de 11

    de setembro de 2001 e a reafirmao da questo da segurana, fundada em princpios religiosos e na posio

    blico-unilateral norte-americana, como o principal aspecto das relaes internacionais; e globalizao

    regional (regional globalization), que leva em considerao tendncias regionais, especialmente o fenmeno

    da Unio Europia55.

    Acreditamos que, em Direito Internacional e para efeitos de nova ordem econmica internacional, nosso

    entendimento de globalizao se aproxima do de Lopez e do de Falk, quando este enuncia a globalizao

    corporativa. Assim sendo, a partir de tais premissas, com a globalizao, temos o fortalecimento das

    Empresas Transnacionais que contrapem sua vontade dos Estados-nao, por meio no s de sua

    capacidade de operar simultaneamente em diversos pases, mas ainda com a sua crescente interao com a

    elite governamental.

    53 Vide http://www.iis.com.br/~rbsoares/geo7.htm, consultado em 25.03.2005.

    54 Vide http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/globalizacao_dh/dhglobal.html, consultado em 13 de agosto de 2006.

    55 Vide FALK, Richard A. The Declining world order: americas imperial geopolitics. New York: Routledge, 2004, p. vii-xi.

  • As empresas transnacionais56 constituem o carro chefe da globalizao. Essas empresas possuem

    atualmente um grau de liberdade indito, que se manifesta na mobilidade do capital industrial, nos

    deslocamentos, na terceirizao e nas operaes de aquisies e fuses. A globalizao remove as barreiras

    livre circulao do capital, que hoje se encontra em condies de definir estratgias globais para a sua

    acumulao. Essas estratgias so, na verdade, cada vez mais excludentes. O raio de ao das transnacionais

    concentra-se na rbita dos pases desenvolvidos e de alguns poucos pases perifricos que alcanaram certo

    estgio de desenvolvimento. No entanto, o carter setorial e diferenciado dessa insero tem implicado, por

    um lado, na constituio de ilhas de excelncia conectadas s empresas transnacionais e, por outro, na

    desindustrializao e o sucateamento de grande parte do parque industrial. As estratgias globais das

    transnacionais esto sustentadas no aumento de produtividade possibilitado pelas novas tecnologias e

    mtodos de gesto da produo. Tais estratgias envolvem igualmente investimentos externos diretos,

    realizados tanto por elas quanto pelos governos dos seus pases de origem que vem, na sua atuao, uma

    forma de extenso de sua soberania.

    Em resposta a esse fenmeno, temos o surgimento de blocos regionais por meio da integrao dos

    Estados, na tentativa de fortalecer seu poder negociador dentro da sociedade internacional. Tais blocos

    podem ser econmicos, comerciais ou de produo.

    Os blocos econmicos caracterizam-se pela livre circulao de mercadorias, pessoas, servios e capitais,

    com a elaborao de normas de carter supranacional, uma vez que so aplicadas a todos os membros do

    bloco, sejam pessoas fsicas ou jurdicas, independente de sua nacionalidade. Dessa forma, fortalece-se a

    economia dos Estados-membros e eles podem utilizar regras mais rigorosas para a atuao das Empresas

    Transnacionais intrabloco e entrada de produtos originrios de terceiros pases. Exemplo tpico o da Unio

    Europia UE, sendo, tambm, esse o objetivo almejado pelo Mercado Comum do Sul Mercosul.

    Os blocos comerciais caracterizam-se pela concesso de maiores vantagens comerciais entre os seus

    membros, como forma no s de incrementar exportaes e importaes, mas tambm de conter a imigrao

    dos pases menos desenvolvidos para os mais desenvolvidos. o caso do Acordo de Livre Comrcio da

    Amrica do Norte Nafta, rea de livre comrcio instituda entre EUA, Canad e Mxico, e da proposta da

    rea de Livre Comrcio das Amricas Alca. Ao contrrio dos blocos econmicos, no h a criao de

    normas de carter supranacional, uma vez que h limitao na circulao dos fatores de produo, at

    mesmo porque seu principal objetivo o de favorecer apenas as relaes comerciais.

    Os blocos de produo so sistemas produtivos que operam de forma concertada. O Estado mais forte

    economicamente abastecido pelos produtos semi-acabados e suprimentos dos pases vizinhos, reduzindo o

    custo final de seu prprio produto sem, entretanto, conceder preferncias tarifrias para a entrada de

    produtos acabados ou aproximar sua economia dos pases perifricos. A expresso mais correta desse

    bloco foi apresentada na relao entre o Japo e os Tigres Asi-ticos: o Japo estruturou uma rede de

    produo de diferentes nveis tecnolgicos, em que os Tigres Asiticos recebiam a transferncia de

    tecnologia e fases da cadeia produtiva que passavam a ser consideradas no prioritrias economia japo-

    nesa.

    Atualmente, duas economias no diretamente vinculadas a qualquer bloco de integrao tm chamado a

    ateno da Sociedade Internacional. Tratam-se da China e da ndia, destacando-se como plos de atrao de

    56 Apesar de utilizada por grande parcela da Doutrina, o termo Empresas Multinacionais no possui o rigor jurdico-cientfico

    apresentado ao utilizar-se Empresas Transnacionais, uma vez que elas, sendo de carter econmico, possuem uma matriz em

    determinado Estado e atividades produtivas em outros (os chamados estados hospedeiros), onde se instalam como indstria

    nacional, por exemplo, Ford do Brasil S.A. J as empresas multinacionais so aquelas constitudas de capitais originrios de

    diversos Estados, como o caso da SAS Scandinavian Air System constituda por capital sueco, dinamarqus, noruegus

    e finlands.

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  • investimentos57, principalmente em tecnologia, devido a diversos fatores conjunturais: o custo muito mais

    baixo na instalao de unidades fabris, em comparao com o dos pases desenvolvidos; a disponibilidade de

    pessoal altamente qualificado, especialmente na ndia, onde existe a vantagem suplementar idiomtica

    (ingls); o fato dos dois pases terem mercados grandes e dinmicos; e adequada proteo da propriedade

    intelectual.

    A China, segundo McGregor, citado por Nascimento58, aplica a teoria dos dois sistemas em um s pas, o

    denominado capitalismo primrio ou, nos dizeres dos lderes chineses, socialismo de mercado, que

    procura implementar modificaes em seu sistema econmico, no intuito de atrair capital estrangeiro, ao

    reduzir a corrupo e introduzir transparncia, em especial no mercado de bens que constantemente

    assaltado por escndalos. Alm disso, h o desafio de conciliar os diferentes objetivos das foras

    econmicas existentes: de um lado, os internacionalistas, a sua maior fora econmica, possuindo negcios

    internacionalmente competitivos, que so o destino da maior parte dos investimentos estrangeiros,

    empregando a mo-de-obra mais qualificada e consistindo seus produtos basicamente em bens da indstria

    leve, como txteis, roupas, brinquedos e processamento de alimentos, alm de outros bens de consumo,

    totalmente a favor da abertura econmica; de outro, os nacionalistas, segunda maior fora econmica, que

    controlam negcios, incluindo fazendas, que, apesar de no serem internacionalmente competitivos,

    dominam o mercado interno, sendo importantes em muitas indstrias pesadas (petroqumica, mquinas de

    alta tecnologia, avies e produtores de automveis) e em alguns setores agrcolas onde a China no um

    produtor competitivo, como o trigo, com certa dificuldade em estabelecer parcerias com investimentos

    estrangeiros; e, ainda de outro, os localistas, pequenos produtores para mercados especficos, dentro do

    prprio pas.

    A ndia, por sua vez, ainda no confrontou a verdadeira globalizao, em sua forma pura e dura, tanto

    porque liberaliza sua economia a passos contados, quanto porque permanece muito pouco inserida no

    comrcio mundial, ao mesmo tempo que avana nessa via e j se fazem sentir os efeitos perversos dessa

    evoluo, em termos de crescimento das desigualdades sociais e geogrficas. As primeiras encontraro

    talvez um incio de soluo na sistematizao das polticas de discriminao positiva em favor das castas

    baixas. As segundas, mais difceis de combater, causam o risco de reeditar as tenses regionalistas que o

    Estado na base do federalismo e da redistribuio estava conseguindo atenuar.

    Dessa forma, como vimos, suas economias enfrentam problemas de ordem estrutural que ainda

    representam uma incgnita quanto a sustentabilidade de seu desenvolvimento.

    2.3 Nova ordem do comrcio internacional

    A partir da formao dos blocos regionais, o multilateralismo passou a ser substitudo por uma poltica

    comercial de liberalismo intrablocos e protecionismo interblocos, o que tem levado a um clima de guerras

    comerciais quando esses blocos disputam novos mercados, principalmente o dos chamados BRICs Brasil,

    Rssia, ndia e China , Estados de grandes dimenses geogrficas, enorme contingente populacional leia-

    se consumidor, capacidade de fornecimento de matria prima a baixo custo e, sobretudo, abertos ao

    investimento internacional.

    De certa forma, tais guerras comerciais tm sido arrefecidas a partir da atuao da Organizao Mundial do

    Comrcio OMC. Tal entidade procura, por meio da realizao de rodadas de negociao e da implementao

    57 Do ponto de vista dos investidores estrangeiros, as economias indiana e chinesa j so vistas como complementares. Trata-se

    de um arranjo recente no mercado global que beneficia a ambas. As transnacionais j produzem nos dois pases, destinando

    China as etapas relativas indstria mais pesada e ndia a produo de softwares e setores de servio. Em 2005, trs

    gigantes americanos na rea de alta tecnologia Microsoft, Intel e Cisco anunciaram investimentos na ndia da ordem de

    3,7 bilhes de dlares.

    58 Vide NASCIMENTO, Blenda. O multilateralismo econmico e a acesso da China OMC: abrindo a Grande Muralha.

    In:___. SILVA, Roberto Luiz; NASCIMENTO, Blenda (Org.). A OMC e o regime jurdico do comrcio internacional. Belo

    Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, 2006, p. 234-236.

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  • de um mecanismo de soluo de controvrsias mais eficaz do que o anteriormente existente no Acordo de

    Tarifas Aduaneiras e Comrcio Gatt, estabelecer regras mais eficazes para o comrcio internacional. Tal

    tarefa, todavia, no das mais fceis, haja vista o grande nmero de alternativas criadas pelos Estados para

    no cumprir integralmente suas decises e o insucesso da Rodada de Doha.

    A Rodada de Doha das negociaes da OMC, que comeou em novembro de 200159 objetivava a adeso

    Agenda de Desenvolvimento de Doha60 e a partir disso a negociao da abertura dos mercados agrcolas e

    industriais. A inteno declarada da rodada era tornar as regras de comrcio mais livres para os pases em

    desenvolvimento. Foi seguida das Conferncias de Cancun (2003)61, Genebra (2004)62, Paris (setembro de

    2005)63, Hong Kong (dezembro de 2005)64 e, por fim, da suspenso das negociaes em Genebra (julho de

    2006), aps o impasse criado pelos principais negociadores na tentativa de chegar a um acordo bsico65, em

    decorrncia de um entrave na chamada negociao triangular, na qual se esperava queda de tarifas de

    importao de produtos agrcolas (Unio Europia), diminuio dos subsdios agrcolas (Estados Unidos) e

    reduo dos impostos a bens industrializados (pases em desenvolvimento).

    Um dos exemplos mais significativos de tentativa de contornar a deciso de um Painel da OMC66 deu-

    se com o embargo canadense carne bovina e em conserva brasileira, em 2001, como medida preventiva

    contra a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), doena conhecida como vaca louca, medida

    imediatamente estendida aos demais pases membros do Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte

    Nafta: EUA e Mxico. Em verdade, o embargo canadense foi uma retaliao ao governo brasileiro em

    virtude da deciso envolvendo a venda de jatos comerciais, mais conhecida como Caso Embraer-

    Bombardier, tanto que bastou que o governo brasileiro recorresse OMC, para a discusso de compensaes

    para os pases prejudicados comercialmente por causa de declaraes precipitadas de autoridades sanitrias

    de outros pases, para que as autoridades canadenses retirassem o veto importao de carne brasileira.

    59 Sendo a primeira rodada de negociaes sob a Gesto da OMC, que deveria ser concluda at janeiro de 2005. importante destacar

    que China e Formosa (Taiwan) foram aceitas como membros da OMC em dezembro desse mesmo ano e logo a seguir a Arbia

    Saudita, aumentando para 149 o nmero de partes-contratantes.

    60 As negociaes, formalmente chamadas de Agenda de Desenvolvimento de Doha, foram concentradas em quatro reas

    principais: agricultura, produtos no agrcolas, servios e facilitao do comrcio.

    61 Com o objetivo de planejar um acordo concreto sobre os objetivos da Rodada de Doha, tendo fracassado aps quatro dias

    de discusso entre os pases membros sobre subsdios agrcolas e acesso aos mercados e a posio do G20 (grupo de

    negociao liderado pelo G4: frica do Sul, Brasil, China e ndia) ao rejeitarem em bloco um acordo que viam como

    plenamente desfavorvel aos pases em desenvolvimento.

    62 Que chegou a um esboo de acordo sobre a abertura do comrcio global.

    63 Quando os negociadores procuraram atingir progressos tangveis antes do prximo encontro da OMC, em Hong Kong.

    64 Que se distinguiu das reunies anteriores pela atuao ativa dos pases em desenvolvimento, principalmente concentrados no

    G20, sob liderana ativa do Brasil e da ndia.

    65 Uma vez que o G6 Austrlia, Brasil, Estados Unidos, ndia, Japo e Unio Europia no conseguiu acertar suas diferenas

    quanto liberalizao no setor agrcola, significando, na prtica, que no seria possvel chegar a um acordo final antes do fim

    de 2006, considerada a data-limite para as negociaes pelos americanos, j que o mandato do presidente norte-americano

    para firmar pactos de livre comrcio sem a necessidade de discutir ponto por ponto no Congresso, o chamado fast track, se

    encerra em julho de 2007.

    66 A criao de painis constitui-se no principal mecanismo de soluo de controvrsias da OMC.

  • Outro exemplo tambm envolvendo o Brasil, porm, agora, em sentido contrrio, ou seja, no interesse de no

    submeter um litgio comercial OMC, deu-se com a retirada, pelos EUA, tambm em 2001, da queixa

    apresentada Organizao Mundial do Comrcio (OMC) contra a lei brasileira de patentes67, que, inicialmente,

    era considerada pelas autoridades norte-americanas como violadora dos direitos de propriedade intelectual

    previstos por aquela Organizao Internacional, mas que, caso fosse realmente constitudo um painel, poderia

    levar a necessidade de quebra e posterior publicidade do contedo dos medicamentos, o que poderia, por fim,

    comprovar a tese de alguns Estados de que tais medicamentos utilizariam-se de substncias de seu conhecimento

    tradicional e, dessa forma, no s revelar alguma informao que no fosse de interesse comercial norte-

    americano, mas ainda sujeitar as indstrias farmacuticas ao pagamento de royalties pela utilizao de tais

    substncias68.

    Outra caracterstica marcante da nova ordem do comrcio Internacional a crescente onda de fuses

    empresariais no intuito de fortalecer as empresas transnacionais na concorrncia dentro de nichos estratgicos,

    como ocorrido, por exemplo, com duas empresas gigantes do setor da informtica: a Hewlett-Packard HP e a

    Compaq. Em 4 de setembro de 2001, a Compaq e a Hewlett-Packard (HP) anunciam a fuso das duas

    empresas de informtica. A HP adquiriu a Compaq por cerca de 25 bilhes de dlares em aes. A nova

    companhia tornou-se, dessa forma, a maior fabricante de computadores do mundo, gerando uma receita anual

    de 87 bilhes de dlares. A associao tinha como objetivo superar a Dell Computer Corporation, lder em

    vendas de computadores no planeta, e igualar, em tamanho, IBM, o que foi motivado pela queda nas vendas

    e no valor dos ttulos das duas empresas no mercado acionrio, ou seja, para no quebrar, as empresas optaram

    pela fuso.

    O cenrio de fuses empresariais tem sido a tnica dos ltimos anos, mesmo que, em alguns casos, a

    fuso no seja efetivamente implementada69, a simples notcia de que ela est sendo negociada leva a

    necessidade de imediata reestruturao de suas concorrentes.

    O perfil altamente concentrado tambm uma caracterstica da nova ordem do comrcio internacional.

    Aproximadamente 2/3 do comrcio internacional realizado entre as matrizes e filiais das empresas

    transnacionais ou entre as prprias transnacionais. Em verdade, a liberalizao comercial proposta pela

    OMC no est resultando no equilbrio do comrcio internacional, mas sim concentrando-o ainda mais nos

    pases desenvolvidos.

    3. PERSPECTIVAS

    O triunfo do capitalismo como princpio de organizao mundial, o fortalecimento da hegemonia norte-

    americana em contraposio ao declnio russo, a ascenso da China, a crise econmica dos Tigres Asiticos e

    pases emergentes, a incerteza acerca dos limites do poder da Unio Europia e a conflituosa relao Norte-Sul

    so apenas alguns dos aspectos a serem destacados na nova ordem internacional. A partir desses fatos,

    elaboraram-se trs teorias bsicas que procuram explicar tais acontecimentos e seus desdobramentos: Liberal,

    Realista e Radical.

    67 A qual prev, em consonncia com o Acordo TRIPS Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual

    relacionados ao comrcio que, em casos de emergncia nacional e de interesse pblico (art. 71 da Lei n. 9.279/96

    Cdigo da Propriedade Intelectual), o pas poder fabricar remdios de laboratrios estrangeiros que no sejam feitos no

    Brasil por mais de trs anos sem pagamento de patente. Os americanos desistiram da investigao junto a OMC desde que

    o Brasil se comprometesse a avisar com antecedncia qualquer inteno de quebra de patente por meio da licena

    compulsria. Com isso, o pas pode produzir, a preos reduzidos, os medicamentos que entram na composio do coquetel

    contra Aids.

    68 Tal postura refletiu-se na incluso, na Rodada de Doha, de uma declarao de direito dos pases-membros de quebrar patentes

    de medicamentos e conceder licenas para a produo de genricos para proteger a sade pblica.

    69 Como a tentativa frustrada de fuso da siderrgica anglo-holandesa Corus e a Companhia Siderrgica Nacional (CSN), que

    daria o controle da CSN Corus em 2002.

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  • A Liberal , por natureza, uma teoria otimista, vendo, a partir dos acontecimentos iniciados em 1989, o

    nascimento de um novo mundo que aponta na direo de melhores tempos para a sociedade internacional.

    Francis Fukuyama, um de seus principais expoentes, chega a preconizar o fim da histria, no no sentido

    temporal, mas na vitria final dos valores liberais sobre os que lhes eram ideologicamente opostos. John

    Ikenberry expressa, ainda, uma enorme f no papel das instituies internacionais, com destaque para a

    ONU, Otan, FMI, Banco Mundial e Unio Europia e, mesmo reconhecendo que elas refletem o interesse de

    alguns Estados-nao, afirma tambm servirem de elo entre os mais diferentes Estados que, levando-os no

    s a se relacionarem de forma similar com seus ex-inimigos, mas se conformarem a aplicar normas no

    conflituosas para a soluo de seus litgios, contribuindo, dessa forma, para a paz internacional70.

    A Realista apresenta a sociedade internacional atual como sendo to perigosa quanto era anteriormente,

    seno ainda pior. Tal viso pessimista tem por base o pensamento de Maquiavel e Hobbes, as lies da

    guerra fria e os acontecimentos mais recentes, como o colapso da ex-Iugoslvia e constante declnio de

    pases, como os da frica subsaariana. Dentro dessa viso, podemos destacar a posio de trs tericos. O

    primeiro, John Mearsheimer acredita que a guerra fria, ao contrrio de ter tornado o mundo mais perigoso,

    tornou-o muito mais seguro, sendo que a Nova Ordem Internacional bem menos estvel, uma vez que a

    bipolaridade produziu estabilidade e ordem aps a Segunda Guerra Mundial e o seu colapso apenas gerou

    novos problemas71. Outro influente terico Samuel Huntington, que adverte que a sociedade internacional,

    em verdade, reflete o pensamento poltico da elite norte-americana que se reflete, inclusive, na tentativa dos

    Estados Unidos em encontrar e at mesmo inventar um novo e til inimigo para que ele continue

    justificando a necessidade de sua hegemonia, mesmo num mundo ps-sovitico72. Por fim, temos Robert

    Kaplan, que apresenta uma viso ainda mais rida e catica, em que a misria, notadamente nos pases da

    frica ocidental, transforma, de forma intolervel, as condies de vida, contudo a forma como o Ocidente

    ignora tais acontecimentos , em verdade, um risco para a estabilidade internacional73.

    Por fim, temos a teoria Radical, que, capitaneadas por Noam Chomsky e Robert Cox, apresenta solues

    anticapitalistas a partir de uma viso prpria do mundo atual. Chomsky afirma que as mudanas ps-1989, na

    sua essncia, foram muito poucas: o mundo continua dividido entre estados ricos e poderosos, de um lado, e

    estados altamente dependentes do Terceiro Mundo74, de outro. Longe de representar uma fora benfica, os

    Estados Unidos so um imprio cujo principal objetivo manter o mundo a salvo para as empresas

    transnacionais e, sob o manto de interveno humanitria, o que temos, na verdade, o velho imperialismo,

    apenas com uma nova roupagem ideolgica75. Cox completa tal quadro, afirmando que a denominada Nova

    70 Vide FOX, Michael. International History since 1989. In:__ BAYLIS, John; SMITH, Steve. The Globalization of world

    politics. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 114.

    71 Op. cit., p. 115.

    72 Op. cit., p. 115-116.

    73 Op. cit., p. 116-117.

    74 Apesar de o termo Terceiro Mundo ter sido concebido, na dcada de 50, a partir da existncia de dois outros mundos (um

    democrtico e capitalista, outro intervencionista e comunista), e de, sob o ponto de vista de alguns analistas, ter perdido o

    sentido a partir do fim da bipolarizao de poder, ainda costuma-se utiliz-lo para designar as naes que continuam alijadas

    dos benefcios da Nova Ordem Internacional. Para Marcos Kaplan, sob a qualificao de Terceiro Mundo agrupam-se uma

    vasta gama de pases subdesenvolvidos e dependentes que comportam uma problemtica especfica, determinada, em ltima

    instncia, pelo cruzamento das foras, estruturas e processos de dominao e explorao interna e pela dependncia externa.

    Vide KAPLAN, Marcos. Lo viejo y lo nuevo en el orden poltico mundial. In:___ CASTANEDA, Jorge et al. Derecho

    econmico internacional. Mxico D.F.: Fondo de Cultura Econmica, 1976, p. 35.

    75 Vide COX, Michael. International History since 1989. In:__ BAYLIS, John; SMITH, Steve. The Globalization of world

    politics. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 117.

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  • Ordem Internacional est longe de ser estvel: a incontrolvel dinmica de acumulao de capital, a

    desregulamentao financeira internacional, o crescimento no nmero de perdas econmicas e o prprio fim

    da guerra fria tornam a Sociedade Internacional insegura76.

    A par de se discutir qual dessas teorias reflete com mais preciso a Nova Ordem Internacional, algumas

    concluses podem ser extradas e perspectivas podem ser apresentadas.

    A superao do modelo bipolar de confronto ideolgico (Capitalismo x Socialismo) a partir do triunfo

    do capitalismo como sistema mundial, deve ser considerada como a principal caracterstica da Nova

    Ordem Internacional, uma vez que o fim da competio entre os modelos econmicos no s

    transformou, para melhor ou para pior, a vida dos seres humanos, mas ainda varreu completamente

    qualquer indcio de barreira circulao de capitais nas operaes de mercado.

    O crescimento do sistema financeiro internacional constitui uma das principais caractersticas da

    globalizao. Um volume crescente de capital acumulado passa a ser destinado especulao propiciada

    pela desregulamentao dos mercados financeiros. Nos ltimos quinze anos, o crescimento da esfera

    financeira foi superior aos ndices de crescimento dos investimentos, do PIB e do comrcio exterior dos

    pases desenvolvidos. Isso significa que, num contexto de desemprego crescente, misria e excluso social,

    um volume cada vez maior do capital produtivo destinado especulao. Dessa forma, o setor financeiro

    passa a gozar de grande autonomia em relao aos Bancos Centrais e instituies oficiais, ampliando o seu

    controle sobre o setor produtivo. Fundos de penso e de seguros passaram a operar nesses mercados sem a

    intermediao das instituies financeiras oficiais. O avano das telecomunicaes e da informtica

    aumentou a capacidade dos investidores realizarem transaes em nvel global77.

    A abertura da entrada de capitais gerou enormes poderes a organismos financeiros internacionais,

    notadamente o Fundo Monetrio Internacional FMI e o Banco Mundial, responsveis pela formulao de

    regras que coordenariam a passagem de estados de economia planificada para estados de economia de

    mercado, advogando um programa bsico de mudanas a ser aplicado de forma semelhante, em qualquer

    Estado, o chamado Consenso de Washington.

    Tal programa, a ser adotado pelos Estados que desejassem inserir-se, de forma competitiva, na Nova Ordem

    Internacional, apresenta um modelo de reformas que, necessariamente, devem incluir: privatizao dos

    meios de produo, uma vez que o modelo intervencionista e planificador se mostrou insuficiente para

    sustentar o desenvolvimento desses Estados; desregulamentao de toda a atividade econmica e liberalizao

    do comrcio exterior, deixando a cargo das leis de livre mercado a conduo das relaes de consumo e

    concorrncia; reforma tributria, que permitisse a extino das restries entrada do capital estrangeiro, a

    universalizao dos contribuintes e, consequentemente, o aumento dos impostos (afinal, com a sada do Estado

    como agente produtivo, outra forma de gerao de receita deveria ser criada para substituir aquela gerada pelo

    setor produtivo estatal); e reforma administrativa, com o enxugamento da mquina estatal, controle

    oramentrio e estrita adeso a objetivos ortodoxos neoliberais.

    Em consequncia disso, fortalece-se o fenmeno da globalizao da economia e a redefinio do papel do

    Estado, que se retira da atividade econmica direta, limitando-se s reas de planejamento e assistncia social.

    Esta, se entendida como um fenmeno tridimensional formado pela intensificao de fluxos diversos

    (econmicos, financeiros, comunicacionais, religiosos), pela perda de controle do Estado sobre esses fluxos e

    sobre outros atores da cena internacional e pela diminuio de distncias espaciais e temporais, cria

    expectativas de inovaes poltico-jurdicas. Com efeito, esse fenmeno conduz ao questionamento do

    76 Op. cit., p. 118.

    77 Cerca de 1,5 trilho de dlares percorre as principais praas financeiras do planeta nas 24 horas do dia. Isso corresponde ao volume

    do comrcio internacional em um ano. O mais importante para o comrcio internacional a convergncia de capitais, partindo disso

    a avidez de captao de investimentos, demonstrada na poltica de alta taxa de juros do Brasil. Mesmo assim, 3/4 do investimento

    internacional est aplicado nestes trs blocos, Unio Europia, Nafta e Japo/Tigres Asiticos, por terem um sistema de governo e

    poltica econmica mais estveis.

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  • princpio da soberania, organizador das relaes entre Estados e, consequentemente, da manuteno da ordem

    pblica internacional78.

    A globalizao gera, tambm, uma massificao do consumo entre os Estados da Sociedade Internacional.

    Isso fortalece ainda mais o poder das empresas transnacionais, j que o consumo uniforme facilita o acesso a

    mais pontos do mundo.

    Mesmo assim, encontramos autores do porte de Paulo Roberto de Almeida79 que destacam uma ampla

    evoluo da sociedade internacional, exatamente em funo do fenmeno da globalizao. Segundo o autor,

    o aprofundamento das defasagens entre regies e entre os estratos sociais j estava em curso no perodo

    anterior acelerao da globalizao e as desigualdades na distribuio de renda entre os pases, que se

    acentuaram nas ltimas dcadas, foram mais devidos aos diferenciais de produtividade entre as economias

    do que o prprio movimento da globalizao. Para ele, medida que os pases se afastam das estruturas

    uniformemente agrcolas de um passado no muito distante, a amplitude do leque entre as economias de

    servios de inteligncia e, portanto de alta renda e as simples economias agrcolas de subsistncia ou

    de exportao de produtos primrios tende naturalmente a aumentar, sendo estas ltimas, no entanto, mais

    pobres hoje, no em virtude da globalizao que tende a mobilizar recursos e, portanto, a distribuir renda

    em escala planetria mas, a despeito dela, mais precisamente, em virtude de deficincias de crescimento e

    na administrao de suas polticas econmicas nacionais e setoriais (polticas agrcola, industrial, de cincia

    e tecnologia, etc.), que as levaram a marcar passo, quando no a regredir (como no caso da frica), na luta

    pela competitiva do capitalismo global. Afirma que a misso econmica da globalizao foi a de produzir

    maior quantidade de bens a custos continuamente mais baixos e que tanto as taxas de pobreza quanto o

    nmero de pobres decresceram dramaticamente: o critrio de um dlar por dia caiu de 20% em 1970 para

    apenas 5% em 1998 da populao mundial, finalizando seu raciocnio com a afirmativa de que os nicos,

    talvez, a perderem absolutamente seriam os trabalhadores pouco qualificados dos pases desenvolvidos e

    uma difusa classe mdia que sente que lhe sero retirados os benefcios do welfare state, sendo exatamente

    estes grupos que compem o grosso da massa mobilizada pelos movimentos da antiglobalizao: velhos

    sindicalistas e jovens de classe mdia.

    Com todo respeito e admirao que temos ao querido colega Paulo Roberto de Almeida, Doutor em

    Cincias Sociais e conceituado diplomata, e por mais que procuremos tratar o tema globalizao de forma

    neutra e cientfica, no podemos, nesse ponto, deixar de expressar nossa surpresa com posio to liberal,

    com certeza mais liberal do que a do prprio Fukuyama e da ingenuidade expressa em suas assertivas, no

    s por meio da transferncia da responsabilizao pelo fracasso dos pases subdesenvolvidos, os africanos,

    por exemplo, em se inserir no processo de globalizao em funo de deficincias em suas polticas

    agrcolas, industriais e de cincia e tecnologia, como se tais perspectivas e possibilidades estivessem ao seu

    alcance, mas, pior ainda, por meio da anlise equivocada de dados, como o ocorrido com a diminuio do

    percentual populacional abaixo da linha de pobreza absoluta (1 dlar ao dia), no levando em considerao

    que o poder de compra em 1970 de 1 dlar era infinitamente, em funo da depreciao inflacionria da

    moeda, superior ao registrado em 1998.

    Verifica-se o fim do multilateralismo. O comrcio realiza-se, principalmente, intrablocos (dentro da Unio

    Europia, do NAFTA, do Mercosul), havendo acirrado protecionismo interblocos, como demonstram os j

    inmeros Painis apresentados na Organizao Mundial do Comrcio OMC e uma constante disputa pelo

    acesso a novos e emergentes mercados.

    Est havendo um aumento expressivo no trfico de entorpecentes, uma vez que novos investimentos de

    capitais so apresentados como forma de lavagem de dinheiro obtido pelo narcotrfico e trfico de armas.

    Dessa forma, nos Estados mais desfavorecidos, cria-se uma forma de poder paralelo, financiado pelo trfico de

    entorpecentes. A ex-URSS, desmembrada em vrios Estados, e os pases da antiga rbita sovitica na Europa

    78 Vide http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/globalizacao_dh/dhglobal.html, consultado em 13 de agosto de 2006.

    79 Vide ALMEIDA, Paulo Roberto de. A Globalizao e seus benefcios: um contraponto ao pessimismo. In:___. MENEZES,

    Wagner (Org.). O Direito internacional e o direito brasileiro: homenagem a Jos Francisco Rezek. Iju: Ed. Uniju, 2004, p.

    272-284.

    LORENARealce

  • oriental enfrentam srios problemas econmicos e sociais com a transio do capitalismo. No caso da

    Federao Russa, a economia dominada por mfias que controlam negcios ilcitos como o contrabando de

    drogas e armas. Antigas reas destinadas ao cultivo agropecurio passaram a interessar-se pelo cultivo de

    substncias entorpecentes, destinadas ao abastecimento do mercado europeu e norte-americano, gerando no

    s uma alternativa econmica, mas tambm uma classe social que se beneficia de tais prticas,

    enfrentando e desestabilizando o poder poltico central e levando o pas a sucessivas crises econmicas e

    descumprimento de metas acordadas com o FMI.

    Os EUA firmam-se como a grande potncia mundial, com grande fora militar e econmica. Com base

    em seu peso poltico, nos principais organismos internacionais, como a ONU, FMI e Banco Mundial,

    influenciam polticas de intervenes em diversos pases no mundo. Com a cobertura de decises da ONU e

    da Organizao do Tratado Atlntico Norte (Otan), so realizadas incurses militares contra Estados cujas

    polticas so consideradas uma ameaa paz e segurana internaciona