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Signos e Metáforas na Comunicação da Música Luciana David de Oliveira Dissertação de Mestrado, COS/PUC-SP, 2007. Caio Anderson Ramires Cepp A obra aqui resenhada se refere à pesquisa de mestrado produzido por Oliveira, L. D. (2007), sob a orientação do Prof. Doutor Ivo Assad Ibri, apresentada à PUC-SP. A pesquisa traz como tema “a comunicação na música”, no sentido de entender metaforicamente 1 os signos que compõem a música. A autora traz como corpus, uma gravação de Arthur Moreira Lima, no CD “O Piano Brasileiro de Arthur Moreira Lima”, Vol. III – a obra executada na gravação é composta por Villa Lobos “Bachianas nº 4”, segundo a autora, “a escolha desta peça se dá por consistir um signo metafórico de Bach e da música brasileira”. Como corpus auxiliar, Oliveira convidou músicos especialistas na obra de Villa-Lobos, para dissertarem textos escritos, para que ela elaborasse o estudo dos interpretantes. A análise foi produzida sob a luz da semiótica de C. S. Peirce. Para isso, a autora inicia sua pesquisa partindo dos seguintes questionamentos, “o que os sons arranjados de forma musical, estão nos comunicando? Como a música comunica?”. O primeiro capítulo intitulado Música e Comunicação, Oliveira (2007), levanta três tópicos, As origens da Linguagem Musical, Algumas Discussões Acerca da Linguagem da Música, e Semiótica da Música. Um breve levantamento histórico sobre as origens da linguagem musical inicia o discurso. Segundo a autora, Schurmann (1989), distingue o sentido da linguagem musical em “linguagem musical e outra não- musical (linguagem verbal e não-verbal)” para então compreender outras artes. Oliveira traz Santaella (2001) para explica que toda estrutura do discurso musical parte de sintaxe da simultaneidade, sintaxe sonora, harmônica, textuais, espessas, sintaxes das linguagens visuais, e similares à língua. Assim, a autora aponta que Santaella (2001), atribui à música uma linguagem discursiva, o que originou a expressão “discurso musical”. No fim desta etapa, a autora traz a proposta de José Luiz Martinez sobre semiótica musical, em que utiliza as teorias de Peirce para o entendimento da representação e significação musical. Martinez estrutura sua proposta investigativa com 1 A autora aborda metáfora seguindo o conceito de Peirce. “Em síntese é a representação do caráter representativo (representamen) de um signo, e, ainda, a interação dos significados de dois signos, diversos. os conceitos” (OLIVEIRA, p.8, 2007).

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Signos e Metáforas na Comunicação da Música Luciana David de Oliveira

Dissertação de Mestrado, COS/PUC-SP, 2007.

Caio Anderson Ramires Cepp A obra aqui resenhada se refere à pesquisa de mestrado produzido por Oliveira,

L. D. (2007), sob a orientação do Prof. Doutor Ivo Assad Ibri, apresentada à PUC-SP.

A pesquisa traz como tema “a comunicação na música”, no sentido de entender

metaforicamente1 os signos que compõem a música. A autora traz como corpus, uma

gravação de Arthur Moreira Lima, no CD “O Piano Brasileiro de Arthur Moreira

Lima”, Vol. III – a obra executada na gravação é composta por Villa Lobos “Bachianas

nº 4”, segundo a autora, “a escolha desta peça se dá por consistir um signo metafórico

de Bach e da música brasileira”. Como corpus auxiliar, Oliveira convidou músicos

especialistas na obra de Villa-Lobos, para dissertarem textos escritos, para que ela

elaborasse o estudo dos interpretantes. A análise foi produzida sob a luz da semiótica de

C. S. Peirce. Para isso, a autora inicia sua pesquisa partindo dos seguintes

questionamentos, “o que os sons arranjados de forma musical, estão nos comunicando?

Como a música comunica?”.

O primeiro capítulo intitulado Música e Comunicação, Oliveira (2007), levanta

três tópicos, As origens da Linguagem Musical, Algumas Discussões Acerca da

Linguagem da Música, e Semiótica da Música. Um breve levantamento histórico sobre

as origens da linguagem musical inicia o discurso. Segundo a autora, Schurmann

(1989), distingue o sentido da linguagem musical em “linguagem musical e outra não-

musical (linguagem verbal e não-verbal)” para então compreender outras artes. Oliveira

traz Santaella (2001) para explica que toda estrutura do discurso musical parte de

sintaxe da simultaneidade, sintaxe sonora, harmônica, textuais, espessas, sintaxes das

linguagens visuais, e similares à língua. Assim, a autora aponta que Santaella (2001),

atribui à música uma linguagem discursiva, o que originou a expressão “discurso

musical”. No fim desta etapa, a autora traz a proposta de José Luiz Martinez sobre

semiótica musical, em que utiliza as teorias de Peirce para o entendimento da

representação e significação musical. Martinez estrutura sua proposta investigativa com

                                                                                                                         1  A autora aborda metáfora seguindo o conceito de Peirce. “Em síntese é a representação do caráter representativo (representamen) de um signo, e, ainda, a interação dos significados de dois signos, diversos. os conceitos” (OLIVEIRA, p.8, 2007).

o entrelaçar de três campos, semiótica musical intrínseca, referência musical e

interpretação musical.

No segundo capítulo, intitulado A Semiótica Peirciana e sua Aplicação na

Música, Oliveira (2007), traz os seguintes tópicos; Breve Introdução à Filosofia de

Peirce, Fenomenologia, Signo, Objeto e Interpretante. Nesta etapa a autora apresenta

uma síntese de toda a arquitetura filosófica de Peirce, e descreve a sistemática e a forma

como se inter-relacionam. Ela descreve que Peirce dividiu as ciências de forma

hierárquica, a divisão é feita da seguinte forma: Matemática (a mais abstrata), Filosofia,

que subdivide em Fenomenologia, responsável por estudar e classifica os fenômenos em

três categorias primeiridade, secundidade e terceiridade. Em seguida, Ciências

Normativas (ética, estética e lógica), onde se localiza a lógica e semiótica, e ainda é

dividida em Gramática Especulativa que, estuda a Teoria Geral dos Signos, ponto em

que a autora ancora sua pesquisa, estudando a classificação dos signos e a aplicação na

música. Por fim, vem a Metafisica, o que irá complementar a pesquisa.

O terceiro capítulo, intitulado O Signo Icônico e o Objeto da Música, Oliveira

nos apresenta dois tópicos, Realidade ou Ficção?, A Simetria Categorial e as Metáforas.

Oliveira inicia com a seguinte questão “Se o objeto determina o signo, o que então

determina o signo icônico, ou seja, o signo musical?”. Nesta perspectiva, Oliveira

(2007), descreve a relação do signo com seu objeto imediato, e a potencialidade que

alcança em um interpretante dinâmico. Segundo a autora, o signo icônico é mera

qualidade, possibilidade. A música é um signo de natureza icônica, representa a si

mesma através de uma materialidade sonora. Por ser um signo de possibilidades, a

música não tem um objeto definido, provoca várias formas possíveis de ser

interpretadas na mente de um ouvinte, devido às qualidades de primeiro, e liberdade em

sua potencialidade, o que é característico na ação do signo icônico.

Oliveira acredita que o signo vaga pela mente à procura de uma interpretação

possível. Os efeitos possíveis em uma mente interpretadora são três; emocional, quando

é mera qualidade de sentimento, mesmo que ainda vago. Energético (atua sobre o

signo), interação, dualidade, e Lógico, quando há uma racionalidade, generalidade.

Neste ponto que a autora puxa para o seguimento artístico, levando em conta o seguinte

questionamento, “Mas no caso do ícone, pode algo ser generalizado?”. Partindo disto,

uma discursão ontológica da arte é iniciada dando, margem para uma reflexão sobre o

que seria metáfora. Hausman (1989:226), explica que metáfora para Peirce é terceira

primeiridade, “uma representação de algo”, um algo que é estrutura de um paralelismo.

O que ela representa é o objeto dinâmico, que atende a uma função didática do

paralelismo representado pela metáfora, e o que ela exibe é o objeto imediato. “Essa

relação entre metáforas e referentes está presente tanto nas artes quanto na ciência”.

Fechando esta terceira etapa, Oliveira classifica a música no sistema tricotômico

de Peirce. A música é um sin-signo quando executada, é um existente, está presente,

aparece por uma materialidade sonora. Em relação ao signo em si, a música é um signo

de secundidade. Em relação a seu objeto, a música é um ícone, pois não tem relação

com seu objeto existente real, e sim com seu objeto fictício. Desta forma, a autora

descreve que, em relação ao seu objeto, a música é um signo de primeiridade, e no que

se refere ao interpretante, ela é remática, por produzir signos que são possibilidades

interpretativas, segundo seu caráter icônico, são hipotéticas. O rema é um signo de

primeira que se relaciona com o interpretante sugerindo o objeto dinâmico, que é criado

metaforicamente.

No quarto e último capítulo, intitulado A Metafisica como Signo Musical:

Análise Semiótica da “Bachianas Brasileiras nº4” de Heitor Villa-Lobos. Aqui a autora

levanta quatro tópicos, Contextualizando Villa-Lobos e Bach, As “Bachianas

Brasileiras”, Johann Sebastian Bach e Retornando Algumas Definições. Nesta etapa a

autora aplica as teorias elencadas nos capítulos anteriores. Mas antes, Oliveira faz um

breve levantamento histórico da vida de Villa-Lobos, e comenta sua aproximação

precoce com a música erudita, para ele “duas coisas pareciam-lhe comuns: Bach e a

música caipira”. No segundo momento, a autora descreve brevemente os conceitos

composicionais das “Bachianas Braslieiras”. Um breve levantamento histórico de

Johann Sebastian Bach. Após estas contextualizações históricas, a autora traz as

análises.

Na etapa das análises, Oliveira parte da primeira tricotomia, que se refere a

relação do signo em si (quali, sin, legi). No caso proposto pela autora, os quali-signos,

seriam as qualidades sonoras que constitui a gravação escolhida (Bachiana nº4), são os

timbres do piano, as sonoridades agudas e graves, o ritmo (ora lento, ora rápido),

dissonância, cromatismo, as dinâmicas, etc. Bem como, as qualidades expressas no

gesto do interpretante. A atmosfera musical de Bach e as características sonoras

brasileiras também são quali-signos. O sin-signo é a realidade da música, neste caso é a

reprodução do CD “O Piano Brasileiro de Arthur Moreira Lima”, Vol. III- Villa-Lobos,

Bachianas Brasileiras nº4/Ciclo Bralsileiro. O legi-signo pode ser descrito como

“Bachianas Brasileiras nº4”, pertence a um ciclo de nove peças, escrita por Heitor Villa-

Lobos, em 1930, etc. As descrições composicionais da época também se aplicam ao

legi-signo.

Seguindo ao signo em relação ao seu objeto, o ícone, por não ter referencia

alguma com seu objeto, como antes visto, apenas em aspectos abstratos, a autora o

relaciona como elementos da obra de Bach e de música folclórica. O índice pode ser

visto quando uma nota sensível indica a resolução na tônica, um acorde dominante pede

uma resolução no acorde fundamental. Já o símbolo, as Bachianas Brasileiras nª4,

possui como símbolo a obra de Bach, que indica ao estilo de música Barroco

protestante. O rema produz interpretantes hipotéticos, ou seja, o ouvinte não consegue

reconhecer a peça, identificar o autor, assim cria metáforas. Dicente, o interpretante

consegue identificar sem prévio conhecimento do que irá ouvir. O argumento é um

símbolo de lei, generalização, pensamento, em relação ao interpretante.

A autora ainda levando o ícone atual, o momento da fruição sonora, “a

percepção do fato acústico”, Oliveria diz que no caso da Bachianas, o ouvinte entra em

contato com os sons e percebe algo externo a consciência, buscando na mente uma

associação que provoque sentimentos. O hipi-ícone de primeiro nível surge na imitação

dos elementos rítmicos que estão na Bachianas, como por exemplo, do ritmo

nordestino, dança barroca (sarabanda), samba rural etc. Hipo-ícone de segundo nível,

Peirce o chama de diagrama. Oliveira diz que não foi observado este tipo de hipo-ícone

não foi observado na peça.

O hipo-ícone de terceiridade são as metáforas, esses signos representam uma

relação de significado com seu objeto, constituem a base de toda metalinguagem

musical. Surgem em três níveis: Paráfrase, Paródia, partem do diagrama, representam

o aspecto qualitativo, Martinez diz que são imitações de uma obra modelo. Caminahndo

ao objeto, Oliveira nos diz que “Bachianas nª 4” são paráfrase da obra de Bach, por ser

inspirada no modelo de composição de Bach. Segundo nível, Citação, existe a citação

no terceiro movimento “Ária (Cantiga)”, Villa-Lobos insere um tema de cantiga

nordestina. Terceiro nível, A referência alegórica, “ocorre quando o caráter

representativo do signo representa o símbolo”, para a autora este terceiro nível

representa as características típicas do gênero ou forma musical como representação,

que é forçado a interagir com outros signos, dando origem à metafisica. Ou seja, a obra

de Bach, modelo de música barroca, adaptado ao estilo moderno do compositor Villa-

Lobos, as progressões, os ritmos movimentos do baixo etc.

Sobre os objetos imediato e dinâmico, Oliveira os analisa sob três aspectos,

icônico, indicial e simbólico. O aspecto icônico (objeto imediato) se refere no modo

como o artista criou e organizou a obra, ou seja, no caso do CD, o modo como o

pianista Arthur Moreira Lima executa a peça musical, sua interpretação. O aspecto

indicial, se refere ao modo como os elementos musicais se referem a possíveis objetos

dinâmicos. O estilo da composição que nos remete à obra de Bach. Segundo a autora

pode ser visto com clareza no quarto e terceiro movimento da peça Bachiana n 4”,

elementos que remete ao objeto folclórico. O aspecto simbólico é aquele que se refere a

objetos possíveis, pode ser visto no encadeamento harmônico constante na obra de

Villa-Lobos. No caso do objeto, o “CD é um símbolo de uma era contemporânea e

digital, proporcionado pelo desenvolvimento tecnológico”

Sobre os interpretantes imediato, dinâmico e final, a autora aponta que há uma

predominância de efeito emocional pelo caráter icônico e metafórico da obra. Pelas

características internas da peça, ela pode ser considerada moderna. Por fim, o

interpretante final que é a infinita cadeia de interpretantes gerados pela peça tocada, sua

execução nos meios de difusão (no caso do CD), concertos etc. Gerando possíveis

interpretantes em toda sua permanência.