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SEXTA-FEIRA, 19 DE MAIO DE 2017 DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS 10 Negócios Indústria No primeiro trimestre, fábricas ensaiaram um início de retomada. Mas diante das incertezas que voltaram a rondar Brasília, a recuperação da indústria brasileira deve ser novamente adiada Setor produtivo pode ‘sangrar’ por mais um ano com nova crise política CENÁRIO Juliana Estigarríbia São Paulo [email protected] As fortes incertezas que per- meiam o atual cenário político brasileiro devem adiar ainda mais a recuperação da indús- tria. Após frágeis sinais de re- tomada no primeiro trimes- tre, agora os industriais podem sangrar por pelo me- nos mais um ano. Na avaliação do economis- ta-chefe do Instituto de Estu- dos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cag- nin, a indústria pode amargar mais um ano de recessão. “Até o momento, projetá- vamos um crescimento baixo para a indústria, abaixo de 1%. Mas, hoje, claramente o viés é de queda para 2017”, destacou o economista em entrevista ao DCI. De acordo com o econo- mista associado da Pezco Mi- croanalysis, João Costa, qual- quer desdobramento que possa ocorrer com a denún- cia que envolve o presidente Michel Temer deve impactar o mercado negativamente. “Inevitavelmente o investidor vai tirar o pé do acelerador.” O professor de economia do Ibmec/MG, Sérgio Guerra, aponta como um dos princi- pais riscos para o aprofunda- mento da crise da indústria a postura que deve ser adotada pelo Banco Central em rela- ção à queda da taxa básica de juros. Isso porque, segundo ele, os industriais contavam com a redução da Selic para diminuir a alavancagem e obter financiamentos. 10,6%. Neste sentido, o profes- sor do Ibmec explica que, ao longo do primeiro trimestre, o prognóstico para estas indús- trias foi positivo. “Agora, estes segmentos tendem a ser forte- mente impactados com a crise política”, esclarece. O economista do Iedi ressal- ta ainda que qualquer resulta- do da indústria considera uma base extremamente fraca. “O setor vinha saindo do verme- lho, mas isso não quer dizer que a recuperação vem logo em seguida. Podemos andar de lado por muito tempo.” A contenção de gastos e a recuperação da demanda, que estavam fragilmente melho- rando, agora devem voltar à pauta dos industriais. “Até on- tem, prevíamos um ano de es- tabilidade, ainda que sobre uma base fraca. Agora é difícil enxergar um cenário de me- lhora no curto prazo”, pondera o economista do Iedi. Ele acredita que o câmbio deve voltar a um movimento de forte oscilação e os bancos provavelmente vão ser mais cautelosos ao repassarem o custo de captação. “O spread bancário pode voltar a subir.” Costa, da Pezco, pontua que diferentemente do comércio e de serviços, a indústria vem re- duzindo seu quadro de funcio- nários já há algum tempo. “Os outros setores da econo- mia ainda possuem um pouco de gordura para queimar, mas os industriais não têm mais onde cortar”, comenta. Costa acrescenta que é bem possível que a indústria apresente con- tração novamente em 2017. “Resta saber por quanto tempo e qual será a intensidade dessa recessão. A indústria ainda vai sangrar por um tempo.” Plataforma de Libra chega ao Brasil PETRÓLEO E GÁS O FPSO Pioneiro de Libra, plataforma que deverá come- çar a produzir petróleo em ju- lho, em Teste de Longa Dura- ção (TLD) em uma das maiores jazidas do Brasil, che- gou na noite de quarta-feira (17) a águas territoriais brasi- leiras, informou ontem a OOGTK, dona da unidade. A chegada do FPSO, um ti- po de navio utilizado pela in- dústria petrolífera para a pro- dução, armazenamento de petróleo e/ou gás natural e escoamento dos produtos, estava prevista anteriormen- te para o final de maio, mas foi antecipada em dez dias, informou a OOGTK, uma joint venture formada pela Odebrecht Óleo e Gás (OOG) e a Teekay Offshore. A embarcação vai operar a serviço do consórcio formado pela Petrobras (operadora, com 40%), a francesa Total (20%), a anglo-holandesa Shell (20%), além das chinesas CNPC (10%) e a CNOOC Limi- ted (10%). “A viagem [da plataforma] começou com a saída do esta- leiro Jurong, em Cingapura, onde o FPSO foi construído. O planejamento rigoroso e as condições climáticas permiti- ram que a viagem transcorres- se com tranquilidade, mesmo em trechos mais sensíveis”, re- latou a OOGTK. Desde o batismo do FPSO, realizado em dezembro, a em- barcação passou por testes de comissionamento e de mar. Mais de mil atividades foram realizadas antes do embarque, entre elas, teste de inclinação e do sistema de propulsão. A unidade poderá atuar em lâmina d'água de até 2.400 me- tros de profundidade e terá ca- pacidade de produção de 50 mil barris de óleo por dia e de compressão e reinjeção de quatro milhões de metros cú- bicos de gás por dia, segundo um comunicado da OOGTK. A entrada em operação do FPSO deve colaborar ainda para equilibrar o fluxo de caixa da OOG, do grupo Odebrecht, cu- jas finanças foram atingidas pelos desdobramentos da Operação Lava Jato. A Petrobras também infor- mou, na noite de quarta, que iniciou a produção de petróleo e gás natural na área de Lula Sul, no pré-sal da Bacia de Santos, por meio do navio pla- taforma P-66, primeiro FPSO próprio do consórcio e sétima unidade do campo de Lula, após a obtenção da licença junto ao Ibama. /Reuters FPSO COMEÇARÁ A PRODUZIR PETRÓLEO EM JULHO “A equipe econômica do go- verno vinha sinalizando que o corte da taxa de juros depende da aprovação das reformas tra- balhista e da previdência”, ex- plica. “Agora, o risco dessas pautas não avançarem no Congresso é grande”, pontua. Segmentos Com o aprofundamento da cri- se política no País, os segmen- tos da indústria que devem ter o desempenho mais decepcio- nante são os de bens de capital e bens de consumo duráveis, amplamente dependentes de crédito. “Estes mercados são muito ligados à confiança, que deve ficar ainda mais abalada”, estima o economista do Iedi. Em nota, a Associação Brasi- leira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) de- clarou que “independente- mente do momento atual vivi- do no Brasil, o Poder Legislativo precisa dar conti- nuidade à agenda de reformas previdenciária, trabalhista, tri- butária e da medida provisória que trata do Programa de Re- cuperação Tributária (Refis).” Cagnin lembra que, de ja- neiro a março, a indústria de bens de capital cresceu 4,3% na comparação anual e, a de bens de consumo duráveis, DREAMSTIME A indústria de bens de capital poderá ser fortemente impactada com um novo revés na política brasileira DEPOIMENTO RAFAEL CAGNIN ECONOMISTA-CHEFE DO IEDI Sair do vermelho não significa recuperação. Nos últimos meses, a indústria brasileira apenas conseguiu estancar a queda que vinha registrando. Mas diante da fragilidade do cenário político e econômico no País, qualquer desempenho está sujeito a reveses. Ontem foi um exemplo claro disso.

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SEXTA-FEIRA, 19 DE MAIO DE 2017 � DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS10

Negócios I n d ú st r i a

No primeiro trimestre, fábricas ensaiaram um início de retomada. Mas diante das incertezas quevoltaram a rondar Brasília, a recuperação da indústria brasileira deve ser novamente adiada

Setor produtivo pode ‘sa n g ra r ’ pormais um ano com nova crise políticaCENÁRIO

Juliana EstigarríbiaSão [email protected]

� As fortes incertezas que per-meiam o atual cenário políticobrasileiro devem adiar aindamais a recuperação da indús-tria. Após frágeis sinais de re-tomada no primeiro trimes-tre, agora os industriaispodem sangrar por pelo me-nos mais um ano.

Na avaliação do economis-ta-chefe do Instituto de Estu-dos para o DesenvolvimentoIndustrial (Iedi), Rafael Cag-nin, a indústria pode amargarmais um ano de recessão.

“Até o momento, projetá-vamos um crescimento baixopara a indústria, abaixo de1%. Mas, hoje, claramente oviés é de queda para 2017”,destacou o economista ementrevista ao DCI.

De acordo com o econo-mista associado da Pezco Mi-croanalysis, João Costa, qual-quer desdobramento quepossa ocorrer com a denún-cia que envolve o presidenteMichel Temer deve impactaro mercado negativamente.“Inevitavelmente o investidorvai tirar o pé do acelerador.”

O professor de economiado Ibmec/MG, Sérgio Guerra,aponta como um dos princi-pais riscos para o aprofunda-mento da crise da indústria apostura que deve ser adotadapelo Banco Central em rela-ção à queda da taxa básica dejuros. Isso porque, segundoele, os industriais contavamcom a redução da Selic paradiminuir a alavancagem eobter financiamentos.

10,6%. Neste sentido, o profes-sor do Ibmec explica que, aolongo do primeiro trimestre, oprognóstico para estas indús-trias foi positivo. “Agora, estessegmentos tendem a ser forte-mente impactados com a crisep o l í t i c a”, esclarece.

O economista do Iedi ressal-ta ainda que qualquer resulta-do da indústria considera umabase extremamente fraca. “Osetor vinha saindo do verme-lho, mas isso não quer dizerque a recuperação vem logoem seguida. Podemos andar delado por muito tempo.”

A contenção de gastos e arecuperação da demanda, queestavam fragilmente melho-rando, agora devem voltar àpauta dos industriais. “Até on-tem, prevíamos um ano de es-tabilidade, ainda que sobreuma base fraca. Agora é difícilenxergar um cenário de me-lhora no curto prazo”, ponderao economista do Iedi.

Ele acredita que o câmbiodeve voltar a um movimentode forte oscilação e os bancosprovavelmente vão ser maiscautelosos ao repassarem ocusto de captação. “O s p re a dbancário pode voltar a subir.”

Costa, da Pezco, pontua quediferentemente do comércio ede serviços, a indústria vem re-duzindo seu quadro de funcio-nários já há algum tempo.

“Os outros setores da econo-mia ainda possuem um poucode gordura para queimar, masos industriais não têm maisonde cortar”, comenta. Costaacrescenta que é bem possívelque a indústria apresente con-tração novamente em 2017.“Resta saber por quanto tempoe qual será a intensidade dessarecessão. A indústria ainda vaisangrar por um tempo.”

Plataforma de Libra chega ao Brasil

PETRÓLEO E GÁS

� O FPSO Pioneiro de Libra,plataforma que deverá come-çar a produzir petróleo em ju-lho, em Teste de Longa Dura-ção (TLD) em uma dasmaiores jazidas do Brasil, che-gou na noite de quarta-feira(17) a águas territoriais brasi-leiras, informou ontem aOOGTK, dona da unidade.

A chegada do FPSO, um ti-po de navio utilizado pela in-dústria petrolífera para a pro-dução, armazenamento depetróleo e/ou gás natural eescoamento dos produtos,estava prevista anteriormen-te para o final de maio, masfoi antecipada em dez dias,informou a OOGTK, umajoint venture formada pelaOdebrecht Óleo e Gás (OOG)e a Teekay Offshore.

A embarcação vai operar aserviço do consórcio formadopela Pe t ro b ra s ( o p e ra d o ra ,com 40%), a francesa To t a l

(20%), a anglo-holandesa Sh e l l(20%), além das chinesasCNPC (10%) e a CNOOC Limi-ted (10%).

“A viagem [da plataforma]começou com a saída do esta-leiro Jurong, em Cingapura,onde o FPSO foi construído. Oplanejamento rigoroso e ascondições climáticas permiti-ram que a viagem transcorres-se com tranquilidade, mesmoem trechos mais sensíveis”, re-latou a OOGTK.

Desde o batismo do FPSO,realizado em dezembro, a em-barcação passou por testes decomissionamento e de mar.Mais de mil atividades foramrealizadas antes do embarque,entre elas, teste de inclinação edo sistema de propulsão.

A unidade poderá atuar emlâmina d'água de até 2.400 me-tros de profundidade e terá ca-pacidade de produção de 50mil barris de óleo por dia e decompressão e reinjeção dequatro milhões de metros cú-bicos de gás por dia, segundo

um comunicado da OOGTK. Aentrada em operação do FPSOdeve colaborar ainda paraequilibrar o fluxo de caixa daOOG, do grupo Odebrecht, cu-jas finanças foram atingidaspelos desdobramentos daOperação Lava Jato.

A Petrobras também infor-mou, na noite de quarta, que

iniciou a produção de petróleoe gás natural na área de LulaSul, no pré-sal da Bacia deSantos, por meio do navio pla-taforma P-66, primeiro FPSOpróprio do consórcio e sétimaunidade do campo de Lula,após a obtenção da licençajunto ao Ibama. /Re u t e r s

FPSO COMEÇARÁA PRODUZIR

P ET R Ó L E OEM JULHO

“A equipe econômica do go-verno vinha sinalizando que ocorte da taxa de juros dependeda aprovação das reformas tra-balhista e da previdência”, ex-plica. “Agora, o risco dessaspautas não avançarem noCongresso é grande”, pontua.

SegmentosCom o aprofundamento da cri-se política no País, os segmen-tos da indústria que devem tero desempenho mais decepcio-nante são os de bens de capitale bens de consumo duráveis,amplamente dependentes decrédito. “Estes mercados sãomuito ligados à confiança, que

deve ficar ainda mais abalada”,estima o economista do Iedi.

Em nota, a Associação Brasi-leira da Indústria de Máquinase Equipamentos (Abimaq) de-clarou que “independente-mente do momento atual vivi-do no Brasil, o PoderLegislativo precisa dar conti-nuidade à agenda de reformasprevidenciária, trabalhista, tri-butária e da medida provisóriaque trata do Programa de Re-cuperação Tributária (Refis).”

Cagnin lembra que, de ja-neiro a março, a indústria debens de capital cresceu 4,3%na comparação anual e, a debens de consumo duráveis,

D R E A M ST I M E

A indústria de bens de capital poderá ser fortemente impactada com um novo revés na política brasileira

DEPOIMENTO

RAFAEL CAGNINEC O N O M I STA- C H E F EDO IEDI

� Sair do vermelho nãosignifica recuperação. Nosúltimos meses, a indústriabrasileira apenas conseguiuestancar a queda que vinharegistrando. Mas diante dafragilidade do cenário políticoe econômico no País, qualquerdesempenho está sujeito areveses. Ontem foi umexemplo claro disso.