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Tomada de decisões em uma democracia: a Suprema Corte como uma entidade formuladora de políticas nacionais* Robert A. Dahl** * Tradução: Grupo Primacy Translations. Embora as notas de rodapé tenham sido modificadas para atender às normas da 17ª edição do The Bluebook, o restante do artigo aparece em sua forma original. Tradução realizada a partir do original: DAHL, Robert. Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy maker. Journal of Public Law, n o 6, 1957, p. 279-295. ** Professor honorário benemérito de ciências políticas da Universidade de Yale. Autor de A Preface to Democratic Theory (1956), Democracy and Its Critics (1989), entre outros trabalhos. Considerar a Suprema Corte dos Estados Unidos da América estritamente como uma instituição jurídica é subestimar sua importância no sistema político americano. Isso porque ela também se constitui em uma instituição política desti- nada a tomar decisões sobre questões polêmicas quanto à política nacional. Como instituição política, a Suprema Corte é altamente incomum, não somente porque os americanos não estão dispostos a aceitá-la como uma instituição política, mas porque são incapazes de negar tal fato, de modo que, frequentemente, tomamos as duas posições ao mesmo tempo. Trata-se de algo meio confuso para os estrangei- ros, divertido para os lógicos e gratificante para o americano comum que consegue ter o melhor dos dois mundos. I Uma decisão sobre política pública pode ser definida como uma escolha eficaz entre as alternativas sobre as quais há, pelo menos a princípio, alguma incerteza. Essa incerteza pode surgir devido a informações inadequadas sobre:

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  • Tomada de decises em uma democracia: a Suprema Corte como uma entidade formuladora de polticas nacionais*

    Robert A. Dahl**

    * Traduo: Grupo Primacy Translations. Embora as notas de rodap tenham sido modificadas para atender s normas da 17 edio do The Bluebook, o restante do artigo aparece em sua forma original. Traduo realizada a partir do original: DAHL, Robert. Decision-making in a democracy: the Supreme Court as a national policy maker. Journal of Public Law, no 6, 1957, p. 279-295.** Professor honorrio benemrito de cincias polticas da Universidade de Yale. Autor de A Preface to Democratic Theory (1956), Democracy and Its Critics (1989), entre outros trabalhos.

    Considerar a Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica estritamente como uma instituio jurdica subestimar sua importncia no sistema poltico americano. Isso porque ela tambm se constitui em uma instituio poltica desti-nada a tomar decises sobre questes polmicas quanto poltica nacional. Como instituio poltica, a Suprema Corte altamente incomum, no somente porque os americanos no esto dispostos a aceit-la como uma instituio poltica, mas porque so incapazes de negar tal fato, de modo que, frequentemente, tomamos as duas posies ao mesmo tempo. Trata-se de algo meio confuso para os estrangei-ros, divertido para os lgicos e gratificante para o americano comum que consegue ter o melhor dos dois mundos.

    IUma deciso sobre poltica pblica pode ser definida como uma escolha eficaz

    entre as alternativas sobre as quais h, pelo menos a princpio, alguma incerteza. Essa incerteza pode surgir devido a informaes inadequadas sobre:

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  • Revista de Direito Administrativo2

    a) as alternativas supostamente abertas;

    b)as consequncias que, provavelmente, surgiro a partir da escolha de uma dada alternativa;

    c)o nvel de probabilidade de que essas consequncias viro tona;

    d)o valor relativo das diferentes alternativas, ou seja, um ordenamento das alternativas que se inicia a partir das mais preferveis at as menos prefe-rveis, dadas as consequncias esperadas e a probabilidade esperada das consequncias que realmente ocorrem. Uma escolha eficaz uma seleo das alternativas mais preferveis acompanhadas por medidas que garan-tam que a alternativa selecionada ser trabalhada.

    Nesse sentido, imagino que ningum questionar a proposio de que a Su-prema Corte, ou mesmo qualquer corte ou tribunal, deva tomar decises sobre po-lticas pblicas. Porm, tal proposio no muito til para a questo em comento. O fundamental a medida na qual uma corte ou tribunal pode e toma decises sobre polticas pblicas desviando-se dos critrios jurdicos encontrados na ju-risprudncia, nas leis e na constituio. Nesse aspecto, a Suprema Corte ocupa posio peculiar, porque uma caracterstica essencial da instituio que, frequen-temente, seus membros decidem casos em que os critrios legais no so de forma alguma adequados tarefa. Recentemente, um renomado juiz da Suprema Corte descreveu as atividades desta da seguinte forma (Frankfurter, 1957:781-793):

    essencialmente correto dizer que a preocupao da Suprema Corte hoje com a aplicao de aspiraes um tanto bsicas e o que o Juiz Learned Hand chama de estado de esprito incorporado nas disposies como as clusulas de devido processo legal, que se destinam a no serem direes precisas e positivas para regras de atuao. O processo judicial em aplic-las envolve juzo de valor [...] ou seja, sobre as vises dos representantes dire-tos do povo no atendimento das necessidades da sociedade civil, sobre as vises dos presidentes e dos governadores, e por meio de sua interpretao da vontade do poder legislativo, a Suprema Corte respira vida, frgil e forte, nas pginas inertes da Constituio e nos livros normativos.

    Os processos encaminhados Suprema Corte envolvem frequentemente al-ternativas sobre as quais h graves desacordos entre os integrantes da sociedade civil, como no caso da segregao ou regulao econmica. Ou seja, a esfera pro-cessual poltica. Do mesmo modo, so casos em que os competentes estudiosos do direito constitucional, englobando at mesmo os experientes juzes da Suprema

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  • Tomada de Decises em uma Democracia 2

    Corte, entram em desacordo; em que as palavras da Constituio so gerais, vagas, ambguas ou no claramente aplicveis; em que a jurisprudncia pode ser encon-trada em ambos os lados; e em que os especialistas diferem na predio das conse-quncias das diversas alternativas ou no grau de probabilidade de que as possveis consequncias venham a ocorrer de fato. De forma tpica, em outras palavras, em-bora no haja consenso comum slido sobre as alternativas supostamente abertas (a), h um desacordo grave sobre as questes que influenciam as consequncias e as probabilidades (b) e (c), e as questes de valor, ou a forma como as diferentes alternativas devem ser ordenadas, de acordo com os critrios que estabelecem a preferncia relativa (d).

    Se a Suprema Corte fosse assumidamente considerada uma instituio pol-tica, determinados problemas no surgiriam porque entenderamos que os mem-bros dela resolveriam questes de fato e de valor por meio da introduo de hip-teses originadas a partir de suas prprias predisposies ou das predisposies de clientes e eleitores. Porm, tendo em vista que boa parte da legitimidade das de-cises tomadas pela Suprema Corte reside na fico de que ela no uma institui-o poltica, mas sim exclusivamente jurdica, a aceitao da Suprema Corte como uma instituio poltica resolveria uma srie de problemas custa do surgimento de outros. No entanto, se for verdade que a natureza dos casos trazidos Suprema Corte a mesma descrita, a Suprema Corte no poder atuar estritamente como uma instituio jurdica. Ela dever escolher entre as alternativas controversas da poltica pblica recorrendo a pelo menos alguns critrios de aceitabilidade sobre as questes de fato e de valor que no se encontram ou no podem ser deduzidas a partir da jurisprudncia, das leis e da Constituio. Nesse sentido, a Suprema Corte uma instituio formuladora de polticas nacionais e essa funo que d ensejo ao problema da existncia da Suprema Corte em um sistema poltico comu-mente considerado democrtico.

    Acredito que, com exceo das diferenas em termos de nfase e apresen-tao, o que disse at agora amplamente aceito por quase todos os cientistas polticos americanos e pela maioria dos advogados. Para qualquer indivduo que acredite que a Suprema Corte no , pelo menos em algumas de suas ativi-dades, uma instituio formuladora de polticas, a discusso que vir adiante pode parecer irrelevante. Mas para qualquer pessoa que acredite que pelo me-nos uma funo da Suprema Corte como uma instituio formuladora de po-lticas nos casos em que critrios estritamente jurdicos so inadequados, surge uma questo de peso e muito discutida: quem fica com o que e por qu? Ou em uma linguagem menos elegante: quais grupos so beneficiados ou ignorados pela Suprema Corte e como a alocao, por parte da Suprema Corte, dessas re-compensas e penalidades se ajusta no nosso sistema poltico presumidamente democrtico?

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  • Revista de Direito Administrativo28

    IIAo determinar e avaliar a funo da Suprema Corte, dois critrios diferentes

    e conflitantes so empregados. Esses critrios so: o da maioria e o do direito ou justia.

    Todas as divergncias sobre polticas pblicas podem ser testadas, pelo me-nos a princpio, pelo critrio da maioria, porque (novamente: a princpio) a diver-gncia pode ser analisada de acordo com o nmero de pessoas a favor e contra as diversas alternativas em questo, e, portanto, de acordo com as propores dos cidados ou membros elegveis a favor e contra as alternativas. Em termos lgicos, com exceo de um caso trivial, toda divergncia no mbito de determinada socie-dade pode ser uma divergncia entre a maioria dos membros elegveis a partici-par e uma minoria ou minorias; ou ento deve ser uma divergncia no mbito de uma minoria ou entre minorias.1 Dentro de certos limites, ambas as possibilidades so independentes do nmero de alternativas de polticas pblicas em questo. E visto que o argumento no significativamente afetado pelo nmero de alternati-vas, torna-se conveniente supor que cada conflito sobre poltica represente apenas duas alternativas.2

    Se todos preferirem uma das duas alternativas, no surgir nenhum problema significativo. Porm, improvvel que um caso seja conduzido Suprema Corte, a menos que uma pessoa prefira uma alternativa que seja impugnada por outra pes-soa. Em stricto sensu, no importa como a Suprema Corte atuar na determinao da legalidade ou constitucionalidade de uma alternativa, ou o desfecho da deciso tomada pela Suprema Corte deve:

    estar de acordo com as preferncias de uma minoria de cidados e contra as preferncias de uma maioria;

    1 Desde que o total de membros da sociedade civil seja nmero par, tecnicamente possvel que uma divergncia venha a dividir o nmero de membros em duas partes iguais, as quais no podero cons-tituir maioria ou minoria do nmero total de membros. Mesmo nas circunstncias em que o nmero de membros par (que deve ocorrer, na mdia, apenas em metade das vezes), a probabilidade de uma diviso igual, em qualquer grupo de milhares de pessoas, to pequena que pode ser ignorada.2 Suponhamos que o nmero de cidados ou membros elegveis a participar de decises coletivas seja n. Cumpre solicitar que cada membro indique sua alternativa preferida. bvio que o nmero mxi-mo das alternativas preferidas n. bvio tambm que se o nmero das alternativas preferidas maior ou igual a zero, no possvel obter maioria. Mas para todas as finalidades prticas, essas limitaes formais podem ser ignoradas se levarmos em conta que estamos lidando com uma grande sociedade, onde o nmero de alternativas em questo perante a Suprema Corte invariavelmente muito pequeno. Se o nmero de alternativas for maior que dois, teoricamente possvel que as preferncias sejam dis-tribudas para que nenhum desfecho seja compatvel com o critrio de maioria, mesmo quando todos os membros podem classificar todas as alternativas e quando h informaes perfeitas quanto s suas preferncias. Porm, essa dificuldade no influencia as discusses posteriores, sendo desconsiderada. Para analisar esse problema, consulte Joseph K. Arrow, Social Choice and Individual Values, 1951.

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  • Tomada de Decises em uma Democracia 29

    estar de acordo com as preferncias de uma maioria e contra as prefern-cias de uma minoria;

    estar de acordo com as preferncias de uma minoria e contra as prefern-cias de outra minoria, e o restante com atuao indiferente.

    Em um sistema democrtico com mais ou menos representatividade do Poder Le-gislativo desnecessrio manter um tribunal especial para garantir o segundo tipo de desfecho. Poder-se-ia argumentar que a Suprema Corte protege os direitos das maio-rias nacionais contra interesses locais em questes federais, mas pelo que me consta, a funo da Suprema Corte como formuladora de polticas pblicas nem sempre de-fendida dessa forma. Portanto, o que proponho adiante pularmos a delicada questo de federalismo e tratarmos apenas de maiorias e minorias nacionais. O terceiro tipo de desfecho, embora seja relevante de acordo com outros critrios, pouco relevante para o critrio da maioria e tambm pode ser deixado de fora.

    Uma viso influente da Suprema Corte, entretanto, que ela se constitui, de forma peculiar, como uma proteo das minorias contra a tirania das maiorias. No curso dos seus 167 anos, em 78 casos, a Suprema Corte impugnou 86 disposies diferentes da legislao federal como inconstitucionais3 e, por interpretao, mo-dificou diversas outras. Assim, possvel afirmar que em todos os casos, ou em inmeros, a Suprema Corte estava realmente defendendo os direitos de alguma minoria contra uma maioria tirana. No entanto, h dificuldades extremamente graves com essa interpretao das atividades conduzidas pela Suprema Corte.

    IIIUm problema de carter essencialmente ideolgico a dificuldade de conci-

    liar tal interpretao com a existncia de uma poltica democrtica, porque no

    3 Na verdade, a questo um tanto ambgua. Parece ter havido 78 casos nos quais a Suprema Corte con-siderou as disposies da legislao federal como inconstitucionais. Sessenta e quatro atos tecnicamente diferentes foram interpretados e 86 diferentes disposies legais foram invalidadas de alguma forma. Para isso, me baseio nos nmeros e na tabela apresentada na Library of Congress, Legislative Reference Service, Provisions of Federal Law Held Unconstitutional by the Supreme Court of the United States of America (Biblioteca do Congresso, Servio de Consulta Legislativa, Disposies da Legislao Federal Consideradas Inconstitucionais pela Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica) no 95, 1936, p. 141-47, aos quais adicionei Estados Unidos ex rel. Toth v. Quarles, 350 U.S. 11 (1955), e Estados Unidos v. Lovett, 328 U.S. 303 (1946). Existem algumas discrepncias nos totais (no atribuveis s diferenas nas datas de publicao) entre esse volume e a Library of Congress, Legislative Reference Service, Acts of Congress Held Unconstitutional in Whole or in Part by the Supreme Court of the United States of America (Biblioteca do Congresso, Servio de Consulta Legislativa, Atos do Congresso Considerados Inconstitucionais no Todo ou em Parte pela Suprema Corte dos Estados Unidos da Amrica). In: The Constitution of the United States of America: Analysis and Interpretation, Corwin (ed.), 1953. A diferena o resultado da classificao. O ltimo documento relaciona 73 leis consideradas inconstitucionais (Toth v. Quarles deve ser acrescentado), porm diferentes artigos da mesma lei so contados separadamente em alguns casos.

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    to difcil demonstrar, recorrendo a autoridades to distintas e imponentes como Aristteles, Locke, Rousseau, Jefferson e Lincoln, que o termo democracia signifi-ca, entre outras coisas, que o poder de deciso reside nas maiorias populares e seus representantes. Do mesmo modo, a partir de definies aceitveis e tradicionais

    de soberania popular e igualdade poltica, demonstra-se que o princpio da regra da maioria segue por necessidade lgica (Dahl, 1956, cap. 2). Assim, afirmar que a

    Suprema Corte apoia as preferncias da minoria contra a maioria negar que a so-berania popular e a igualdade poltica, pelo menos no sentido tradicional, existem nos Estados Unidos; e afirmar que a Suprema Corte deve agir desta forma negar que a soberania popular e a igualdade poltica devem prevalecer neste pas. Num pas que se autoglorifica em sua tradio democrtica, esse estado de coisas no

    favorvel para os defensores da Suprema Corte; e no de se espantar que grande esforo tenha sido empregado na comprovao de que, apesar de a Suprema Corte defender as minorias contra as maiorias, ela uma instituio completamente de-mocrtica. Contudo, nenhum tipo de adulterao da teoria democrtica poder esconder que um sistema no qual as preferncias de poltica pblica das minorias prevalecem sobre as maiorias vai de encontro aos critrios tradicionais que distin-guem uma democracia de outros sistemas polticos (Commager, 1943).

    Felizmente, no precisamos seguir pelo caminho percorrido por muitos, ten-do em vista que a viso da Suprema Corte como protetora das liberdades das mi-norias contra a tirania das maiorias est permeada por outras dificuldades que no

    so to ideolgicas como as questes de fato e lgica. Se desejarmos maior rigor sobre a questo, provavelmente seja impossvel demonstrar se as decises toma-das pela Suprema Corte vo ou no de encontro s preferncias de uma maioria nacional. Fica claro que a menos que tracemos algumas hipteses sobre o tipo de comprovao necessria para a existncia de uma srie de preferncias da minoria e da maioria entre a populao em geral, a viso em questo no poder ser com-provada de forma alguma. Em sentido estrito, no existe comprovao suficiente,

    porque pesquisas cientficas so de origem relativamente recente e eleies nacio-nais so pouco mais que uma indicao das primeiras preferncias de inmeros cidados (nos EUA, o nmero varia entre 40% e 60% da populao adulta) para certos candidatos a cargos pblicos. No quero dizer que no h relao entre as preferncias dos candidatos e as preferncias entre polticas pblicas alternativas, mas essa ligao altamente tnue e, com base em uma eleio, quase nunca possvel determinar se uma maioria apoia ou no apoia uma de duas ou mais alternativas de polticas sobre as quais os membros da elite poltica encontram-se divididos. Ao longo de toda a histria da Suprema Corte no h como estabelecer com alto grau de confiabilidade se determinada alternativa foi ou no apoiada por

    uma maioria ou minoria de adultos, ou votantes.

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    Na ausncia de informaes diretas, deparamos com testes indiretos. As 86 disposies da legislao federal declaradas inconstitucionais foram, obviamente, promulgadas pela maioria dos que votam no Senado e na Cmara, e que tambm obtiveram o aval do presidente. Portanto, falamos de uma maioria dos que votam na Cmara e no Senado, juntamente com o presidente, como uma maioria formada por legisladores. No fcil determinar se essa constelao de foras na esfera das elites polticas coincide com as preferncias de uma maioria de adultos americanos ou at mesmo com as preferncias de uma maioria dessa metade da populao adul-ta que, na mdia, vota nas eleies congressionais. As evidncias que obtivemos a partir de pesquisas de opinio sugerem que o Congresso no est to desalinhado com a opinio pblica, tampouco com os ndices de opinio pblica resultantes do descarte de respostas vindas de pessoas que se enquadram na categoria, frequente-mente inflada, rotulada de sem resposta ou no sei. Se pudssemos, nesse ter-reno um tanto irregular, considerar uma maioria formada por legisladores como equivalente a uma maioria nacional, seria possvel testar a hiptese de que a Su-prema Corte a espada e o escudo das minorias contra as maiorias nacionais.

    No mbito de qualquer hiptese plausvel sobre a natureza do processo pol-tico, pareceria ingnuo supor que a Suprema Corte iria ou poderia desempenhar o papel do Galaaz. Ao longo de toda a histria da Suprema Corte, na mdia, um novo juiz nomeado a cada dois meses. Assim, um presidente poder nomear dois novos juzes durante um mandato; e se isso no for suficiente para dar novo tom a uma Corte normalmente bem dividida, quase certo que ele consiga esse feito em dois mandatos. Dessa forma, Hoover foi nomeado trs vezes; Roosevelt, nove vezes; Truman, quatro; e Eisenhower teve quatro mandatos. Os presiden-tes no so famosos por nomear juzes hostis s suas prprias convices sobre polticas pblicas, tampouco podem garantir a confirmao de um homem cujas posies sobre questes primordiais vo, flagrantemente, de encontro s posies da maioria dominante no Senado. Os juzes geralmente so homens que, antes de serem nomeados, envolveram-se na vida pblica e se comprometeram publica-mente com as grandes questes cotidianas. Confome observou o juiz Frankfurter (1957:782-784), grande parte dos juzes, principalmente os que deixaram sua marca nas decises tomadas na Suprema Corte, tinha pouca ou nenhuma experincia ju-dicial. Nem tampouco os juzes muito menos os grandes juzes eram homens tmidos com obsesso por anonimato. De fato, no exagerado afirmar que se os juzes fossem nomeados fundamentalmente por suas qualidades judiciais, sem considerar suas atitudes bsicas sobre questes fundamentais relativas a polticas pblicas, a Suprema Corte no poderia desempenhar o papel influente que exerce no sistema poltico americano.

    Portanto, as vises dominantes sobre polticas pblicas na Suprema Corte nunca ficam por muito tempo desalinhadas como as vises que predominam entre

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    as maiorias formadas por legisladores dos Estados Unidos. Consequentemente, seria mais irreal supor que a Suprema Corte fosse, por anos e anos, se opor s principais alternativas buscadas por uma maioria formada por legisladores. Por bvio, as agonias judiciais no new deal rapidamente vm tona. Mas as dificulda-des de Roosevelt com a Suprema Corte foram verdadeiramente excepcionais. Pelo histrico da Suprema Corte, podemos afirmar que h uma chance a cada cinco de um presidente fazer uma nomeao para a Suprema Corte em menos de um ano, o que melhor do que uma a cada dois anos ou a cada trs anos. Roosevelt tinha uma falta de sorte incomum: ele precisou esperar quatro anos para sua primeira nomeao. A probabilidade desse longo intervalo 4:1. Com pouco de sorte, a batalha com a Suprema Corte nunca teria acontecido. Mesmo da forma como ocor-reu, embora a proposta de empacotamento da Suprema Corte no tenha surtido efeito do ponto de vista formal, ao final de seu segundo mandato, Roosevelt havia nomeado cinco novos juzes e, em 1941, o chefe de justia, Roberts, era o nico remanescente da era Hoover.

    Tabela 1O intervalo entre as nomeaes para a Suprema Corte

    Intervalo em anos

    Percentual do total de nomeaes (%)

    Percentual acumulado (%)

    Menos de 1 21 21

    1 34 55

    2 18 73

    3 9 82

    4 8 90

    5 7 97

    6 2 99

    12 1 100

    Total 100 100

    Observao: a tabela exclui as seis nomeaes feitas em 1789. Eliminando-se as quatro nomeaes mais recentes, a tabela se baseia nos dados encontrados na Encyclopedia of American History, 461-462 (Morris ed., 1953). Ela poder conter pequenas imprecises porque a fonte mostra apenas o ano da nomeao, no o ms. O intervalo de 12 anos compreende 1811 a 1823.

    Assim, espera-se que a Suprema Corte esteja menos propensa a ter xito no bloqueio de uma maioria formada por legisladores determinados e persistentes em uma poltica de grande porte e mais propensa a obter sucesso contra uma maioria

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    fraca, por exemplo, uma maioria apagada, transitria, frgil. Enfim, uma maio-ria unida por laos fracos perante uma poltica de importncia secundria.

    IVUma anlise dos casos nos quais a Suprema Corte considerou a legislao fe-

    deral como inconstitucional confirma, em geral, as nossas expectativas. Ao longo de toda a histria da Suprema Corte, aproximadamente metade das sentenas foi proferida mais de quatro anos depois que a legislao foi aprovada.

    Tabela 2Percentual dos casos considerados inconstitucionais ordenados por

    intervalos temporais entre a legislao e a sentena

    Nmero de anos

    Legislao do new deal (%)

    Outras (%)

    Toda a legislao (%)

    2 ou menos 92 19 30

    3 4 8 19 18

    5 8 0 28 24

    9 12 0 13 11

    13 16 0 8 6

    17 20 0 1 7

    21 ou mais 0 12 10

    Total 100 100 100

    Das 24 leis consideradas inconstitucionais num perodo de dois anos, 11 fo-ram medidas promulgadas na fase inicial do new deal. De fato, as medidas do new deal compem quase um tero de toda a legislao que nunca havia sido declarada inconstitucional em quatro anos aps a promulgao.

    Tabela 3Casos em que a legislao foi considerada inconstitucional em quatro

    anos aps a promulgao

    Nmero de anos

    Legislao do new deal (%)

    Outras (%)

    Toda a legislao (%)

    2 ou menos 11 29 13 34 24 63

    3 4 1 3 13 34 14 37

    Total 12 32 2 8 38 100

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    Torna-se esclarecedor examinar os processos em que a Suprema Corte agiu de acordo com a legislao em quatro anos aps sua promulgao. O que se presume, a maioria formada por legisladores no est necessariamente apagada. Dos 12 pro-cessos trabalhados durante o New Deal, dois deles eram triviais do ponto de vista de polticas pblicas e outros dois, embora no triviais, eram de menor importn-cia ao programa do new deal.4 Um quinto5 envolvia a Lei Nacional de Recuperao Industrial (National Industrial Recovery Act NIRA), que perderia sua validade em trs semanas depois da prolatao da sentena. Na medida em que as disposi-es inconstitucionais permitiam cdigos de competio justa estabelecidos por grupos industriais, torna-se justo afirmarmos que o presidente Roosevelt e seus assessores obtiveram parecer favorvel por uma sentena proferida pela Suprema Corte sobre uma poltica que eles julgaram altamente embaraosa. Tendo em vista a tenacidade com a qual Roosevelt abraava seu principal programa, no h dvi-da de que, se ele tivesse desejado alcanar o principal objetivo relativo s polticas envolvidas nos cdigos NIRA (como fez, por exemplo, com as disposies traba-lhistas), no teria sido impedido pela teoria especial da Suprema Corte sobre a Constituio. Quanto aos outros sete processos,6 torna-se totalmente correto dizer que qualquer coisa que os eminentes juzes tenham pensado durante seus rpidos momentos de glria, eles no conseguiram interpor uma barreira ao alcance dos objetivos da legislao; e, em alguns anos, grande parte da interpretao constitu-cional que pautava as sentenas foi varrida para debaixo do tapete sem qualquer cerimnia.

    Os outros 38 casos em que a Suprema Corte declarou a legislao inconstitu-cional num perodo de quatro anos da promulgao tendem a se enquadrar em dois grupos distintos: os que envolvem legislaes que poderiam tranquilamente ser consideradas relevantes do ponto de vista da maioria formada por legislado-res e os que envolvem legislao de menor importncia. Embora uma categoria se sobreponha outra, de modo que algumas legislaes devam ser classificadas de forma arbitrria, provavelmente existiro poucas objees em classificar disposi-es legislativas especficas em 11 casos como essencialmente de menor importn-

    4 Booth v. Estados Unidos, 291 U.S. 339 (1934), envolvia uma reduo na remunerao dos juzes apo-sentados. Lynch v. Estados Unidos, 292 U.S. 571 (1934), impugnou leis que concediam aos veteranos direitos a seguros renovveis anualmente; havia apenas 29 aplices em vigor em 1932. Hopkins Federal Savings & Loan Assn v. Cleary, 296 U.S. 315 (1935), concedeu permisso para que associaes estatais de financiamento construo se transformassem em associaes federais mediante votao de 51% ou mais de votos dados em assembleia formal. Ashton v. Cameron County Water Improvement District, 298 U.S. 513 (1936), permitia que os municpios ajuizassem peties de falncia em tribunais federais.5 Schechter Poultry Corp. v. Estados Unidos, 295 U.S. 495 (1935).6 Carter v. Carter Coal Co., 298 U.S. 238 (1936); Rickert Rice Mills v. Fontenot, 297 U.S. 110 (1936); Esta-dos Unidos v. Butler, 297 U.S. 1 (1936); Louisville Joint Stock Land Bank v. Radford, 295 U.S. 555 (1935); Railroad Retirement Board v. Alton R.R. Co., 295 U.S. 330 (1935); Perry v. Estados Unidos, 294 U.S. 330 (1935); Panama Refining Co. v. Ryan, 293 U.S. 388 (1935).

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    cia do ponto de vista da maioria formada por legisladores (mesmo considerando sua importncia como interpretaes constitucionais).7 As disposies legislativas especficas envolvidas nos outros 15 casos no so igualmente relevantes, porm, com uma possvel exceo, parece plausvel classific-las como questes de po-ltica de peso do ponto de vista da maioria formada por legisladores.8 Esperava-se que casos envolvendo polticas legislativas de grande porte fossem levados Suprema Corte mais rapidamente do que casos envolvendo polticas de pequeno porte e, como mostra a tabela 4, isso o que, de fato, acontece.9

    Tabela 4Nmero de casos que envolvem polticas legislativas e no as

    decorrentes do new deal que considerou a legislao inconstitucional em quatro anos aps sua promulgao

    Intervalo em anos

    Poltica de grande porte

    Poltica de menor porte Total

    2 ou menos 11 2 13

    3 4 4 9 13

    Total 15 11 2

    7 Estados Unidos v. Lovett, 328 U.S. 303 (1946); Untermyer v. Anderson, 276 U.S. 440 (1928); Evans v. Gore, 253 U.S. 245 (1920); Choate v. Trapp, 224 U.S. 665 (1912); Muskrat v. Estados Unidos, 219 U.S. 346 (1911); Rassmussen v. Estados Unidos, 197 U.S. 516 (1905); Fairbank v. Estados Unidos, 181 U.S. 283 (1901); Wong Wing v. Estados Unidos, 163 U.S. 228 (1896); Monongahela Navigation Co. v. Estados Uni-dos, 148 U.S. 312 (1893); Estados Unidos v. Dewitt, 76 U.S. (9 Wall.) 41 (1870); Gordon v. Estados Unidos, 69 U.S. (2 Wall.) 561 (1865). Observe que, embora as disposies legislativas especficas consideradas inconstitucionais tenham sido de menor relevncia, a legislao bsica pode ter envolvido uma poltica de maior importncia.8 Trusler v. Crooks, 269 U.S. 475 (1926); Washington v. Dawson & Co., 264 U.S. 219 (1924); Hill v. Wal-lace, 259 U.S. 44 (1922); Bailey v. Drexel Furniture Co., 259 U.S. 20 (1922); Weeds, Inc. v. Estados Unidos, 255 U.S. 109 (1921); Estados Unidos v. Cohen Grocery Co., 255 U.S. 81 (1921); Knickerbocker Ice Co. v. Stewart, 253 U.S. 149 (1920); Eisner v. Macomber, 252 U.S. 189 (1920); Hammer v. Dagenhart, 247 U.S. 251 (1918); Keller v. Estados Unidos, 213 U.S. 138 (1909); The Employers Liability Cases, 207 U.S. 463 (1908); Pollock v. Farmers Loan & Trust Co., 157 U.S. 429 (1895), rehg granted 158 U.S. 601 (1895); Esta-dos Unidos v. Klein, 80 U.S. (13 Wall.) 128 (1872); Ex parte Garland, 71 U.S. (4 Wall.) 333 (1867).9 a) Trusler v. Crooks, 269 U.S. 475 (1926); Washington v. Dawson & Co., 264 U.S. 219 (1924); Hill v. Wallace, 259 U.S. 44 (1922); Bailey v. Drexel Furniture Co., 259 U.S. 20 (1922); Knickerbocker Ice Co. v. Stewart, 253 U.S. 149 (1920); Hammer v. Dagenhart, 247 U.S. 251 (1918); Keller v. Estados Unidos, 213 U.S. 138 (1909); Employers Liability Cases, 207 U.S. 463 (1908); Pollock v. Farmers Loan &Trust Co., 157 U.S. 429 (1895); b) Estados Unidos v. Klein, 80 U.S. (13 Wall.) 128 (1872); Ex parte Garland, 71 U.S. (4 Wall.) 333 (1867); c) Weeds, Inc. v. Estados Unidos, 255 U.S. 109 (1921); Estados Unidos v. Cohen Grocery Co., 255 U.S. 81 (1921); Eisner v. Macomber, 252 U.S. 189 (1920); d) Evans v. Gore, 253 U.S. 245 (1920); Gordon v. Estados Unidos, 69 U.S. (2 Wall.) 561 (1865); e) Estados Unidos v. Lovett, 328 U.S. 303 (1946); Choate v. Trapp, 224 U.S. 665 (1912); Muskrat v. Estados Unidos, 219 U.S. 346 (1911); Rassmussen v. Estados Unidos, 197 U.S. 516 (1905); Fairbank v. Estados Unidos, 181 U.S. 283 (1901); Wong Wing v. Estados Unidos, 163 U.S. 228 (1896); Monongahela Navigation Co. v. Estados Unidos, 148 U.S. 312 (1893); Estados Unidos v. Dewitt, 76 U.S. (9 Wall.) 41 (1870); f) Untermyer v. Anderson, 276 U.S. 440 (1928).

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    Assim, uma maioria formada por legisladores com objetivos de maior por-te em termos de polticas pblicas geralmente tem a oportunidade de encontrar meios de passar por cima do veto da Suprema Corte. Um fato interessante e alta-mente significativo que o Congresso e o presidente geralmente conseguem pas-sar por cima de uma Corte hostil em questes de grandes polticas pblicas.

    Tabela 5Tipo de medida congressional em apoio s decises da Suprema Corte quanto inconstitucionalidade da legislao num perodo de quatro

    anos aps a promulgao (exceto a legislao do new deal)

    Medida congressional

    Poltica de grande porte

    Poltica de menor porte Total

    Reverso da poltica da Suprema Corte

    10(a) 2(d) 12

    Mudanas na prpria poltica

    2(b) 0 2

    Nenhuma 0 8(e) 8

    Obscura 3(c) 1(f) 4

    Total 15 11 2

    Observao: para os casos em cada categoria, ver nota 9.

    Importante analisarmos os casos que envolvem polticas de grande relevn-cia. Nos dois casos que envolvem legislaes punitivas promulgadas por congres-sos radicais republicanos contra os defensores da confederao durante a Guerra Civil, a Corte enfrentou maioria avassaladora, cujo beijo da morte como uma po-derosa fora nacional foi dado com a eleio de 1876.10 Trs casos so difceis de classificar e, por isso, os rotulei como obscuros. Dos casos obscuros, dois foram decises tomadas em 1921 envolvendo uma emenda de 1919 Lei Lever, destina-da a controlar os preos.11 A legislao era importante e a disposio em questo foi claramente derrubada, porm, a Lei Lever expirou trs dias aps a deciso e o Congresso voltou ao assunto de controle de preos at a Segunda Guerra Mundial, quando no passou por nenhuma dificuldade constitucional resultante desses ca-sos (que se tratavam, basicamente, da falta de um padro de culpa comprovvel). O terceiro caso nessa categoria conseguiu eliminar os dividendos de aes do es-

    10 Estados Unidos v. Klein, 80 U.S. (13 Wall.) 128 (1872); Ex parte Garland, 71 U.S. (4 Wall.) 333 (1867).11 Weeds, Inc. v. Estados Unidos, 255 U.S. 109 (1921); Estados Unidos v. Cohen Grocery Co., 255 U.S. 81 (1921).

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    copo da 16 Emenda, embora um ano depois de o Congresso ter promulgado a legislao que tributava a renda real advinda dessas aes.12

    Os outros dez casos foram definitivamente seguidos por uma reverso dos reais resultados produzidos pela poltica instaurada pela Suprema Corte, em-bora no necessariamente da interpretao constitucional especfica. Em quatro casos,13 as consequncias da poltica instaurada por deciso da Suprema Corte foram revertidas em menos de um ano. As outras seis precisavam de longa ba-talha. A poltica de remunerao de trabalhadores martimos e porturios foi invalidada pela Suprema Corte em 1920.14 Em 1922, o Congresso aprovou uma lei que foi, por sua vez, derrubada pela Corte em 1924.15 Em 1927, o Congresso aprovou uma terceira lei, que finalmente foi promulgada em 1932.16 Os notrios casos de imposto de renda,17 de 1895, foram restringidos pela prpria Corte.18 A 16 Emenda foi recomendada, uns 18 anos aps as decises da Corte, pelo presidente Taft em 1909 e ratificada em 1913. Os dois casos de trabalho infantil representam a batalha mais eficaz travada pela Suprema Corte contra formula-dores de polticas legislativas. A legislao original que proibia o trabalho infan-til, tendo como base a clusula do comrcio, foi aprovada em 1916 como parte do New Freedom, do presidente Wilson. Assim como Roosevelt em um momento posterior, Wilson teve pouca sorte em suas nomeaes Suprema Corte, ten-do feito apenas trs nomeaes durante seus oito anos de mandato, sendo uma dessas nomeaes desperdiada, do ponto de vista poltico, em McReynolds. Se McReynolds tivesse votado certo, a batalha travada em torno do problema do trabalho infantil no teria ocorrido porque a deciso de 1918 foi tomada por uma Corte dividida por cinco contra quatro e McReynolds votando a favor da maioria.19 O Congresso se articulou para driblar a deciso pelo poder fiscal, mas, em 1922, a Corte bloqueou a estratgia.20 Em 1924, o Congresso voltou ativa com uma emenda constitucional mais do que depressa endossada por diversos membros do poder legislativo antes de comear a encontrar infladas resistncias, o que frustrou a empreitada. Em 1938, sob o comando de um segundo presidente reformista, uma nova legislao foi aprovada 22 anos aps a primeira; esta, acei-

    12 Eisner v. Macomber, 252 U.S. 189 (1920).13 Truster v. Crooks, 269 U.S. 475 (1926); Hill v. Wallace, 259 U.S. 44 (1922); Keller v. Estados Unidos, 213 U.S. 138 (1909); The Employers Liability Cases, 207 U.S. 463 (1908).14 Knickerbocker Ice Co. v. Stewart, 253 U.S. 149 (1920).15 Washington v. Dawson & Co., 264 U.S. 219 (1924).16 Crowell v. Benson, 285 U.S. 22 (1932).17 Pollock v. Farmers Loan & Trust Co., 157 U.S. 429 (1895).18 Flint v. Stone Tracy Co., 220 U.S. 107 (1911); Patton v. Brady, 184 U.S. 608 (1902); Knowlton v. Moore, 178 U.S. 41 (1900); Nicol v. Ames, 173 U.S. 509 (1899).19 Hammer v. Dagenhart, 247 U.S. 251 (1918).20 Bailey v. Drexel Furniture Co., 259 U.S. 20 (1922).

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    ta por uma Corte castigada em 1941,21 dando fim a uma batalha que durou um quarto de sculo.

    Todo o registro do duelo entre a Corte e a maioria formada por legisladores, nos casos em que a Suprema Corte considerou a legislao inconstitucional num perodo de quatro anos aps a promulgao, est sintetizado na tabela 6.

    Tabela 6Tipo de medida congressional aps as decises da Suprema Corte

    quanto inconstitucionalidade da legislao num perodo de quatro anos aps a promulgao (incluindo a legislao do new deal)

    Medida congressional

    Poltica de grande porte

    Poltica de menor porte Total

    Reverso da poltica da Suprema Corte

    17 2 19

    Nenhuma 0 12 12

    Obscura 6* 1 7

    Total 23 15 38

    * Alm das medidas constantes da tabela 5 sob a rubrica.

    Assim, a aplicao do critrio da maioria parece demonstrar o seguinte: em primeiro lugar, se a Corte realmente favorece as minorias contra as maiorias na-cionais, como seus defensores e crticos costumam acreditar, ela passa a ser uma instituio extremamente anmala do ponto de vista democrtico. Em segundo lugar, as sofisticadas racionalizaes democrticas dos defensores da Corte e a hostilidade de seus crticos democrticos so, sem dvida, irrelevantes porque as maiorias formadas por legisladores geralmente fazem o que bem entendem. Em terceiro lugar, embora a Corte aparente nunca ter tido xito em oferecer resistncia por tempo indeterminado, em pouqussimos casos ela postergou a aplicao da poltica por interminveis 25 anos.

    VComo possvel avaliar as decises do terceiro tipo descrito? Mencionei ante-

    riormente o critrio do direito ou justia como uma norma por vezes aludida para descrever o papel da Corte. De acordo com essa norma, pode-se dizer que a funo mais importante da Suprema Corte, em termos de polticas pblicas, proteger os

    21 Estados Unidos v. Darby, 312 U.S. 100 (1941).

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    direitos bsicos ou de carter fundamental. Assim (e o argumento continua), em um pas onde os direitos bsicos so, em termos gerais, respeitados, no se pode esperar uma quantidade significativa de casos em que a Suprema Corte teve que se posicionar firmemente contra uma maioria formada por legisladores. Contudo, as maiorias podem, em raras ocasies, se tornar tiranas. E quando isso ocorre, a Suprema Corte intervm. Embora a questo constitucional possa, em sentido es-trito, ser tecnicamente aberta, a Constituio assume um pano de fundo composto por uma srie de direitos e liberdades que a Suprema Corte garante por meio de suas decises.

    Mais uma vez, entretanto, mesmo sem analisar os casos reais na esfera po-ltica, parece um tanto irreal supor que a Suprema Corte, cujos integrantes so recrutados da mesma forma que seus juzes, favorea por muito tempo as normas de direito ou justia, contrariando substancialmente os interesses do restante da elite poltica. Alm do mais, se fosse em outras pocas, talvez pudesse ser mais fcil acreditar que certos direitos sejam to naturais e evidentes, que sua validade fundamental muito mais uma questo de conhecimento definido, pelo menos para todas as criaturas normais, assim como a cor de uma ma verde verde. Dizer que essa viso dificilmente encontraria defensores articulados nos dias de hoje obviamente no significa refut-la. Significa sugerir que no precisamos nos debruar sobre argumentos contra ela neste ensaio.

    Impossvel encontrar qualquer contradio nessa viso da Suprema Corte, como sugerida nos registros supra das decises da Corte. Por certo, os seis casos descritos, em que os resultados das polticas pblicas instauradas pela Corte fo-ram derrubados somente aps longas batalhas, no iro apetecer a muitas mentes modernas como comprovao da proposio em tela. Um direito natural de em-pregar o trabalho infantil em usinas e minas? Receber iseno federal do imposto de renda? Empregar trabalhadores martimos e porturios sem a proteo da re-munerao do trabalhador? A prpria Corte no contou com essas indagaes. A reconstruo nessas linhas no representaria nenhum crdito.

    At aqui, nossos pontos de comprovao foram extrados de casos nos quais a Corte considerou a legislao inconstitucional num perodo de quatro anos aps a promulgao. O que se pode dizer dos outros 40 casos? Ser que esses casos nos fornecem provas de que a Corte protegeu direitos e liberdades bsicas ou naturais contra a influncia opressiva da tirania exercida pelos legisladores? As evidncias impressionam. Em toda a histria da Suprema Corte no h nenhum caso regi-do de acordo com a 1 Emenda na qual a Suprema Corte considerou a legislao inconstitucional. Se olharmos para essas liberdades bsicas (religio, expresso, imprensa e associao) encontraremos diversos casos menos que dez de-correntes da 4 Emenda e da 7 Emenda nos quais a Suprema Corte declarou leis inconstitucionais que poderiam perfeitamente ser consideradas leis que envolvem

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    certas liberdades bsicas.22 Uma anlise desses casos deixa a impresso de que, em todas as leis, os legisladores e a Suprema Corte no estavam to distantes e, alm disso, no parece que as condies bsicas da liberdade nesse pas sofreram alte-raes imperceptveis como resultado dessas decises. Contudo, daremos crdito Suprema Corte, o que j o suficiente.

    Em contraposio a essas decises, devemos colocar os 15 casos, ou mais, nos quais a Suprema Corte utilizou as protees da 15 Emenda, da 13 Emenda e da 14 Emenda para resguardar os direitos e liberdades de um grupo relativamente privilegiado custa dos direitos e liberdades de um grupo submerso: principal-mente os donos de escravos custa dos escravos,23 brancos custa de negros e pobres custa de assalariados,24 entre outros grupos.25 Todos esses casos, ao con-trrio dos relativamente incuos do grupo anterior, envolviam as liberdades de importncia legitimamente fundamental, em que uma poltica oposta significava as mudanas bsicas na distribuio de direitos, liberdades e oportunidades nos EUA, em que, alm disso, as polticas pblicas apoiadas pela ao da Suprema Corte foram repudiadas em todas as naes civilizadas no mundo ocidental, in-cluindo o nosso. Ainda assim, se o argumento apresentado anteriormente estiver correto, torna-se intil exatamente porque a distribuio de privilgios estava em questo supor que a Suprema Corte talvez pudesse ter agido nessas reas da poltica pblica de forma muito diferente da que ela agiu.

    VIAssim, o papel da Suprema Corte como instituio formuladora de polticas

    pblicas no simples; e um erro supor que as funes podem ser descritas ou avaliadas por meio de conceitos simples extrados de teorias democrticas ou mo-rais. No entanto, possvel se chegar a concluses gerais sobre a funo da Supre-ma Corte como uma instituio formuladora de polticas pblicas.

    22 Os candidatos para essa categoria poderiam ser Estados Unidos ex rel. Toth v. Quarles, 350 U.S. 11 (1955); Estados Unidos v. Moreland, 25S U.S. 433 (1922); Weeds, Inc. v. Estados Unidos, 255 U.S. 109 (1921); Estados Unidos v. Cohen Grocery Co., 255 U.S. 81 (1921); Rassmussen v. Estados Unidos, 197 U.S. 516 (1905); Kirby v. Estados Unidos, 1A U.S. 47 (1899); Wong Wing v. Estados Unidos, 163 U.S. 228 (1896); Boyd v. Estados Unidos, 116 U.S. 616 (1886); e Justices of the Supreme Court v. Murray, 76 U.S. (9 Wall.) 274 (1870).23 Dred Scott v. Sandford, 60 U.S. (19 How.) 393 (1857).24 Butts v. Merchants & Miners Transportation Co., 230 U.S. 126 (1913); Hodges v. Estados Unidos, 203 U.S. 1 (1906); James v. Bowman, 190 U.S. 127 (1903); Baldwin v. Franks, 120 U.S. 678 (1887); Estados Unidos v. Stanley (The Civil Rights Cases), 109 U.S. 3 (1883); Estados Unidos v. Harris, 106 U.S. 629 (1883); Estados Unidos v. Reese, 92 U.S. 214 (1876).25 Louisville Joint Stock Land Bank v. Radford, 295 U.S. 555 (1935); Heiner v. Donnan, 285 U.S. 312 (1932); Untermyer v. Anderson. 276 U.S. 440 (1928); Nichols v. Coolidge, 274 U.S. 531 (1927); Adkins v. Childrens Hospital, 261 U.S. 525 (1923); Adair v. Estados Unidos, 208 U.S. 161 (1908); Monongahela Navigation Co. v. Estados Unidos, 148 U.S. 312 (1893).

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    A poltica nacional nos EUA, como em outras democracias estveis, domi-nada por alianas relativamente coesas que resistem por longos perodos. fcil lembrar a aliana de Jefferson, de Jackson, a duradoura dominao republicana dos anos ps-Guerra Civil, e a aliana new deal formada por Franklin Roosevelt. Cada uma delas marcada por uma interrupo nas polticas passadas, um pe-rodo de lutas intensas, seguidas pela consolidao e, por fim, pela dissoluo e desintegrao da aliana.

    Excetuando-se os longos perodos de transio, quando a antiga aliana se desintegrava e a nova luta para tomar o controle das instituies polticas reapa-recia, a Suprema Corte inevitavelmente uma parte da aliana nacional domi-nante. Como um elemento na liderana poltica da aliana nacional, a Suprema Corte apoia as principais polticas da aliana. Por si s, a Suprema Corte fica qua-se sem foras para atingir o curso da poltica nacional. Na ausncia de acordos slidos no mbito da aliana, uma tentativa por parte da Suprema Corte de for-mular polticas nacionais est propensa a ter consequncias desastrosas, como mostram a deciso Dred Scott e os casos do new deal. Sem dvida alguma, os casos das ltimas trs dcadas, envolvendo a liberdade dos negros, culminando na famosa deciso sobre a integrao escolar, so excees a essa generalizao. Esse tema ser visto mais adiante.

    A Suprema Corte, porm, no simplesmente um agente da aliana. Ela par-te essencial da liderana poltica e possui algumas alianas prprias de poder das quais a mais importante a legitimidade singular atribuda s suas interpretaes da Constituio. A Suprema Corte pe em risco essa legitimidade caso se oponha claramente s principais polticas da aliana dominante. Tal atitude, como vimos, normalmente no uma que atraia a Suprema Corte.

    Ocorre que dentro dos limites estreitos estabelecidos pelas metas bsicas de polticas pblicas, a Suprema Corte pode formular polticas pblicas nacionais. Seus critrios, portanto, no so opostos aos de um poderoso presidente do co-mit de um congresso que no pode, em termos gerais, anular as polticas bsicas substancialmente aprovadas pelo restante da liderana dominante, mas que pode, dentro desses limites, determinar importantes questes sobre temporalidade, efi-ccia e polticas secundrias. Assim, a Suprema Corte menos eficaz contra uma maioria formada por legisladores e, evidentemente, menos inclinada a agir. Ela mais eficaz quando estabelece os limites das polticas pblicas para oficiais, agn-cias, governos estaduais ou at mesmo regies, uma tarefa que se estruturou, em grande parte, sobre as atividades da Suprema Corte.26

    26 Direito constitucional e casos com vieses constitucionais so, obviamente, muito importantes, com quase um quarto dos casos nos quais pareceres escritos foram protocolados [nos dois mandatos mais recentes] envolvendo essas questes. Anlise de medida administrativa [...] constitui a maior categoria

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    Poucas decises tomadas pela Suprema Corte que tratam de polticas pblicas podem ser interpretadas de forma sensata em termos de uma maioria versus uma minoria. Nesse aspecto, a Suprema Corte no diferente do restante da liderana poltica. Em termos gerais, as polticas pblicas na esfera nacional so o resultado de conflitos, negociaes e acordos entre as minorias; o processo no nem determinado pela minoria, nem pela maioria e sem o que pode ser chamado de determinao das minorias, em que um grupo de minorias alcana as polticas opostas por outro grupo.

    O principal objetivo da liderana presidencial construir um grupo estvel e dominante de minorias com uma alta probabilidade de ganhar a presidncia e uma ou as duas cmaras do Congresso. A principal tarefa da Suprema Corte conferir legitimidade s polticas bsicas da coalizo que logrou xito. s vezes, a coalizo instvel no que diz respeito a certas polticas-chave. Pondo em risco seus pode-res de legitimidade, a Corte pode intervir nesses casos e at mesmo lograr xito no estabelecimento de polticas pblicas. Provavelmente nesses casos ela pode ter sucesso apenas se suas aes estiverem de acordo e reforarem um grupo macio de normas explcitas ou implcitas defendidas pela liderana poltica; normas que no so fortes o suficiente ou no so distribudas de forma a garantir a existncia de uma maioria formada por legisladores, mas que so suficientemente podero-sas para impedir qualquer ataque bem-sucedido nos poderes de legitimidade da Corte. Essa , provavelmente, a explicao do trabalho bem-sucedido da Suprema Corte em ampliar a liberdade dos negros para votar nas ltimas trs dcadas e em suas famosas decises sobre a integrao escolar.27

    No entanto, a Suprema Corte muito mais do que isso. Considerada um sis-tema poltico, a democracia uma srie de procedimentos bsicos para se che-gar a decises. A operao desses procedimentos pressupe a existncia de certos direitos, obrigaes, liberdades e restries. Em suma, certos padres comporta-mentais. A existncia desses padres comportamentais, por sua vez, pressupe o acordo amplamente divulgado (particularmente entre os segmentos politicamente ativos e influentes da populao) sobre a validade e a adequao do comporta-mento. Embora seu registro no esteja destitudo de graves marcas, a Suprema Corte faz o seu melhor para conferir legitimidade, no simplesmente sobre as po-lticas particulares e restritas da aliana poltica dominante, mas sobre os padres comportamentais bsicos necessrios para a operao de uma democracia.

    do trabalho da Suprema Corte, composto por um tero dos casos com julgamento de mrito. As ou-tras [...] categorias de processos judiciais [...] todas envolvem questes de direito pblico (Frankfurter, 1957:793).27 Boiling v. Sharpe, 347 U.S. 497 (1954); Brown v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954); Smith v. Allwright, 321 U.S. 649 (1944); Estados Unidos v. Classic, 313 U.S. 299 (1941); Grovey v. Townsend, 295 U.S. 45 (1935); Rice v. Elmore, 165 F.2d 387 (4th Cir. 1947).

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