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2.6 As novas exigências teóricas, metodológicas e operacionais da formação profissional na contemporaneidade Marieta Koike Introdução 1.Novos Significados da Formação Profissional 2.Formulação das Diretrizes Curriculares 3.A Avaliação da Formação Profissional 4.O Novo Projeto da Formação Profissional Desafios à Formação Profissional Referências Bibliográficas Lídia Bezerra Zanella Serviço Social Matrícula: 107395473 1

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TEXTO: As novas exigências teóricas, metodológicas e operacionais da formação profissional na contemporaneidade - AUTORA: MARIETA KOIKE

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Page 1: SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE - MARIETA KOIKE

2.6 As novas exigências teóricas, metodológicas e operacionais da formação profissional na contemporaneidade

Marieta Koike

Introdução1.Novos Significados da Formação Profissional

2.Formulação das Diretrizes Curriculares3.A Avaliação da Formação Profissional

4.O Novo Projeto da Formação ProfissionalDesafios à Formação Profissional

Referências Bibliográficas

Lídia Bezerra Zanella Serviço SocialMatrícula: 107395473 1

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(p.103)

I n t r o d u ç ã o

A formação profissional dos assistentes sociais no país tem ocupado espaço privilegiado nos debates e estudos promovidos pela categoria. Nos anos 90, particularmente, esse debate tem sido sistemático por visar a elaboração de um novo projeto para a formação dos profissionais.

O objetivo deste texto é analisar a importância da capacitação profissional do assistente social para enfrentar os desafios da realidade brasileira contemporânea e traçar criticamente os rumos da profissão. Estão presentes as iniciativas recentemente empreendidas pelas unidades acadêmicas para redefinir o processo da formação profissional dos assistentes sociais no país. Esses esforços, coordenados pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), com efetiva participação do Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social (CEDEPSS) e das entidades organizativas dos discentes e dos profissionais de Serviço Social, respectivamente, Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso) e o conjunto do Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos Regionais (CFESS/CRESS), encontram-se consubstanciados nas diretrizes curriculares para o curso de graduação em Serviço Social. Coletivamente elaboradas no período 94/96, depois de aprovadas em assembleia geral das unidades de ensino, as diretrizes foram encaminhadas à Secretaria de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação, onde permanecem em tramitação.

O texto será desenvolvido em três partes: a formação profissional no contexto das transformações sociais recentes; a formulação das diretrizes curriculares, enquanto resposta às novas exigências da formação profissional e, por fim, os avanços do novo projeto e os desafios que lhe estão postos.

1 . N o v o s S i g n i f i c a d o s d a F o r ma ç ã o P r o f i s s i o n a l A decisão das unidades de ensino de proceder a uma nova revisão

curricular, viu-se reforçada (e tensionada) pelo incontestável de que está em curso uma nova significação dos processos da formação profissional (Cf. Ciavatta, 1998; Deluiz, 1997, Frigoto, 1998, Delors, 1998), o que, segundo Netto (1996), não é de difícil compreensão. Afinal, as transformações societárias ao redefinirem o campo das necessidades sociais já estabelecidas e ao apresentarem, novas, incidem sobre todas as esferas da vida social. Para o autor “o problema analítico de fundo posto pelo fenômeno reside em explicar e compreender como, na particularidade prático-social de cada profissão, se traduz o impacto das transformações societárias”. (op. Cit., 89)

O desafio ao problema, portanto, é duplo: por um lado, desvelar o significado das transformações sociais contemporâneas e, por outro, apreender as exigências (p. 104) que emprestam ressignificação ao processo educativo-Lídia Bezerra Zanella Serviço SocialMatrícula: 107395473 2

GlossárioRumos da profissão – assentam-se no tripé constituído pelo projeto de formação profissional que fundamenta o currículo, pelo código de Ética Profissional e na Lei nº 8662/93 que regulamenta a profissão. esse ordenamento atualiza-se e se consolida com o trabalho profissional potencializado pela pesquisa, com força organizativa e a interlocução qualificada da categoria com os movimentos organizados da sociedade civil.

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formativo na atualidade, redefinindo-o em todas as suas dimensões. Esta compreensão possibilita situar a particularidade da formação em Serviço Social no contexto dos desdobramentos e repercussões da crise atual do capitalismo.

Esta nova crise da acumulação do capital, instalada nos anos 70, em âmbito mundial, atravessa a década de 80 e incrementa-se nos anos 90 potencializada pela especulação financeira internacional e pelos processos de globalização desencadeados em sua trajetória. Seu caráter, todavia, não é nemfinanceiro-especulativo, nem comercial ou industrial. Com diz François Cheisnais (1998: 8), a “crise em curso é econômica em todos os seus aspectos”, atingindo a própria ordem do sistema capitalista. Originária da tendência à queda da taxa de lucros, a crise acirrou a competição intercapitalista e a concorrência entre mercados internacionalizados, deflagando processos de reestruturação produtiva e de ajustes estruturais, com o objetivo precípuo de recompor as condições da acumulação do capital.

Surge um novo padrão de organização social da produção, baseado na nova racionalidade dos processos produtivos, não apenas devido ao uso intensivo da microeletrônica, generalizando as práticas da automação e da informatização, como, também, pela flexibilização dos processos de trabalho, determinando novas modalidades de produção, gestão e consumo da força de trabalho, provocando transformações no conteúdo, na qualidade e nas relações laborais.

Os processos educativos demandados por essa sociedade, tanto devem conduzir às qualificações técnicas requeridas pelo trabalho reestruturado, quanto produzir uma subjetividade adequada à nova forma de organização social do capitalismo atual (Silva e Sguissardi, 1997: 35-37). Na base dessas transformações está o movimento que emerge dos modos flexíveis de acumulação do capital caracterizado por Harvey (1993) de “rápida destruição/reconstrução de habilidades”, gerando processos de desqualificação, requalificação, nova qualificação da força de trabalho.

A exacerbada racionalização dos processos produtivos que alimenta a hipercompetição intercapitalista, reforçada pelo progresso técnico e pela globalização, requer um trabalhador com novas características técnicas e sociointelectivas. “Trabalhador multiqualificado, polivalente (devendo) exercer funções muito mais abstratas e intelectuais, implicando, cada vez mais, menos trabalho manual e cada vez mais a manipulação simbólica” (Deluiz, 1997). o novo perfil do trabalhador se expressa num patamar diferenciado de conhecimento acumulado, na experiência polivalente, na capacidade cognitiva, nos novos hábitos de trabalhos e na forma de pensar. Nesse sentido, mais importante que deter o conhecimento, é saber gerenciá-lo, conduzi-lo à geração de novo conhecimento. Aprendizagem fica mais voltada para o domínio dos modos de processar (p. 105) o conhecimento do que para a aquisição de saberes preexistentes. A formação volta-se para o aprender a aprender (MEC/Unesco, 1998).

Mas esse modo flexível de acumulação do capital, recupera, também, formas arcaicas de trabalho, exigindo a refuncionalização ou reaprendizado de processos de trabalho socialmente em desuso. São exemplares o trabalho por peça, o trabalho domiciliar, familiar e artesanal que se fazem acompanhar de

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diferentes formas de trabalho autônomo, terceirizado, desprotegido, precarizado, autonomizado. A diminuição do trabalho assalariado suscita, por sua vez, uma formação empreendedorista, voltada mais para a capacidade de gerar emprego do que de tentar obtê-lo no mercado laboral. Portanto, um novo aspecto dos processos educativos: formar para o não-emprego ou mesmo para o trabalho incerto (Ciavatta, 1998). Tal evidência , levou à criação, em 1997, com o apoio do CNPq e da Confederação Nacional da Indútria (CNI), da Rede Universitária de Ensino de Empreendedorismo (Reune) introduzindo a disciplina “O Empreendedor” nos cursos superiores, como forma de indução ao surgimento de novos negócios.

Para moldar o perfil profissional à nova sociabilidade requerida pelo capital é preciso algo mais do que competências intelectuais, cognitivas e técnicas. Requer o desenvolvimento de competências comportamentais no âmbito das capacidades organizativas ou metódicas, comunicativas e sociais, acionando a subjetividade do indivíduo como parte do processo de trabalho. Os processos educativo-formativos voltam-se, portanto, “à construção de outra cultura do trabalho e de uma nova racionalidade política e ética compatível com a sociabilidade requerida pelo atual projeto do capital” (Mota e Amaral, 1998: 29).

De que modo essas transformações que reconfiguram a sociedade contemporânea redefinindo os processos educativo-formativos, repercutem na formação profissional dos assistentes sociais? Caberia imaginar que as metamorfoses e os deslocamentos conceituais dos processos educativo-formativos incidiram, tão-somente, na formação voltada para as necessidades das empresas? Ou afirmar com Mota e Amaral (op. Cit., 39) “que o primeiro desafio aos profissionais de Serviço Social é romper com a ideia de que a reestruturação produtiva é uma questão que afeta exclusivamente as práticas empresariais e, consequentemente, aqueles profissionais que trabalham nas empresas? Estaria suficientemente evidenciado que este é o novo contexto onde todos passam a se mover na organização social da vida?

As transformações que resultam em novas formas organizativas da produção, do trabalho e da cultura na sociedade, atingindo o conjunto da classe trabalhadora recaem, igualmente, sobre o profissional de Serviço Social e suas condições de trabalho. Como trabalhador, força de trabalho assalariada que se oferece no mercado, ele tem de competir pelo emprego escasso e pela manutenção de sua empregabilidade. Nessa perspectiva, a formação profissional, marcada pela (p.106) competitividade e insegurança na obtenção do emprego, corre o risco de relativizar-se ou mesmo, banalizar-se, reduzindo-se a um mero adequacionismo às exigências imediatas do mercado. Como profissional, tipo particular de trabalhador, tem, por um lado, de responder às atuais requisições do mercado de trabalho submetido às novas modalidades de organização dos processos produtivos, de gestão e consumo da força de trabalho, com tudo o que estes representam para o agravamento da questão social. Por outro lado, cabe desenvolver novas competências e legitimidade social para o enfrentamento das demandas emergentes, sobretudo daquelas que vão consolidar as novas formas de produção e de reprodução da força de trabalho.

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Glossário:Empregabilidade – Refere-se às condições individuais de competência e aptidão para: chegar ao mercado de trabalho, manter-se no emprego e reingressar no mercado de trabalho. Associar-se à qualificação profissional tendo como meio seguro (e visto como único) de manter-se apto, a formação profissional em bases contínuas. A educação permanente seria a estratégia possível de salvaguardar a capacidade de transitar em um mercado de trabalho hipercompetitivo e em constante mutação. O conceito tem pressupostos, de que obter ou não um emprego depende da vontade e aptidão individual; a educação, por sua vez adquire um caráter pragmático e reducionista de simples adequação ao mercado. Em ambos os pressupostos estão presentes os conceitos de capital humano e de sociedade do conhecimento cuja crítica contundente encontra-se em Frigotto, G. ( 1984; 1995 a; 1995 b); Gentili ( 1995; 1998).

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De imediato, coloca-se para o assistente social uma aparente perda de

espaços profissionais, seja pelo desaparecimento de postos de trabalho com o fechamento ou fusão de instituições privadas e governamentais; seja pela invasão de outros profissionais na competição suscitada pelo mercado de trabalho; ou seja, pela obsolescência de algumas práticas profissionais em face das novas requisições do mercado.

Todo este cenário de profundas transformações na organização e no funcionamento da sociedade (sem todavia modificar a ordem do capital) incide, de forma particular, nas condições de trabalho dos assistentes sociais, afetando os processos da formação profissional. Asformas de enfrentamento da crise capitalista, sustentadas na reestruturação produtiva, no ideário e nas práticas neoliberais, acarretando consequências devastadoras nas condições de reprodução das classes trabalhadoras, reconfiguram o objeto da atuação do Serviço Social.

O desemprego em massa, a perda crescente de direitos sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores, o trabalho precarizado, automizado, desassalariado; a desqualificação profissional; a diminuição das funções sociais do Estado; a crescente apropriação do fundo público a favor da reprodução do capital e o consequente desinvestimento nas políticas sociais públicas; a flexibilização do sistema de proteção social; a desregulamentação do mercado de trabalho; o incremento do papel intervencionista estatal em todos os níveis da vida social; e o arrefecimento dos movimentos sociais, são aspectos complexos de grande repercussão nas condições atuais de trabalho e de formação do assistente social. Para dar conta dessa complexidade, a formação profissional precisa garantir o desenvolvimento de um conjunto de novas competências teórico-instrumentais e ético-políticas que, somadas ao acúmulo proporcionado pela maturidade acadêmico-profissional e político-organizativa da profissão, assegure, tanto inteligibilidade às transformações sociais que moldam a sociedade contemporânea, quanto vinculação da ação profissional às necessidades e processos sociais que afirmam o ideário consubstanciado no Código de Ética Profissional. (p.107)

Nesse sentido, destina-se importante papel às novas diretrizes curriculares, substância do novo do projeto da formação profissional dos assistentes sociais no país.

Em que as transformações sociais em curso afetam os processos da formação profissional? Que exigências se colocam para a constituição do novo perfil profissional do assistente social?

2 . F o r mu l a ç ã o d a s D i r e t r i z e s C u r r i c u l a r e s As alterações na configuração sociotécnica da profissão evidenciam ser a

formação profissional um processo dinâmico, continuado, inconcluso, em permanente exigência de apropriação e desenvolvimento dos referenciais críticos de análise e dos modos de atuação na realidade social. E o ato de avaliar Lídia Bezerra Zanella Serviço SocialMatrícula: 107395473 5

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a profissão (formação e trabalho profissionais) em suas conexões com as necessidades sociais – de onde derivam as demandas ao Serviço Social – expõe com radicalidade as exigências de uma profunda, cuidadosa e continuada capacitação profissional. Essa radicalidade marcou o processo de construção das novas diretrizes curriculares que se inicia com a definição dos critérios norteadores do trabalho coletivo.

Experiência anteriores indicavam que um trabalho dessa natureza, com essa dimensão e envergadura, para ser conduzido democrática e coerentemente, exigiria um eixo ordenador das ações. Assim, a assembleia geral das unidades de ensino realizada em Londrina (PR), no marco de sua 28ª convenção nacional que deliberou sobre a elaboração do novo projeto curricular, indicou, também, os critérios que deveriam norteá-lo:

a) Garantia de direção social ao processo de revisão curricular: como é sabido, é competência da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) assegurar direção intelectual e política ao projeto de formação profissional. Como organização que congrega as unidades formadoras é sua função promover a construção de um significado teórico-instrumental e político-ideológico para a formação profissional, imprimindo-lhe uma determinada relação histórica com a sociedade. Essa expectativa em torno do papel da entidade pode ser resultante da decisão dos primeiros cursos em criar, em 1946, a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS), posteriormente denominada Associação Brasileira de Ensino de Serviço e, desde dezembro de 1998, ABEPSS, com objetivos sempre voltados ao aperfeiçoamento da formação dos assistentes sociais. Isso define o ato fundador da entidade e legitima sua atuação perante as unidades de ensino e o conjunto da categoria profissional, bem como sua interlocução com entidades congêneres existentes na sociedade.

(p.108)

b) Incorporação dos avanços do currículo de 1982: o processo de elaboração das diretrizes curriculares deveria preservar as positividades do currículo vigente, superando suas debilidades. Este critério já apontava a necessidade não apenas de um diálogo crítico com o projeto curricular de 1982, mas de uma avaliação abrangente de seus desdobramentos na condução da formação profissional, nas duas últimas décadas. Indicada a constituição de um grupo de consultores com a finalidade de assessorar o processo revisional subsidiando-o, teórica, metodológica e pedagogicamente.

c)Estabelecimento de um processo coletivo de trabalho: os critérios anteriores ficariam comprometidos sem uma prática democrática no processo de elaboração do novo projeto curricular que pudesse garantir o pluralismo do debate e sua socialização entre as escolas, com docentes, discentes e supervisores, com a representação dos profissionais, na identificação das necessidades da profissão perante as novas exigências feitas à formação profissional. A forma encontrada para garantir essa construção democrática foi estruturar o processo mediante a organização de oficinas locais (promovendo a discussão em cada curso), regionais (aprofundando o debate acerca das questões que particularizam a formação nas diferentes regiões), e nacionais (abordando a formação em sua macrovisão nacional). Assim, foram realizadas

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aproximadamente 292 oficinas com participação das unidades de ensino, associadas ou não.

d) Capacitação no processo de construção do projeto curricular: a elaboração das diretrizes curriculares deveria propiciar atualização e aprendizagem aos que dela participassem, preparando, desse modo, o processo de implantação das diretrizes, devendo permanecer como capacitação continuada.

A existência desses critérios teve importância estratégica para a ABEPSS na mobilização e organização da vontade coletiva representada pelas unidades acadêmicas (docentes e discentes de graduação e de pós-graduação), supervisores e entidades organizativas da categoria, em torno da construção, com direção social, do novo projeto curricular. Tais critérios expressavam claramente as condições ético-políticas sob as quais dar-se-ia o trabalho coletivo para a elaboração das diretrizes curriculares.

Qual a importância de atribuir direção social à formação profissional? Que exigências se colocam para que as entidades organizadoras da categoria possam definir e assegurar direção social estratégica à profissão?

(p.109)

3 . A A v a l i a ç ã o d a F o r ma ç ã o P r o f i s s i o n a lA interlocução com o Currículo de 1982, o qual permanece ainda

vigente, constituiu o ponto de partida para repensar o processo da formação profissional sob os impactos das transformações sociais recentes na realidade brasileira.

Uma primeira e fundamental característica a sobressair-se no projeto que fundamenta esse currículo (cujas propostas encontram-se em Carvalho et. Alli, 1984: 104-143) é que ele inaugura uma direção social fundada no paradigma da Teoria Social Crítica, cujas categorias teóricas e método de conhecimento indicam uma ruptura com as fontes tradicionais da profissão. Baseia-se numa nova e fecunda perspectiva teórico-prática atribuída ao Serviço Social, respaldada no caráter da profissão como produto histórico. Enquanto atividade inscrita na divisão social e técnica do trabalho, a profissão, no Currículo de 1982, passa a ser estudada sob uma dupla dimensão histórica: a primeira, dos processos de produção da vida social determinantes dos processos de produção e reprodução da força de trabalho, definido (e redefinido) nas diferentes conjunturas, as demandas profissionais e, com estas, as exigências, sempre renovadas, à formação profissional. A segunda, das formas organizativas e de enfrentamento profissional que a categoria vai experimentando e acumulando em face das requisições que a sociedade lhe apresenta. Trata-se, portanto, da Direção Social Estratégica em (permanente) construção pelos profissionais de Serviço Social.

Essa persistente construção e reconstrução do significado social da profissão foi bastante evidenciada no decorrer das oficinas, ao revelar-se o panorama da diversidade política-ideológica e teórico-operativa existente na profissão. Ao mesmo tempo, porém, em que essa diversidade aflorava, exprimindo os diferentes projetos em confronto na sociedade brasileira, Lídia Bezerra Zanella Serviço SocialMatrícula: 107395473 7

GlossárioTeoria Social Crítica – a categoria decisivamente distintiva entre as abordagens positivista-funcionalistas e a perspectiva histórica é a de totalidade social que permite apreender a realidade em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade. “A categoria (...) de totalidade concreta é, pois, a categoria fundamental da realidade” (Lukacs apud Netto, 1989:145)

Direção Social Estratégica – Expressa o projeto ético-político da profissão definindo sua vinculação com a sociedade. Refere-se, portanto, ao significado sócio-histórico que a categoria profissional atribui à profissão. “Num ordenamento social com regras democráticas, uma profissão é sempre um campo de lutas que os diferentes segmentos da categoria, expressando a diferenciação política-ideológica existente na sociedade, procuram elaborar uma Direção Social Estratégica para sua profissão” (Netto, 1996:116).

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consolidava-se o movimento de reafirmação da direção social assumida no Currículo de 1982 e no Código de Ética profissional de 1993: os princípios da liberdade, da equidade e do pluralismo vinculados à democracia concebida enquanto socialização da riqueza socialmente produzida, da justiça e do conhecimento. Como princípios inerentes à construção de uma nova ordem societária (CFESS, 1993), o processo de avaliação aprofundou o entendimento de que a possibilidade da construção desse projeto de sociedade ao qual a profissão vincula-se e contribui, supõe ação e vontade coletiva no seio da sociedade civil.

Para a ABEPSS, coordenar e promover (com estrito apoio e colaboração do CFESS e da ENESSO) os esforços de constituição de uma hegemonia na formação profissional vinculada aos interesses da classe trabalhadora (ABESS/CEDEPSS, 1996) tem-lhe propiciado um especial aprendizado fortalecido com o processo deste novo repensar da formação profissional. Trata-se de reconhece e estimular a explicitação das diferentes concepções, projetos e práticas no interior da profissão, levando-os em consideração, aclarando seus sentidos, reconstruindo (p.110) seus significados. Não para homogeneizá-los, apagando suas diferenças, mas, ao contrário, para construir coletivamente uma concepção teórico-prática que seja, ao mesmo tempo, norte político-ideológico e referencial crítico de análise, de ação e de criação do novo. Aprendizado de que a direção social se constrói num incessante desafio que não pode ser vencido a priori, nem se impõe por processos de subordinação, domínio ideológico ou por submissão da minoria. É luta que se trava no cotidiano, no campo ético-político, iluminado pela teoria e pela ação política. Supõe, portanto, uma pedagogia que tem como um de seus fundamentos a pluralidade com hegemonia intelectual e postura ética.

No prosseguimento da avaliação desvelaram-se, também, os impasses e as tensões acumulados no enfrentamento da necessidade de oferecer respostas profissionais às demandas oriundas dos processos sociais próprios da dinâmica da sociedade brasileira, nos anos 80. década marcada pela redemocratização do País, pela rearticulação política da sociedade civil, pela correlação de forças entre as classes e destas com o Estado; dinâmica contextualizada pela crise econômica que vai se aprofundar ainda mais na década de 90. a expressão maior desses impasses e tensões é o deslocamento entre os processos formativos e os da ação profissional e, de ambos, com a realidade social. Na tentativa de encontrar saídas, para viabilizar uma maior efetividade da intervenção profissional, foram adotadas iniciativas e estratégias que podem ser resumidas nas seguintes características:

a) Conhecimento teórico-metodológico, como forma de descobrir os meios para efetivar a prática. Essa concepção teoricista da profissão, subestimando as situações concretas da realidade, passava ao largo das questões do cotidiano da prática profissional;

b) Engajamento político nos movimentos da sociedade civil e nas instâncias organizativas da categoria, supondo que dessa forma estaria sendo realizada uma prática profissional vinculada às necessidades das classes subalternas, redundando na identificação entre o militantismo e ação profissional;

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c) Capacitação técnico-operativa como maneira de responder às demandas provenientes do mercado do trabalho. Desvinculada da dimensão teórico-metodológica e ético-política que referencia o projeto profissional, resulta numa prática tecnicista e voluntarista balizada pelo pragmatismo.

Tais iniciativas e estratégias foram atribuídas a diferentes fatores, entre eles, a um insuficiente esforço de pesquisa que conduzisse a uma real apreensão das problema´ticas com as quais lida o Serviço Social e a formação profissional orientada por um currículo extensivo, teoricista e de pouca instrumentalização, não favorecendo o desenvolvimento de mediações entre as categorias de análise e os objetos da prática, no cotidiano do exercício profissional (ABESS/CEDEPSS, 1996: 11-13).

(p.111)

A análise de realidade brasileira dessas duas últimas décadas conduziu o processo de avaliação da formação profissional a pôr em cena questões que vão demarcar o novo projeto das diretrizes curriculares: a vinculação entre a profissão e a questão social apreendida no interior do processo de reprodução da relação entre o capital e o trabalho e o entendimento da prática profissional como trabalho. Essa vinculação histórica da profissão às configurações estruturais e conjunturais da questão social e a apreensão do fazer profissional como trabalho, com as mesmas determinações do trabalho realizado sob as relações capitalistas de produção, embora presentes na construção do Currículo de 1982, não foram, contudo, suficientemente desenvolvidas naquele projeto. Esses desdobramentos só adquirem centralidade no debate da formação profissional nos anos 90.

A questão social, amplamente estudada, (Iamamoto e Carvalho, 1982; ABESS/CEDEPSS, 1996; 1997; Iamamoto, 1998) constitui a base histórica de fundamentação do Serviço Social. O trabalho, como elemento central da realidade social e componente construtivo do exercício profissional possibilita à prática configurar-se como concretização de um processo de trabalho cujo objeto são as múltiplas manifestações da questão social.

Numa breve síntese do processo de avaliação que por mais de dois anos mobilizou as unidades de ensino, pode ser dito: o confronto democrático de ideias, a qualificação do debate – condições indispensáveis à construção da direção social da formação profissional; a análise das transformações sociais, de seu significado e incidência nas condições de vida, de trabalho e na organização das classes trabalhadoras e a identificação das novas exigências postas aos processos educativo-formativos, possibilitaram traçar com maior solidez os novos rumos da formação profissional dos assistentes sociais.

Identifique e analise que outros elementos poderiam ser acrescentados à avaliação da formação profissional.

4 . O N o v o P r o j e t o d a F o r ma ç ã o P r o f i s s i o n a lA questão social como base histórica fundadora do Serviço Social e a

prática profissional como trabalho inscrito em um processo de trabalho, Lídia Bezerra Zanella Serviço SocialMatrícula: 107395473 9

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representam o divisor de águas entre o atual projeto da formação profissional e o Currículo de 1982. O elemento de continuidade entre ambos os projetos é ter como suposto “a adoção de uma teoria crítica e de um método que permita a apreensão do singular como expressão da totalidade social” (ABESS/CEDEPSS, 1995:33). Em torno deste núcleo de conexão entre a profissão (formação e trabalho profissionais) e a realidade social, as diretrizes curriculares foram estabelecidas com as seguintes metas:

(p.112)

✗ Conectar a formação ao movimento contemporâneo da realidade brasileira, o que se expressa na aproximação às condições de vida e de trabalho das classes subalternas e de suas formas de organização e de resistência;

✗ Sedimentar o exercício profissional na perspectiva de fortalecer a Direção Social Estratégica inaugurada com o Currículo de 1982, reafirmada com o Código de Ética de 1993, a Lei da Regulamentação da Profissão (8662/93) e com as práticas políticas vivenciadas pela categoria, tendo como objetivos:

✔ Desenvolver a capacidade de apreensão, por parte dos assistentes sociais , das novas configurações assumidas pela questão social no país e das mudanças verificadas nas condições objetivas e subjetivas do trabalho profissional;

✔ Favorecer, através da pesquisa e outros recursos pedagógicos, o conhecimento das necessidades sociais de onde emanam as demandas à profissão, tornando possível perceber e dimensionar os requerimentos teórico-instrumentais e ético-políticos do trabalho profissional;

✔ Assegurar processos teóricos-críticos e operativo-instrumentais para a formulação de proposições e mobilização de estratégias para o trabalho profissional.

Em torno desse eixo estruturador articulam-se três núcleos de conhecimento indissociáveis, não-hierarquizados e historicamente contextualizados:

✗ Núcleo de fundamento da vida social;

✗ Núcleo de fundamento da formação sócio-histórica da sociedade

brasileira;

✗ Núcleo de fundamentação do trabalho profissional.

a) Os objetivos e conteúdos de cada núcleo estão assim constituídos:

1. Núcleo de fundamento da vida socialEste núcleo das diretrizes curriculares visa estudar a ordem capitalista,

apreendendo o movimento de sua constituição, reprodução e tendência histórica, expresso sob formas econômicas, políticas e ético-culturais, caracterizadas por um específico modo de exploração do trabalho. Propõe-se a compreender a

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produção e reprodução social sob a lógica do capital; a correlação e o movimento das classes sociais; a gênese das desigualdades sociais, apreendendo a vida social em suas formas de alienação e resistência. Esses conteúdos são indispensáveis ao desvelamento das relações sociais que presidem a sociedade burguesa onde se gesta e reproduz a questão social.

(p.113)

2. Núcleo de fundamento da formação sócio-histórica da sociedade brasileira

Este núcleo remete ao conhecimento da constituição econômica, social, política e cultural da sociedade brasileira. Objetiva propiciar conhecimentos acerca do padrão de acumulação adotado no país, das modalidades de gestão e organização do trabalho, suas tendências e implicações na reprodução da força de trabalho; da constituição e das configurações do Estado brasileiro com os seus diferentes projetos societários em confronto na sociedade brasileira. Esses conhecimentos são indispensáveis à apreensão e identificação das formas de manifestação da questão social e das estratégias políticas para o enfrentamento profissional.

3. Núcleo de fundamentação do trabalho profissionalEste núcleo reúne os elementos que fundamentam a particularidade da

profissão: sua inserção no processo de constituição do trabalho social, sua trajetória (histórica, teórica, metodológica e técnica), os espaços socioocupacionais, a configuração técnico-operativa (a pesquisa, o planejamento, a administração em Serviço Social, o estágio supervisionado), e os traços da cultura profissional. A compreensão da prática profissional como trabalho articula, num mesmo processo, todos os elementos constituidores da intervenção do Serviço Social com os fundamentos e instrumentais necessários ao exercício profissional.

Dos núcleo citados, originam-se as matérias e destas os diversos componentes curriculares: disciplinas, seminários temáticos, oficinas, laboratórios e atividades complementares (monitoria, produção científica, pesquisas e extensão, visitas monitoradas, participação em congressos, encontros, seminários). O estágio supervisionado e o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) permanecem como atividades obrigatórias à formação do assistente social. Todos esses recursos pedagógicos têm como finalidade articular os três núcleos estruturadores da formação profissional. Promover, com base nas categorias que os fundamentam, uma capacitação que conduza à apreensão dos fenômenos e processos cotidianos, tanto em sua constituição e manifestação universais, particulares e singulares, quanto em suas macrodimensões econômicas, políticas, éticas e culturais, abrangendo os componentes objetivos e subjetivos da profissão e recriando metodologicamente os objetos do trabalho profissional. É evidente que estas diretrizes carecem de implantação e desenvolvimento na prática acadêmica, para que se tenha, de fato, o alcance da lógica curricular proposta de responder às exigências da formação profissional dotando-a de meios para o enfrentamento dos desafios da realidade brasileira contemporânea, reescrevendo criticamente os rumos da profissão.

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(p. 114)

Destaque e analise os aspectos das diretrizes curriculares que lhe parecem relevantes.

D e s a f i o s à F o r ma ç ã o P r o f i s s i o n a lSem intenção de hierarquizar ou estabelecer prioridades, vale mencionar

alguns dos desafios presentes à formação profissional:

a) A ofensiva neoliberal. Como ideário, a marca maior do neoliberalismo é tentar obscurecer, no debate sobre a crise contemporânea do capitalismo, a existência das classes sociais e dos mecanismos de subordinação, criados/recriados pelo capital para intensificar o cerco sobre os trabalhadores e suas lutas. Essa ideologia, fortalecida com a queda do socialismo real e com o florescimento da pós-modernidade, sobretudo em sua versão neoconservadora, impregnou os meios acadêmicos provocando um verdadeiro processo migratório de docentes, pesquisadores e pensadores, fenômeno que James Petras (1996) designou “os intelectuais em retirada”. Penetrou os meios de comunicação de massa e os movimentos populares historicamente organizados, como sindicatos, partidos políticos, associações, numa luta ideológica sem trégua destinada a abolir as formas de sociabilidade, subjetividade e ação de ruptura da classe trabalhadora com a subordinação ao capital. Além de aparecer perante o mundo como vitorioso no embate com o projeto socialista, o ideário neoliberal coloca o capitalismo como racionalidade única, desembocadura natural do desenvolvimento histórico da humanidade: a ordem possível e o implacável horizonte a ser vivido pelas classes trabalhadoras (Dias: 1997). Ao lado da tentativa de impor-se como forma natural unívoca de organização da vida social, pretende também fazer com que os trabalhadores assumam como suas as necessidades do capital, conduzindo-os à adesão e ao consentimento às exigências da produção capitalista. Este quadro caracteriza “a integração passiva dos trabalhadores à nova ordem do capital”. (Mota e Amaral, 1998:41). A sociedade contemporânea teria , desse modo, deixado para trás o paradigma da luta de classes e ingressado em um preído de integração e paz social decorrentes dos avanços tecnológicos e dos esforços de inserção em um mundo globalizado. Esta concepção de sociedade é desafiadora ao projeto das diretrizes curriculares não apenas por ser opsta à direção social estratégica que as configura, mas pelo significado e pelas exigências de “remar contra a maré” (Netto, 1996:119).

b) A concepção de educação para o século XXI. A concepção de sociedade sem classe serve de endosso ao papel da educação como um “fator de coesão e paz social, educação para a coesão e convivência humana”. A concepção de educação disseminada com a globalização, monitorada pelo Banco Mundial, Unesco e FMI, ao admitir a exclusão como fenômeno imanente à história da humanidade, debita ao campo educacional a tarefa de oferecer soluções aos problemas do desemprego, das lutas étnicas, da violência, tais como se apre-

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sentam na atualidade. Enfim, educação para “aprender a viver juntos” (...),educação contra as exclusões(...), capaz de evitar conflitos ou de os resolver

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de maneira pacífica ( MEC/Unesco, 1998). Essa macrovisão que orienta a política educacional em escala mundial, sem referências à distribuição da riqueza e do poder, quer fazer crer que seria possível encontrar saídas para as desigualdades sociais, estabelecer a coesão e superar o conflito de classes por meio de reformas por dentro da própria ordem do capital. O enfrentamento desse desafio exige um duplo movimento: desvendar a concepção ilusória de que se poderia “humanizar” o capital em sua própria ordem e fazê-lo por meio de uma “educação danificada” (Zuin et allii, 1997) funcional, pragmática e despolitizada e compreender o caráter e o significado das transformações sociais em curso, colocando as classes sociais no centro dessa apreensão como condição de atribuir inteligibilidade ao processo social contemporâneo;

c) A reforma da educação superior. A reforma da educação em curso no Brasil, cujo ordenamento jurídico ultrapassa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, integra o programa de ajustes estruturais proposto pelo Banco Mundial e FMI na pauta das estratégias de enfrentamento da crise do capital. Nela, a reforma da educação superior expressa, nitidamente, as orientações globalizadas neoliberais dessas agências internacionais. Trata-se da mesma política indicada simultaneamente para países de diferentes continentes (Banco Mundial, 1995). Nessa política, está presente a necessidade de sintonizar a educação com a nova ordem mundial, adaptando os perfis profissionais ao novo paradigma da sociedade moderna, calcada no conhecimento tecnológico. Esse paradigma induz a demanda por educação em todos os níveis, tornando-a mercadoria das mais rentáveis, na lógica do lucro e da mercadorização. O desmonte das Universidades Federais abre caminho ao processo de privatização da educação superior pública descomprometendo gradualmente o Estado com o seu financiamento. São variados os mecanismos indicados pelo Banco Mundial, tanto para o autofinanciamento das universidades públicas, quanto para a flexibilização do ensino para atender a demanda do mercado. Vão desde a diversificação dos tipos de instituição (universidades, centros de educação superior, institutos, faculdades e escolas superiores); diversificação dos tipos de financiamento, através do ensino pago, da obtenção de doações e de venda de serviços; redefinição das relações do Estado com as universidades, dotando-as de autonomia financeira, até a adoção de políticas de qualidade e equidade, sem aumento de gastos públicos. Em seus desdobramentos, a reforma da educação superior no país vem se delineando com indicadores de dissociação entre ensino, pesquisa e extensão, tornando-as atividades especializadas por tipo de universidade; concentração da pesquisa em centros de excelência considerados por sua alta performance de qualidade e produtividade, deixando as demais Universidades em plano inferiorizado ou, no mínimo, hierarquizado; pressão por geração de recursos levando a privilegiar as atividades e áreas de conhecimento que se apresentam imediatamente rentáveis. Isto relega a segundo plano as carreiras, áreas (p.116) ou atividades com baixa demanda no mercado, mas que são decisivas para a qualidade acadêmica e a formação do senso crítico necessário à democracia e `a cidadania. É o caso das Humanidades, das Ciências Básicas, das Ciências Sociais e também, da tecnologia de ponta, cujo significado para a soberania nacional, somente o Estado e não o mercado, teria interesse em financiar; privatização branca - venda de serviços e cobranças e taxas - antes mesmo da aprovação do novo ordenamento jurídico da autonomia e aligeiramento da formação e expansão de vagas em todos os níveis para permitir que o país saia do 48° lugar, no mundo, em desempenho educacional. Com esse indicador, segundo a organização independente britânica Oxfam,o

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Brasil situa-se abaixo de países como Cabo Verde, Namíbia, Quênia e Jamaica. No ensino superior, a meta do governo é, em 10 anos, elevar de 11% para 30% o número de universitários na faixa de 18 a 24 anos. Para tal, o ensino noturno, em todas as áreas, tornou-se obrigatório. Foram ainda instituídos os cursos sequenciais, os cursos de graduação à distância e a reduçâo dos períodos destinados à graduação. Esse estímulo à demanda faz da educação presa fácil das relações mercantis, retirando-a do campo dos educadores jogando-a na arena dos negócios lucrativos.

Esse é o contexto imediato da implantação das diretrizes curriculares, elas próprias ameaçadas de se afastar da sua formulação original. Contudo, resta aquela esfera em que se poderia atribuir a concretização desse projeto aos seus próprios sujeitos, mas aí também os desafios são complexos e em níveis diferenciados. Apenas como menção, há de ser encarado o desafio de avançar nas dimensões investigativa e propositivo - operativa que materializam e atualizam as estratégias do trabalho profissional. Muito embora alguns desses desafios extrapolem o alcance das unidades de ensino e o protagonismo da categoria, sua intensidade sobre o processo formativo dependerá do quanto a direção social, que fundamenta as diretrizes curriculares, houver penetrado a cultura profissional. Igualmente, a apreensão crítica das diretrizes curriculares constitui uma forma de potencializar os vínculos da formação profissional dos assistentes sociais ao movimento real da sociedade brasileira.

O que você indicaria como meios estratégicos para o enfrentamento dos desafios postos à formação profissional?

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

ABESS/CEDEPSS - “Proposta básica para o projeto de formação profissional”". In: Serviço social e Sociedade, n° 50. O Serviço social no Século XXI. São Paulo: Cortez, ano XVII, abril, 1996.

_____________ “Proposta básica para o projeto de formação profissional. Novos subsídios para o debate”. In: Cadernos ABFSS, n° 7. Formação profissional: Trajetória e desafios. São Paulo: Cortez, 1997.

(p. 117)

BANCO MUNDIAL. La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la practica. Washington/DC, 1995.

CARVALHO, A. M. P. et alii. “"Projeto de investigação: a formação profissional do Assistente Social”. Serviço Social e Sociedade, n° 14, São Paulo: Cortez, abril, 1984.

CHESNAIS, F .”Rumo a uma mudança total dos parâmetros econômicos mundiais dos enfrentamentos políticos e sociais”. Revista do Instituto de Estudos Socialistas, n° 1, São Paulo, maio, 1998. CIAVATTA, M. F. “Formação Profissional para o trabalho incerto: um estudo comparativo”. Brasil, México e Itália. In: FRIGOTTO, G.(org.) Educação e Crise do Trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998 (coleção Estudos Culturais em Educação).

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DELUIZ, N. A globalização econômica e os desafios à formação profissional. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

DIAS, E. F. “Liberdade (im)possível na ordem do capital. Reestruturação produtiva do capital”. Textos Didáticos. São Paulo: Cortez, 1997.

FRIGOTTO, G. A Produtividade da escola improdutiva, São Paulo: Cortez, 1984.

____________ “Crise do capitalismo e metamorfose conceitual no campo educacional”. In: Gentilli, P.A.(org.) Pedagogia da Exclusão. Crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes,1995a.

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IAMAMOTO, M. V. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. São Paulo: Celates-Cortez, 1982.

ZUIN, A. A. S. Vv. Aa. A educação danificada: contribuição à teoria crítica da educação. Petrópolis: Vozes; São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 1997.

A v a l i a ç ã o

Identifique e fundamente as exigências centrais da formação profissional no contexto das transformações sociais em curso. Que significado atribuir às diretrizes curriculares no enfrentamento dos desafios à formação profissional?(Tamanho máximo do trabalho: uma lauda)

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