serra velho

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"SERRA VELHO" Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho “Serra velho” é uma brincadeira que acontece na Semana Santa, precisamente, a meia noite da Quarta feira de Trevas, onde alguns rapazes se juntam e escolhem uma “vitima” seja homem ou mulher, basta ser velho e rabugento, para realizar a

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"SERRA VELHO"

Por Jos Antonio Taveira Belo / Zetinho

Serra velho uma brincadeira que acontece na Semana Santa, precisamente, a meia noite da Quarta feira de Trevas, onde alguns rapazes se juntam e escolhem uma vitima seja homem ou mulher, basta ser velho e rabugento, para realizar a brincadeira. Esta brincadeira trazida pelos portugueses como Serra da Velha e incorporada no Brasil, principalmente na regio Norte e Nordeste. Esta tradio mantida em cidades do interior, hoje, praticamente inexistentes.

Em Bom Conselho, como em outras cidades do interior, o Serra velho era uma constante no perodo da Semana Santa, dizia o meu velho pai Antonio Zuza, nas dcadas de quarenta e cinqenta do sculo passado. Os rapazes se juntavam e escolhiam e tramavam a visita aos velhos que seriam serradas na madrugada da Quarta feira de Trevas. Reuniam-se sempre em torno da Matriz da Sagrada Famlia ou na Praa Pedro II e ali saiam pela madrugada adentro para as casas a serem visitadas.

Em Bom Conselho, existia um velho chamado Nozinho, morando na Rua da Lama, em um casebre de dois cmodos. Dormia na sala em uma rede sustentada por cordas nos caibros do telhado, com um retrato do Corao de Jesus na parede e a imagem de Nossa Senhora das Graas na prateleira, santa de sua devoo. Dizia que era para vigiar o seu sono. Era um homem esquisito e muito mais quando a Dona Joana morreu e o deixou sozinho. Saia somente para o quadro para a feira para comprar fumo de corda e papel de seda Guarany, a Matriz para assistir as Missas e compras necessrias na venda de Seu Vitinho, onde adquiria querosene, acar preto, bolacha dgua, milho para as galinhas que criava no terreiro e apanhava lavagem para os seus porcos em casas vizinhas. Era mesmo um homem esquisito. No gostava de amigos e sendo assim era perseguido pela meninada na rua gritando pelo seu nome de Nozinho, o que encabulava.Como de costume todos os anos sua casa era visitada, no valia a sua reclamao, deixe-me dormir, bando de maloqueiro, gritava na meia porta da casa. O pessoal ria e saia depois que ele fechava a porta, no se incomodando com aquele aperreio do Seu Nozinho na Semana Santa, que deveria ser santa mesmo.

- Este ano ele disse para si mesmo: Vou dar um susto nesta cambada de maloqueiros.

E assim se foi.

Na quarta feira, deixou sua casa em baixo de uma chuva fina guarnecido pelo guarda chuva preto surrado e se dirigiu para a Bodega de Seu Vitinho vestido em capote velho e desbotado e a cala de caqui enrolada a meia perna. . Alguns homens estavam sentados sobre sacos de farinha e tomando seu aperitivo com os copos no balco, e olharam de envieis, enquanto ele pelo canto do olho divisava a ironia daqueles que ali estavam com sorrisos marotos.

- Seu Vitinho me d meio quilo de sal grosso.

- Pra que voc quer este sal, Nozinho, vai fazer mandinga por ai?

- No Seu Vitinho este sal para jogar no terreiro para evitar o mau olhado.

- E, voc acredita nisso, Nozinho?

- Agente tem que acreditar em tudo, o olho grande uma praga e se pega ou aleija ou mata, disse rindo mostrando os dentes amarelos pelo fumo.

Pagou e saiu com o pacote debaixo do brao, dizendo, para si mesmo, hoje o dia que esses maloqueiros no vo se esquecer riu e tomou o rumo do seu casebre.Gostava de caar. Vez por outra enveredava pelas matas carregando a tiracolo a sua espingarda soca-soca, um bornal de lona, e varias tipos de chumbo. O chapu de palha na cabea livrava do sol de inicio da tarde. Trazia j ao anoitecer algumas rolinhasque tratava e depois assava e comia, era a sua ltima refeio do dia. Estirava-se na rede e dormia a sono solto apagando o candeeiro, primeiro. Levantava-se antes do sol nascer, dando comida as suas galinhas e tratando dos seus porcos. A sua vida era assim. A velhice vinha aos poucos comendo os seus dias, mais ainda tinha fora para enfrentar uma ona dizia a todos, e todos riam.Assim que chegou a casa, sentou-se num tamborete velho e colocou a espingarda soca-soca entre as pernas e colocou bucha e com uma vareta socou, depois colocou um punhado de sal grosso, das pedras maiores, colocou nova bucha e com mais fora socou com a vareta e colocando uma espoleta virgem e escorando a espingarda atrs da porta. Terminado esta tarefa voltou a Bodega do Seu Vitinho, comprou po e deu uma volta na praa, vendo alguns rapazes conversando animadamente.Acendeu o candeeiro, colocando em cima de uma pequena mesa e acendeu um cigarro de fumo de rolo deu algumas baforadas e esticou-se na rede olhando o retrato do Corao de Jesus na parede, que parecia estar contente com o que ele ia fazer, pois, no seu pensamento Jesus no gostava desta brincadeira em serrar o velho. Fechou os olhos e adormeceu.

L para meia noite, sentiu um vozerio na rua. Olhou pela brecha da porta, vinha se aproximando vrios rapazes, e estancaram na sua porta. Um deles tirou uma folha de papel branco do bolso, e dizendo seu Nozinho, aqui est o seu testamento! Os outros comearam a chorar, a lamentar e o ranger os dentes, enquanto o serrote em uma lata velha fazia o barulho reco-reco-reco, no silencio da noite.Era um barulho infernal.

O lder comeou a ler em voz alta e chorosa:

- Seu Nozinho, pr quem vai deixar o seu ba? Outros rapazes em coro choravam alto, desalinhando os cabelos e com um leno enxugando as lgrimas e assuar o nariz.

- E, a sua cama Seu Nozinho vai deixar para quem?

- E sua dentadura?

- E o seu relgio? E os seus bacorinhos? E suas galinhas?E o seu palet? E o seu casebre? E sua aliana de ouro? E cordo de prata com a medalha de Santo Antonio, com quem vai deixar? Todos os acompanhantes a cada indagao choravam e lamentavam alto som, enquanto o serrote na lata completava aquele espetculo.

Seu Nozinho observa tudo pela brecha da porta. Ajoelhado, apanhou ao seu lado a sua espingarda, cuspiu na mo, e pelo um buraco na parede, colocou o cano e disparou sem mirar.

Foi aquele estampido e o cheiro da plvora invadiu o seu casebre. Foi aquela correria e gritos: O desgraado me acertou na perna! Outro dizia, me acertou no peito e nos braos outro, me acertou nas costas!Foi aquela revoada. Ningum sabia para onde ia, a imprecaes ecoavam no silencio. E o Judas que deixariam na porta do casebre, ficou estendido no meio da rua. Seu Nozinho dentro de casa ria a valer e dizia para si: bem feito. Foi uma surpresa e tanto. Ria que lhe dava dor de barriga. Abriu a porta e no viu ningum apenas, uma lata velha e um serrote desdentado e o boneco de Judas no cho. Apanhou e levou para casa dizendo, esta vai ficar na parede como lembrana. Deitou-se novamente e dormiu o resto da noite tranqilo.