serra da calÇada: recuperação da paisagem …. ufmg – escola de arquitetura...
TRANSCRIPT
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
SERRA DA CALÇADA: recuperação da paisagem em consonância com os preceitos ecológicos e de patrimônio cultural
LAGE, FLAVIA DE ASSIS (1); LAGE, LUCIANA DE ASSIS (2); SCOTTI, MARIA RITA (3)
1. UFMG – Escola de Arquitetura
3. UFMG – Escola de Arquitetura [email protected]
2. UFMG – Instituto de Ciências Biológicas
[email protected],[email protected]
RESUMO
Este artigo trata da preservação da Serra da Calçada, em Nova Lima - MG, tombada pelo IEPHA-MG (Instituto Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) e tem como objetivo fazer um breve histórico da região, do processo de tombamento. Além disso, descreve a apropriação desta área através do turismo de aventura e as consequências dessa apropriação no que diz respeito à preservação/degradação do ambiente e faz uma reflexão sobre formas de garantir a preservação do espaço através justamente do uso do turismo de aventura. Apresenta ainda exemplos de propostas de manejo de trilhas, tanto para a preservação quanto para a garantia de espaços seguros, atrativos ao turista. O estudo de exemplos como esse pode servir para proposição de medidas de proteção para outras áreas com características similares, seja pelo poder publico ou mesmo a sociedade civil. Além disso, mostrar aos usuários a importância da preservação desses espaços.
Palavras-chave: paisagem cultural, preservação, conservação, patrimônio cultural, patrimônio ambiental.
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
O vetor sul da região metropolitana de Belo Horizonte, que se desenvolve ao longo das rodovias
MG-030 (em direção a Nova Lima) e BR-040 (em direção ao Rio de Janeiro) está, contrastantemente,
associado à imagem de alta qualidade ambiental e também à atividade mineradora. À primeira vista
estas duas imagens podem parecer incompatíveis para uma mesma região, uma vez que a atividade
mineradora é associada a danos ambientais. No entanto, também, por força de lei, às mineradoras se
obrigam “a manutenção dos mananciais e das áreas florestadas, pois, grande parte destas
localizam-se nas propriedades destas mineradoras, à espera de oportunidades de exploração”. (Costa,
2004, p.25).
Outra dicotomia presente no vetor sul é seu potencial como área de lazer metropolitano (justamente
pela proximidade e facilidade de acesso a partir de Belo Horizonte) e seu alto valor ecológico (pela
diversidade de biomas, pureza das aguas) em contraposição aos interesses das mineradoras e dos
empreendimentos imobiliários localizados na região.
Ainda nessa área localiza-se uma parte da memoria da história da mineração dos séculos XVIII e XIX
no estado de Minas Gerais. E nessa confluência do ambiente natural (aspectos naturais), da ação do
homem sobre esse ambiente (aspectos culturais), considerando-se aspectos materiais e imateriais do
patrimônio cultural que estão presentes no conceito de paisagem cultural. E, é com base nessa ideia de
paisagem cultural, desenvolvida pela UNESCO desde os anos 1990, que podem ser apresentadas
propostas com estratégias de intervenção nessas áreas com vistas à preservação do patrimônio
cultural, com um enfoque mais contemporâneo e abrangente.
Na lida com a temática do patrimônio, apesar de inúmeros avanços desde os anos 1960, até os anos de
1990, as temáticas de patrimônio cultural e patrimônio natural eram tratadas de forma estanque e sem
conexão entre si. Somente em 1992, na 16ª sessão do Comitê do Patrimônio, realizada em Santa Fé,
Novo México, (EUA), coloca-se a categoria de “paisagem cultural” _”A Convenção vai ser o primeiro
instrumento legal internacional a reconhecer e proteger tal tipo complexo de patrimônio – focada na
interação entre natureza e cultural e, ao mesmo tempo, ligado também intimamente ás maneiras
tradicionais de viver”. (Castriota, 2009, p.260)
Em 1999, nas Diretrizes operacionais para a implementação da Convenção do patrimônio Mundial, a
UNESCO define o conceito de paisagem cultural:
Paisagens culturais representam o trabalho combinado da natureza e do homem designado no Artigo I da Convenção. Elas são ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas quanto externas. Elas deveriam ser selecionadas com base tanto em seu extraordinário valor universal e sua representatividade em termos de região geocultural claramente definida, quanto por sua capacidade de ilustrar os elementos culturais essenciais e distintos daquelas regiões. (Castriota, 2009, p. 261)
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Nesse contexto de integração entre patrimônio cultural e patrimônio natural, escolhemos como objeto
desse artigo o Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada, tombado pelo IEPHA/MG, em 30
de Julho de 2008. Localizado justamente no vetor sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a
Serra da Calçada é parte integrante da Serra da Moeda, e está localizada nos municípios de
Brumadinho e Nova Lima, próxima à rodovia 040. Ela se estende por cerca de 8 km entre esses
municípios e divide as bacias dos rios Paraopeba e das Velhas, importantes mananciais que
abastecem a região metropolitana de Belo Horizonte.
Perímetro de Tombamento do Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada Fonte: http://www.arca.eco.br/p/serra-da-calcada.html
Acesso em 25 ago. 2016
Como proteção complementar nessa área existem ainda o Tombamento Municipal do Forte
de Brumadinho (Decreto Municipal no 014, de 2009, município de Brumadinho), Área de
Proteção Sul Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA SUL RMBH, Decreto Estadual no
35.624, de 1994) e, mais recentemente, através do Decreto 6.773, de 18 de Fevereiro de
2016, o Município de Nova Lima instituiu o tombamento provisório dos caminhos e trilhas que
possuem uso tradicional para o ciclismo e atividades de ecoturismo em diversas áreas,
incluída aí a Serra da Calçada _ “Projeto Trilhas”.
O estudo para o tombamento a nível estadual, por recomendação do Ministério Publico de
Minas Gerais, do “Forte de Brumadinho e seu entorno”, localizado na Serra da Calçada, levou
a pesquisas para mapeamento dos sítios arqueológicos da região e culminou com o
tombamento, do Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada, em 2008.
Marcia Santos, destaca que
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Embora tenha sido tombada, a área apresenta problemas, principalmente em seu entorno imediato. Por razões políticas, o tombamento envolve apenas a área mais preservada da Serra. Nas adjacências observam-se a presença de áreas urbanas, mineradoras, pastagens e reflorestamentos, e muitas delas são limítrofes à zona de conservação.(Santos, 2014, p.19)
Vista do Forte de Brumadinho Crédito da Fotografia: Luciana de Assis Lage / Agosto/2016
Serra da Calçada
No Guia de Bens Tombados IEPHA/MG, a descrição do Conjunto Histórico e Paisagístico da
Serra da Calçada é a seguinte:
”a paisagem cultural da Serra da Calçada é constituída pela memoria histórica da mineração dos séculos XVIII e XIX, registrada na permanência de edificações e estruturas de mineração, pela formação geológica e do relevo que remontam a história geológica da Terra, as microbacias com suas redes hidrográficas e a cobertura vegetal endêmica correspondente à beleza cênica da paisagem, testemunho da ocupação mineira”. (IEPHA/MG, 2014, P. 199)
A justificativa para o tombamento encontra-se tanto pela relevância da paisagem natural
quanto na presença de edificações e estruturas de mineração, preservando a memoria
histórica da mineração dos séculos XVIII e XIX.
Marcia Santos destaca a importância da Serra da Calçada no aspecto ambiental, seja
pela questão hidrográfica, dos biomas e do ponto de vista geológico:
“Geomorfologicamente a região apresenta gradientes hipsométricos acentuados, compostos de cristas, cumes e picos, que dividem duas importantes bacias hidrográficas que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH): a do Rio Paraopeba e a do Rio das Velhas. Ambas pertencem à bacia do Rio São Francisco e são extremamente importantes para a formação dos mananciais superficiais e subterrâneos da região. A Serra da Calçada juntamente com a Serra da Moeda, além de servirem como
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
divisor entre as duas bacias. funcionam também como uma imensa área de captação pluvial, sustentando centenas de nascentes em suas encostas e aquíferos no subsolo. Por ser uma região serrana e por estar inserida no limite de dois dos mais importantes biomas do país, o Cerrado e a Mata Atlântica, a área abriga grande biodiversidade, tanto em termos vegetacionais como também de fauna. Estes dois biomas são considerados hostpost, ou seja, áreas prioritárias para a conservação, uma vez que apresentam alto grau de endemismo e encontram-se extremamente alterados pela ação do homem. (...) Do ponto de vista geológico a região se insere em uma das províncias minerais mais importantes do mundo, o Quadrilátero Ferrífero. Apresenta uma litologia bastante complexa, antiga e rica em minerais de elevado valor econômico, como o ferro, o ouro e o manganês.(Santos, 2014, pp.19-20)
Segue ainda falando sobre a relevância da região sobre o aspecto arqueológico, destacando
além da presença da Ruina do Forte, da Casa da Moeda Falsa, das Calçadas (Forte e
Moeda), a presença de sítios pré-históricos de caçadores-coletores, comunidades, antigas
fazendas, quilombolas, sítios de mineração, estradas (além da Estrada Real), dentre outros.
(Santos, 2014. p. 20)
Na denominação da região percebemos a presença da história:
“o topônimo Serra da Calçada advém do caminho pavimentado com lajes de pedra de mão – de forma e tamanho variados – que unia o vale do Paraopeba a Serra da Moeda, a partir daí se juntava ao entroncamento da Estrada Real. Esse caminho ligava grandes unidades produtivas (...) a vários núcleos urbanos e outros de mineração ao longo do referido caminho”. (IEPHA/MG, 2014, P. 200)
Existem ainda remanescentes ruinas da antiga fabrica de São Caetano da Moeda Velha e o
complexo minerário do “Forte de Brumadinho, além de um conjunto de ruinas com uma
diversidade de ocupação.
O Forte de Brumadinho é um exemplar da arquitetura civil do século XVIII. Existe ainda uma
área de lavra com estruturas edificadas em pedra que constituem um registro da historia do
processo de mineração e uma estrada calçada que ligava a área da lavra, na parte mais baixa,
ao topo da Serra.
A antiga fabrica da São Caetano é um conjunto de vestígios de uma fundição clandestina de
moedas de ouro.
Do ponto de vista do patrimônio cultural,
“as sucessivas alterações presentes no conjunto da Serra da Moeda, detidamente no Complexo da Serra da Calçada, resultam na apropriação do espaço, na analise fisiográfica onde se conjugam os elementos da natureza seguido de padrões de ordem funcional, neste caso a disponibilidade de recursos naturais e a tecnologia empregada par a sua exploração. A mineração do outro no inicio e posteriormente a exploração do ferro
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
correspondem as principais atividades, deixando marcas de pluralidade, decorrente de uma construção política e sociocultural, a qual se materializou em sucessivos cenários, hoje objeto de pesquisa de historiadores e arqueólogos”. (IEPHA/MG, 2014, p. 201)
Sob a ótica do patrimônio natural, a Serra da Calçada possui
“vegetação típica das áreas de altitude, constituída por formações campestres, em especial os campos rupestres ferruginosos sobre a canga leterítica – couraça ferruginosa formada a partir do intemperismo de rochas como itabiritos -, apresentando espécies endêmicas. No sopé as matas densas da floresta estacional semidecidual, da mata atlântica, recobrem o relevo.
A formação geológica compõe-se por quartizitos e itabiritos em estrutura dobrada do Sinclinal Moeda, topograficamente realçada por escarpamentos abruptos e vales bem encaixados. Os topos encontram-se, em extenso trecho, recobertos pro canga laterítica. A geologia proporciona a ocorrência de minérios de ferro, ouro uranio e manganês” (IEPHA/MG, 2014, p. 200).
Diante de tudo isso é evidente a importância da preservação da Serra da Calçada e, num
momento de mudanças na forma de encarar e operacionalizar a preservação do patrimônio
cultural e ambiental no Brasil, cabe sempre procurar o aprimoramento nas formas e
instrumentos para a preservação. Mais que simplesmente proteger a Paisagem Cultural da
Serra da Calçada, é preciso pensar em formas de uso que possibilitem a fruição desse espaço
e a garantia de sua preservação para as gerações futuras.
A Preservação do Patrimônio Cultural
Historicamente, no Brasil, a preservação do patrimônio cultural está delegada ao poder
publico e as ações são feitas por demanda do Estado, em detrimento da proposição por
agentes da sociedade civil. No entanto, paulatinamente foi sendo percebida a importância da
participação da sociedade civil e, na Constituição de 1988, no artigo 216, §1º, esse fato foi
explicitado:
O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. [grifos nossos]
A consciência de que a participação da sociedade civil na proteção do patrimônio cultural é
essencial fica cada vez mais evidenciada e começam a haver iniciativas vindas da sociedade
civil no sentido de promover a proteção do patrimônio cultural. No entanto, cabe ainda ao
Estado um papel importante.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
No caso do tombamento da Serra da Calçada a iniciativa partiu do poder publico, via
Ministério Publico Estadual. Já no caso do tombamento dos caminhos e trilhas, a iniciativa
partiu da sociedade civil, representada por associações, grupos de ciclistas, ONGs (ONG
Arca Amaserra, Associação dos Condomínios Horizontais, Associação Comunitária de
Macacos, Mountain Bike BH, Centro de Apoio ao Ciclista, BH Bike School ) em conjunto com o
poder publico, através da Prefeitura Municipal de Nova Lima.
Levando em conta o papel da sociedade tanto na apropriação e uso da área da Serra da
Calçada e das trilhas nela localizadas e também no tombamento das trilhas, podemos
perceber a importância da ação da sociedade civil na proteção desse patrimônio cultural.
Na Serra da Calçada existe uma sobreposição desses dois tombamentos _ o Conjunto
Paisagístico e as trilhas _ e justamente por isso deve haver uma integração na ação entre as
ações da sociedade civil e do Estado.
Nesse universo, nos parece que o caminho é justamente a proposta de um plano de manejo
para essa área que concilie conservação do meio ambiente, preservação e atividade de
turismo de aventura. Segundo “a partir da criação de áreas protegidas é preciso fazer o seu
planejamento e gestão de forma eficiente visando garantir a conservação dos recursos
naturais ali presentes”. (Santos, 2014. p. 11)
Usos e Impactos Ambientais na Serra da Calçada
No trabalho “Geoprocessamento aplicado ao estudo da vulnerabilidade ambiental da Serra da
Calçada – MG”, Santos resume os pesos atribuídos às variáveis da carta de vulnerabilidade
natural, risco antrópico e vulnerabilidade ambiental da Serra da Calçada numa tabela,
reproduzida a seguir:
Carta Variáveis Pesos
Vulnerabilidade Natural Geologia 30
Pedologia 15
Declividade 15
Altimetria 15
Cobertura Vegetal 15
Cursos D`Água 5
Nascentes 5
Risco Antrópico Pressão antrópica 70
Vias de Acesso 30
Vulnerabilidade Ambiental Vulnerabilidade natural 70
Risco antrópico 30
Fonte: Santos, 2014. p.33
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Sobre a Vulnerabilidade Natural, Santos apresenta os seguintes resultados: ”Observa-se que
as áreas de vulnerabilidade média, alta e muito alta juntas totalizam um percentual de 63%,
indicando que a maior parte da área analisada merece uma atenção especial” (Santos, p.34)
Sobre os Riscos Antrópicos, “As áreas de risco antrópico com percentual mais representativo
são as classificadas como muito baixo e baixo que compreendem 90% da área tombada”.
(Santos. p. 37)
Sobre a Vulnerabilidade Ambiental, que é o resultado do cruzamento da vulnerabilidade
natural com os riscos antrópicos, Santos conclui que
“é possível observar que a região central e a noroeste são caracterizadas pelos menores índices de vulnerabilidade ambiental (muito baixa a baixa), indicando que uma maior distância dos usos antrópicos interfere diretamente para os menores graus de vulnerabilidade ambiental. (...) As áreas com vulnerabilidade média, alta e muito alta se concentram na borda da área de tombamento, o que demonstra um grau de influência relevante da variável risco antrópico. As áreas de vulnerabilidade ambiental muito alta coincidem com as áreas de vulnerabilidade natural muito alta devendo ser levadas em consideração pelos gestores da área proteção quando forem elaborar o plano de manejo, propondo maneiras de evitar ou minimizar a sua degradação”.
(Santos. p. 39)
Se por um lado a apropriação e uso do espaço da Serra da Calçada pelo turismo de aventura
são elementos importantes para a preservação do ambiente, por outro também causam
impactos ambientais. Cabe então compreender os impactos ambientais causados pelo
turismo de aventura para poder elaborar um plano de manejo que possibilite o uso e a
preservação dessa área. Alguns países já tem uma maior tradição no turismo de aventura e
também já tem pesquisas desenvolvidas nessa área, inclusive com estudos dos impactos
ambientais decorrentes desse uso, principalmente Estados Unidos, Canadá e Austrália.
Esses estudos podem servir como base para os estudos dos impactos ambientais pelo uso
dessa área para a prática de turismo de aventura, mas pelas especificidades do clima e do
bioma e, mesmo das formas de uso, são necessários estudos específicos para o contexto
brasileiro.
No caso das trilhas de Nova Lima, incluídas ai as trilhas da Serra da Calçada, essa
apropriação e uso foi uma das motivações para a proposta de tombamento dos caminhos e
trilhas pela Prefeitura de Nova Lima _ “Projeto Trilhas”
Desde antes do tombamento, já existe, de maneira informal, a apropriação da área pelo
turismo de aventura, seja pelos ciclistas de MTB que tradicionalmente utilizam as trilhas, seja
por caminhantes e mesmo em alguns casos por motociclistas.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Na Serra da Calçada, a circulação de veículos automotores, especialmente as motocicletas,
causou uma serie de processos erosivos e colocando em risco a vegetação e fauna locais.
Atualmente a pratica de trilha com veículos automotores na Serra da Calçada está proibida.
No website do Ministério Publico do Estado de Minas Gerais está publicada uma matéria
explica a caracterização desta pratica como crime ambiental:” fazer trilha com veículos
automotores em unidade de conservação ou em local protegido por lei ou ato administrativo,
em razão de seu valor paisagístico, histórico, cultural ou arqueológico, constitui crime contra a
flora e contra o patrimônio cultural”(MPEMG, 2015)
Comparativamente o impacto da circulação de bicicletas e pessoas nas trilhas é o mesmo e a
circulação de motocicletas e cavalos causa maiores impactos no solo. No artigo Managing
Recreational Mountain Biking in Wellington Park, Tasmania, Australia, Annals of Leisure
Research existe a menção a um estudo comparativo do impacto erosivo de caminhantes,
cavalos, motocicletas e mountainbikes:
“ Wilson e Seney (1994) concluíram que todos esses usos em trilhas úmidas aumentavam a erosão do solo, mas não havia diferença significativa no grau de erosão entre caminhantes e montain bikes. Motocicletas e cavalos parecem causar os maiores impactos” (Chiu, e Kriwoken, 2003)
Nesse sentido, algumas propostas são possíveis para implementação de um plano de manejo
na Serra da Calçada:
_ mapeamento das trilhas existentes na área, sinalização das trilhas indicando inclusive grau
de dificuldade;
_ elaboração de um mapa de diagnostico da condição atual das trilhas e indicação de áreas
onde há necessidade de intervenção para manutenção/conservação das trilhas e do
ambiente;
_ propostas de intervenções ao longo das trilhas para melhorar a condição do espaço para os
usuários, por exemplo com a proposta de pontos de apoio ao longo das trilhas;
_ programas de conscientização dos usuários das trilhas acerca da preservação da área e da
utilização consciente das trilhas;
_ proposição de atividades de Educação Ambiental, seja com os usuários das trilhas ou com
os moradores das imediações e mesmo com os alunos das escolas da região;
Na Serra da Calçada, além da questão da preservação/recuperação da paisagem, o desafio é
conciliar o uso do espaço por caminhantes e ciclistas. Essa conciliação pode ser feita
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
basicamente com ferramentas de gestão do espaço: educação/informação, desenho e
manutenção das trilhas e sua regulamentação de uso.
As ferramentas de gestão anteriormente citadas, além de mitigar o conflito do uso das trilhas
entre caminhantes e ciclistas, podem contribuir para a recuperação/preservação da
paisagem.
Mapeamento , Sinalização, Manutenção e Intervenções em Trilhas
O mapeamento e diagnostico das trilhas é uma ferramenta essencial tanto para o
planejamento das intervenções necessárias à conservação dessas trilhas quanto para uma
ordenação da utilização delas. É por meio deste mapeamento que se torna possível a
elaboração de um plano de manejo eficiente e viável.
É também no mapeamento das trilhas que começa o planejamento para a sinalização dessas
trilhas, seja sinalização direcional, seja sinalização informativa. A sinalização direcional tem
dois objetivos básicos: (1) Indicar a direção correta aos visitantes e (2) facilitar ações de
manejo evitando processos erosivos, impedindo a criação de atalhos, desestimulando o
pisoteio de áreas sensíveis, etc. (Cunha e Menezes, 2014 p. 8)
O plano de manejo é essencial para a recuperação/preservação das trilhas, através de
propostas de intervenção para melhoria das condições de circulação e eliminação ou
minimização de danos nessas trilhas. Podem ser feitas intervenções para contenção de
erosão e melhoria das trilhas,
Vista de um trecho de trilha da Serra da Calçada
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Crédito da Fotografia: Luciana de Assis Lage / Julho/2016
À direita, nesta foto, podemos observar um grau de erosão avançado, que praticamente
interrompe a trilha. Uma solução possível para manutenção da trilha a colocação de uma
ponte em madeira, para transposição da erosão. Deve ser proposta uma recuperação desse
trecho erodido e encaminhamento da opção de circulação para a trilha da esquerda. Nessa
trilha da esquerda deve ser feita uma proposta de intervenção com a proposição de uma
passarela elevada com ripas de madeira. Por baixo dessa passarela deve ser construído um
sistema de pequenos represamentos, o que possibilitará a redução da velocidade de
escoamento das aguas, além da recomposição do trecho erodido, utilizando sempre
materiais presentes na região, de forma a impactar o mínimo possível o bioma.
Na fotografia a seguir está mostrada uma solução para transposição de áreas alagadas, com
o mínimo de impacto no solo, além de proporcionar segurança e conforto aos usuários da
trilha, seja ele caminhante ou ciclista.
Exemplo de manejo de trilhas para a transposição de áreas alagadas
Fonte: http://nsmba.ca/structures/structuresgood.htm Acesso em 25 ago. 2016
Essa solução através de ponte em madeira é também uma opção para proteção de nascentes
localizadas ao longo das trilhas, uma vez que evita o pisoteamento da nascente e seu entorno
e, ao mesmo tempo, possibilita o contato do usuário com essa nascente.
Existe sempre a possibilidade de oferecer melhor infraestrutura aos usuários das trilhas, seja
pela colocação de sinalização para auxiliar os usuários do espaço, seja na orientação ou
mesmo na obtenção de informações. No entanto, deve-se fazer essas intervenções de forma
cuidadosa para impactar o mínimo o meio ambiente e também a paisagem.
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
É justamente o conhecimento do ambiente que leva a uma maior consciência da necessidade
de sua preservação e das formas de contribuir para isso. Na próxima foto um exemplo de
sinalização informativa em Cunningham Park, Queens, NY. No mapa das trilhas para moutain
bike deste parque (http://www.nycmtb.com/cunningham/Cunningham-trail-map.pdf) existe
inclusive a indicação do grau de dificuldade de cada um dos percursos, em quatro categorias:
“less difficult”, “more difficult”, “most difficult”, experts only”. Esse tipo de sinalização permite
ao usuário a escolha das trilhas que se adequem ao seu grau de experiência, o que contribui
para a minimização/eliminação dos riscos de acidentes.
Exemplo de Sinalização Informativa Fonte: https://br.pinterest.com/pin/391461392592996362/ Acesso em 26 ago. 2016
Outra forma de melhorar a infraestrutura para os usuários das trilhas é através da construção
de pontos de apoio ao longo das trilhas, como por exemplo, banheiros público, como no
exemplo da foto a seguir.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Exemplo de Intervenção para melhoria de infraestrutura para os usuários - Banheiro Público no Lady Bird Lake Trail, Austin, TX, EUA Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-157797/banheiro-publico-slash-miro-rivera-architects Acesso em 26 ago. 2016
Considerações Finais
Conforme dito anteriormente, a vulnerabilidade ambiental da Serra da Calçada está mais
ligada aos fatores de vulnerabilidade natural que aos riscos antrópicos. E mais, as áreas de
maior risco antrópico estão localizadas justamente nas bordas do perímetro de tombamento
do “Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada”.
A partir destes dados, podemos levantar algumas hipóteses acerca da recuperação e preservação da
paisagem na Serra da Calçada:
(1) após o tombamento abre-se um canal maior para cobrança, pela sociedade civil, de ações para
garantir a preservação;
(2) o uso, pelo turismo de aventura, pode contribuir para a preservação da paisagem cultural e, o
reconhecimento da importância desse uso foi obtido, justamente, pelo tombamento das trilhas pela
Prefeitura de Nova Lima;
(3) a vulnerabilidade natural pode ser mitigada através de ações que propiciem recuperação do
ambiente e, ao mesmo tempo, propiciem um espaço propicio, atrativo e seguro para a pratica do
turismo de aventura;
(4) a maior atuação/conscientização da sociedade civil nas ações para a preservação da Serra da
Calçada pode gerar uma minimização do risco antrópico nas bordas do perímetro de tombamento.
Em resumo, ao contrario do que pode apontar o senso comum, o turismo de aventura pode ser um
elemento importante para garantir a preservação de um conjunto paisagístico. E mais, a integração na
4° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
abordagem do patrimônio natural e histórico cultural, concepção da temática de paisagem cultural, não
só é perfeitamente viável, mas é, em alguns casos, a forma mais eficaz da garantia da preservação em
algumas áreas.
Referências
ANDRETTA, Vanessa, MACEDO, Renato Luiz Grizi, VITORINO, Maria Rachel, MARTINS, Gustavo Salgado. Sinalização de trilhas: importância e eficiência. Disponível em: <http://docslide.com.br/download/link/sinalizacao-de-trilhas-importancia-e-eficiencia Acesso em: 25 ago.2016
CAMPOS, Luana Carla Martins. Patrimônio arqueológico da Serra da Moeda, Minas Gerais: uma “unidade histórico-cultural”. Revista CPC, São Paulo, n.13, p. 6-31, nov. 2011/abr. 2012
CASTRIOTA, L. B. Patrimônio Cultura: conceitos, políticas, instrumentos. 1ª Edição. ed. Belo Horizonte: Annablume, 2009. 379p.
CHIU, Luke& KRIWOKEN, Lorne Managing Recreational Mountain Biking in Wellington Park, Tasmania, Australia, Annals of Leisure Research, 6:4, 339-361, DOI: 10.1080/11745398.2003.10600931.Disponivel em: < http://dx.doi.org/10.1080/11745398.2003.10600931>. Acesso em: 22 mai. 2016
COSTA, Stael de Alvarenga Pereira. Transformações, conflitos, perdas e permanências na paisagem sul-metropolitana de Belo Horizonte. 2004. USP. Tese
CUNHA E MENEZES, Pedro. Sinalização de trilhas: guia pratico. OECO, Rio de Janeiro: 2014. Disponivel em: < http://sinalizetrilhas.wikiparques.org.br/wp-content/uploads/2014/08/SinalizeTrilhas1.pdf> Acesso em: 25 ago.2016
GESTA UFMG Serra da Calçada – Forte do Brumadinho-Ficha Técnica. In: GESTA UFMG- Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais/Observatório de Conflitos Ambientais. Disponível em:< http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=170> Acesso em: 25 ago.2016
IEPHA/MG Guia de bens tombados. 2ª Edição. Belo Horizonte: Instituto Estadual do Patrimônio Artístico de Minas Gerais. IEPHA/MG. 2014. Volume 2. 276p.
LAGE, Flávia de Assis. A Gestão do patrimônio cultural em Minas Gerais: novas dimensões e paradoxos / Flávia de Assis Lage. - 2014.UFMG. Dissertação.
MARION, Jeff & WIMPEY, Jeremy. Environmental Impacts of Mountain Biking: sciencie review and best practices. In: Managing Mountain Biking: IMBA's Guide to Providing Sweet Riding Disponivel em: https://www.imba.com/resources/research/trail-science/environmental-impacts-mountain-biking-science-review-and-best-practices. Acesso em: 22. mai. 2016
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
MPEMG Trilhas com veículos automotores são vedadas na Serra da Calçada. In: MPEMG. Disponível em: <https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/trilhas-com-veiculos-automotores-sao-vedadas-na-serra-da-calcada.htm Acesso em: 25 ago.2016
SANTOS, Márcia Felícia Silva. Geoprocessamento aplicado ao estudo da vulnerabilidade ambiental da Serra da Calçada-MG/Márcia Felícia Silva Santos. 2014 UFMG Monografia Especialização