sermao bom sucesso 2

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OBRA ANALISADA Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda GÊNERO Sermão, ou melhor, discurso religioso, em que o pregador proclama as verdades cristãs. AUTOR VIEIRA, Antônio, S.J. DADOS BIOGRÁFICOS Nascimento: 06 de fevereiro de 1608, Lisboa, Portugal Morte: 18 de julho de 1697, Salvador, Brasil BIBLIOGRAFIA Sermões (1697-1748, em 16 volumes – desde 1642 vinham sendo feitas edições isoladas de seus sermões): - Sermão XIV (1633) - Sermão da Dominga XIX depois do Pentecoste (1639) - Sermão XII (1639) - Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640) - Sermão do Quarto Sábado da Quaresma (1640) - Sermão da Sexagésima - Maria Rosa Mística - Sermão de Nossa Senhora do Rosário - Sermão da Quinta Dominga da Quaresma - Sermão do Mandato (1643) - Sermão Segundo do Mandato - Sermão de Santa Catarina Virgem e Mártir - Sermão Histórico e Panegírico - Sermão da Glória de Maria, Mãe de Deus - Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1644) - Sermão nas Exéquias de D. Maria de Ataíde (1649) - Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650) - Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1651) - Sermão da Segunda Dominga da Quaresma (1651) - Sermão de São Roque (1652) - Sermão de São Pedro - Sermão da Primeira Oitava de Páscoa - Sermão de S. Roque - Sermão de Todos os Santos - Sermão de Santa Teresa e do Santíssimo Sacramento - Sermão de Santa Teresa - Sermão do Espírito Santo - Quarta parte, licenças e privilégio real. - Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal (1640) - Maria Rosa Mística Excelências, Poderes e Maravilhas do seu Rosário - Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654) - Sermão da Primeira Dominga do Advento (1655) - Sermão do Bom Ladrão (1655) - Sermão do Mandato (1655) - Sermão da primeira Oitava da Páscoa (1656) - Sermão Segundo do Mandato (II) - Sermão XIII - Sermão de Dia de Ramos (1656) - Quarta Parte em Lisboa na Oficina de Miguel Deslandes - Sermão Nossa Senhora do Rosário com o Santíssimo Sacramento - Sermão XI Com o Santíssimo Sacramento Exposto - Sermão da Epifânia (1662) - Sermão de Santa Catarina (1663)

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OBRA ANALISADA Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda

GÊNERO Sermão, ou melhor, discurso religioso, em que o pregador proclama as verdades cristãs.

AUTOR VIEIRA, Antônio, S.J.

DADOS BIOGRÁFICOS Nascimento: 06 de fevereiro de 1608, Lisboa, Portugal Morte: 18 de julho de 1697, Salvador, Brasil

BIBLIOGRAFIA Sermões (1697-1748, em 16 volumes – desde 1642 vinham sendo feitas edições isoladas de seus sermões): - Sermão XIV (1633) - Sermão da Dominga XIX depois do Pentecoste (1639) - Sermão XII (1639) - Sermão de Nossa Senhora do Ó (1640) - Sermão do Quarto Sábado da Quaresma (1640) - Sermão da Sexagésima - Maria Rosa Mística - Sermão de Nossa Senhora do Rosário - Sermão da Quinta Dominga da Quaresma - Sermão do Mandato (1643) - Sermão Segundo do Mandato - Sermão de Santa Catarina Virgem e Mártir - Sermão Histórico e Panegírico - Sermão da Glória de Maria, Mãe de Deus - Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1644) - Sermão nas Exéquias de D. Maria de Ataíde (1649) - Sermão da Primeira Dominga do Advento (1650) - Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma (1651) - Sermão da Segunda Dominga da Quaresma (1651) - Sermão de São Roque (1652) - Sermão de São Pedro - Sermão da Primeira Oitava de Páscoa - Sermão de S. Roque - Sermão de Todos os Santos - Sermão de Santa Teresa e do Santíssimo Sacramento - Sermão de Santa Teresa - Sermão do Espírito Santo - Quarta parte, licenças e privilégio real. - Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal (1640) - Maria Rosa Mística Excelências, Poderes e Maravilhas do seu Rosário - Sermão da Quinta Dominga da Quaresma (1654) - Sermão da Primeira Dominga do Advento (1655) - Sermão do Bom Ladrão (1655) - Sermão do Mandato (1655) - Sermão da primeira Oitava da Páscoa (1656) - Sermão Segundo do Mandato (II) - Sermão XIII - Sermão de Dia de Ramos (1656) - Quarta Parte em Lisboa na Oficina de Miguel Deslandes - Sermão Nossa Senhora do Rosário com o Santíssimo Sacramento - Sermão XI Com o Santíssimo Sacramento Exposto - Sermão da Epifânia (1662) - Sermão de Santa Catarina (1663)

- Sermão das Cadeias de S. Pedro em Roma (pregado na Igreja de S. Pedro, 1674) - História do futuro (1718, em 2 volumes) - Cartas (1753-1746, em 3 volumes) - Arte de furtar (autoria discutível, 1744) Defesa perante o tribunal do Santo Ofício (1957, 2 volumes).

RESENHA Vieira protesta mais do que ora. Prega o sermão argumentando com Deus e O repreendendo, a fim de que Ele conceda aos portugueses a vitória que engrandecerá a glória divina.

Este sermão se destinava a "reanimar os brios dos brasileiros". Brasileiros? Quais?? Aqueles nascidos no Brasil, os colonos portugueses e o corpo de milícias que defendia a Bahia de todos os Santos.

Vieira advoga que Deus retome a aliança com os portugueses para que estes possam derrotar os holandeses.

Ah! Porém, havia um auditório "intermediário" composto por um único ser e interlocutor virtual: Deus, pois Vieira não fala diretamente aos fiéis; ao contrário, dirige-se a Deus,- seu "interlocutor":

“Não hei-de pregar hoje ao povo, não hei-de falar com os homens, mais alto hão-de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito divino se há-de dirigir todo o sermão.”

(...) Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e liberdade que tem quem não pede favor senão justiça. Se a causa fora só nossa, e eu viera a rogar só por nosso remédio, pedira favor e misericórdia. Mas como a causa, Senhor, é mais vossa que nossa, e como venho a requerer por parte de vossa honra e glória, e pelo crédito de vosso nome.” Para Vieira, a pregação é o veículo apropriado para fazer frutificar a palavra de Deus. Se isso não ocorre, é porque os pregadores pregam palavras, mas não agem de acordo com o que pregam, não exemplificam o que pregam por meio de seus próprios atos; por isso, as palavras divinas não dão frutos. Jesus é simultaneamente PALAVRA e OBRA e, portanto, foi OUVIDO e VISTO. Segundo Vieira, os fiéis são muito mais suscetíveis àquilo que podem ver para comprovar do que ao que apenas ouvem, sem que haja uma comprovação empírica; e, para que possam ver, é preciso que os pregadores edifiquem obras plenas de seus próprios testemunhos e atos.

EVANGELHO: “pano de fundo” + argumento de autoridade + prova concreta Entrecortado por versículos em latim, isto é, trechos bíblicos de duas ou três linhas, formando

sentido completo, do pai-nosso; aqui traduzidos.

Provas?? Elas são a palavra do Evangelho, e o que está registrado ali, embora não escrito diretamente por Deus, mas pelos homens, constitui uma verdade incontestável.

ESTILO DE ÉPOCA Barroco CULTISMO [como dizer] X CONCEPTISMO [o que dizer] Vieira, um autor conceptista, representa as contradições e os excessos do espírito barroco. Importante ressaltar a estrutura dos sermões – verdadeiros textos dissertativos. A oratória está dividida em quatro partes: PARTE I: introdução (exordium ou prooemium), onde se prepara o ânimo dos ouvintes; aqui a tese do falante é exposta. PARTE II: narração dos fatos (narratio) em que o orador expõe o assunto e apresenta as causas; PARTE III: desenvolvimento (argumentatio ou probatio), parte principal do discurso, no qual se levanta toda a argumentação para convencer o ouvinte, seja ela positiva (confirmatio) ou negativa (refutatio) ATENTE!! A refutatio vem normalmente em resposta às objeções do adversário. PARTE IV: desfecho (peroratio), onde se concentra o maior esforço de persuasão dos fatos (epilogus), deixando uma última impressão nos ouvintes, apelando para a ética, para a moral (honra) e para o patético (emoção). IPC: PARTE II A causa interessa muito mais a Deus, uma vez que Sua honra, Sua glória e Seu nome estão sendo ultrajados pelos hereges holandeses. Observamos as intenções do discurso retórico, ou melhor, o efeito que deseja provocar nos ouvintes: a) a intencionalidade intelectual (docere = instruir, ensinar), cujo principal objetivo é convencer; b) a intencionalidade emocional moderada (delectare = agradar, deleitar), visando ao prazer estético do público; c) a intencionalidade passional (movere = comover), cujo fim é causar um impacto mais forte, isto é, podemos defini-lo como aquilo que abala e impressiona a assembleia. INSTRUMENTO DE PERSUASÃO: a palavra = com forte impacto emocional: Abrasai, destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais espanhóis e portugueses, e que os não acheis. (...) = no sentido figurado numa ríspida ironia: Holanda vos dará os apostólicos conquistadores, que levem pelo Mundo os estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos, que semeiem

nas terras dos bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo Corpo; Holanda, enfim, vos servirá e venerará tão religiosamente, como em Amsterdam, Meldeburgo e Flisinga e em todas as outras colônias daquele frio e alagado inferno se está fazendo todos os dias. (...) Para ele, AÇÃO é verbo e ESTAGNAÇÃO é nome: NOME + VERBO o semeador ................... o que semeia o soldado ......................... o que peleja o governador .................... o que governa o pregador ........................ o que prega Para Vieria, Jesus Cristo também comparou nome e verbo, o falar e o agir; o falar sem o agir é um mero pregar, enquanto o falar com o agir é semear. É preciso ser verbo para ter voz ativa entre os fiéis. O pregador tem de “responder às dúvidas” dos fiéis e “satisfazer às suas dificuldades”, isto é, nada pode escapar à compreensão do ouvinte, senão não haverá como persuadi-lo. A maior complexidade do esquema argumentativo está no COMO FAZER; prerrogativa do pregador, no tecer mesmo uma “teia textual”, uma “rede” em que se possa aprisionar o interlocutor. Revela-nos que ele irá advogar em causa própria, até porque, se há sucesso para uns, quando estes estão em guerra, fatalmente haverá insucesso para outros. Para Vieira, Deus só pode ser justo se for injusto e vice-versa: será injusto se for justo: Deus justo = favorece os portugueses em detrimento dos holandeses; mas, ao favorecer os portugueses em prejuízo dos holandeses, estará sendo injusto. Deus injusto = favorece os portugueses em detrimento dos holandeses; mas, ao favorecer os portugueses em prejuízo dos holandeses, estará sendo justo. ESTRATÉGIA DISCURSO VIEIRIANO: comover os ouvintes Vieira realizou este sermão no Brasil, no ano de 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia. Seu tema se relaciona com a época da turbulência social vivida pelo país: era em 1640; o Brasil estava a ponto de cair sob o jugo holandês. Por quê? Sendo a Bahia sede do governo, perdê-la para os holandeses equivaleria a perder o Brasil. Arrebatado por uma inspiração patriótica, Vieira quis reanimar os brios dos brasileiros e fazer ao céu uma santa violência. Dirige-o ao povo que fomentou o projeto expansionista, povo católico, impregnado de religiosidade, fiéis dominados pelas virtudes da fé, em nome da qual ampliavam suas conquistas e,

consequentemente, suas riquezas. Para Vieira, os inimigos não respeitam sequer a religião: Entrarão os hereges nesta igreja e nas outras; arrebatarão essa custódia, em que agora estais adorado dos anjos; tomarão os cálices e vasos sagrados, e aplicá-los-ão a suas nefandas embriaguezes; derrubarão dos altares os vultos e estátuas dos santos, deformá-las-ão a cutiladas, e metê-las-ão no fogo; e não perdoarão as mãos furiosas e sacrílegas nem às imagens tremendas de Cristo crucificado, nem às da Virgem Maria.

INTERTEXTUALIDADE Este sermão é passível de diferentes interpretações. INTERTEXTO: As Catilinárias, de Marco Túlio Cícero + Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda , de Pe. Antônio Vieira (1608/1697). As catilinárias foram discursos feitos por Cícero, no Senado Romano, para denunciar Catilina [sua ausência de valores morais]. = LINGUAGEM PERSUASIVA: emprego do patético Cícero e Vieira fazem essa apelação com a finalidade de convencer seus ouvintes a combater os inimigos políticos da nação e dos bons costumes. O patético, no discurso persuasivo, apela para o pathos (emoção, paixão) e não ao logos (razão). Apoderam-se das emoções alheias e justificam a luta contra a ameaça inimiga, induzindo os seus compatriotas a abraçarem esta causa. Na época de Cícero, a oratória serviu mais a interesses políticos e forenses; na época de Vieira, ela atendia mais a propósitos religiosos. Deste modo, a oratória, no período colonial, era predominantemente sacra. Levar os ouvintes – componentes da sociedade considerados mais frágeis - a abraçar os dogmas do cristianismo: apela para a conversão de Deus.

VISÃO CRÍTICA

Não é de hoje que a crença em um ser superior, criador da vida, anima a humanidade. Trata-se de uma necessidade intrínseca ao coração humano, que não pode prescindir da sensação de sentir-se “olhado”, “protegido” por um outro que esteja acima dele. Ocorre que uma tal sensação nem sempre é prazerosa, já que esse outro é alguém ou algo inatingível; desse modo, é preciso “humanizá-lo” um pouco, é preciso torná-lo “alcançável”; contudo, um tal procedimento implica uma adulteração da essência deste ser. Ao argumentar com Deus, Vieira instaura uma espécie de “nova” justiça divina, já que, à semelhança dos deuses gregos, arbitra preferências

entre os “eleitos” do Criador. Desconsiderando o respeito aos direitos humanos, o sacerdote ignora as cruezas perpetradas pelos portugueses (ao menos, no presente sermão) e superestima a maldade dos “hereges” holandeses para exigir a vitória daqueles em detrimento destes. Não são todos filhos de Deus? De modo algum. O povo português é o “escolhido” dentre os outros povos para o sagrado governo da Terra. Fonte: Dialogarts