série "quanto custa a felicidade"

6
C M Y K C M Y K Economia 6 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, quarta-feira, 24 de dezembro de 2014 $ E Ed di i t to or r: : Vicente Nunes [email protected] 3214-1148 0 Inflação Dólar Euro Bolsas Global 30 Bovespa CDB 11,15% R$ 3,282 Índice Bovespa nos últimos dias (em pontos) Título da dívida externa brasileira na terça-feira Na terça-feira Últimas cotações (em R$) Comercial, venda na terça-feira Na terça-feira Prefixado 30 dias (ao ano) IPCA do IBGE (em %) Na terça-feira Capital de giro 48.495 18/12 19/12 22/12 23/12 50.889 R$ 2,705 ( 1,64%) US$ 5,198 (Estável) Julho/2014 0,01 Agosto/2014 0,25 Setembro/2014 0,57 Outubro/2014 0,42 Novembro/2014 0,51 0,42% Nova York 16/dezembro 2,73 17/dezembro 2,73 18/dezembro 2,65 19/dezembro 2,65 22/dezembro 2,65 15,14% 1,53% São Paulo » PAULO SILVA PINTO A história pode ser vista sob o ângulo da transforma- ção da natureza em rique- za. Começou com a busca do ser humano por conforto: car- ne, grãos e abrigo. Mas logo veio a ostentação, na forma de adornos, tótens, pirâmides, templos e palá- cios. A ciência surgiu como instru- mento para a busca de avanços e também para a compreensão de nossa trajetória. Pouco mais de dois séculos atrás, começou a se desenhar a vertente do conhecimento dedi- cada à prosperidade: a econo- mia. Assumiu-se como desafio teórico mostrar como conquis- tar o máximo possível de tudo o que é bom. Fórmulas surgiram para garantir que a produção só tenha um viés, o de alta. Ques- tionar o postulado de que o di- nheiro faz as pessoas mais feli- zes era coisa de mesa de bar, sem espaço sério na academia. Só que o jeito de ver as coisas está mudando. E num ritmo cada vez mais intenso, como mostrará série que o Correio publica a par- tir de hoje. “Dedicamos excessiva atenção à renda”, alerta o profes- sor Bruno Frey, do Departamento de Economia da Universidade de Zurique, um dos maiores expoen- tes dos estudos da busca pela feli- cidade.“As pessoas precisam valo- rizar a relação com amigos e famí- lia”, recomenda ele, que integra a lista dos 50 economistas mais im- portantes do planeta. Pode-se argumentar que, para perceber essas coisas, a ciência econômica é supérflua. No en- tanto, ela vem oferecendo uma grande ajuda, com releituras so- bre o conhecimento que se acu- mulou até hoje. A ideia não é mais ter o máximo. É saber o quanto é preciso — e possível — ter, além de identificar a medida do esforço que vale a pena apli- car na empreitada. Processo de escolha As novas teorias permitem des- trinchar algumas formas de deci- são de que as pessoas não se dão conta, e que, muitas vezes, são no- civas para elas. Do mesmo modo que se calcula o valor presente de uma empresa presumindo todo o lucro que ela terá em décadas, e descontando-se a taxa de juros, os economistas conseguem explicar, por exemplo, por que nós resisti- mos tanto a fazer exercícios físicos e seguir dietas que nos permitirão ter uma vida melhor e mais longa. A diferença de morrer aos 80 ou aos 85 não aparenta ser um ganho de cinco anos aos olhos de um quarentão. Dá-se a essa de- turpação o nome de desconto hi- perbólico. A vantagem da desco- berta é que se pode mostrar a coi- sa pelo lado inverso, destacando que um benefício que parece pe- queno agora crescerá exponen- cialmente no futuro. Tudo isso parece um pouco com outra área de ciência. E mui- tas vezes é. Em 2002, o Prêmio Nobel de Economia foi concedido a Daniel Kahneman, professor de psicologia da Universidade de Princeton que estudou os proces- sos de escolhas financeiras. É co- mo se tivéssemos dois cérebros, ele explica, um racional; outro, emocional. Ambos estão em cons- tante diálogo e conflito. Foi um ba- que diante da racionalidade que se atribuía ao Homo economicus, o ser dentro de nós que toma deci- sões sobre consumo e poupança. Kahneman também mostrou que várias escolhas são equivoca- das, porque as pessoas não conse- guem prever o prazer que terão com determinada escolha. Gas- tam muito para comprar um carro zero, por exemplo, e acabam por descobrir que o cheiro de novo passa logo e que seria melhor usar o dinheiro de outra forma. Amor e dinheiro Do Nobel de Kahneman para cá, o interesse pelo bem-estar das pessoas em suas decisões que en- volvem dinheiro só cresceu. “Nin- guém sabe por que a economia da felicidade tem ganhado tanta atenção de pesquisadores, gover- nos e público. Mas deve ser pelas crescentes demonstrações de que não estamos ficando mais felizes, embora sejamos muito mais ricos que os nossos avós”, pondera o professor Andrew Oswald, da Uni- versidade deWarwick, na Inglater- ra. “Eu gosto de pensar que isso ocorre também porque os econo- mistas estão começando a ver as coisas como elas devem ser. O que poderia ser mais importante do que a felicidade humana? A única surpresa que cabe é não terem percebido isso antes”, emenda. Um dos vários estudos de Os- wald sobre a economia da felici- dade mostra que trabalhadores satisfeitos conseguem elevar em 12% a produtividade. Mas, se é as- sim, por que há chefes que ainda acreditam mais na disseminação do medo e de ameaças para con- seguir o máximo de suas equipes? “Muitas empresas ainda estão de- fasadas. Acham que os funcioná- rios devem ser tratados na base da força, da ditadura, como se fos- sem soldados. Talvez isso funcio- nasse nos anos 1950, quando a in- dústria manufatureira era o que havia de mais importante. Mas não serve para o mundo de hoje, em que as pessoas trabalham em escritórios, usando o cérebro e a iniciativa”, ressalta. No Brasil, o assunto também tem atraído atenção de economis- tas de variadas tendências. “Isso é de enorme interesse. O amor ao dinheiro deve ser abandonado em favor da fruição.Temos de ter tem- po de apreciar as obras de arte. To- do mundo está percebendo que a competição desenfreada destrói as pessoas”, afirma Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de economia da Universidade Estadual de Cam- pinas (Unicamp). Ele nota que Jo- hn Maynard Keynes já menciona- va isso na década de 1920, quando escreveu o texto As consequências econômicas para os nossos netos. Quanto custa a felicidade A eterna insatisfação humana Governos e empresas se dedicam cada vez mais a medir o bem-estar. Um trabalhador satisfeito eleva em até 12% a produtividade Distribuição de renda Uma contribuição que não é nova para a compreensão do bem estar econômico, anterior até mesmo a John Maynard Keynes, é a teoria da utilidade marginal decrescente. Cada dólar, cada real, que alguém recebe tem importância menor que o anterior. Assim, torna-se necessário ganhar cada vez mais para conseguir uma satisfação no mínimo semelhante à de antes. Essa ideia serve de embasamento para os programas de distribuição de renda, pois demonstra que um pagamento extra de R$ 100 para uma pessoa miserável tem grande impacto em sua vida, ao passo de que será visto quase que com indiferença por alguém de classe média. Quando se acostuma com de- terminado padrão de vida e, even- tualmente, enfrenta-se dificulda- de para pagar as contas, vive-se ansiedade e angústia. Por outro la- do, há consenso de que ganhos elevados de renda têm efeito redu- zido, ainda que não sejam nulos, para fazer as pessoas mais felizes. Um prêmio de loteria, por exem- plo, traz grande alegria. Mas dura algumas semanas ou meses. De- pois, o ganhador adapta suas ex- pectativas ao padrão conquistado. Aumentos de renda não só ten- dem a proporcionar ganhos de fe- licidade de forma decrescente co- mo acabam encontrando um teto, além do qual acréscimos de bem- estar são neglicenciáveis, segundo economistas. “Eu duvido que os países fiquem mais felizes depois de atingir o nível de renda da Eu- ropa nos anos 1990 (cerca de US$ 40 mil anuais, ou R$ 107,3 mil). Acima desse patamar, a única coisa que existe é a publici- dade convencendo as pessoas a comprarem um carro mais poten- te que o do vizinho, ou um relógio mais caro, o que não traz ganho nenhum para a sociedade de mo- do mais amplo”, argumenta An- drew Oswald, da Universidade de Warwick, na Inglaterra. Há controvérsias sobre esse patamar máximo da relação entre aumento de renda e felicidade. Economistas norte-americanos apontam US$ 13.500 mensais (R$ 36.200) como o limite. Uma coisa porém é livre de divergên- cia: o que importa para as pes- soas, muitas vezes, não é a renda em si, mas a comparação com os outros. Pesquisas mostram que uma pessoa que tem o salário do- brado fica muito aborrecida, em vez de comemorar, se descobre que o ganho dos colegas foi multi- plicado por três. É uma descoberta que leva mais água para o moinho dos defensores da equidade. Os ganhos da economia da fe- licidade vão além da compreen- são das escolhas individuais. Para o economista Pedro Fernando Neri, consultor do Senado, há grande potencial para a concep- ção de políticas públicas, “desde que o governo tome o cuidado de não ser paternalista”. A mobilida- de urbana, por exemplo, é algo que ajuda muito. Para a teoria econômica tradicional, se a pes- soa mora longe do trabalho, o tempo gasto diariamente é con- trabalançado pela vantagem de uma casa maior ou mais barata. Estudo de Bruno Frey, da Uni- versidade de Zurique, mostra, porém, que a soma das vanta- gens de desvantagens de diferen- tes escolhas não tem soma equi- valente: quanto mais tempo se gasta diariamente, menor o bem- estar, ainda que se viva em uma casa melhor. (PSP)

Upload: rubens-sakay

Post on 21-Jan-2017

467 views

Category:

Business


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Série  "Quanto custa a felicidade"

C M Y KCMYK

Economia6 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

$

EEddiittoorr:: Vicente [email protected]

3214-1148

0

InflaçãoDólar EuroBolsas Global30Bovespa CDB

11,15%R$3,282

Índice Bovespa nosúltimos dias (em pontos)

Título da dívida externabrasileira na terça-feira

Na terça-feira Últimas cotações (emR$)Comercial, vendana terça-feira Na terça-feira Prefixado

30dias (aoano)

IPCAdo IBGE (em%)Na terça-feiraCapitaldegiro

48.495

18/12 19/12 22/12 23/12

50.889 R$2,705(▲ 1,64%)

US$5,198(Estável)

Julho/2014 0,01Agosto/2014 0,25Setembro/2014 0,57Outubro/2014 0,42Novembro/2014 0,51

0,42%Nova York

16/dezembro 2,7317/dezembro 2,7318/dezembro 2,6519/dezembro 2,6522/dezembro 2,65 15,14%1,53%

SãoPaulo

» PAULOSILVAPINTO

Ahistória pode ser vista sobo ângulo da transforma-ção da natureza em rique-za. Começou com a busca

do ser humano por conforto: car-ne, grãos e abrigo. Mas logo veio aostentação, na forma de adornos,tótens, pirâmides, templos e palá-cios. A ciência surgiu como instru-mento para a busca de avanços etambém para a compreensão denossa trajetória.

Pouco mais de dois séculosatrás, começou a se desenhar avertente do conhecimento dedi-cada à prosperidade: a econo-mia. Assumiu-se como desafioteórico mostrar como conquis-tar o máximo possível de tudo oque é bom. Fórmulas surgirampara garantir que a produção sótenha um viés, o de alta. Ques-tionar o postulado de que o di-nheiro faz as pessoas mais feli-zes era coisa de mesa de bar, semespaço sério na academia.

Só que o jeito de ver as coisasestá mudando. E num ritmo cadavez mais intenso, como mostrarásérie que o Correio publica a par-tir de hoje. “Dedicamos excessivaatenção à renda”, alerta o profes-sor Bruno Frey, do Departamentode Economia da Universidade deZurique, um dos maiores expoen-tes dos estudos da busca pela feli-cidade.“As pessoas precisam valo-rizar a relação com amigos e famí-lia”, recomenda ele, que integra alista dos 50 economistas mais im-portantes do planeta.

Pode-se argumentar que, paraperceber essas coisas, a ciênciaeconômica é supérflua. No en-tanto, ela vem oferecendo umagrande ajuda, com releituras so-bre o conhecimento que se acu-mulou até hoje. A ideia não émais ter o máximo. É saber oquanto é preciso — e possível —ter, além de identificar a medidado esforço que vale a pena apli-car na empreitada.

ProcessodeescolhaAs novas teorias permitem des-

trinchar algumas formas de deci-são de que as pessoas não se dãoconta, e que, muitas vezes, são no-civas para elas. Do mesmo modoque se calcula o valor presente deuma empresa presumindo todo olucro que ela terá em décadas, edescontando-se a taxa de juros, oseconomistas conseguem explicar,por exemplo, por que nós resisti-mos tanto a fazer exercícios físicose seguir dietas que nos permitirãoter uma vida melhor e mais longa.

A diferença de morrer aos 80ou aos 85 não aparenta ser umganho de cinco anos aos olhos deum quarentão. Dá-se a essa de-turpação o nome de desconto hi-perbólico. A vantagem da desco-berta é que se pode mostrar a coi-sa pelo lado inverso, destacandoque um benefício que parece pe-queno agora crescerá exponen-cialmente no futuro.

Tudo isso parece um poucocom outra área de ciência. E mui-tas vezes é. Em 2002, o Prêmio

Nobel de Economia foi concedidoa Daniel Kahneman, professor depsicologia da Universidade dePrinceton que estudou os proces-sos de escolhas financeiras. É co-mo se tivéssemos dois cérebros,ele explica, um racional; outro,emocional. Ambos estão em cons-tante diálogo e conflito. Foi um ba-que diante da racionalidade que seatribuía ao Homo economicus, oser dentro de nós que toma deci-sões sobre consumo e poupança.

Kahneman também mostrouque várias escolhas são equivoca-das, porque as pessoas não conse-guem prever o prazer que terãocom determinada escolha. Gas-tam muito para comprar um carrozero, por exemplo, e acabam pordescobrir que o cheiro de novopassa logo e que seria melhor usaro dinheiro de outra forma.

AmoredinheiroDo Nobel de Kahneman para

cá, o interesse pelo bem-estar daspessoas em suas decisões que en-volvem dinheiro só cresceu. “Nin-guém sabe por que a economia dafelicidade tem ganhado tantaatenção de pesquisadores, gover-nos e público. Mas deve ser pelascrescentes demonstrações de quenão estamos ficando mais felizes,embora sejamos muito mais ricosque os nossos avós”, pondera oprofessor Andrew Oswald, da Uni-versidade deWarwick, na Inglater-ra. “Eu gosto de pensar que issoocorre também porque os econo-mistas estão começando a ver ascoisas como elas devem ser. O quepoderia ser mais importante doque a felicidade humana? A únicasurpresa que cabe é não terempercebido isso antes”, emenda.

Um dos vários estudos de Os-wald sobre a economia da felici-dade mostra que trabalhadoressatisfeitos conseguem elevar em12% a produtividade. Mas, se é as-sim, por que há chefes que aindaacreditam mais na disseminaçãodo medo e de ameaças para con-seguir o máximo de suas equipes?“Muitas empresas ainda estão de-fasadas. Acham que os funcioná-rios devem ser tratados na base daforça, da ditadura, como se fos-sem soldados. Talvez isso funcio-nasse nos anos 1950, quando a in-dústria manufatureira era o quehavia de mais importante. Masnão serve para o mundo de hoje,em que as pessoas trabalham emescritórios, usando o cérebro e ainiciativa”, ressalta.

No Brasil, o assunto tambémtem atraído atenção de economis-tas de variadas tendências. “Isso éde enorme interesse. O amor aodinheiro deve ser abandonado emfavor da fruição.Temos de ter tem-po de apreciar as obras de arte.To-do mundo está percebendo que acompetição desenfreada destróias pessoas”, afirma Luiz GonzagaBelluzzo, professor de economiadaUniversidadeEstadualdeCam-pinas (Unicamp). Ele nota que Jo-hn Maynard Keynes já menciona-va isso na década de 1920, quandoescreveu o texto As consequênciaseconômicas para os nossos netos.

Quanto custa a

felicidade

A eterna insatisfação humana

Governoseempresas sededicamcadavezmais amedir obem-estar.Umtrabalhador satisfeito elevaematé 12%aprodutividade

Distribuiçãode renda

Uma contribuição que não énova para a compreensão dobem estar econômico, anterioraté mesmo a JohnMaynardKeynes, é a teoria da utilidademarginal decrescente. Cadadólar, cada real, que alguémrecebe tem importância menorque o anterior. Assim, torna-senecessário ganhar cada vezmais para conseguir umasatisfação nomínimosemelhante à de antes. Essaideia serve de embasamentopara os programas dedistribuição de renda, poisdemonstra que um pagamentoextra de R$ 100 para umapessoamiserável tem grandeimpacto em sua vida, ao passode que será visto quase quecom indiferença por alguém declassemédia.

Quando se acostuma com de-terminado padrão de vida e, even-tualmente, enfrenta-se dificulda-de para pagar as contas, vive-seansiedade e angústia. Por outro la-do, há consenso de que ganhoselevados de renda têm efeito redu-zido, ainda que não sejam nulos,para fazer as pessoas mais felizes.Um prêmio de loteria, por exem-plo, traz grande alegria. Mas duraalgumas semanas ou meses. De-pois, o ganhador adapta suas ex-pectativas ao padrão conquistado.

Aumentos de renda não só ten-dem a proporcionar ganhos de fe-licidade de forma decrescente co-mo acabam encontrando um teto,além do qual acréscimos de bem-estar são neglicenciáveis, segundoeconomistas. “Eu duvido que ospaíses fiquem mais felizes depoisde atingir o nível de renda da Eu-ropa nos anos 1990 (cerca deUS$ 40 mil anuais, ou R$ 107,3mil). Acima desse patamar, a

única coisa que existe é a publici-dade convencendo as pessoas acomprarem um carro mais poten-te que o do vizinho, ou um relógiomais caro, o que não traz ganhonenhum para a sociedade de mo-do mais amplo”, argumenta An-drew Oswald, da Universidade deWarwick, na Inglaterra.

Há controvérsias sobre essepatamar máximo da relação entreaumento de renda e felicidade.Economistas norte-americanosapontam US$ 13.500 mensais(R$ 36.200) como o limite. Umacoisa porém é livre de divergên-cia: o que importa para as pes-soas, muitas vezes, não é a rendaem si, mas a comparação com osoutros. Pesquisas mostram queuma pessoa que tem o salário do-brado fica muito aborrecida, emvez de comemorar, se descobreque o ganho dos colegas foi multi-plicado por três. É uma descobertaque leva mais água para o moinho

dos defensores da equidade.Os ganhos da economia da fe-

licidade vão além da compreen-são das escolhas individuais. Parao economista Pedro FernandoNeri, consultor do Senado, hágrande potencial para a concep-ção de políticas públicas, “desdeque o governo tome o cuidado denão ser paternalista”. A mobilida-de urbana, por exemplo, é algoque ajuda muito. Para a teoriaeconômica tradicional, se a pes-soa mora longe do trabalho, otempo gasto diariamente é con-trabalançado pela vantagem deuma casa maior ou mais barata.

Estudo de Bruno Frey, da Uni-versidade de Zurique, mostra,porém, que a soma das vanta-gens de desvantagens de diferen-tes escolhas não tem soma equi-valente: quanto mais tempo segasta diariamente, menor o bem-estar, ainda que se viva em umacasa melhor. (PSP)

Page 2: Série  "Quanto custa a felicidade"

C M Y KCMYK

CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 24 de dezembro de 2014 • Economia • 7

» PAULO SILVA PINTO

A o mesmo tempo em queaponta para o futuro, aeconomia da felicidaderepresenta uma volta ao

passado, quando as ciências con-versavam entre si e a busca dobem-estar do ser humano estavano centro das discussões. Rober-to Romano, professor de filosofiada Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) lembraque Adam Smith (1723-1790), opai da economia moderna, bus-cava no livre mercado a otimiza-ção da qualidade de vida, assimcomo Karl Marx (1818-1883), ocriador do comunismo, mirava amesma direção por outro cami-nho. “Ele fez uma crítica ao modode produção que destruía os cor-pos humanos”, relata Romano.

“Era comum encontrar naEuropa da época trabalhadoresque tinham uma vida pior doque a dos escravos das Améri-cas”, assinala o antropólogo Ro-berto DaMatta, professor daPontifícia Universidade Católi-ca do Rio de Janeiro (PUC-RJ).Ele explica que a preocupaçãoda felicidade é algo próprio doprocesso civilizatório. Os índiosApynayé, que DaMatta estudoudécadas atrás, “não procuram afelicidade, nem sabem o que éisso. Mas são felizes”.

Se no iluminismo do século18 a felicidade estava no centrodas atenções, o que ocorreu deerrado? “Vieram os séculos mal-ditos 19 e 20, em que as religiõesse voltaram mais para o pecadoe tanto a esquerda quanto a di-reita se tornaram ascéticas”, dizRomano. Ele atribui à difusãodas ideias do filósofo ImmanuelKant (1724-1804) a construçãoda ideia de um mundo que devefuncionar “como uma engrena-gem perfeita”, sem espaço paraas ideias de felicidade.

Nesse processo, a ciência eco-nômica transformou-se em algocheio de fórmulas, “desumaniza-do” na opinião de Romano. Ou-tras áreas, segundo ele, tambémforam prejudicadas por esse mo-do de ver as coisas, mesmo a fi-losofia, na qual os pesquisadorestendem a uma excessiva espe-cialização. Às vezes constroem acarreira sobre um capítulo de

determinado autor, sem olharpara todo o seu trabalho e mui-to menos para outros nomes.Nesse ambiente, falta receptivi-dade para discutir o sentido davida. “Outro dia eu falei da im-portância da busca da felicida-de em uma discussão pública eum dos participantes disse queera uma bobagem”, conta.

DaMatta nota que o significa-do do que é viver bem varia con-forme a cultura. Depois do dou-torado em Harvard, ele ganhouuma cátedra na Universidade deNotre Dame, uma das mais im-portantes dos Estados Unidos.Mas voltou ao Brasil porque sen-tia que a vida dele era mais com-pleta aqui. “Lá, quando se fazuma aula boa, ela termina e pron-to. Aqui, se a aula é boa, todoscontinuam conversando depoisque ela acaba”, diz.

Um dos ingredientes essen-ciais, em qualquer sociedade,ressalta DaMatta, é a convivênciacom a família e com amigos. “Háhomens de 50 anos que se reú-nem para comer salaminho econtar mentiras sobre conquistassexuais. Isso faz deles mais feli-zes”, comenta. Outro ponto queele considera essencial é ter a cla-ra noção daquilo que se conse-gue fazer e o que não se conse-gue. “Aprendi isso com os Alcoóli-cos Anônimos.” Ele frequentoureuniões do grupo quando acom-panhava um filho, hoje falecido.

AngústiaO antropólogo identifica na

grande quantidade de informa-ções disponíveis hoje em dia umadas fontes de angústia moderna.“No passado, havia corrupção,mas nós nem nos dávamos contadisso. Agora, é impossível não to-mar conhecimento. E tambémnão se consegue ficar indiferentea tudo isso”, diz.

Isso está longe de passar des-percebido por funcionários deinstituições que estão, ou estive-ram, envolvidas com o problema.Para o gerente de suprimentosdos Correios, Ércole Tramontano,é necessário indignar-se. “Mas épossível fazer isso sem ser infe-liz”, defende. Ele concorda que,para muitas pessoas, isso é difícil,não só pelas informações sobre a

Uma engrenagem perfeitaNoemprego, independentemente do cargo, as pessoas sempre esperamo reconhecimento de que executarambemas funções.

Funcionáriossentem-seconstrangidosquandodescobremquedonosdasempresasparaasquais trabalhamestãometidosemcorrupção

corrupção, mas por todas asmazelas do mundo. “Tem muitagente que se sente constrangi-da em ser feliz com tanta notí-cia ruim”, afirma.

Tramontano desenvolveações de estímulo da felicidadeem sua equipe de 150 pessoas,responsáveis por responder àsnecessidades de 10,3 mil pontos

de atendimento dos Correios emtodo o país. Ele afirma que é possí-vel ser rigoroso no trabalho semcausar grandes transtornos às pes-soas. “Quando um fornecedor nãocumpre os prazos, ele é chamado eeu comunico que terá de pagarmulta. É simples assim. Não é ne-cessário ser petulante”, destaca.

Para Tramontano, a maior

dificuldade está no modo de aspessoas verem as coisas. “Fica-mos sempre adiando o momentode ser feliz. Se cumprimos umatarefa, ficamos na expectativa dever o trabalho completo. E quan-do conseguimos isso, deixamos afelicidade para quando vier o re-conhecimento de que aquele foium bom trabalho”, conclui.

O modo de avaliar a evoluçãode qualquer país, e seu governo, éolhar para o crescimento do Pro-duto Interno Bruto (PIB). Mas oindicador tem sido questionadocomo uma medida de bem-estar.Mesmo o Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH), que levaem conta a renda ao lado de indi-cadores sociais, como a expecta-tiva de vida, dá margem a dúvi-das sobre o quanto as pessoas es-tão realmente felizes.

O primeiro desafio ao PIB veioem 1972 do distante reino do Bu-tão, que fica aos pés do Himalaia,encravado entre a Índia e a Chi-na. O país criou a Felicidade In-terna Bruta (FIB). Todos os anos,umaamostradoscidadãosécon-vidada a responder 249 conjun-tos de questões. Em um deles,por exemplo, as pessoas devemavaliar, em uma escala de seispontos, seu nível de satisfaçãocom a saúde, a relação com os fa-miliares e o trabalho. Em outroconjunto, é indagado se acharamum sentido para a vida, se têm li-berdade para expressar opiniões,se suas atividades proporcionamrealização e se as pessoas em suavida preocupam-se com elas.

Não há um resultado numéri-co para o FIB, mas ele ajuda o go-verno a tomar várias decisões,segundo o administrador e pu-blicitário Rogério Oliveira, 39anos, que já foi três vezes ao paíse lá conseguiu uma das fontes deinspiração para seu trabalho deconsultoria em empresas. Olivei-ra explica que os valores do paísnão são necessariamente os quese usam em outros lugares. “Elesconsideram a educação impor-tante na medida em que permiteàs pessoas se expressarem. Masfazer um doutorado, por exem-plo, não é visto como algo quepossa ampliar a felicidade”, diz.

Uma crítica recorrente ao sis-tema butanês é o fato de o paísser uma monarquia, com resul-tados questionáveis em termosde democracia. Oliveira afirma,porém, que o rei leva uma vidasimples, e que as liberdades vemsendo ampliadas.

DiferençasA experiência do Butão e o

crescimento do foco da felicidadena economia tem levado gover-nos a se preocupar com o assun-to. A França contratou um grupode vencedores do Nobel de Eco-nomia para avaliar como os fran-ceses de sentem. O Reino Unidofoi na mesma linha. As conclu-sões apresentadas até agora nãofogem muito do que já é conheci-do: o PIB é um indicador limitadoe outras pesquisas, sobretudo naárea social, se fazem necessárias.

Em 2011, a Assembleia Geralda Organização das Nações Uni-das (ONU) aprovou uma resolu-ção convidando os países mem-bros a medir a felicidade de seuscidadãos e a usar os resultadospara orientar políticas públicas.A busca da felicidade é apontadacomo objetivo humano funda-mental, que abarca os Objetivosde Desenvolvimento do Milênio.

Um dos modos de medir ecomparar a felicidade das pes-soas é perguntar a elas o que pen-sam, por meio de pesquisas deopinião. O problema disso é quea avaliação da felicidade é algosubjetivo. E quando se levam emconta diferenças culturais, tudofica ainda mais difícil.

Para fugir da subjetividade,há a tentativa de sistematizarnúmeros globais. O World Hap-piness Report, dos economistasJohn Helliwell, Richard Layard eJeffrey Sachs, foi feito pela últi-ma vez no ano passado e colo-cou o Brasil em 24º lugar entre156 países. (PSP)

Povo fala

JÚNIORROCHA,31 anos, instrutor de trânsito

O dinheiro é umcomplemento dafelicidade. Se euganhasse na Mega-Sena, eu poderiatornar as músicas quecomponho conhecidasmais rapidamente.Tenho 200composições dereggae, MPB e até sertanejo. Ter muito dinheironão é indispensável para ser feliz. Se a pessoaestá com depressão, não adianta nada. Hápessoas que nascem e morrem infelizes. Nãotem jeito. O importante é a gente viver cada diacomo se fosse o último.

RAIMUNDODEFREITASLANTYER,56 anos, motorista

No meu modo de ver,o dinheiro não fazuma pessoa maisfeliz.Vejo gente muitorica e infeliz etambém conheçopessoas que moramem casa de taipa e sãomuito felizes. Eu souespírita há 20 anos eacho que o que mais importa não é amaterialidade, mas sim fazer o bem. É issoo que eu ensino aos meus filhos. É muitodifícil eu jogar em loteria. Se ganhasse,iria usar o dinheiro para ajudar a famíliae instituições de caridade.

AMANDAROSINA,24 anos, vendedora

Dinheiro é coisapassageira, você gastae acabou. Eu lutopara ter dinheiro, masnão sou gananciosa.Não trabalharia emalgo que eu não gosto,por exemplo, paraganhar mais. Atéporque só quemtrabalha no que gosta faz ascoisas benfeitas, sente prazerem sair de casa todos os diaspara produzir. Acho que acoisa mais importante para afelicidade é ter saúde.

NATÁLIADEOLIVEIRA,28 anos, psicóloga

O dinheiro ajuda afelicidade em parte,porque proporcionaconforto. Mastambém causa muitainfelicidade emalguns casos, comonas situações de brigade irmãos em disputaspor herança. Oimportante na vida é terequilíbrio, saber dar ovalor real às coisas.Infelizmente, nem sempreas pessoas conseguem.

DINHEIROFAZAPESSOASERFELIZ?

RONIDOURADO,26 anos, não estuda nem trabalha

Às vezes, o dinheiroajuda a ser feliz. Se eutivesse um pouco dedinheiro sobrandoagora, passaria o fimde ano em Salvador.Mas, como deixei oemprego de vendedorem agosto, não serápossível. Mas aminha vida está boa. Moro em Posse,na Bahia. É um lugar com menosempregos do nas cidades grandes,mas as pessoas são mais felizes,porque há menos correria e aviolência é menor.

FLÁVIAAMARAL,34 anos, advogada

O dinheiro não traztoda a felicidade.Claro que ajuda nasdespesas do dia a dia,traz conforto. Épossível tambémajudar a família. Mastambém atrapalha aotrazer para perto dagente pessoasinteresseiras. O trabalho é uma fontede felicidade quando a gente pensanão só na remuneração, mas nosresultados. O que eu mais me realizano meu trabalho é quando eu consigoajudar as pessoas.

BILTIS BRAGASOUZA,30 anos, auxiliar de serviços gerais

Para algumas coisas,o dinheiro ajuda.Para outras, não. É ocaso das doençasincuráveis. Se eutivesse mais dinheiro,compraria um carroe estudaria inglês.Mas farei isso dequalquer jeito, só vaidemorar mais. Gosto muitodo meu trabalho. Ficar emcasa, não dá. No próximoano, vou começar a estudarem um curso técnico desecretariado.

DENNERENESOUSAALVES,19 anos, militar

Felicidade é ter umacasa e uma famíliaboa. Na vida, temosque correr atrásdessas coisas que nosfazem bem. E issoindepende dedinheiro. Claro que seeu ganhasse na loteriatudo ficaria maisfácil, poderia ajudar, mas agente não precisa disso paraser feliz. Se eu ganhar muitodinheiro, não vou mudar oque eu sou. A gente tem queser humilde.

PIB nãodiz tudo

Ércole Tramontano, dos Correios, comandaumaequipe de 150 pessoas. Para ele, é umexercício diário ser feliz

Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Quanto custa a felicidade

Page 3: Série  "Quanto custa a felicidade"

C M Y KCMYK

Economia7 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

$

EEddiittoorr:: Vicente [email protected]

3214-1148

» PAULOSILVAPINTO

Em tempos de escassez demão de obra qualificada,reter talentos é a maiorpreocupação das empre-

sas mais dinâmicas, que veem afelicidade no ambiente de traba-lho como um alvo constante. Em-bora ofereçam benefícios visto-sos a seus funcionários, elas sa-bem que isso está longe de ser su-ficiente. Erdman Correia da Silva,26 anos, não tem dúvidas sobre arazão que o leva a querer conti-nuar no laboratório Sabin porlongo tempo: a perspectiva decrescer. “As pessoas precisamolhar para a frente e verem quehá boas perspectivas profissio-nais. É o que nos move”, diz.

Há um ano na companhia, elefoi promovido depois do terceirocontracheque. Entrou como re-cepcionista, cargo que ainda ocu-pa por meio período. O resto dotempo fica no departamento deaudiovisual, onde escreve rotei-ros de filmes de treinamento.“Faço historinhas com persona-gens, para não ficar com cara detelecurso”, explica.

Se pudesse escolher o trabalhoideal, Erdman gostaria de ser ci-neasta. Mas não deixa de fazerseus curta metragens nos mo-mentos de folga. E garante que éfeliz. Tem melhor remuneração,mais benefícios e perspectivas decrescimento do que no empregoanterior, na seção de filmes deuma grande livraria. “Eu gostavade conversar com clientes sobrefilmes. Mas não conseguiria evo-luir naquele emprego”, conta. Nãoteve que tomar iniciativa para sair.A solução veio com a entrada deum banco no bloco de controle daempresa, a que se seguiu a deci-são de demitir os funcionáriosmais antigos e caros.

No Sabin, a cobrança de metasé rigorosa, mas a ideia é manter osfuncionários por muito tempo. SeErdman ficar lá por cinco anos,ganhará um salário a mais. Se che-gar a 20, levará um carro zero. Emdezembro, os funcionários rece-bem tíquete alimentação deR$ 880 em vez dos tradicionaisR$ 440. “A felicidade da equipe éessencial para a cordialidade noatendimento ao público”, afirma apresidente da empresa, Lídia Ab-dalla. Mas há outros benefícios: arotatividade média das firmas dosetor é de 6% mensais; no Sabin, éde apenas 0,5% entre os 2.250 fun-cionários espalhados por nove ci-dades — em Brasília, sede da em-presa, estão 1.450.

Valor socialAlém de agrados e perspectivas

de avanço na carreira, o profissio-nal fica mais feliz quando vê os re-sultados do que fez, na avaliaçãodo diretor de Gestão de Pessoasdo Banco do Brasil, Carlos Netto.“É fundamental para os funcioná-rios ter noção do significado dovalor social do trabalho. Isso faztoda a diferença. Como a escolanão ensina isso, precisamos mos-trar”, diz. Desde o ano passado, otema faz parte de uma campanhainterna do BB, mostrando, porexemplo, que o seguro de vida po-de ajudar um jovem a pagar a fa-culdade na ausência do pai.

Isso não substitui os bene-fícios. O banco gasta por ano

» FRANCELLEMARZANO

Belo Horizonte (MG) — Parteda felicidade nas empresas estárelacionada à liberdade de ir e vir,dizem os sócios da KOT Enge-nharia, Bruno Miranda e JoãoGabriel Sá. Por isso, o clima sem-pre é de festa na empresa. Elescontam que, por ano, investempelo menos R$ 170 mil na autoes-tima dos funcionários. Entre osbenefícios estão a flexibilidade dehorário, sala com tevê, games, so-fá, pufs para descontração, tem-po para ginástica laboral todos osdias, estrutura moderna, em vãolivre, sem divisões entre as pes-soas, alimentação saudável, ca-pacitação e treinamentos.

“Não custa quase nada ser feliz.O gasto que temos é o de tocarprojetos que contribuam para a fe-licidade dos colaboradores. Con-tudo, os benefício que eles trazem,como a alta produtividade, são

enormes. Não temos nem comomensurá-los. O que posso dizer éque 90% dos nossos clientes semostram felizes”, afirma João Ga-briel. “Mas que fique claro: toda aliberdade na empresa é atrelada aresponsabilidades. Ninguém temhorário fixo, porém, sempre háprazos para a entrega de projetos.Ou seja, a pessoa pode trabalharmuitas horas em um dia e menosem outros. Se tem algum médicoou compromisso, pode sair pararesolver sem se preocupar em terque dar muita satisfação no traba-lho”, complementa Bruno.

Na Plan B, agência de comuni-cação, a felicidade dos colabora-dores é um princípio básico. Sócioda empresa, Clécio Wains contaque depende muito da produçãointelectual. “Sempre procuramosuma solução fantástica para oscliente. Assim, se não tivermosum bom ambiente de trabalho,onde as pessoas se sintam felizes,

não conseguimos chegar comuma boa solução para quem estános pagando”, reflete. Ele ressaltaque a busca pela felicidade levou aPlan B a buscar uma nova sede,com investimentos de R$ 700 mil.

O objetivo foi proporcionarmais dinamismo e criatividade aosempregados, que passaram a con-tar com espaço pet para seus ani-mais (eles podem levar seus ca-chorros para o trabalho), loungepara descanso, cozinha, minirram-pa de skate e chuveiros para quemchega de bicicleta. Os próprios tra-balhadores deram ideias para pla-nejar o ambiente, envolveram-secom o projeto, o que faz com quese sintam um pouco donos do ne-gócio e trabalhem mais felizes. Queo diga Paula Albino, 27 anos, hácinco na empresa. “Uma compa-nhia que valoriza seus profissio-nais têm retornos maiores. Se so-mos felizes, somos mais produti-vos. Ou seja, todos ganham”, diz.

O sonho de muitos brasileiros évirar funcionário público, em bus-ca da estabilidade e de uma boaremuneração. Seria de esperarque, uma vez conquistado o cargo,ficassem felizes. “Mas o que se vê,quando se entra em muitos locaisde trabalho, são servidores estu-dando para fazer novos concur-sos”, afirma Mário César Ferreira,do Instituto de Psicologia da Uni-versidade de Brasília (UnB).

Em geral, os funcionários quecontinuam galgando novas posi-ções querem ganhar melhor, con-seguir uma jornada mais flexívelou um órgão que lhes garanta“maior prestígio social”, relata Fer-reira. Entre as queixas na funçãoque exercem está, muitas vezes, airrelevância do que fazem, por seralgo aquém do que permite a for-mação que possuem. “O que seouve é: consegui passar onde euqueria, mas estou infeliz, fazendotarefas imbecis”, ressalta. Paraoprofessor, o problema está no de-senho dos concursos, que nãopermite a escolha das pessoasmais adequadas para os cargos.“Oque se exige é memória de elefantepara repetir um monte de infor-mações que serão inúteis depois.”

Outro problema recorrente nasrepartições públicas, segundo Fer-reira, é o assédio moral. No BancoCentral, os funcionários podemprocurar uma ouvidoria quandoenfrentam esse tipo de dificulda-de. A chefe do departamento degestão de pessoas do BC, Nilvane-te Ferreira da Costa, explica que épreciso distinguir quando umapessoa é seguidamente desqualifi-cada pelo chefe, quando há ofen-sas, que também são punidas, eoutras situações. “Alguns tipos deconflitos são naturais”, explica.

Mas os funcionários do BC nãoprecisam quebrar a cabeça parasaber se tem ou não razão nas si-tuações que enfrentam. Podemprocurar, a qualquer momento dajornada de trabalho, o serviço deatendimento psicológico para fa-lar de seus problemas.

A motivação tem a mesma carano serviço público e nas empresas,defende o diretor de recursos hu-manos da Advocacia Geral daUnião (AGU), Antonio de OliveiraAguiar. “Todo mundo quer fazerpartedeumtimequeestáganhan-do”, explica ele, responsável pelos11 mil funcionários da instituição.Auditor fiscal, ele pediu para sertransferido para a AGU exatamen-te porque não via as mesmas pos-sibilidades de realização profissio-nal no Ministério da Fazenda.

Desde 2011, Aguiar toca umprograma de qualidade de vida naAGU, com salas para que os fun-cionários possam descansar e ou-tras para fazer as refeições. Todosos anos, há uma semana em quese discute o bem-estar e dicas paraa qualidade de vida. Segundo ele,alguns benefícios foram imedia-tos: pessoas que não se falavamhavia muito tempo fizeram as pa-zes. “No fundo, todo mundo sabeo que precisa para ser feliz, masacaba criando vários obstáculospara isso”, sentencia Aguiar. (PSP)

Dilemas deservidores

Liberdade é fundamental

Empresas oferecem bem-estar

para reter talentosFoi-se o tempoemqueoambiente de trabalho se restringia à cobrançapor resultados. Companhias se conscientizam

deque empregados felizes sãomais comprometidos como futuro dosnegócios. E,melhor, reduzemasdespesas comsaúde

Leia mais na página 8»

Licençaspor doença

O Banco do Brasil gastaráR$ 953milhões com a saúdedos funcionários em 2014,dos quais R$ 450milhõescom o seguro e R$ 53milhões com outrosprocedimentos. Esse valornão tem diminuído porquegrande parte só é destinada àmedicina preventiva. Mas onúmero de licenças porrazões de saúde, diz,é cada vez menor.

Quanto custa a felicidade

AntonioOliveira Aguiar é responsável pelo programade qualidade de vida daAGU: “Até amizades já reatamos comonosso trabalho”

Minervino Junior/CB/D.A Press - 12/12/14

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Aspessoasprecisamolharpara a frentee veremqueháboas perspectivasprofissionais.É o que nosmove”

Erdman Correia da Silva,recepcionista

R$ 23 milhões no programa dequalidade de vida no trabalho,que existe há cinco anos. O re-curso é distribuído entre as agên-cias para pagar, por exemplo,massagens a funcionários e com-prar lanches saudáveis, incluin-do pão integral e frutas. A pes-quisa de satisfação entre os fun-cionários teve, neste ano, o me-lhor resultado desde 2004.

0

InflaçãoDólar EuroBolsas Global30Bovespa CDB

11,15%R$3,282

Índice Bovespa nosúltimos dias (em pontos)

Título da dívida externabrasileira na terça-feira

Na terça-feira Últimas cotações (emR$)Comercial, vendana terça-feira Na terça-feira Prefixado

30dias (aoano)

IPCAdo IBGE (em%)Na terça-feiraCapitaldegiro

48.495

18/12 19/12 22/12 23/12

50.889 R$2,705(▲ 1,64%)

US$5,198(Estável)

Julho/2014 0,01Agosto/2014 0,25Setembro/2014 0,57Outubro/2014 0,42Novembro/2014 0,51

0,42%Nova York

16/dezembro 2,7317/dezembro 2,7318/dezembro 2,6519/dezembro 2,6522/dezembro 2,65 15,14%1,53%

SãoPaulo

Page 4: Série  "Quanto custa a felicidade"

C M Y KCMYK

8 • Economia • Brasília, quinta-feira, 25 de dezembro de 2014 • CORREIO BRAZILIENSE

» PAULOSILVAPINTO

Desde que estreamos noprimeiro emprego até aaposentadoria, vão-seembora metade de nos-

sos dias, considerando a média doque os brasileiros esperam viver.Durante esse período, de segundaa sexta-feira, ao menos, ficamosmais tempo no trabalho do queem qualquer outro lugar enquan-to estamos com os olhos abertos.Convivemos mais com os colegas,clientes e fornecedores, comquem muitas vezes também nossentamos à mesa para almoçar,do que com o cônjuge ou os filhos.

Considerado o tempo em quese passa imerso na produção, éimpossível imaginar uma pessoaque seja feliz se tiver uma vidaprofissional terrível ou mesmo in-satisfatória. E é uma ilusão pensarque tem sorte quem não precisatrabalhar ou quem consegue umtrabalho de baixa exigência. “Umadas realizações das pessoas é se-rem produtivas”, explica MárioCésar Ferreira, professor do Insti-tuto de Psicologia da Universida-de de Brasília (UnB) e especialistaem relações profissionais.

Tampouco é necessário con-quistar o emprego dos sonhos.Um caso famoso é o de um faxi-neiro da estação Grand Central,em NovaYork. Ele trabalhou lá du-rante décadas, sem mudar de fun-ção, limpando o local por ondepassam milhares de pessoas pordia, e onde não se tem ideia se hásol, chuva ou neve lá fora. Ele sedizia uma pessoa extremamentefeliz. E quem o encontrava não ti-nha dúvidas disso.

EstímuloA psicologia positiva, que, no

lugar de decifrar as mazelas hu-manas tem como foco identificaro que o homem precisa para serfeliz, chegou à conclusão de que50% das razões estão na genética— e o faxineiro de estação prova-velmente teve uma sorte grandenesse quesito, ainda que não emoutros. Outros 40% dependem doesforço pessoal, sobretudo o auto-conhecimento. E apenas 10% sãoo resultado das contingências, in-cluindo o emprego que consegui-mos conquistar, a economia dopaís e os infortúnios que ocorremem nosso percurso.

Na combinação das nossas es-colhas e das contingências, po-rém, há grande chance de enfren-tarmos problemas de menor oumaior gravidade. Do ponto de vis-ta do patrão, as queixas são defuncionários que erram, faltam oudeixam de cumprir com suas res-ponsabilidades. Para Ferreira, daUnB, as empresas teriam menosproblemas caso colocassem obem-estar no foco de suas aten-ções. “Em vez disso, fazem umaespécie de ofurô corporativo. Co-locam atendentes de call centerpara fazer ioga por dez minutos.Só que eles saem de lá e encon-tram todos os problemas nova-mente. O resultado é uma enormerotatividade. E os empresáriosacham que não tem outro jeitonesse tipo de atividade”, afirma.

Estresse é algo necessário e be-néfico, explica Ferreira. Com o es-tímulo, fica-se alerta, pronto paraexecutar o trabalho. O problema équando esse estímulo passa do li-mite, situação em que, tecnica-mente, o que existe é o distresse.Se os trabalhadores da base são ví-timas disso, não estão sozinhos. Égrande o número de executivosque padecem do problema, contao pesquisador e professor de ad-ministração da Fundação GetulioVargas (FGV), André Barcaui, queestuda a felicidade nas empresas.

Na base da pirâmide há relati-vamente pouca pressão e poucaautonomia de decisão. Nos níveis

gerenciais, porém, há muita pres-são e a autonomia também é pe-quena. “Eles são o sanduíche. É aíque se concentra grande parte daangústia da empresa”, conta Bar-caui. No topo, a pressão é grande,mas não constante: há metas rigo-rosas, só os acionistas não estão otempo todo cobrando. Porém, aautonomia é grande, o que é umavantagem. “Nesse segmento, omaior problema é a solidão.”

Quando a pressão é excessiva ea capacidade de reação, limitada,o resultado mais frequente é adoença. Isso não significa neces-sariamente absenteísmo, ressaltaBarcaui, pois muitas pessoas pre-ferem sofrer caladas em vez deperder o emprego. As doençasmais comuns são as dermatológi-cas, que se agravam porque aspessoas se coçam e provocam in-fecções. O segundo tipo mais fre-quente são as disfunções gas-trointestinais. Em terceiro lugarvêm a ansiedade e a depressão.

Evitar situações assim é tantomais fácil quanto mais cedo apessoa se antecipar a elas, avisa apsicóloga Fernanda SchröderGonçalves, coordenadora de car-reira do Ibmec. Ela recomenda,em primeiro lugar, que a pessoasaiba quem ela é. “A felicidade es-tá profundamente ligada ao auto-conhecimento.” Por isso, é impor-tante buscar o máximo de infor-mações sobre a carreira que sepretende seguir, incluindo o tipode rotina dos profissionais. Issotambém vale para a escolha doemprego: é preciso saber bemqual o perfil da empresa, quemcompõe a equipe e, se possível,qual a personalidade do chefe.

“As pessoas podem se adaptara muitas situações. O que nin-guém pode, porém, é enfrentarum obstáculo que mexa com seusvalores”, explica Fernanda. Co-brança haverá em todos os luga-res. O tom e a forma de tratamen-to, porém, poderá ser um proble-ma para alguns, e para outros não.“Há funcionários que não se im-portam com uma reação exagera-da do chefe, porque conseguemracionalizar. Outros não são as-sim. Não há um perfil correto eoutro errado”, diz. Se a adaptaçãoao ambiente pode ser uma alter-nativa, há outra escolha que setransforma em convite automáti-co para a frustração: esperar que ochefe ou os colegas mudem. “Nãose pode ter esse tipo de coisa. Omáximo que podemos fazer é ten-tarmos mudar nós mesmos.”

Nova geraçãoPara Barcaui, da FGV, as em-

presas que ignoram a felicidadedos funcionários podem ter cadavez mais problemas para encon-trar talentos. Os profissionais maisjovens, da chamada geraçãoY, nãotopam qualquer situação de tra-balho. “Eles sofreram com a au-sência dos pais, que trabalhavamdemais, e viram também as con-sequências para a vida deles: di-vórcio, doenças. Não querem issopara eles”, destaca.

O administrador de empresasGuilherme Pereira sabe bem oque é isso. Depois de trabalhar emvárias empresas grandes, decidiuque não queria mais isso para ele.Criou, com outras pessoas, o Mo-vimento Buenaonda, uma consul-toria com sede em São Paulo quetem por objetivo exatamente pres-tar consultoria a empresas quepretendem se reorganizar paragarantir mais felicidade no am-biente de trabalho.

Com grandes clientes, incluin-do multinacionais, o Buenaondanão oferece os serviços: trabalhaapenas para quem bate à sua por-ta. O foco é desenvolver a comuni-cação, a autonomia e a excelênciado resultado, que a equipe consi-dera essenciais para a felicidade.

A genética é determinanteApsicologiapositivamostraque fatoreshereditários eoesforçopessoal respondempor90%doqueohomemprecisapara ser feliz

Ovo ou galinhaO senso comum imagina que as conquistas, incluindo as profissionais, sãodecisivas para uma pessoa ser feliz. Mas a psicóloga Sonja Lyubomirsky, daUniversidade da Califórnia, mostra que é o oposto: pessoas felizes têmmaiscapacidade de perseguir seus objetivos e adquirir os meios para conquistá-los. O ideal, portanto, é ter uma vida equilibrada, convivendo com amigos e a

família. Isso torna qualquer ummais satisfeito, inclusive no trabalho.

Quanto custa a felicidade

Page 5: Série  "Quanto custa a felicidade"

» PAULOSILVAPINTO

S er feliz, entre tantas defi-nições, pode ser entendi-do pela segurança de quenão faltará nada para si

nem para as pessoas de quem agente gosta — o que implicita-mente traz a ideia de um futuroem que será possível desfrutar doafeto delas com maior tranquili-dade. “Felicidade é consumo”, re-sume, sem rodeios, o professorda escola de negócios Ibmec Mar-cos Sarmento Mello.

Então as pessoas que já passa-ram por metade da trajetória da vi-da, aproveitaram seus prazeres eainda construíram algum patri-mônio devem ser as mais felizesda sociedade, certo? Não é bem as-sim. Essa hipótese não se confirmapelas evidências encontradas peloNúcleo de Estudos sobre Felicida-de e Comportamento Financeiro,da Fundação GetulioVargas (FGV)em São Paulo, um centro de pes-quisas dedicado à nova onda daeconomia da felicidade.

Pesquisa realizada pelo núcleoentre os paulistanos encontrou al-tos índices de satisfação entre osmais jovens e entre os mais velhos.Os piores números ficaram na fai-xa de 40 a 49 anos, formando umgráfico na forma de “u”. “Essa é afaixa etária com maior ansiedade,porque concentra pessoas queacham que já deveriam ter realiza-do muitas coisas, mas veem que asmetas estão incompletas, aquémdo que esperavam”, comenta Fá-bio Gallo, coordenador do núcleoda felicidade da FGV. “A partir dos50, as pessoas tendem a se confor-mar, pensando que aquilo que elastêm é o que foi possível conseguir,portanto está bom”, completa.

A ideia agora é partir para umapesquisa nacional envolvendo sa-tisfação e dinheiro. Gallo criou onúcleo exatamente por ter identi-ficado carência de estudos envol-vendo essa relação. “Havia tantagente estudando a felicidade, porque não nas finanças?”, questio-na.Trata-se de um viés, aliás, maisapropriado para entender as ca-rências do que as realizações nes-te momento pouco auspiciosoque atravessa quase todo o mun-do, mas especialmente aqui. “NaEuropa, as pessoas tiveram deadiar a aposentadoria por causada queda de valor dos ativos coma crise iniciada em 2008. E, aqui,os bancos estão mais arredios pa-ra emprestar”, conta.

EndividamentoMesmo entre os funcionários

públicos mais bem pagos, há mui-tos que estão pendurados em em-préstimos. Na Advocacia-Geral daUnião (AGU), por exemplo, apro-ximadamente um quarto do qua-dro de 11 mil pessoas espalhadaspelo país tem parte do contrache-que subtraído para o pagamentodo consignado. Muitos recorrem ainstituições financeiras menores,que cobram juros mais altos. E fa-zem isso exatamente porque já es-tão com excesso de débitos nosgrandes bancos.

Há casos de servidores que che-gam a administrar uma dezena deempréstimos, muitos dos quaiscontraídos para pagar uma partedos anteriores. Empresas privadas,que, diferentemente do setor pú-blico, precisam se esforçar parareter talentos, oferecem a seusfuncionários serviços de apoio e

aconselhamento financeiro. O te-mor por trás desse benefício é queos problemas nessa seara se trans-formem em fonte de infortúnios,com o potencial de contaminar odesempenho no trabalho.

Especialistas afirmam que aorigem das angústias no orça-mento familiar está na distânciaentre o padrão de vida que se quere o que cabe na renda. Evita-se es-sa rota de dois modos: buscandoum emprego melhor ou adaptan-do suas expectativas à realidade.“As pessoas que se dizem mais fe-lizessãoasqueconseguiramcum-prir o que planejaram para as suasvidas”, afirma Gallo.

Doutor em filosofia, ele apon-ta para o fato de que há muitasinterpretações possíveis para afelicidade. Exemplifica com opensamento do pai da psicanáli-se, Sigmund Freud, para quemesse sentimento era algo externoao homem, uma meta sempreinatingível, a não ser por brevesmomentos especiais de cada dia.Na linha da ironia germânica, opoeta Goethe dizia que não po-deria haver nada mais chato doque uma série de dias felizes.

FilosofiaDivergências acadêmicas à

parte, uma certeza para Gallo éque “não é o grau de riqueza quedetermina a felicidade”, mas sim acapacidade de usufruir da vida emcomunidade, compartilhando otempo principalmente com a fa-mília e os amigos. Se, como dizia ofilósofo Jean Paul Sartre,“o infernosão os outros”, o paraíso tambémparece estar no próximo.

Até mesmo pesquisas com fo-co em consumo corroboram es-sa ideia. Entre os brasileiros,69% dizem que sua prioridade éequilibrar a vida profissional e apessoal, mostra levantamentoque acaba de ser realizado peloInstituto Qualibest, a pedido daAmerican Express. E, para isso,55% estão dispostos a ganharmenos a longo prazo, desde queisso não os deixe com a contabancária no vermelho.

Para o presidente da AmericanExpress no Brasil, José Carvalho,essa disposição das pessoas emagir com equilíbrio no lado pes-soal e nas finanças “permitirá quetenham uma vida mais enrique-cedora”.Masháinformaçõespreo-cupantes em pesquisa realizadapelo Serviço de Proteção ao Crédi-to (SPC) demonstrando que gran-de parte dos brasileiros comprapor impulso em momentos de an-gústia, apenas para se livrar datristeza. Isso está longe de ser umpadrão saudável de consumo.

Se comprar sem pensar comfrequência é algo negativo, sobre-tudo para neutralizar a tristeza,“é bom que a gente se permita fa-zer isso de vez em quando, semcomprometer a conta bancária”,nota Sarmento, do Ibmec. É co-mo dar um presente para si. Maspesquisas mostram que presen-tear os outros também é umagrande fonte de alegria. Aliás,proporciona prazer mais dura-douro do que quando se adquirealgo para uso próprio. O dinheiroajuda, portanto, a comprar a feli-cidade, só que, no caso da felici-dade alheia, a relação custo be-nefício é ainda melhor.

C M Y KCMYK

Economia7 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

$

EEddiittoorr:: Vicente [email protected]

3214-1148

Leia mais na página 8»

Quanto custa a felicidade

A arte de equilibrar desejos de

consumo e finançasSatisfazer carências emocionais pormeiodegastosdescontroladospode resultar emproblemasque transformarãoavidaemuminferno

0

InflaçãoDólar EuroBolsas Global30Bovespa CDB

11,15%R$3,282

Índice Bovespa nosúltimos dias (em pontos)

Título da dívida externabrasileira na terça-feira

Na terça-feira Últimas cotações (emR$)Comercial, vendana terça-feira Na terça-feira Prefixado

30dias (aoano)

IPCAdo IBGE (em%)Na terça-feiraCapitaldegiro

48.495

18/12 19/12 22/12 23/12

50.889 R$2,705(▲ 1,64%)

US$5,198(Estável)

Julho/2014 0,01Agosto/2014 0,25Setembro/2014 0,57Outubro/2014 0,42Novembro/2014 0,51

0,42%Nova York

16/dezembro 2,7317/dezembro 2,7318/dezembro 2,6519/dezembro 2,6522/dezembro 2,65 15,14%1,53%

SãoPaulo

Page 6: Série  "Quanto custa a felicidade"

C M Y KCMYK

8 • Economia • Brasília, sexta-feira, 26 de dezembro de 2014 • CORREIO BRAZILIENSE

Morar emoutro país depois de seaposentar pode ser uma boaalternativa para ampliar a qualidadede vida. Pesquisasmostramque aspessoas tendema sermais felizesem sociedades igualitárias e combons serviços públicos, o que estáainda longe de ser o caso do Brasil.Émelhor ter umpadrão de classemédia na Europa do que ser ricoaqui, e enfrentar todo o estresse, dainsegurança às ruas esburacadas.Conseguir visto de residênciapermanente emoutro país não édifícil para quem já consegueamealhar umpatrimônio razoável.Mas, alémdo conforto econômico, épreciso levar em conta outrosfatores, como a convivência comamigos e família— itensprimordiais para a felicidade,segundo especialistas.

Sociedadesigualitárias

Quanto custa a felicidade

O poder dadisciplinaOlhar para o futuro é vital para aqueles que buscamqualidade de vida. E isso passa pelo planejamento e pela poupança

É um erroapostar tudonomaterial

>> entrevistaRUBENSSAKAYConsultor afirmaqueosmais pobres são felizes porque o sentimento de conquista é passageiro. Daí, a importância de focar nopessoal

O engenheiro Rubens Sakay, que enveredou pela área de recursoshumanos em sua carreira, passou a se dedicar dez anos atrás ao estudoda felicidade. Para ele, é muito difícil uma pessoa ser feliz se apostartudo nas coisas materiais.“O cheiro do carro novo passa logo. Issoexplica por que pessoas pouco abastadas conseguem ser felizes”, diz. Eleaconselha às empresas que invistam no bem-estar de seus empregados,pois o retorno é enorme.“Um vendedor feliz vende o dobro”, assegura.Veja os principais trechos da entrevista de Sakay, que dá consultoria naárea de petróleo e é autor do livro Hoje pode ser um dia melhor. (PSP)

» PAULO SILVAPINTO

A felicidade costuma visitarcom maior frequência aspessoas ousadas e as es-pontâneas, mas também

as que trabalham duro e as que sa-bem cuidar do futuro. Não há con-tradição entre os atributos da li-berdade e os da disciplina. E, nes-sa segunda categoria, um itemimportante é a poupança. “Osbrasileiros ainda não têm costu-me de se planejar, apesar de esta-rem melhorando. Isso se aprendecom os pais, como hábito. E é algoque as gerações que são as maisvelhas hoje não têm, porque o pe-ríodo de inflação alta, antes doReal, tornava isso inviável”, afirmaMarcos Sarmento Mello, profes-sor da escola de negócios Ibmec.

Não há limitações, avisa Mello,que justifiquem deixar de guardarum pouco da renda. Aliás, não sedeve falar nunca em sobra do fimdo mês.“O dinheiro que se econo-miza tem de ser o primeiro itemdo orçamento doméstico, antesde todas as contas básicas. Nemque sejam apenas R$ 500. O nívelde renda não é tão importante.Conta mais a disciplina ao longodo tempo”, avalia Sarmento, que ésócio da consultoriaValorum. “Hápessoas que recebem cinco salá-rios mínimos e conseguem teruma vida confortável e tranquila,enquanto funcionários públicoscom altos salários vivem muitasvezes às voltas com problemas fi-nanceiros”, comenta.

As pessoas que sabem pouparse livram do tipo de gasto quemais pune as famílias brasileiras:o custo dos empréstimos. Numpaís com baixíssima taxa de pou-pança, agravada pelo fato de o go-verno ser incapaz de conter os dis-pêndios, cobram-se juros que es-tão entre os mais altos do mundo.

Além de não se submeter a ta-xas punitivas, os poupadores con-seguem usar essa desvantagem

Além de usar bem o dinheirona hora de ir às compras e ficar deolho no extrato bancário para nãocometer irresponsabilidade, épreciso, muitas vezes, ter paciên-cia para recorrer aos lojistas e fa-bricantes nos casos em que o pro-duto resulta em frustração, o que éuma grande fonte de desgosto pa-ra muitas pessoas. Carlos Thadeude Oliveira, gerente do InstitutoBrasileiro de Defesa do Consumi-dor (Idec), afirma que a relaçãoentre empresas e clientes vemmelhorando em alguns casos,mas não em todos. “Muitas delassão rápidas em resolver as coisasquando há reclamações em redessociais, mas não apresentam amesma disposição quando sãoprocuradas diretamente”, conta.

Outra contradição está no fatode que 80% dos problemas pro-cessados pelos Procons são resol-vidos com uma simples ligaçãodos órgãos para os serviços deatendimentos ao consumidor dasempresas.“Certamente, em quasetodos esses casos, a pessoa já ligouantes para o SAC das companhias.Por que a empresa não resolveu oproblema antes?”, indaga ele, jáapresentando a resposta: “Porqueé mais barato resolver só algunscasos, em que o cliente insiste, doque solucionar todas as queixaslogo que aparecem”.

Maria Inês Dolci, da Proteste,vai na mesma linha. “Muitas em-presas são reticentes em dar solu-ção aos consumidores”. Uma saí-da para resolver os impasses seriaglobalizar a relação com as com-panhias, algo em que o órgão veminvestindo. “Devemos tornar a re-clamação de qualquer consumi-dor em um caso internacional pa-ra forçar a solução”, frisa. (PSP)

Desrespeitoé comum

Oque faz a pessoa ser feliz?A explicação genética fica

com 50%. Outros 40% têm a vercom o que o indivíduo traz dedentro de si: a intencionalida-de, a atitude frente à vida. Aqui-lo que quase todo mundo apos-ta como a razão para a felicida-de — o emprego bom, o bem-estar financeiro — representaapenas 10% da pizza. É difícil apessoa ser feliz se apostar tudoem cima de coisas materiais.Para todas essas coisas, o ho-mem se adapta muito rapida-mente. O cheiro do carro novopassa logo. Isso explica por quepessoas pouco abastadas con-seguem ser felizes.

As pessoas não deveriamsepreocupar comdinheiro?

A preocupação deveria ser ca-librada pela compreensão deque isso significa 10% da felici-dade. Se a pessoa colocar o focono crescimento pessoal, nos40%, vai se beneficiar de algo in-teressante que se observa: os10% conjunturais serão valoriza-dos. E até o que você é pode serusado a seu favor, conformemostra a epigenética, uma fron-teira da ciência. Mas, se não seesforçar, a pessoa perderá a gran-de chance de ser feliz. Correrá orisco de se dar conta de que a ve-lhice chegou cedo demais e a sa-bedoria, tarde demais.

Comoé isso do ponto de vistadas empresas?

A pessoa feliz vende o dobro,erra menos, tem menos conflitos,

não rouba, resolve mais proble-mas. Médicos felizes fazem diag-nóstico mais rápido e mais preci-so. O Google, por exemplo, temum ambiente muito descontraí-do. Por trás disso há o ChadeMeng Tan. Tirando o Larry Page, éa pessoa mais conhecida na em-presa. O maior benefício é para asaúde, o que reduz custos enor-memente. Quando as pessoassão felizes, a ocitocina, um hor-mônio protetivo, é liberado. Issoexplica por que a pessoa feliz fal-ta, em média, 13 dias. A pessoainfeliz é debilitada.

Por que, então, todas asempresas não fazem isso?

Essa onda é recente. A ciênciaapresentou os resultados nasúltimas três décadas. Hoje, nas

organizações, nós ainda vive-mos um mundo que é do resul-tado, da eficiênica, da estraté-gia, da liderança. Tudo é expli-cado pelo produto. Há poucasempresas que têm alguma ini-ciativa deliberada em prol da fe-licidade, como o Google. Outrobom exemplo é a Southwest Air-lines, que colocou o amor comovalor máximo. O código dasações dela na bolsa é LUV (se-melhante a love, amor em in-glês). A empresa decidiu até de-mitir um executivo de alto esca-lão que não respeitava esse man-damento. Ele era tão eficienteque teve de ser substituído porduas pessoas. Mas, no cômputogeral, a prioridade do amor sóaumenta o lucro empresa, quetem resultados positivos há 40

Minervino Junior/CB/D.A Press - 9/12/14

Ed Alves/CB/D.A Press - 7/2/13

O trabalhadorque entra emumambienteruimdeumaempresaencontrarápessoas queescondeminformações,fazem fofoca.Se ficar ali,pode produzirpouco eadoecer”

do país a seu favor. Embora as re-munerações dos fundos de inves-timentos sejam bem inferiores àstaxas cobradas pelos bancos dosdevedores, também estão bemacima do patamar internacional.

“Quem guarda uma parte dosalário é capaz de trocar de carro acada três anos, de fazer viagens in-ternacionais e até mesmo de com-prar a casa própria à vista ou comuma entrada considerável”, avisaSarmento. Além de usar os jurospara multiplicar a renda, os pou-padores têm a seu favor o fato deterem caixa disponível. Podem,assim, aproveitar as boas oportu-nidades que aparecem, por meiode promoções, ou de reduções deimpostos, como a que contem-plou os carros e os eletrodomésti-cos no ano passado. No mercadoimobiliário, quem tem reservas,paciência e atenção também con-segue fazer bons negócios.

TeoriadospotesNão basta, porém, guardar. É

preciso saber para quê. O planeja-dor financeiro Felipe Chad, da DXInvestimentos, aconselha que nãose misturem os canais. Ele se ba-seia nos preceitos da teoria dos po-tes, criada na Wharton, escola danegócios da Universidade da Pen-silvânia, nos Estados Unidos. Sãotrês os recipientes separados danossa poupança: o da dignidade, odo estilo de vida e o do conforto.

No primeiro, é preciso ter algopara garantir a queda de renda, nocaso de perder o emprego, porexemplo. É importante deixar alialgo em torno de 5% a 10% do to-tal que se reserva a cada mês. Paraum casal em que um dos dois côn-juges é funcionário público, porexemplo, esse risco é menor;portanto pode-se ficar no piso.Para um empresário, com gran-

de variação na renda, deve ficarno topo, ou mesmo acima dos10%. Para alguém que tem umemprego com carteira assinada, oideal é ficar no meio do caminho.

O pote do estilo de vida deveficar com uma parte maior, entre10% e 15% do que se poupa. É is-so o que vai garantir a comprado carro novo ou de outros bensde consumo duráveis que nãocabem no orçamento do mês.Por fim, o pote do conforto é oque será destinado à aposenta-doria. Ele fica com 70% a 80% domontante que se deixa de ladona renda mensal.

Sobre o montante que se deveguardar, há diversas opiniões. Re-comenda-se, em geral, 10% do sa-lário. Chad coloca o piso um pou-co acima disso: 15% da renda lí-quida, depois de todos os descon-tos. Algumas pessoas conseguemchegar a 30% ou 40% .

Consumidores costumamsair às comprasatraídospor reduçõesde impostos, comonocasodos eletrodomésticos.Nemsempreadespesa compensa

anos em um setor que passa pormuitas dificuldades.

Empresas que já são eficientespodem ser beneficiadaspelo foco na felicidade?

Sim. Pense no atendimentode balcão. Se o indivíduo con-segue chegar ao trabalho feliz etransmitir um sorriso autênti-co, que vem do coração, o clien-te se sentirá acolhido. Empre-sas que colocam entre as exi-gências do funcionário o sorri-so fazem com que muitas vezesele entregue algo falso. Faz malà saúde e não convence. O serhumano tem a capacidade deidentificar o que não vem dedentro. Os bebê percebem.

E já se está fazendo isso?Os avanços virão lentamente.

No trabalho que eu faço nas em-presas, eu noto que poucas veemisso do ponto de vista da felici-dade. Valorizam a festa de ani-versário, a animação. Essa parteé o verniz. Mas já é importante.

Quais são os riscos de um am-biente ruim para o indivíduo?

Ele vai encontrar pessoasque escondem informações, fa-zem fofoca. Se ficar ali, podeproduzir pouco e adoecer; oupode ir para outra empresa pa-ra ser feliz, mesmo ganhandomenos, porque o salário fazparte dos 10%.

Nas boas empresas,a cobrança não existe?

Existe e é fundamental. Esseprocesso não é conflituoso. Re-solver problemas é o nosso dia adia. Mas eles serão resolvidos demodo mais saudável.