sera que deus joga dados - ian stewart

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Sera Que Deus Joga Dados

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DADOS DE COPYRIGHTSobre a obra:A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. expressamente proibida e totalmente repudivel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedoSobre ns:O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link."Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."Ian StewartSER QUE DEUS JOGA DADOS?A NOVA MATEMTICA DO CAOSTraduo:Maria Luiza X. de A. BorgesReviso tcnica:Ildeu de Castro MoreiraAlexandre TortProfessores do Instituto de Fsica, UFRJSUMRIOPRLOGO: MECANISMO DE PRECISO OU CAOS?1. O CAOS A PARTIR DA ORDEM2. EQUAES PARA TUDO3. AS LEIS DO ERRO4. O LTIMO UNIVERSALISTA5. PNDULO DE MO NICA6. ATRATORES ESTRANHOS7. A FBRICA METEOROLGICA8. RECEITA DE CAOS9. CAOS SENSVEL10. FIGUEIRAS E FEIGENVALORES11. A TEXTURA DA REALIDADE12. RETORNO A HIPRION13. O DESEQUILBRIO DA NATUREZA14. ADEUS, PENSAMENTO PROFUNDOEPLOGO: JOGO DE DADOS COM DEUSLeituras adicionaisAgradecimentos pelas ilustraesndice de nomes e assuntosPRLOGOMECANISMO DE PRECISO OU CAOS?Voc acredita num Deus que joga dados, e eu em lei e ordem absolutas.ALBERT EINSTEIN, carta a Max BornExiste a teoria de que a histria se move em ciclos. Mas, como uma escada em espiral, emnovospatamaresqueocursodoseventoshumanossecompleta.Obalanopendulardasmudanasculturaisnorepetemeramenteosmesmoseventosdemaneiraindefinida,Verdadeira ou no, essa teoria serve como uma metfora que ajuda a focalizar nossa ateno.O tema deste livro representa um desses ciclos em espiral: o caos d lugar ordem, que porsuavezdlugaranovasformasdecaos.Oqueprocuramosnaoscilaodessepndulo,contudo, no destruir o caos, mas domestic-lo.No passado distante de nossa raa, a natureza era considerada uma criatura caprichosa, eatribua-seaausnciadepadresnomundonaturalaosdevaneiosdaspoderosaseincompreensveis divindades que o governavam. O caos reinava e a lei era inimaginvel.Ao cabo de vrios milhares de anos, a humanidade comeou lentamente a se dar conta deque a natureza tinhamuitasregularidades que podiam serregistradas, analisadas, previstas eexploradas.PorvoltadosculoXVIII,acinciajfizeratantosavanosnadescobertadasleisdanaturezaquemuitospensavamquepoucorestavaadescobrir.Leisimutveisdeterminavamomovimentodecadapartculanouniverso,comexatidoeparasempre:atarefadocientistaeraelucidarasimplicaesdessasleisnotocanteatodofenmenoparticular de interesse. O caos dera lugar a um mundo preciso como um relgio.Mas o mundo mudou, e nossa viso do universo mudou com ele. Por que continuaria a serumconjuntodeengrenagens,quandohojenemmesmonossosrelgiososomais?Comoadventodamecnicaquntica,omundopassoudeengrenagemprecisaaloteriacsmica.Eventos fundamentais, como a desintegrao de um tomo radioativo, so atribudos ao acaso,noaumalei.Adespeitodoespetacularsucessodamecnicaquntica,suascaractersticasprobabilsticasnoagradaramatodos.AfamosaobjeodeAlbertEinstein,numacartaaMaxBorn,figuracomoepgrafedestecaptulo.Einsteinsereferiamecnicaquntica,mastambmsuafilosofiaestimpregnadadaatitudedetodaumapocaemrelaomecnicaclssica, em que a indeterminao quntica inoperante. A metfora dos dados para o acasotem ampla aplicao. Ser que a determinao deixa lugar para o acaso?SeEinsteinestavacertoounoarespeitodamecnicaqunticaalgoqueestporserverificado. Sabemos, contudo, que o mundo da mecnica clssica permanece mais misteriosodoquemesmoEinsteinimaginou.Aprpriadistinoqueeletentouenfatizarentreaaleatoriedade do acaso e o determinismo da lei foi posta em questo. Talvez Deus seja capazde, de um nico sopro, jogar dados e criar um universo de lei e ordem absolutas.O ciclo se fechou, porm num patamar mais elevado. Estamos comeando a descobrir quesistemas que obedecem a leis imutveis e precisas nem sempre atuam de formas previsveis eregulares.Leissimplespodemnoproduzircomportamentossimples.Leisdeterminsticaspodem produzir um comportamento que parece aleatrio. A ordem pode gerar seu prprio tipode caos. A questo no tanto se Deus joga dados, mas como ele o faz.Trata-sedeumadescobertacrucial,cujasimplicaesaindanotiveramseuplenoimpactosobrenossopensamentocientfico.Asnoesdepreviso,deumexperimentopassvel de repetio, assumem novos aspectos quando encaradas do ponto de vista do caos.Oquepensvamossersimplestorna-secomplicado,enovaseperturbadorasquestesseapresentamcomrelaomensurao,previsibilidadeeverificaoourefutaodeteorias.Emcontrapartida,oquepensvamossercomplicadopodesetornarsimples.Fenmenosque pareciam desestruturados e aleatrios podem de fato estar obedecendo a leis simples. Ocaos determinstico tem suas prprias leis e inspira novas tcnicas experimentais. No faltamirregularidadesnanatureza,ealgumasdelaspodemseprovarmanifestaesfsicasdamatemticadocaos.Fluxoturbulentodefluidos,inversesdocampomagnticodaTerra,irregularidadesdobatimentocardaco,ospadresdeconvecodohliolquido,asacrobacias de corpos celestes, lacunas no cinturo de asteroides, o crescimento de populaesdeinsetos,opingardeumatorneira,ocursodeumareaoqumica,ometabolismodeclulas,asmudanasatmosfricas,apropagaodeimpulsosnervosos,oscilaesdecircuitos eletrnicos, o movimento de um barco preso a uma boia, o ricochetear de uma bolade bilhar, as colises de tomos num gs, a incerteza subjacente mecnica quntica estesso alguns dos problemas a que a matemtica do caos tem sido aplicada. um mundo inteiramente novo, um novo tipo de matemtica, uma ruptura fundamental nacompreenso das irregularidades na natureza. Estamos testemunhando seu nascimento.Seu futuro ainda est por ser revelado.1. O CAOS A PARTIR DA ORDEMLo! thy dread empire, Chaos! is restord;Light dies before thy uncreating word;Thy hand, great Anarch! lets the curtain fall,And universal darkness buries all.aALEXANDER POPE, The DunciadA eterna batalha entre a ordem e a desordem, a harmonia e o caos, figura em tantos mitos dacriao,eemtantasculturas,quedeverepresentarumaprofundapercepohumanadouniverso. Na cosmologia da Grcia antiga, o caos era tanto o vazio primevo do universo comoosubmundoondeosmortostinhamsuamorada.NateologiadoAntigoTestamento,aTerraeravagaevazia,eastrevascobriamoabismo.Numantigopoemapicobabilnio,ouniverso surge do caos que se forma quando uma indisciplinada famlia de deuses do abismo destruda pelo prprio pai. O caos a massa original sem forma com que o criador moldou ouniversoordenado(figura1).Aordemassimiladaaobemeadesordemaomal.Ordemecaossovistoscomodoisopostos,ospolosacujavoltagiramnossasinterpretaesdomundo.Algunsimpulsosinatosimpelemahumanidadeaseempenharparacompreenderasregularidadesdanatureza,abuscarleissobascaprichosascomplexidadesdouniverso,aextrairordemdocaos.Atasmaisprimitivascivilizaeseramprovidasdesofisticadoscalendriosparapreverasestaesederegrasastronmicasparaprevereclipses.Viamfiguras nas estrelas do cu e teciam lendas em torno delas. Inventavam panteons de divindadesparaexplicarasextravagnciasdeummundoque,semisso,seriaaleatrioesemsentido.Ciclos, formas, nmeros. Matemtica.FIGURA 1. Histria da Terra (para a direita, a partir do canto superior direito): o lquido catico, a Terra pristina, a Terra duranteo dilvio, a Terra moderna, a Terra durante a conflagrao que h de vir, a Terra durante o Milnio e o destino final da Terracomo uma estrela. (Extrado de Thomas Burnet: Telluris theoria sacra, 1681.)RACIOCNIO DESARRAZOADOAodescreveraestruturadomundofsico,ofsicoEugeneWignerfaloudadesarrazoadaeficcia da matemtica. A matemtica surgiu de questes acerca do mundo fsico e se firmourespondendoaalgumasdelas.Masraramentetrata-sedeumprocessodireto.Muitasvezesumaideiamatemticadeveviversuaprpriavida,existindocomoquenumlimbo,sendodesdobradaediscutidaemsimesma,comoumobjetopuramentematemtico,atqueseussegredosntimossejamdesvendadosesuasignificnciafsicasejapercebida.Talvezamatemticasejaeficazporquerepresentaalinguagemsubjacentedocrebrohumano.Talvezosnicospadresqueconseguimospercebersejammatemticosporqueamatemticaoinstrumentodanossapercepo.Talvezamatemticasejaeficazemorganizaraexistnciafsicaporserinspiradaporela.Quemsabeseuxitonopassedeumailusocsmica,outalveznoexistampadresreais,somenteaquelesquenossasfrgeismentesimpem.Soquestesparafilsofos.Arealidadepragmticaqueamatemticaomaisefetivoeconfivel mtodo que conhecemos para compreender o que vemos nossa volta.O ano em que escrevo, 1987, marca os 300 anos da publicao de uma obra sem paralelohistrico os Princpios matemticos de filosofia natural, de Isaac Newton (figura 2). Aindase vendem cerca de 700 volumes dela por ano sobretudo para universitrios que estudam osmestresnasfontesprimrias.umalongevidadeespantosa.Emborajnosetratedeumbest-seller, sua mensagem impregnou os prprios fundamentos de nossa cultura.E a mensagem : a Natureza tem leis, e podemos descobri-las.AleidagravidadedeNewtonsimples.Duaspartculasnouniversosempreseatraemuma outra, com uma fora que depende, de maneira precisa e simples, de suas massas e dadistnciaentreelas.(proporcionalaoprodutodasduasmassasdivididopeloquadradodadistncia que as separa.) A lei pode ser condensada numa frmula algbrica curta. ConjugadaaoutradasleisdeNewtondessavezaleidomovimento(aaceleraodeumcorpoproporcionalforaqueatuasobreele)explicaumsem-nmerodeobservaesastronmicas, que vo desde o percurso dos planetas atravs do Zodaco s oscilaes da Luaem seu eixo, desde o acoplamento ressonante dos satlites de Jpiter s curvas luminosas dasestrelas binrias, desde as lacunas entre os anis de Saturno ao nascimento das galxias.FIGURA 2. Isaac Newton (gravura baseada numa pintura de Godfrey Kneller).Simples. Elegante. Enganoso.Ordem nascida do caos.Newtoneraumhomemambicioso.Buscavanadamaisnadamenosqueosistemadomundo. A Teoria do Todo.Em relao ao seu prprio tempo, teve mais sucesso que ousara sonhar. Por mais de doissculos, as leis de Newton reinaram absolutas como a descrio definitiva da natureza. S nosdomniosmicroscpicosdotomo,ounasvastasextensesdoespaointerestelar,pequenasdiscrepnciasentreanaturezasegundoNewtoneanaturezasegundoaNaturezasemanifestam.Nessesdomnios,Newtonfoisuplantadopelamecnicaqunticaepelarelatividade. Hoje os fsicos, novamente em busca do clice sagrado de uma Teoria do Todo,falamdesupergravidadeedesupercordas,dequarksecromodinmica,desimetriasquebradas e das Teorias da Grande Unificao. Estamos vivendo num mundo de 26 dimenses(ou talvez de apenas dez), que esto todas, exceto quatro, enroscadas como um tatu terrificadoe s podem ser detectadas por seus tremores. Moda passageira ou uma viso de nosso futuro?Ainda no podemos dizer. Mas enquanto teoria suplanta teoria, paradigma derruba paradigma,umacoisapermaneceinalterada:arelevnciadamatemtica.Asleisdanaturezasomatemticas. Deus um gemetra.O MUNDO COMO UM RELGIOArevoluonopensamentocientficoqueculminouemNewtonconduziuaumavisodouniversocomoumagigantescaengrenagem,funcionandocomoumrelgio,umaexpressoqueaindautilizamosporimprpriaquesejanumapocaderelgiosdigitaispararepresentaromximoemmatriadeconfiabilidadeeperfeiomecnica.Nessaviso,umamquinaacimadetudoprevisvel.Sobcondiesidnticas,farcoisasidnticas.Umengenheiro que conhea as especificaes da mquina e seu estado num dado momento capazem princpio de calcular exatamente o que ela far. Deixemos de lado assinalada, mas aindanodiscutidaaquestodoquepossvelnaprticaenoemprincpio,eprocuremosentender primeiro por que os cientistas dos sculos XVII e XVIII foram compelidos ao que, primeira vista, parece uma viso to rida e estril deste universo de encantamento e surpresa.Newton formulou suas leis na forma de equaes matemticas; tais equaes estabelecemrelaes no s entre quantidades, mas tambm entre as taxas de variao dessas quantidades.Quando um corpo cai livremente, sob gravidade constante, no sua posio que permanececonstanteseassimfosse,eleflutuaria,demaneirapoucoplausvel,semsustentao.Tampoucoavelocidadeataxadevariaodaposioqueconstante.Quantomaistempoocorpolevacaindo,maisrpidoofaz:poristoquemaisperigosocairdeumprdio alto que de um baixo. No, o que constante a acelerao ataxadevariaodataxa de variao da posio. Talvez agora possamos ver por que se passaram tantos sculosat que essa regularidade dinmica fosse percebida: a lei s simples para os que adquiremuma nova concepo de simplicidade.Asequaesqueenvolvemtaxasdevariaosochamadasdediferenciais.Ataxadevariao de uma quantidade determinada pela diferena entre seus valores em dois temposprximose,consequentemente,apalavradiferencialpermeiaamatemtica:clculodiferencial,coeficientediferencial,equaodiferencial,ediferencialpuraesimples.Resolverequaesalgbricassemenvolvertaxasdevariaonemsemprefcil,comomuitos de ns aprendemos custa de muito suor; resolver equaes diferenciais uma ordemdemagnitudemaisdifcil.Quandoolhamosparatrs,nestefinaldosculoXX,oquemaissurpreendequetantasequaesdiferenciaisimportantespossamserresolvidas,desdequese tenha suficiente engenhosidade. Ramos inteiros da matemtica brotaram da necessidade decompreender uma nica e decisiva equao diferencial.A despeito das dificuldades tcnicas apresentadas pela resoluo de equaes especficas,algunsprincpiosgeraispodemserestabelecidos.Oprincpio-chaveparaapresentediscussoqueasoluodeequaesquedescrevemomovimentodealgumsistemadinmico nica se as posies iniciais e as velocidades de todos os componentes do sistemaforemconhecidas.Umabicicletatemcincoouseispartesessenciaisquesemovem:sesoubermos agora o que cada uma est fazendo, podemos predizer o movimento da bicicleta domomentoemqueforempurradaruaabaixoatsuaquedanacalada.Maisambiciosamente,se,emdeterminadoinstante,soubermosasposiesevelocidadesdecadapartculadematrianoSistemaSolar,todososmovimentossubsequentesdessaspartculasestarodeterminados de maneira nica.Estaafirmaopressupe,paraefeitodesimplificao,quenohinflunciasexternassobre o movimento. Se tentarmos levar em conta tambm essas influncias, seremos levados interpretaodequeasposieseavelocidadedetodasaspartculasdematrianatotalidadedouniverso,tomadasemdeterminadoinstante,estabelecemporcompletosuaevoluofutura.Ouniversosegueumatrajetriadinmicanica,predeterminada.Spodefazerumanicacoisa.NaspalavraseloquentesdePierreSimondeLaplace(figura3),umdosexpoentesdamatemticanosculoXVIII,emseuEnsaiofilosficosobreasprobabilidades:Um intelecto que, num momento dado qualquer, conhecesse todas as foras que animam aNaturezaeasposiesmtuasdosseresqueacompem,seesseintelectofossevastoosuficienteparasubmeterseusdadosaanlise,seriacapazdecondensarnumanicafrmula o movimento dos maiores corpos do universo e o do menor dos tomos: para talintelectonadapoderiaserincerto;etantoofuturoquantoopassadoestariampresentesdiante de seus olhos.Semdvidasurpreendequeumaafirmaocomoestapossaserfeitaapartirdeumsimples teorema da unicidade em matemtica. Mais tarde tentarei elucidar alguns dos truquesenvolvidosnessatransio,porqueissodefatobastanteescandaloso;masporenquantoadmitamosainterpretao.Oquedevemosimaginar,aoconsiderarafirmaescomoadeLaplace, o clima de alvoroo que predominava na cincia daquele tempo, na medida em queum fenmeno depois do outro mecnica, calor, ondas, som, luz, magnetismo, eletricidade erasubmetidoacontrolemedianteamesmssimatcnica.Devia-seteraimpressodeumagrandeinvestidarumoverdadefinal.Aquilofuncionava.Nasciaoparadigmadodeterminismo clssico: se as equaes estabelecem a evoluo dos sistemas de uma maneiranica,semnenhumainflunciaexternaaleatria,entoseucomportamentoestespecificadode maneira nica para todos os tempos.FIGURA 3. Pierre Simon de Laplace lendo sua Mecnica celeste (litografia do sculo XIX).VIAGEM A HIPRIONRecuemos a um pouco mais de uma dcada no tempo, a 5 de setembro de 1977. Um gigantescofoguete, III-E/Centaur, espera de prontido na plataforma do Complexo de Lanamento 41, nareaLestedeTestesdaForaArea,noCentroEspacialKennedy,emCaboCanaveral,Flrida.Emseupontomaisalto,eclipsadopelogigante,masrazodesuaexistncia,encontra-se um minsculo triunfo da engenharia: a espaonave Voyager 1 (figura 4).FIGURA 4. A nave espacial Voyager 1.FIGURA 5. Saturno e alguns de seus satlites (fotomontagem a partir de imagens enviadas pelas Voyagers 1 e 2).Acontagemregressivachegaaossegundosfinais.Umpardeimpulsionadoresacombustvel slido, cheios de p de alumnio e perclorato de amnio, entram em ignio comumestrondoquepodeserouvidonumraiode15quilmetros.Ofoguete,daalturadeumedifciode15andaresepesando700toneladas,arrancadoprofundopoodegravidadedaTerra rumo ao cu. De incio seu movimento penosamente lento e, nos primeiros 100 metros,elequeimaumaproporosubstancialdeseucombustvel.Dezhorasdepois,noentanto,aVoyager 1encontra-sealmdaLua,acaminhodeplanetasdistantes:Marte,Jpiter,Saturno(figura 5).Dezesseis dias antes uma nave irm, Voyager 2,jfizerasuapartida: a Voyager1tiveraseulanamentoadiadoporfalhastcnicas.Emcompensao,elasegueumatrajetriamaisrpida, de tal modo que, quando se aproximar de Jpiter, estar quatro meses frente da naveirm. A misso da Voyager 1seencerrardepoisquetiverchegadobemprximoaSaturno;mas a Voyager 2 ter a opo devidamente exercida de prosseguir at Urano e Netuno. SPlutoescaparaoescrutnio,poisestnoladoerradodesuarbitaeoGrandTournopode atingi-lo.A viagem das Voyagers um milagre da engenharia. tambm um milagre da matemtica,que desempenha aqui seu papel de serva da tecnologia. A matemtica comanda o planejamentodasondaedeseuveculolanador.Amatemticacomputaascargasepressessobresuaestruturametlica,ospadresdecombustodeseucombustvel,adinmicadoarquefluipelasuperfciedoveculodurantesuarpidatravessiadaatmosferadaTerra.Amatemticaorientaosimpulsoseletrnicosquecorrempeloscomputadoresenquantoestesobservamansiosamentecadamnimoavanodanaveespacial.Amatemticadecideatacodificaodasmensagenscomqueoscontroladoresemterracomunicamsuasinstruessonda,quedurantetodootempotransmitirdevoltaparaaTerraimagenssurpreendentesdenossoSistema Solar.Acima de tudo, porm, a matemtica dirige a grandiosa dana dos planetas, suas luas, e astrajetrias das Voyagers medida que fazem suas visitas celestes. Uma nica e simples lei aleidagravidadedeNewton.NohnecessidadedosaperfeioamentosdeEinsteinnasvelocidades comparativamente baixas que prevalecem no Sistema Solar, Newton suficiente.Se no Sistema Solar existissem somente o Sol e a Terra, a lei de Newton preveria que elessemovememelipsesemtornodeseucentromtuodegravidadeumpontoprofundamenteencravado no Sol, porque a estrela tem massa muito maior que a do planeta. Efetivamente, aTerra se moveria numa elipse, ficando o Sol estacionrio num foco. Mas ela no est sozinhanoSistemaSolar alis, seestivesse,paraqueenviaraespaonaveVoyager?Cada planetaviajaaolongodesuaprpriaelipseouviajaria;nofossemosoutros.Estesoperturbam,tirando-odesuarbitaideal,acelerando-ooutornando-omaislento.Adanacsmicaintricada e elaborada: sarabanda segundo uma partitura de Newton, Largo con gravit.Aleiestabelececadapassodadana,demaneiracompleta,exata.Osclculosnosofceis,maspodemserfeitos,compersistnciaeumcomputadorrpido,comumaexatidosuficienteparaosobjetivosdaVoyager.AplicandoasleismatemticasdeNewton,osastrnomos previram o movimento futuro do Sistema Solar por 200 milhes de anos: faz-lopara alguns anos, comparado a isso, uma brincadeira de criana.Deixando para trs Jpiter enigma rodopiante envolto em faixas , a nave segue rumo aSaturno,umplanetadominadoporanis.PormSaturnotemoutrascaractersticasinteressantes, em especial suas luas. A partir das observaes feitas da Terra, julgava-se quetinha dez satlites. A Voyager levantou o total de quinze.Umadasluas,Hiprion,foradocomum.Temformairregular,umabatataceleste.Suarbita precisa e regular, mas seu comportamento nessa rbita, no: Hiprion d cambalhotas.No continuamente, mas num padro complexo e irregular. Nada nesse padro desafia as leisde Newton: as acrobacias de Hiprion obedecem as leis da gravidade e da dinmica.Vejamosumexercciohipottico.SuponhamosqueaVoyager1tivessesidocapazdemedir os requebros de Hiprion com uma exatido de dez casas decimais. De fato no foi, massejamosgenerosos.Suponhamos,apartirdisso,quecientistasbaseadosnaTerradevessemfazer a melhor previso possvel do movimento futuro de Hiprion, predeterminado segundo aleideNewton.Assim,poucosmesesdepois,quandoaVoyager2passasseporHiprion,poderiam comparar suas previses com a realidade. Descobririam ento que a previso estava totalmente errada. Uma falha da previso?No exatamente.Uma falha da lei de Newton?No. por causa da lei que se sabe que a previso est errada.Indeterminao?Efeitosexternosaleatrios,comonuvensdegs,camposmagnticos,ovento solar?No.Algomuitomaisnotvel.Umtraoinerentesequaesmatemticasemdinmica.Acapacidadedasequaes,mesmosimples,degerarmovimentotocomplexo,tosensvelmensurao que parece aleatrio. Isto chamado, com muita propriedade, de caos.CAOSComotodojargo,essapalavranotemaquiasmesmasconotaesqueterianousocotidiano. Confira o que diz o dicionrio:caos, s. 1. A matria desordenada e sem forma que supostamente existia antes do universoordenado. 2. Completa desordem, absoluta confuso.A isto, os autores de novos dicionrios tero que acrescentar a definio do jargo. A queapresento a seguir foi proposta, aps algum desconforto inicial, a uma prestigiosa confernciainternacionalsobreocaos,patrocinadapelaRoyalSocietydeLondres,em1986.Emboratodos os presentes soubessem o significado do que entendiam por caos era seu campo depesquisa,demodoquerealmenteprecisavamsaber,poucossedispunhamaproporumadefinio precisa. Isto no incomum numa rea de pesquisa quente difcil definir algoquandosetemaimpressodeaindanootercompreendidocompletamente.Sejacomofor,aqui est ela:3. (Mat.) Comportamento estocstico que ocorre num sistema determinstico.Temosaquimaisdoistermosdejargoestocsticoedeterminstico.Odeterminismolaplacianojnossoconhecido.Estocsticosignificaaleatrio.Paracompreenderofenmenodocaosprecisaremosdiscutirmaisdetidamenteseussignificados,porque,emsuapresenteforma,estadefinioumparadoxo.Ocomportamentodeterminsticogovernadoporumaleiexataenopassveldeinfrao.Ocomportamentoestocsticoooposto:semleieirregular,governadopeloacaso.Ocaosportantocomportamento sem lei inteiramente governado pela lei.Como Hiprion.CAOS NA CALCULADORAPor que Hiprion se comporta dessa maneira? Ainda no temos condies de dizer, mas possolhedarumexemplomaisacessveldecaosquevocmesmopoderexperimentar.Precisarapenasdeumacalculadoradebolso.Setiverummicrocomputadoremcasa,poderprogram-lo facilmente para realizar a mesma tarefa, o que lhe poupar um bom trabalho.O movimento de Hiprion governado por uma equao diferencial. Efetivamente, o queela lhe informa o seguinte. Suponha que, num instante determinado, voc conhea a posio ea velocidade de Hiprion. H uma regra fixa a aplicar a esses nmeros para obter a posio ea velocidade no instante seguinte. Tudo o que preciso fazer aplic-la e reaplic-la, e seguirem frente at chegar a qualquer tempo que queira.Vocpodeobjetarqueotempoinfinitamentedivisvel,demodoquenoexistealgocomouminstante,muitomenososeguinte.Talveztenharazo.EmboraZenodeEleiaemuitosfsicosmodernosfossemdiscordar,nohdvidadequevocestexpressandoaposio convencional. Mas, num sentido que pode ser definido de vrias maneiras diferentes,adescrioacimaestmoralmentecorreta.Emparticulareexatamenteassimqueumcomputador resolve uma equao diferencial se por instante entendermos o intervalo detempo usado no clculo. O mtodo funciona porque intervalos de tempo muito pequenos douma boa aproximao para um fluxo contnuo de tempo.AsequaesparaHiprionenvolvemmuitasvariveisposio,velocidade,rotaoangular.Vocpoderiaintroduzi-lasnasuacalculadora,masavidacurta.Emvezdisso,vamosescolherumaequaobemmaissimples.Deixe-mefrisarqueelanotemabsolutamentenadaavercomomovimentodeHiprion,emboraaindaassimilustreofenmeno do caos.Minhacalculadoratemumbotox,evousuporqueasuatambmtem.Senotiver,xseguidopor=domesmoefeito.Escolhaumnmeroentrezeroeum,como0,54321,epressione o boto x. Repita isso muitas vezes e olhe os nmeros. Que acontece?Eles encolhem. Na nona vez em que apertei o boto da minha calculadora, obtive zero, ecomo 0 = 0, no espanta que depois disso nada de muito interessante acontea.Esseprocessoconhecidocomoiterao:repetioindefinidadamesmacoisa.Tenteiteraralgunsoutrosbotesdesuacalculadora.Noexemploacima,comeceisemprecom0,54321, mas se quiser voc pode usar outros valores iniciais. Deve, porm, evitar o zero. Naminha calculadora, no modo radiano, depois de apertar o boto cos cerca de quarenta vezes,obtiveomisteriosonmero0,739085133,quesimplesmenteseinstaloul.capazdeadivinhar que propriedade especial tem esse nmero? Seja como for, mais uma vez a iteraosimplesmente se fixa num nico valor: converge para um estado de equilbrio.O boto tan parece fazer o mesmo tipo de coisa. As aparncias enganam. Iterei-o 300.000vezesnocomputadoreelenoconvergiunemsetornouperidico.Noentanto,emcertoslugaresficaempatado:crescemuito,muitolentamentedigamos0,0000001poriterao.Esseefeito,quechamadointermitncia,explicaporque,primeiravista,osnmerospodem parecer estar convergindo.H tambm um nmero infinitamente grande de valores iniciais para os quais a sequnciatan simplesmente repete o mesmo nmero vezes sem conta, mas zero provavelmente o nicodesses valores que voc encontrar por acaso. O comportamento tpico a intermitncia.Obotoexvaiat268vrgulaalgumacoisaeentodumamensagemdeerroporqueficou grande demais: desvia-se clere para o infinito. O botoconverge para 1.Oboto1/xfazalgomaisinteressante:onmeromudade0,54321para1,840908673evice-versa. Aiterao peridicadeperodo2;isto,sevocapertarobotoduasvezes,volta para o ponto em que comeou. Talvez voc consiga descobrir por que isso acontece.Aperte todos os botes de sua calculadora: vai verificar que estes que mencionei esgotamos tipos de comportamento possveis.Serqueistoaconteceporqueosbotesdascalculadorasforamprojetadosparafazercoisas curiosas? Para sanar tal dvida, voc pode inventar novos botes. Que tal um boto x1?Parasimul-lo,aperteobotoxedepois1=.Continueapertando-os.Logovocdescobrirqueestnummovimentocclicoindefinidoentre0e1(figura6).Istotemsualgica:0 1 = 1(1) 1 = 0.Mas ciclos tambm no so nenhuma novidade.FIGURA 6. A iterao de x 1 leva a oscilaes regulares. O valor de x est representado pelas linhas verticais e o nmero deiteraes corre horizontalmente.Uma ltima tentativa: um boto 2x 1. Comece com um valor qualquer entre zero e um,diferente de ambos. Parece completamente inofensivo, nada sugere que alguma coisa especialv acontecer. Hmmm Pula um bocado para todos os lados. Esperemos que sossegue Eleno tem pressa nenhuma, no ? No consigo ver nada parecido com um padro Parece-mebastante catico (figura 7).Ah-ah! Uma equao simples: basta iterar 2x 1. Masos resultadosnoparecemassimto simples: de fato, parecem aleatrios.FIGURA 7. A iterao de 2x 1 conduz ao caos.Agoratenteoboto2x1denovo,mascomececom0,54322,emvezde0,54321.Continuaparecendoaleatrioedepoisdecercadecinquentaiteraestambmparececompletamente diferente.OquevocestvendoumaespciedeHiprionemmicrocosmo.Equaodeterminstica:resultadoforadepadro.Ligeiramudananovalorinicial:perde-seinteiramenteanoodorumoqueeleesttomando.Oquetornatudoistoespecialmentenotvel que, enquanto 2x 1 to excntrico, o boto 2x1,superficialmentesimilar,impecavelmente bem-comportado.Nosugiroquevoctentefazeroquemostrareiaseguirnumacalculadora,amenosqueaprecielongosclculos;massetiverumcomputadoremcasa,eisaquiumprograminha.Sequiser,podeaperfeio-lo.Nopretendoincluirnenhumoutroprograma,masosentusiastasdacomputaotalvezconsidereminstrutivoelaborarseusprpriosprogramasparaexperimentar outros aspectos do caos.10 INPUT k20 x = 0,5432130 FOR n = 1 TO 5040 x = k*x*x-l50 NEXT n60 FOR n = 1 to 10070 x = k*x*x-l80 PRINT x90 NEXT n100STOPIsto faz a iterao de um boto kx 1 para qualquer escolha de k. As linhas 30-50 do tempoparaqueasequnciadeiteraesseaquieteechegueaocomportamentodelongoprazo,sem que os nmeros sejam impressos. Por exemplo, se voc puser k = 1,4, ter um boto 1,4x1.Istoproduzumciclobastantecomplicado,envolvendodezesseisvalores!Ocaosseestabeleceporvoltadek=1,5.Depoisdisso,quantomaiorvoctornark,maiscaticasficaro as coisas.Pelo menos, o que parece. Mas no to simples assim.Emk=1,74,vocverumcaosabsoluto.Emk=1,75,tem-seamesmaimpressodeincio.Ocorreque,depoisdecercadecinquenta iteraes,elesefixanumciclodeperodotrs, com nmeros em torno de0,744 0,030 0,998.Do caos emerge um padro. Os dois esto inextricavelmente relacionados.Espero que isso lhe parea misterioso e estimulante.Se for assim, eu o encorajaria a explorar o comportamento na srie k = 1 at 1,40155 e daparaafrente.Talvezvocpreciseusarumloopmaislongonaslinhas30ou60paraverospadres completos quando houver algum.Uma palavra sobre computadores e caos. Tendemos a pensar em clculos por computadorcomo sendo o mximo da exatido. Na verdade, no so. As limitaes de memria implicamque os nmeros s podem ser armazenados no computador com uma exatido muito limitada,digamos,deatoitooudezcasasdecimais.Almdisso,ocdigointernoprivadoqueocomputadorutilizapararepresentarseusnmeros,eocdigopblico,quesepodevernatela,sodiferentes.Istointroduzduasfontesdeerro:erroporarredondamentonosclculosinternoseerrodetraduodocdigoprivadoparaopblico.Emgeralesseserrosnotmmaiores consequncias, mas uma das caractersticas do caos que erros mnimos se propagame crescem.Avidaseriarazoavelmentefcilsetodososcomputadoresusassemosmesmoscdigos.Mas evidentemente no o fazem. Isto significa que um mesmssimo programa rodado em doiscomputadores de marcas diferentes pode produzir resultados diferentes. O mesmo se aplicamesmamquinarodandoversesdiferentesdomesmosoftware.Ocasionalmente,eulhedirei alguns resultados numricos que obtive em meu computador. Esteja preparado para noencontrar exatamente os mesmos nmeros no seu! Mas, se explorar nmeros prximos aos queestou usando, provavelmente conseguir encontrar o mesmo tipo de comportamento que eu.O que descobrimos?Ummilagre.Ordemecaos,intimamenteentremeados,emergemdeumafrmulatosimplescomokx1.Algunsvaloresdekconduzemaiteraesordenadas,outrosaparentementesemelhantes,aocaos.Quais?Ah,agoravocestcomeandoafalardeinvestigao matemtica.ComeamosnoentendendoHiprion;agora,noentendemosnemmesmo2x1.Emtermos matemticos, isto constitui um avano assombroso.umavanoporqueestamoscomeandoaaprenderondeoproblemareside.Antesdebrincar um pouco com a calculadora tnhamos uma desculpa para imaginar que simplesmenteocorriaalgodemuitocomplicadocomHiprion.Agorasabemosquenonadadisso.Complicaotemmuitopoucoavercomessecaso.Oquesepassaalgodemuitosutil,fundamental e extremamente fascinante.TudoistomedeixamuitodesgostosocomoscosmlogosqueafirmamjconheceremasorigensdoUniverso,tudomuitobemarrumadinho,excetonotocanteaoprimeiromilissegundo,oucoisaequivalente,doBigBang.Ecomospolticos,quenoapenasnosasseguram que uma boa dose de monetarismo nos far bem, como esto to convencidos dissoquepensamquealgunsmilhesdedesempregadosrepresentaroapenasuminconvenienteinsignificante. O ecologista matemtico Robert May expressou sentimentos similares em 1976.Noapenasempesquisa,masnodiaadiadapolticaedaeconomia,estaramostodosemmelhor situao se um maior nmero de pessoas se desse conta de que sistemas simples nopossuem necessariamente propriedades dinmicas simples.O HINDUSMO E A ARTE DA MANUTENO MECNICAVeremos agora rapidamente como a civilizao ocidental chegou a conceber o universo comoumaengrenagemdotadadaprecisodeumrelgioeaembarcarnailusodequeequaesdeterminsticassempreconduzemacomportamentosregulares.Amenteorientalseinclinaauma perspectiva filosfica diferente. Os hindus, por exemplo, atribuem ao caos um papel maissutilquemeraconfusoinforme,ereconhecemumaunidadesubjacenteentreaordemeadesordem.Namitologiahinduclssica,ocosmopassaportrsgrandesfases:criao,conservao e destruio que espelham o nascimento, a vida e a morte. Brahma o deus dacriao,Vishnu,odeusdaconservao(ordem),eShivaodeusdadestruio(desordem).Mas a personalidade de Shiva multifacetada: ele aquele que caminha margem, o caadorsolitrio, o danarino, o iogue que se afasta da sociedade humana, o asceta coberto de cinzas.Onodomesticado.AdistinoentreaordemdeVishnueadesordemdeShivanocorresponde distino entre o bem e o mal. Elas representam antes duas diferentes maneirasem que Deus se manifesta: benevolncia e fria; harmonia e discrdia.Damesmamaneira,osmatemticosestocomeandoaveraordemeocaoscomoduasmanifestaesdistintasdeumdeterminismosubjacente.Enenhumdelesexisteisoladamente.Osistematpicopodeexistirnumavariedadedeestados,algunsordenados,outroscaticos.Assimcomoaharmoniaeadissonnciasecombinamnabelezamusical,assimaordemeocaos se combinam na beleza matemtica.a V! teu terrvel imprio, Caos! est restaurado;/ A luz morre ante tua palavra aniquiladora;/ Tua mo, grande Anarca! deixa opano cair/ E a treva universal tudo sepulta. (N.T.)2. EQUAES PARA TUDOAssim, quanto a mim, penso que vo indagar sobre as causas do movimento rumo aocentro, uma vez que o fato de que a Terra ocupa o lugar central no universo e de quetodosospesossemovememdireoaelejficoutopatenteapartirdosprpriosfenmenos observados.PTOLOMEU, AlmagestoAmetforadeummundocomoumaengrenagemprecisa,comoumrelgio,vemdemuitolonge, e importante avaliarmos quo profundamente arraigada est. Antes de enfrentarmos ocaos, devemos estudar a lei.Um bom ponto para comear a Grcia antiga, com Tales de Mileto. Nascido por volta de624a.C.,morreuemtornode546a.C.eficouclebreporterprevistoumeclipsedoSol.Provavelmenteapropriou-sedomtododosegpciosoudoscaldeus,eaprevisotinhaumgrau de preciso de apenas um ano ou algo semelhante. Seja como for, o eclipse ocorreu nummomentopropcio,pondofimaumabatalhaentreosldioseosmedos,eoSolficouquaseinteiramente obscurecido. Essas circunstncias fortuitas certamente reforaram a reputao deTalescomoastrnomo.Umadasfrustraesdoshistoriadoresomodocomo,quaseporacaso,algunseventospodemserdatadoscomprecisoenquantooutrospermanecemconjecturais.NossoconhecimentodadatadenascimentodeTalesbaseia-senosescritosdeApolodoro; o de sua morte, em escritos de Digenes Larcio: nenhuma dessas datas segura.Estforadedvida,porm,queoeclipseemquestofoiode28demaiode585a.C.Orelgio csmico se move de maneira to confivel que, dois milnios e meio depois, podemoscalcular no apenas as datas de eclipses do passado mas a posio da superfcie da Terra daqual podem ter sido vistos. Eclipses solares so raros, e foi especificamente este o nico queTalespoderiatertestemunhado.Acontecimentosastronmicosaindaconstituemumdosmelhores mtodos de que os historiadores podem se valer para datar eventos.Conta-seque,certanoite,Talesestavacaminhandoeficoutoabsortoemsuacontemplao do cu noturno que caiu num fosso. Uma companhia feminina observou: Comoconsegues dizer o que est acontecendo nos cus quando s incapaz de enxergar o que tens sobos ps? Esta fbula resume, de diversas maneiras, as atitudes que deram origem mecnicaclssica. Os filsofos da Grcia antiga eram capazes de calcular os movimentos dos planetascomassombrosaexatido,mascontinuavamacreditandoqueosobjetospesadoscaemmaisdepressa que os leves.A dinmica s comeou a avanar quando os matemticos conseguiram despregar os olhosdocosmoeolharammaisdepertoedemaneiramaiscrticaoqueaconteciaaseusprpriosps.PtolomeuimaginouqueaTerrapermaneciaestacionrianocentrodetudoporque aceitou o testemunho de seus prprios sentidos de modo demasiado literal e deixou dequestionar seu significado. Mas a cosmologia atuou como um estmulo, e podemos indagar sequestes mais terra a terra teriam sido fonte de inspirao suficiente.REVOLUO CSMICAAcosmologiaprimitivaeraricaemimaginaomitolgicamaspobreemcontedofactual.PassamosporconcepesdeumaTerraplanasustentadaporumelefante,dodeus-solcruzando o cu em sua carruagem e de estrelas que numa antecipao das lmpadas eltricassedependuravamemcordaseeramapagadasduranteodia.Avisopitagricanoeramenosmstica,masapoiava-sefortementenasignificaomsticadosnmerose,inadvertidamente, ps a matemticaem cena.Plato afirmouque a Terra ficava nocentrodouniverso,comtudoomaisgirandosuavolta,numasriedeesferasocas.Pensavatambmque a Terra era redonda, e sua crena de inspirao pitagrica de que tudo, at o movimentodoscus,eraumamanifestaoderegularidadematemticasemostrariaextremamenteinfluente.Eudxio,umeminentematemticoinventordaprimeirateoriarigorosadosnmerosirracionais, percebeuqueo movimentoobservveldos planetas emoposioaodasestrelasno se enquadrava no ideal platnico. As trajetrias seguidas pelos planetas so inclinadas, edevezemquandoelesparecemsemoverparatrs.Eudxioconcebeuumadescriomatemticaemqueseconsideravaqueosplanetasestavammontadosnumasriedevinteeseteesferasconcntricas,cadaumagirandoemvoltadeumeixosustentadopelaesferavizinha.Seussucessoresaperfeioaramoesquemacombasenaobservao,acrescentandoesferas adicionais. Por volta de 230 a.C., Apolnio suplantou esse sistema com uma teoria deepiciclos,segundoaqualosplanetassemoviamempequenoscrculoscujoscentrossemoviamporsuavezemgrandescrculos.CludioPtolomeu,queviveuemAlexandriaem100-160 d.C., refinou este sistema de epiciclos, tornando-o to condizente com a observaoque nada o suplantou por 1.500 anos. Foi um triunfo da matemtica emprica.ENGRENAGENS DOS GREGOSAmetforadequeoscussemovemcomoengrenagensdeumrelgiopodeterumabasemaisliteral.NossasideiassobreaGrciaantigaderivaramemgrandepartedodomniointelectualfilosofia,geometria,lgica.Atecnologiarecebeumenosateno.Emparteistose deve ao fato de que poucos exemplos da tecnologia grega sobreviveram. Aprendemos queos gregos davam mais valor lgica a matemtica intelectual que logstica, a matemticaprtica.Masasfontesdessasnossasconcepesnosoisentasdetendenciosidade,eafirmaessemelhantespoderiammuitobemserouvidashojenoscorredoresdosdepartamentosdelgicamatemtica.Ahistriacompletadatecnologiagregatalveznuncavenha a ser conhecida, mas as pistas de que dispomos so intrigantes.Em1900,algunspescadoresestavamprocurandoesponjasaolargodacostadapequenailhagregadeAnticitera(situadafrenteilhamaiordeCitera,entreaGrciacontinentaleCreta). Encontraram os restos de um navio que naufragara numa tempestade em 70 a.C. quandoviajavadeRodesparaRoma.Conseguiramrecuperaresttuas,vasilhas,jarrosdevinhoemoedas,juntamentecomumaglomeradoaparentementeintildemetalcorrodo.Umavezseco,esseaglomeradodividiu-seempeas,revelandorodasdentadas.Em1972DerekdeSolla Price submeteu o conjunto ao raio X; pde assim reconstruir um complicado arranjo detrinta e duas rodas dentadas (figura 8). Mas para que servia aquilo? Analisando sua estrutura,concluiu que devia ser usado para calcular as posies do Sol e da Lua contra o pano de fundodas estrelas.O mecanismo de Anticitera tem muitas caractersticas interessantes, entre as quais a de seromaisantigoexemplarconhecidodeengrenagemdiferencial.Engrenagenssemelhantessousadas hoje em dia nos eixos traseiros dos carros, para permitir que as rodas se movimentememvelocidadesdiferentes,aosedobrarumaesquina,porexemplo.NomecanismodeAnticitera,umaengrenagemdiferencialeratilnoclculodasfasesdaLua,atravsdasubtraodomovimentodoSoldomovimentodaLua.Oaparelhocomplexoefeitocomconsidervel preciso, a indicar a existncia de uma longa tradio de fresagem e construodemquinascomengrenagensnaGrciaantiga.Nenhumoutroexemplosobreviveuprovavelmente porque as mquinas velhas e quebradas eram fundidas e o metal reciclado.FIGURA 8. Engrenagem do mecanismo de Anticitera, antigo calculador planetrio grego.EmseuartigoGearsfromtheGreeks(ProceedingsoftheRoyalInstitution,vol.58,1986),omatemticobritnicoChristopherZeemanespeculousobreainflunciadetaisaparelhos sobre a cincia grega:Primeirovieramosastrnomos,observandoosmovimentosdoscorposcelestesecoletandodados.Emsegundolugarvieramosmatemticos,inventandoanotaomatemticaparadescreverosmovimentoseajustarosdados.Emterceirovieramostcnicos,fazendomodelosmecnicosparasimularaquelasconstruesmatemticas.Emquartovieramgeraesdeestudantes,queaprenderamsuaastronomiaapartirdessasmquinas. Em quinto vieram cientistas, cuja imaginao estava to ofuscada por geraesdetalaprendizadoquedefatoacreditamqueeradaquelemodoqueoscussecomportavam.Emsextovieramasautoridades,quedefendiamodogmaestabelecido.Eassim a raa humana foi induzida a aceitar o Sistema Ptolomaico por cerca de um milnio.O SOL CENTRALEm1473NicolauCoprnicopercebeuqueateoriaptolomaicaenvolviagrandenmerodeepiciclos idnticosedescobriuqueerapossvelelimin-lossupondoqueaTerragiravaemtornodoSol.OsepiciclosidnticoseramtraosdomovimentodaTerrasuperpostosaosmovimentos dos demais planetas. De imediato, essa teoria heliocntrica reduzia o nmero dosepiciclos a 31.Johannes Kepler mostrou-se igualmente insatisfeito com a reviso de Ptolomeu promovidapor Coprnico. Herdara uma srie de observaes astronmicas extremamente precisas feitasporTychoBraheebuscavaospadresmatemticossubjacentesaelas.Tinhaumamenteabertatoabertaquealgumasdesuasideias,comoadarelaoentreointervaloentreasrbitasplanetriaseopoliedroregular(figura9),hojeparecemestapafrdias.MaistardeKeplerviriaaabandonarsuateoriapoisconflitavacomasobservaes;athojenodispomos de nenhuma teoria da formao planetria que determine corretamente os tamanhosdos planetas e as distncias que os separam.FIGURA 9. Modelo de Kepler para a distncia entre as rbitas planetrias, baseado nos cinco poliedros regulares (publicado em1596).Finalmente,Keplerseviucompelido,quaseacontragosto,aformularsuaPrimeiraLei:osplanetassemovememrbitaselpticasemtornodoSol.Emseutrabalhoestavamimplcitasduasoutrasleisquemaistardeadquiriramgrandesignificado.ASegundaLeiafirmaquearbitadeumplanetapercorrereasiguaisemtemposiguais.ATerceiraLeidefinequeocubodadistnciaentreoplanetaeoSolproporcionalaoquadradodeseuperodo orbital.Esteticamente,ateoriadeKeplermuitomaisatraentedoqueumemaranhadodeepiciclos, mas, como as precedentes, puramente descritiva. Diz o que os planetas fazem, masnofornecenenhumaexplicaounificadora.AntesdepodersuperarKepler,acosmologiaprecisava aterrissar.O BALANO DO PNDULOPara um estudante da Universidade de Pisa na dcada de 1580, a vida devia ser excitante, poisfoiumperododeavanoscruciaisnoconhecimentohumano.Masoalvoroonopodeperdurar o tempo todo. Durante um culto religioso, na igreja, um aluno deve ter se entediado,porquesedistraiuesepsaolharumagrandelmpadaquebalanavaaosabordaaragem.Balanava de maneira errtica, mas ele percebeu que, quando fazia uma oscilao ampla, suavelocidade aumentava, de tal modo que o tempo gasto permanecia constante. Como ainda noexistiam relgios precisos, media o tempo pelo seu pulso.O estudante era Galileu Galilei (figura 10), que ingressara na universidade aos dezesseteanos para estudar medicina e tomava aulas particulares de matemtica. Nascera em Florenaem 1564 e morreria em 1642. Alm de ter sido um cientista de primeira grandeza, foi tambmum grande literato e seus escritos so elegantes e engenhosos. Tinha pendor para a mecnica econstruiuseuprpriotelescpio:descobriu queJpiter temquatroluas,osprimeiroscorposcelestes que se soube que no giravam em torno da Terra. Tinha o dom do pensamento claro,preferindo explanaes lgicas simples a argumentaes floreadas destinadas a complicar e aobscurecer.Viveunumapocaqueaceitavaqueoseventosfossemexplicadosemtermosdefinalidades religiosas. Por exemplo, a chuva cai porque sua finalidade molhar as plantaes;uma pedra lanada para o alto cai no cho porque este seu lugar prprio de repouso.Galileu se deu conta de que indagaes acerca dos propsitos das coisas no conferiam humanidade controle algum sobre os fenmenos naturais. Em vez de perguntar por que a pedracai,buscouumadescrioprecisasobreomodocomocaa.EmvezdomovimentodaLua,que no podia influenciar, estudou esferas que rolavam sobre planos inclinados. E, num lancedegnio,concentrousuaatenonumpequenonmerodequantidades-chavetempo,distncia,velocidade,acelerao,momento,massa,inrcia.Numapocaqueseocupavadequalidades e essncias, sua escolha mostrava uma notvel apreenso do essencial, sobretudoquandoseconsideraquemuitasdasvariveisqueselecionounopermitiamdeimediatomensuraes quantitativas.O tempo, em particular, deu muita dor de cabea a Galileu. No possvel medir o tempodequedadeumapedraobservandoaalteraodocomprimentodeumavelaacesa.Usourelgiosdeguaeasbatidasdoseupulsoe,segundoStillmanDrake,provavelmentecantarolavaparasimesmo,marcandooritmo,comoofariaummsico.Paratornarmaislentos fenmenos dinmicos e dar maior preciso sua mensurao do tempo, estudou comoesferasrolavamsobreumarampapoucoinclinada,emvezdeobserv-lasemquedalivre.Assim,atravsdeumacombinaodeexperimentosapenasimaginadoseosefetivamenterealizados,chegouaumaelegantedescriodomodocomooscorposcaemsobaaodagravidade.FIGURA 10. Galileu Galilei, criador da mecnica terica e experimental. (Reproduzido com a permisso de John Wiley & SonsLtd.)Emconsonnciacomoespritodageometriagregaemqueosobjetossoidealizados,detalmodoqueumalinhanotemlarguraalguma,umplanonotemespessuraGalileuidealizousuamecnica,preferindonegligenciarefeitoscomoaresistnciadoarquandoestava interessado nas simplicidades subjacentes. Para desenredar a teia de influncias inter-relacionadas que controlam o mundo natural, melhor comear estudando um fio de cada vez.Nos tempos medievais pensava-se que a trajetria de um projtil compreendia trs partes:primeiroummovimentoemlinhareta,depoisumtrechodeumcrculoeporfimumaquedavertical (figura 11). Galileu descobriu que a velocidade de um corpo em queda aumenta numataxa constante, isto , sua acelerao constante. Disto ele deduziu a trajetria correta: umaparbola.Mostroutambmqueumabaladecanhofaromaiorpercursoseforprojetadaaum ngulo de 45. Descobriu leis para a composio de foras. Percebeu que, na ausncia daresistncia do ar, uma massa pesada e uma leve cairo com igual velocidade. Hoje todas estascoisaspodemparecerelementares,malmerecendomeno,masconstituramaprimeiraevidnciaslidadequeodomniodasleisdanaturezapodiaserlidopelahumanidade.Galileueramordaz,comosepercebenomodocomoexpeateoriaheliocntricaemseuDilogo sobre os dois principais sistemas do mundo:A meu ver, algum que considerasse mais sensato para o conjunto do universo mover-se demodoadeixaraTerrapermanecerfixaseriamaisirracionalqueumapessoaque,tendosubidoaotopodeumacpulaapenasparaterumavisodacidadeedosarredores,pedisseentoquetodaaregiogirassesuavolta,demodoalhepouparotrabalhodevirar a cabea.Um sistema de leis naturais para matrias celestes; outro para as mundanas. Kepler com osolhos no cu e Galileu com o ouvido na Terra. Que devesse haver uma conexo entre os doisreinoseraalgoquaseimpensvel.Ocuerapuro,imaculado,amoradadeDeusedeseusanjos; a Terra era a morada do Homem pecador.Um nico vislumbre mudou essa maneira de pensar para sempre.FIGURA 11. Teoria medieval do movimento de um projtil como uma mistura de movimentos retos e circulares: o diagrama datrajetria foi feito por Tartaglia; aqui ele aparece superposto a uma paisagem, tal como publicado em Der GeometrischenBuchsenmeisterey, de Walter H. Ryff.GRAVIDADE E GEOMETRIAAlgunsgrandescientistasforamcrianasprodgios,masIsaacNewtonfoiummeninorelativamentecomum,salvoporumpendorparafazerinventos.Ogatodafamlia,que,segundoseconta,desapareceunumbalodearquente,experimentouessetalentonapele.Newton nasceu em 1642 na aldeia de Woolsthorpe, um beb prematuro e doentio. Ao fazer seucursodegraduaonoTrinityCollege,emCambridge,nocausoumaiorimpresso.Masquandoagrandepestecomeouagrassar,voltousuaaldeia,longedavidaacadmicae,quasesozinho,criouaptica,amecnicaeoclculo.MaistardefoidiretordaCasadaMoeda e presidente da Royal Society. Morreu em 1727.GalileudescobriraqueumcorpoquesemovesobagravidadedaTerrasofreumaacelerao constante. Newton tinha uma meta bem mais ambiciosa: buscava um cdigo de leisque governassem o movimento de um corpo submetido a todas as combinaes de foras.De certo modo, o problema era mais geomtrico que dinmico. Se um corpo se move numavelocidadeuniforme,adistnciaquepercorreoprodutodesuavelocidadeedotempodecorrido. Se ele se move numa velocidade no uniforme, no h uma frmula simples comoessa.AntesdeNewton,osmatemticostinhamfeitoconsiderveisavanos,mostrandoquevrias questes dinmicas bsicas podiam ser formuladas em termos geomtricos. Raramente,porm, os problemas geomtricos eram de fcil soluo.Um grfico que represente a variao da velocidade de um corpo com o tempo assume aformadeumacurva.Porargumentosgeomtricos,pode-semostrarqueadistnciatotalpercorridaigualreasobacurva.Demaneirasimilar,avelocidadeainclinaodatangenteaumoutrogrfico,esterepresentandoadistnciacontraotempo.Mascomopodemosencontraressasreaseessastangentes?Newtone,demaneiraindependente,GottfriedLeibnizresolveramessesproblemasdividindootempoemintervaloscadavezmenores.Areasobacurvatorna-seentoasomadasreassobumgrandenmerodeestreitas faixas verticais. Mostraram que o erro gerado por essa aproximao se reduz muito medidaqueointervalodetempodiminui,eafirmaramque,nolimite,seriapossvelfazercom que tambm o erro desaparecesse. Analogamente, a inclinao de uma tangente pode sercalculadacombaseemdoisvaloresdetempoprximos,deixando-sequeadiferenaentreambos se torne arbitrariamente pequena. Nenhum dos dois matemticos foi capaz de fornecerumajustificaolgicarigorosaparaseumtodo,masambosestavamconvencidosdesuacorreo. Leibniz falava de mudanas infinitesimais no tempo; Newton tinha uma concepomais fsica de quantidades que fluam continuamente e as chamava de fluentes e fluxnios.Estes mtodos de clculo, conhecidos hoje como integrao e diferenciao,resolveramosproblemasprticosdadeterminaodedistnciasapartirdevelocidadesoudevelocidadesapartirdedistncias.Comeles,umenormenmerodefenmenosnaturaisfoiintroduzido no mbito da anlise matemtica.O SISTEMA DO MUNDOAobraPrincpiosmatemticosdefilosofianatural(figura12),quecontmasleisdomovimento, foi publicada em trs volumes. Devia muito a Galileu, como Newton exatamentereconhece, e se baseava numa filosofia cientfica similar. Nela, todo o movimento reduzido atrs leis simples, enunciadas no primeiro volume:Senenhumaforaatuasobreumcorpo,elepermaneceemrepousoousemoveuniformemente numa linha reta.Sua acelerao proporcional fora que est atuando.A toda ao corresponde sempre uma ao igual em sentido contrrio.NewtonmostroutambmqueasleisdeKeplerparaomovimentoplanetriodecorremdessas trs leis, juntamente com a lei gravitacional do inverso do quadrado. Mas a verdadeiraimportnciadaconceponewtonianadagravidadenosedevetantoaofatodepoderserexpressa numericamente. A lei de Newton universal. Cada partcula de matria no universoatrai outra partcula segundo a mesma lei. A gravitao de Jpiter e a trajetria de uma bala decanhosoduasmanifestaesdamesmalei.OhomemestemseuCu,eouniversonovamente uno.Adescobertafoiretomadaeelaboradanoterceirovolume.Demonstrareiagora,disseNewton,osistemadomundo.Eassimfez.AplicousuateoriadagravidadeaomovimentodosplanetasemtornodoSoleaodossatlitesemtornodeseusplanetas.Conseguiudeterminar as massas dos planetas e do Sol em relao da Terra. Estimou a massa da Terracom um erro de apenas 10% em relao ao seu valor real. Mostrou que a Terra achatada nospolosechegouaumaestimativabastanteprecisadesseachatamento.Discutiuavariaodagravidade sobre a superfcie da Terra. Calculou irregularidades no movimento da Lua devidasatraoexercidapeloSol,easrbitasdoscometasmostrandoqueessesarautosdacondenaocsmica,supostamentelivresdequalquerregulao,estavamsubmetidossmesmas leis que os planetas.FIGURA 12. Folha de rosto de Princpios matemticos de filosofia natural, de Newton.AldousHuxleydisseumavezqueTalvezoshomensdegniosejamosnicoshomensverdadeiros.Emtodaahistriadaraahouveapenasalgumascentenasdehomensreais.Ensoutros?Quesomos?Animaisadestrveis.Semaajudadohomemreal,noteramosdescobertopraticamentenada.NoprecisoconcordarcomHuxleyparaadmitirquealgumaspessoasexercemumimpactodesproporcionalsobreahistria.Newtonfoiumhomemverdadeiro.Assimtambm,oclculoamatemticaverdadeira,eteveumimpactodesproporcional.MasaimportnciadoclculoparaadinmicadeNewtonnofoiimediatamenteevidenteparaamaioriadeseuscontemporneos.Arazosimples:emnenhumapassagemdosPrincpiosmatemticosdefilosofianaturalhaviaqualquerusoexplcito dele. Em vez disso, Newton formulou suas provas na linguagem da geometria gregaclssica.Masoclculoacabouporvirluzdodiaem1736,graasaosesforosdoscientistas seguidores de Newton. Por volta do fim do sculo XVII, os matemticos de toda aEuropa j dominavam plenamente o mtodo do clculo e tinham assimilado a forte indicaodada por Newton de que as pginas do livro da Natureza estavam abertas a todos que tivessema perspiccia necessria para l-las. No precisavam de mais incentivos.SINOS E ASSOBIOSO rtulo anlise usado hoje para designar o clculo em sua forma mais rigorosa: a teoriaquelhesubjacente,maisqueatcnicacomputacional.Adquiriuessaconotaoduranteosculo XVIII, quando a vertente terica do clculo foi substancialmente ampliada. O principalartficedessedesenvolvimentofoiLeonhardEuler,omaisprolficomatemticodetodosostempos.Eulerfoiresponsveltambmporgrandepartedaaplicaodoclculofsicamatemtica.NascidonaSuaem1707,foiinicialmentepreparadoparaumacarreirareligiosa, mas logo se voltou para a matemtica e comeou a publicar aos dezoito anos. Aosdezenove,ganhouumgrandeprmioemmatemticaconferidopelaAcademiaFrancesadeCincias,porumtrabalhoqueabordavaassuntosrelacionadosmastreaodenavios.Em1733 foi nomeado para a Academia de So Petersburgo, na Rssia. Em 1741 mudou-se paraBerlim,masretornouRssiaem1766apedidodeCatarinaaGrande.Emconsequncia,aSua o evoca como um grande matemtico suo, a Rssia, como um grande matemtico russoe a Alemanha, como um grande matemtico alemo. Sua viso comeou a declinar e, por voltade 1766, ficou completamente cego. Isto no teve, porm, nenhum efeito perceptvel sobre suaprodigiosa e original produo em matemtica.O primeiro florescimento amplo da semente newtoniana foi a rea da mecnica analtica: amecnicacompletaeexplicitamentebaseadanoclculo,emqueoobjetivoeraprimeiroencontrarasequaesdiferenciaisquegovernavamomovimentodosistemaemquesto,eento resolv-las. Mas reas inteiramente novas de fsica matemtica logo seriam abertas. Osantigos pitagricos haviam buscado a harmonia no nmero ou, mais precisamente, o nmerona harmonia, pois a numerologia da msica foi sua maior descoberta. Muitos so os que dizemencontrarumaafinidadeentreamatemticaeamsica.Sejacomofor,grandepartedamatemticarelevantederivoudoproblemadeumacordadeviolinoemvibrao.Pode-sedizer at, por exemplo, que sem isso no teramos o rdio e a televiso.Resolvendo uma equao diferencial apropriada, Brook Taylor descobriu, em 1713, que aforma bsica de uma corda em vibrao uma curva senoidal, ou senoide (figura 13 (1)). Em1746,JeanLeRonddAlembertconstatouqueoutrasformaseramtambmpossveis.DAlemberterafilhoilegtimodeMadamedeTencin,famosamulherdesociedade,comseuamante,oCavaleiroDestouches.FoiabandonadonasescadasdaigrejadeS.Jean-le-Rond,em Paris, donde seu inusitado prenome.Que nunca se diga que todos os matemticos levam vidas inspidas e banais.DAlembertdesenvolveuumaanlisegeraldacordaemvibrao.Partindodopressupostodequeaamplitude(tamanho)davibraoerapequena(paraeliminartermosindesejveisdasequaes,prticaaqueretomaremosadiante),formulouumaequaodiferencialaqueacordadeviaobedecer.Tratava-se,porm,deumnovotipodeequao,umaequaodiferencialparcial.Taisequaesenvolvemastaxasdevariaodealgumaquantidadecomrelaoadiversasvariveisdiferentes.Nocasodacordadeviolino,essasvariveis so a posio de um ponto na corda e o tempo. Em seguida DAlembert mostrou quea equao era satisfeita pela superposio de duas ondas de forma arbitrria, uma das quaisse dirigia para a esquerda e a outra para a direita.Eulerapressou-seemlevaradianteessadescoberta.Ocorreu-lhequeaondasenoidaldeTaylorpodiasercombinadacomsuasharmnicassuperioresondascomamesmaforma,mas vibrando duas, trs, quatro vezes a frequncia bsica (figura 13 (2, 3)). Em Uma novateoriadamsica,analisouasvibraesdesinosetambores.DanielBernoulliestendeuosresultados a tubos de rgo.FIGURA 13. Vibrao de uma corda de violino: senoide fundamental (1) e seus segundo e terceiro harmnicos (2, 3),superpostos para criar uma onda mais complexa (linha cheia).Da msica surgiu a fsica. Em 1759 Joseph-Louis Lagrange, um jovem que mal comeavaaalcanaralgumareputao,aplicouaideiasondasdesom,edezanosmaistardeumaabrangente e bem-sucedida teoria da acstica comearia a se firmar.VENTO E ONDASO sculoXVIIIfoiumapocadedomniosobreosmares,exigindoconhecimentoarespeitodomodocomofluemaguaeoutrosfluidos.Em1752Eulervoltousuaatenoparaadinmicadosfluidos,eporvoltade1755tinhaformuladoumsistemadeequaesdiferenciaisparciaisparadescreveromovimentodeumfluidosemviscosidade(adesividade).Consideroutantofluidosincompressveis(gua)comocompressveis(ar).Definiuofluidocomoummeiocontnuo,infinitamentedivisvel,edescreveuseufluxoemtermos de variveis contnuas que dependiam da posio das partculas do fluido: velocidade,densidade, presso.Um por um, os vrios ramos da fsica foram se submetendo ao imprio da lei matemtica.Joseph Fourier desenvolveu uma equao para descrever o fluxo do calor e acabou por criarum novo e poderoso mtodo para resolv-la, atualmente conhecido como anlisedeFourier.Aideiacentralrepresentarqualquercurvaemformadeondacomoumasuperposiodesenoides, como na figura 13, mas de modo mais complexo.Adeformaodemateriaissobtrao,fundamentalparaaengenharia,conduziuaequaesdeelasticidade.Anlisesmaisprofundasdagravitaolevaramaequaesque,numa homenagem, hoje recebem o nome de Pierre Simon de Laplace e Simeon-Denis Poisson.As mesmas equaes apareceram ainda na hidrodinmica e na eletrosttica, e desenvolveu-seumaequaocomum,conhecidacomoteoriadopotencial.Estapermitiuaosmatemticosenfrentarproblemascomoaatraogravitacionaldevidaaumaelipsoide.Istoimportanteem astronomia, porque a maior parte dos planetas no so esferas so achatados nos polos.O sculo XVIII (e o incio do sculo XIX) foi o perodo em que as grandes teorias da fsicamatemtica clssica foram em sua maioria forjadas, as principais excees sendo as equaesdeNavier-StokesparaofluxodeumfluidoviscosoeasdeJamesClerkMaxwellparaoeletromagnetismo,queveioum poucomaistarde.FoiapartirdasequaesdeMaxwellquese descobriram as ondas de rdio.Um paradigma irresistvel emergia. Era por meio de equaes diferenciais que a naturezadevia ser modelada.ABANDONADOS PELA ANLISEMas havia um preo a pagar. Os matemticos do sculo XVIII logo se viram s voltas com umproblemaqueathojeatormentaamecnicaterica:formularasequaesumacoisa,resolv-las, outra bem diferente. O prprio Euler dizia: Se no nos permitido penetrar numconhecimentocompletoarespeitodosmovimentosdosfluidos,nomecnica,ouinsuficincia dos princpios conhecidos, que devemos atribuir a causa. a prpria anlise quenosabandonaaqui.OsfeitosprincipaisdosculoXVIIIconsistiramnaformulaodeequaes para modelar os fenmenos fsicos. Seu xito em resolv-las foi muito menor.Apesar disto, reinava um otimismo sem limites e um sentimento geral de que os problemasda Natureza tinham sido solucionados em boa medida. Os sucessos do paradigma da equaodiferencialeramesplndidoseabrangentes.Muitosproblemas,inclusivealgunsbsicoseimportantes,levavamaequaesquepodiamserresolvidas.Iniciou-seumprocessodeautosseleo pelo qual equaes que no podiam ser resolvidas eram automaticamente alvo demenos interesse do que aquelas que podiam. Os manuais em que as novas geraes aprendiamastcnicascontinhamapenas,claro,osproblemassolveis.Istonostrazmenteasobservaes de Zeeman a propsito do mecanismo de Anticitera. Modelos de mecanismos depreciso,crenanummundoreguladocomoumrelgio.Modelosmatemticosdeterminsticos, crena num mundo determinstico.A MATEMTICA NO PREGOOprocessonoerauniversal.Algumasquestesnorespondidas,comoadomovimentodetrscorpossobagravidade,ficaramnotriasporsuaimpenetrabilidade.Masdealgumamaneirataisequaespassaramaservistascomoexcees,quandoumaavaliaomaishonesta as apresentaria como regra.Defato,mesmoodeterminismomatemticodasequaesdemovimentotinhabrechas.Uma das idealizaes comuns da mecnica newtoniana considerar partculas elsticas duras.Seduasdessaspartculascolidem,elasricocheteiamemngulosevelocidadesbemdeterminados.MasasleisdeNewtonnososuficientesparadeterminaroresultadodacolisosimultneadetrsdessaspartculas(figura14).Aspretenseseramgrandiosasmasas realizaes eram falhas, mesmo no apogeu do determinismo laplaciano. Como Tim Poston eeu escrevemos em Analog (novembro de 1981):Assim as inexorveis leis da fsica, em que por exemplo Marx tentou modelar suasleis da histria, nunca existiram de fato. Se Newton no podia prever o comportamento detrsbolas,poderiaMarxpreverodetrspessoas?Qualquerregularidadenocomportamento de grandes aglomerados de partculas ou de pessoas deve ser estatstica,o que tem um sabor filosfico bastante diferente Retrospectivamente, podemos ver queodeterminismodafsicapr-qunticassesalvoudabancarrotaideolgicamantendodistncia as trs bolas, postas no penhor.Sejacomofor,amatemticapensavaqueatingiraofiloprincipal,eestavaocupadaemretirartodooouroquepodia.Mostrar,dassoberbasalturasdosculoXX,quepartedesseouro era falso um exemplo irritante de percepo a posteriori.FIGURA 14. Para onde iro elas? Segundo as leis do movimento de Newton, e pressupondo que so esferas perfeitamenteelsticas, os resultados dependem do que A atingir primeiro: B ou C. Caso se choque com ambas ao mesmo tempo, as leis deNewton no especificam o que acontece.O PERODO DE REFORMULAOEm1750LagrangeretomouasideiasdeEulereproduziuapartirdelasumaexcelentereformulaodadinmicaqueobtevegrandeprojeo.Duasimportantesideiasdeseulivrosecristalizaram.Ambashaviampermanecidonoar,aindacruas,aolongodedcadas,masLagrange soube coz-las, tirou-as do forno e as exps no balco da padaria para que todos asadmirassem, comprassem e consumissem.Aprimeiraeraoprincpiodaconservaodaenergia.Amecnicaclssicareconheciaduasformasdeenergia.Energiapotencialaquelaqueumcorpotememvirtudedesuaposio.Porexemplo, numcampogravitacional,aenergiapotencialproporcionalaltura.Um corpo no alto de uma montanha tem mais energia potencial que um corpo num vale, razopela qual escalar uma montanha mais cansativo que caminhar ao longo de um canal. Energiacintica a que um corpo tem em virtude de sua velocidade: ser muito mais trabalhoso deterum cavalo desembestado do que aquele que galopa com voc em volta de uma campina.Duranteomovimento,enaausnciadeatrito,essasduasformasdeenergiapodemserconvertidas uma na outra. Quando Galileu largou sua famosa bala de canho do alto da torreinclinadadePisa,elacomeouacaircommuitaenergiapotencial,masnenhumaenergiacintica, e trocou a primeira pela segunda medida que descia. Isto , ao baixar,ficoumaisveloz.AMeNaturezaumacontadoraescrupulosa:obalanoemseulivrodecontasaenergiatotal,potencialmaiscinticanosealtera.Quandoumabaladecanhocaideumparapeito, perde energia potencial e portanto deve ganhar energia cintica. Isto , acelera-se.AsegundaleidomovimentodeNewtonexpressaefetivamenteesseraciocnioqualitativonuma forma quantitativa precisa.A segunda ideia de Lagrange foi introduzir coordenadas generalizadas. Coordenadas soumtruqueparaconvertergeometriaemlgebra,associandoacadapontoumconjuntodenmeros.Osmatemticostinhamconsideradoconvenientetrabalharcomvriossistemasdecoordenadas,dependendodoproblemaaenfrentar.Lagrangedeveterconcludoqueerainadequadoandarcarregandoessaespciedebagagemcomputacionalnumateoriamatemtica.Comeouadmitindotodoequalquersistemadecoordenadas.Ento,comsimplicidade espantosa, derivou as equaes de movimento numa forma que nodependedosistema de coordenadas escolhido. Sua formulao tem muitas vantagens sobre a de Newton.Muitasdelassotcnicasmaisfcilaplic-laquandohrestriesaomovimento,evitatransformaes confusas de coordenadas. Acima de tudo, porm, mais geral, mais abstrata,mais elegante e mais simples.EssasideiasforamretomadasporWilliamRowanHamilton(1805-1865),ograndematemticoirlands.Elereformulouadinmicamaisumavez,conferindo-lheumageneralidadeaindamaior.Nasuaversodateoria,oestadodeumsistemadinmicoespecificadoporumconjuntogeraldecoordenadasdeposio(comoasdeLagrange)juntamentecomumconjuntorelacionadodecoordenadasdemomento(asvelocidadescorrespondentes,multiplicadaspelamassa).Umanicaquantidadeagorachamadahamiltonianadosistemadefineaenergiatotalemtermosdessasposiesemomentos.Astaxas de variao das coordenadas de posio e de momento com o tempo so expressas emtermos da hamiltoniana, num sistema de equaes simples, elegante e unificado. Hoje os textosde dinmica avanada frequentemente se iniciam com as equaes de Hamilton.PERTURBAO NO MERCADONomercadodafsicamatemtica,osprodutosdabarracadeterministaestavamexpostos.Anaturezaobedeceaumconjuntorelativamentepequenodeleisfundamentais.Asleissoequaes diferenciais, e ns as conhecemos.Dadooestadodequalquersistemanaturalnumtempodado,econhecendoasleis,emprincpiotodomovimentofuturodeterminadodemaneiranica.Naprtica,emmuitoscasosasequaespodemserresolvidas.Ventoseondas, sinos e assobios, o movimento da Lua.Se o dono da barraca pudesse ver o futuro, ficaria atnito com as maravilhas tecnolgicasque emanariam de seus produtos. Rdio, televiso, eletrnica. Automveis. Telefones. Radar.Jumbos. Relgios digitais. Computadores. Aspiradores a vcuo. Mquinas de lavar. Fones deouvido. Pontes pnseis. Sintetizadores. Asas-delta. Satlites de comunicao. Discos laser. E,para no ser parcial: metralhadoras, tanques, minas, msseis cruise, ogivas nucleares MIRV, epoluio.Nosubestimemosoefeitodoparadigmadeterminsticoclssicodafsicamatemtica sobre nossa sociedade.Masnonosiludamos.Atecnologianossaprpriacriao.Nelaoquefazemosnotantoentenderouniversocomoconstruirminsculosuniversosquenossoprprios,tosimplesquepodemoslev-losafazeroquequeremos.Tudooqueatecnologiavisaproduzirumefeitocontroladoemdeterminadascircunstncias.Fazemosnossasmquinasdemodoaqueelassecomportemdeterministicamente.Atecnologiacriasistemasaqueoparadigma clssico se aplica. No importa que no possamos resolver as equaes referentesaomovimentodoSistemaSolarnoconstrumosnenhumamquinacujaoperaodependada posse dessas respostas.Odonodabarracalustrasuasnovasereluzentesequaes,cegoaessesproblemas,esonhacomumfuturoradioso.Osfreguesessejuntamsuavolta,fazendoalarido,pechinchando.Masqueaquilo?Outrabarraca?Nohnecessidadedeoutrabarraca.Opessoaldaprefeitura deve estar louco por permitir que esse bando esfarrapado se instale no mercado! Eo que esto vendendo?Dados?Ouam, se vocs vo permitir jogo de dados no mercado, este lugar vai virar umaMas no! No vieram para bancar jogo. Que mais tm para vender nessa barraca?Segurodevida?Aeficciadaprece?Aestaturadossereshumanos?Otamanhodoscaranguejos?Ptalasdeboto-de-ouro?Afrequnciadepobresporcasamentopromovidopela assistncia social? A taxa de divrcios?S falta agora uma bola de cristal. O mercado j foi para o belelu. E diz-se que isto ummercado cientfico. Pode semelhante disparate ser cincia?Ah, pode.3. AS LEIS DO ERROQuanto maior a multido e maior a anarquia aparente, mais perfeita sua variao. aleisupremadaDesrazo.Emqualquerlugarondeumagrandeamostradeelementoscaticossejacolhidaeescalonadasegundoasuamagnitude,umaformaderegularidadeinsuspeitadaedasmaisbelasprovaterestadolatentetodootempo.Ospontos mais altos da fileira escalonada formam uma curva harmoniosa de proporesinvariveis;ecadaelemento,aoserposicionado,encontracomoqueumnichopredeterminado, cuidadosamente adaptado para cont-lo.FRANCIS GALTON, Herana naturalAdespeitodetodasasimpressionantesconquistasdafsicamatemticaclssica,reasinteirasdomundonaturalpermaneciamintocadas.AmatemticaeracapazdecalcularomovimentodeumsatlitedeJpiter,masnoodeumflocodenevenumanevasca.Podiadescreverocrescimentodeumabolhadesabo,masnoodeumarvore.Seumhomemfosse se jogar do alto da Torre Eiffel, a matemtica conseguia dizer em quanto tempo cairia nocho, mas no o motivo pelo qual, afinal de contas, decidira se jogar. E, a despeito de todas asprovas de que, em princpio, um pequeno nmero de leis prediz todo o futuro do universo,na prtica conceitos tais como o da presso de um gs ou o da temperatura de uma lmpada acarvo estavam muitssimo alm das fronteiras do que podia ser rigorosamente deduzido dasleis efetivamente conhecidas.Osmatemticostinhamfinalmenteconseguidocaptarpelomenosalgumaordemnouniversoeasrazesqueacomandavam,masaindaviviamnummundodesordenado.Acreditavam, com alguma justificao, que grande parte da desordem obedece s mesmas leisfundamentais; sua incapacidade de aplicar tais leis para todo e qualquer efeito era uma meraquesto de complexidade. O movimento de duas massas pontuais sob a ao de foras mtuaspodiasercalculadocompreciso.Odetrsjeradifcildemaisparapermitirumasoluocompleta, embora em casos especficos mtodos aproximados pudessem ser de alguma valia.OmovimentodelongoprazodoscercadecinquentagrandescorposdoSistemaSolarnopodiaserinteiramenteapreendido,masqualquercaractersticaespecficapodiaserrazoavelmentebemcompreendidapormeiodeumconsidervelesforocomputacional.Ocorre que um miligrama de gs contm cerca de cem trilhes de partculas. S para escreveras equaes de movimento correspondentes seria preciso um papel de tamanho comparvel aoda rea compreendida pela rbita da Lua. Pensar seriamente em resolv-las ridculo.Ummtodoquenateoriaresolvetudo,masnaprticatoeficazquantoumateiadearanhaparaconterumaavalanche,notendeagranjearmuitosadeptos,porimpecveisquesejamsuascredenciaisfilosficas.Acincia,porm,noiriasedesesperarsporqueeraimpossveldescreverosmovimentosindividuaisdetodaequalquerpartcula.Aindaqueasmincias da complexidade de grande nmero de partculas fossem inimaginveis, era possvelavanartendoemmirametasmaisrealistas.Osexperimentossugeremque,adespeitodacomplexidade,osgasessecomportamdeumamaneirabastanteregular.Seimpossvelconheceremdetalheocomportamentodegrandessistemas,nopoderamosdescobrirregularidadesnocomportamentocomum,mdio?Arespostasim,eamatemticanecessria para isso a teoria da probabilidade e sua prima aplicada, a estatstica.GANHOS INCERTOSAteoriadaprobabilidadeteveorigemnumterrenoeminentementeprtico:ojogo.Todososjogadores tm uma sensibilidade instintiva para a sorte, a chance. Sabem que ela obedeceapadresregularesemboranemtodasascrenasquealimentamresistamanlisematemtica.GirolamoCardano(figura15),oeruditojogador,gniointelectualetrapaceiroincorrigvel, foi o primeiro a escrever sobre a probabilidade. Em 1654, o Cavaleiro de Merperguntou a Blaise Pascal qual seria a melhor maneira de dividir a soma das apostas num jogodeazarqueforainterrompido.Osmesmosnomesqueafloraramnodesenvolvimentodamatemticadeterminsticaaparecemnodamatemticadoacaso:PascalescreveuaFermatejuntosencontraramumaresposta.Elafoipublicadaem1657,noprimeirolivrointeiramentededicadoteoriadaprobabilidade:Sobreoraciocnioemjogosdeazar,deChristianHuygens.FIGURA 15. Girolamo Cardano, o erudito jogador. (Reproduzido com a permisso de John Wiley & Sons Ltd.)Aprobabilidadecomotemapormritoprpriosurgiuem1812,comapublicaodeTeoria analtica das probabilidades, de Laplace. Segundo ele, a probabilidade de um eventoonmerodevezesemqueelepodeocorrer,divididopelonmerototaldascoisasquepodemacontecersupondo-sequeestasltimastmchancesiguaisdeseproduzir.Porexemplo,aprobabilidadedeossetefilhosdeumcasalseremtodosmeninasde1/128,porquedas128sequnciashomem/mulherpossveis,somenteumacorrespondeaMMMMMMM. (Este raciocnio envolve o pressuposto de que nascem tantos meninos quantomeninas;defatoaprobabilidadedonascimentodemeninosligeiramentemaior,masnodifcil levar isto em conta.)O HOMEM MDIOOladoprticodateoriadaprobabilidadeaestatstica.Otraomaisnotvelnodesenvolvimentodestaltimareaquetantoascinciasexatasquantoassociaisdesempenharampapisdecisivosnele,intercambiandomuitasvezesimportantesideiasemtodos.Nasprximaspginas,vamosacompanharumexemplotpico.Grandepartedaestatsticagiraemtornodachamadadistribuionormal(figura16).Estaumacurvaemformadesinoquereproduzcommuitaprecisoasproporesdeumapopulaoquetemdeterminadacaracterstica.Porexemplo,setomarmosaleatoriamentemilhomensdapopulaodaMongliaExterior,etraarmosumgrficoqueindiquequantosdelestmdeterminadaalturaemcentmetros,esteseassemelharmuitocurvaemformadesinodadistribuionormal.Amesmacoisaacontecersetomarmosaenvergaduradasasasdeumapopulao de patos, a capacidade de escavar de uma populao de toupeiras, os tamanhos dosdentes do tubaro ou o nmero de pintas dos leopardos.FIGURA 16. Aproximao binomial a uma distribuio normal (Quetelet, 1846).Adistribuionormal,quefoideinciochamadaaleidoerro,surgiudotrabalhodeastrnomosematemticosdosculoXVIIIque,aotentarcalcularasrbitasdecorposcelestes,eramobrigadosaconsideraroefeitodoerrodeobservao.Aleidoerromostracomovaloresobservadosseagrupamemtornodesuamdia,eforneceestimativasparaasprobabilidades de um erro de determinada monta. Ela foi importada para as cincias sociaispor Adolphe Quetelet (figura 17), que aplicou o mtodo a tudo em que pde pensar: medidasdocorpohumano,crime,casamento,suicdio.SeulivroMecnica socialrecebeuestettulonumparalelodeliberadocomaMecnicacelestedeLaplace.Queteletnotardouaextrairconclusesgeraisdasupostaconstnciadosvaloresmdiosdasvariveissociais,eintroduziuatantalizantenoodehomemmdio.Nosecontentavaempensaracondiohumanacomumaespciededinmicasocial:querialidarcomelacomoumengenheirocontrola sistemas: regul-la, estabiliz-la, atenuar oscilaes. Para ele, o homem mdio noera apenas uma abstrao matemtica, mas uma ideia moral.FIGURA 17. Adolphe Quetelet (retrato de J. Odevaere, 1822).GNIO HEREDITRIOAs cincias sociais diferem das cincias fsicas sob muitos aspectos, entre os quais se destacaofatodeque,nasprimeiras,osexperimentoscontroladosrarasvezessopossveis.Seumfsicodesejaexaminaroefeitodocalorsobreumabarrademetal,podeaquec-laavriastemperaturasecompararosresultados.Seumeconomistadesejaexaminaroefeitodeumapoltica fiscal sobre a economia de um pas, pode experiment-la ou no; mas no pode se darao luxo de tentar vrios regimes de taxao diferentes sobre a mesma economia, nas mesmascondies.Porvoltade1880,ascinciassociaiscomearamaimplementarumsubstitutoparaoexperimentocontrolado,derivadodosprimeirostrabalhosdeQuetelet.Osmaioresavanosforamfeitosportrshomens:FrancisGalton,YsidroEdgewortheKarlPearson.Cada um deles era preeminente num campo tradicional: Galton na antropologia, Edgeworth naeconomia,Pearsonnafilosofia.Juntos,converteramaestatsticadeumaideologiacontrovertida numa cincia mais ou menos exata. Acompanharemos apenas alguns detalhes dacarreira de Galton.Francis Galton (1822-1911) estudou medicina, mas veio a abandon-la aps receber umaherana e partiu para conhecer o mundo. Em 1860, voltou sua ateno para a meteorologia e,pormtodosgrficos,inferiuaexistnciadeanticiclonescombasenumamassadedadosirregulares.Envolveu-secompsicologia,educao,sociologiaedatiloscopia,masem1865seuprincipalinteressesedefiniu:hereditariedade.Galtonqueriacompreendercomocaractersticasherdadassotransmitidasaolongodesucessivasgeraes.Em1863,tendodeparado com os escritos de Quetelet, imbuiu-se instantaneamente da ideia da ubiquidade dadistribuionormal.Omodocomoautilizou,contudo,foimuitodiferentedoqueQueteletdefendia.Galtonviuadistribuionormalnocomoumimperativomoral,mascomoummtododeclassificardadosemgruposdediferentesorigens.Porexemplo,considereumapopulaomistadepigmeusegigantes.Asalturasdospigmeusconformam-seaumadistribuionormaleasalturasdosgigantestambm.Essasduascurvassocontudomuitodiferentes;emparticular,seuspicosestaroemlugaresdiferentes.Asalturasdapopulaocombinadanopoderoformarumadistribuionormal,pelarazomatemticadequeasuperposio de duas distribuies normais independentes em geral no produz uma outra. Emvezdisso,produzumacurvadedoispicos(figura18).Galtonconcluiuqueadistribuionormal se aplica somente a populaes puras; que falharia numa populao mista, e que estapoderiaserdecompostaemseusconstituintespurospelaanlisedessafalha.Umpicoparagigantes, outro para pigmeus.FIGURA 18. A superposio de duas distribuies normais pode produzir uma curva com dois picos.MasessemesmoquadrodeuaGaltongrandesdoresdecabeaquandopassouapensarsobreahereditariedade.Suponhaqueaprimeirageraodeumapopulaopuratemsuasalturas normalmente distribudas. Cada indivduo tem sua prole, cujas alturas presumivelmentetambm se distribuem segundo a curva normal. Entretanto, a altura mxima da prole dependedadopaicasocontrrio,comopoderiaacaractersticaalturaserherdada?Assim,asalturasdassucessivasgeraessodescritaspelasuperposiodemuitasdistribuiesnormais. Como acabamos de ver, porm, a superposio de distribuies normais no leva emgeralaumadistribuionormal.Concluso:quandoumapopulaopuraproduzumageraoseguinte, apopulaoresultantejnopura.Masistoabsurdo:antesdemaisnada, a populao pura original ela prpria sucessora de uma gerao prvia!Sem1877Galtonconseguiuresolveroparadoxo.Nessapoca,coletaragrandequantidade de dados sobre ervilhas-de-cheiro, que mostravam que sucessivas geraes de fatoseconformavamdistribuionormal;possuatambmumcuriosoaparelhoexperimentalconhecidocomoquincunx,quesimulavaamatemtica,permitindoquechumbinhosdeespingardapassassemporumarranjodepinosdemetalesaltassemaleatoriamenteparaadireita ou para a esquerda.Suasoluodoparadoxofoiaseguinte.Pelofatodequeospaisprovmdeumapopulaopura,asdistribuiesnormaisseparadasparaseusdescendentesno so independentes. Por isso seu comportamento, quando superpostas, especial. De fato,produz-se um minimilagre matemtico: elas se relacionam de tal maneira que a superposiode todas resulta novamente numa distribuio normal.Impressionado com a preciso desse resultado, foi por ele conduzido ideia de regresso.Osfilhosdepaisaltosso,emmdia,maisbaixos;osfilhosdepaisbaixosso,emmdia,mais altos. Isto no impede que os filhos de pais altos sejam mais altos que os filhos dos maisbaixos a altura da prole apenas ligeiramente deslocada em direo mdia.Em 1855 Galton traou um diagrama que representava as alturas de 928 filhos j crescidoscomparadas s dos pais (figura 19). No diagrama, os nmeros no cruzamento de determinadasfilaecolunamostramquantosfilhosnaamostratmpaiscomaalturamdiaindicadanaextremidadeesquerdadaquelalinha;asdiferenasentresuasalturaseasdospaissoindicadas pelos montantes registrados no topo da coluna. Galton percebeu que os nmeros emcerto domnio, digamos 3-5 ou 6-8, se dispem na forma aproximada de elipses centradas naalturamdiadoconjuntodapopulao.Dessequadro,queseadequavaperfeitamentesuateoriadaregresso,nasceuomtododaanliseregressiva,capazdededuzirtendnciassubjacentes a partir de dados aleatrios.FIGURA 19. O diagrama de Francis Galton da relao entre as alturas dos filhos e as de seus pais, mostrando um padro deelipses concntricas.Galtonnoexpressousuasideiasemtermosmatemticosprecisos,preferindobasear-seemdescriesgrficasedemonstraescomseuquincunx.OembasamentomatemticofoifornecidoporEdgeworth,quegeneralizouasideiaselhesconferiuaplicaesmuitomaisamplas.Pearson,matemticocompetentemasmatematicamentemenostalentosoqueEdgeworth, foi um divulgador dotado da energia e da ambio necessrias para fazer com queomundoaceitasseosmtodos.Visionrio,tcnico,vendedor:aestatsticaprecisoudessastrs caractersticas para exercer seu impacto.TRANSFERNCIA DE TECNOLOGIAA estatstica, como j observei, notvel pelo modo como suas ideias fluem e refluem entre ascinciasfsicasesociais.Apartirdaanlisedoerrodaastronomia,oscientistassociaisdesenvolveraminstrumentosmatemticosparadiscernirpadresemdadosaleatrios.Agoraeraavezdascinciasexatastomaremdevoltaessesinstrumentos,comumobjetivomuitodiferenteemvista:ostratamentosmatemticosdesistemasfsicostocomplexosquepareciam aleatrios.Em 1873 o notvel fsico James Clerk Maxwell props o uso de mtodos estatsticos numencontro da Associao Britnica para o Progresso da Cincia:A menor poro de matria que podemos submeter a experimentos consiste em milhes demolculas, nenhuma das quais jamais se torna individualmente perceptvel para ns. Nopodemos,portanto,determinaromovimentorealdenenhumadessasmolculas;assim,somos obrigados a abandonar o mtodo histrico estrito e a adotar o mtodo estatstico delidarcomgrandesgruposdemolculas.Osdadosdomtodoestatsticotalcomoaplicadoscinciamolecularsoassomasdegrandesnmerosdequantidadesmoleculares.Aoestudarasrelaesentrequantidadesdessetipo,encontramosumnovotipo de regularidade, a regularidade das mdias, em que podemos nos basear com bastanteseguranaparatodasasfinalidadesprticas,emboranopossamdemaneiraalgumareivindicar aquele carter de preciso absoluta que pertence s leis da dinmica abstrata.Osfsicosmuitasvezesmencionaramosucessodosmtodosestatsticosnascinciassociaisparajustificarsuaadoodeprocedimentosprobabilsticos.Mas,emsuasmos,omtodoestatsticofloresceu;eateoriacinticadosgasestransformou-senumagrandeefundamental rea de atividade cientfica. E a analogia entre molculas e indivduos de umapopulaonadatinhadefrouxa:existiamestreitascorrespondnciasmatemticasentreumacoisaeoutra.Emparticular,Maxwellenfrentouumaquestobsica:qualadistribuioestatsticadavelocidadedeumamolcula,quevariaaleatoriamente?Partiudedoispressupostos fsicos plausveis:O componente da velocidade em qualquer direo dada independente do componente emqualquer direo perpendicular.A distribuio esfericamente simtrica, isto , trata igualmente todas as direes.Combaseapenasnessesprincpiosabstratos,semrecorrerjamaissleisdadinmica,Maxwell apresentou um argumento exclusivamente matemtico para provar que a distribuiodeve ser o anlogo tridimensional da lei do erro de Quetelet.CAOS HOLANDSA palavra gs foi usada pela primeira vez pelo qumico holands J. B. Van Helmont em suaobraOrtusMedicinae,de1632,numaalusodeliberadapalavragregacaos.Foiumaescolha muito perspicaz.Foi na fsica dos gases que a aleatoriedade e a determinao se colocaram face a face pelaprimeiravez.Emprincipio,porm,umgsumagregadopuramentedeterminsticodemolculasemmovimentoqueobedecemaleisdinmicasprecisas.Deondeprovmaaleatoriedade?Arespostaanicaquequalquercientistaqueseprezassedariaautomaticamenteatadcada de 1970, e que a maioria deles ainda daria no incio dos anos 80 era complexidade.O movimento detalhado de um gs seria to somente complexo demais para que o pudssemoscaptar.Suponhaquevoctemuminstrumentocapazderastrearomovimentodeumnmerorazoveldemolculasindividuaisdegs.Aindanoexistenenhuminstrumentosemelhante;mesmoqueexistisse,seriaprecisoumcomputadorparatornaromovimentomaislentoemmuitasordensdemagnitudeparavocpoderveroqueestavaacontecendo.Mesmoassim,faaessasuposio.Oquevocveria?Concentresuaatenonumpequenogrupodemolculas. Elas seguem trajetrias retilneas por um curto tempo, depois comeam a se chocarumas com as outras de uma maneira que era possvel prever a partir da geometria anterior dastrajetrias.Quandovocmalestcomeandoaveropadrodomovimento,porm,eisquesurgeumanovamolcula,quevemzunindodeforaesechocacomseugrupotobemorganizado, rompendo o padro. E antes que voc possa apreender o novo padro, surge umaoutra molcula, e outra, e mais outraQuandotudooqueseestvendoumapartemnimadeummovimentoimensamentecomplicado, ele parecer randmico, parecer desestruturado.Emcertosentido,essemesmomecanismoquetornaacinciasocialtodifcil.Nopossvelestudarumaeconomiareal,ouumanao,ouumamente,peloisolamentodeumapequenaparte.Osubsistemaexperimentalserconstantementeperturbadoporinflunciasexternasinesperadas.Mesmonascinciasfsicas,amaiorpartedoesforocotidianonaexplicaodemtodosexperimentaistemporfimaeliminaodeinflunciasexternas.OscartazesdenondaBroadwaysotimosparaatrairosbomioseosubmundoparainferninhosebares,masatrapalhamotelescpiodeumastrnomo.Umsismmetrosensvelregistrarnoapenastremoresdeterra,mastambmospassosdacopeiraqueempurraseucarrinho de ch pelo corredor. Os fsicos tomam medidas extremas para eliminar esses efeitosindesejveis. Em vez de instalar seus telescpios no alto dos edifciosdeManhattan,levam-nos para o topo das montanhas; em vez de colocar contadores de neutrinos em seus gabinetes,enterram-nosaprofundidadesdemilharesdemetros.Ocientistasocial,porm,aquemnemmesmoesseluxopermitido,precisalanarmodomodeloestatsticoparamodelar,oufiltrar,essesefeitosexternos.Omtodoestatsticocomoumabateiaquepermitechegarauma ordem preciosa a partir do cascalho da complexidade.Os cientistas de cem anos atrs tinham plena conscincia de que um sistema determinsticopodesecomportardemaneiraaparentementerandmica.Sabiam,porm,quenoerarealmenterandmica;apenaspareciaser,emdecorrnciadefalhasdeinformao.Sabiamtambmqueessafalsaaleatoriedadesocorriaemsistemasmuitoamplosecomplexossistemascommuitssimosgrausdeliberdade,muitssimasvariveisdistintas,muitssimaspartes componentes. Sistemas cujo comportamento detalhado permaneceria para sempre almda capacidade da mente humana.POUPAR UM PARADIGMA?Por volta do fim do sculo XIX, a cincia conquistara dois paradigmas muito diferentes para amodelagem matemtica. O primeiro e mais antigo era a anlise de alta preciso por meio deequaesdiferenciais;emprincpioissopermitiadeterminartodaaevoluodouniverso,masnaprticaseraaplicvelaproblemasrelativamentesimplesebemestruturados.Osegundo,umramorecm-surgido,eraaanliseestatsticadequantidadesmdias,querepresentava os traos gerais do movimento de sistemas altamente complexos.Nohaviavirtualmentequalquercontato,numnvelmatemtico,entreambos.Asleisestatsticas no eram calculadas como consequncias matemticas das leis da dinmica: eramumacamadaextradeestruturaquesesuperpunhaaosmodelosmatemticosempregadosnafsicaesefundavaemintuiofsica.Aindahoje,adeduorigorosadocomportamentodematriaagregadaapartirdasleisdadinmicacontinuasendoumdesafioparaosfsicosmatemticos:srecentementealgumseaproximoudeumaprovadeque(numsistemaadequadamentedefinido)osgasesexistem.Cristais,lquidoseslidosamorfospermanecemclaramente inatingveis.No curso do sculo XX, a metodologia estatstica conquistou seu lugar em p de igualdadecom a modelagem determinstica. Uma nova palavra foi cunhada para refletir a descoberta dequeatoacasotemsuasleis:estocstica.(Apalavragregastochastikossignificahbilnamira, transmitindo a ideia do uso das leis do acaso em benefcio prprio.) A matemtica dosprocessosestocsticossequnciasdeeventosdeterminadospelainflunciadoacasofloresceu ao lado da matemtica dos processos determinsticos.A ordem j no era sinnimo de lei, nem a desordem de ausncia de lei. Tanto uma quantoa outra tinham leis. Mas estas eram dois cdigos de comportamento distintos. Uma lei para oordenado, outra para o desordenado. Dois paradigmas, duas tcnicas. Duas maneiras de ver omundo.Duasideologiasmatemticas,cadaumaseaplicandoapenasprpriaesferadeinfluncia.Determinismoparasistemassimples,compoucosgrausdeliberdade;estatsticapara sistemas complexos, com muitos graus de liberdade. Um sistema era randmico ou no.Sefosse,oscientistasbuscavamalgoestocstico;senofosse,aprimoravamsuasequaesdeterminsticas.Osdoisparadigmaseramparceirosdeigualnveligualmenteaceitosnomundocientfico,igualmenteteis,igualmenteimportantes,igualmentematemticos.Iguais.Masdiferentes.Completamente,irreconciliavelmentediferentes.Oscientistassabiamqueeramdiferentesesabiamarazodisso:sistemassimplessecomportamdemaneirassimples,sistemas complexos se comportam de maneiras complexas. Simplicidade e complexidade nadatinham em comum.Oqueumageraodecientistassabe,porm,aquiloqueparaelanopassveldequalquerdvida,formandoumconhecimentoqueseconvertenaprpriaestruturadeseumundo, precisamente o que a gerao seguinte vai contestar e subverter. Quem sabe algumacoisa com tamanha certeza no a questiona. Se no a questiona, est se pautando na f, no nacincia.Mas esta uma questo muito difcil. Pode um sistema determinstico simples comportar-secomoumsistemarandmico?umaperguntaquecontrariaosensocomum.Todooprogresso da cincia baseou-se na crena de que a forma de buscar simplicidade na naturezaconsiste em encontrar equaes simples para descrev-la. Que pergunta tola!No ponto da histria a que chegamos agora, uma nica voz dissidente podia ser ouvida, emesmo assim apenas de maneira dbil, hesitante, nada mais que um vago sinal de perturbaofutura. Uma voz que se elevou apenas uma vez e depois silenciou; uma voz que se que foiouvidafoiignorada.Tratava-sedavozdeumhomemquefoicomprovadamenteumdosmaiores matemticos de seu tempo, mais um revolucionrio da turbulenta cincia da dinmica,quecrioutodoumnovocampodamatemticacomosubproduto.Avozdeumhomemquehavia tocado o caosE se aterrorizara com ele.4. O LTIMO UNIVERSALISTAQuarenta misses, isto tudo o que o Vigsimo StimoQuartel-General da Fora Area exige que voc voe.Yossarian ficou radiante: Ento posso ir para casaagora mesmo? J fiz quarenta e oito voos.No, no pode, objetou o ex-cabo Witergreen. Est maluco?Por que no?Ardil 22.JOSEPH HELLER, Ardil 22Semsedarconta,osmatemticossedebateramnasgarrasdoardil22,oucatch-22umdilema sem sada.Seumaequaopodeserresolvidapormeiodeumafrmula,suassoluessecomportaro ipso facto de maneira regular e analisvel. o que as frmulas garantem. E quempensaqueadinmicaumaquestodeencontrarfrmulasparaasoluodeequaesdiferenciais, ter uma matemtica capaz de estudar apenas o comportamento regular. Sair embusca de problemas a que seus mtodos possam se adequar e ignorar o resto. Nem mesmo osvarrerparadebaixodotapete:paratalseriaprecisoaomenosreconhecersuaexistncia.Passa a viver numa felicidade ilusria, ou passaria, se no fosse esperto demais para viver deiluso.necessrioqueseproduzaumaconjunomuitoespecialdecircunstnciasparasepoder escapar dessa armadilha. O tempo, o lugar, o povo e a cultura tudo deve estar certo.No havia nada de errado com o lugar: a Frana estava na primeira linha entre as naesmatemticas. At hoje est.Apessoatinhaoolhardoce,perplexo,deumprofessordistrado,maseraumgiganteintelectual. Com um p no sculo XIX e outro no sculo XX, superou uma questo essencial nahistriadamatemtica,quandoestacomeouseucasodeamorcomageneralidadeeaabstraoumcasoquemuitos,apaixonadospeloconcreto,nocompreenderamnemaprovaram,eaindanoofazem.SeunomeeraHenriPoincar(figura20),talvezoltimomatemticocapazdetransitarlivrementeportodososcantoserecantosdesuadisciplina.DepoisdePoincarvieramosespecialistaseaexplosodamatemticaqueostornounecessriossedeveuemboapartesuainspiraoeprofundidadedesuapercepomatemtica.Entresuasinmerasdescobertaseinvenes,Poincarfundouamodernateoriaqualitativa dos sistemas dinmicos.Olugar,apessoa.Masotemponoestavacertoobastante,emuitomenosacultura.Quando, pela primeira vez, os cientistas comearam a perscrutar as profundezas do oceano, oquesuasredesapanharamforamosremanescentesdemonstrosestranhos,decoresbaas,horripilantes.Somentequandocmarasdemergulhotripuladaseequipadascomholofotespuderam explorar as profundezas do mar em seus recnditos que a beleza e o colorido tantasvezes delicado dessas regies remotas se manifestaram. difcil avaliar a beleza a partir deum cadver. O mesmo se deu com Poincar: encarou o precipcio do caos, discerniu algumasformasqueneleseocultavam;masoprecipcioaindaestavaescuro,eeletomoupormonstruosidades algumas das mais belas propriedades da matemtica. Poincar teve acesso profundidade,maslhefaltavamosrecursosdeiluminao.Foiprecisoumaoutrapoca,equipadacomateoriaqualitativadasequaesdiferenciaiscriadapeloprprioPoincar,almdecomputadoreseoutrosauxliostecnolgicos,paralanaralgumaluzsobreasprofundezas caticas e revelar essa beleza.Nunca