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FronteirasFronteiras28

Laboratório identifica gene que codificaproteína capaz de inibir fungos; dados tambémauxiliarão estudos de melhoramento genético

Fabricio Mazocco

Seqüenciamento genético da

cana-de-açúcar oferece

primeiro resultado

Os primeiros resultados doseqüenciamento do genoma dacana-de-açúcar, realizado entreabril de 1999 e dezembro de2000, começam a aparecer. Combase no mapeamento genéticoda planta, o Laboratório deBiologia Molecular da Univer-sidade Federal de São Carlos(UFSCar) identificou um geneque codifica uma proteína capazde inibir o crescimento de fun-gos. Este é o primeiro resultadopós-seqüenciamento.

Na primeira fase do projeto,cerca de 60 laboratórios foramresponsáveis pelo mapeamentogenético completo da cana. Deacordo com Éder Antônio Giglioti,coordenador do Lafimeg (Labora-tório de Fitopatologia Molecular eEngenharia Genética), da UFSCar,que também participa do pro-grama, foram identificados 43 milgenes. Os fragmentos dos genes(cerca de 300 mil) estão armaze-nados no Brazilian Clone Collec-

tion Center, em Jaboticabal (SP),construído para esse fim. Asinformações sobre as seqüênciasestão armazenadas nos compu-tadores do Centro de Bioinfor-mática da Unicamp (Universi-dade Estadual de Campinas).

Comparando as seqüênciasgênicas da cana com o banco dedados do "Gene Bank" - o bancode dados mundial de genes - adoutoranda Andrea Soares daCosta, do Programa de Pós-Gra-duação em Genética e Evoluçãoda UFSCar, conseguiu um re-sultado promissor. Orientadapelo pesquisador Flávio Hen-rique da Silva, do Departamentode Genética e Evolução daUFSCar, Andrea identificou umgene que codifica uma proteínainibidora de cisteíno protease.Essas proteínas inibidoras sãochamadas de cistatinas.

Os fungos normalmente se-cretam proteases que degradama parede celular da planta,

Ensaio de inibição do crescimento dofungo filamentoso Trichodermareesei. C: controle sem proteína;1: 12,5 µµµµµg/ml de proteína RZ2001;2: 50 µµµµµg/ml de proteína purificada;3: 100 µµµµµg/ml de proteína purificada;4: 200 µµµµµg/ml de proteína purificada

Seqüenciamento genético da

cana-de-açúcar oferece

primeiro resultadoLB

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Fronteiras

transformando os nutrientes emalimento para seu crescimento.Foi verificado que a proteínaidentificada tem a função deinibir a ação das proteases e,conseqüentemente, o cresci-mento dos fungos. Resultadosobtidos a partir de ensaios deinibição do crescimento dofungo Trichoderma reesei napresença da proteína forambem sucedidos, indicando queoutros fungos, inclusive pa-tógenos de cana-de-açúcar co-mo o Fusarium moniliforme,poderão ser inibidos comsucesso.

A pesquisa

O gene que codifica a proteí-na inibidora de cisteíno proteasefoi descoberto quando Andrea,ao comparar seqüências da canacom outras seqüências publi-cadas em bancos de dados,identificou uma proteína similarpresente no arroz (Oriza sativa),com essa determinada função.

não foram colocadas as proteí-nas. O resultado foi que, nostubos onde foi adicionada aproteína, os fungos morreram;nos outros, não. Agora, o mesmoprocedimento será utilizadocom outros fungos, inclusive oFusarium moniliforme. Os estu-dos estruturais e de atividade daproteína estão sendo agorarealizados no Centro de Bio-tecnologia Molecular e Estru-tural (Cepid-Fapesp), do qual oLBM é membro.

"As possibilidades de termosresultados similares são grandes",afirma Andrea, visto que oFusarium também necessita deproteases para sua sobrevivência.De acordo com a pesquisadora, jáexistem alguns fungicidas, porémsão tóxicos e prejudicam o meioambiente. "Com o resultado dapesquisa, será possível até mesmofazer transgênicos da cana, ou deoutras espécies vegetais, queexpressem a proteína mais efi-cientemente, tornando a plantamais resistente ao ataque depatógenos", explica Andrea. Poroutro lado, pode-se tambémpensar em selecionar plantas quenaturalmente expressem mais aproteína, bem como utilizar aproteína produzida em laboratóriocomo um fungicida natural.

Sucest

O Genoma-Cana ou Sucest -do inglês Sugarcane EST (siglade Expressed Sequence Tags -etiquetas de seqüências expres-sas), como parte do programaGenoma da Fapesp, iniciou-se

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Pesquisadoracomparou seqüênciasda cana com outras jápublicadas eidentificou proteínasemelhante no arroz

Fotomicrografias do produto da incubação de Trichoderma reeseicom a proteína purificada. As imagens foram feitas em microscopiautilizando luz branca. A: controle sem proteína RZ2001; B: inibiçãocom 200 µµµµµg /ml de proteína RZ2001 purificada

Caracterizado o gene, a pes-quisadora o utilizou para produ-zir a proteína por ele codificadaem bactérias. Para fazer com oque o gene produzisse aproteína, foi utilizado um sis-tema de expressão na bactériaE. coli. Em outras palavras, a bac-téria foi usada como "hospe-deira". O gene, depois de ligadoem um plasmídeo, foi intro-duzido na E.coli. Por sua vez, abactéria passou a produzir aproteína, colocada em tuboscom esporos do fungo Tricho-derma reesei. Em outros tubosque também tinham os mesmosfungos, nas mesmas condições,

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em abril de 1999. O projeto,coordenado pelo pesquisadorPaulo Arruda, do Centro de Bio-logia Molecular e EngenhariaGenética da Unicamp, foi um dosprimeiros do mundo na área decana que se valeu da EST, tec-nologia de seqüenciamentorápido baseada na identificaçãoapenas das porções dos genesque codificam proteínas, o queacarreta a descoberta de novosgenes e a identificação da es-trutura e função destes. Este foio primeiro seqüenciamento deum vegetal no Brasil.

A primeira fase do Sucest, deabril de 1999 a dezembro de2000, foi caracterizada pelo se-qüenciamento genético da cana.O trabalho contou, inicialmente,com 32 laboratórios, sendo quedestes, 23 haviam participadodo seqüenciamento do genomada bactéria Xylella fastidiosa. Nototal, fizeram parte dessa fase doprojeto 60 laboratórios, con-tando com a participação de 240pesquisadores.

Os trabalhos foram divididosem três áreas: Bioinformática, acargo do Instituto de Compu-tação da Unicamp; Anotação deDados, conhecida como datamining, com laboratórios se-diados na Unicamp, USP, Unesp(campus Botucatu), Copersucar,Univap, Esalq/USP, UFRJ e Una-erp, entre outros; e Seqüen-ciamento, com laboratórios daUnesp (campi de Botucatu, Ja-boticabal e Rio Claro), UFSCar,

Univap, Esalq/USP, UMC, USP(campi de São Paulo, RibeirãoPreto e São Carlos), IAC, Unaerpe outros.

Os recursos iniciais progra-mados para a viabilização doprojeto eram de US$ 8 milhõesfinanciados pela Fapesp e US$400 mil por parte da Copersucar.Porém, além de concluir o se-qüenciamento quase um ano

Cana foi o primeirovegetal seqüenciadono Brasil

Além do programa de melhoramento genético, parte das universidades e centros depesquisa que desenvolvem esses estudos integrou o Genoma-Cana. A Copersucar teveuma importante participação nesse projeto, pois, além de integrar a rede de laboratóriosno seqüenciamento genético, atuou na idealização e no co-financiamento do Sucest.Na primeira fase de estudos, a instituição identificou mais de 140 genes que estão dealguma forma envolvidos no processo de fabricação, transporte e armazenamento deaçúcares na cana. Atualmente, ela investe em programas de genoma funcional.

O IAC participou do Genoma-Cana por meio do Centro de Recursos Genéticos,com trabalho relacionado ao mapeamento de genes funcionais ligados à resistênciada cana a nematóides. Os resultados finais ainda não foram divulgados.

A Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) participou no seqüen-ciamento da Chromobacterium violaceum (bactéria que tem tido sua eficácia nocombate a pragas agrícolas evidenciada), no processo de anotação, montagem epreparação de bibliotecas. O trabalho foi coordenado por Nara Suzy Aguiar.

A UFAL participou do Sucest objetivando identificar genes resistentes ao déficithídrico. Neste Estado, a pesquisa foi coordenada pela Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Alagoas (Fapeal).

Pesquisadores do PMGCAdesenvolvem pesquisas na áreagenômica

Pesquisadores do PMGCAdesenvolvem pesquisas na áreagenômica

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antes do previsto, o projetoconsumiu apenas 50% dessevalor, economia esta devida emgrande parte à infra-estrutura jáinstalada e à experiência dospesquisadores no desenvolvi-mento do Genoma Xylella.

Com a finalização do seqüen-ciamento, o projeto entrou emuma nova fase, marcada porduas áreas de atuação: o for-talecimento da pesquisa apli-cada, em busca de novas varie-dades da cana; e estudos bá-sicos, voltados para a melhorcompreensão dos mecanismosbiológicos da planta.

O projeto já avança parauma terceira fase, paralela àsegunda. Nessa nova fase, acana será submetida a dife-rentes estímulos, com o intuitode encontrar genes impor-tantes que contribuam na re-sistência da planta a diferentesestresses, causados por ata-ques de insetos, patógenos,clima e outros.

Durante o desenvolvimentodo Sucest, pesquisadores e pro-dutores de açúcar e álcool reu-niram-se com o intuito de iden-tificar e resolver problemas es-pecíficos a partir dos dadoscolhidos no projeto. Com osresultados já obtidos e com osque ainda serão diagnosticados,essa interação deve aumentar.

Melhoramento genético

Antes do Sucest, outro pro-grama já vinha contribuindomuito com a pesquisa na áreade açúcar e, conseqüentemen-te, com o aumento de produ-ção e atendimento aos pe-quenos, médios e grandes pro-dutores: o Programa de Melho-ramento Genético da Cana-de-Açúcar (PMGCA). Esse pro-grama visa o desenvolvimento

Interação entrepesquisadores eprodutores deveaumentar com odesenvolvimento doSucest

Na UFSCar, dois laboratórios integraram a rede nacional: o de Biologia Molecular,no campus de São Carlos, e o Lafimeg (Laboratório de Fitopatologia Molecular eEngenharia Genética), no campus de Araras. O primeiro identificou um gene quecodifica uma proteína capaz de inibir o crescimento de fungos. O segundo,coordenado por Éder Antônio Giglioti, após o seqüenciamento, trabalhou com genesque podem estar envolvidos na resistência da cana-de-açúcar a patógenosvasculares, ou seja, fungos e bactérias que colonizam e entopem o xilema, vasoresponsável pela condução de água e nutrientes do solo para as folhas da planta."Estudamos genes que podem limitar essa colonização", descreve Giglioti.

Foram encontrados vários genes que podem agir na defesa do xilema. Esses genespodem atuar na formação de tiloses (substâncias que entopem vaso, o que faz comque os microrganismos não "caminhem" no vaso), na produção de géis (que limitama infecção do vaso) e de calose (tipo de calos), e na infusão de substâncias fenólicasque são prejudiciais aos microrganismos, entre outras funções.

A intenção do pesquisador é iniciar uma próxima fase, que consiste em inocular ospatógenos Fusarium (fungo), Xanthomonas e Leifsonia (bactérias) em variedades dacana-de-açúcar resistentes e suscetíveis. Após a inoculação, a expressão dos genesencontrados poderá ser quantificada por meio de técnicas moleculares de genômicafuncional. Dessa forma, pretende-se entender os mecanismos de resistência da planta.

Os dois laboratórios da UFSCar também participaram da primeira fase do Sucest,ou seja, do seqüenciamento genético da cana.

Local de pesquisa da cana naUniversidade Federal de Viçosa

Divulgação

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de novas cultivares de canaque atendam aos requisitosexigidos na busca constantede maior produtividade. Emcada pesquisa, busca-se a se-leção de genitores que quandocruzados propiciem as melho-res combinações gênicas paracondições específicas de cul-tivo, dentre elas, o clima, solo ematuração (teor de sacarose),manuseio e resistência a pra-gas e doenças.

Atualmente, três institutosdesenvolvem esse tipo de pes-quisa para todo o país: o IAC(Instituto Agronômico de Cam-pinas), a Copersucar (Coope-rativa de Produtores de Cana,Açúcar e Álcool do Estado deSão Paulo) e a Ridesa (RedeInterinstitucional de Desenvol-vimento do Setor Sucro-alcooleiro).

IAC

O IAC foi a primeira instituiçãoa desenvolver estudos comcana-de-açúcar no Brasil, já nosidos de 1892. Em janeiro de 2002,foi criado o Centro Apta Cana-IAC (Centro Avançado de Pes-quisa Tecnológica do Agrone-gócio da Cana), localizado emRibeirão Preto, Estado de SãoPaulo. O Centro é resultado doPrograma Cana IAC, iniciado em1992, que reunia os trabalhos deuma pequena equipe de váriosdepartamentos e centros in-ternos e externos ao IAC. "Oobjetivo da criação do CentroApta foi o de integrar esforçospara o desenvolvimento de tec-nologias para a canaviculturapaulista e brasileira", defineMarcos Guimarães de AndradeLandell, diretor do Centro.

O Centro atua em diversas li-nhas de pesquisa na área da cana.Entre elas, adubação orgânica,rotação de culturas, sistema ra-dicular da planta, estatística, pros-pecção de demandas, controle depragas e moléstias, matologia(controle de plantas daninhas) eclimatologia.

Para o desenvolvimento dostrabalhos, o Centro conta com oitopesquisadores em tempo integral,três agrônomos e seis pesqui-sadores em tempo parcial. O IACtem 40 empresas associadas aosprojetos de melhoramento ge-nético, de qualificação de am-bientes de produção, de fitos-sanidade e de modelagem.

Cultivares IAC

Na área de melhoramentogenético, a metodologia de tra-balho utilizada pelo IAC é ahibridação a partir de genótiposcom características desejáveis. Oscruzamentos são realizados nomunicípio de Camamú, Estado daBahia (Estação Experimentalpertencente à Copersucar), e asfases de seleção clonal são feitasno Estado de São Paulo. Aprimeira fase de seleção,denominada seedlings, é feita emunidades de pesquisa de seteregiões do interior paulista queapresentam condições edafo-climáticas (solo e clima) distintas.A seguir, são feitos os ensaiosregionais e estaduais nas usinasconveniadas. Como resultado daspesquisas, o IAC lançou quatrovariedades em 1997, cinco em2000 e uma voltada à alimen-tação de gado em 2002. As va-riedades produzidas pelo Ins-tituto levam a sigla IAC.

Ao produzir uma nova cultivar,segundo Landell, além das ca-racterísticas tradicionais no pro-cesso de melhoramento comoalta produtividade agrícola, ele-vado teor de sacarose, resis-tência às principais doenças epragas, outro fato levado emconsideração é a adaptação aosistema de colheita mecanizadade cana crua.

O Centro está iniciando le-vantamento junto às usinas efornecedores do Estado de SãoPaulo e de empresas conve-

Inflorescências de cana-de-açúcarsendo colocadas para cruzamentosbiparentais

Sizuo Matsuoka

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niadas ao Programa Cana IAC,para saber o número de pro-dutores beneficiados pelo pro-grama, e um estudo sobre os im-pactos da tecnologia gerada peloIAC, com base nas interações en-tre a pesquisa e os usuários e emcomo as novas tecnologias sãodifundidas e internalizadas.

Copersucar

A Copersucar foi criada em1959 com o objetivo de comer-cializar os produtos de seus as-sociados. Atualmente, a coo-perativa conta com 93 asso-ciados, entre produtores de cana,usinas de açúcar e destilarias deálcool. Os primeiros projetos

dentro do programa de me-lhoramento genético da cana ede qualidade de matéria-primacomeçaram em 1970 e foramconsolidados com a criação doCentro de Tecnologia Copersucar(CTC), em 1979, localizado emPiracicaba, interior paulista.

Para o desenvolvimento daspesquisas, o CTC conta comquatro estações experimentais:CTEM , em Miracatu (SP); CTEJ,em Jaú (SP); CTEP, em Piracicaba(SP); e CTEC, em Camamú (BA).Na CTEM, é mantida a estação dequarentena por onde as cul-tivares de cana importadas pas-sam e são avaliadas durante doisanos. "Esse cuidado é essencialpara evitar a introdução de no-

vas pragas e doenças", ex-plica William Lee Burn-

quist, coordenador doPrograma de Varie-dade do CTC.

Na CTEC, são reali-zados os cruzamen-tos que dão origem às

sementes genéticas ne-cessárias para a condução

de um programa de seleçãode cultivares. Nas estações CTEJe CTEP, as sementes são plan-tadas e avaliadas durante umperíodo de aproximadamentesete anos, a fim de que sejamescolhidas as que possuem omelhor potencial de produção eresistência adequada às prin-cipais doenças de cana. Os me-lhores clones são posterior-mente avaliados, durante cincoanos, em experimentos padro-

nizados, conduzidos em diversascondições edafoclimáticas deusinas, para definir as cultivaresmais adequadas para a lavouracomercial.

Cultivares SP

A Copersucar tem 54 culti-vares liberadas para produçãocomercial. Elas ocupam 60% daárea das usinas filiadas e 50% daárea da cana no Brasil.

No estudo de uma nova culti-var SP (sigla utilizada pela Co-persucar), a principal caracte-rística que se busca é a altaprodução de açúcar. "Aliado aisto, a cultivar deve possuir re-sistência às principais doenças ,bem como a capacidade demanter uma boa produção du-rante vários ciclos. Hoje, o pro-grama também coloca ênfase naboa adaptação da cultivar àcolheita mecanizada crua", des-creve Burnquist. Na conduçãodos programas de pesquisa, ca-da um é avaliado por um con-selho consultivo das usinas co-operadas, levando em conside-ração critérios objetivos de cus-to/benefício, inovação e de-manda de mercado, entre outros.

Além do programa de melho-ramento genético, o CTC mantémprogramas de pesquisa nas áreasde hibridação e seleção de va-riedades; caracterização de va-riedades; fitossanidade; biotec-nologia; preparo de solos, plantioe tratos culturais; colheita, trans-porte e recepção de cana; pro-

Campânulas contendocruzamentos biparentais de cana-de-açúcar

Div

ulg

ação

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dução de açúcar e álcool; novos produtos; energia;qualidade da matéria-prima e dos produtos; e pla-nejamento e controle agroindustrial.

Para desenvolver essas linhas de pesquisa, oCentro conta com um quadro de 152 pesquisa-dores de níveis superior e técnico. No programa devariedades, são 37 pesquisadores de níveis supe-rior e técnico envolvidos.

Ridesa

A Ridesa se distingue dos dois centros depesquisa citados anteriormente por abrigar seteuniversidades federais: Rural de Pernambuco(UFRPE), Alagoas (UFAL), Sergipe (UFS), Rural doRio de Janeiro (UFRRJ), Viçosa (UFV), São Carlos(UFSCar) e Paraná (UFPR).

A rede foi criada em 1991, com o objetivo dedar continuidade aos programas do Planalsucar(Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar), extinto um ano antes junto com oIAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). O grupo seresponsabilizou pela continuidade do trabalho

de desenvolvimento científico e tecnológico quevinha sendo executado.

Por ser uma rede, a Ridesa utiliza a seguintelogística: a troca de materiais e seleção decultivares é feita entre os membros das regiõesCentro-Sul e Oeste (UFPR, UFSCar, UFV e UFRJ) eentre os integrantes do Nordeste (UFRPE, UFAL eUFSE). Posteriormente, a troca também ocorreentre as regiões. Para Rogério Moura, presidenteda Ridesa e reitor da UFAL, a principal vantagemdesse sistema é a possibilidade de utilizar o po-tencial de cada universidade, sem a necessidadede investimentos adicionais em estrutura física epessoal, um dos problemas enfrentados pela rede.

Escassez de recursos e de pesquisadores

As pesquisas executadas nas universidadespossibilitam a formação, tanto na graduaçãocomo na pós-graduação, de futuros engenheirosagrônomos, químicos e outros especialistas paraatuar na área, o que pode resolver um dos pro-blemas enfrentados pela Ridesa. Segundo Sizuo

Fronteiras34

O primeiro contato com uma plantaque seria associada com a doçura, acana-de-açúcar, pertencente à famíliadas gramíneas (Saccharum officina-rum), foi na Nova Guiné. De lá, foi levadapara a Índia, à região do Golfo deBengala, de onde se têm os maisantigos registros de sua existência. Apalavra "açúcar" em todos os idiomasé derivada de "shakkar", açúcar emsânscrito, antiga língua da Índia.

A planta foi observada por algunsgenerais de Alexandre, o Grande, em327 a.C., e mais tarde, no século XI, du-rante as Cruzadas. A partir daí, foi seespalhando pela Europa.

Cristóvão Colombo, navegador ge-novês e genro de um grande pro-

Um breve histórico da cana-de-açúcarUm breve histórico da cana-de-açúcardutor de açúcar na Ilha da Madeira,em sua segunda viagem à América,em 1492, introduziu a planta naregião onde hoje é a RepúblicaDominicana. Porém, o cultivo da canafoi esquecido em razão da desco-berta do ouro e da prata.

No Brasil, os primeiros registros dachegada da cana-de-açúcar, trazidapelos portugueses da Ilha da Madeira,datam de 1502. Mas, oficialmente, quemprimeiro trouxe uma muda da planta foiMartin Affonso de Souza, em 1532,iniciando o cultivo na capitania de SãoVicente, lugar que abrigou o primeiroengenho de açúcar. Mas, foi nascapitanias de Pernambuco e da Bahiaque os engenhos se multiplicaram.

Passado um período inicial de di-ficuldades, a produção de açúcarprosperou e, decorridos menos decinqüenta anos, o Brasil já detinha omonopólio da produção, o que pro-porcionou aos portugueses e ho-landeses uma grande lucratividade nacomercialização desse produto.

Após a expulsão dos holandeses,em 1654, estes passaram a produzir acultura no Caribe. Mais tarde, foram osingleses e os franceses que se in-teressaram pelo produto, o que fezcom que acabasse o monopóliobrasileiro. Mesmo assim, a rendaobtida pelo comércio do açúcar noperíodo do Brasil Império (1500-1822)foi quase duas vezes superior à do

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Matsuoka, coordenador do PMGCA desenvolvidona UFSCar, a continuidade do programa pode serprejudicada porque não está havendo reposiçãode pesquisadores e, devido à complexidade dotrabalho de melhoramento, o treinamento requermuitos anos. "Sem o melhoramento genéticoconvencional como base, a biologia molecularpouco pode contribuir para a efetiva obtençãodas magníficas cultivares que os biotecnologistasprometem", afirma.

Moura acrescenta que isto acontece peladificuldade que as universidades têm em contratarnovos professores, mas que existem experiências dealunos que fizeram o doutorado e hoje trabalhamno programa. "Acredito que temos de ter criativi-dade para essas substituições, pois a única certezaque tenho é de que a Universidade não vai acabar, co-mo foi o caso do Planalsucar", prevê o presidente. Atual-mente, a Ridesa possui cerca de 70 pesquisadores.

Uma outra dificuldade enfrentada pela Rede éem relação aos recursos. Não há verbas específicasdo governo federal destinadas ao PMGCA. "Até o

momento, não recebemos recursos do governo,apesar de haver a promessa desde a época da ab-sorção do Planalsucar pelas universidades", explicaMoura, ressaltando que todo o projeto é financiadopela iniciativa privada.

Essa falta de recursos vem causando outrasdeficiências, além da falta de docentes. SegundoGeraldo Veríssimo de Souza Barbosa, coordenadordo PMGCA do Centro de Ciências Agrárias (CECA)da UFAL, na Estação Serra do Ouro, em Murici (AL),há mais de duas décadas não há investimentosem infra-estrutura necessária para o bom anda-mento dos estudos, como energia, estradas deacesso, armazenamento de água, irrigação,estação meteorológica e outros itens.

Cultivares RB

Mesmo com todas dificuldades, a Ridesa vem a-presentando uma participação significativa no quese refere à pesquisa na área da cana-de-açúcar emtodo o Brasil. Desde a criação da rede, segundoMoura, foram liberadas 38 cultivares, ainda resul-

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ouro e quase cinco a de outrosprodutos agrícolas.

No século XVIII, o Brasil continuouentre os cinco maiores produtores. Em1747, o químico prussiano AndrésMarggraf inventou a técnica da ob-tenção do açúcar a partir da beterraba.Graças à Revolução Industrial, surgemmáquinas que possibilitaram às in-dústrias, tanto da cana como da be-terraba, um novo patamar tecnológicode produção e eficiência. No início doséculo XX, os engenhos passam a cederespaços para as usinas de açúcar.Também nessa época, começa a pro-dução de aguardente a partir da cana,produto considerado de fácil comércioe de boa rentabilidade.

A produção do Nordeste, somada à deCampos, no norte do Estado do Rio deJaneiro, e a rápida expansão das usinaspaulistas, indicavam uma futura su-

perprodução. Para controlar essaprodução, o governo Vargas, em 1933, criao Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Com as alterações do preço nomercado mundial do produto e aestagnação das usinas, os usineiros fo-ram forçados a realizar mudanças. Foida Copersucar, criada em 1959, a prin-cipal iniciativa de buscar novas tec-nologias para o setor. Essa atitudetambém foi desempenhada pelo IACe pelo Planalsucar. Com as crises dopetróleo que se seguiram a partir de1973, o Proálcool, criado em 1975, e-vitou uma crise maior para o Brasil pormeio do incentivo à produção e ao usodo álcool como combustível, em subs-tituição à gasolina. O programatambém possibilitou o desenvolvi-mento de novas regiões produtoras,como Paraná, Goiás, Mato Grosso doSul e Mato Grosso.

Cultivar da espécieSaccharum officinarum, umdos ancestrais dos híbridosatualmente cultivados

Sizu

o M

atsu

oka

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tantes das pesquisas desenvol-vidas na época do Planalsucar.Essas cultivares, que possuem asigla RB (República do Brasil),representam 50% de toda produ-ção nacional. Só no Estado de SãoPaulo, as cultivares RB estão em55% da área plantada, enquantono Paraná a área chega a 80%.

As primeiras cultivares feitas apósa criação da Ridesa, em 1991, devemsair nos próximos anos, sendo que,para se criar uma nova cultivar,usualmente se leva de 12 a 15 anos.

Segundo o coordenador doPMGCA da UFPR, Edelclaiton Daros,as cultivares selecionadas devemapresentar a maior adaptabilidadepara diferentes ambientes e a maiorestabilidade de produção. "Comcerteza haverá casos específicos dedeterminados clones que terãouma forte interação entre o local,solo e clima", explica. A UFAL, por e-xemplo, tem quatro variedadesespecíficas para toda a regiãoNordeste. "No geral, idealiza-se altaprodutividade agrícola, riqueza emsacarose, precocidade, resistência apragas e doenças predominantes

na região e longevidade desocas (brotação e cresci-mento da cana-de-açúcar de-pois de cortada a primeira).Como característica especí-fica há a intenção de se-lecionar cultivares mais resis-tentes ao déficit hídrico e aoflorescimento", explica Barbosa.

Matsuoka complementaque todas as característicascitadas são importantes. "Oque se busca é a otimi-zação do balanço das carac-terísticas, sem enfatizar dema-siadamente alguma específica."

Plântulas e resultados

O primeiro trabalho, e o maisimportante, na obtenção de umanova variedade de cana-de-açú-car é a realização dos cruzamen-tos que irão gerar as plantas comas características requeridas. Des-ses cruzamentos são obtidas assementes que levam o conteúdogenético desejado. Todo o traba-lho posterior de sucessivas sele-ções e avaliações por longos 12 a15 anos somente chegará a uma

variedade melhorada se acombinação genética idealizadapelo pesquisador foi efetivamenteobtida naqueles cruzamentos.

No caso da Ridesa, os cruza-mentos são realizados na EstaçãoExperimental localizada em Murici,Estado de Alagoas, da UFAL. Istoporque lá existem as condiçõesideais para o florescimento da cana-de-açúcar e sua fertilidade. Uma vezobtidas as sementes, de sua ger-minação são obtidos os seedlings ouplântulas, a partir das quais se iniciao processo de seleção.

Na UFAL, de 1991 a 2002, foramproduzidas cerca de um milhão

Fronteiras36

Inflorescências de cana-de-açúcar sendopreparadas para cruzamentos genéticos

Opinião dos pesquisadores sobre a possível volta do Pro"Independentemente doProálcool, o trabalho quejá vem sendo produzidodeveria ter mais apoiooficial e também do setorprodutivo"

Sizuo Matsuoka, da UFSCar

"Haverá a necessidade deampliar a produção, o queocorrerá pelo aumento daárea ou pela geração denovas tecnologias"

Marcos Landell, do IAC

Sizuo Matsuoka

Page 10: Seqüenciamento genético da cana-de-açúcar oferece …univerci/n_2_a1/cana.pdf · gênicas da cana com o banco de dados do "Gene Bank" ... derma reesei. Em outros tubos que também

dez|2002

Fronteiras 37

de plântulas, que atendem, atual-mente, 29 empresas de toda a re-gião sucroalcooleira nordestina;na UFV, de 1992 a 2001, foram pro-duzidas cerca de 530 mil plântulaspara o atendimento aos parceiros.Atualmente, a Universidade tem19 convênios, sendo 15 com usi-nas, três com cooperativas ou as-sociações de produtores de canae um com prefeitura. Na UFPR, nosúltimos dez anos, foram avaliadasem campo cerca de 500 mil plân-tulas, sendo que são entregues,por ano, de 30 a 50 clones, o queindica que as unidades conve-niadas (27) já receberam 278clones para avaliação; na UFSCar,foram transplantadas para o cam-po, entre 1991 e 2000, mais de ummilhão de plântulas. Atualmente,a UFSCar tem 80 parceiros nosEstados de São Paulo, Goiás, MatoGrosso e Mato Grosso do Sul.

Além de atuar no programa demelhoramento genético, os pes-quisadores também atendem aosparceiros por meio de simpósios,reuniões técnicas, visitas e tra-balhos conjuntos. "Existe um ciclo

positivo e tudo que é investidoretorna para o produtor: ele dis-ponibiliza o recurso, a Universidadedesenvolve o projeto de melhora-mento de variedades que, por suavez, retorna para o produtor", relatao presidente da Ridesa.

Futuro da cana

Para o futuro, as perspectivasdos pesquisadores da Ridesa sãoas melhores possíveis. "Há grandepotencial nas áreas do PMGCA,pois à medida que a rede vaifazendo troca de materiais (clo-nes), as possibilidades de novascultivares são intensas, a um custorelativamente baixo", declaraDaros, da UFPR. Para Barbosa, daUFAL, o atual envolvimento como ensino de graduação e pós-gra-duação tem estimulado a rea-lização de um maior número depesquisas. Matsuoka, da UFSCar,ressalta que as perspectivas sãoboas principalmente em termosde biologia molecular, sendo queo Brasil detém hoje um acervo deconhecimento muito grande,devido justamente ao projeto

Genoma. Márcio Henrique P. Bar-bosa, coordenador do PMGCA daUFV, argumenta que o futuro pro-missor está ligado com "a inte-gração com o setor privado, quetem evoluído muito nestes anos".

William Burnquist, coordenadordo Programa de Variedade do CTC(Copersucar), explica que por seruma das plantas com maior efi-ciência fotossintética, a cana podese transformar em plataforma paraa produção de muitos produtos apartir da biomassa. "A pesquisapode ajudar a aumentar a pro-dução e diversificar a linha deprodutos", sugere.

Marcos Landell, diretor do Apta-IAC, afirma que o Brasil tem altaeficiência tecnológica e baixo custode produção de cana. E acrescentaque, como o país detém a melhortecnologia de produção do álcoolde cana, sendo que sua utilizaçãocomo combustível renovável ten-de a aumentar em razão da de-manda nacional e internacional, "épossível que se abram novos cami-nhos para a ampliação da pro-dução e para incentivos à pesquisaagrícola e industrial no setor".

"Há a necessidade deampliar as linhas depesquisa, visandoatender as condiçõesde manejo de cultivode novas variedades,bem como a interaçãodestas com outrosfatores"

Geraldo Barbosa,da UFAL

"É uma medidasensata, que poderácontribuir para adiminuição de nossadependência eincentivar os nossosprodutores"

Rogério Moura Pinheiro,presidente da Ridesa

oálcool