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Sentidos e Caminhos para o uso do computador na Alfabetização de Jovens e Adultos Jarina Fernandes Pontifícia Universidade Católica de São Paulo R. Cel Marques, 58/33, S. Paulo, Brasil +55-11-9293-8277 [email protected] RESUMO O artigo apresenta aspectos relacionados à percepção de jovens e adultos em processo de alfabetização diante do computador, bem como caminhos vislumbrados para a utilização da informática nesse contexto, a partir dos sentidos apontados pelos educandos. Categorias e Descritores de Assunto K.3.1[Computers and Education]:Computer Uses in Education: collaborative learning; K.3.2 [Computers and Education]: Computers and Information Science Education – literacy. Termos Gerais Experimentation, Human Factors. Palavras-chave Interação Humano-computador, Informática educativa, Alfabetização, Educação de jovens e adultos. 1. INTRODUÇÃO As demandas da sociedade informatizada multiplicam os desafios enfrentados cotidianamente pelos cidadãos não alfabetizados ou pouco letrados. Proporcionar que jovens e adultos com baixos níveis de letramento apropriem-se das tecnologias da informação e comunicação, na medida de suas necessidades e interesses, tornou-se um dever da sociedade. Cabe aos gestores e educadores de Educação de Jovens e Adultos (EJA) refletir, de forma crítica e criativa, como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) podem contribuir para a prática pedagógica desenvolvida junto a esse segmento. Nessa direção, realizou-se uma pesquisa, de agosto de 2002 a dezembro de 2004, junto a cerca de 100 educandos de EJA, vinculados a uma iniciativa da sociedade civil. O intuito era compreender qual(is) o sentido(s) que os educandos de EJA atribuíam ao computador numa prática que o utilizava como instrumento pedagógico e vislumbrar caminhos, a partir dos sentidos apontados pelos educandos. Para tanto, foram utilizados os seguintes instrumentos: observação de situações/falas ocorridas no momento de interação com o computador e em rodas de conversa sobre o tema; realização de entrevistas individuais e coletivas semi-estruturadas e registro de depoimentos espontâneos ao longo do processo. Nesse artigo, serão expostos parte dos resultados obtidos pela investigação, que continua sendo realizada. O objetivo é prosseguir na busca de caminhos para aprimoramento do trabalho e desenvolvimento de novas ações nesse campo. 2. O COMPUTADOR COMO ALGO IMPORTANTE 2.1 Um Sentido Recorrente nas Primeiras Entrevistas O computador como algo importante foi o sentido que mais apareceu na entrevistas coletivas realizadas no início da pesquisa: - 36 dentre 84 educandos, (portanto, mais de um terço dos sujeitos), se referiram ao computador como objeto que possui importância na sociedade contemporânea. Vinte e cinco educandos se limitaram a afirmações do tipo: “O computador é bom”. “É uma coisa importante”. “Última novidade do ser humano”. As respostas rápidas, sem apresentação de maiores explicações quando questionadas, indicavam que possuíam uma visão pouco contextualizada acerca das potencialidades e funções que podem ser desempenhadas pela máquina. Nove educandos revelaram uma certa idealização do computador, apontado como um elemento mágico, capaz de resolver tudo: “A coisa mais maravilhosa que já se inventou”. “Fantástico, faz tudo que a gente quer, faz tudo pela gente”. “Tudo o que eu quero saber sobre a vida, passa no computador”. “O computador é tudo, com ele não faria mais nada”. Pelo tom de suas falas, esses educandos mostravam valorizar ainda mais o computador do que o primeiro subgrupo citado, e, igualmente, não sabiam justificar, de forma mais precisa, a razão dessa valorização. 2.2 Perfil dos Sujeitos X Modo de Valorizar o Computador Os educandos que possuíam maior escolaridade apresentaram, menos freqüentemente, justificativas vagas para a importância do computador. Pareciam ter acesso a um maior número de discursos sobre a importância do computador e sabiam justificá-la de forma mais contextualizada. Apontavam-no como instrumento de Permissão para fazer cópia impressa ou digital do todo ou parte desse trabalho para uso pessoal ou em aulas é concedido sem custos, desde que as cópias não sejam distribuídas para lucro ou fins comerciais e que essas cópais mantenham essa notificação na íntegra na primeira página. Para cópias ou republicação, disponibilização em listas ou serviços eletrônicos requuerem a permissão expressa. RIBIE’06, 2006, San Jose, Costa Rica. Copyright 2006.

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Page 1: Sentidos e Caminhos para o uso do computador na ... · Interação Humano-computador, Informática educativa, Alfabetização, Educação de jovens e adultos. 1. INTRODUÇÃO As demandas

Sentidos e Caminhos para o uso do computador na Alfabetização de Jovens e Adultos

Jarina Fernandes Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo R. Cel Marques, 58/33, S. Paulo,

Brasil +55-11-9293-8277

[email protected]

RESUMO O artigo apresenta aspectos relacionados à percepção de jovens e adultos em processo de alfabetização diante do computador, bem como caminhos vislumbrados para a utilização da informática nesse contexto, a partir dos sentidos apontados pelos educandos.

Categorias e Descritores de Assunto K.3.1[Computers and Education]:Computer Uses in Education: –collaborative learning; K.3.2 [Computers and Education]: Computers and Information Science Education – literacy.

Termos Gerais Experimentation, Human Factors.

Palavras-chave Interação Humano-computador, Informática educativa, Alfabetização, Educação de jovens e adultos.

1. INTRODUÇÃO As demandas da sociedade informatizada multiplicam os desafios enfrentados cotidianamente pelos cidadãos não alfabetizados ou pouco letrados. Proporcionar que jovens e adultos com baixos níveis de letramento apropriem-se das tecnologias da informação e comunicação, na medida de suas necessidades e interesses, tornou-se um dever da sociedade. Cabe aos gestores e educadores de Educação de Jovens e Adultos (EJA) refletir, de forma crítica e criativa, como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) podem contribuir para a prática pedagógica desenvolvida junto a esse segmento.

Nessa direção, realizou-se uma pesquisa, de agosto de 2002 a dezembro de 2004, junto a cerca de 100 educandos de EJA, vinculados a uma iniciativa da sociedade civil. O intuito era compreender qual(is) o sentido(s) que os educandos de EJA atribuíam ao computador numa prática que o utilizava como instrumento pedagógico e vislumbrar caminhos, a partir dos sentidos apontados pelos educandos.

Para tanto, foram utilizados os seguintes instrumentos: observação

de situações/falas ocorridas no momento de interação com o computador e em rodas de conversa sobre o tema; realização de entrevistas individuais e coletivas semi-estruturadas e registro de depoimentos espontâneos ao longo do processo.

Nesse artigo, serão expostos parte dos resultados obtidos pela investigação, que continua sendo realizada. O objetivo é prosseguir na busca de caminhos para aprimoramento do trabalho e desenvolvimento de novas ações nesse campo.

2. O COMPUTADOR COMO ALGO IMPORTANTE 2.1 Um Sentido Recorrente nas Primeiras Entrevistas O computador como algo importante foi o sentido que mais apareceu na entrevistas coletivas realizadas no início da pesquisa: - 36 dentre 84 educandos, (portanto, mais de um terço dos sujeitos), se referiram ao computador como objeto que possui importância na sociedade contemporânea.

Vinte e cinco educandos se limitaram a afirmações do tipo: “O computador é bom”. “É uma coisa importante”. “Última novidade do ser humano”. As respostas rápidas, sem apresentação de maiores explicações quando questionadas, indicavam que possuíam uma visão pouco contextualizada acerca das potencialidades e funções que podem ser desempenhadas pela máquina.

Nove educandos revelaram uma certa idealização do computador, apontado como um elemento mágico, capaz de resolver tudo: “A coisa mais maravilhosa que já se inventou”. “Fantástico, faz tudo que a gente quer, faz tudo pela gente”. “Tudo o que eu quero saber sobre a vida, passa no computador”. “O computador é tudo, com ele não faria mais nada”. Pelo tom de suas falas, esses educandos mostravam valorizar ainda mais o computador do que o primeiro subgrupo citado, e, igualmente, não sabiam justificar, de forma mais precisa, a razão dessa valorização.

2.2 Perfil dos Sujeitos X Modo de Valorizar o Computador Os educandos que possuíam maior escolaridade apresentaram, menos freqüentemente, justificativas vagas para a importância do computador. Pareciam ter acesso a um maior número de discursos sobre a importância do computador e sabiam justificá-la de forma mais contextualizada. Apontavam-no como instrumento de

Permissão para fazer cópia impressa ou digital do todo ou parte desse trabalho para uso pessoal ou em aulas é concedido sem custos, desde que as cópias não sejam distribuídas para lucro ou fins comerciais e que essas cópais mantenham essa notificação na íntegra na primeira página. Para cópias ou republicação, disponibilização em listas ou serviços eletrônicos requuerem a permissão expressa. RIBIE’06, 2006, San Jose, Costa Rica. Copyright 2006.

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pesquisa e informação, de aprendizagem, de conhecimento de mundo, de entretenimento, de comunicação, de facilitação de tarefas e de trabalho, dentre outros sentidos.

Um dado muito interessante é que nenhum educando que já havia interagido com o computador apresentou uma visão idealizada acerca do mesmo. Tal constatação parece indicar que se o contato com a máquina não garante um conhecimento mais aprofundado das potencialidades do universo digital, ao menos parece contribuir para a superação de uma visão idealizada.

2.3 A Presença de Duas Questões Distintas No decorrer do processo, pode-se identificar que havia duas questões distintas relacionadas à valorização do computador. Era notório que, de forma unânime, os educandos reconheciam a importância do computador na sociedade contemporânea. Contudo, nem todos os educandos reconheciam a importância de interagir com o computador naquele momento de sua trajetória.

As principais razões apresentadas por aqueles que não viam sentido na atividade eram que estavam aprendendo algo que não utilizariam em seu cotidiano e/ou que deveriam primeiro aprender a escrever corretamente, para depois escrever no computador. Procurou-se acolher os posicionamentos de tais educandos, respeitá-los e, ao mesmo tempo, promover o diálogo para que vissem outros ângulos da questão.

2.4 O Papel das Rodas de Conversa A fim de ampliar o espaço de negociação de sentidos foram criadas rodas de conversa, no início e término das aulas. Essas rodas preparavam os educandos para a atividade do dia, permitiam que avaliassem as ações realizadas, identificassem os objetivos alcançados, se apropriassem da razão de seus erros e das aprendizagens construídas. Educandos, educadores e pesquisadora acabavam por realizar juntos o movimento de reflexão sobre a ação preconizado por Schön [1], e assim, podiam experimentar que é a reflexão sobre a experiência que pode provocar a produção do saber [2].

Desse modo, um caminho que se coloca para a utilização pedagógica do computador na EJA é o de convidar os educandos, a refletirem sobre a experiência de interagir com o computador, sobre a aprendizagem realizada a cada dia e de que modo o computador foi ou não instrumento nesse processo. Faz-se necessário que educador proporcione ao educando a oportunidade de ver aspectos que não é capaz de observar por si mesmo. Trata-se de recriar, em um novo cenário, o movimento dialógico proposto por Paulo Freire, desde os primórdios de seu trabalho, nos chamados círculos de cultura. [3].

3. O DESEJO DE MEXER NA MÁQUINA 3.1 A Visão Inicial dos Educandos O computador visto como "objeto com o qual se deseja interagir" foi um sentido apontado por 16 educandos, dentre os 84 entrevistados no início da pesquisa. Chama a atenção a utilização do verbo mexer por 11 vezes, expressando, sobretudo a vontade de ligar, treinar, experimentar, enfim, interagir com o computador: “Eu quero aprender a mexer no computador”. “Dá vontade de mexer com os dedinhos”. “Você não sabe mexer e vai mexendo aos poucos, vai aprendendo”. “Se a gente não continua na escola estudando, a

gente não vai ter oportunidade de mexer no computador e de aprender”. “Demos um treino bom, eu consegui”. “É um quebra-cabeça, mexer com os dedinhos, mexe muito com a cabeça!”. Ao enfatizarem que quanto mais mexiam mais tinham vontade de mexer, destacavam o papel da descoberta no processo da aprendizagem, o desejo e a necessidade do saber fazer. O desejo de interagir com a máquina foi mais enfatizado pelos que já haviam interagido com o computador, o que vem ao encontro da fala de que "quanto mais se mexe, mais dá vontade de mexer". Os estudantes que apresentavam níveis mais elementares de letramento foram os que mais destacaram a relevância de poder mexer no computador. Isso não significa que os educandos que já possuíam um maior domínio da escrita não desejassem interagir com a máquina. Os que possuíam maior escolaridade (4o ano do Ensino Fundamental) expressavam seu desejo de interação, indo além da questão do mexer, ao mencionarem o desejo de fazer pesquisas na Internet, ampliar seu conhecimento de mundo e conseguir melhores postos de trabalho.

3.2 A Mudança de Visão no Decorrer das Atividades A desmistificação do computador aconteceu à medida que os educandos interagiam com a máquina. Vários educandos destacaram que a experiência havia mostrado que eram capazes de aprender a utilizar computadores e que essa aprendizagem era mais fácil do que imaginavam. Falas do tipo: "Não é tão difícil quanto eu imaginava" ou "As máquinas também falham" revelavam a leitura dos educandos acerca do computador após os primeiros encontros. Alguns verbalizaram que nunca haviam pensado que teriam chance de interagir com o computador e que poderiam fazê-lo com sucesso nesse momento de sua trajetória.

Várias educandas, que trabalhavam como empregadas domésticas, relataram que antes de interagirem com o computador no curso de EJA, sequer costumavam limpar os teclados dos computadores nos locais onde trabalhavam, com medo de estragá-los. Ao longo da pesquisa, pôde-se constatar que o medo inicial foi cedendo espaço para uma atitude de maior tranqüilidade e autoconfiança, à medida que percebiam que a máquina não era danificada por haver sido apertada, por exemplo, uma tecla não desejada.

No decorrer das atividades, houve contato com editor de textos e Internet. O computador começou a representar para a maioria dos educandos um instrumento capaz de propiciar-lhes oportunidades de informação, de pesquisa, de trabalho, de aprendizagem. Desse modo, já não faziam afirmações idealizadas que o defendessem como algo maravilhoso em si mesmo.

Alguns educandos, que se preparavam para o ingresso no segundo ciclo do Ensino Fundamental, passaram a aspirar ao aprofundamento de seus conhecimentos em cursinhos de informática, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Um dos 84 educandos pesquisados começou efetivamente a fazer um cursinho de informática durante o processo.

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3.3 A Pertinência de Articular Ações de EJA que contemplam o uso de computador e Iniciativas de Inclusão Digital Independentemente de desejarem ou não partir para um aprofundamento de seus conhecimentos fora do Curso de EJA, a interação com o computador foi decisiva para oferecer subsídios para que os educandos de EJA pudessem escolher buscar ou não novos patamares de inclusão digital, de acordo com os seus interesses.

Um caminho que se coloca como pertinente e necessário é o de articular cursos de EJA que contemplem o uso do computador como instrumento pedagógico e iniciativas de inclusão digital. Cursos de EJA e centros de inclusão digital podem e devem se desenvolver como ações retroalimentadoras. De forma integrada devem auxiliar cidadãos que apresentam baixos níveis de letramento e de inclusão digital a se apropriarem de conhecimentos nesses dois campos, de modo a empreender conquistas significativas para si e para o seu grupo social.

4. O INTERESSE EM PESQUISAR NA INTERNET 4.1 Motivação e Dificuldades A grande maioria dos educandos ficava muito motivada diante da proposta de realizar uma pesquisa na Internet.

As primeiras atividades de uso da Internet visavam dar continuidade a temas de sala de aula de bastante interesse para o grupo: pesquisa de informações referentes à terra natal de cada educando.

Os educandos mostravam-se muito animados em "viajar" pelo mundo por meio da Internet. Quando conseguiam encontrar imagens e sons familiares naquele meio tão desconhecido, a emoção adentrava o espaço educativo.

Quanto às dificuldades, a primeira enfrentada pelos educadores foi para encontrar um vocabulário adequado para orientar os educandos, a fim de que pudessem empreender as pesquisas desejadas. Os educadores perceberam que tinham que estar muito atentos pois, facilmente, suas explicações se tornavam infrutíferas por utilizarem termos e conceitos desconhecidos aos educandos.

Havia ainda as dificuldades, já esperadas, para navegar pelos links; distinguir os limites entre a página exibida, os controles gráficos do navegador e as propagandas indesejáveis; avançar e voltar pelas páginas ou ainda selecionar o que era mais significativo dentre o volume de informações contidos em cada tela.

O momento dos educandos digitarem as palavras-chave para que um site de busca encontrasse os endereços desejados era acompanhado de perto pelos educadores ou colegas mais experientes. Por vezes, a palavra digitada incialmente ficava tão distante da escrita ortográfica, que o site não conseguia reconhecer o termo a ser procurado. Nesse caso, era feito um diálogo a partir do que o educando já conhecia sobre a escrita, de modo que ele mesmo acrescentasse, suprimisse ou trocasse as letras para que a palavra ficasse correta.

Constatou-se, ao longo do processo, que o ânimo inicial com a Internet, facilmente, era sucedido pelo desânimo e que necessário

aprimorar o planejamento das aulas no laboratório de informática e organizar novas estratégias de trabalho.

4.2 A Importância das Estratégias de Interação e Aprendizagem Colaborativa Para que o uso do computador como fonte de pesquisa e informação na EJA não só iniciasse mas, se consolidasse, efetivamente, como uma atividade significativa para os educandos, foi importantíssimo o olhar atento do educador na organização e re-organização constante das atividades.

Mais uma vez, a organização das rodas de conversa revelou-se como uma estratégia muito pertinente para a superação das dificuldades. As rodas tornaram-se momentos de socialização de dúvidas, descobertas e aprendizagens. Conversar sobre sentimentos de alegria e frustração, ouvir dicas práticas de colegas que enfrentavam as mesmas dificuldades foram ações de extrema importância.

Outra estratégia encontrada foi a formação de duplas e grupos de trabalho. Passou-se a propor, sistematicamente, que os educandos trabalhassem em duplas e formassem quartetos de troca de idéias, ainda que, em muitas situações, tivessem manifestado o desejo de ficar sozinhos no computador. A idéia era que os educandos não ficassem dependentes unicamente do auxílio dos professores, mas resolvessem questões por meio da ajuda mútua [4], o que favorecia o desenvolvimento da autonomia e diminuía o tempo de espera passiva.

4.3 A Ampliação dos Espaços de Navegação No início, as sugestões de sites eram sempre feitas pelos educadores, o que é altamente compreensível, ao considerarmos o quanto esse universo da rede mundial de computadores é desconhecido para o grupo. No entanto, no decorrer das atividades, a partir de conversas com pessoas de seu convívio, alguns passavam a trazer endereços de sites que desejavam conhecer: da Igreja da qual participavam, da empresa na qual trabalhavam, de apresentadores da televisão, de cantores ou bandas de sua preferência, de supermercados e lojas. Os endereços acabavam sendo compartilhados e, aos poucos, os espaços significativos de navegação se ampliavam. 4.4 A Necessidade de Cultivar a Curiosidade Crítica Muito raramente os educandos possuíam uma visão crítica em relação às informações disponíveis na Internet. Assim, no momento em que os educandos expressavam uma leitura nesse sentido, destacava-se o comentário realizado, a fim de que os outros despertassem para um olhar mais crítico em relação ao uso da tecnologia na sociedade e às informações veiculadas na Rede.

Certa ocasião, por exemplo, os educandos haviam sido convidados a se organizar em duplas para entrar no site de um jornal eletrônico da capital de seu estado de origem. Durante a navegação, um dos educandos questionou o colega se na capital de seu estado não havia nenhum bairro pobre, pois só encontravam referências aos seus belos pontos turísticos. O comentário do aluno foi tema da próxima roda de conversa do grupo, que girou em torno da origem das informações disponíveis na Internet e os interesses aos quais servem.

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Os educandos devem ser encorajados a desenvolver um olhar não só de curiosidade, mas investigativo e crítico diante das páginas acessadas [5]. Cabe ao professor criar situações para usar o computador como instrumento de cultura, para propiciar o pensar-com e o pensar-sobre-o-pensar [6].

É papel do educador assumir o papel político de desvelar a ideologia dominante presente nos diferentes contextos. Segundo Freire, o computador tanto pode domesticar como promover a curiosidade crítica. [7]. Todas as expressões da tecnologia na sociedade contemporânea devem ser objeto de uma curiosidade questionadora dos educadores e educandos: da clonagem às investigações da célula-tronco, da informatização do sistema financeiro à diminuição dos postos de trabalho. Também a possibilidade de uso do computador na EJA deve ser explorada nessa perspectiva. Navegar pela Internet, no sentido de conhecer mais sobre o mundo, pode constituir uma atividade significativa de leitura, desde que os educandos sejam convidados a refletir sobre a procedência e a confiabilidade das informações, analisar a intencionalidade de seus autores ao organizá-las desse ou daquele modo, com esse ou aquele conteúdo.

5. O SONHO DE COMUNICAR-SE PELA REDE 5.1 A visão inicial dos educandos O computador foi apontado como instrumento de comunicação espontaneamente por apenas 8 dos 84 educandos, durante as entrevistas iniciais. Até então, ninguém havia experimentado entrar num bate papo ou enviar um e-mail, porém, quando indagados acerca do assunto, mostravam valorizar tais formas de comunicação.

5.2 Aspectos Relevantes da Experiência Durante o processo, foi despontando o interesse dos educandos de se comunicarem com outras pessoas pela Internet. O computador foi experimentado como instrumento de comunicação numa segunda etapa do projeto, por meio da utilização de uma sala virtual no ambiente Teleduc, criação de e-mails para educandos que se interessaram em fazê-lo e uma experiência coletiva numa sala de bate-papo. A utilização de um ambiente virtual de aprendizagem tinha o intuito de propiciar aos educandos a experiência de que poderiam deixar mensagens na Internet, as quais poderiam ser lidas e comentadas por colegas e professores posteriormente. Foram utilizadas apenas algumas ferramentas do ambiente: a Agenda, onde os educandos encontravam as atividades a serem realizadas; o Mural, onde deixavam mensagens para todo o grupo; o Portfólio, onde foram disponibilizados alguns textos produzidos pelos educandos e o Correio, onde deixaram algumas mensagens destinadas exclusivamente para um ou outro colega. As mensagens deixadas no Mural do ambiente eram curtas e simples, mas revelavam a satisfação dos educandos em estar deixando suas marcas na Internet. Por vezes, deixavam recados para seus professores de outras classes e cobravam, pessoalmente, respostas para as suas mensagens. No início, a atividade se revelou extremamente motivadora. Os educandos divertiam-se em localizar e responder as mensagens dos colegas. Contudo, passado esse primeiro encantamento de perceber que o colega conseguia abrir em outra máquina a

mensagem deixada, a atividade foi ficando sem sentido, afinal, muitas vezes o colega estava ao seu lado no laboratório de informática! A possibilidade de criação do e-mail pessoal foi aberta aos educandos que manifestaram interesse de fazê-lo, antes do horário normal das aulas, pois demandava a atenção a um ou no máximo dois educandos de cada vez, para que pudessem participar de todas as etapas do processo. Os primeiros e-mails escritos pelos educandos eram, na maioria das vezes, de agradecimento aos professores pela oportunidade de interagir com o computador. Uma grande dificuldade dos educandos para utilizar a Internet como meio de comunicação era o fato de que não conheciam muitas pessoas com as quais pudessem se corresponder. Alguns mais jovens perguntavam “para quem mais eu poderia escrever?”, “o que mais eu poderia escrever?”. Então acabavam enviando mensagens só para cumprimentar os colegas, agradecer aos professores ou dizer a eles que estavam contentes de estar na Internet. A atividade mais significativa de uso de e-mail ocorreu quando um dos educandos começou a se corresponder com a sua professora do ano anterior, que já não estava mais trabalhando na escola. O fato de escrever para alguém que estava distante e a expectativa de ver se havia ou não uma resposta às mensagens conferiam sentido à utilização do correio eletrônico. Já não se tratava de um teste, mas de uma situação real em que a Internet havia se tornado a única forma do educando continuar mantendo contato com sua professora. Podia-se perceber que ele se sentia muito feliz por saber acessar as mensagens e por conseguir responder às mesmas, de forma cada vez mais autônoma. Outra experiência de uso do computador como instrumento de comunicação, realizada a pedido de alguns educandos, foi a de conhecer uma sala de bate-papo. Os educandos entraram em uma sala de bate-papo livre para observar o que ocorria num espaço como esse. Como era de se esperar, o volume das mensagens e a linguagem utilizada não se revelaram nada amigáveis para quem está se alfabetizando e desconhece a linguagem utilizada em um chat. Um educando mais interessado tentou conversar com as pessoas na sala, mas acabou desistindo pela dificuldade para ler de forma rápida as mensagens marcadas pela linguagem própria utilizada em tais ambientes. A vivência na sala de bate-papo provocou uma conversa muito interessante, em que os educandos trocaram idéias sobre o que já ouviram sobre as comunicações na Internet. Alguns se mostravam animados com a possibilidade de poder fazer amizades e encontrar um namorado ou namorada numa sala de bate-papo. Outros, em maior número, mostravam-se temerosos, argumentando que há que se tomar cuidado porque “as pessoas não revelam quem realmente são”, “alguém que está se passando por homem pode ser uma mulher”, e que era perigoso dar endereço, telefone a pessoas desconhecidas, as quais poderiam ser seqüestradores ou outro tipo de bandidos. A atividade serviu para levantar o que o grupo sabia sobre o assunto e desmistificar o que era um bate-papo na Internet.

5.3 Lições Aprendidas e Caminhos Vislumbrados A experiência mostrou que a Internet pode ser utilizada como meio de comunicação por educandos de EJA, com sucesso, por

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meio do correio eletrônico. Seria necessário, no entanto, que fosse contatado um outro grupo de EJA, com o qual pudessem se comunicar a partir de um objetivo comum. A utilização do e-mail apenas para experimentar como o mesmo funciona fez com que a atividade perdesse o sentido rapidamente, antes mesmo que os educandos tivessem tido a tempo de aprender e automatizar os procedimentos para acessar o correio eletrônico, abrir, responder e escrever mensagens com plena autonomia. A entrada na sala de bate-papo aberta possibilitou uma desmistificação desse ambiente. O que poderia ser pensado seria um projeto em que uma conversa numa sala de bate-papo tivesse um propósito específico, com um número reduzido de educandos, para que experimentassem a possibilidade de bate-papo num contexto significativo. Poderiam ser planejadas atividades com convidados externos, que poderiam ser entrevistados em relação a algum tema que estivesse sendo estudado em sala de aula.

6. O COMPUTADOR COMO INSTRUMENTO PARA APRIMORAR A ESCRITA 6.1 Sentido Desencadeado pela Ação dos Educadores O computador como instrumento para aprimoramento de processos de aprendizagem da língua escrita não apareceu espontaneamente na fala dos educandos durante a prática pedagógica, mas, somente no momento das entrevistas realizadas ao final da pesquisa.

Apenas 2 dos 20 entrevistados tocaram nessa questão por própria iniciativa. A maioria só manifestou que o computador pode auxiliar na aprendizagem da escrita depois de indagados pela pesquisadora se haviam percebido tal relação. Ainda que um novo sentido tenha emergido, é importante destacar que não foi o sentido mais destacado pelo grupo.

Diante do questionamento sobre a possibilidade do computador auxiliar no aprimoramento da escrita, vários aspectos foram salientados pelos educandos entrevistados. Refletiremos, nesse artigo, sobre a referência recorrente feita ao corretor ortográfico.

6.2 A Valorização do Corretor Ortográfico As falas destacaram o papel do corretor ortográfico do editor de textos nesse processo de aprendizagem. Segundo os entrevistados, o fato do computador não "aceitar" os erros, os obrigava a repensar o que haviam escrito.

Alguns educandos se admiravam quando o computador corrigia os erros automaticamente (o que ocorria devido a recursos de auto-correção ativados) mas o centro das atenções era mesmo para a chamada "cobrinha vermelha" que sublinhava as palavras supostamente erradas. Assim, ora o computador corrigia de forma quase mágica; ora mostrava os erros e provocava o educando a encontrar qual letra deveria ser acrescentada, suprimida ou trocada.

Diante da constatação do erro, agradava aos educandos a possibilidade trazida pelo computador de modificar uma palavra, sem a necessidade de apagá-la. Salientavam que no caderno faltava espaço para inserir letras que estivessem faltando, mas, que o computador era ótimo pois "abria espaço para encaixar

novas letras!" . Por isso, para alguns o computador era muito melhor do que o caderno!

Vários educandos afirmavam que a revisão proposta pelo corretor passou a ser algo incorporado ao trabalho de produzir um texto. Afirmavam que já haviam se acostumado a fazer a revisão, a partir do alerta da "cobrinha vermelha".

Dessa forma, era fácil constatar que um grupo significativo estava motivado para encontrar seus erros a partir das marcas deixadas pelo corretor ortográfico, porém, o problema é que alguns se mostravam tão preocupados com a "cobrinha vermelha" que não conseguiam continuar escrevendo enquanto não corrigissem as palavras sublinhadas. Por vezes, a preocupação com as marcas do corretor acabava atrapalhando a produção do texto.

6.3 Reflexões e Caminhos a partir da Valorização do Corretor A ênfase dada pelos educandos ao corretor ortográfico fez com que os educadores questionassem sobre a utilização que estava sendo feita do mesmo e de outras potencialidades do editor de textos no processo de produção de textos.

Concluiu-se que era importante reconhecer tanto o papel estratégico que pode ter o corretor ortográfico, quanto os riscos e os limites existentes. O ganho ocorria a medida na medida em que o corretor propiciava mais autonomia a muitos educandos de EJA, na reescrita de palavras produzidas de forma não ortográfica. Muitos ficavam animados com a possibilidade de aprimorar o próprio texto, sem ter que pedir o auxílio de outra pessoa. O problema era quando o corretor acabava por desestimular os educandos e reforçava a sua visão de que a aprendizagem da escrita se reduz à questão ortográfica.

A preocupação quase exclusiva com a ortografia é comum entre os educandos de EJA que, em geral, têm muita vergonha, tristeza e culpa por não dominar a escrita alfabética e por não escrever segundo os padrões da norma culta. É comum a professora afirmar que um determinado texto está muito bom, que precisaria apenas de uma revisão em relação ao modo de escrever algumas palavras e os educandos não acreditarem ou concordarem, por considerar que se estivesse bom, não teria palavras escritas de forma incorreta.

De fato, é inegável a importância de dominar a escrita alfabética e escrever segundo os padrões da norma culta. Contudo, é importantíssimo realizar um trabalho junto aos educandos, para que percebam o valor do que escrevem e reflitam que o corretor ortográfico é um instrumento e não um fim em si mesmo.

A fim de valorizar os textos dos educandos e garantir que o uso do corretor ortográfico fosse feito dentro de um contexto significativo e motivador, uma estratégia utilizada foi a de imprimir, mais frequentemente, tais produções, e promover a sua circulação entre colegas e familiares dos educandos.

Era notório que os educandos se empolgavam quando lhes era proposta a tarefa de editar seus textos, utilizando diferentes cores, tamanhos, tipos de fontes e inserindo figuras e bordas. Assim, começou-se a fazer, sistematicamente, esse tipo de proposta como culminância de toda produção de texto realizada. Discutiam em duplas e quartetos o aprimoramento necessário, tanto do ponto de vista linguístico, quanto estético. Os custos para a impressão dos trabalhos, que eram um empecilho enfrentado pelos educadores,

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passaram a ser discutidos junto aos educandos. Cada turma encontrou soluções para que os materiais necessários fossem providenciados.

Essa foi uma das formas encontradas para que os educandos percebessem o valor de suas produções e o quanto o computador poderia ajudá-los a não só corrigir palavras, mas também, divulgar o que pensam, sentem e refletem. A escrita é um saber que passa pelas hipóteses que se tem sobre o código alfabético, [8] mas, sobretudo, é instrumento que possibilita que se divulgue o próprio modo de ler o mundo [9]. O intuito é que o computador na EJA possibilite a vivência da dimensão social do letramento [10] tão almejada.

7. AGRADECIMENTOS Agradecimentos à professora Maria Elizabeth B. Almeida, orientadora da pesquisa; ao professor Fernando José de Almeida, coordenador geral do Projeto; à Coordenadoria de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro e a cada um dos educandos e educadores, que se dispuseram a refletir e dialogar sobre o tema.

8. REFERÊNCIAS [1] Schön, D. Formar professores como profissionais reflexivos.

In: Nóvoa, A. (coord). Os professores e sua formação. Lisboa, D. Quixote, 1997.

[2] Nóvoa, A. Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, A. (coord). Os professores e sua formação. Lisboa, D. Quixote, 1997.

[3] Freire, P. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo, Cortez, 1994.

[4] Almeida, F. and Fonseca Júnior. Projetos e ambientes inovadores. Brasília, Min. Educação, 2000.

[5] Almeida, M. E. Letramento digital e hipertexto: contribuições à educação. In: Pellanda, N. et alli (org). Inclusão digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro, DP&A, 2005.

[6] Almeida, M. E. Informática e formação de professores. Brasília, Min. Educação, Seed, 2000.

[7] Freire, P. À sombra dessa mangueira. São Paulo, Olho d'agua, 1995.

[8] Ferreiro & Teberosky. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre, Artmed, 1994.

[9] Freire, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002.

[10] Soares, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 2003.