sentenca - falsidade ideologica e sonegacao fiscal previdenciaria - absolvicao

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Page 1: Sentenca - falsidade ideologica e sonegacao fiscal previdenciaria - absolvicao

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA

SEGUNDA VARA FEDERAL

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz federal substituto

Processo: 2007.82.00.005711-7 Natureza: Ação penal pública Autor: MPF Réus: Roosevelt Cavalcante Cesar e Fernando Antônio Ferreira Veras

S E N T E N Ç A1

DIREITO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, 299). Emissão de declaração ideologicamente falsa para obtenção de CND. Se os elementos de prova tornam possível crer que os acusados acreditavam na informação prestada, afasta-se o dolo e, em consequência, a tipicidade da conduta. Absolvição. DIREITO PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL PREVIDENCIÁRIA (CP, 337-A, II E III). Suposta omissão de informações e declarações falsas para redução ou supressão de contribuições. Se as conclusões da fiscalização decorrem de uma série de presunções geradas pela desconsideração da contabilidade da empresa, não podem ser admitidas como prova dos elementos objetivos e/ou subjetivos do tipo. Absolvição.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR e FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA VERAS, já devidamente qualificados, dando-os a peça denunciativa como incursos nos artigos 171, §3º e 337-A, II e III, ambos do Código Penal brasileiro.

Consta da denúncia (f. 03-7) que, em 15 de janeiro de 2004, os

denunciados teriam apresentado ao INSS documento ideologicamente falso, por ambos assinado, em que teriam atestado a regularidade contábil da empresa SR CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., assim instruindo o processo de regularização

1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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da obra de construção do edifício CAROLINE. Em seguida, teriam obtido Certidão Negativa de Débitos junto ao INSS. A falsidade consistia no fato de que os livros contábeis omitiam fatos geradores de contribuição previdenciária (item 4 da denúncia), valores de remuneração de segurados empregados e pagamentos em rescisão de contratos de trabalho (item 6 da denúncia).

Consta ainda que o primeiro denunciado, na qualidade de sócio

majoritário e administrador da mesma sociedade, teria suprimido/reduzido contribuição previdenciária devida pela empresa mediante a omissão de remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados e contribuintes individuais, fato ocorrido entre janeiro/2002 e fevereiro/2005. Em vista disso, consolidou-se débito no valor de R$ 129.191,31 (cento e vinte e nove mil cento e noventa e um reais e trinta e um centavos), cf. NFLD n. 35.610.029-4. O MPF indicou uma testemunha para oitiva em juízo.

A denúncia foi recebida em 27 de agosto de 2008 (f. 34). ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR apresentou sua defesa prévia (f. 38-44)

acompanhada de documentos, sem indicação de testemunhas, alegando: a) Declara imposto de renda na forma de lucro presumido, o que

dispensa a manutenção de escrituração contábil, bastando a manutenção do livro caixa e a guarda dos documentos que originaram os lançamentos;

b) A declaração prestada no documento era verdadeira nos termos do

que a legislação exigia, sendo que as omissões apontadas pelo fiscal não existiram. Salienta que foi o próprio fiscal que, considerando indispensável que a obra tivesse um vigia, considerou a existência desse e, uma vez que a contabilidade não o apontasse, teria havido uma omissão. Assim teria procedido também com relação a um auxiliar de escritório e uma secretária, arbitrando salários para as respectivas funções;

c) Trata-se de uma empresa muito pequena, com sede na própria casa

de seu sócio majoritário, que não possui vigia ou secretária. Uma vez que alguns dos trabalhadores da construção civil dormiam na própria obra, também não possuía vigilante. A obra em si, do tipo “caixão”, sem elevador, era de baixo porte, sem quaisquer atrativos;

d) Insiste em que, quando declarou a exatidão da contabilidade, queria

dizer que nada devia em sede de IRPJ, CSLL, COFINS, PIS etc. Salienta que a fiscalização ocorrida na empresa foi solicitada pela própria empresa, vez que o INSS se encontrava em greve e havia passado mais de cinco meses de um pedido de expedição de CND, de modo que solicitou a fiscalização a fim de que, comprovando sua regularidade, pudesse obter a certidão. A declaração (tida como falsa) foi assinada por orientação do

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próprio INSS para emissão imediata da CND. O réu questiona a lógica de assinar uma declaração falsa e solicitar ao INSS a realização de fiscalização na empresa.

e) Esclarece que se alguns pagamentos não foram feitos, tal se deu por

desconhecimento, não por dolo. Com a multa aplicada pela fiscalização, o réu teve que fechar as portas de seu negócio, vindo inclusive a questionar judicialmente o resultado da mencionada fiscalização.

FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA VERAS apresentou sua defesa prévia (f.

140-4) em moldes similares á defesa de ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR, tendo inclusive esse último como advogado.

Realizada em 17/02/2009 a audiência de instrução e julgamento,

tomando-se o depoimento da testemunha Rômulo Cesar Vieira, indicado pelo MPF, bem como realizando-se o interrogatório dos réus ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR e FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA VERAS (f. 158-63). Ao final da audiência, as partes registraram que não tinham diligências a requerer, motivo pelo qual determinou-se a abertura do prazo (cinco dias) para apresentação de alegações finais em memoriais.

Em alegações finais: a) O MPF insistiu no julgamento de procedência da pretensão punitiva

para que fossem condenados os réus nos termos da denúncia; b) Os acusados ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR e FERNANDO ANTÔNIO

FERREIRA VERAS sustentaram que não se opõem a pagar o débito, mas contestam sua exatidão, motivo pelo qual seria necessário aguardar-se o desfecho da apuração do valor devido. Sustentaram igualmente a ausência da falsidade, destacando que a declaração fora feita sob pendência de confirmação por autoridade pública, o que excluiria o crime de falsidade, além do que não haveria lógica alguma em realizar-se o falso e solicitar fiscalização na empresa para constatação do falso. Pugnam, ao final, pelo julgamento de improcedência do pedido.

É o breve relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Não foram alegadas questões preliminares ou prejudiciais. Sendo assim,

passo imediatamente ao exame do mérito da causa.

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Examinando os autos, vejo que o MPF denunciou os acusados pela

suposta prática de estelionato contra entidade de direito público (CP, art. 171, §3º) e de sonegação fiscal previdenciária (CP, art. 337-A, II e III). Afirma o parquet que ambos teriam assinado declaração ideologicamente falsa para a obtenção de CND e que o primeiro deles teria deixado de registrar em livros contábeis e documentos certos fatos jurídicos, obtendo assim a supressão ou redução das contribuições previdenciárias devidas pela empresa de que era sócio majoritário e administrador.

De início, registro concordar com a exposição do MPF em suas alegações

finais no sentido de que o primeiro fato narrado estaria mais bem enquadrado no art. 299 do Código Penal. Estou igualmente de acordo que a capitulação inicial, ora tida como “inadequada”, não gerou qualquer prejuízo à defesa dos acusados, uma vez que exerceram seu direito de defesa contra as alegações de fato e não contra o enquadramento jurídico, como seria de ser.

Quanto ao mérito em si, é de se observar que o MPF atribui a ambos os

acusados o crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) e ao primeiro acusado o crime de sonegação fiscal previdenciária (CP, art. 337-A). Não obstante os fatos estejam bastante interligados, ainda assim a situação permite uma apreciação individualizada para fins de exame do enquadramento à norma penal incriminadora.

Interrogado, ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR negou a acusação que lhe

foi feita, esclarecendo o seguinte: era sócio de sua esposa na empresa e que o outro acusado era o respectivo contador; a empresa só construiu três obras e em duas delas FERNANDO VERAS era o contador; por discordar do valor cobrado, pediu, em janeiro de 2004, a realização de uma fiscalização da empresa e, passados cinco meses, não tendo ainda havido fiscalização, foi orientado pelo “procurador de então” para assinar uma declaração regularidade para a emissão de uma CND, de modo que recebeu a CND em junho de 2004; a fiscalização de que decorreu a imputação na denúncia ocorreu apenas em 2005; tendo pedido a fiscalização, acreditavam os acusados que tudo em sua empresa estivesse regular. Embora a empresa nunca tivesse tido uma reclamação trabalhista, o fiscal “entendeu” que teria que haver um vigia na obra; quanto ao trabalho do engenheiro, ele receberia um valor após a apuração do lucro, não consistindo em pró-labore, de modo que o engenheiro ficou sem nada receber, uma vez que não houve lucro com relação ao edifício CAROLINE; pediu ainda uma revisão quanto à metragem considerada pela fiscalização; negou peremptoriamente que houvesse declarado salários pagos a empregados em valores a menor; a empresa continua em atividade.

Também interrogado, FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA VERAS negou a

imputação, esclarecendo o seguinte: de acordo com a legislação tributária, a contabilidade de uma empresa não pode ter mais de 180 dias de atraso e, em função

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disso, uma vez que a empresa em questão não estava com os lançamentos contábeis em atraso, consistiu nesse ponto a declaração de regularidade por si subscrita, objeto da presente ação penal; em momento algum quis declarar inverdades quanto a débitos tributários; a declaração, contudo, envolvia informações sobre a regularidade dos pagamentos; não tem conhecimento se o acusado ROOSEVELT pagou valores inferiores aos declarados.

A testemunha indicada pelo MPF, o auditor fiscal Rômulo César Vieira

afirmou o seguinte: foi o auditor responsável pela fiscalização na empresa dos réus, tendo requisitado os documentos para que os trabalhos se desenvolvesse na sede da empresa, mas, como era a própria residência do acusado ROOSEVELT, então levou os documentos para fiscalização na sede da repartição; foi atendido inicialmente pela esposa do acusado e, posteriormente, pelo próprio acusado; não conheceu o outro acusado; a fiscalização com base na contabilidade, por motivo de irregularidades nesta, foi substituída por uma fiscalização por aferição indireta que levava em conta alguns parâmetros, a exemplo do CUB, custo unitário básico da construção civil; não sabe com base em que o mandado de procedimento fiscal lhe foi emitido para a realização da fiscalização; a declaração subscrita pelos réus tem o objetivo de viabilizar a expedição de uma CND sem a fiscalização da empresa e tem como conteúdo a regularidade da contabilidade da empresa; sem que a contabilidade esteja regular, a CND somente poderia ser expedida após fiscalização por aferição indireta com base na área construída; uma vez que a contabilidade e a documentação da empresa foi apresentada de forma deficiente, algumas funções tiveram sua existência presumida por serem comuns em empresas da construção civil, como auxiliar de escritório, sendo a respectiva remuneração arbitrada com base na área construída; concretamente, afora a presunção retro, não teve motivos para concluir pela existência dos referidos funcionários, tendo sido arbitrados.

O crime de falsidade ideológica se perfaz com a conduta de inserir em

documento informação ou declaração que dele não deveria constar. Não se trata de falsidade quanto à autenticidade do documento, mas quanto ao conteúdo nele inserido. No caso dos autos, o documento de que se trata é a declaração assinada pelos réus para a expedição de uma CND e o conteúdo falso é a afirmação de regularidade tributária da empresa.

Para praticar falsidade ideológica é preciso agir com dolo, o que significa

ter a exata consciência da falsidade da informação declarada em documento, bem como a vontade de registrar informação falsa em documento. O atributo de falsidade que qualifica a informação declarada tem que fazer parte da consciência e da vontade do autor de um crime de falsidade ideológica. Se o agente acredita na veracidade da informação que declara, não estamos diante de mero erro de proibição, que preserva a tipicidade do fato, mas de erro que tipo que, afastando o dolo, torna atípica a conduta e leva a um quadro de inadequação típica absoluta.

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Examinando os depoimentos prestados pelos acusados e pela única

testemunha, bem como as provas contidas nos autos e os argumentos de defesa, não entendo que haja prova suficiente de que os acusados agiram com dolo, precisamente no que se refere ao eventual conteúdo de falsidade da declaração por eles prestada.

Se a conclusão da fiscalização corrobora a linha da acusação, o fato de a

fiscalização ter sido pedida pelo acusado ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR infirma essa linha de entendimento. Se, por um lado, o depoimento da testemunha indicada na denúncia confirma a acusação no sentido da inadequação da contabilidade, por outro lado, no mesmo depoimento consta que, em alguns casos, valores foram fixados por arbitramento, sendo que a própria existência de empregados foi o resultado de uma mera presunção que, embora admitida para efeitos tributários, não o pode ser para efeito de responsabilização criminal.

Penso que não seja esse o lugar apropriado para discutir a legitimidade

da interpretação, para fins tributários, de que seja possível presumir a existência de vigilantes, auxiliares de escritório e secretárias em empresas da construção civil apenas por ser “comum” que as empresas desse ramo disponham desse material humano. A partir dessa presunção, como se viu, o fisco considerou que as informações sobre esses “empregados” foram omitidas, arbitrando suas remunerações para lavratura de auto de infração e imputação de débito.

A questão que aqui se coloca é se essa presunção, eficaz no direito

tributário, pode conduzir o julgador a admitir como provada a conduta que perfaz o fato típico de determinado delito.

Em outras palavras, cuida-se de distinguir, se cabível, necessário ou

possível, a forma de análise dos fatos e provas para fins de direito tributário, de um lado, e para fins de direito penal, de outro. No caso dos autos, penso que seria impossível admitir, para a prova do fato típico, as presunções que a administração fazendária levou em conta para imputar aos réus o débito tributário noticiado no processo administrativo fiscal.

De acordo com os depoimentos colhidos, pude perceber que a

declaração firmada pelos acusados teria de versar não apenas a regularidade formal da contabilidade da empresa, mas também a regularidade tributária perante o Fisco. Nesse sentido teria que ser prestada, afirmando o MPF que em ambos os critérios teria sido ideologicamente falsa.

Quanto ao aspecto formal, disse o primeiro acusado que sua empresa

era tributada pelo lucro presumido, o que permite a dispensa de certos livros contábeis. O segundo acusado, de sua parte, mencionou que entendia por

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regularidade formal da contabilidade o fato de que os lançamentos não estivessem por mais de 180 dias atrasados.

Já quanto ao aspecto substancial, observei que várias imputações

tributárias foram feitas com base em simples presunções e, quanto a outras, vejo nos autos elementos suficientes para admitir a ausência de dolo: a pequena dimensão da empresa; instalação da sede na residência do sócio majoritário; o ajuizamento de ação para contestação dos valores cobrados, revelando, pelo menos ab initio, acreditarem não ser devido o respectivo valor, além de outros.

As presunções utilizadas na fiscalização com base exclusivamente no

que considera o fisco seja “comum” no âmbito daquelas empresas – sem qualquer outro elemento fático que viesse corroborá-las – não passam do âmbito tributário. Mesmo que pudessem afastar a boa-fé dos acusados para efeito de imputação de débito e até de multa tributária, jamais poderiam ter o mesmo efeito na seara penal, onde a única presunção que pode viger é aquela decorrente do chamado “estado de inocência”.

Por outro lado, a propositura de ação judicial pode ser levada em conta

como prova da crença dos acusados de que referido valor não era devido. Não estou dizendo que tenham razão no mérito da questão tributária, mas admitindo que, se realmente acreditavam ter razão, então é forçoso concluir que não tinham consciência e vontade de que declaravam uma inverdade perante o fisco, afastando-se dessa forma o elemento subjetivo do tipo do crime de falsidade ideológica.

Ainda no que se refere ao exame do dolo, é preciso deixar claro o

seguinte. Em meu sentir, não se prova o dolo. Como elemento subjetivo, o dolo existe na mente do sujeito, de modo que apenas o próprio agente do crime pode ter certeza quanto à existência do dolo. No processo penal, o juiz pode admiti-lo como existente tão somente a partir dos elementos indicativos fornecidos pela apreciação dos próprios fatos. Trazendo as partes alegações da ocorrência desses fatos, pode o juiz considerar como provados os fatos (ou as alegações de fato) e deles extrair a compreensão de que o agente tenha agido com dolo. Daí que se alguém mata a vítima com dez facadas, provadas a existência e a autoria das lesões, poderá o julgador “entender” que o fato foi praticado dolosamente.

Pois bem. Quando afirmo que nos autos não encontro provas de que os

acusados tenham agido com dolo, não quero dizer que estaria a exigir do MPF a prova do dolo. Na verdade, penso que a compreensão da existência do dolo na conduta dos agentes ficou prejudicada pela coexistência de provas em conflito, umas a afirmar e outras a infirmar a alegação de a conduta teria sido dolosa. Como falei acima, o fato de que a fiscalização foi solicitada pela empresa e a circunstância de que várias irregularidades apontadas pelo fisco decorreram de mera presunção são elementos

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que contradizem a compreensão de que tenham tido consciência e vontade (dolo, portando) de emitir declaração falsa.

Se a existência do dolo é o resultado de uma compreensão lógica após

um exame aprofundado dos fatos provados, não é possível admitir, no caso dos presentes autos, que seja lógico tenham agido os réus com consciência e vontade na declaração ideologicamente falsa a determinado órgão público e mesmo assim viessem a pedir que esse mesmo órgão fiscalizasse a exatidão da declaração emitida.

Por esses motivos, entendo ausente o dolo na conduta dos acusados

quanto ao delito de falsidade ideológica, sendo nessa parte improcedente a pretensão punitiva estatal.

No que diz respeito ao delito de sonegação fiscal previdenciária, registro

inicialmente a mesma observação sobre a necessária existência do elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo, consciência e vontade sobre cada um dos elementos do tipo, especialmente sobre seu núcleo: o verbo que individualiza a ação típica.

Os acusados estão sendo acusados de praticarem dolosamente a

conduta descrita no art. 337-A, incisos II e III, os quais apresentam a seguinte redação:

“Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias”.

O fato típico é praticado mediante a obtenção dolosa do resultado

previsto no caput por meio das condutas descritas nos respectivos incisos. Essas condutas vinculadas traduzem, em síntese, a intenção de minorar a carga tributária através da omissão ou da falsa declaração de informações aos órgãos e agentes encarregados da fiscalização.

Em razão disso, para que a conduta seja típica, o agente terá de ter

dolosamente sonegado informações ou as prestado falsamente para fins de supressão ou redução dos valores a serem recolhidos a título de contribuição previdenciária. A compreensão da existência do dolo dependerá, pois, de uma consciência real sobre a

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omissão de dados necessários ou sobre a falsidade das informações prestadas aos órgãos de fiscalização.

Analisando cuidadosamente as alegações trazidas pelo MPF e os

elementos de prova indicados para a respectiva fundamentação, constato que igualmente não é possível concluir pela prova da materialidade do crime de sonegação fiscal previdenciária.

Primeiro: reitero aqui o que acima já registrei quanto à utilização das

presunções na seara fiscal para fins de responsabilização criminal. Se para a autoridade fazendária lavrar auto de infração e imputar ao réu débitos tributários foi suficiente entender que a empresa deveria ter um vigilante, um auxiliar de escritório, uma secretária etc., apenas porque tais funções normalmente existem nas empresas do ramo, entendo que a conclusão quanto à “sonegação” daí retirada não pode ter qualquer efeito em matéria penal.

Na verdade, a fiscalização não comprovou, em momento algum, que

havia todos esses empregados na empresa e que, embora trabalhassem e recebessem seus salários regularmente, sua existência foi omitida pelos acusados. A fiscalização presumiu-lhes a existência e lhes arbitrou a remuneração, apenas porque, examinando documentos, não encontrou referências a esses supostos funcionários. O relatório da auditoria, no caso, não pode ser admitido como prova, pois nada prova em verdade, apenas trazendo conclusões baseadas em presunções e correlatos arbitramentos.

Observo que na mesma linha foi o procedimento quanto aos

pagamentos de pró-labore e outras remunerações. Tal foi o que ocorreu no ponto em que o douto representante do MPF, em suas alegações finais, apontou (com base no relatório da fiscalização) a omissão de informação sobre a retirada de pró-labore pelo sócio José Martinho, seja em GFIP, seja em folha de pagamento. Ora, o MPF apontou a inexistência dessas informações em folha e em GFIP, mas concluiu pela existência dos pagamentos apenas porque no Livro Razão havia informação do pagamento de pró-labore aos sócios-gerentes: ou seja, mais uma presunção.

Ainda na mesma linha foi a referência feita pelo nobre representante do

MPF sobre a suposta omissão de informação acerca do pagamento da NBR 12721. Concluiu o parquet pela existência do pagamento e pela omissão da respectiva informação apenas porque “outras foram regularmente lançadas”: mais uma presunção contra o réu.

Aqui entendo oportuno registrar que a testemunha indicada pelo MPF,

ou seja, o auditor fiscal que realizou a fiscalização nos documentos da sociedade, afirmou ter desconsiderado a contabilidade da empresa em razão de irregularidades formais que a tornariam, sob a ótica do fisco, imprestável. Daí que a existência de

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pagamentos, sua omissão e os respectivos valores foram sendo sucessivamente objeto de arbitramento, numa cadeia de presunções que, se são admitidas para efeitos tributários, jamais o poderiam ser para fins de responsabilização em sede criminal.

Com base nesses fundamentos, entendo que também com relação à

imputação por crime de sonegação fiscal previdenciária não logrou o culto representante do parquet federal demonstrar a materialidade delitiva, especialmente o preenchimento dos elementos objetivos do tipo constantes dos incisos do art. 337-A, bem como do elemento subjetivo, materializado no dolo. Em razão disso, entendo que não merece acolhida a pretensão punitiva estatal, devendo ser julgada improcedente.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de

Processo Penal brasileiro, julgo improcedente a pretensão punitiva para absolver os acusados ROOSEVELT CAVALCANTE CESAR e FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA VERAS.

Custas ex lege. Transitada em julgado a presente sentença, certifique-se, dê-se baixa na

distribuição e arquivem-se os autos. Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da vara. Registre-

se no sistema informatizado. Intimem-se os acusados e seu defensor. Cientifique-se o Ministério Público Federal.

João Pessoa, 06 de julho de 2009. Juiz Federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Substituto da segunda vara