sentenca - estelionato contra o inss (tentativa) - absolvicao

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DIREITO PENAL. TENTATIVA DE ESTELIONATO CONTRA O INSS (CP, art. 171, §3º c/c art. 14, II). Utilização de documento falsificado. Ausência de prova de que a acusada, pessoa simples e analfabeta, teria participado da realização da fraude e de que teria consciência da falsidade do documento. Ausência de prova que exclua a condição de agricultora. O preenchimento dos requisitos para o benefício previdenciário requerido ao INSS excluiria (a) a incidência em erro por parte do INSS, (b) o proveito ilícito por parte do agente e (c) o prejuízo da suposta vítima. Ausência de prova quanto ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo do estelionato. Improcedência da pretensão punitiva.

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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA

SEGUNDA VARA FEDERAL

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

Processo n. 2005.82.00.005501-0

Ação Penal Pública

Autor: MPF

Ré: JOSEFA MARIA DOS SANTOS

S E N T E N Ç AS E N T E N Ç AS E N T E N Ç AS E N T E N Ç A1111

DIREITO PENAL. DIREITO PENAL. DIREITO PENAL. DIREITO PENAL. TENTATIVA DE TENTATIVA DE TENTATIVA DE TENTATIVA DE ESTELIONATO CONTRA O ESTELIONATO CONTRA O ESTELIONATO CONTRA O ESTELIONATO CONTRA O

INSS (CP, art. 171, §3ºINSS (CP, art. 171, §3ºINSS (CP, art. 171, §3ºINSS (CP, art. 171, §3º c/c art. 14, IIc/c art. 14, IIc/c art. 14, IIc/c art. 14, II).).).). Utilização de

documento falsificado. Ausência de prova de que a

acusada, pessoa simples e analfabeta, teria participado

da realização da fraude e de que teria consciência da

falsidade do documento. Ausência de prova que exclua

a condição de agricultora. O preenchimento dos

requisitos para o benefício previdenciário requerido ao

INSS excluiria (a) a incidência em erro por parte do

INSS, (b) o proveito ilícito por parte do agente e (c) o

prejuízo da suposta vítima. Ausência de prova quanto

ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo do

estelionato. Improcedência da pretensão punitiva.

RELATÓRIORELATÓRIORELATÓRIORELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra JOSEFA MARIA DOS SANTOS, já

devidamente qualificada, dando-a a peça denunciativa como incursa no art. 171,

§3º, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal brasileiro.

Segundo a denúncia (f. 03-6), JOSEFA MARIA DOS SANTOS

providenciou documento falso (ficha de associado do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Ingá/PB) para comprovação de tempo de trabalho na

atividade rural e a condição de segurado especial perante o INSS para,

posteriormente, obter a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria

por idade rural. Ciente de que não preencheria os requisitos para a obtenção do

benefício, a acusada teria utilizado meio fraudulento para a obtenção do

benefício, fazendo incidir em erro o INSS. O crime não teria sido consumado por

circunstâncias alheias à sua vontade.

1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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O MPF afirma que o documento que aparece a f. 251 (IPL) teria sido

falsificado, conforme consta do Laudo de Exame Documentoscópico (f. 250/4 –

IPL). A falsidade teria consistido na alteração da data de início da atividade rural

e no acréscimo dos nomes de Severino Alves Pessoa e da Fazenda São Jorge.

Além disso, os documentos apresentados pela acusada em ação judicial para a

obtenção do benefício e declarações suas foram contraditórias com relação aos

períodos e lugares trabalhados.

Fora requerido o depoimento de três testemunhas.

Denúncia recebida em 10/10/2008 (f. 08).

Citada (f. 24), a acusada deixou transcorrer o prazo para defesa (f.

27), motivo pelo qual designei-lhe uma defensora dativa (f. 28), que apresentou

defesa (f. 25-7), alegando, em síntese, que a acusada não poderia ter praticado o

fato narrado da denúncia, vez que, além de ser analfabeta, sempre trabalhou na

atividade rural, com exceção de um período em que trabalhara como empregada

doméstica na cidade do Rio de Janeiro. Pediu, assim, a improcedência da

pretensão punitiva.

Inquirição da testemunha OSCAR MENDONÇA DE ARAÚJO (f. 68-9).

Inquirição da testemunha SEVERINO ALVES PESSOA (f. 88). Inquirição da

testemunha MARIA MARTA COELHO VIEIRA DE MELO (f. 105).

Interrogatório da acusada JOSEFA MARIA DOS SANTOS (f. 106).

As partes não requereram diligências (f. 109).

Em alegações finais, o MPF (f. 113-9) sustentou ter ficado

comprovada a imputação delitiva, pedindo a condenação da ré. A defesa (f. 138-

41), de sua parte, sustentou que a acusada, pessoa simples e analfabeta, dirigiu-

se ao Sindicato para a adoção de providências legítimas para a obtenção de seu

benefício, em momento algum tendo agido com má-fé. Salientou ainda a defesa

que não há nos autos prova suficiente para a condenação, pedindo assim a

absolvição da acusada.

Autos conclusos para julgamento.

É O BREVE RELATÓRIO.

DECIDO.DECIDO.DECIDO.DECIDO.

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FUNFUNFUNFUNDAMENTAÇÃODAMENTAÇÃODAMENTAÇÃODAMENTAÇÃO

Não havendo preliminares ou prejudiciais a resolver, passo ao

exame do mérito da causa.

O MPF denunciou a acusada JOSEFA MARIA DOS SANTOS pela

suposta conduta de haver falsificado uma ficha de sindicato rural da cidade de

Ingá/PB para a obtenção de um benefício de aposentadoria como segurada

especial, o que não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade da agente. Sua

conduta teria se enquadrado no tipo do art. 171, §3º, c/c o art. 14, II, ambos do

Código Penal.

Consta do inquérito policial LAUDO DE EXAME DOCUMENTOSCÓPICO

(ALTERAÇÃO DOCUMENTAL), tendo-se apurado em tal exame que a ficha de

associado da acusada, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ingá/PB, teria

sido objeto de rasura (a troca do datilotipo “2” pelo datilotipo “6” onde consta o

ano de início da atividade rural como sendo 1996) e de acréscimo (precisamente

as expressões “O SR SEVERINO ALVES PESSOA” e “FAZ. SÃO JORGE”).

Quanto à prova testemunhal, observei o seguinte:

A testemunha OSCAR MENDONÇA DE ARAÚJO afirmou ter

conhecimento de que a acusada havia trabalhado como agricultora (em suas

palavras, a acusada “botou roçado”) em terras de propriedade do depoente por

dois anos, entre 1990 e 1992. Sua propriedade rural tem o nome de Sítio

Redenção. Registrou ainda que a acusada pediu ao depoente o documento

referente à terra e, como ela havia realmente trabalhado ali, seu pedido foi

atendido. Por fim, disse que não teve conhecimento de quaisquer fraudes da

acusada para obtenção de benefício previdenciário.

A testemunha SEVERINO ALVES PESSOA afirmou que é proprietária

da Fazenda São Jorge, também conhecida como Camaleões, e que a acusada ali

trabalhou há dezessete pelo período de dois anos apenas, não cinco, nem dez

anos. Disse não conhecer Oscar Mendonça de Araújo, nem ter ouvido falar no

Sítio Redenção.

A testemunha MARIA MARTA COELHO VIEIRA DE MELO afirmou ser

perita da policia federal, tendo elaborado e assinado o laudo documentoscópico

que instrui os autos do inquérito policial federal anexo ao presente feito. Afirmou

que a perícia incidiu sobre uma ficha do Sindicato de Trabalhadores Rurais de

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Ingá/PB, tendo constatado que referido documento apresentava rasura, com

raspagem de datilotipo e sobreposição da escrita. Além disso, a julgar pela falta

de alinhamento da escrita, teria havido acréscimo de informações em momento

anterior, precisamente com relação à Fazenda São Jorge. Por fim, disse a

testemunha que constataram, pelos processos técnicos de exame, que a

modificação teria sido do número 2 (dois) para o número 6 (seis) quanto ao ano

de início da atividade rural (1996).

Finalmente, em seu interrogatório, a acusada JOSEFA MARIA DOS

SANTOS negou a acusação. Disse que quando quis se aposentar, dirigiu-se ao

Sindicato para adotar as providências e o Sindicato passou a exigir vários

documentos, pedindo que a interrogada lhes trouxesse “vários papéis”, sendo

que a secretária, filha do ex-presidente do Sindicato (“Seu Biuzinho”), foi a

pessoa que organizou todos os documentos. Afirmou que não sabe ler nem

escrever, nunca tendo estudado, aprendendo apenas a rabiscar o próprio nome.

Salientou que sempre trabalhou no roçado. Embora não tenha se recordado de

quanto tempo fazia que era sindicalizada, afirmou que já fazia nove anos que

começara a pagar as contribuições para o Sindicato, todos os meses, no valor

inicial de dois ou três reais, tendo sido posteriormente aumentado para cinco

reais. Esclareceu que recebe uma pensão por morte de um companheiro que

teve quando viveu na cidade do Rio de Janeiro, que trabalhava como porteiro de

um prédio.

Aos esclarecimentos solicitados pelo MPF, afirmou que pegou os

papéis no Sindicato e foi pedir as assinaturas aos proprietários com os

documentos já preenchidos no Sindicato. Os proprietários que procurou para

assinar as declarações foram Oscar Mendonça (Juarez Távora/PB) e Severino

Inácio Pessoa (Ingá/PB), tendo levado os documentos já preenchidos, os quais

foram assinados. Após isso, devolveu os documentos ao sindicato para dar

entrada no pedido de aposentadoria, sendo que apenas um outro dia voltou ao

Sindicato para pegar o conjunto de documentos que levou ao INSS. Não viu

rasura no documento porque não sabe ler, nunca tendo estudado. Trabalhou

cinco anos nas propriedades de cada uma das pessoas acima apontadas, entre

1991 e 2001. Aos esclarecimentos solicitados pela defesa, afirmou que não pediu

à filha do ex-presidente do sindicato que colocasse qualquer data em seu

documento de filiação, tendo simplesmente ido ao Sindicato para pegar seus

documentos.

O que primeiro me chamou a atenção com relação à alegada

falsificação da ficha de associado da acusada foi a troca dos datilotipos, tal como

consta do laudo e como afirmado pela testemunha que atuou na realização do

exame pericial. Como marco inicial da prestação do trabalho rural constaria o

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ano de 1992 e a acusada – segundo sustenta o MPF – teria “falsificado” o

documento para dele fazer constar o ano de 1996, reduzindo de nove para cinco

anos seu tempo de trabalho rural. Ainda assim, essa “falsificação” teria sido

praticada para fins de obtenção de um benefício previdenciário, de modo a

conferir à ré um tempo de trabalho rural que ela não teria.

Ora, parece-me não fazer o menor sentido em se falsificar um

documento para reduzir o tempo de trabalho rural e utilizar esse mesmo

documento para a obtenção de um benefício previdenciário de aposentadoria

como segurada especial. Se era intenção utilizar o documento para facilitar-lhe a

prova do preenchimento dos requisitos, lógico seria que se aumentasse o tempo

de serviço, não que se o reduzisse.

Também não me parece crível que tenha exatamente a acusada –

pessoa cuja simplicidade e condição de analfabeta fora facilmente constatada

pelo contato pessoal em audiência (vide interrogatório gravado em meio

audiovisual), aspecto corroborado por todos os elementos de prova que contaram

com a participação direta da acusada, seja no curso do processo, seja antes, na

apuração inquisitorial – tenha sido a responsável pela idealização e execução da

fraude descrita pelo órgão do Ministério Público.

A acusada afirmou que, quando completou a idade para se

aposentar, dirigiu-se ao Sindicato de Trabalhadores Rurais para procurar seus direitos. Disse ainda que o Sindicato lhe determinou procurar a papelada necessária, bem como colher as assinaturas nas declarações de atividade rural.

Trata-se de um procedimento bastante comum em se tratando de segurados especiais, com bem revela a atuação judicial à frente dos juizados especiais federais no Estado da Paraíba. Finalmente, disse a acusada que entregou os papéis por si colhidos ao Sindicato e, um ou mais dias depois, lá voltou para

pegá-los já organizados, prontos para serem protocolizados com um

requerimento de aposentadoria.

Contudo, o documento alegadamente falsificado não é daqueles que são colhidos, completados, preenchidos ou elaborados pela acusada.

Seu preenchimento, em verdade, é feito pelo Sindicato, através de

funcionários seus. Sem embargo disso, o MPF acusa justamente aquela que,

dizendo-se agricultora e revelando-se analfabeta, utilizou o documento perante o

INSS e, posteriormente, perante o próprio poder judiciário para, segundo afirmou,

procurar seus direitos.

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A acusada afirma que sempre trabalhou na agricultura, com exceção

de um período em que trabalhou como empregada doméstica no Rio de Janeiro.

Corrobora sua afirmação ao dizer que recebe uma pensão por morte de um

salário mínimo de um companheiro com quem morou no Rio de Janeiro. Os

depoimentos das duas primeiras testemunhas ouvidas a requerimento do MPF,

OSCAR MENDONÇA e SEVERINO PESSOA, corroboraram a afirmação da acusada

de que teria efetivamente trabalhado na agricultura.

A fraude utilizada para enganar o INSS teria que incidir, portanto,

sobre o tempo da prestação do serviço, de modo a aumentá-lo para preencher o período de carência exigido pela Lei n. 8213/91. Ocorre que, como vimos acima,

a “falsidade” consistiu em uma rasura e um acréscimo: a rasura reduziu o tempo de trabalho agrícola e o acréscimo simplesmente registrou o local de prestação

do trabalho agrícola.

Diante de tudo isso, penso que não haja realmente prova nos autos

suficientes para fundamentar uma sentença condenatória, pois não vejo como

acreditar que justamente a acusada tenha praticado a fraude descrita pelo MPF,

tenha idealizado a prática criminosa ou tenha dela participado de forma

consciente.

Fico a me perguntar se, malgrado suas declarações no sentido de

que não sabia ler ou escrever, de que fora ao Sindicato procurar seus direitos, de

que o Sindicato lhe determinara juntar os documentos e de que o próprio

Sindicato teria preparado esses documentos, por que não acreditar que teria sido

exatamente do Sindicato (por meio de algum de seus servidores) a autoria da

fraude que ora se imputa à acusada? Considerando o acervo probatório existente

nos autos, penso que isso sim seria crível, não o contrário.

A autoria do crime, portanto, não encontra provas suficientes para

embasar um julgamento de procedência do pedido com a condenação da ré.

Mas não é só. A própria alegação de estar comprovada a

materialidade do crime não está livre de reparo.

Na ação penal n. 2007.82.00.6496-1 (MPF v. JUBERLÂNDIA FARIAS DA SILVA), dizia o MPF que a acusada teria praticado estelionato contra o INSS

por haver empregado fraude na obtenção indevida de um benefício de salário-

maternidade. Por entender que fora demonstrada nos autos do processo criminal

a condição de agricultora da ré, julguei improcedente a pretensão punitiva em decisão assim ementada:

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DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS (CP, art. 171, DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS (CP, art. 171, DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS (CP, art. 171, DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS (CP, art. 171,

§3º).§3º).§3º).§3º). Utilização de documentos falsos. Não configuração.

Demonstrada na instrução a condição de agricultora da

acusada, o documento que registre essa condição, por

registrar a verdade, não pode ser considerado como

ideologicamente falso. A comprovação do preenchimento dos

requisitos para o benefício previdenciário requerido (salário

maternidade) exclui (a) a incidência em erro por parte do

INSS, (b) o proveito ilícito por parte do agente e (c) o prejuízo

da suposta vítima. Provada a inexistência do fato criminoso.

Julgamento de improcedência da pretensão punitiva.

Absolvição.

Para descrever a linha de raciocínio utilizada no embasamento das

conclusões dessa decisão, transcrevo abaixo uma passagem da respectiva

fundamentação, que entendo adequada ao caso em julgamento:

Já no que concerne ao outro documento supostamente

falso – a ficha de aluno – penso que siga na mesma linha.

Partindo-se do pressuposto de que a acusada é trabalhadora

da agricultura e que utilizou o documento para comprovar

essa condição perante o INSS a fim de obter um benefício a si

devido justamente em função da condição de agricultora (os

outros requisitos não foram questionados), pergunto:

a) Onde estaria o “erro” em que teria incidido o INSS e

que configuraria o estelionato, uma vez que a autora era

realmente agricultora, como dizia o documento?

b) Se o benefício de salário maternidade era realmente

devido à autora, onde estaria o proveito ilícito auferido pelo

agente, e que configuraria o estelionato?

c) Finalmente, se era o INSS quem deveria

legitimamente pagar dito benefício à acusada, onde estaria o

prejuízo, também configurador do delito de estelionato?

Essas questões me conduzem à conclusão de que crime

algum houve nesse caso, tendo sido efetivamente

demonstrada a partir da instrução processual penal a

ausência do próprio fato criminoso alegado na denúncia.

Tendo ficado provada a condição de agricultora da acusada,

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nem se pode afirmar que ela “enganou” o INSS, nem que

auferiu proveito “indevido” e muito menos que causou

“prejuízo” aos cofres públicos.

Em suma, não estão presentes as elementares do fato

típico definido no art. 171, §3º, do Código Penal brasileiro, o

que enseja, nos termos do art. 386, I, do Código de Processo

Penal, o julgamento de improcedência do pedido com a

absolvição da acusada.

O crime de estelionato depende não apenas da realização de uma

fraude, considerada essa como a prática de uma falsidade. O estelionato

depende da conduta de se fazer a vítima incidir em erro, sofrendo um prejuízo em razão desse erro que corresponda a um proveito indevido por parte do autor.

No caso dos autos, penso não ter ficado devidamente provado que a alegada fraude – e não estou dizendo acreditar que tenha sido praticada pela

acusada – teria feito o INSS incidir em erro, pois não acredito que tenha sido completamente afastada a condição de agricultora da acusada. Se concedido o benefício, penso também que poderia não ter havido proveito indevido por parte da acusada, exatamente porque, uma vez comprovada sua condição de

agricultora (e sendo verdadeira essa condição), teria sido justa a concessão.

Em suma, não estariam preenchidos os elementos do crime do

estelionato, e não se poderia pretender a punição da acusada pelo crime de

falso, mesmo que se admitisse como sendo sua a autoria. Simples: uma vez que

o suposto falso teria sido praticado exclusivamente para a obtenção do benefício,

exaurindo seu potencial socialmente lesivo nesse pretenso estelionato, ficaria por

ele absorvido, aplicando-se aqui o princípio da consunção, e precisamente o

enunciado n. 17 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Por todos esses fundamentos, entendendo não haver prova plena da

autoria e da materialidade que embasem uma sentença condenatória, é de se

julgar improcedente a pretensão punitiva estatal.

DISPOSITIVODISPOSITIVODISPOSITIVODISPOSITIVO

Diante do exposto, com fundamento no art. 386, VII, do Código de

Processo Penal, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva para absolver a

acusada JOSEFA MARIA DOS SANTOS.

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Custas “ex lege”.

Transitada em julgado a presente sentença, certifique-se, preencha-

se e remeta-se o boletim individual da acusada ao IBGE, dê-se baixa da

distribuição e arquivem-se os autos.

Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da vara.

Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se a acusada e seu defensor.

Cientifique-se o MPF.

João Pessoa, 10 de maio de 2010.

Juiz federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU

Substituto da segunda vara federal (SJPB)