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Os mistérios do Santuário de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Teúrgica Portuguesa 1 OS MISTÉRIOS DO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE MUA HUGO MARTINS COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA

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OS MISTÉRIOS DO SANTUÁRIODE NOSSA SENHORA DE MUA por Hugo Martins

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  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    OS MISTRIOS DO SANTURIO DE NOSSA SENHORA DE MUA

    HUGO MARTINS

    COMUNIDADE TERGICA PORTUGUESA

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    OS MISTRIOS DO SANTURIO

    DE NOSSA SENHORA DE MUA

    Hugo Martins

    Maio, 2013

    Ver o outro sentido alm do aparente

    Se o Todo, a Unidade, repercute e reflecte no Tudo, a Multiplicidade, e vice-versa,

    tambm aqui no Sado vizinho do Tejo a geografia sagrada europeia parece sintetizar-se nos

    contornos do semblante esquissado pela Serra da Arrbida, relembrando a todos que Portugal

    afinal o rosto da cabea do continente inteiro.

    A Europa, herdeira da Cultura Helnica sua progenitora e matriz ou pai e me, vem a

    revelar-se corpo hermafrodita (macho-fmea) pelas suas duas facetas ou vertentes Jnica e

    Drica, ou seja, Joseph, beleza, perfeio (Justus et Perfectus), e Devek, unio (Um por Todos e Todos por Um), podendo ainda interpretar-se as iniciais D. J. como Dever e Justia

    atributos do Deus Jpiter, que atravs do signo de Peixes rege Portugal e pelo do Sagitrio

    Pennsula Ibrica. Tanto assim que as diversas expresses culturais advindas da Grcia,

    individual e colectivamente, imortalizaram os seus nomes atravs da msica, da arquitectura e da

    filosofia. Respigando nesta ltima, destacamos o pensamento mais teosfico que filosfico de

    Plutarco (in De sis e Osris) ao afirmar a relao entre os Astros e o Corpo Fsico, Psicomental e

    Espiritual do Homem: A Terra deu o Corpo (Soma), a Lua a Alma (Psike), e o Sol o Esprito (Nous). Por isso, todo o homem justo e consciente destas coisas , ao mesmo tempo, durante a

    sua vida fsica um habitante da Terra, da Lua e do Sol. O que por sua vez tambm vale na sua funo parietal, como o Pai (Sol), a Me (Lua) e o Filho (Terra).

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    Assim, compreende-se como na Antiguidade e na Actualidade as diversas religies e

    movimentos filosficos-espirituais sempre estabeleceram uma ntima relao entre esses dois

    astros danantes do cu, Sol e Lua, medindo, observando, cogitando ou reflectindo e finalmente cultuando-os como Pai e Me da Vida e dos Seres em todas as partes do planeta.

    Desta maneira, o Cu plasmado na Terra torna todo o espao uno e, pela concentrao cultual

    predeterminada, sagrado. Os finisterrae peninsulares desde os alvores da civilizao foram

    eleitos lugares sagrados como pontos finais do mundo conhecido e umbrais do mundo

    desconhecido, vulgo mar dos mortos, sobretudo os promontrios e cabos no extremo-ocidente peninsular, onde estabeleceram-se os mais famosos e uniformes cultos lunares e solares,

    consequentemente, lunissolares na sua funo dupla tornada homognea ou andrgina na

    vivncia e consciencializao.

    O Mapa de Portugal Deitado (1561) de Fernando lvaro Seco,

    o mais antigo nacional cartografado indicando os Cabos Espichel e da Roca

    exactamente sob essa premissa que analisaremos esse culto dplice mas homogneo,

    comeando na Serra de Sintra marcada pela Lua e o seu Cabo da Roca, e terminando na Serra da

    Arrbida assinalada pelo Sol, mais propriamente em Sesimbra, no Cabo Espichel, no Santurio

    da Nossa Senhora de Mua, como pontos ou plos opostos mas complementares de interesse

    religiosidade e cultura ancestrais humana, com isso at hoje sendo alfobres de tradies,

    costumes e, sobretudo, mistrios que sempre atraram os povos ao Fim do Mundo (Finisterrae) e levaram os mais ilustres dos mesmos a dispor a cabea da Europa como lugar de abastana

    terrena, felicidade dos corpos e das almas e de presena divina. Sigamos viagem!

    O SOL E A LUA DE SINTRA ARRBIDA

    A humidade do microclima que alimenta a flora envolvente de Sintra e a transforma

    numa floresta encantada, acaba induzindo um abrao hermtico natureza interior do homem que caminha, peregrina pelos trilhos sintrianos volvido sobre si mesmo em solilquio notico,

    divino, assim intuitivamente como pura inteligncia espiritual encaminha-o, numa argtica

    natural e silenciosa, verdadeira Fala dos Pssaros, ao ventre fecundo da Me Primordial, a Me-

    Terra (Mater-Rhea), logo, sua condio pr-existencial, o Mundo Causal, e assim lavado,

    purificado pelas guas do Pardes ou Paraso Terreal, as akshicas ou etricas, renasce

    novamente para a vida dotado de uma nova e mais ampla luz da Conscincia. o Dwija, o duas vezes nascido, pelo Corpo e pela Iniciao ou Esprito: de simples filho de Mulher (Vida)

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    fez-se tambm Filho de Homem (Conscincia). A partitura projecta-se em todo o imvel e mvel presentes nesta serra de foro espiritual por declarar as presenas e vivncias dos povos

    com as suas culturas e tradies de tempos e pocas diversos que a habitaram e espiritualmente a

    tomaram, e assim a todas as sinergias particulares que a geografia sagrada desenha na tela

    paisagstica de Sintra, tornando a simbitica entre homem e serra um dinamismo constante e

    vivo, independente das vontades e credos de cada um. Portanto, considera-se Sintra como Serra

    Me da Espiritualidade Portuguesa e a prpria Capital Espiritual da Europa toda como xis-

    Mundi da mesma, Centro Vital ou Chakra Planetrio nico no continente cujas energias marcam

    o biorritmo nacional e cujo fim supremo levar redeno e integrao de todo o homem, tal

    como todo o homem deve respeitar e se possvel integrar a noo de que est pisando cho sagrado, como disse o Eterno a Moiss no Monte Sinai, mas aqui a Montanha Sagrada dos Lusos. neste sentido que consideramos as iniciais do nome S.I.N.T.R.A. como as de Servio

    Intenso No Trabalho de Redeno da Alma.

    Sintra sempre foi descrita como Serra ou Monte da Lua, como atesta o testemunho de Damio de Gis na sua Descrio da Cidade de Lisboa (vora, 1554): sob a orientao e auspcios de Bartolomeu Dias, portugus de lei e grande conhecedor da arte nutica, descobriram

    a extremidade contgua quela parte do continente [Etipia] a qual se estende, em linha recta, at

    ao Monte da Lua (pgina 17). Nisso verificamos como Sintra era tomada como ponto de referncia geogrfico, no esquecendo o seu aspecto espiritual sobretudo de demanda, posto ter

    sido para a Etipia que se orientou a empresa martima para encontrar o famoso Preste Joo da

    Abissnia e das ndias ao qual o prprio Damio Gis dedicou duas obras: em 1532, a Legatio

    magni indorum imperatoris presbyteri Joannis ad Emmanuelem Lusitaniae regem (A

    Embaixada do Grande Imperador das ndias Presbtero Joo a Emmanuel Rei da Lusitnia), e

    em 1540 a Fides, religio, moresque Aethiopum sub imperium Preciosi Joannis (F, religio e

    costumes da Etipia no Imprio do Precioso Joo), ambas dirigidas ao Papa Paulo III. No

    entanto, Damio de Gis no seria o primeiro, pois j no sculo VI a. C., segundo Schlten, o

    promontrio do Cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa e terminao da aresta

    montanhosa de Sintra, chamava-se, no priplo marselhs utilizado pelo gegrafo Rufo Festo

    Avieno em sua Ora Martima (Orla Martima, obra escrita no sculo IV da era crist), Promontrio de Ofisa, esta ltima palavra significando serpente, portanto, Promontrio da Serpente. Ptolomeu denomina-a Serra da Lua e ao seu extremo cabo-mar Promontrio da Lua, Cabo da Lua ou Capum Lunarum.

    Sendo a Serra de Sintra o Monte da Lua como planeta de natureza feminina, desde a mais longnqua noite dos tempos que ela est directamente relacionada ao culto da Deusa-Me, o

    que na geografia sagrada torna-a emblemtica do Eterno Feminino, consequentemente, associada

    fecundidade e fertilidade materna, facto comprovado, por exemplo, nos lnulos, objectos

    arqueolgicos do tipo iconolgico em formato de chifre ou cornucpia com insculturas da Lua

    descobertos nesta serra, que retratam deuses(as) dos cultos lunares pr-histricos aqui

    celebrados, prova cabal da tradio recuar mais alta antiguidade. Tambm sobre o culto lunar

    ou matrirtico, tem-se nesta serra a presena de Eufmia, santa crist mas de origem morabe,

    parecendo andar associada pessoa da primitiva Deusa-Me celtbera Cynthia, em cuja capela

    no alto da serra est ao lado de Nossa Senhora do (a mesma Deusa Primordial), esta que

    tambm tinha a sua imagem (hoje desaparecida) numa capela no bosque da Quinta da Trindade,

    mas nesta de Eufmia at hoje presente como Boa Fmea (Eu+Fmea) ou Mulher representada

    nas suas boas guas, miraculosas ou santas brotando do seio da serra e que curam os enfermos de

    corpos chagados, purgando-os dos males do corpo e da alma. Onde hoje est a capela de Santa Eufmia da Serra de Sintra houve outrora um templo de vestais consagradas deusa Lua que

    tambm era rainha dos Infernos, nferos, Inferiores ou Interiores Lugares. Depois, para as bandas

    de So Saturnino de Sintra, por sobre o Cabo da Roca, os greco-romanos elevariam um outro

    templo, desta feita consagrado a Cronos ou Saturno e a Hcate, deuses do Mundo Subterrneo.

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    Lnulos encontrados na Serra de Sintra

    Na tutela do carcter lunar que psiquicamente vaza-se na hodierna lunolatria, de natureza

    passiva e regressiva em termos evolucionais, no podemos discriminar o sentido ctnico ou

    subterrneo definidor de vrios pontos assinalados na Serra Sagrada onde se celebraram os

    primitivos Mistrios da Morte/Ressurreio que tiveram como smbolo emblemtico a

    tradicional serpente, uma das razes para Avicena (Bukhara, Prsia, 980 Hamadan, Iro, 1037) designar o Cabo da Roca como Promontrio de Ofissa (Serpente) e a existncia, na lenda de fundao de Lisboa, da deusa Ofissa, representativa da Lua, contraindo consrcio amoroso com

    o argonauta Ulisses, representativo do Sol. A serra oca, como tambm conhecida, estende-se subterraneamente Serra de Montejunto, entrando o mar por dentro desta.

    No prprio centro histrico da vila de Sintra muitos dos seus subterrneos ainda se

    mantm passveis de visita, nomeadamente na cave do actual Caf Paris onde uma galeria

    subterrnea leva ao Palcio Real vizinho e chega a subir at ao Castelo dos Mouros, passagens

    que foram dadas a conhecer pela primeira vez em 1834 na obra Cintra Pinturesca, do Visconde

    de Juromenha, e comprovadas e divulgadas ao pblico pelo espelelogo Augusto Morgado em

    notcia publicada publicao no jornal poca, de 12 de Agosto de 1972. Os tneis e outras

    grandes galerias foram construdos, ao que se diz, pelos mouros e pelos templrios h cerca de

    oito sculos, posto os monges-cavaleiros da Ordem do Templo terem estado acantonados no

    lugar das Murtas e sido os primeiros a reformar o primitivo alccer rabe dando-lhe feio

    ocidental, romnica originalmente (sculo XII), e depois gtica j pela mo da Ordem de Cristo

    (sculo XIV). Sustenta-se a lenda do misterioso desaparecimento dos mouros aquando da

    invaso e tomada de Sintra pelas foras crists, afirmando-se que eles fugiram subterraneamente

    por um tnel at Rio de Mouro. A verdade que o Rio de Mouro (antes, Rio dos Mouros) existe,

    e o tnel ou gruta tambm, precisamente em Colaride, no limite Este do Cacm e que antanho

    pertencia freguesia do Algueiro Rio de Mouro, denominada como Gruta dos Mouros, Fojo dos Mouros e Algar dos Mouros. Ainda na vila de Sintra, tem-se o conjunto de galerias

    subterrneas ocultadas nas traseiras do edifcio oitocentista do Caf da Av, defronte para o

    palcio antigo pao real.

    No cimo da serra, por debaixo do Castelo dos Mouros h uma imensa gruta natural que

    est vedada por uma porta de ferro, e por motivos que s a lenda explica a vox populi afirma que

    constitui uma das portas de entrada no Paraso Terreal, a mtica Agharta, que em 1888 a viajante

    russa Helena Petrovna Blavatsky divulgou e posteriormente tambm foi descrita pelo escritor

    francs Saint-Yves dAlveydre. Mergulhando na natureza ventral, ntima de Sintra, as galerias do

    seu interior afloradas superfcie tomam formas esquivas, contornos sibilinos trescalando a

    segredo e secreto, por exemplo, no Parque da Pena, onde esto identificadas nos recantos mais

    discretos, quase secretos, vrias anfractuosidades como a Gruta do Fada, a Gruta da Serpente, a Gruta do Monge e a Gruta da Princesa, dentre outras. Todas elas vm a ser

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    despidas de qualquer mistrio transcendente por sua associao a comuns minas de guas, apesar

    de maioria nada ter de minas de gua e tampouco de extraco de saibro; contudo e a despeito da

    razo profana eterna temerosa do desconhecido que o entendimento inicitico, na perspectiva

    deste tais lugares subterrneos so entendidos como referenciais geogrficos de sacralidade

    ocultada por consequente espiritualidade profunda, inerente tanto intimidade humana como

    da prpria Serra Sagrada que a foi e por a Mstica ter nela imprio como nota dominante.

    Exemplo disso mesmo foi o caso do misterioso frei Honrio, que segundo os registos e data de

    morte apurados, viveu numa gruta dentro da cerca do Convento dos Capuchos, em recluso

    absoluta durante 30 anos, e aps a sua morte o seu corpo desapareceu e nunca mais foi

    encontrado, at hoje desconhecendo-se o paradeiro das suas ossadas.

    Muitos mais locais subterrneos constitudos de tneis, galerias, etc., e todos envoltos em

    histrias inquietantes que mal assombram ou perturbam a monotonia diria das gentes comuns,

    existem no Parque da Pena e noutros recantos da serra, contudo no iremos desenvolv-los neste

    estudo por serem to extensos como o assunto. Temos s ainda a apontar o magnfico imvel,

    junto a Seteais, da Quinta da Regaleira, que pertenceu ao Dr. Antnio Augusto Carvalho

    Monteiro e actualmente propriedade da Cmara Municipal de Sintra, onde foi fundida sob a

    sua construo original um complexo de enormes galerias subterrneas ligadas por vrios tneis

    a uma torre invertida, com escadaria espiralada que prolonga-se a cerca de 30 metros de

    profundidade por 6 de largura.

    Torre subterrnea da Quinta da Regaleira, Sintra

    No sentido oposto ao lunar impreterivelmente tem-se o sentido solar, que na geografia

    sagrada congemina-se perfeitamente com a plenitude luminosa e quente que adentra e define a

    identidade natural da Serra da Arrbida. Ora nesta e na temtica em questo, Nossa Senhora da

    Pedra de Mua, irrevogavelmente temos que direccionar o nosso estudo para o Cabo Espichel.

    Toponimicamente, esse nome termina na raiz El com que hebreus designam Deus assinalado no

    astro-rei, o Sol, e que o processo de cristianizao das primitivas culturas religiosas possuidoras

    de um ou vrios deuses solares haveria de substituir por um Ente sntese da todas as divindades

    antigas de natureza igualmente solar: o Arcanjo Mirrail, Mikael ou Miguel.

    Em diversos pontos da Europa celta a campanha de cristianizao levou a que Mikael

    substitusse o velhinho deus Lug, gerado da deusa Dana ou Danu e de Bel ou Belenos, apodado

    de o Luminoso e considerado a encarnao do prprio Esprito do Sol na Terra, motivo porque foi a divindade mais importante do panteo lgure, celta e celtibero. Segundo Juan Atienza, Lug

    tambm haveria de ser associado ao santo mrtir Loureno, e o seu martrio na grelha

    incandescente viria a retratar o estado de Chrestus ou Arhat [de Fogo] a fim 4. Iniciao Real

    que na vida de Cristo equivale Crucificao mas tambm ao entrosamento da Energia Celeste

    vertical (Fohat) com o Fogo Terrestre horizontal (Kundalini) formando uma cruzeta flogstica ou

    Pramantha, e assim que Loureno tambm ficou associado ao Sol na triplicidade da sua

    manifestao sacrificial como Luz, Calor e Chama.

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    Lug, Lugcitnia, Luxcitnia, Lusitnia, Lugar de Luz mas tambm de Lug, a Alma do Sol, eis a a origem etimolgica dos antepassados dos portugueses, os lusitanos. O culto de Lug normalmente ocorria em lugares elevados, enquanto o da sua consorte, Lusina, nos vales e

    plancies, facto que ainda hoje se atesta sobretudo na toponmia dos bairros antigos de Lisboa,

    como Chelas e Carnide (termo derivado da raiz celta car, pedra, e que ficaria associada imagem de Nossa Senhora da Luz que na gruta da Machada fez brotar uma fonte miraculosa), na

    freguesia da Luz. Mas tambm na margem sul do Tejo confirma-se a presena cultual muito

    antiga de So Loureno, tanto em Alhos Vedros (que na Idade Mdia era o principal centro

    socioeconmico da margem sul, chegando a possuir um pao para o rei D. Joo I, e recebido de

    D. Manuel I o posterior Foral Novo de 15.12.1514, tornando-se sede deste primitivo concelho de

    Santa Maria de Sabia (Alcochete, Aldeia Galega, Samouco e Sarilhos, abarcando os territrios

    dos actuais concelhos do Barreiro e da Moita) e que hoje o concelho de So Loureno de Alhos

    Vedros ou Verdes, que durante largos sculos pertenceu ao Mestrado da Ordem de Santiago com sede em Palmela) como na Vila Nogueira de Azeito, com a sua igreja de So Loureno, de

    origem medieval e que esteve sob a proteco directa dos duques de Aveiro, alis, poderosa

    famlia argentria principal promotora e financiadora do convento dos franciscanos capuchos da

    Serra da Arrbida, bem como a mantenedora da ermida da Memria, no Cabo de Espichel,

    fundada pelo Santo Condestvel Nuno lvares Pereira no sculo XIV que a doou Ordem do

    Carmelo, de que era irmo leigo antes de professar votos na mesma.

    So Loureno de Vila Nogueira de Azeito

    Tal como Miguel tambm Lug se confundia com a Luz de seu Pai, Bel. A esta Divindade

    Suprema dos celtas eram encaminhadas as almas dos defuntos para que se absorvessem Nela e

    gozassem da Paz eterna, e se antanho eram conduzidas post-mortem por Lug, hoje as so por

    Miguel, ambos deuses psicopompos, ou seja, intermedirios entre o mundo dos vivos e o oceano

    dos mortos. Tal panorama -nos dado pelo Cabo Espichel, onde o Sol se pe e o mundo termina

    para comear o mar incgnito. A prprio etimlogo Espichel remete-nos para o aspecto solar ou

    defico da raiz hebraica El, como afirma Jos Pedro Machado no seu Dicionrio Onomstico-

    Etimolgico da Lngua Portuguesa, mas avanando a hiptese de Espichel ser um diminutivo

    morabe, que acabando em el deriva de espicho, sugerido pela forma do Cabo. Note-se que a palavra espicho tem, dentre outras, as acepes de orifcio aberto no tampo do barril ou tonel e pedao de madeira aguado com que se veda esse buraco, sendo-lhe ainda atribuda a variante espanhola espiche, instrumento pontiagudo. Portanto, o nome deste cabo mar do litoral

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    portugus (coordenadas geogrficas: 3825N 0911W; rea: 3.415 hectares; altitude: 0-175 m) origina-se na adopo e aplicao do termo espicho ou espiche, por tomar forma terminal

    aguada penetrando o mar. Acrescente-se que a terminao el de muitos topnimos no Centro e

    Sul de Portugal (Portel, Pinhel, Alportel, Beringel) parece corresponder etimologicamente ao

    sufixo diminutivo latino ellus, que em palavras de tradio galaico-portuguesa aparecem como

    elo (portelo, castelo, cutelo, capelo, etc. Cf. Dicionrio Houaiss, do lexiclogo brasileiro Antnio Houaiss, Rio de Janeiro, 2001). Portanto, concluiu-se que espicho indica a forma bicuda, e el, como radical do Nome de Deus, assinala o Sol, posto ser este lugar a Ocidente aonde o Sol se pe por sobre o mar, logo, o Cabo Pontiagudo do Sol, assim mesmo expressando o Raio Solar pontiagudo. O prprio Cristo afirmou em derradeiras palavras na Cruz da Paixo: Elli, Elli, Elli lama sabachthani (Senhor, Senhor, Senhor porque me abandonaste), sendo o Elli aramaico igual ao Elion e ao Helius grego e latino, com que se designava o Sol, que os antigos Iniciados entendiam no como o fsico no centro do Sistema

    Solar mas o Sol Espiritual, o seu prprio Logos projectado desde as Alturssimas no centro da

    Terra, animando a esta como seu Sol Interno e assim mesmo identificado ao Sol da Meia-Noite

    como Saturno como Pater do Mundo manifestado, ficando Jpiter, o seu aspecto superior, para

    o Mundo imanifestado, algo equivalente ao Esprito dando de si a Matria, opostos

    complementares em que reside o prprio mistrio geminal dos dois Cristos (Jesus e Jairo, Sol e

    Lua, Mercrio e Vnus, Autoridade e Poder, etc.), bem como o motivo etimolgico da fundao

    da cidade de Israel (sis+Ra+El, os da Realeza de sis), aps o xodo hebraico do Egipto, e os nomes associados a Miguel (Sol), Gabriel (Lua), Elevao (Assuno), Elite (Eleitos), etc.,

    tambm advm da mesma fonte.

    Arcanjos Miguel e Gabriel com os estandartes do Sol e da Lua

    (Painel de azulejos (sculo XVIII) no Jardim Castro Guimares, Cascais)

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    Contudo, apesar de considerarmos o aspecto solar como a tnica dominante da Serra da

    Arrbida, e o aspecto lunar como o da Serra de Sintra, a verdade que, numa anlise mais

    acurada, ambos os aspectos completam-se entre si suscitando um homogneo culto lunissolar,

    posto que onde um predomina o outro tambm se apresenta subsidiariamente.

    Foi na Serra de Sintra, na regio de Colares, que foram descobertas aras consagradas ao

    Solis et Lunae no Alto da Vigia, onde subsistem vestgios de um templo romano datado dos

    sculos II-III d. C. que o arquelogo e epigrafista Cardim Ribeiro divulgou nas suas Religies da

    Lusitnia - loquuntur saxa (Lisboa, 2002). Muito antes, tambm Andr de Resende referenciou

    os cultos solares e lunares na Serra de Sintra na sua Antiquitatibus Lusitaniae (vora, 1593).

    Adicionando ao tema, h ainda a destacar o Cabo da Roca tendo no alto do monte da Peninha

    sobre ele a ermida de So Saturnino, este que a no mais que a herana cultual crist do antigo

    culto fencio ao deus solar Baal antecessor de greco-romano Cronos-Saturno, nomeadamente

    Baal, com isso confirmando-se a presena fencia em Sintra que, alis, influenciou toda a orla

    mediterrnea como o maior povo navegador da Proto-Histria decisivamente marcada por ele, a

    sua cultura e religio, nisto deixando um pouco por toda a parte por onde passou templos e

    santurios, abertos ou fechados, consagrados aos seus deuses ps-atlantes, a maioria deles

    figurando na Bblia cuja escrita (inveno) se deve aos mesmos fencios, o povo vermelho.

    O templo dedicado ao Sol e Lua situado no Alto da Vigia, Praia das Mas (Sintra)

    (Desenho de Francisco de Holanda, sculo XVI)

    D. Joo de Castro, neto do famoso vice-rei da ndia com o mesmo nome, um sebastianista

    esclarecido que financiou em Paris a primeira edio em 1603 da Parfrase e Concordncia de

    Algumas Profecias de Bandarra, em concordncia com Gil Vicente no seu Triunfo do Inverno

    (1529) disps o Paraso Terreal no mais Ocidente da Europa Sintra sob o ministrio da Igreja Militante do Divino Esprito Santo, forma encapotada ou encriptada de assinalar essa misteriosa

    Ordem de Mariz de que a Histria pouco ou nada sabe, conformando-se assim com inteira

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    justeza s crnicas medievais de Demanda que apontam o Castelo do Santo Graal e as Santas Relquias de Jesus Cristo guardadas por uma Ordem de santos cavaleiros no Mons Salvat, junto

    ao mar na ponta final da Europa. Com efeito, no incio da Parfrase l-se: Em nome do Esprito Santo, que com os seus dons est de contnuo regando o Paraso Terreal da sua Igreja

    Militante.

    Esse neto de D. Joo de Castro (27.2.1500 6.6.1548), o grande vice-rei na ndia e elevado homem de cincia, prosseguiu o projecto do av que pretendeu unir o Oriente com o

    Ocidente precisamente em Sintra, assumindo-a Serra Sagrada semelhana dos mais antigos

    adeptos da translatio imperii (trasladao dos imprios) nela entronizando a quintessncia da Tradio Inicitica das Idades, o que explica o facto de ter expatriado do templo de Somnath-

    Patane, no Kathiawar, regio indiana prxima de Diu, para a sua Quinta da Penha Verde de

    Sintra (inacessvel ao pblico) duas estelas ou lpides com inscries snscritas perfeitamente

    ajustadas idiossincrasia e tipologia mtica, religiosa e espiritual desta serra, diferente nos

    dizeres mas igual no sentido. A traduo para portugus dessas lpides, feita a-posteriori por

    Joo Herculano de Moura (Nova Goa, 1906), revela que prestam reverncia Lua e ao Deus

    Shiva, a Terceira Pessoa da Trimurti hindu que a mesma Pessoa da Trindade crist, o Esprito

    Santo (a Avis ou Siva anagramaticamente), e sua encarnao como Rei do Mundo atravs do

    prncipe-guerreiro Rajanarayana (Raja-Narayana), fundador a dinastia dos Chaulukyas (ou

    Kshatriyas, Guerreiros, Tributrios do mesmo Senhor ou Rei do Mundo). Da leitura traduzida das slokas ou versculos (em portugus arcaico) afere-se o seguinte:

    V Esse valente foi chamado Rajnarayana; e foi o destruidor de thronos poderosos e creador de um nico reino, para o que as suas mos trabalharam como raios (do Sol), tornando-

    se o senhor do mundo.

    Prossegue noutra:

    VII Este rei teve por esposa Naglvedi (ou seja, Naga-Devi, a Serpente Divina) a qual com tanta amizade vivia junto do marido, que os dois pareciam a Victoria e a Felicidade

    unidos. Essa unio tornava-a bella como o brilho da Lua.

    Por certo que para o carssimo leitor mais atento a descrio alegrica dessa encarnao

    do Deus Shiva e a sua consorte Parvati, ou sejam, Sol e Lua (como os mesmos Cristo e Maria da

    iconografia mais familiar aos europeus), cujas estelas encomiantes foram trazidas para o ponto

    mais ocidental da Europa, que Sintra, afim a essa outra mensagem constante do projecto

    ntimo da Ordem dos Templrios desejando unir o Oriente (Lua) com o Ocidente (Sol), na

    realizao da Sinarquia ou a Concrdia Universal dos Povos, a quem a Portugalidade esclarecida

    presta devoo pelo entendimento ou pensamento mtico do que seja e o Quinto Imprio, motivo alentador que anima as mais vivas esperanas humanas ao longo da Histria atravs das

    mentes e coraes mais iluminados de Portugal.

    Na Serra da Arrbida, em vrios cabeos ainda subsistem vestgios de fortificaes do

    povo proto-histrico que a habitou, o srrio, que depois ter sido aglutinado pela cultura romana

    de cuja poca sobrevive a memria descritiva e alguns vestgios arqueolgicos. Dessa ltima

    presena lcia, tem-se o testemunho descritivo na obra supracitada de Andr de Resende,

    Antiguidades da Lusitnia, apontando que em Setbal, a antiga Cetbriga, a igreja de Santa

    Maria de Tria foi levantada sobre o primitivo templo de Jpiter-Amon, de que s sobrou o

    alpendre. Tambm na ponta do Outo foram descobertas, em 1644, as runas de um templo

    consagrado ao deus Neptuno (divindade aqutica, por conseguinte, associada Lua que rege esse

    elemento), enquanto no chamado Monte Tormoinho subsistem os restos de um outro templo

    pressupostamente consagrado a Apolo (o deus Sol).

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

    11

    Mas sero apenas os cultos lunissolares que nos do indcios da unio ou relao dessas duas serras de Sintra e Arrbida, ou ainda algo mais poder ser apontado?

    Segundo os dados disponibilizados pelo professor Manuel J. Gandra, a linha costeira

    portuguesa, devido a processos de alterao climatrica brusca gerados por algum fenmeno

    cataclsmico, levou a que entre 3000 e 1000 a. C. tivesse lugar o fenmeno de dilvio que

    submergiu o litoral vindo a alterar profundamente a vida das comunidades costeiras mesolticas,

    provocando a migrao forada para o interior da Estremadura e restante pennsula. Desse

    fenmeno geoclimtico, as alteraes mais notveis resultantes da subida das guas teriam sido a

    separao das duas elevaes geolgicas em assunto, as serras da Arrbida e de Sintra, ao

    originar-se o actual esturio do Tejo.

    Contudo, a Geologia parece ter uma palavra a dar sobre esta ligao levando em conta

    que a actual serra da Arrbida formou-se durante o Perodo Mioceno, como sendo o

    remanescente de uma ilha ou de uma cordilheira outrora mais extensa para Sul e Ocidente.

    Segundo Carlos Freire de Andrade, in Os vales submarinos portugueses e o diastrofismo das

    Berlengas e da Estremadura (Lisboa, 1937), a tectnica do vale do Tejo e dos vales submarinos

    ao largo da costa da Caparica tm relao com as nascentes termominerais de Lisboa. Ter-se-

    nisto a prova cabal da ligao e outrora unio geogrfica Sintra Setbal, facto indesmentvel para a prpria Cincia Acadmica que o afirma. Alm disso, as referidas comunidades

    mesolticas parecem estar muito relacionadas com os denominados concheiros, aos quais o autor

    supracitado relaciona com os lugares de tumulao ritual e de culto aos defuntos de uma

    Humanidade cuja relao com a gua persistente, apontando o significado das conchas

    presentes na decorao da cermica e nos aglomerados tumulares, como tradio de mantimento

    destinado ao ente querido no alm, e no propriamente sua vida terrena finada.

    As formas zoomrficas megalticas

    percepcionadas em Sintra parecem corresponder a

    uma forma de comunicao proto-lingustica,

    comum a analogias transatlnticas, remetendo

    para cultos lunares de fecundidade arcaicos muito

    antigos, ligados forma do coelho de que se

    acharam vrios espcimes pequenos em metal e

    pedra nesta serra, alis, tambm sendo

    encontrados na Lapa do Bugio, Cabo Espichel, em

    artefactos eneolticos com cerca de 3000 a. C.

    (Perodo Neoltico Final, ainda marcado pelo

    megalitismo), nos quais se apresenta um par de

    coelhos unidos pelas patas traseiras. Alm disso,

    chegaram a ser encontrados esqueletos humanos

    dispostos defronte para o mar, como que

    encarando-o assim justificando o sentido mar dos mortos dado ao oceano defronte a todas as finisterrae, confirmando a antiguidade da

    presena humana e a sua deslocao intencional

    para este lugar preestabelecido e eleito para cultos

    processados nele desde h milhares de anos.

    Por conseguinte, exactamente na cidade de

    Setbal, na sua mitologia de fundao, que

    encontramos o elo de ligao por via do mito ao

    tema diluviano divulgado, dentre outros, por Frei Alteraes geogrficas do litoral portugus

    entre 3000 e 1000 a. C.

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

    12

    Nicolau de Oliveira, professo da Ordem da Santssima Trindade, na sua obra Livro das

    Grandezas da Cidade de Lisboa (1620), descrevendo esta urbe sadina fundada por um neto de

    No, Tubal, filho de Jafet (Gnesis 10:2), origem da cidade de Setbal famosa pela sua

    actividade metalrgica, nisto inteiramente relacionada com o operariado de Tubalcaim e a

    tradio hermtica do sopro, do fogo e da forja, tal qual faziam os antigos fencios que aqui

    viveram na Idades dos Metais, cujo conserto e construo de navios remonta a eles que se faziam

    ao largo em rotas transcontinentais preestabelecidas, tendo chegado mesmo ao continente sul-

    americano. Ainda sobre isto, o professor Vitor Manuel Adrio afirma o seguinte:

    Tubal, revelado na funo de Manu ou Condutor de Povo, bem poderia ser o Seth ou Srrio, fonema inspirando-me esse outro de surio, que dizer, o rptil serpentrio que

    rasteja, escorrega para as tocas ou lokas dentro da Terra, novo motivo indicador do povo ctnico ou Sedote que, diz a Tradio Inicitica das Idades, habita nas entranhas profundas da

    Serra da Arrbida, distendida desde o Cabo Espichel at quase s portas de Alccer do Sal. A

    pennsula de Setbal engloba todo o macio rochoso da Arrbida e tem por xis-mundi o prprio

    Cabo Espichel, o lugar da Senhora de Mu (Mu-sis), aluso toponmica Atlntida como o

    mesmo Pas de Mu.

    exactamente junto ao litoral portugus que encontramos a maior quantidade toponmica

    de raiz Mu, como Murteira (Serra da Arrbida), Mucifal (Serra de Sintra), Murtas (vila de

    Sintra), Murtal (Cascais), Mucane (poeta rabe dos sculos X-XI falecido em Alcabideche) e em

    outras inmeras localidades, como o autor supracitado tambm divulgou na linha do inscrito na

    Crnica Geral de Espanha de 1344 e nos diversos volumes da Monarquia Lusitana, como

    ainda Serra do Muradal (Castelo Branco), So Pedro de Muel e Vale de Mu (Sardoal), Muge e

    Serra das Mutelas ou Moutelas (Torres Vedras), Mugideira (Turcifal), Serra do Caldeiro ou de

    Mu (Algarve), etc. Ainda dentro da toponmia ante ps diluviana, encontramos a denominao

    originria dos gregos quando referiam-se a um povo ancestral que vivia junto s costas

    martimas, os pelasgos. Moiss Esprito Santo avana mesmo a hiptese que possivelmente

    toda a regio minhota se tivesse chamado Pelagia, pela quantidade de stios que, sob o Cristianismo, foram baptizados de So Paio (Pelagius). Alm disso, acrescenta ainda: Em todo o Pas uma densa camada toponmica parece referir-se, por um lado, a Pelagius (Gaio, Sampaio,

    etc.), e por outro, a Salacius, sobretudo os nomes de rios e ribeiros iniciados por Salah, de que

    Alccer do Sal (Salcia) sem dvida deve-lhe o nome. Moedas encontradas nessa regio

    representam Salacius com o tridente e o golfinho. Facto que a Tradio Inicitica das Idades sempre assumiu, como explica brilhantemente o Professor Henrique Jos de Souza no seu livro

    Mistrios do Sexo, de que ao formar-se a Raa Atlante, tambm designada Raa Equilibrante

    (entre homens e deuses), com ela geraram-se as sete sub-raas em sete diferentes pontos do

    globo. Assim, uma das sete, nomeadamente a 6. sub-raa atlante comportando exactamente os

    pelasgos, os etruscos, os cartagineses e os citas originrios da bacia do Mediterrneo, aps o

    cataclismo universal que dizimou essa Raa haveria de emigrar para a Pennsula Ibrica.

    Completando o tema, o grande ibrico dr. Mrio Roso Luna elucida-nos quando afirma com

    propriedade que a religio ofita da adorao caldaica ao deus Nebo ou da "Sabedoria Primitiva", foi trazida pelos pelaskos, paleo-askos, pelasgos ou homens do plago martimo cujo smbolo Neptuno e que, a nosso ver, possui esse nome que no passa de um apelido

    simblico sobre o qual convm que nos detenhamos. O verdadeiro nome clssico de Neptuno, de

    facto, Poseidon, como o nome da ltima ilha atlante submersa h cerca de dez mil anos assim

    chamada em homenagem a Neptuno, de acordo com os clebres Dilogos de Plato.

    Relacionado com o tema, temos ainda o texto inscrito na tbua rabe compacta rectangular

    com 58 cm de comprimento por 15,5 cm de largura e 1 cm de espessura, descoberta em Agosto

    de 2009 numa gruta do Vale das Lapas na Serra da Azia (Sesimbra), portanto, dentro do aro

    geogrfico do Cabo Espichel, pelos arquelogos sesimbrenses Rui Francisco e Miguel Amigo,

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

    13

    onde apresenta escrita a sura 39. do Alcoro em estilo cfico dos dois lados, tornando-a coerente

    com o que era usado no sculo XII no contexto almorvida, expressando a simbiose simblica

    entre a fuga do Profeta e a fuga do Atlante, como igualmente entre o perodo conturbado de

    Sesimbra conquistada pelo cristo e a Atlntida devorada pelo oceano.

    tambm nas lendas e tradies que aferimos que o extremo litoral portugus surge

    preferencialmente como bero do descendente de um povo oriundo de uma linhagem real

    possvel antecessor do Dilvio Universal que marcou o fim da Atlntida (como sucede nas

    ilustraes dos azulejos setecentistas os azulejos na igreja matriz do Monte da Caparica), cujos

    melhores da Raa fsica e espiritualmente falando ter-se-iam interiorizado em amplos e profundos espaos abertos no ventre da Terra, descrevem os Anais Ocultos da Tradio

    Inicitica das Idades, o que evidencia a ligao subterrnea existente entre as duas serras

    distintas de Lisboa. Os prprios homens-marinhos que a variada mitologia popular conta

    habitarem nas margens do Sado e do Tejo desde Setbal at Sintra, e que o prprio Damio de

    Gis deixou impresso na sua obra j citada (Descrio da Cidade de Lisboa), incluindo o povo

    oestrymnia cultor das serpentes, donde se vazaria a lenda de Ofissa, a Mulher-Serpente, rainha sereia que fundaria Lisboa, como relata Estrabo, todos esses so sinais mitolgicos

    indicadores do Passado remoto ante, durante e ps diluviano. No deixa de ser inquietante a

    presena da Pedra Furada, vestgio notvel do povo srrio em Setbal indicando exactamente

    cavidades escavadas ou feitas pela prpria Natureza adentrando o seio da Terra, como tambm

    determinadas tradies religiosas realizadas em espaos subterrneos da Serra da Arrbida, de

    que exemplo notvel a Lapa de Santa Margarida, cuja foi a erigida em honra e memria da

    virgem mrtir Margarida, dando prossecuo crist a um culto hipogeico oriundo de poca

    remotssima, possivelmente paleoltica, mas que tomou essa feio benta aps os frades

    arrbidos terem-se instalado nesta serra no sculo XVI, tomando o culto ctnico da santa

    prola (margarida, em latim) vulto e fama a partir dos incios do sculo XVII.

    Pedra Furada em Setbal, e capela de Santa Margarida no Portinho da Serra da Arrbida

    Factos e evidncias de um Passado longnquo de fausto e grandeza teimando em no ser

    esquecido, mesmo que agora revestido de lendas e mitos onde o maravilhoso casa com o

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    misterioso, desde h sculos para c justificam a mobilizao de todas as classes sociais, em que

    at se envolveram reis e rainhas, a par dos condes e das armas de Portugal em meio ao imenso

    povo, do soberbo, belssimo cheio de significados que perpassam as aparncias, Crio da Nossa

    Senhora de Mua, unindo na devoo comum s duas bandas ribeiras do Ocidente de Lisboa,

    trazendo consigo as mais antigas j de si intemporais tradies onde prosperamente flui a

    espiritualidade como tom dominante deste verdadeiro Paraso Terreal que a desgraa dos homens

    levou um dia a ser dividido pelo mar profundo, Sintra e Arrbida, contudo, ficando o hausto

    encantado de uma percepo mais que sagrada, divina.

    O CRIO REAL DE NOSSA SENHORA DA PEDRA DE MUA

    Os Crios, cultos votivos populares de ordem e origem religiosa e profana, vieram a ser

    organizados por comunidades rurais naturalmente ligadas a ritos agrrios que por via da sua

    religiosidade de adopo crist, serviram-se da catequese desta para revestiram e assim

    prosseguirem crenas e ritos imemoriais, adaptando os elementos da confisso professada num

    sincretismo encorajador e justificador do credo primitivo que, na realidade, numa foi

    abandonado, to-s adaptado nova noo religiosa, assim legitimando a sua continuidade onde

    se vem aparecer deuses agrrios antigos com atributos iguais aos de novos santos cristos,

    adaptaes daqueles, sendo por isso que as festas de muitos padroeiras e padroeiras locais

    revestem-se da mistura inextrincvel de religioso e pago, no raro aquele sujeito a este.

    Foi por isso que muitos dos crios populares realizados em solo nacional sempre

    esbarraram com alguma resistncia ou conflito com as entidades religiosas oficiais. Contudo, o

    Crio de Nossa Senhora da Pedra de Mua, segundo documentao reservada na Biblioteca

    Nacional de Lisboa, iniciado oficialmente cerca de 1430, 21 anos depois do aparecimento da imagem milagrosa, alm do seu carcter popular reunindo vrias freguesias do Termo de Lisboa e Margem Sul do Tejo, tambm foi abraado pela corte portuguesa, inclusive ficando conhecido

    como Crio Real. A sua origem anterior data oficial e at ao registo de 1414 (sendo que o

    primeira registo documental consta da carta rgia de 14.4.1366 da Chancelaria de D. Pedro I),

    ano em que D. Joo I fez a doao dos terrenos do stio do Cabo Espichel ao Santo Condestvel

    Nuno lvares Pereira, para o culto puder dispor -vontade desse espao cuja manuteno

    espiritual ficou a cargo da Ordem do Carmo, por doao de D. Nuno ao seu Convento em Lisboa

    atravs D. Diogo de Vasconcelos, cavaleiro comendador de Sesimbra. Ainda nesse ano, o Santo

    Condestvel mandou construir a pequena ermida em memria de Santa Maria da Pedra de Mua,

    legendariamente aparecida a montada numa mula, mas que tambm poder ser corruptela

    fontica do rabe mulah.

    Com efeito, as razes cultuais neste lugar, como nos aponta o professor Vitor Manuel

    Adrio, recuaro aqui ao tempo dos primeiros instalados morabes, fuso antropolgica de

    sangue cristo dominado com o rabe dominador, sobretudo o rabe natural de Saleh (na

    fronteira da Jordnia com o Egipto), descendente daquele do mesmo nome que nasceu nove

    geraes aps Nuh (No) e o Dilvio Universal, segundo o Alcoro. Essa etnia acompanhou a

    invaso e ocupao rabe da Pennsula Ibrica por Tarique no sculo VIII, e cedo consorciou-se

    com os cristos locais, sobretudo com os que viviam das fainas agrcolas fora da cerca

    lisbonense, portanto, nos arrabaldes ou termo da cidade, dando por consequncia origem

    etnia ahroi, alaia ou saloia, isto , a do homem do campo. A prpria ermida da Memria evidencia o formato kabico (com a sua planta rectangular e paredes pouco elevadas, com cpula

    contracurvada em forma de bolbo terminando num pinculo boleado, mas cuja bola desapareceu

    nos anos 90 do sculo passado) evocativo, por certo, da antiga presena rabe no Cabo, ela que

    sobretudo um oratrio de ermito ou homem do deserto, como foi Santo Anto que l est retratado em azulejo setecentista, sinal da vida eremtica que aqui houve desde que rabes e

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    ibricos se uniram. Alm disso, a Senhora de Mua uma Virgem Negra, prefigurao da Grande

    Deusa-Me presente no culto celta estremenho cedo abraada pelos morabes cuja parte arbica

    no esqueceu as suas origens orientais, sobretudo o culto a ster no raro associada figura

    primacial de sis, que o Cristianismo transporia iconograficamente para a figura da Virgem

    Negra. Inclusive, junto entrada da Lapa do Bugio encontraram-se esqueletos humanos defronte

    para o mar, intencionalmente desmembrados com os ossos serrados, sugerindo um tipo de ritual

    funerrio isaco, nisto tambm se achando junto queles algumas moedas rabes onde figuravam

    sis, a Deusa Resplandecente, apodo transposto para a ladainha mariana como Stella Maris, a Estrela-do-Mar, afinal, Vnus, a quem os antigos conferiam a tipologia feminina como planeta do Amor e que os carmelitas celebrariam a partir do episdio bblico do profeta Elias (I Reis

    18:44-45).

    A caverna espaosa do Cabo Espichel

    Em 1430 fixou-se aqui o Giro Saloio ou do Termo e o culto aumentou

    consideravelmente, sobretudo devido s constantes demostraes devocionais da prpria Coroa

    pela Virgem do Cabo, cedo atraindo tambm a devoo dos duques de Aveiro, inclusive levando

    D. lvaro de Lencastre, 3. duque de Aveiro, a mandar construir em 1662 um templo maior que

    estaria na origem do actual, por o nmero de romeiros no parar de crescer. Esse acontecimento

    esteve sob a influncia da Casa do Infantado por o espao estar incorporado aos bens da Casa

    Real, e foi assim que a partir de 1701 D. Pedro II ordenou ao desembargador Antnio de Oliveira

    Santos a construo da baslica, cuja traa ficou a cargo da arquitecto real Joo Antunes. A sua

    inaugurao deu-se em 1707. A particularidade deste templo a sua construo ter sido feita

    seguindo a orientao oeste-este (contrariamente ao normalmente estabelecido nas regras

    cannicas da arquitectura crist), ou seja, com o altar virado para o mar a oeste. Em 1715 (indo

    at 1794) o terreiro dianteiro baslica serviu para lateralmente edificarem-se novas hospedarias

    destinadas aos festeiros, juzes, dignidades religiosas, etc., e ainda uma cocheira para a berlinda,

    o carro triunfal carregando a imagem da Virgem. No ano de 1740, o rei D. Joo V mandou pintar

    o tecto da baslica em arquitectura perspectivada (Assuno) ao cengrafo Loureno da Cunha, que tambm ficou responsvel pela restante decorao pictrica. Mas em 1770 o rei D. Jos I

    mandou repintar o tecto do templo e refazer os altares laterais, alm de mandar abrir uma tribuna

    real e mandado construir o aqueduto (desde Azia at aqui), a casa de gua e a horta, reparando-

    se tambm as hospedarias.

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    Como atesta Frei Agostinho de Santa Maria no seu Santurio Mariano (Tomo II, Livro

    II, Tit. LXXXIV, Lisboa, 1707), a veneranda imagem de Santa Maria do Cabo tem menos de um

    palmo de altura e encontra-se fechada num pequeno sacrrio. Por sua vez, Frei Cludio da

    Conceio, autor da Memria da Prodigiosa Imagem de Nossa Senhora do Cabo (Parte I,

    Lisboa, 1817), confirma que a mesma possui tez de cor morena, portanto, indiscutivelmente uma

    Virgem Negra, tal qual os negros de Alfama e do Bairro Alto que levavam ao peditrio para o

    Crio da Nossa Senhora da Atalaia as imagens da Senhora e o Menino Jesus de cores negras, por

    acreditarem que a Virgem Maria era natural da Etipia. No entanto, em 1751 os romeiros de So

    Joo Degolado da Terrugem (Sintra), encomendaram ao mestre Machado de Castro, da Escola de

    Arquitectura de Mafra, uma cpia de tez mais clara da Virgem, que ofereceram aos Crios

    Saloios e que desde ento os acompanha no Giro das parquias consignadas, ficando a imagem

    original perpetuamente na baslica do Cabo.

    A Virgem Negra de Mua com o Menino no altar maior da Baslica Real do Cabo Espichel

    A devoo da Casa Real Portuguesa a Santa Maria da Pedra de Mua foi sempre

    extremada, particularmente desde a pessoa de D. Joo I e seus sucessores, destacando-se D. Joo

    V, D. Jos I, Dona Maria I, D. Joo VI, D. Miguel I, D. Maria Pia de Saboia praticamente at D.

    Carlos, aos quais cabia a funo de juzes ou benfeitores do giro e festa da Senhora. Para esse

    giro saloio que tambm era sadino concorriam vrias parquias das bandas norte e sul do Tejo,

    ficando a santa imagem durante um ano em uma das 30 freguesias (hoje 26) do giro que chegou

    a ter Belas como cabea juiz. O Crio durava cinco dias, saindo da freguesia onde ficara a

    imagem da Senhora na tera-feira (dia de Marte sucessor do da Lua, segunda-feira) que

    antecedia a Ascenso (40 dias aps a Pscoa: quinta-feira de Espiga), indo deposit-la na capela

    de Nossa Senhora das Dores, em Belm, em ficaria at ao dia seguinte. Ento, o Crio prosseguia

    atravessando o Tejo sob 21 salvas disparadas pelos canhes da Torre de Belm, desembarcando-

    se de galeotas e bergantins em Porto Brando. Novamente em terra, o Crio reorganizava-se e

    prosseguia para o Cabo mas fazendo-se vrias paragens em alguns templos consignados

    estaes obrigatrias no caminho, nomeadamente na igreja matriz de Nossa Senhora do Monte Caparica e na capela da Senhora do Bom Sucesso, na Bantica. Chegando-se ao Cabo, o cortejo

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    do Crio dava trs voltas baslica antes de adentr-la e levar a imagem e o crio ao altar maior

    onde eram depostos.

    O festejo ou bodo no terreiro do Cabo inicia-se na quinta-feira de Ascenso, promovido

    e pago pelos juzes responsveis pelo Crio nesse ano. No sbado realiza-se a solenidade litrgica

    dedicada a So Joaquim e Santa Ana, pais da Virgem Maria, e no domingo, aps a procisso

    incorporada por todos os festeiros da freguesia que ali vai depor a imagem da Virgem e dos que

    a iro receber, ocorre a entrega da bandeira do giro pelo juiz que termina funes ao que inicia,

    no interior do santurio com Te Deum, ladainha e sermo. Os festeiros que entregam,

    encabeados pelo respectivo prior da freguesia, o juiz com a bandeira e trs anjos (meninos),

    colocam-se todos do lado direito do altar-mor, e os que recebem do lado esquerdo. O mestre-de-

    cerimnias, que o prior do santurio, tira a capa de asperges dos ombros do prior da freguesia

    que faz entrega e vai dep-la nos ombros do prior que recebe. Aps entregarem o Crio, os

    romeiros passam todos para o lado esquerdo do altar-mor. Feita a entrega, -lhes oferecido um

    copo de gua (tradio que teve incio, segundo Ribeiro Guimares, apenas em 1752), a que

    sucede a entrega das alfaias e lavrando-se acta do sucedido, assinada por todos os presentes.

    Por norma ficavam hospedados no Cabo at ao seguinte, segunda-feira, quando ocorria o

    regresso. Depois da travessia do Tejo para Belm iniciava-se a jornada para o respectivo destino,

    para a freguesia de eleio anual do giro. Abria o cortejo uma fora de Cavalaria seguida do

    carro do Fogo (de artifcio), e aps os juzes com a bandeira e os acompanhantes, mais os ternos

    de chamarelas e trs anjos a cavalo, vestidos de soldados romanos. A imagem peregrina da

    Senhora era conduzida na sua berlinda puxada a duas parelhas, ladeadas por doze devotos com

    as tochas acesas. Aps ela, os carros: triunfal dos anjos das loas, do padre, dos procuradores,

    uma galera que levava a msica (charanga) e tudo seguido pelo habitualmente longo cortejo do

    povo festeiro.

    Descrita sucintamente a celebrao do Crio, o que nos faz avaliar ou estudar esta antiga

    tradio religiosa a sua capacidade de mobilizar a devoo do colectivo humano de ambos os

    lados do Tejo, bem assim como as lendas e personagens associadas s suas origens, gnese esta

    evocada aqui in littera para depois poder-se esboar a interpretao capaz de levar-nos

    mergulhar nos arqutipos primordiais ou princpios sagrados da Espiritualidade Portuguesa.

    carmelita primeira verso registada da apario da Nossa Senhora da Pedra de Mua, que J.

    Raposo Botelho descreve (in Nossa Senhora do Cabo (Resumo Histrico), Sintra, 1928):

    Conta a lenda que na venturosa noite em que a Virgem Me deu luz o Menino Deus, a Serra da Arrbida foi coberta por um claro extraordinrio, que iluminou por completo o

    Promontrio Barbrico (Cabo Espichel). Viu-se ento uma enorme nuvem, cheia de

    resplendores, a qual, como se fora o Sol no seu declnio, foi cair nas guas revoltas do oceano

    (Stella Maris), onde se sumiu ().

    Desde j devemos adiantar que a hagiografia dessa lenda est retratada nos smbolos

    pintadas ou esculpidos dentro e fora da baslica do Cabo, sobretudo nos painis com frescos do

    Sol e da Lua vistos de ambos os lados interiores do templo aps a entrada, motivo astroltrico

    que abordaremos com maiores detalhes mais adiante. Uma outra verso da lenda aquela

    contada por Frei Agostinho de Santa Maria, no Tomo II do seu j citado Santurio Mariano,

    onde conta o apelo desesperado feito pelo nauta irlands Haildebrant (Brando) Senhora

    durante uma tempestade terrvel no mar defronte ao Cabo, com o risco eminente da embarcao

    soobrar e todos morrerem afogados. Mas a Virgem logo intercedeu respondendo ao apelo,

    sossegando o mar em tranquila bonana sob a Lua, e todos se salvaram. Desembarcados em terra

    firme e vendo uma luz brilhantssima no alto do promontrio, foram ver o que seria e

    descobriram a imagem milagrosa da Me de Deus, o que entenderam como sinal de ali, nessa

    finisterra, dever-se doravante e para sempre preitar-se culto Estrela Matutina, Virgem dos

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    Cus. Sobre esta verso, mais uma vez fao minhas as palavras do professor Vitor Manuel

    Adrio na interpretao que faz da lenda: Igualmente desconheo se Sancho Brando acaso ser So Brando Para todo o efeito, tem-se a Navegao sobrenatural como simblica da Via Hmida na Alquimia Macho/Fmea, Fohat/Kundalini, Sol/Lua, estes, alis, representados em painis no interior da baslica do Cabo. Da, tambm, o significado da legenda no azulejo junto

    ao altar-mor: Ver o outro sentido alm do aparente.

    Stella Matutina (Vnus), pintura de 1671

    Outra verso carmelita, possivelmente de 1409-10, tambm descrita por J. Raposo

    Botelho, descreve que o privilgio da descoberta da Virgem de Espichel simultaneamente

    partilhado por um velho de Alcabideche e uma velha da Caparica, que tiveram o mesmo sonho

    proftico ao mesmo tempo, no qual maravilhados admiraram uma Luz esplendorosa sobre o

    Cabo, para onde depois se dirigiram e acharam a imagem milagrosa entre as fragas, aps orarem

    fervorosos. Ento, fizeram uma ermidinha toda de alecrim, arbusto saturnino que o h com

    fartura neste lugar, e depositaram nela a pequena imagem da Virgem Negra. A fama do achado

    miraculoso em breve se espalhou e pouco tempo depois era institudo o Crio anual Senhora do

    Cabo.

    Transparecem da hagiografia piedosa dessa lenda os smbolos maiores dos luminares

    pertinentes Alquimia Mstica, o Sol e a Lua, tradicionalmente associados Argiopeia (Obra da

    Prata, Mulher, Lua) e Crisopeia (Obra do Ouro, Homem, Sol), como explica Anselmo Caetano

    Munhoz de Castelo Branco na sua Ennoea Aplicao do Entendimento sobre a Pedra Filosofal (Lisboa, 1732-33), logo no parecendo inocente nem despropositado o facto das duas

    bandas do Tejo assumirem e destacarem as pessoas ancis e profetas de uma velha caparicana e de um velho alcabidechense na gnese do Crio Saloio Senhora de Mua, posto que como homem e mulher ancios, sinnimos de sbios, naturais de dois espaos distintos, distintamente

    tanto expressam o Sol e a Lua em cima como a Arrbida e Sintra em baixo! Alm disso, tem-se

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

    19

    ainda o facto significativo, como j foi dito, de que a cabea juiz do Crio chegou a ser Belas,

    regulamentando o processamento do giro at ao Cabo, portanto, da Lua ao Sol, facto reforado

    pelo prprio etimlogo Belas expressiva da contraparte feminina de Belenos ou Bel, que na

    geografia sagrada assinalado no Cabo do Sol (Saturnino, por o Cabo Capricorniano ou Capum

    Capresicum, como Estrabo identificou), EspichEL.

    Registo litografado (sculo XIX) de Nossa Senhora do Cabo

    aparecendo em sonhos aos velhos de Alcabideche e da Caparica

    Portanto, toda esta tradio mariana mvel por si s um mistrio dos maiores que

    Portugal tem, tanto quanto o tesouro escondido do Monte Caparica que, envolto na candura e beleza devocional da lenda, relaciona-se com o manto riqussimo, ornado de ouro e pedrarias,

    confeccionado pelas mos da prpria rainha D. Carlota Joaquina que o deps na imagem da

    Senhora no seu altar na matriz, da originando-se o nome Caparica, a capa rica, que afinal esconde ou vela a prpria Deusa sis cuja pessoa e smbolos o Cristianismo reassumiria como

    Maria, a Stella Maris. Vu ou Manto de sis que Vitor Manuel Adrio presta-se levantar

    revelando a luz da Sabedoria intemporal, como Tradio Inicitica das Idades, repto final que

    deixamos sobre a Senhora e o seu Crio em nossas terras lusas: () descodificando o sentido imediato do acontecimento maravilhoso e maravilhado, ter sido por essa data de 1410 que o

    Condestvel Santo esse novel So Malaquias da Gesta de Avis, Siva ou do Esprito Santo, por estar sob a chancela do Carmelo, que em egpcio se diz Espichel, logo, tornando este um

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    Carmelo Lusitano nesta ocidental Ish-Ra-El aonde confluram as trs grandes religies monotestas afro-mediterrneas (Judasmo, Cristianismo, Islamismo) comeou a interessar-se pela f popular dos saloios e sadinos Virgem do Cabo, e, com o mesmo e amplo apoio popular,

    acrescido do real e do carmelitano, seria iniciada em 1414 a construo da ermida da Memria

    do milagre da apario divina a em de 1215, ou seja, o ano em que o culto Virgem Me ter assumido a definitiva forma crist e, possivelmente, largado a primitiva de feies arbicas,

    antes, moarbicas.

    Posto tudo, resta-nos apresentar a modo de confirmao as concluses a que chegmos

    sobre alguns dos mistrios que este santurio maior, defronte para o Mare Nostrum, ainda hoje

    nos reserva nos smbolos mudos da sua linguagem argtica ou oculta inteiramente fundida

    Natureza circundante, dando mais transcendncia ao mesmo perpassando o limiar do

    entendimento de simples templo confessional de um catolicismo de crena e catequese, e sim

    uma Casa de Sabedoria e F assistida secretamente pela Ordem e Regra daqueles Maiores que,

    encobertos ou descobertos, desde a primeira hora da fundao de Portugal o dispuseram sob o

    evoco e proteco maternal da Me e Rainha do Cu, Mariz Nostra.

    MISTRIOS DO SANTURIO DO CABO

    Toda a sua construo parece apresentar arquitectura muito peculiar alinhada no s com

    o aspecto geogrfico do local mas tambm com o referencial astronmico caracterstico dos

    templos cristos, o que lhe confere um discurso oculto (apesar de estar vista de todos) relativo

    tradio religiosa crist. Segundo os cnones tradicionais de construo, o alinhamento do

    templo presta-se de Levante para Poente, sendo a entrada o local da morte profana e o altar o da

    vida espiritual. Mas neste caso peculiar tal no acontece, pois que o templo est alinhado de

    forma inversa, ou seja, de Este para Oeste. Por que razo apresenta-se tal descritrio? Acaso

    assinalar o Ex Oriens Umbra para o Ex Occidens Lux em conformidade ao tema translatio

    imperii? O motivo dessa alterao das coordenadas cannicas acaso tambm poder estar

    associado ao significado das Pessoas do dogma da Trindade conformadas ao espao natural e

    coreogrfico do Cabo, assim iniciando-se o percurso junto ao cruzeiro (Pai), prosseguindo na

    alameda defronte ao templo (Filho) indo finalizar diante do mar (Esprito Santo), na ponta final

    do promontrio (finisterrae). Alm disso, confirmando a inteno geoastronmica dada ao

    espao, verifica-se que a ordem e alinhamento da baslica presta-se ao percurso diurno do Sol e

    ao percurso nocturno da Lua, ambos na mesma linha celeste mas provocando um interessante

    fenmeno simbolgico revelado nas arcarias frontais do terreiro, o qual carrega diversos

    significados de natureza transcendente que no devemos ignorar ou discriminar vtimas de algum

    tipo de complexo intelectual.

    Assim, em primeiro lugar, no largo dianteiro deste santurio mariano e de maneira

    simblica esto representadas as vias solar e lunar, assinaladas nos passeios sob a arcaria rstica

    que suporta os edifcios laterais, que vo encontrar-se diante do cruzeiro (smbolo astrolgico da

    Terra), o que j de si uma expresso estupenda dos conhecimentos ocultados dos construtores

    deste espao, projectados e aplicados com a maior exactido geoastronmica, pois antes do

    amanhecer a Lua desloca-se por sobre o arco lateral esquerdo (onde, alis, est o seu painel no

    interior do templo) e o Sol, da mesma maneira, por sobre o arco lateral direito (onde est o seu

    painel dentro do templo) ao entardecer. Fenmeno curto no tempo mas eterno na grandeza da sua

    magnificncia.

    Em segundo lugar, verifica-se existir uma relao ntima entre o fenmeno das luminrias

    celestes projectando os seus raios atravs dos dois arcos (solar e lunar) e o cruzeiro com a sigla

    INRI, concluindo-se que a distncia deste aos arcos foi calculada milimetricamente, para que o

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    crente ao prostrar-se defronte ao cruzeiro pudesse contemplar a Lua Cheia ocupando

    inteiramente a rea do arco. Caso sasse dessa posio, toda a magia perdia-se O mesmo acontece no arco solar na hora do crepsculo. Tem-se assim uma trindade perfeitamente

    esquissada numa anteviso arquitectnica entre o Sol, a Lua e a Cruz. H ainda um outro

    pormenor a considerar: no topo de cada um desses arcos est uma taa, que apesar de parecer

    apenas decorativa realmente est intimamente relacionada com todo este pas de deux entre o Sol

    e a Lua e o seu real sentido inicitico a que afinal se destina todo este espao sagrado.

    Vias ou percursos da Lua e do Sol (montagem)

    Do ponto de vista religioso tradicional, a interpretao corresponde recapitulao da

    vida de Cristo, aquando ocorre a Imaculada Concepo da Virgem Maria sofrendo as dores de

    parto (e nesta posio a Lua apresenta-se vermelha rubra) para dar luz o Menino (Sol Levante), e de facto ao nascer do Sol a nica parte do santurio que fica iluminada a sua

    fachada, onde no nicho cimeiro apresenta-se Nossa Senhora com o Menino nos braos.

    Simplesmente sublime! A ascenso do astro-rei at ao znite representa o Ministrio em vida do

    Senhor (Sol), e a fase descendente at ao oeste expressa o seu Julgamento e Paixo, nesta ltima

    fase sempre acompanhado por sua Me Maria (Lua) at Morte do seu Filho na Santa Cruz

    (Terra).

    Painis da Lua e do Sol no interior do santurio do Cabo

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    No que diz respeito lenda, o velho de Alcabideche e a velha da Caparica mais no so

    do que as figuraes antropomrficas simblicas do Sol e da Lua (as velhas luminrias celestes que a Humanidade sempre admirou e cultuou como fonte de vida) que se renem neste

    promontrio sagrado depois de um giro zodiacal para fundar o centro da sua devoo e reunio com a Me-Terra, Nossa Senhora da Pedra de Mua.

    No entanto, alm do dogma catlico e das lendas associadas neste particular Senhora do

    Cabo, existe um outro discurso hermtico ou velado, que na altura da povoamento cristo do

    culto e fundao da baslica foi adoptado e aplicado exclusivamente por esses Maiores iniciados

    nos mistrios da Gnose crist, ou seja, o chamado Cristianismo esotrico, este que na Europa do

    sculo XIV ao XVII teve a sua expresso mxima nos Irmos ou Frates subscritores annimos

    da Mensagem Rosa+Cruz, com a sua Alquimia Mstica mas tambm Metlica que vem a

    completar o sentido oculto da designao Crio Real, nisto interpretado como a Iniciao de

    Delfim que a Arte Real, a Alquimia, nisto a vela acesa sendo smbolo da luz que alumia as

    trevas do homem que atinge o Conhecimento Perfeito (Gnose). Neste sentido, todo o imvel

    sagrado canonicamente predisposto presta-se leitura e aplicao hermtica da Grande Obra

    Alqumica (Obra Mstica, Obra da Fnix, Via do Absoluto), partindo da imperfeio e

    decadncia material dos seres da Natureza visando a reintegrao do Homem na sua dignidade

    primordial, divina, expressa na descoberta da Pedra Filosofal. A conjuno ou retorno Origem

    ou Unidade depender do esforo do Homem em atingir tal meta, pois que Deus se divide em

    homens e estes se somam em Deus. A Divina Unidade apreendida no tratado da Tbua de

    Esmeralda, de Hermes Trismegisto (o trs vezes grande), como a principal referncia dos alquimistas medievais e renascentistas na sua laborao da mtica Pedra Filosofal. Segundo o seu ensinamento, o Sol seu Pai; a Lua sua Me; o Vento a contm em seu seio; a Terra a sua nutridora. Assim, temos a mesma manifestao trina nesse tringulo Sol, Lua e Terra que correspondem ao Esprito, Alma e Corpo. Ora, a verdadeira Integrao no Divino ocorre

    aquando do retorno Unidade, equivalendo juno numa s coisa ou substncia nica

    (vento, sopro) do Sol, da Lua e da Terra. Eis a o smbolo astrolgico que sintetiza todo este

    processo, o de Mercrio (3), s por acaso o do Cristo Universal como Andrgino Perfeito

    Os trs princpios alqumicos ou subtis da Matria formando o smbolo de Mercrio

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    (Assura ou Arqueu Ar, Andrgino) e dos seus Apstolos ou Adeptos encobertos em plagas lusitanas sob a sigla Maris ou Mariz. Na prpria Alquimia esta realidade assumida como os

    princpios ou espritos do Enxofre, Mercrio e Sal, e tambm Satva, Rajas e Tamas (qualidades subtis da Matria), correspondendo ao Sol, Lua e Terra, cujos respectivos smbolos

    astrolgicos, 1 2 , ao serem unificados geram esse outro smbolo do Mercrio (Filosfico). Portanto e recapitulando a relao ntima pelas linhas de distncia entre cruzeiro e os arcos

    frontais, no restam dvidas que temos aqui os trs princpios alqumicos ou qualidades subtis da

    Matria aplicados Grande Obra numa magnfica e silenciosa simbiose geoceleste neste espao

    j de si sagrado, deixando ad aeternum a marca ou selo de Hermes.

    O templo, oposto ao

    cruzeiro, simbolizar o nascimento,

    ou antes, o renascimento do

    peregrino da vida na figura da

    Nossa Senhora com o Menino ao

    colo, a Me Divina, a mesma

    Allamirah veste humana da antiga

    Rainha atlante Mu-sis, como se

    comprova pelos tons morenos ou

    escurecidos dessa antiga imagem da

    Senhora to particular das Virgens

    Negras, que alm de expressa nas

    conchas decorativas do seu nicho

    na fachada dianteira do templo

    como alegricas de Vnus, a

    evocao desta reaparece

    magnificamente na legenda latina

    da pintura no tecto do altar-mor:

    Ave Maris Stella, Ave Estrela-do-Mar, com a estrela matutina por cima, a da Anunciao, e a coroa do

    Esprito Santo, expressiva da

    Realeza Celeste que assiste ao

    Paraso Terreal em conformidade

    translatio imperii, sobretudo o

    aparecimento do V Imprio

    Lusitano sinal do Imprio Universal

    da prxima Ronda e Cadeia de

    Vnus. Esta Vnus, a Mulher Estrela Coroada como Maria ou a mesma Stella Maris derradeira

    esperana da Cristandade e de toda

    a Humanidade, a mesma estrela-do-mar dos Filsofos do Fogo, os Alquimistas, como o Mercrio Filosfico que unifica, na Via Hmida, os dois princpios activo (Sol) e passivo (Lua) simbolizados nos arcos do lado da Epstola (corredor da Lua) e do lado do Evangelho (corredor do Sol), no fundo expressando as obras da Argiopeia (Prata) e da Crisopeia (Ouro). Inclusive, em guisa de confirmar tudo quanto est exposto no seu exterior, revelam-se no interior

    do templo as vias lunar e solar nos painis com as pinturas da Lua (Barishads ou Anjos Feminino, gua) e do Sol (Agnisvattas ou Arcanjos Masculino, Fogo) antes do corredor central nas suas extremidades opostas, coadunando-se com os santos nos altares laterais, com

    especial destaque para o de So Loureno (Crio de Azeito, 1722, do lado da Epstola) e de

    Nossa Senhora da Conceio (ou Concepo Crio de Almada, 1718, acrescentado em 1780

    Pintura do tecto do altar-mor do santurio do Cabo com a

    legenda Ave Maris Stella centralizada

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    pelo Crio dos Saloios, do lado do Evangelho), as quais fundem-se numa s via lunissolar ou

    andrgina assinalada na supradita pintura sobre o altar-mor, com a coroa imperial, a estrela de

    seis pontas e a expressiva legenda Ave Maris Stella acima da imagem beatssima de Nossa

    Senhora da Pedra de Mua com o Menino. Eis o Androginismo Perfeito no mais sublime

    matrimnio entre Obra Natural e Obra Humana, sublimamente resumido nesta antiga Baslica

    Real de Santa Maria do Cabo.

    Assim, do ponto de vista inicitico, trata-se no apenas de pontuar passagens histricas da

    vida de Jesus mas sobretudo de realar passos do caminho de realizao do Cristo Interno, como

    reconhece So Paulo na Epstola aos Glatas (4:19): Sofro de dores de parto at que Cristo nasa em mim (e no em vs, como o texto transcreve), realizando as anteriores palavras do Evangelho de So Joo: Importa-vos nascer de novo (3:3-7). Temos nessas palavras da escritura sagrada mais que a aluso ao nascimento carnal ao nascimento espiritual, que acontece

    com a recepo da Luz aquando da Iniciao, no caso, a primitiva gnstica ou sapiencial do

    Cristo Deus que tornava Perfeitos os seus Apstolos mais no sendo que Mestres Reais.

    No nascimento fsico, a alma que animar o homem advm da Ideia Primordial, ou seja,

    do Mundo dos Arqutipos ou Mundo das Causas (Mundo Celeste, Mental Superior ou Alm-

    Akasha) para o Mundo Manifestado da Matria, Mater-Rhea, Me-Terra, a Me Suprema

    nutridora de todo o ser encarnado, e como Mulher tendo os seus ciclos menstruais sob a

    influncia directa das fecundas vibraes psicofsicas da prpria Lua, do Mundo ou Esfera Lunar

    (Kama-Somtico), durante a gestao do filho em seu ventre materno durante 9 meses (nmero

    cabalstico da prpria Lua por assinalar o seu ciclo fecundador), e aps o parto o ser nascido

    passa a ser regido pelo ciclo solar nos 12 meses anuais at extino da sua vida fsica. Do

    mesmo modo, o discpulo passa do estado passivo-lunar condio activa-solar de Adepto

    atravs da Iniciao Real, tornando-se de Filho de Mulher (Iniciao Menor, Simblica) em Filho do Homem (Iniciao Maior, Real), permitindo-se fazer igual ao seu Mestre em Poder, Amor e Sabedoria pelo nascimento do seu prprio Cristo Interno (o despertar do Eu Divino), tal

    qual Maria O concebeu pela Graa do Divino Esprito Santo o Terceiro Logos Criador como Poder da Vontade posta em Actividade. No entanto, ser tocado ou tomar o Dom do Esprito

    Santo entendido aqui como o despertar ou recuperar da Essncia Divina perdida no

    esquecimento do seu encerro na Matria, tal qual assinala a alegoria bblica da expulso de Ado e Eva do den. A descenso e encadeamento do Esprito Matria prefigura-se na serpente tentadora e consequente proclamao da Sentena de Deus: Rastejars sobre o teu ventre, alimentar-te-s de terra todos os dias da tua vida (Gnesis 3:14-15), correspondendo descida da Energia Celeste (Fohat) na Matria (a Terra) indo densificar-se como Energia Planetria (Kundalini) para constituir o Laboratrio do Esprito Santo (o Sol Interno do Globo, a

    mesma Shamballah, Walhallah ou Salm), a qual no Homem est retida no Chakra Raiz na sua

    zona sacra ou sagrada (ponto terminal em guisa de promontrio na extremidade inferior da coluna vertebral). Esta Energia serpentina volteando por entre os centros vitais ou chakras anima as funes procriadoras e a mente humana dotando-a das maiores potencialidades. Essa

    mesma Energia quando desperta, libertada conscientemente do Chakra Raiz permite com isso,

    aos Iluminados, a libertao dos grilhes da Matria. Ela Kundalini, o mesmo Fogo Criador do

    Esprito Santo, a mesma Fora Flogstica Electromagntica para os orientais e ocidentais. Por

    isto, desde a Antiguidade at hoje o verdadeiro Iniciado tambm chamado Serpente de

    Sabedoria (Gnoseophis), como foi Moiss domando a serpente que se enroscou no seu basto e

    depois reapareceu enroscada na Cruz de Cristo, encimada pelo letreiro com as iniciais I.N.R.I.,

    no significando somente Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum (Jesus Narazeno Rei dos Judeus) mas sobretudo Ignis Natura Renovatur Integra, ou seja, Pelo Fogo se renova a Natureza inteira.

    Fogo Criador que activa os sete Chakras ou Centros de Vida num trajecto ascendente espiralado ao longo da coluna vertebral, indo gradualmente transformar o ser humano mortal em

    imortal, dotando-o do estado Crstico prprio do Iluminado, assim mesmo transformado de Jiva

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    em Jivatm, de Vida-Energia em Vida-Conscincia, o que lhe permite alcanar a condio primordial de Esprito Divino integrado ao Mundo Causal pela unio eucarstica ou Eu-Crstica

    ao seu Cristo Interno, partcula do Cristo Universal. Donde a mxima no Evangelho: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ningum vai ao Pai seno por Mim (Joo 14:6). As mesmas palavras repetiu-as JHS: Eu sou a Verdade do Mestre, o Caminho do Discpulo e a Vida da Escola!

    No seguimento desses factos iniciticos, h ainda a acrescentar que as trs vias que se

    expressam cenicamente no espao do santurio do Cabo (como sejam as lunar, solar e central ou

    andrgina, em guisa de Ida, Pingala e Sushumna, as trs linhas por onde discorre a Fora

    Criadora na coluna vertebral humana), relacionam-se ao tema do Sol Central, nico e

    Verdadeiro, que na Terra constitui as trs foras fsicas ou qualidades subtis da Matria:

    centrfuga, neutra (equilibrante) e centrpeta (Satva, Rajas e Tamas),as quais servem de condutos

    manifestao dos trs Princpios Superiores do Homem: Atm, Budhi e Manas (Esprito,

    Intuio e Mental Superior), sobrepostos aos quatro Princpios Inferiores j desenvolvidos Mental Inferior, Emocional, Vital e Fsico. Como afirmava o Professor Henrique Jos de Souza,

    essa Trindade na realidade inseparvel, presta-se evoluo de cada homem, precisamente por ela ser a Mnada, um microcosmo ou pequeno universo que se desenrola individual e

    colectivamente por vontade e esforo prprio, exigindo-se de todos e de cada um a sua

    voluntria contribuio para que o Tudo volte ao Todo. Portanto, atravs dessa natureza andrgina que este templo do Cabo secretamente prope que apercebemos no sentido oculto dos

    vasos ou taas no alto dos arcos laterais as prefiguraes do Santo Graal recipiente onde so feitas as mais sublimes, espirituais e msticas fuses e sublimaes alqumicas (recolhendo as influncias espirituais lunares e solares) que tanto pode ser Objecto (Taa Livro e Pedra ou Ara) como estado de Conscincia Iluminada (Mental Superior, Corpo de Esprito Santo

    tradicionalmente identificado como Stella Maris, como a terceira expresso da Mnada Divina

    ou Trade Superior), aqui atravs da Iniciao Senhorial ou Mariana concluda na Iniciao

    Dominical ou Crstica (comeada em dia da semana e culminada no domingo, quando o Senhor

    Sol comea novo giro semanal, o que tambm tem a ver com a Iniciao Real (Alquimia) e a

    Iniciao Sacerdotal (Teurgia), como seja, a do Kshatriya, Guerreiro, e a do Brahmane, Sacerdote), para todo o efeito, imperando a Luz e Glria do Terceiro Logos ou Trono aqui sobeja e soberbamente representado na Me Divina, expresso da Fora Criadora do mesmo

    Esprito Santo ou Shiva que, para todo o efeito, o Princpio Causal do Universo e do Homem.

    Taas sagradas, expresses simblicas do Santo Graal na sua dupla expresso

    de receptor das energias lunares, Taa da Amargura, e solares, Taa da Exaltao

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    Lateralmente ao corpo do santurio, tambm em relao com este tema, temos o arraial

    das hospedarias (emparedadas em 1996) que eram destinadas exclusivamente ao alojamento dos

    romeiros, a casa dos festeiros, a casa das pratas, a habitao do capelo eremito, a cocheira para

    a berlinda (onde era conduzida a Senhora) ou carro triunfal, num total de 29 lojas e 40 sobrados

    acrescentadas ao espao ente 1715 e 1794 pela Casa Real. Assentam sobre um conjunto de arcos

    rsticos tanto direita (63) como esquerda (47), que completam com os dois arcos laterais ao

    santurio (permitindo o acesso ao fim do Cabo) o nmero exacto de 112. Seja acaso ou

    causalidade, o facto que esse nmero muito significativo do ponto de vista inicitico:

    indicador da Linha de 111 Adeptos chefiados por um Kumara. Como h 7 Linhas no Pramantha

    a Luzir, logo tem-se os 777 Adeptos chefiados pelos 7 Kumaras ou Planetrios que constituem a

    Excelsa Fraternidade Branca dos Sete Raios de Luz. No tocante a aqui, neste caso pode muito

    bem referir-se 5. Rama Portuguesa dessa Grande Loja Oculta composta de 111 Encobertos

    dirigidos pelo Arcanjo Sakiel. Alm disso, arco, arca ou arcano, do latino arcanum, secreto, escondido, encoberto, assume aqui o sentido, de sagrado, segredo e secreto que todo o romeiro sbio no giro ou mobilidade da Iniciao ir gradualmente desvelando e integrando em sua

    natureza ntima no percurso que faz desde o cruzeiro ao templo. Alm disso, o arcanum assume

    aqui os segredos da Histria Oculta de Portugal, do qual temos a dizer que relaciona-se

    irreversivelmente com a misteriosa e soberana Ordem de Mariz que sempre sustentou os ditames

    da Portugalidade ao longo dos seus ciclos, constituindo a prpria Igreja Secreta do Ocidente,

    tambm chamada Igreja de Melkitsedek.

    Arcos ou Arcanos do Santurio de Nossa Senhora da Pedra de Mua

    A Monarquia Portuguesa sempre prestou vassalagem aos dignitrios de tal tradio

    secreta posta sob a chancela e pendo da Ordem de Mariz, fundada e propagada com a fundao

    do prprio Pas tendo cabea como Chefe Supremo o rei D. Afonso Henriques, reservando

    parcialmente o seu culto a uma outra Ordem fundada por ele mesmo: a de So Miguel da Ala,

    que com as de Avis (que tambm fundou) e do Templo constituam o seu crculo de resistncia. Sobre este tema h um interessante texto escrito pela primeira pessoa que na Histria divulgou

    publicamente essa Ordem Inicitica e Secreta, o Professor Henrique Jos de Souza, ao qual

    respigamos o seguinte trecho retirado da sua obra magistral, O Verdadeiro Caminho da

    Iniciao:

    H uma antiga tradio que afirma a existncia, no mundo, de uma Igreja Secreta, que torna a ligar (religo, religare, religio, religione ou religio) o homem a Deus, sem necessidade

    de sacerdcio nem qualquer outro intermedirio. Todo o ser iluminado, directamente ou por

    iniciao, desde que esteja de posse de certos mistrios, faz parte do Culto que tem o nome

    velado de Igreja de Melkitsedek. Tal Culto sempre existiu, por ser o da mais preciosa de todas as

    religies, ou seja: a da Fraternidade Universal da Humanidade.

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

    27

    na prpria Bblia que a personagem misteriosa de Melki-Tsedek apresentada numa

    primeira referncia no Gnesis (14:19-20), e depois descrita por So Paulo na sua Epstola aos

    Hebreus (7:1-3): Este Melki-Tsedek era Rei de Salm, e Sacerdote de Deus Altssimo. Saiu ao encontro de Abrao () e lanou-lhe a bno. Ao que Abrao lhe deu o dzimo de tudo. O seu nome significa em primeiro lugar: Rei da Justia; mas tambm: Rei de Salm, que vem a ser: Rei

    da Paz. Sem pai, sem me, sem genealogia, sem princpio de dias nem fim de vida assim que ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece Sacerdote eternamente. Abrao, o fundador das trs religies do Livro, prestou tributo ao Rei de Salm, o que no deixa de ser significativo

    porque, como desvelou o insigne Mrio Roso Luna (in El Simbolismo de las Religiones del

    Mundo), o Oriente e Ocidente esto implcitos nisso:

    Os habitantes dessas regies orientais e de muitas regies ocidentais eram rios puros, apesar de rodeados de povos que a cincia moderna classifica como semitas, desconhecendo que

    o povo semita, como diz H.P.B., na origem no era seno uma tribo de rios asiticos expulsa da

    Ary-Varta pelo seu prprio excessivo materialismo e cabea dura, como diz a Bblia. So nomes rios A-braham (o no-Brahman), Sara (a Saraswati hindu), etc. ().

    Melkitsedek, como foi referido, apresenta-se como Rei de Salm ou a Cidade da Paz, arqutipo sobre o qual se construiu Jerusalm. Nas culturas religiosas orientais, sobretudo indo-

    tibetanas, essa prefigurao Paraso Terrestre como lhe chamou Dante Alighieri, apresentada

    como Agharta e Shamballah, lugares mirficos onde est a Morada oculta do Rei do Mundo a quem chamam Brahmatm e Chakravarti, o mesmo Melkitsedek judaico-cristo ou o Rotan dos

    antigos rosacruzes e maons, Aquele mesmo que trar um Reinado de Felicidade e Concrdia

    como Imperador Universal a dirigi-lo. Alm disso, aps a prestao do dzimo ou tributo da

    dcima parte instituiu-se a sua Ordem Tributria como afirmado no Salmo 110, 4: Tu s um sacerdote eterno, segundo a Ordem de Melkitsedek, esta como a mesmssima Igreja Secreta ou Maonaria Universal, a Grande Loja Oculta dos Mestres Perfeitos da Humanidade, que na ndia

    chamada de Sudha-Dharma-Mandalam, Excelsa Fraternidade Branca, no Tibete de Confraria dos Bhante-Jauls, Irmos de Pureza, distinguidos pelas suas roupagens e faixas amarelas-azuis, enquanto os Goros ou Sacerdotes do Rei do Mundo trajam em cores prpuras, e

    mesma a Igreja Catlica cognomina no seu Credo de Comunho dos Santos (e Sbios, que ela

    esquece de evocar). Completa ainda o Professor Henrique Jos de Souza:

    Por isso que tal Fraternidade ou Culto Universal que a bem dizer o do Amor, da Verdade e da Justia entre todos os seres da Terra se compe de 7 Linhas, cada uma delas com o respectivo Raio, na razo dos prprios Astros ou Planetas. Donde os seus Chefes, Reis ou

    Guias serem Seres to elevados que bem se podem comparar aos mesmos Dhyan-Choans ou

    Logos Planetrios. Na ndia, o termo Maha-Choan dado aos mais elevados dentre tais Seres,

    enquanto outrora, no Egipto, recebiam o nome de Ptahmer. So os mesmos Goros do Rei do Mundo, nas escrituras transhimalaias.

    Portanto, Melki-Tsedek como Rei do Mundo (Melki) fundador do Culto Universal

    (Tsedek), apresenta-se no Antigo Egipto equivalente a Ptah-Ptahmer; na ndia, a Chakravarti e

    Dharma-Raja; na antiga Rosa+Cruz, como Imperator Mundi e Pater Rotan; na Maonaria

    Escocesa como Maximus Superius Incognitus, para todo o efeito, o Imperador Universal, o que

    congemina-se com o actual ciclo do Ex Occidens Lux, ou seja, o da trasladao da Grande Loja

    Branca dos Bhante-Jauls, com todos os seus valores espirituais e humanos, dos recnditos

    reservados do Norte da ndia e do Oeste do Tibete para estas partes ocidentais do Mundo.

    Infinitos so os Mistrios de Melkitsedek, no entanto, cingindo-nos a este espao temos a

    apontar a sua influncia e relao com as trs vias iniciticas anteriormente descritas para o

    espao consignado do Cabo e que so as trs Margas faladas na Vedanta: Jnana-Marga

    (Conhecimento, Cabea), Bhakti-Marga (Devoo, Corao) e Karma-Marga (Aco, Motora,

  • Os mistrios do Santurio de Nossa Senhora de Mua Hugo Martins Comunidade Tergica Portuguesa

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    equilibrante entre as duas anteriores), por que se revelam os trs Poderes do Governo Oculto do

    Mundo: Mahima (Autoridade Espiritual) Brahmatm (Poder Central Andrgino) Mahanga (Poder Temporal), que no discurso piedoso cristo esto representados no mistrio dos trs Reis

    Magos: Belchior (Melquior) Baltasar Gaspar, os quais ofereceram ao Rei dos Reis, isto , o Imperador Universal, o Menino Deus, o Cristo nascido no Apta ou Prespio no esconso jina da

    Gruta de Belm, reconhecendo-o Avatara do Ciclo de Piscis (Peixes), o Ouro da Realeza, a

    Mirra da Profecia e o Incenso do Sacerdcio. Oferendas essas cujo significado piedoso encerra

    menos de metade do mistrio que significam, pois que na verdade este muito mais

    transcendente e complexo nos seus movimentos ocultos do que apenas o simples

    reconhecimento do Messias. Alm dos trs Poderes assinalados do Governo Oculto do Mundo

    representados nessas ddivas ao Menino-Deus, como referimos, essas mesmas so tambm a

    representao das trs ddivas primordiais que os Senhores de Vnus (e Vnus-Urnia veio a ser

    a Virgem Maria), os Kumaras Primordiais, trouxeram para a Terra quando a Hierarquia Humana

    tomou forma fsica, corria a 3. Raa-Me Lemuriana: o Trigo da Alma o Mel do Esprito e a

    Formiga do Corpo ou Trabalho como Aco Krmica. Estas trs ddivas primordiais vm

    igualmente a assinalar o trabalho concludo das trs Rondas anteriores actual desta 4. Cadeia

    Planetria ou Manvantara: a de Saturno (7), a do Sol (1) e da Lua (2), dirigidas pelos respectivos Kumaras Dhyananda, Sujat, Sanatana que h 18 milhes e meio de anos se projectaram da 5. Ronda da 5. Cadeia de Vnus a imediata actual para a Terra () acompanhando o seu Irmo o 4. Kumara, Sanat. Assim, o 4. Planetrio, Sanat Kumara, o

    prprio Rei do Mundo na presente 4. Ronda, possudo de vrios nomes conforme as diversas

    tradies, como j vimos, e a quem os trs Reis Magos bblicos, simblicos dos trs Kumaras

    das Rondas anteriores, tributaram homenagens reconhecendo-o Rei dos Reis, Imperador Universal e Sacerdote Eterno da Ordem de Melkitsedek na pessoa do recm-nascido Jeffersus, o

    Cristo, Corao Flamejante do Mundo ou no estivesse no Centro gneo da Terra, Shamballah. Mas, ento, Cristo quem tributa a Melkitsedek ou o inverso? Ambos tributam-se,

    posto o primeiro ser a prefigurao do segundo em termos de exegese bblica, visto ter sido

    Melkitsedek quem imps a Abrao ou Ab-Ram o Rito do Po e do Vinho, celebrao

    posteriormente confirmada por Cristo na hora da ltima Ceia, ungindo, sagrando, abenoando o

    Vinho do Cu (expressivo do Luzeiro, Logos Planetrio, Dhyan-Choan ou Ishvara) e o Po da

    Terra (prefigurativo do Esprito Planetrio da Ronda, Kumara).

    Por fim, abre-se aos olhos sequiosos de luz do peregrino a mstica mxima de todas as

    finisterrae do Ocidente, completando a noo inicitica de morte e ressurreio, no lugar onde o

    Sol se pe e se encontra com o Mar incgnito, smbolo da Vida Eterna ou Vida alm-Morte,

    onde termina o Mundo conhecido do Espao Com Limites e comea o Mundo desconhecido do

    Espao Sem Limites indefinido reflectido na imensido de Alm-Mar, o Oceano Sem Praias

    beijado pelas brumas do Mistrio.

    Os finisterrae sempre foram referidos pelos autores clssicos como lugares de abastana

    dos corpos, felicidade das almas e de presena divina. Hesodo localiza a Ocidente o Jardim das

    Hesprides, as ninfas do entardecer e filhas de Atlas que tinham a funo de proteger esse jardim

    onde estava a rvore das mas de ouro; Homero refere a felicidade dos habitantes da Hespria,

    definindo-a como o local reminiscente do Paraso de Saturno, smbolo da Idade de Ouro.

    Plutarco afirma na biografia de Sertrio a vontade deste general romano em terminar os dias na

    Hispnia sob a graa de Vnus, a guardio da Ilha dos Amores onde no h guerras nem tiranias,

    etc.

    Sintetizando e rematando, a Serra da Arrbida correlaciona-se ao Sol (Leo, 5. signo)

    complementando-se com a Lua (Sintra, 4. signo, se bem que o real de quem aquele

    descendente seja Balana-Vnus ou 7. signo); no entanto, o Cabo Espichel, como finisterrae,

    relac