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Semin Semin á á rio Nacional de Sa rio Nacional de Sa ú ú de Mental e Trabalho de Mental e Trabalho São Paulo, 28 e 29 de novembro de 2008 São Paulo, 28 e 29 de novembro de 2008 Oficina 6 Oficina 6 LEGISLA LEGISLA Ç Ç ÃO E PER ÃO E PER Í Í CIA EM SA CIA EM SA Ú Ú DE MENTAL DE MENTAL 29 de Novembro de 2008 29 de Novembro de 2008 Palestrante: Palestrante: Maria da Graça Jacques Psicóloga. Doutora em Psicologia do Trabalho pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul e tem pós- doutorado pela Universidade Aberta, em Portugal. Professora colaboradora nos Cursos de Especialização em Psicologia Social e Institucional e Cursos de Especialização em Medicina do Trabalho e no Programa de Pós- Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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São Paulo, 28 e 29 de novembro de 2008São Paulo, 28 e 29 de novembro de 2008

Oficina 6Oficina 6

LEGISLALEGISLAÇÇÃO E PERÃO E PERÍÍCIA EM SACIA EM SAÚÚDE MENTALDE MENTAL

29 de Novembro de 200829 de Novembro de 2008

Palestrante:Palestrante:

Maria da Graça Jacques

Psicóloga. Doutora em Psicologia do Trabalho pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul e tem pós-

doutorado pela Universidade Aberta, em Portugal. Professora colaboradora nos Cursos de Especialização em

Psicologia Social e Institucional e Cursos de Especialização em Medicina do Trabalho e no Programa de Pós-

Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho

Maria da Graça Jacques

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• Interlocução entre trabalho e saúde/doença mental

• Alguns procedimentos referentes ao diagnóstico e à justificativa de nexo causal entre trabalho e quadros psicopatológicos

• Exemplo concreto

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Um ponto de partida...

Notícia publicada no jornal diário Zero Hora de 18 de março de 1994 com o título de ‘Empregado humilhado ficou paralítico’. A reportagem relata o caso de um metalúrgico que havia perdido a voz e o movimento das pernas após ser humilhado pela chefia. O trabalhador foi atendido pela psicóloga do CEREST local, teve seu estado descrito como “sofrimento mental desencadeado no trabalho”, parecer que foi levado em consideração pelo setor de perícias do INSS ao incluí-lo no seguro-doença.

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Contexto atual

• Depressão e suicídio entre a população rural• Número crescente de transtornos mentais entre

trabalhadores que vivenciaram processos de reestruturação produtiva

• Segundo a Organização Mundial da Saúde, os transtornos mentais menores acometem cerca de 30% dos trabalhadores ocupados e os transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10%

• Segundo dados do INSS, os transtornos mentais ocupam o 3ª lugar entre as causas de concessão de benefícios previdenciários

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Alguns registros históricos

• Ramazzini (1700) faz referência ao sofrimento mental dos escriturários e tipógrafos

• Marx e Engels (‘O Capital’) alertam sobre as conseqüências do trabalho no sistema nervoso dos trabalhadores

• Henry Ford (‘Minha vida, minha obra’) revela preocupação com problemas decorrentes das rotinas de trabalho

• Journal of Mental Higyene (1917) tem como tema a identificação de linhas de montagem fordistas como fonte de sofrimento psíquico

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Alguns registros históricos

• Tempos Modernos (1936) de Charles Chaplin• Sivadon (1952): uso da expressão

psicopatologia do trabalho; ergoterapia• Le Guillant (1956): ‘A neurose das telefonistas’;

profissões dos internos dos hospícios franceses; o trabalho de empregadas domésticas

• Perspectiva multidisciplinar do campo Saúde do Trabalhador

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Dicotomia entre saúde/doença mental e trabalho

• Séculos XVII, XVIII e XIX: consolidação do saber médico sobre a loucura; desvios como atentados à ordem moral e social; loucura associada à ociosidade; internação compulsória; preocupação dominante é a descrição e classificação das doenças mentais

• Hegemonia da psicanálise imprópria para dar conta das relações de trabalho (Dejours, 1988; Habermas, 1982) –Referências à categoria trabalho na etiologia do transtorno psíquico: ‘Psicologia das Massas’ (1921), ‘Análise terminável e interminável’ (1936)

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Dicotomia entre saúde/doença mental e trabalho

• Psicologia e Psiquiatria fundamentadas em princípios naturalistas e evolucionistas que obstaculizam a apropriação de concepções de natureza humana de caráter social

• Aplicação da Psicologia e da Psiquiatria aos contextos de trabalho de caráter pragmático, moral e voltada para o aumento da produtividade

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Aspectos legais

• Portaria MS 1339/99: capítulo sobre “transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho”

• Classificação de Schilling: Grupo I – trabalho como causa necessária; Grupo II – trabalho como fator contributivo mas não necessário; Grupo III – trabalho como provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença jáestabelecida

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Aspectos legais

• Os chamados transtornos mentais e do comportamento se classificam, em geral, nos grupos II e III, exceto aqueles causados por substâncias tóxicas ou fatores específicos como traumas físicos

• A classificação no Grupo II pressupõe a existência de excesso de prevalência em determinados grupos ocupacionais (nexo técnico epidemiológico?)

• A classificação no Grupo III pressupõe a comprovação do nexo causal

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Quadro síntese

• Grupo I: exposição a agentes tóxicos/ fatores específicosDemênciaDeliriumTranstorno Cognitivo LeveTranstorno Mental OrgânicoEpisódios depressivosSíndrome de Fadiga relacionada ao trabalhoEstado de estresse pós-traumáticoTranstorno do ciclo vigília-sono

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Quadro síntese

• Grupo II: estudos epidemiológicos demonstrando maior freqüência, intensidade ou precocidadeAlcoolismo crônico

Outros transtornos neuróticosSíndrome de Burn-outEpisódios depressivosSíndrome de fadiga relacionada ao trabalho

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Quadro síntese

• Grupo III: trabalho como fator desencadeante ou agravanteAlcoolismo crônico

Outros transtornos neuróticosSíndrome de Burn-outEpisódios depressivosSíndrome de fadiga relacionada ao trabalho

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Dificuldades de classificação

• Fundamentação teórica: teorias divergem sobre o papel do trabalho no processo de adoecimento mental ( trabalho como determinante ou desencadeante a partir de estrutura pré-existente)

• Escassos estudos de caráter epidemiológico• Transtornos mentais e do comportamento têm

etiologia multicausal e a classificação de Schilling obdece a uma lógica unicausal

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Investigação diagnóstica

• Evidências epidemiológicas• História de vida de cada trabalhador• Exame do trabalho real• Outros exames (médicos e psicológicos)

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Anamnese Ocupacional(Fonte: JARDIM,S. & GLINA, D. Os diagnósticos dos transtornos mentais

relacionados ao trabalho. In: GLINA,S. & ROCHA, L. (orgs.) Saúde mental no trabalho; desafios e soluções. S.P.:VK, 2000, p.17-52)

• O trabalho• As condições de trabalho

• A organização do trabalho• Exigências físicas• Percepção dos trabalhadores sobre os riscos• Identificação do momento de mudanças Condições de

vida• História de vida X história de trabalho• Avaliação do trabalhador sobre as implicações sobre a

saúde

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Um exemplo concreto

Fonte: LIMA, M.E.; ASSUNÇÃO, A; FRANCISCO, J.M. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no trabalho. In: JACQUES, M.G.; CODO, W. (orgs.) Saúde mental & trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 209- 246.

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À guisa de conclusões

• Identificação dos vínculos com o trabalho orienta o diagnóstico e a prescrição terapêutica

• Vantagens econômicas e psicológicas aos trabalhadores

• Ênfase na patologia e na classificação e não na compreensão da relação trabalhador/trabalho, o que encobre o sofrimento do sujeito e o aliena do seu processo de adoecimento

• Conceito de saúde se reduz á ausência de transtornos psíquicos o que encobre outras dimensões

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A infância e a vida familiar

Carlos nasceu em uma pequena cidade do interior em1951. Seus pais eram lavradores, trabalhando em um pequeno pedaço de terra de sua propriedade ou arrendando terras. O pai é descrito como muito rigoroso, mas não violento. Na escola, sempre teve bom relacionamento. Como a família tinha muitas dificuldades financeiras, Carlos chegou a escrever a matéria a lápis, para que, no ano seguinte, pudesse utilizar novamente o caderno. Estudou apenas até o 4ºano primário. Ao voltar da escola, almoçava e ia fazer algum tipo de trabalho. Segundo ele, “nunca ficava assim na rua à toa, vadiando na rua”.

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A vida adulta

Carlos casou-se aos 22 anos e tem quatro filhos. Depois de casado fez o supletivo, do primeiro grau. Trabalhava durante o dia e estudava a noite. Interrompeu os estudos porque se sentia cansado. Durante o período que trabalhou como garagista (seu último emprego) sótirou férias quando a filha se casou. Foi demitido alguns dias depois de ter saído do hospital, onde foi internado com problema de fígado e pâncreas. Quanto aos problemas de saúde mais recentes, isto é, aquelas que surgiram após o último emprego, a sobrinha informa que, em 1998, Carlos foi internado duas vezes: “a primeira foi pancreatite e, a segunda, princípio de derrame”.

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A história ocupacional pregressa

Carlos começou a trabalhar na lavoura, ainda na infância, para ajudar a família. Depois, trabalhou na lavoura, principalmente na colheita de arroz, em diversas fazendas. Aos 15 anos,começou a trabalhar numa farmácia. Permaneceu neste emprego aproximadamente por dois anos e demitiu-se na busca por maior salário. Trabalhou como garçom, primeiro no interior e depois na capital, sempre sem carteira assinada.Aos 19 anos foi trabalhar em uma construtora como zelador de escritório.Permaneceu neste emprego por aproximadamente seis anos, com carteira assinada.

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A história ocupacional pregressa

Aproximadamente, entre os 26 e os 32 anos, alugou uma loja e começou a vender tecidos, material escolar e “miudezas”. Sentia-se muito bem neste trabalho, mas com o aumento do aluguel das salas viu-se obrigado a desfazer-se do negócio.Após fechar a loja, decidiu comprar gado e passou a dedicar-se à produção de leite. Mas, a região urbanizou-se, tornando inviável este tipo de atividade.Voltou a trabalhar em um bar por mais dois anos, realizando paralelamente pequenos serviços na fazenda do dono do bar. Saiu para empregar-se em um estacionamento para ter a sua carteira assinada.

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A história do último emprego

Aos 42 anos de idade, começou a trabalhar como porteiro noturno em um estacionamento, onde permaneceu por 4 anos e 6 meses. Trabalhava em dias alternados e em regime de turno fixo, das 19 horas às 7 horas da manhã.O seu local de trabalho era de mais ou menos 1,20 m. por 0,80 m., onde se encontravam um relógio, um interfone, um telefone, uma campainha, uma cadeira e um painel onde ficavam os cartões com os números das vagas, e que eram entregues aos usuários.

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A história do último emprego

A sua atividade foi assim descrita: os carros buzinavam ao chegar e Carlos abria uma janelinha para verificar se era mesmo o usuário; caso ficasse confirmado, abria o portão, levantava a cancela, dava o cartão para o usuário e acionava um botão vermelho para indicar a entrada de um veículo. Ele controlava também os sinais luminosos do segundo andar, acendendo uma luz vermelha para indicar a subida de carros e uma luz verde para liberação da saída. Além dessas atividades, Carlos atendia o telefone, o interfone e recebia jornais e revistas.

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A história do último emprego

Com a entrada do novo síndico ocorreram mudanças importantes na organização do trabalho, além da retirada de alguns benefícios. Proibiu televisão e rádio e introduziu um relógio no posto de trabalho de todos os porteiros que deveria ser acionado de 25 em 25 minutos. Além do relógio foi instalada uma câmara que, através dela o síndico podia observar tudo que acontecia, a partir do seu escritório, repreendendo aqueles que estavam conversando. Ficou proibida, também, a leitura de jornais e Carlos, com receio de ficar registrado na câmara, deixou de lado este recurso para distrair-se.

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A história do último emprego

Relata que neste período os ruídos começaram aincomodá-lo: “A campainha é que me assustava mais. Isso depois de três anos”. Aí que comecei a ter insônia”. Relata, também, que se assustava quando os usuários buzinavam para sinalizar que estavam descendo, mas também sobressaltava-se quando não buzinavam, pelo risco de acidente.

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A história do último emprego

Em vários momentos, Carlos falou de sua preocupação e seu medo constantes. Para ele, os equipamentos, a responsabilidade pelo trabalho, o medo de ser advertido e as noites sem dormir, tiveram um papel preponderante no desencadeamento dos seus problemas. Suas preocupações não se restringiam ao espaço de trabalho: “Eu era assim, no dia que eu trabalhava, dava meio dia e eu já estava concentrado. Eu já tomava banho, me preparando”.

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A história do último emprego

Relata a discussão que teve com o zelador no dia em que passou mal e deixou de acionar o relógio. Segundo ele, o zelador queria que assinasse a advertência: “Esse relógio apitou porque eu estava no banheiro, passando mal. Por isso não vou assinar. Acho que isso não dácerto para mim não. Um homem já velho, velho de firma, velho de idade. Aí ele pegou e disse: está bem”.

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Os sintomas

Carlos descreve o seu adoecimento: “Agüentei aindamuito tempo sem sentir, mas foi começando devagar,os reflexos das buzinas e do telefone. Às vezes, euestava assim, e quando assustava a luzinha já estavachegando no amarelo. A luz amarela era para indicarque já estava na hora de digitar. Há um ano atrás eupedi que me dispensassem, porque eu estava comproblemas e ele falou que não, porque eu era um bomfuncionário. E foi agravando mais com as buzinas. Eutomava um choque, embrulhava o estômago earrepiava os cabelos”.

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Os sintomas

Sobre os sintomas, ele relata: “Eu sentia quando estava nervoso, uma dor de estômago e uma canseira. Mas eu não estava em tratamento. Depois que eu fui internado é que comecei a tomar medicamentos”.Desde que iniciou seu tratamento, Carlos tem sempre afirmado que só passou a beber cerca de três anos após sua contratação pelo condomínio e que, portanto, teria bebido apenas durante aproximadamente 6 meses. “Eu tomava duas pingas e uma cerveja”.

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Os sintomas

Sobre as internações, Carlos diz que, em 1997, sentiu-se mal no serviço e ficou internado por 16 dias. Recebeu alta, voltou a trabalhar e apresentou fortes dores no peito, com dormências no braço esquerdo, sendo novamente internado por 15 dias. Depois, retornou ao trabalho e após nove dias deram-lhe o aviso prévio: “Mas eu cumpri o aviso direitinho, fui trabalhar como se não tivesse aviso”.

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Os sintomas

Carlos apresenta-se às consultas com bom aspecto e sempre acompanhado, pois passou a ter medo de andar sozinho. Sofria crises de ansiedade, episódios de insônia e assustava-se facilmente com buzinas, campainhas e telefones. Além disso não conseguia esquecer do relógio. Naquele momento, disse que tinha parado de beber, o que foi confirmado pela sobrinha. Desde então se encontrava desempregado, referindo-se constantemente a este problema.

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Situação atual

A presença do relógio no seu cotidiano foi uma constante mesmo após o afastamento do condomínio. Além de desenhar um relógio igual ao que era utilizado no seu setor, ele simulava a mesma operação que executava no trabalho, ou seja, digitava-o a cada 25 minutos. Sempre que falava sobre o relógio, ficava agitado. “Desenhava ele assim de brincadeira, em casa, mas eu não chegava a operar ele não... Agora eu desenho e fico operando, depois rasgo. Desenho de novo, rasgo, desenho...”

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Situação atual

O cotidiano de Carlos tem se limitado ao espaço doméstico e não interage com familiares ou amigos. Depois que parou de receber o seguro-desemprego, passou por um período difícil, durante o qual apresentou um quadro de depressão e, teve que interromper o tratamento, pois não tinha sequer dinheiro para pagar o transporte. Quando retornou o tratamento os sintomas tinham se agravado. Comunicou sua decisão de mandar alguém fabricar um relógio idêntico ao utilizado no seu posto de trabalho. “Ele era um aparelho que me vigiava, né? E que tornou-se, tornou-se um companheiro, sei lá...”

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Situação atual

Aos problemas decorrentes de sua última experiência, somam-se alguns sintomas decorrentes do desemprego, como a crise de identidade, sentimento de impotência, a sensação de carência e de sentido da vida e o isolamento social. Foi solicitada concessão de auxílio-doença acidentária, mas os peritos negaram o nexo causal. No entanto, após uma segunda tentativa, reconheceram que, pelo menos temporariamente, Carlos se encontra sem condições de trabalhar, concedendo-lhe o auxílio-doença. Os vizinhos passaram a chamá-lo de “doido” ou de “homem do relógio”.

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Situação atual

Carlos decidiu fazer uma horta no quintal de sua casa e é lá que passa boa parte do dia. Mas nada disso o faz esquecer-se do relógio: “Não tem jeito de esquecer...Eu mi, vesti, trabalhei com ele.Por que ele veio fazer isso comigo? O culpado foi alguém ter exigido muito de mim. Eu morria de medo de chamarem minha atenção. Tinha, não.Tenho. Não gosto de fazer nada errado”.

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