semantica da enunciação - texto que ira me ajudar nas respostas

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Página 17 1 SEMÂNTICA(*-Nota de rodapé) Roberta Pires de Oliveira 1. INTRODUÇÃO Definir o objeto de estudos da Semântica não é uma tarefa simples. Podemos afirmar que a Semântica busca descrever o "significado" das palavras e das sentenças, mas devemos, então, definir esse conceito. O problema é que não há consenso entre os semanticistas sobre o que se entende por "significado". Uma das dificuldades de definirmos esse termo se deve ao fato de que ele é usado para descrever situações de fala muito diferentes. Vejamos: em "Qual é o significado de mesa?”, indagamos sobre o significado de um termo, mesa; em "Qual o significado de sua atitude?", perguntamos sobre a intenção não-lingüística de nosso interlocutor. Falamos ainda sobre o significado de um livro, o significado da vida, o significado do verde no semáforo, o significado da fumaça ("O que significa aquela fumaça?") e sobre muitos outros significados. Se tentamos abarcar todas essas situações e outras em que o termo aparece, minamos o próprio projeto de se construir uma teoria científica sobre o significado, porque já não saberemos mais o significado de "significado"(1-nota de rodapé ). *- (Nota de Rodapé) Agradeço aos vários alunos que leram versões deste capítulo, em especial a Fabiano Fernandes e Maria Salete M. de Lima. 1. Sobre o significado de "significado", o texto clássico é de Osgden & Richards (1976). Página 18 Daí a afirmação do filósofo Putnam: "o que atrapalha a Semântica é ela de- pender de um conceito pré-teórico de 'significado'" (2- nota de rodapé). A esta dificuldade se soma ainda outra: a problemática do significado transborda as próprias fronteiras da Linguística, porque ela está fortemente ligada à questão do conhecimento. Responder a como é que atribuímos significado a uma cadeia de ruídos implica adotar um ponto de vista sobre a aquisição de conhecimento. É o significado uma relação causal entre as palavras e as coisas? Será ele uma entidade mental? Ele pertence ao indivíduo ou à comunidade, ao domínio público? Essas perguntas, caras ao semanticista, levam inevitavelmente a enfrentar a questão espinhosa da relação entre linguagem e mundo e consequentemente a buscar uma resposta sobre como é possível (se é que é possível) o conhecimento. Se não há acordo sobre as questões anteriormente levantadas, então há várias formas de se descrever o significado. Há várias semânticas. Cada uma elege a sua noção particular de significado, responde diferentemente à questão da relação linguagem e mundo e constitui, até certo ponto, um modelo fechado, incomunicável com outros. O estruturalismo de vertente

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Página 17

1 SEMÂNTICA(*-Nota de rodapé)

Roberta Pires de Oliveira

1. INTRODUÇÃO

Definir o objeto de estudos da Semântica não é uma tarefa simples. Podemos afirmar que a Semântica busca descrever o "significado" das palavras e das sentenças, mas devemos, então, definir esse conceito. O problema é que não há consenso entre os semanticistas sobre o que se entende por "significado". Uma das dificuldades de definirmos esse termo se deve ao fato de que ele é usado para descrever situações de fala muito diferentes. Vejamos: em "Qual é o significado de mesa?”, indagamos sobre o significado de um termo, mesa; em "Qual o significado de sua atitude?", perguntamos sobre a intenção não-lingüística de nosso interlocutor. Falamos ainda sobre o significado de um livro, o significado da vida, o significado do verde no semáforo, o significado da fumaça ("O que significa aquela fumaça?") e sobre muitos outros significados. Se tentamos abarcar todas essas situações e outras em que o termo aparece, minamos o próprio projeto de se construir uma teoria científica sobre o significado, porque já não saberemos mais o significado de "significado"(1-nota de rodapé ).

*- (Nota de Rodapé)

Agradeço aos vários alunos que leram versões deste capítulo, em especial a Fabiano Fernandes e Maria Salete M. de Lima. 1. Sobre o significado de "significado", o texto clássico é de Osgden & Richards (1976).

Página 18

Daí a afirmação do filósofo Putnam: "o que atrapalha a Semântica é ela de-pender de um conceito pré-teórico de 'significado'" (2- nota de rodapé). A esta dificuldade se soma ainda outra: a problemática do significado transborda as próprias fronteiras da Linguística, porque ela está fortemente ligada à questão do conhecimento. Responder a como é que atribuímos significado a uma cadeia de ruídos implica adotar um ponto de vista sobre a aquisição de conhecimento. É o significado uma relação causal entre as palavras e as coisas? Será ele uma entidade mental? Ele pertence ao indivíduo ou à comunidade, ao domínio público? Essas perguntas, caras ao semanticista, levam inevitavelmente a enfrentar a questão espinhosa da relação entre linguagem e mundo e consequentemente a buscar uma resposta sobre como é possível (se é que é possível) o conhecimento. Se não há acordo sobre as questões anteriormente levantadas, então há várias formas de se descrever o significado. Há várias semânticas. Cada uma elege a sua noção particular de significado, responde diferentemente à questão da relação linguagem e mundo e constitui, até certo ponto, um modelo fechado, incomunicável com outros. O estruturalismo de vertente

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saussureana, por exemplo, definia o significado como uma unidade de diferença, isto é, o significado se dá numa estrutura de diferenças com relação a outros significados. Assim, o significado de uma palavra se define por não ser um outro significado: mesa se define por não ser cadeira, sofá, abajur. Nesta perspectiva, o significado não tem nada a ver com o mundo, mesa não é o nome de um objeto no mundo, é a estrutura de diferença com cadeira, sofá, abajur. Essa postura pode implicar uma posição relativista, já que cada língua, cada sistema de diferenças, institui sua própria racionalidade(3-nota de rodapé). Já para a Semântica Formal o significado é um termo complexo que se compõe de duas partes, o sentido e a referência. O sentido de um nome, a mesa da professora, por exemplo, é o modo de apresentação do objeto/referência mesa da professora. Assim, no modelo lógico, a relação da linguagem com o mundo é fundamental. Para a Semântica da Enunciação, herdeira do estruturalismo, o significado é o resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela. Diferentemente do estruturalismo, mesa, na Semântica da Enunciação, significa as diversas possibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra pode participar. Seu significado é o somatório das suas contribuições em inúmeros fragmentos de discurso: "Comprei uma mesa", "Senta ali na mesa...". Para a Semântica Cognitiva, mesa é a superfície linguística de um conceito, o conceito mesa, que é adquirido por meio de nossas manipulações sensório-motoras com o mundo.

Nota de rodapé 2.Putnam, H. The meaning of meaning. In: Language, mind and knowledge. Cambridge, Cambridge University Press, 1975. 3.Ver Ilari (1995).

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E tocando coisas que são mesas que formamos o conceito pré-linguístico mesa que aparece nas práticas linguísticas como mesa. Esse conceito tem estrutura prototípica, porque se define pelo membro mais emblemático: um objeto de quatro pernas. A pluralidade de semânticas será ilustrada pela apresentação das linhas mestras de três formas de fazer semântica: a Semântica Formal, a Semântica da Enunciação e a Semântica Cognitiva. A escolha desses modelos procura refletir o atual estado-da-arte em Semântica no Brasil (4-nota de rodapé). Buscaremos mostrar como um fenômeno linguístico, a pressuposição recebe um tratamento diferenciado em cada abordagem. Na sentença "O homem de chapéu saiu" há, segundo a Semântica Formal, uma pressuposição de existência: existe um e apenas um indivíduo tal que ele é homem e está de chapéu e saiu. A Semântica da Enunciação vê nesta mesma sentença a presença da polifonia, a voz de mais de um enunciador: uma fala que diz que há um indivíduo, outra, que ele está de chapéu e outra, que ele saiu. Finalmente, a Semântica Cognitiva descreve a sentença a partir da hipótese de que na sua interpretação formamos espaços mentais: o espaço mental em que há um homem. Esperamos que, ao final deste capítulo, o leitor não apenas seja capaz de diferenciar esses modelos de Semântica, mas consiga manipulá-los minimamente.

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1. A SEMÂNTICA FORMAL

Iniciamos pela Semântica Formal porque historicamente ela antecede as demais, o que a torna o referencial teórico e o grande inimigo a ser destruído. A Semântica Formal descreve o problema do significado a partir do postulado de que as sentenças se estruturam logicamente(5-nota de rodapé). Para ilustrar relações lógicas retomemos a análise de Aristóteles, um pioneiro neste tipo de estudo. Ao analisar o raciocínio dedutivo presente nas sentenças a seguir, Aristóteles mostra que há relações de significado que se dão independentemente do conteúdo das expressões. Vejamos:

Nota de rodapé 4. O termo "modelo" é utilizado aqui de modo quase informal, como se ele não fosse em si mesmo problemático. Sobre a semântica no Brasil, ver Pires de Oliveira (1999). 5. A bibliografia em Semântica Formal é extensa. Manuais introdutórios são: Lyons (1977). Kempson (1980), Ilari & Geraldi (1985), Saeed (1997). Há muitos estudos sobre fenômenos do português brasileiro que adotam a perspectiva formal. Ver, entre outros, Ilari (1998), Negrão (1992), Borges (1991).

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(inicio da citação) (1)Todo homem é mortal. João é homem. Logo, João é mortal. (fim da citação)

Se garantirmos que as duas primeiras sentenças, chamadas premissas, são verdadeiras, concluímos a terceira. Estamos diante de uma relação entre conjuntos: o conjunto dos homens está contido no conjunto dos mortais; se João é um componente do conjunto dos homens, então ele é necessariamente um componente do conjunto dos mortais. O interessante é que este raciocínio se garante apenas pelas relações que se estabelecem entre os termos, independentemente do que homem ou mortal significam. Se alterarmos as expressões e mantivermos as relações, o raciocínio será sempre válido. Experimente verificar se o raciocínio seguinte é válido e justificar sua validade:Todo cachorro tem 4 patas; Bela é um cachorro; logo, Bela tem 4 patas. Essas são relações lógicas, ou formais, porque podemos representá-las por letras vazias de conteúdo, mas que descrevem as relações de sentido. Podemos, pois, dizer que "se A é um conjunto qualquer que está contido em um outro conjunto qualquer, o conjunto B, e se c é um elemento do conjunto A, então, c é um elemento do conjunto B". A Semântica, em geral, deve muito à definição de significado estabelecida pelo lógico alemão Gottlob Frege (1848-1925). Frege nos legou pelo menos duas grandes contribuições: a distinção entre sentido e referência e o conceito de quantificador. Esse autor afirma que o estudo científico do significado só é possível se diferenciarmos os seus diversos aspectos para reter apenas aqueles que são objetivos.

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Ele exclui da Semântica o estudo das representações individuais que uma dada palavra pode provocar. Ao ouvir o nome próprio estrela da manhã, formo uma idéia, uma representação, que é só minha, uma vez que ela depende de minha experiência subjetiva no mundo. O estudo desse aspecto do significado cabe à Psicologia. A Semântica cabe o estudo dos aspectos objetivos do significado, isto é, aqueles que estão abertos à inspeção pública. Sua objetividade é garantida pela uniformidade de assentimento entre os membros de uma comunidade. Eu e você temos representações distintas de estrela você talvez a associe a um sentimento nostálgico, eu, à euforia das viagens espaciais -, mas compartilhamos o sentido de estrela, já que sempre concordamos quando alguém diz estrela apontando um certo objeto no céu que reconhecemos como estrela. Nós também concordamos em discordar do uso de estrela para se referir à lua, a menos que estejamos diante de algum tipo de uso indireto da palavra ou de um engano. O sentido de um nome próprio como estrela da manhã é o que nos permite alcançar, falar sobre, um certo objeto no mundo da razão pública, o planeta Vênus, a sua referência. Página 21 O sentido é, pois, o que nos permite chegar a uma referência no mundo. Frege (1978) precisa dessa distinção porque sem ela não é possível explicar a diferença entre:

(inicio da citação)

(2) A estrela da manhã é a estrela da manhã. (3) A estrela da manhã é a estrela da tarde. (fim da citação)

A sentença (2) é uma tautologia, uma verdade óbvia que independe dos fatos no mundo. Daí seu grau de informatividade tender a zero. Já em (3), afirmamos uma igualdade, cuja veracidade deve ser verificada no mundo. Se, de fato, aquilo que denominamos estrela da manhã é o mesmo objeto que denominamos estrela da tarde, então, quando aprendemos que a estrela da manhã é a estrela da tarde aprendemos uma verdade sobre o mundo: que podemos nos referir ao planeta Vênus de pelo menos duas maneiras diferentes. A sentença (3) expressa uma verdade sintética, isto é, uma verdade que só pode ser apreendida pela inspeção de fatos no mundo, por isso ela pode nos proporcionar um ganho real de conhecimento. Ela exprime uma descoberta da Astronomia: a estrela da manhã não era, como se pensava desde os gregos, uma estrela diferente da estrela da tarde, mas o mesmo planeta Vênus. Estrela da manhã e estrela da tarde são dois caminhos para se chegar à mesma referência. Só conseguimos explicar a diferença entre as sentenças (2) e (3) se distinguimos sentido de referência: embora ambas as sentenças tenham a mesma referência, elas expressam pensamentos diferentes. Se o sentido é o caminho que nos permite alcançar a referência, quando descobrimos que dois caminhos levam à mesma referência, aprendemos algo sobre esse objeto, sobre o mundo. Todos nós já experimentamos a sensação de entusiasmo quando de repente des-cobrimos que 3 + 3 é o mesmo que 10-4. Ao tomarmos consciência da igualdade, descobrimos dois caminhos, dois sentidos, para alcançarmos a mesma referência, o número 6. Uma mesma referência pode, pois, ser

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recuperada por meio de vários sentidos. Considere a cidade de Florianópolis. Podemos nos referir a ela por meio de diferentes sentidos: a cidade de Florianópolis, Florianópolis, a capital de Santa Catarina, a ilha da magia... Você certamente já viveu a experiência de descobrir que Florianópolis é a capital de Santa Catarina, isto é, de falar de um objeto, a cidade de Florianópolis, de modos distintos. Atente para a distinção entre linguagem e mundo: Florianópolis e Florianópolis. Para esclarecer a diferença entre sentido e referência, Frege propõe uma analogia com um telescópio apontado para a lua. A lua é referência: sua existência e propriedades independem daquele ou daquela que a observa. Ela pode, no entanto, ser olhada a partir de diferentes perspectivas, e observá-la de um ângulo pode nos ensinar algo novo sobre ela. Página 22

A imagem da lua formada pelas lentes do telescópio é o que tanto eu quanto você vemos. Essa imagem compartilhada é o sentido. Ao mudarmos o telescópio de posição, vemos uma face diferente da mesma lua, alcançamos o mesmo objeto por meio de outro sentido. Lembremos que a imagem mental que cada um de nós forma da imagem objetiva do telescópio está fora dos interesses da Semântica. O sentido só nos permite conhecer algo se a ele corresponder uma referência. Em outros termos, o sentido permite alcançarmos um objeto no mundo, mas é o objeto no mundo que nos permite formular um juízo de valor, isto é, que nos permite avaliar se o que dizemos é falso ou é verdadeiro. A verdade não está, pois, na linguagem, mas nos fatos do mundo. A linguagem é apenas um instrumento que nos permite alcançar aquilo que há, a verdade ou a falsidade. Por isso, para Frege, mas não para a Semântica Formal contemporânea, sentenças que falam de personagens fictícios carecem de valor de verdade. Uma sentença ficcional, por exemplo ''Papai Noel tem a barba branca", não pode ser cognitiva, porque ela não se refere a um objeto real.

(inicio da citação)

Intervalo I Se você entendeu bem essa estória de sentido e referência, diga qual a referência de: a capital da França, Paris, Paris é a capital da França. A seguir descreva a cidade do Rio de Janeiro através de diferentes sentidos (6-nota de rodapé). (fim da citação)

Para Frege (1978), um nome próprio deve ter sentido e referência. Florianópolis e a capital de Santa Catarina são dois nomes próprios, porque têm sentido e nos permitem falar sobre um objeto no mundo, a cidade de Florianópolis. Os nomes próprios são saturados porque eles expressam um pensamento completo e podemos, por meio deles, identificar uma referência. Há, no entanto, expressões que são incompletas, que não nos possibilitam chegar a uma referência, porque não expressam um pensamento completo. Esse é o caso da expressão ser capital de. Como não expressa um pensamento completo, ela não serve para alcançarmos uma referência. Além disso, é fácil notar que a expressão ser capital de é recorrente em inúmeras sentenças:

(inicio da citação)

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(4) São Paulo é a capital de São Paulo. (5) São Paulo é a capital de Santa Catarina. (fim da citação)

Nota de rodapé 6.Indicações de respostas aparecem no final deste capítulo. Página 23 (inicio da citação)

(6) Florianópolis é a capital de Santa Catarina. (7) Florianópolis é a capital de São Paulo. (fim da citação)

___________ As sentenças anteriores são nomes próprios porque elas expressam um pensamento completo e têm uma referência. Em (4) e (6), a referência é a verda de, já que de fato São Paulo é a capital de São Paulo e Florianópolis é a capital de Santa O que se repete nessas sentenças é a expressão ser capital de, uma expressão insaturada. Para expressar um pensamento completo, a expressão deve ser preenchida em dois lugares: um que a antecede, outro que a sucede. Esses vazios são chamados argumentos. A expressão insaturada chama-se predicado. O predicado ser capital de é um predicado de dois lugares, porque há dois espaços a serem preenchidos por argumentos: ser capital de _____ . Podemos, no entanto, transformá-lo em um predicado de um lugar: __ ser a capital de São Paulo, por exemplo.Você conseguiria recortar diferentes predicados de um lugar a partir das sentenças de (4) a (7)? São Paulo é a capital de ; Florianópolis é a capital de; é a capital de Florianópolis são alguns exemplos. O contraste que Frege constrói é, pois, entre funções incompletas, isto é, aquelas que comportam pelo menos um espaço e pedem, portanto, pelo menos um argumento, e funções completas, que remetem a uma referência. Uma expressão insaturada combinada com um argumento gera uma expressão completa, um nome próprio, que tem como referência um valor de verdade, isto é, o verdadeiro ou o falso. Podemos entender o predicado como uma máquina, que toma elementos ou que os relaciona. Em (4), o predicado ser capital de relaciona São Paulo com São Paulo, gerando o nome próprio, São Paulo é a capital de São Paulo, que tem sentido, expressa um pensamento, e tem uma referência, a verdade. O predicado pode ser preenchido por um nome próprio, como nos exemplos dados, mas ele pode também ser preenchido por outro tipo de argumento, a expressão quantificada. Uma expressão quantificada indica um certo número de elementos, daí o termo quantificador. Vejamos alguns exemplos de sentenças quantificadas:

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(inicio da citação)

(8) Uma cidade de Santa Catarina é a capital de Santa Catarina. (9) Todos os homens são mortais. (10) Todos os meninos amam uma professora. (fim da citação) Em (8), afirmamos que há uma cidade de Santa Catarina tal que esta cidade é a capital daquele Estado, embora a sentença não especifique que cidade é essa.

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Em (8) temos um exemplo de quantificador existencial. Já a sentença (9) comporta um quantificador universal que pode ser informalmente traduzido por "o predicado 'ser mortal' se aplica a todos os elementos aos quais se aplica o predicado 'ser homem'". Na sentença (10) temos a presença de dois quantificadores combinados: o universal (todos) e o existencial (uma). Essa sentença pode ter duas interpretações, ou, em termos técnicos, ela é ambígua: para todo aluno há pelo menos uma professora que ele ama — trata-se de uma leitura distributiva —; há uma única professora que todos os alunos amam. No primeiro caso, o quantificador universal antecede o existencial; no segundo, inverte-se a situação de modo que o existencial precede o universal. Os quantificadores podem, pois, se combinar e sua combinação produz interpretações distintas. O modo como combinamos operadores, e os quantificadores são um tipo de operador, é extremamente importante porque sua combinação explica um tipo de ambiguidade, a ambiguidade semântica. Considere a sentença: (inicio da citação)

(11) O João não convidou só a Maria. (fim da citação)

Você consegue enxergar duas interpretações para ela? A sentença (11) pode descrever duas situações bem distintas: ou o João só não convidou a Maria, ou o João não só convidou a Maria, mas também outras pessoas. A diferença entre essas interpretações é explicada pelo modo como se combinam os operadores não e só: ou o não atua sobre o só, gerando não só, ou o só atua sobre o não, produzindo só não. Esta relação em que um operador atua sobre um certo domínio tem sido denominada de escopo: na primeira leitura, o operador só tem escopo sobre a negação; na segunda, é a negação que tem escopo sobre o só: "O João não só convidou a Maria".

(inicio da citação)

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Intervalo II 1. Considere as seguintes sentenças. Recorte-as segundo os conceitos de predicado e argumento em Frege: a) João é casado com Maria. b) Maria é brasileira. c) Oscar é jogador de basquete. 2. A partir dos conceitos de quantificador universal e existencial e da noção de escopo, descreva as sentenças abaixo: a) Todo homem é casado com alguma mulher. b)Um homem é casado com todas as mulheres. c) A Maria não dançou só com o Pedro. (fim da citação)

Página 25 Considere agora a sentença: (inicio da citação)

(12) O presidente do Brasil é sociólogo.

(fim da citação)

Ela se compõe de um nome próprio, o presidente do Brasil, e de um predicado de um lugar, ser sociólogo. O problema é o nome próprio o presidente do Brasil. Note que neste sintagma afirma-se que há uma e apenas uma pessoa tal que esta pessoa é presidente do Brasil. Chamamos a esse tipo de sintagma de descrição definida. Uma descrição definida caracteriza-se por ser uma expressão nominal introduzida por um artigo definido (7-nota de rodapé). É possível tratá-la como um tipo particular de operador: aquele que afirma existir um e apenas um elemento tal que este elemento tem determinada propriedade. Se a sentença (12) for proferida em 1999, então a referência da descrição definida é Fernando Henrique Cardoso. Dessa entidade no mundo é predicada a propriedade "ser sociólogo". Neste momento, ela é verdadeira, já que há um e apenas um presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e ele é sociólogo. Evidentemente, se a sentença fosse proferida em 1991, ela seria falsa, já que o então presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, não é sociólogo. O artigo definido carrega uma marca de dêixis, isto é, ele remete à situação em que a sentença é proferida. Até aqui não há problema. Note, no entanto, que para atribuirmos um valor de verdade à sentença (12), imaginamos que existe alguém com aquelas propriedades. Para Frege, essa pressuposição de existência faz parte das condições de verdade da sentença, mas não do seu sentido. Em outros termos, a sentença (12) expressa um pensamento completo, mas para atribuirmos a ela um valor de verdade pressupomos a existência de uma entidade da qual predicamos algo. Essa pressuposição existencial não é

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semântica. Frege mantém que se a pressuposição fosse semântica, então a negação da sentença seria ambígua. Vejamos: (inicio da citação)

(13) O presidente do Brasil não é sociólogo.

(fim da citação)

Se a pressuposição fosse semântica, afirma Frege, então (13) significaria: ou não existe um presidente do Brasil ou o presidente do Brasil não é sociólogo. No entanto, em (13), não negamos a existência de alguém que é presidente do Brasil, mas a afirmação de que ele é sociólogo. Isto é, a pressuposição de que existe alguém que é presidente se mantém inalterada na negação, por isso ela não se confunde com o conteúdo da sentença(8-nota de rodapé).

Nota de rodapé 7. Sobre definição definida, ver Ducrot (1979). 8. A pressuposição seria, portanto, pragmática. Ver o capítulo "Pragmática" neste volume. Página 26 Mas imagine que (12) seja proferida num momento em que não há presidente do Brasil. Se, por exemplo, ela fosse proferida em 1888, quando vivíamos ainda na Monarquia, será que ela teria valor de verdade? Essa questão gerou muita discussão na Semântica Lógica. A solução de Frege caminha paralelamente à solução com relação aos nomes próprios que indicam seres imaginários, o Batman, por exemplo: sentenças que se referem a seres ou coisas que não têm existência real, isto é, sentenças cuja pressuposição de existência é falsa, têm sentido, mas não têm referência. Elas não são nem verdadeiras nem falsas. Bertrand Russell propõe uma outra solução. Ele trata o artigo definido o como um quantificador. Como já vimos, os operadores podem se combinar. Assim, dado que o artigo definido é um quantificador e que o não, um operador que incide sobre a proposição ou parte da proposição alterando-lhe o valor de verdade, então entre eles se estabelecem relações de escopo. A sentença (13) seria, portanto, ambígua: a negação pode ter escopo sobre o artigo definido, e teremos a forma lógica (14) a seguir, ou o artigo definido tem escopo sobre a negação, e a forma lógica será (15):

(14) [não [existe um apenas um indivíduo tal que [ele é presidente] e [é sociólogo]]] (15) [existe um e apenas um indivíduo tal que [ele é presidente] e [não [é sociólogo]]]

A proposta de Russell trata a pressuposição existencial como parte do conteúdo da sentença. Neste caso, proferir a sentença

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(12) quando não existe alguém que é presidente do Brasil é afirmar uma falsidade. Independentemente dessa controvérsia, a Semântica Formal considera que há pressuposição quando tanto a verdade quanto a falsidade da sentença dependem da verdade da sentença pressuposta. Há muitos tipos de pressuposição. A sentença (16) contém uma pressuposição, mas dessa vez não se trata de uma pressuposição existencial: (inicio da citação)

(16) Maria parou de fumar.

(fim da citação)

Para que eu possa atribuir um valor de verdade a essa sentença, devo pressupor que seja verdade que Maria fumava. Se Maria nunca fumou, então ter parado de fumar é algo que simplesmente não se aplica a Maria: não é nem verdadeiro nem falso. Página 27 (inicio da citação) Intervalo III A partir das noções de escopo e operador descreva a ambiguidade presente na sentença a seguir: (1) O rei da França não é calvo. Determine se há pressuposição na sentença abaixo e justifique sua resposta: (2) João lamenta a morte do pai. (fim da citação)

A década de 1970 conheceu uma explosão de trabalhos sobre a pressuposição. Salienta-se, dentre eles, o trabalho de Oswald Ducrot que, certamente influenciado pelos trabalhos de Émile Benveniste e pela escola francesa de Análise do Discurso,(9-nota de rodapé) se opõe veementemente ao tratamento que a Semântica Formal oferece para a pressuposição em particular e para o significado em geral. Suas críticas e análises possibilitaram a formação de um outro modelo: a Semântica da Enunciação.

3. A SEMÂNTICA DA ENUNCIAÇÃO

A visão de linguagem que, segundo Ducrot, subsidia a Semântica Formal é inadequada porque, argumenta o autor, ela se respalda num modelo informa-cional, em que o conceito de verdade é externo à linguagem. Na Semântica Formal, a linguagem é um meio para alcançarmos uma verdade que está fora da linguagem, o que nos permite falar objetivamente sobre o mundo e, consequentemente, adquirir um conhecimento seguro sobre ele. E possível que o

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conceito de referência em Frege esteja mesmo revestido de tal realismo: a metáfora do telescópio deixa claro que o objeto descrito, a lua, não é uma função da descrição dada, do sentido. É o nosso conhecimento da lua que depende do sentido. Vemos a mesma lua a partir de pontos de vista diferentes, não vemos luas diferentes. A diferença é sutil, mas necessária para distinguirmos entre semânticas ditas objetivistas ou realistas, que postulam uma ordem no mundo que dá conteúdo à linguagem, e semânticas mais próximas do relativismo, que acreditam que não há uma ordem no mundo que seja dada independentemente da linguagem e da história. A linguagem constitui o mundo, por isso não é possível sair fora dela. A Semântica da Enunciação certamente se inscreve nessa perspectiva, mas há abordagens formais que não se vinculam a uma metafísica realista (10-nota de rodapé).

Nota de rodapé 9. Ver o capítulo "Análise (lo Discurso", neste volume. 10. Sobre o assunto, ver Haack (1978).

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De qualquer modo, para a Semântica da Enunciação, a referência é uma ilusão criada pela linguagem. Estamos sempre inseridos na linguagem: é o fato de que utilizamos dêiticos — termos cujo conteúdo é a remissão à externalidade linguística, os pronomes isto, eu, você, o artigo definido o, por exemplo — que nos dá a sensação/ilusão de estar fora da língua. Estamos, no entanto, sempre fechados nela e por ela. A Semântica Formal, diz Ducrot, cai na ilusão, criada pela própria linguagem, de que ela se refere a algo externo a ela mesma, de onde ela retira a sua sustentação. A linguagem, afirma Ducrot, é um jogo de argumentação enredado em si mesmo; não falamos sobre o mundo, falamos para construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nas nossas interlocuções. A verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo e passa a ser relativa à comunidade que se forma na argumentação. Assim, a linguagem é uma dialogia, ou melhor, uma "argumentalogia"; não falamos para trocar informações sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para convencê-lo de nossa verdade". Essa diferença de concepção da linguagem surte efeitos na forma como os fenômenos semânticos são descritos. Tomemos, em primeiro lugar, a questão da pressuposição. Se a linguagem não se refere, se a referência é interna ao próprio jogo discursivo, então também a pressuposição, seja ela existencial ou de qualquer outro tipo, é criada pelo e no próprio jogo de encenação que a linguagem constrói. A pressuposição não pode ser uma crença em algo externo à linguagem. É porque falamos de algo que esse algo passa a ter sua existência no quadro criado pelo próprio discurso. Nas versões mais atuais da Semântica da Enunciação, o conceito de pressuposição é substituído pelo de enunciador. Um enunciado se constitui de vários enunciadores que, por sua vez, formam o quadro institucional que referenda o espaço discursivo em que o diálogo vai se desenvolver. A pressuposição, um enunciador presente no enunciado, situa o diálogo no comprometimento de que o ouvinte aceita esta voz pressuposta. De tal sorte que negá-la seria romper o diálogo. Retornemos ao exemplo do presidente do Brasil ser sociólogo. Quando enunciamos (12), comprometemos nosso ouvinte com o fato de que há um e apenas um presidente. O enunciado é polifônico porque encerra várias vozes. Na enunciação de (12), o locutor põe em cena um diálogo entre enunciadores. Vejamos:

Nota de rodapé

11. Para uma introdução à Semântica da Enunciação, ver Ducrot (1979, 1987). A Semântica da Enunciação tem contribuído para a descrição de vários fenômenos semânticos do português brasileiro. Ver, entre outras análises, Vogt (1977), Koch (1984), Guimarães (1991).

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(inicio da citação)

(17) O presidente do Brasil é sociólogo. E1: Há um e apenas uma pessoa. E2: Esta pessoa é presidente do Brasil. B3: Esta pessoa é sociólogo. (termino da citação)

Essa estrutura polifônica deixa claro que pode haver dois tipos de negação. Note que diferentemente da Semântica Formal, a negação de (17) não será ambígua, porque não há duas formas lógicas. O que ocorre é que o ouvinte pode realizar diferentes tipos de negação: ele pode negar o enunciador E1, neste caso estamos diante de uma negação polêmica; mas ele pode negar o posto, o enunciador E3 neste caso temos uma negação metalinguística. Vejamos a análise do exemplo (16), retomado aqui:

(inicio da citação)

(18) Maria parou de fumar. E1: Maria fumava. E2: Maria não fuma mais. (termino da citação)

A enunciação de (18) põe em jogo um enunciador que afirma que Maria fumava antes, trata-se do pressuposto, e outro que diz que ela já não fuma mais, o posto. Se negamos a fala do primeiro enunciador, realizamos uma negação polêmica; se negamos o posto, uma negação metalinguística. Assim, as diferentes leituras, explicadas como ambiguidade estrutural pela Semântica Formal, são, para a Semântica da Enunciação, explicadas lançando mão do conceito de polissemia; em outras palavras, um mesmo enunciado se abre num leque de significados diferentes, mas relacionados. A Semântica Formal resolve o problema da ambiguidade por meio do conceito de escopo, enquanto na Semântica da Enunciação a noção de escopo não tem lugar e o problema se resolve via a hipótese de que há diferentes tipos de negação. O que explica as diferentes leituras da sentença (19) é a presença de uma série de enunciadores e diferentes tipos de negação.

(inicio da citação)

(19) O presidente do Brasil não é sociólogo. (19) E1: Há um presidente do Brasil. E2: Ele é sociólogo. E3: E1 é falsa. (19") E3: Há um presidente do Brasil. E2: Ele é sociólogo. E3: E2 é falsa.

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(termino da citação) Página 30

Em outras palavras: não se trata de uma diferença estrutural, mas de uma diferença entre tipos de negação. Assim, a pressuposição, na Semântica da Enunciação, se resolve pela hipótese da polifonia e, portanto, da existência de diferentes enunciadores, e a ambiguidade se desfaz pela determinação de diferenças de uso das palavras: o não-polêmico e o não-metalingüístico.

Eis um outro exemplo. Em resposta a alguém que diz que meu carro está mal estacionado, posso retrucar:

(20) Não, meu carro não está mal estacionado (porque eu não

tenho carro). Nesse caso, estou fazendo uso da negação polêmica, afinal

estou negando o quadro criado pela fala do meu interlocutor, na medida em que nego o enunciador que afirma a existência de um carro que seja meu. Imagine agora a mesma situação, só que dessa vez o locutor tem um carro:

(21) Não, meu carro não está mal estacionado (porque está bem estacionado).

Nesse caso, estamos diante da negação metalingüística: o locutor retoma a fala do outro, que aparece na voz de um enunciador que afirma que o carro está mal estacionado, para negá-la. A sentença (21) pode ser descrita da seguinte forma:

(21') E : Seu carro está mal estacionado. E2: A fala de E1 é falsa.

Ducrot distingue ainda um terceiro tipo de negação, a negação descritiva. Nela o locutor descreve um estado do mundo negativamente; portanto, na sua enunciação não há um enunciador que retoma a fala de outro enunciador negan-do-a. Na enunciação de (22), o locutor pode estar descrevendo um estado do mundo utilizando a negação:

(22) Não há uma nuvem no céu.

Nesse caso, não há a retomada da fala de outro, mas a apresentação negativa de uma descrição. Evidentemente, não é possível definirmos o tipo de negação sem levarmos em consideração os encadeamentos discursivos em que a enunciação ocorre. (22) poderia comportar uma negação polêmica, desde que ela ocorresse em um outro contexto. Vale notar que a Semântica da Enunciação abre mão da idéia de que há sentença, entidade cujo sentido não depende do contexto em que ela é dita. Ao contrário, e por isto sempre falamos em enunciação, neste modelo só há cadeias discursivas.

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Página 31 Intervalo IV 1. Utilizando o arcabouço teórico da Semântica da Enunciação, descreva as leituras possíveis do enunciado "Meu livro não foi reeditado". A seguir descreva a ambiguidade por meio da noção de escopo da Semântica Formal.

A negação é, pois, um fenômeno de polissemia que, como dissemos, defi-ne-se por identificar usos distintos que são relacionados. É o caso de televisão utilizada para designar o aparelho e para designar a rede de transmissão. A mesma estratégia de multiplicação de sentidos aparece na descrição que a Semântica da Enunciação propõe para o operador mas. Para a Semântica Formal não há diferença semântica entre e e mas. Na forma lógica, ambos fazem o mesmo: garantem que o todo é verdadeiro se e somente se as partes que o compõem também forem verdadeiras. Assim a sentenças:

(23) João passou no concurso e não foi contratado. (24) João passou no concurso, mas não foi contratado.

exprimem o mesmo conteúdo semântico: a sentença é verdadeira, em ambos os casos, se João passou no concurso é verdadeira e João não foi contratado é verdadeira. A diferença de significado é explicada pela Pragmática. A análise da Semântica da Enunciação dispensa a hipótese de que uma mesma forma lógica está presente nas duas sentenças. A diferença é descrita pela postulação de que e e mas são dois itens lexicais distintos.Ducrot dá um passo além afirmando que há dois mas que, em português, são homônimos, porque têm a mesma representação sonora e escrita. O espanhol, o alemão são, no entanto, línguas em que a cada mas corresponde uma palavra diferente: em espanhol, pero e mas, em alemão, sonder e aber.

Na Semântica da Enunciação distinguem-se, pois, dois sentidos de mas: o maspA e o masSN. O maspA se caracteriza por apresentar um raciocínio inferencial do tipo: a primeira sentença nos leva a supor uma certa conclusão e esta conclusão é negada pela segunda sentença. Retornemos ao exemplo (24): a afirmação de que João passou no concurso nos leva a imaginar que ele será contratado. Esta conclusão, suscitada pela primeira sentença, é negada pela segunda em que se afirma que ele não vai ser contratado.

O masSN estabelece outra relação semântica. Nele, a primeira sentença nega fortemente uma fala que supostamente a antecede e repara, na segunda sentença, o que foi dito na primeira. Tomemos a sentença (25):

(25) Pedro não está triste, mas ensimesmado.

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Página 32

Essa sentença se decompõe numa série de enunciadores. Um enunciador afirma que Pedro está triste (E1: Pedro está triste). Essa fala é negada pelo segundo enunciador (E2: E1 é falsa). E um terceiro enunciador descreve o estado de Pedro (E3: Pedro está ensimesmado).

Intervalo V Diga se o "mas" presente nas sentenças abaixo é PA ou SN. Justifique a sua resposta: (1) João não está cansado, mas deprimido. (2) João foi ao cabeleireiro, mas não cortou o cabelo. Descreva a negação nos seguintes exemplos: (inicio da citação) (1) O João não saiu. (2) O céu não está azul.

(fim da citação)

A Semântica da Enunciação também se consagrou por ter possibilitado a descrição de fenômenos que supostamente resistem a um tratamento formal. Os fenômenos que envolvem gradações, os fenômenos escalares, são possivelmente o exemplo mais prototípico. Vejamos um caso. Considere o par de sentenças a seguir:

(inicio da citação)

(26) João comeu pouco. (27) João comeu um pouco.

(termino da citação)

Segundo a Semântica da Enunciação, não seria possível atribuir uma análise formal a essas sentenças porque em termos informativos elas veiculam o mesmo conteúdo: João não comeu muito. No entanto, sabemos intuitivamente que elas não são equivalentes, porque não podemos substituir uma pela outra. Ao contrário, há contextos específicos para o uso de cada uma dessas formas, o que significa dizer que seus encadeamentos discursivos são distintos. Imaginemos a situação de um moleque que está ameaçado pelo pai: se não comer, não brinca. O pai pergunta para a mãe: "E o Joãozinho, comeu?". Supondo que a mãe saiba da ameaça, se ela responde com (26), sua fala vai na direção de que ele não comeu: se ele comeu pouco, então ele não comeu. E o coitado do Joãozinho fica sem brincar. Se a mãe responde com (27), sua fala vai na direção de comer: se ele comeu um pouco (um tanto de comida), então ele comeu. E, portanto, ele pode brincar. A hipótese é de que os operadores pouco e um pouco direcionam diferentemente uma mesma escala de comer que vai de comer muito a não comer: um pouco direciona a escala no sentido de comer e pouco no de não comer.

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Página 33

(Figura)

Descrição da figura : Solicitar direção

Se a semântica da enunciação analisa sempre em termos de argumentação, então a fala da mãe com um pouco vai na direção de comer e, portanto, é um argumento a favor do menino sair para brincar, ao passo que com pouco a estrutura argumentativa é inversa.

Intervalo VI Em termos de valor de verdade, as sentenças a seguir são idênticas. No entanto, do ponto de vista argumentativo, elas se comportam de forma bem diferente. Procure descrever a contribuição de sentido proporcionada pelo até nas sentenças: (1) O presidente do Brasil esteve na festa. (2) Até o presidente do Brasil esteve na festa(12-Nota de rodapé). A partir da análise de "pouco" e "um pouco" reflita sobre o par: (1) João dormiu um pouco. (2) João dormiu pouco.

4. A SEMÂNTICA COGNITIVA

A Semântica Cognitiva tem como um de seus marcos inaugurais a publicação, em 1980, de Metaphors we live by, de George Lakoff e Mark Johnson(13-Nota de rodapé). Embora bastante recente, esse modelo semântico conta hoje com a participação de diversos pesquisadores, trabalhando nos diferentes níveis de análise da linguagem, da Fonologia à Pragmática. Parte-se, neste modelo, da hipótese de que o significado é que é central na investigação sobre a linguagem, chocando-se, portanto, com a abordagem gerativista, que defende a centralidade da Sintaxe (14- Nota de rodapé).

(Nota de rodapé) 12.Para uma descrição deste operador argumentativo, ver Guimarães

(1991). 13.Para uma apresentação da Semântica Cognitiva, ver Lakoff (1987).

No Brasil, ver os trabalhos de Pontes (1990) e Lima (1997), entre outros. 14.Ver o capítulo "Sintaxe", no volume 1 desta obra. O fato de que a

Semântica Cognitiva está em franca oposição ao gerativismo impõe, como o leitor perceberá adiante, a discussão sobre aquisição da linguagem. Sobre

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este último tema, ver o capítulo "Aquisição da Linguagem", neste volume. Página 34

A forma deriva da significação, porque é a partir da construção de significados que aprendemos, inclusive a lógica e a linguagem. Daí a Semântica Cognitiva se inscrever no quadro do funcionalismo.

A Semântica Cognitiva se opõe, pois, ao que Lakoff denomina Semântica Objetivista, aquela que, segundo o autor, prega que o significado se baseia na referência e na verdade, que entende verdade como correspondência com o mundo e que acredita na existência de apenas uma maneira objetivamente correta de associar símbolos e mundo. A Semântica Cognitiva quer combater a idéia, de fato presente em algumas abordagens formais, de que a linguagem está numa relação de correspondência direta com o mundo. O significado, se afirma na Semântica Cognitiva, não tem nada a ver com a relação de pareamento entre linguagem e mundo. Ao contrário, ele emerge de dentro para fora, e por isto ele é motivado. A significação linguística emerge de nossas significações corpóreas, dos movimentos de nossos corpos em interação com o meio que nos circunda.

Estaria, então, a Semântica Cognitiva mais próxima dos postulados da Semântica da Enunciação, que insiste que o significado é o resultado dos jogos argumentativos na linguagem? Sim, se levarmos em consideração o fato de que ambas negam a hipótese da referência. No entanto, diferentemente da Semântica da Enunciação, a Semântica Cognitiva não se baseia na crença de que a referência é constituída pela própria linguagem, uma ilusão, portanto, nem na crença de que a linguagem é um jogo de argumentação. Lakoff define sua abordagem como realismo experiencialista e afasta sua proposta do relativismo. A hipótese central de que o significado é natural e experiencial se sustenta na constatação de que ele se constrói a partir de nossas interações físicas, corpóreas, com o meio ambiente em que vivemos. O significado, enquanto corpóreo, não é nem exclusiva, nem prioritariamente linguístico.

A criança, na história da aquisição contada pela Semântica Cognitiva, inicialmente aprende esquemas de movimento e categorias de nível básico. Por exemplo, a criança se move várias vezes em direção a certos alvos. Desses mo-vimentos, emerge um esquema imagético cinestésico (uma memória de movi-mento) em que há um ponto de partida do movimento, um percurso e um ponto de chegada. Esse esquema, que surge diretamente de nossa experiência corpórea com o mundo, ancora o significado de nossas expressões linguísticas sobre o espaço. Assim sendo, o significado linguístico não é arbitrário, porque deriva de esquemas sensório-motores. São, portanto, as nossas ações no mundo que nos permitem apreender diretamente esquemas imagéticos espaciais e são esses esquemas que dão significado às nossas expressões lingüísticas.

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Nossos deslocamentos de um lugar para outro, que ocorrem quando ainda não falamos, estruturam, pois, um esquema imagético, e portanto não-proposi-cional. Esse esquema Lakoff denomina CAMINHO (15- Nota de rodapé) e pode ser esquematizado como a seguir:

A (fonte do movimento) B (alvo do movimento) Muitos outros esquemas derivam diretamente de nossas

experiências corpóreas no mundo. Por exemplo, o esquema de estar dentro e fora de algum lugar, chamado RECIPIENTE; o esquema de balanço, BALANÇO, aprendido em nossos ensaios para ficar em pé. São esses esquemas que dão sentido às nossas sequências linguísticas. Os dois primeiros exemplos a seguir são instâncias do esquema do CAMINHO, os dois últimos, do RECIPIENTE.

(28) Fui do quarto para a sala. (29) Vim de São Paulo. (30) Estou em Florianópolis. (31) Nasceu no Brasil.

O que dá sentido às sentenças (28) a (31) não é uma relação de correspondência com o mundo, nem uma relação de dialogia com um outro, nem os encadeamentos discursivos, mas o fato de que em (28) e (29) está presente o esquema imagético CAMINHO, e em (30) e (31), o esquema RECIPIENTE. Esses esquemas, organizações cinestésicas diretamente apreendidas, carregam uma memória de movimentação ou de experiência. É essa memória que ampara nosso falar e pensar. Por isso, o significado é uma questão da cognição em geral, e não um fenômeno pura ou prioritariamente linguístico. A linguagem articulada não é mais que uma das manifestações superficiais da nossa estruturação cognitiva, que lhe antecede e dá consistência.

Mas nem todos os nossos conceitos resultam diretamente de esquemas imagético-cinestésicos. Basta lembrarmos o conceito de argumentação para notarmos que não há um esquema sensório-motor que o ancore diretamente. Há, pois, domínios da experiência cuja conceitualização depende de mecanismos de abstração. A Semântica Cognitiva privilegia dois mecanismos: a metáfora e a metonímia. A metáfora defíne-se por ser o mapa (um conjunto de correspondências matemáticas) entre um domínio da experiência e outro domínio. Adote-mos a metodologia da Semântica Cognitiva, e examinemos, em primeiro lugar, algumas sentenças sobre o tempo.

Nota de rodapé 15. Na Semântica Cognitiva, os conceitos e esquemas são sempre apresentados em caixa alta.

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(inicio da citação)

(32) De ontem para hoje, o José ficou doente. (33) A conferência foi de segunda a sábado.

(termino da citação)

Se observarmos essas e outras sentenças, notaremos que nosso conceito de tempo se estrutura via o esquema espacial do CAMINHO. Nesse sentido, as sentenças (32) e (33) são metafóricas, porque nelas o tempo é conceituado a partir de correspondências com o esquema espacial. Falamos, pensamos e agimos sobre o tempo como se ele fosse uma linearidade, como uma reta direcionada para o futuro. De tal sorte que há o ponto de partida do movimento temporal, ontem em (32), segunda em (33), um percurso, o tempo decorrido entre os dois pontos, e um ponto de chegada, hoje em (32), sábado em (33).

Nas sentenças (32) e (33), o esquema CAMINHO foi mapeado para o domínio do tempo. Ele pode, no entanto, ser mapeado para outros domínios. E esse esquema que utilizamos para expressar passagens de um estado emocional a outro, como na sentença (34) a seguir. Ele também está presente na estruturação de nosso conceito de transferência de posse, como em (35):

(incio da citação)

(34) João foi de mal a pior. (35) João deu este presente para a Maria. (fim da citação)

Já deve estar claro que não apenas o termo "metáfora" tem um sentido especial na Semântica Cognitiva, mas principalmente que neste modelo nosso falar e pensar cotidianos são, na sua maior parte, metafóricos. De modo que metáfora não se refere àquelas frases que, na escola, aprendemos a classificar como metáfora. A sentença "Maria é uma flor" é uma metáfora linguística para a Semântica Cognitiva, porque ela expressa uma maneira fantasiosa de falar, não uma metáfora conceituai. A metáfora, para a Semântica Cognitiva, é um processo cognitivo que permite mapearmos esquemas, aprendidos diretamente pelo nosso corpo, em domínios mais abstratos, cuja experimentação é indireta. É por isso que as sentenças de (32) a (35) são metafóricas. Nelas há o mapeamento de um domínio mais concreto da experiência, o domínio organizado pelo esquema imagético CAMINHO, na conceituação de domínios da experiência que são mais abstratos, o tempo, o estado de saúde, a posse. Nesses exemplos, percebemos a ubiquidade da metáfora.

A propriedade fundamental da metáfora/mapa é preservar as inferências do domínio fonte no domínio alvo, desde que não haja violação da estrutura inerente ao domínio alvo. Assim, se mapeamos o esquema CAMINHO no tempo, então podemos esperar que neste domínio se estabelece uma organização espacial em que as inferências do espaço se mantêm. Trata-se da Hipótese da Invariância. Por exemplo: se eu vou daqui para ali, e este esquema é mapeado

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no tempo, então eu também devo poder me mover no tempo de um ponto de partida A em direção a um ponto B. Se entre os pontos espaciais A e B há posições intermediárias, então também entre o ponto A e B na linha do tempo há pontos intermediários. Além de explicar as inferências, essa hipótese procura

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justificar o fato de que há aspectos que não são mapeados. Podemos mapear o espaço no tempo, mas certas relações espaciais serão bloqueadas por causa da própria estrutura do tempo. Assim, não posso dizer "chegou embaixo da hora".

Como, então, se explicaria, neste modelo, a estrutura de inferência apresentada no primeiro exemplo deste texto, reproduzido a seguir?

(inicio da citação)

(36) Todo homem é mortal. João é homem. Logo, João é mortal.

(fim da citação)

A explicação é que essas sentenças refletem a presença do esquema

imagé-tico RECIPIENTE, em que há recipientes nos quais podemos entrar e sair. A base corpórea sustentando este esquema é o fato de que estamos sempre em algum lugar e que nosso próprio corpo é um recipiente. Assim, entendemos a primeira premissa como "o conjunto de homens está dentro do recipiente dos mortais"; a segunda afirma "João está dentro do conjunto dos homens". Num esquema de boneca russa, uma dentro da outra. Note que nesse modelo é o nosso corpo que dá sentido para as relações lógicas.

A título de exemplo da metodologia de análise na Semântica Cognitiva, apresentamos uma possibilidade de descrição do conectivo mas. Sua descrição inicia com um levantamento de suas várias possibilidades de uso. Uma pesquisa etimológica, resgatando a história desse conectivo, seria também interessante. Considere como dado a sentença (25), "Pedro não está triste, mas ensimesma-do". Etimologicamente, segundo Vogt (1977), mas deriva da expressão latina magis quam que estabelecia a comparação de superioridade: isso é mais do que aquilo. Se adotamos a hipótese de que os usos mais antigos são aqueles mais próximos do físico, então é o esquema corporal do BALANÇO que dá sustentação ao mas: pesamos duas coisas e a balança pende para uma delas. No caso do exemplo (25), a balança pende para o lado do ensimesmado: se pesamos os dois, Pedro é mais ensimesmado do que triste. Uma vez estabelecida que essa é a base física, resta-nos dar conta de suas extensões metafóricas(16-Nota de rodapé).

Nota de rodapé

16. O trabalho de Sweetser (1991) sobre os modais em inglês é talvez uma das mais brilhantes peças da Semântica Cognitiva. Nesse trabalho ela mostra, por evidências etimológicas, e também pelos diferentes usos dos modais que sua compreensão se sustenta num esquema da FORÇA.

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Intervalo VII Considere as sentenças a seguir: (1) Gastei cinco horas para chegar aqui. (2) Economizei duas horas por este caminho.

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Descreva essas sentenças a partir do arcabouço teórico proporcionado pela Semântica Cognitiva.

Ache exemplos que confirmem a existência da metáfora conceitual ARGUMENTAÇÃO É UMA GUERRA.

Dissemos que há dois primitivos na teoria da Semântica Cognitiva: os esquemas imagéticos e as categorias de nível básico. Sobre os primeiros já falamos e mostramos que eles se estendem via metáfora. Resta-nos agora tratar das categorias de nível básico. Sua discussão é importante, porque ela toca na questão da categorização, um problema caro à Semântica Formal.

Mas qual é o problema da categorização? O problema é explicar que critérios permitem que um dado exemplar faça parte de uma certa categoria (ou conceito). Ilustremos esse problema: como é que determinamos que um indivíduo particular pertence à classe dos homens? Como é que sabemos que João é humano? Na visão tradicional, aquela que se encontra na Semântica Formal clássica, um termo genérico como homem não se refere a um indivíduo em particular, mas a todos os indivíduos que possam ser alcançados por meio de certas propriedades, necessárias e suficientes, instanciadas por homem. Sabemos que João pertence à classe dos humanos porque ele tem certas propriedades que só os humanos têm. A essas propriedades, que definem o conteúdo semântico de um termo genérico, a Semântica Formal dá o nome de intensão. A intensão permite alcançarmos uma classe de objetos no mundo. A esta classe damos o nome de extensão. Você certamente percebeu que há um paralelo com os conceitos de sentido e referência que definimos no início deste capítulo, não?

No caso de homem, sua extensão são os vários humanos no mundo, as entidades extralinguísticas. E qual seria a sua intensão? Suas propriedades essenciais. Além da delicada questão filosófica que aí se esmiuça — afinal, existem mesmo propriedades essenciais? —, esta abordagem enfrenta o difícil problema de determinar com certo grau de segurança quais são as propriedades necessárias e suficientes para que algo pertença a uma certa categoria. Pergunte-se: o que faz uma pessoa ser parte da categoria HUMANO? O fato de compartilhar com todos os outros seres humanos certas propriedades e, ao mesmo tempo, de se distinguir, por meio dessas propriedades, de todos os demais seres. Eis a resposta da Semântica Formal clássica. Pare um instante de ler e pense:

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mas que propriedades são essas? A questão não é trivial e tem recebido as mais diferentes respostas ao longo dos séculos Já se afirmou que a categoria HUMANO se define pela presença de duas propriedades "ser bípede" e "ser implume": pertencer à classe dos humanos é ter dois pés e não ter penas. De fato, essas propriedades permitem distinguir um homem de um cachorro e de um pato. No entanto, é muito fácil achar exemplos de seres humanos que, ao menos aparentemente, não preenchem essas condições. Basta imaginar um perneta; alguém com uma única perna continua a ser humano ou não? E se, por uma mutação genética qualquer, um ser humano nascesse com algumas plumas, ele deixaria de ser um humano? Já deu para o leitor ter uma idéia do problema?

Sem dúvida alguma foi Ludwig Wittgenstein, em Investigações filosóficas, quem problematizou com maior maestria o problema das categorias. Ele se perguntou sobre quais seriam as propriedades definidoras da categoria jogo, levando em consideração os vários usos que a palavra pode ter. Tente se lembrar de tudo o que você chama de jogo: amarelinha, palavra cruzada, vôlei, damas, solitário, futebol. E agora veja se você consegue descobrir uma única propriedade que seja comum a todas as atividades que denominamos jogo, isto é, uma propriedade necessária porque presente em todos os exemplos de jogo. Se você disser "divertimento", eu retruco com roleta-russa. Se você falar em "competição", eu lembro os jogos de amarelinha e os solitários. Imaginemos, no entanto, que você me convença de que a propriedade comum a todos os exemplos de jogo seja divertimento. Mas divertimento é uma propriedade tão genérica que é insuficiente para separar a classe dos jogos de outras classes. Não conseguimos distinguir jogo de divertimento se divertimento é o traço, já que há coisas divertidas que não são jogos: ir ao cinema é divertido e não é um jogo. Parece que se houver uma propriedade comum a todos os usos de uma palavra, uma propriedade necessária, ela não será suficiente para delimitar a classe. Com base nessa constatação, Wittgenstein propôs que as categorias se organizam por relações de semelhanças de família. Os usos de uma mesma palavra se assemelham da mesma forma que os membros de uma família. Não é necessário que os membros compartilhem a mesma propriedade para pertencerem todos à mesma família, nem mesmo o sobrenome.

A Semântica Cognitiva baseia-se nessa constatação para negar a abordagem clássica da categoria. Ela se ancora fortemente em evidências psicológicas para assegurar a posição de que não categorizamos por meio do estabelecimento de propriedades necessárias e suficientes. O trabalho de Berlin e Kay sobre as cores, assim como as pesquisas de Eleanor Rosch (Lakoff, 1987) apontam para fatos que contradizem as predições da categorização por propriedades necessárias.

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e suficientes. Vejamos um exemplo. Se peço para você me dar um exemplo de pássaro, você com certeza não vai dizer pingüim, a menos que você seja um semanticista. Por que não? Por que as pessoas tendem a responder perguntas sobre categorias com certos elementos e não com outros? Os experimentos de Rosch trouxeram uma resposta a essas questões. A abordagem formal clássica não pode dar uma explicação para esse fato, porque para ela as categorias se organizam por propriedades necessárias e suficientes, e, se é assim, então todos os membros de uma categoria devem ter o mesmo valor. Isso significa que as pessoas deveriam responder aleatoriamente, ora pardal, ora pingüim, ora galinha ao meu pedido de exemplo de pássaro. Mas as pessoas respondem preferencialmente pardal e muito raramente pinguim..

Baseado nesses resultados, formulou-se a hipótese de que os conceitos se estruturam por protótipos. Em outros termos, quando classificamos não recorremos ao estabelecimento de condições necessárias e suficientes, mas nos escoramos em casos que são exemplares, que são os mais reveladores da categoria. E por isso que respondemos com pardal ao pedido de exemplificação de pássaro: pardal é muito mais exemplar de pássaro do que pinguim. Há vários motivos para a nossa preferência por pardal: pardal voa e os pássaros em geral voam, pardal é um pássaro que a gente vê sempre, é familiar. As categorias se estruturam, pois, por meio de um caso mais prototípico que se relaciona via semelhanças com os outros membros. Pardal é o membro central da categoria PÁSSARO, ao passo que pinguim ocupa posição periférica.

Mas como é que a criança aprende essas categorias? Ela aprende primeiramente as categorias de nível médio, porque é com objetos desse tipo de categoria que temos contato físico direto. Mais uma vez com base em experimentos da Psicologia, a Semântica Cognitiva afirma que aprendemos categorias de nível básico diretamente, porque elas não indicam nem as categorias mais abstraías, nem as categorias mais específicas. Aprendemos primeiro e diretamente categorias como cachorro e mesa e só posteriormente, pelo processo de metonímia, as categorias genéricas animal e móveis e as particulares como boxer e mesa de cabeceira. Da mesma forma que a metáfora é o processo para estender os esquemas imagéticos, a metonímia estende as categorias. Também aqui metonímia não se refere à figura de linguagem que aprendemos nos manuais de retórica ou nas gramáticas tradicionais. Trata-se antes de um processo cognitivo que permite criar relações de hierarquias entre conceitos. A sentença (37) é um exemplo de metonímia:

Nota de rodapé 17. Sobre a categorização, ver Taylor (1989).

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(inicio da citação)

(1) O governo decretou o fim do auxílio desemprego.

(fim da citação)

É, pois, por meio dos processos cognitivos da metáfora e da metonímia que estendemos nossos esquemas e categorias para além das nossas experiências físicas imediatas na direção da abstração.

(inicio da citação)

Intervalo VIII Procure mostrar que a propriedade "voar" não é nem necessária nem suficiente para que algo pertença à categoria AVE. Procure descrever, a partir do conceito de protótipo, a categoria MÃE. Explique por que a sentença a seguir é uma metonímia: (1) A Maria saiu com o seu animal de estimação.

(fim da citação)

Vamos agora nos contentar em apresentar em suas linhas gerais a abordagem cognitiva das pressuposições. Sobre esse assunto a grande contribuição tem sido de Gilles Fauconnier (1985). Este autor parte da hipótese de que na interpretação formamos espaços mentais, estruturas conceituais que descrevem como os falantes atribuem e manipulam a referência, dentre elas as descrições definidas. Em conformidade com os postulados da Semântica Cognitiva, o significado não está na linguagem, antes, a linguagem é como um método, uma receita, que permite a identificação de uma estrutura cognitiva subjacente. Para dar conta da referência, Fauconnier propõe que durante a interpretação construímos domínios ou espaços mentais nos quais ela ocorre. Suponha a sentença:

(inicio da citação)

(38) Júlio César conquistou o Egito.

(fim da citação)

Na interpretação de (38) criamos um espaço mental em que Júlio César se refere ao personagem histórico. O que ocorre se repentinamente passamos a falar do personagem de Shakespeare, como na sentença (39)?

(inicio da citação)

(39) Na peça de Shakespeare, Júlio César conquistou o Egito.

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(fim da citação)

Neste caso, diz Fauconnier, abrimos um novo espaço mental, em que Júlio César não se refere ao personagem histórico, mas ao ficcional.

É a partir desse arsenal teórico que Fauconnier propõe uma análise distinta das pressuposições, já que elas nem estabelecem referência com entidades no mundo, nem são procedimentos argumentativos; são antes entidades mentais/cognitivas.

Nota de rodapé 18. Para uma descrição detalhada, ver Fauconnier (1985).

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Sem entrar nos detalhes, retornemos à sentença sobre Maria ter parado de fumar, a sentença (16). Dissemos, então, que a sentença veiculava a pressuposição de que Maria fumou um dia. Mostramos que a sentença negativa pode ser descrita como comportando uma ambiguidade: ou negamos a pressuposição, Maria não fumava antes, ou negamos o predicado, Maria não parou de fumar. Na Semântica Cognitiva, a pressuposição é descrita como significados que se transferem de um espaço mental para outro. No caso da sentença (16), estaríamos diante de dois espaços mentais: um em que está a pressuposição de que Maria já fumou; outro que diz que ela parou de fumar. No caso de negarmos o primeiro espaço mental, isto é, Maria nunca fumou, a pressuposição não é transportada para o segundo espaço mental. Já, se Maria fumou um dia, então a pressuposição é carregada para o segundo espaço mental, e a negação incide sobre o fato de ela ter parado de fumar.

O mesmo raciocínio se aplica ao caso do presidente do Brasil. Formamos, na interpretação, dois espaços mentais: um em que há um e apenas um presidente, independentemente de haver de fato um presidente, isto é, independentemente da relação de referência. Essa sentença, que se originou no espaço mental A, ou permanece nesse espaço mental, se por exemplo negamos que há um presidente, ou ela se move até o espaço mental B, em que se afirma que o presidente do Brasil é sociólogo, e se torna uma pressuposição de B; nesse caso, a negação só poderá atingir a afirmação de que ele é sociólogo.

5. Uma Rápida Conclusão

Na introdução dissemos que nossa intenção era apresentar fenômenos que já fazem parte do campo da Semântica, independentemente do modelo adotado. O que muda é a forma de descrever o fenômeno. Esse é o caso dos problemas levantados com relação à referência, à pressuposição, às definições definidas, à categorização, e a outros fenómenos aqui abordados. Ao apresentarmos como esses problemas são descritos de modos diferentes, queríamos mostrar as linhas mestres dos modelos semânticos atuais: o modelo formal, o modelo enunciativo e o modelo cognitivo. Se conseguimos apresentar esse quadro minimamente, acreditamos que você, leitor, tem condições de seguir em frente, de aprofundar (veja aí uma metáfora para a Semântica Cognitiva) seus estudos. É por isso que apresentamos, ao longo deste capítulo, várias referências bibliográficas que permitem iniciar um estudo

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menos superficial em cada um dos modelos apresentados. Contamos ainda ter mostrado que, na Linguística contemporânea, não há nem uma resposta única para o problema do significado, nem uma metodologia única para descevê-lo.

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Essa pluralidade de modelos transparece também no fato de que, muitas vezes, aquilo que é problema para um modelo não o é para outro. É esse o caso da categorização, que interessa à Semântica Formal e à Semântica Cognitiva, mas que é secundário na Semântica da Enunciação.

Finalmente, se não for esperar demais, esperamos ter deixado o leitor com a "pulga atrás da orelha", com uma certa certeza de que qualquer descrição semântica está necessariamente engajada numa visão da linguagem, o que implica uma explicação para a relação entre linguagem e mundo, linguagem e conhecimento. Adotar a abordagem da Semântica Formal não é apenas utilizar o instrumental lógico para descrever a linguagem — o que em si poderia ser feito por quaisquer das abordagens aqui propostas —, mas assumir que a linguagem natural se estrutura logicamente. E aí reside um ponto bastante questionável. E verdade que a linguagem tem uma estrutura, mas que ela seja lógica... Se adotamos o ponto de vista da Semântica da Enunciação ou da Semântica Cognitiva, jogamos fora a idéia de que a verdade tem algo a ver com o significado, de que o extralinguístico tem um papel na determinação do significado. Esse também é um postulado polêmico. Na Semântica da Enunciação, o significado é descrito nas relações de dialogia, de argumentatividade. Ele não serve, pois, para apontar algo no mundo exterior, mas para convencer, para seduzir o outro. Enredado na linguagem, não há como transcendê-la. No modelo da Semântica Cognitiva também abandonamos a idéia de verdade como dando suporte ao significado. O significado está no corpo que vive, que se move, que está em várias relações com o meio e não na correspondência entre palavras e coisas.

Que a heterogeneidade pode tornar as coisas mais complicadas para aqueles que querem fazer semântica é certo, mas ela pode também ajudar a ver que talvez a linguagem seja de fato um objeto muito complexo. Tão complexo que somente deixando coexistir diferentes abordagens, somente espiando a linguagem por diferentes buracos de fechadura, poderemos um dia chegar a compreendê-la melhor.

RESPOSTAS

Intervalo I: A referência de a capital da França e Paris é Paris, o objeto no mundo. Atente para a distinção entre linguagem e objeto. A referência de Paris é a capital da França, uma sentença, é o verdadeiro, porque de fato Paris é a capital da França. Eis alguns exemplos de sentido para descrever o Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, a capital do Império, a cidade mais violenta do Brasil.

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Intervalo II: Há várias possibilidades de recortar a primeira sentença: ser casado com (predicado de dois lugares), ser casado com Maria (predicado de um lugar), João ser casado com (predicado de um lugar). A segunda sentença é um exemplo de predicado de um lugar: ser brasileiro. Cuidado aqui porque não é possível recortar a sentença como __é__, pois brasileira não é um nome próprio, não tem sentido completo, nem referência. A última sentença pode ser recortada de três formas: Oscar é jogador de, ser jogador de, ser jogador de basquete. Em "Todo homem é casado com alguma mulher", para todo elemento do conjunto dos homens corresponde um elemento do conjunto das mulheres. Neste caso, o universal tem escopo sobre o existencial. Já em "Um homem é casado com todas as mulheres", afirmamos que há um único homem que é casado com todos os elementos do conjunto mulheres. Neste caso, o existencial tem escopo sobre o universal. Finalmente na última sentença temos um caso de ambiguidade: Maria só não dançou com o João ou Maria dançou não só com o João.

Intervalo III: Teremos: (1) Não é o caso de que (há um e apenas um rei da França e ele é calvo).

O operador de negação tem escopo sobre o definido. (2) Há um e apenas um rei da França e não é o caso que (ele é calvo).

O definido tem escopo sobre a negação. Há pressuposição factiva na sentença "João lamenta a morte do

pai", porque para ser verdadeira ou para ser falsa é preciso que seja verdade que o pai de João tenha morrido. Falamos em pressuposição factiva quando a sentença pressupõe que houve um evento.

Intervalo IV: Segundo a Semântica da Enunciação, a sentença pode comportar uma negação polêmica — Meu livro não foi reeditado, porque não tenho livro — ou uma negação metalingüística — Não é verdade que meu livro foi reeditado. A sentença exibe a seguinte estrutura:

E1: Eu tenho um livro. E2: Este livro foi reeditado.

O enunciador E3 pode ou negar E1 ou negar E2. A Semântica Formal descreveria esta sentença como ambígua.

Num caso, a negação teria escopo sobre a pressuposição de que eu escrevi um livro, no outro, ela incidiria sobre a afirmação de que ele foi reeditado. Fala-se aqui de duas formas lógicas distintas.

Intervalo V: A primeira sentença é um caso de masSN, porque há presença de um enunciador que nega fortemente a fala "João está cansado" e outro que repara a descrição desta fala: "João está deprimido".

Na segunda trata-se de um masPA, porque a primeira sentença, "João foi ao cabeleireiro", nos leva a imaginar que João cortou o cabelo, precisamente a conclusão que é negada na segunda parte da sentença.

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A sentença "João não saiu" pode comportar diferentes tipos de negação, dependendo do encadeamento discursivo em que ela aparece. A negação pode ser descritiva ou metalingiiística. O mesmo vale para a negação em "O céu não está azul" que, dependendo do encadeamento linguístico, pode ser descritiva ou metalingiiística.

Intervalo VI: Em termos argumentativos, (1) e (2) são bastante diferentes. A contribuição de sentido proporcionada pelo até está no fato de que ele pressupõe uma escala de valores, em que o presidente do Brasil está no topo. De modo que a presença do presidente é um argumento para a conclusão de que a festa foi um sucesso.

Na sentença (1) seguinte, argumenta-se em favor da tese de que João dormiu; ao passo que, na sentença (2), a escala argumentativa vai na direção do argumento "João não dormiu".

Intervalo VII: As sentenças manifestam a presença de uma metáfora conceituai: TEMPO É DINHEIRO, tanto que podemos gastá-lo, economizá-lo, empregá-lo mal, investir nele...

Há muitos exemplos que confirmam a metáfora conceituai ARGUMENTAÇÃO E UMA GUERRA. Eis alguns: "Vou defender minha tese hoje"; "Ele não soube se defender da acusação"; "Ele atacou meu ponto de vista".

Intervalo VIII: Há aves que não voam, portanto, voar não é uma propriedade essencial das aves. Há outras coisas que voam e não são aves, por exemplo os insetos. De onde se conclui que essa propriedade não é suficiente para caracterizar a categoria AVE.

A categoria MÃE se organiza ao redor da idéia de progenitora e de ser aquela que cuida da criança, a provedora.

Há metonímia porque animal de estimação é uma categoria superordenada com relação à categoria de nível básico.

BIBLIOGRAFIA

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PRAGMÁTICA

Joana Plaza Pinto

1. LINHAS GERAIS

De que tratam os estudos linguísticos que se classificam como "pragmáticos", ou pertencentes à área da Pragmática? Essa é uma pergunta que pode gerar respostas tão variadas quanto o número de pessoas que se dispuserem a respondê-la. Um número muito grande de trabalhos, com temas e objetivos os mais diversos, circula nos periódicos e outras publicações declaradamente inseridos no domínio da Pragmática. Pode-se, no entanto, a partir de um grupo mais ou menos coeso desses estudos, procurar delimitar a Pragmática, admitindo a diversidade. Vamos assim tentar compreender um pouco da história da constituição dessa área tão heterogênea, procurando ao mesmo tempo evidenciar o que, em meio a diferentes perspectivas, torna possível reconhecer certos tipos de estudos linguísticos como pragmáticos.

Mesmo que se admita a variedade presente na Pragmática, também se deve admitir que as autoras e autores desse domínio têm certos pressupostos em comum. Haberland & Mey (1977), editores do Journal of Pragmatics, na primeira edição desse periódico, afirmam que a Pragmática analisa, de um lado, o uso concreto da linguagem, com vistas em seus usuários e usuárias, na prática linguística; e, de outro lado, estuda as condições que governam essa prática. Assim, em primeiro lugar, a Pragmática pode ser apontada como a ciência do uso

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linguístico. As pessoas que a estudam esperam explicar antes a linguagem do que a língua. Essa afirmação é decorrente da dicotomia clássica saussureana língua/fala: Saussure (1991) defende que a língua, que seria o objeto de estudo da Linguística por excelência, é a linguagem menos a fala(1-nota de radapé), enquanto a Pragmática se inicia justamente defendendo a não-centralidade da língua em relação à fala. Em outras palavras, a Pragmática aposta nos estudos da linguagem, levando em conta também a fala, e nunca nos estudos da língua isolada de sua produção social. Dessa forma, os estudos pragmáticos pretendem definir o que é linguagem e analisá-la trazendo para a definição os conceitos de sociedade e de comunicação descartados pela Linguística saussureana na subtração da fala, ou seja, na subtração das pessoas que falam.

Um segundo ponto acordado entre os estudiosos e estudiosas dessa área é que os fenômenos linguísticos não são puramente convencionais, mas sim compostos também por elementos criativos, inovadores, que se alteram e interagem durante o processo de uso da linguagem. Numa pequena fita cassete, com uma gravação curta de alguém conversando com um linguista, vamos escutar trechos do tipo:

(inicio da citação)

(1) Entrevistadora: Então ela largou o namorado?

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Entrevistada: Eu vi ela largar... largou sim... largou a ele... Entrevistadora: A ele? Entrevistada: é, a ele, sim; a ele... largou a ele aquela vida infeliz que eles tinham juntos... largou a ele.

(fim da citação)

Repare que a entrevistadora tem um impasse de interpretação da fala da entrevistada porque esta última cria uma estrutura "alterada", um objeto indire-to inesperado, no entanto de extrema importância para o entendimento, não só do que a entrevistada queria dizer, mas principalmente das possibilidades expressivas de inovações linguísticas. O que vemos aqui não é poesia, ou variação linguística. Ainda que poesia e variação expressem esse mesmo tipo de situações criativas, esse diálogo (1) é a prova de que não é produtivo descrever a linguagem como um sistema delimitável, mas sim que esta deve ser trabalhada a partir da possibilidade de se juntar grupos de indícios sobre seu funcionamento, tendo como limite possível um recorte convencional, não justificado por qualquer fator inerente à linguagem. Quando a análise linguística é feita em outros moldes, trechos como de (1) são descartados como erros de uso do sistema, ou, na melhor das hipóteses, exceção — "licença poética".

Nota de rodapé 1. Note que a definição de linguagem inicialmente utilizada pela Pragmática é bastante diversa de outras áreas da Linguística (cf. outros capítulos deste volume). Essa noção inicial de linguagem como o somatório da língua mais a fala é própria do estruturalismo, metodologia de estudos sociais fundada por Ferdinand de Saussure. e inicialmente divulgada por Roman Jakobson, na Linguística, e Claude Lévi-Strauss. na Antropologia. In: Dosse, F. História do estruturalismo. São Paulo, Ensaio, v. I e II, 199

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A variedade de materiais que são analisados nas publicações aceitas pelo Journal of Pragmatics nos ajuda a perceber que linguistas estão se dedicando às situações de "exceção", fundamentais na compreensão da linguagem em uso: diálogos colhidos entre falantes de uma comunidade, literatura, poesia, humor, e podemos ler mesmo trabalhos analisando material lingiiístico-visual, como cartuns e propagandas.

Explicar a linguagem em uso e não descartar nenhum elemento não-convencional: esses dois pontos comuns aos estudos pragmáticos formam uma linha derivada da história da preocupação com o uso lingüistico. No final do século XIX, a Filosofia iniciou um redirecionamento na forma de responder a suas perguntas. Desde Kant(2- Nota de rodapé), os estudos filosóficos passaram a ser entendidos como um conjunto de critérios para avaliar a maneira pela qual a mente é capaz de construir representações. Mais tarde, então, no final do século XIX, os estudos filosóficos cunharam sua variante da filosofia kantiana, defendendo principalmente que representação é antes linguística do que mental, e que se deve refletir antes em filosofia da linguagem que em crítica transcendental(3- Nota de rodapé). Assim, objetivos filosóficos de discutir e descrever nossa representação do mundo respaldaram um movimento em direção às usuárias e usuários da linguagem, acarretando uma tendência análoga no âmbito da Linguística. A Pragmática é fruto desse movimento em direção aos problemas relativos ao uso da linguagem, por isso, ao estudarmos a constituição dessa área, devemos acompanhar também um pouco da história dos grupos filosóficos que a influenciaram.

2. CORRENTES DA PRAGMÁTICA

Como a Pragmática é uma área genericamente definida por pesquisar sobre o uso lingüístico, os temas escolhidos para análise são amplos e variados. Em publicações da Pragmática podemos ler estudos teóricos sobre a relação entre signos e falantes, como é o caso do estudo de Mey (1985), que procura

Nota de rodapé 2. Immanuel Kant foi um filósofo alemão que viveu entre 1724-1804. Exerceu grande influência no pensamento ocidental, procurando caracterizar os limites, alcance e valor da razão. 3. Para maiores detalhes, consultar Rorty (1994). especialmente a Introdução e o Capítulo I.

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debater o lugar da linguagem na sociedade, de uma perspectiva marxista, discutindo o conceito de manipulação linguística Também encontramos levantamento de aspectos de diálogos entre falantes de uma mesma comunidade ou comunidades diferentes (Verschueren & Bertuccelli-Papi, 1987). Observe o diálogo a seguir:

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(2) A: Você viu meu rato por aí? B [apontando um rádio ao seu lado]: Está aqui o rádio. A: Não, é o rato mesmo. Meu rato de borracha.

B compreende a palavra rato, mas considera primeiro) a improbabilidade de alguém estar procurando seu próprio rato (!); segundo) a proximidade concreta [ao seu lado] de um objeto e fonológica da palavra que se refere a esse objeto. Assim, uma análise pragmática desse diálogo deve considerar tantos aspectos da estrutura da própria língua quanto aspectos relacionados ao usuário ou à usuária (a situação que ele/ela vivência).

Um outro tipo de tema comumente levantado pelos estudos pragmáticos são os funcionamentos e efeitos de atos de fala. Atos de fala é um conceito proposto pelo filósofo inglês J. L. Austin para debater a realidade de ação da fala, ou seja, a relação entre o que se diz e o que se faz — ou, mais acuradamente, o fato de que se diz fazendo, ou se faz dizendo. Discutiremos melhor esse conceito na seção 2.2. Por enquanto, vale ressaltar que, cada qual com seu critério, alguns estudos procuram, por exemplo, classificar os atos de fala de acordo com seus efeitos. É o caso de Benveniste (1991), que pretende classificar os atos de fala. De um lado teríamos aqueles atos que seriam compostos por um verbo declarativo jussivo na primeira pessoa do presente mais uma afirmação, como:

(3) Eu ordeno que você saia.

Ainda que ele não explique detalhadamente o que seriam esses tipos de verbos, na lista dos "declarativos-jussivos", Benveniste inclui ordenar, comandar, decretar, o que nos leva a perceber esses verbos como estabelecendo uma relação entre "declaração de uma ação" e "jus à posição de autoridade para tal ação". Assim, ordenar não só explicita, "declara" a ação feita por quem fala, como este deve estar apto a fazê-lo. No caso do exemplo (3), "ordenar" é o verbo declarativo-jussivo, e "você saia", a afirmação. De outro lado, Benveniste propõe outro conjunto de atos de fala, atos estes que seriam compostos por um verbo com complemento direto mais um termo predicativo, tal qual:

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(4) Proclamo-o eleito vereador.

Essa classificação proposta por Benveniste não é a única e mesmo pode ser firmemente contestada (veja Ottoni, 1998). O mais importante é se perceber que, ao selecionar, entre tantos fenômenos de linguagem em uso, quais devem ou não ser estudados, e a quais perguntas devem ser submetidos tais fenômenos, os autores e autoras da Pragmática acabam por fazer aparecer suas diferenças. A influência de grupos filosóficos nessas seleções de objetos e métodos é patente e será usada aqui para delimitar as diferentes correntes de estudos pragmáticos.

São elas três correntes. O pragmatismo americano, influenciado pelos estudos semiológicos de William James; os estudos de atos de fala, sob o crédito dos trabalhos do inglês J. L. Austin; e os estudos da comunicação, com preocupação firmada nas relações sociais, de classe, de gênero, de raça e de cultura, presentes na atividade linguística.

Vale a pena observar que, entre os autores e autoras que são referência para a Pragmática, também estão os franceses Oswald Ducrot e Émile Benveniste, e o americano H. P. Grice. Até o final da década de

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1980, muitos trabalhos cuja orientação teórica está fundamentada nesses autores incluíam-se na área da Pragmática. Entretanto, a evolução de seus trabalhos conferiram-lhes campos de estudos e métodos hoje separados dos pragmáticos. A Semântica Argumentativa e a Análise da Conversação são duas correntes outrora participantes do movimento que integrou componentes pragmáticos aos estudos lingüísticos. Neste momento histórico da Lingüística, são mais enriquecedoras quando estudadas como áreas diferentes. Mas não estranhem a leitora e o leitor se encontrarem, ainda hoje, os nomes desses autores associados de alguma forma à Pragmática(4-Nota de rodapé).

2.1. Pragmatismo americano

Foi o filósofo americano Charles S. Peirce o primeiro autor a utilizar a palavra pragmatics, no seu artigo How to make our ideas clear, de 1878. Peirce exerceu influência sobre vários filósofos e assim foram divulgadas suas idéias sobre a tríade pragmática. Essa tríade representa a relação entre signo, objeto e interpretante. O que Peirce procurou destacar ao postular essa tríade foi a ne-cessidade de se teorizar a linguagem levando-se em conta o que sempre foi lembrado na Linguística, ou seja, o sinal, mas também aquilo a que este sinal

Nota de rodapé 4. Para maiores detalhes, consultar os capítulos "Semântica" e "Análise da Conversação", neste volume.

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remete e, principalmente, a quem ele significa. Num dos trechos de sua obra, Peirce explica:

(inicio da citação)

[Os que se dedicavam ao estudo] da referência geral dos símbolos aos seus obje-tos ver-se-iam obrigados a realizar também pesquisas das referências em relação aos seus interpretantes, assim como de outras características dos símbolos e não só dos símbolos, mas de todas as espécies de sinais. Por isso, atualmente, o homem que pesquisa a referência dos símbolos em relação aos seus objetos será forçado a fazer estudos originais em todos os ramos da teoria geral dos sinais(5-Nota de rodapé).

(fim da citação)

È bom ressaltar que a idéia da tríade pragmática e toda a teoria que a acompanha são complexas. Peirce fez um trabalho prolongado, procurando explicar exaustivamente os componentes de sua teoria do signo, definindo e sub-dividindo cada um dos itens para explorar ao máximo sua capacidade explicativa e seu alcance teórico — só os sinais ele subdividiu em dez classes principais!

Devemos aqui nos deter na repercussão de seu trabalho, na sua proposta principal de expor todos os aspectos da relação símbolo-objeto-interpretante. Os dois principais seguidores de Peirce, e que passaram adiante interpretações da obra deste autor, foram William James e Charles W. Morris.

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Ao travar contato com o círculo de filósofos de Viena, Morris sabe da proposta de Rudolf Carnap de dividir as investigações sobre linguagem em três campos: a Sintaxe, que trataria da relação lógica entre as expressões; a Semântica, que trataria da relação entre expressões e seus significados; e a Pragmática, que estaria responsável por tratar da relação entre expressões e seus locutores e locutoras. Repare que essa partição ternária lembra muito os três pontos cruciais da significação para Peirce: o signo propriamente, em Carnap destacado pela idéia de que uma área, a Sintaxe, poderia tratá-lo; o significado, ou a que remete o signo, tratado na Semântica; e a pessoa que interpreta o signo, tratado, de acordo com Carnap, pela Pragmática. Essa proximidade entre os dois raciocínios entusiasma Morris. Em 1938, Morris atesta, com Foundations of the theory of signs(6-Nota de rodapé), a doutrina pragmática de Peirce, defende a interdependência, combatendo a hierarquização dos três campos. Assim, Morris mostra-se fortemente influenciado pelo grupo de empiricistas de Viena, mas, ao mesmo tempo, busca minimizar a força da separação entre os três campos de estudo, o que, consequentemente, afastaria, na prática da pesquisa linguística, Nota de rodapé 5. Peirce (1906) citado em Odgen, C. K. & Richards, I. A. O significado do significado. Rio de Janeiro, Zahar, 1972, p. 280. 6. Citado em Schliben-Lange

os três elementos da tríade pragmática. Entretanto, ainda que esse gesto de Morris seja bastante apropriado ao pensamento de Peirce, é forte a ascendência do empirismo lógico em seu pensamento, fazendo com que sua obra se direcione para outros caminhos, como, por exemplo, para fundamentar a doutrina da ciência unitária defendida pelos empiricistas.

Seguindo outro caminho, o filósofo William James aproveitou de Peirce a idéia de refletir no âmbito da filosofia sobre os sinais e seus significados. Ao escrever o ensaio Philosophical conceptions and practical results, em 1898, vinte anos depois que Peirce havia utilizado a palavra pragmatics, James cunha pragmatism e inaugura o que ficou conhecido como Pragmatismo americano. Mas as idéias de James só vieram a causar impacto no século XX, sob a égide de novos filósofos empenhados em definir a filosofia, e também a linguagem e o conhecimento, como uma prática social. A definição mais popular de James é a de verdade como "o que é melhor para nós acreditarmos". Essa fórmula é bastante polêmica, e valeu ao adjetivo "pragmático" a definição de "aquilo que tem aplicações práticas, voltado para a ação".

Desde Platão, que discutiu com certa constância a questão "A que se pode chamar corretamente verdadeiro ou falso?", a maior parte dos textos filosóficos, especialmente influenciados pela lógica clássica, até então tinha definido verdade como um conceito que está fora das pessoas, pois o que é verdadeiro estaria sempre em conformidade com o mundo. Desse modo, a verdade seria suscetível de ser encontrada e confirmada. Esse conceito de verdade sempre foi extremamente importante para a definição de significado, pois a conceitualização deste último girava em torno da correspondência entre o mundo e a palavra. William James, por meio de sua reflexão filosófica baseada em componentes pragmáticos, valoriza a

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pessoa que fala como detentora do próprio significado, já que a verdade, palavra-chave na compreensão da relação entre mundo e linguagem, nada mais é que aquilo que todos e todas nós, inseridos/as numa comunidade, queremos que ela seja. Repare como essa posição de James desloca com grande força o tratamento do significado linguístico, porque impele o debate acerca da verdade para o terreno do imprevisível: as pessoas sociais. No momento em que ele relativiza a noção de verdade, atinge em cheio todo o discurso sobre a possibilidade de conhecimento de fato, pois duvida da própria idéia de confirmação no mundo deste conhecimento.

É o americano Willard V. Quine quem inicia um grande empenho em prosseguir as idéias pragmatistas de James e Peirce. Quine, como Morris, também estuda o empirismo lógico do Círculo de Viena, mas abandona de vez o vocabulário logicista e reforça muitas das idéias de Peirce, reformulando-as no que ele

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chamou de pragmatismo radical. Sua atitude contra a tradição lógica é ousada. Com Quine, podemos aprender que muitos argumentos utilizados pela Semântica lógica para sustentar a exclusão do/a usuário/a na análise do significado são questionáveis em sua própria condição de argumento válido.

Para entendermos o radicalismo da proposta pragmática de Quine, devemos nos deter um pouco na questão da determinação da referência, e procurarmos perceber como Quine levanta o problema de que determinar o objeto referido por uma expressão é uma questão muito mais séria do que simplesmente encontrá-lo ou não no mundo. Muitas dificuldades podem ser levantadas para se apontar um objeto referido. Quine (1980), defendendo que a indeterminação da referência permanece não importa com qual tipo de expressão referencial estejamos trabalhando, apresenta a situação do uso de expressões demonstrativas. A sentença

(inicio da citação)

(6) Esta mesa está quebrada.

(fim da citação)

proferida numa situação similar à ostensão, não deixa de produzir perguntas: o que está sendo referido para o predicado "está quebrada": a quina da mesa? o pé da mesa? as dobradiças? Se concordamos com Quine, essas perguntas não são realmente problemas referenciais. É perfeitamente aceitável, do ponto de vista de qualquer falante, que permaneça a indeterminação da parte da mesa que está quebrada. A apreensão do objeto referido fica assim fragmentada, e não mais transparente.

Com exemplos como este, Quine está defendendo a tese de que a referência é impenetrável, no sentido de que não se pode determinar "com toda certeza" o alcance da expressão referencial no mundo. É a famosa tese da inescrutabili-dade da referência, a base de sua visão holista. A inescrutabilidade da referência é a prova cabal de que as discrepâncias entre significações só podem ser teorizadas a partir da sua condição pragmática. Quine (1968) nos explica isso mostrando que um linguista em pesquisa de campo, que ouve um nativo dizer "gavagai" apontando para um coelho que passa, só pode interpretar pragmaticamente esse ato. Nada garante que "gavagai" possa ser traduzido como "coelho" ou "parte de coelho" ou "coelho andando". Sua tradução só pode ser feita a partir da prática linguística que o produziu.

Outros dois estudiosos do Pragmatismo americano que se destacam são Donald Davidson e Richard Rorty. Ambos admitem créditos por suas idéias aos trabalhos dos filósofos James Dewey e L. Wittgenstein. Estes últimos autores acrescentaram uma perspectiva historicista aos estudos pragmáticos americanos, defendendo que as investigações dos fundamentos da linguagem podem

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ser consideradas uma prática social contemporânea A Teoria da coerência elaborada por Davidson (1986), e respaldada pelas críticas de Rorty (1994) à tradição analítica(7-Nota de rodapé), delineia um arcabouço teórico para tratar a coerência interna, e não a verdade, como o elemento que sustenta qualquer sistema interpretativo. Sua defesa polemiza, portanto, em torno daquela noção clássica de verdade que citamos anteriormente, e contrapõe-se à Teoria da Correspondência, presente na definição clássica de significado. Essa última sustenta que sentenças e coisas no mundo podem ser relacionadas a fim de calcular valores de verdade dessa relação. Para

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Davidson, se há coerência, pouco importa o valor de verdade dessa correspondência. Dessa forma, o que Davidson quer mostrar é que as atitudes proposicionais de uma pessoa, sua fala, crenças e intenções são verdadeiras porque existe um princípio legítimo que diz que qualquer uma das atitudes proposicionais do/a falante é verdadeira se ela é coerente com o conjunto de atitudes proposicionais desse/a mesmo/a falante. Tomemos um exemplo:

(inicio da citação)

(6) A: Estou pensando em assistir ao carnaval em Olinda. Você, que é de lá, sabe setem muito barulho? B: Não, tem polícia, é tudo bem organizado. A: A polícia não deixa ter muito samba? B: Não, a polícia não deixa as pessoas bagunçarem as ruas. A: Não, não foi isso que eu quis dizer. Eu não estou falando de barulho como bagunça, estou falando de barulho de batida de samba.

Esse trecho ilustra o que, entre linguistas, é conhecido como "mal-entendido", um momento no diálogo em que não há coincidência de interpretação entre participantes. Muitos estudos têm procurado estabelecer padrões para a "resolução" desses chamados mal-entendidos, justificando, por exemplo em (6), que a expressão "barulho" é empregada com diferenças culturais suficientemente marcantes para causar diferença também na interpretação preferencial de tal expressão.

Um exemplo deste tipo de idéia de que mal-entendidos são erros e devem ser resolvidos é um texto de M. Dascal (1986) chamado A relevância do mal.

Nota de rodapé 7. Tradição analítica é entendida aqui no sentido de Rorty (1994) como aquele vocabulário filosófico que se inicia com os trabalhos do filósofo alemão Frege, e que baseia toda a argumentação para a defesa de que significar é representar algo que está fora da linguagem, seja fora porque está no mundo concreto, seja fora porque está no "pensamento" ou "sentimento", entendidos estes últimos como conceitos abstratos, não ligados a nenhuma prática cotidiana de linguagem.

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entendido(8-Nota de rodapé). Não se iludam pelo título. O texto de Dascal procura responder com especial ênfase à questão sobre a relação entre entender e mal-entender. De acordo com esse autor, o mal-entendido relaciona-se com o entender na medida em que ambos estão ligados a camadas de um esquema conversacional que é sempre utilizado pelos interlocutores e interlocutoras na atividade de linguagem.

Dascal pretende mostrar que o mal-entendido deve ser tratado como um fenômeno importante no trabalho com a linguagem. Mas ele defende que, de fato, esta relação entre entendimento/mal-entendido é importante na medida em que revela o funcionamento do entendimento. Dessa maneira, como toda dicotomia, esse par não passa de uma hierarquia camuflada, em que o mal-entendido é um "mau funcionamento" do esquema de significação harmônico. Como em toda hierarquia, um elemento se sobrepõe ao outro, e, sem dúvida, neste caso, não é o mal-entendido o membro positivamente valorado do par. Seu enfoque não é para integrar propriamente o mal-entendido ao esquema interpretativo, mas sim criar um

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mecanismo que o evidencie e ao mesmo tempo permita corrigi-lo. Podemos compreender que Dascal considere "um tanto paradoxal" defender a importância do mal-entendido em sua análise: a relação que o autor defende entre entender e mal-entender não pode efetivamente integrar o segundo elemento ao esquema interpretativo; ao contrário, sua importância "paradoxal" está em ser levado em conta para ser eliminado.

Esse texto de Dascal nos serve de exemplo da forma como têm sido tratados os fatos linguísticos que resultam no mal-entendido: intempéries a serem corrigidas, evitadas, impedidas. Quando um autor como Dascal defende que se deve corrigir um mal-entendido, é porque ele pressupõe que a noção de entendi-mento deve ser mantida intocada.

Mas uma análise linguística baseada nos debates de Davidson e Rorty acerca da coerência de sistemas interpretativos ilumina outros ângulos da questão do mal-entendido. Por que pensar em "mal-entendido" se existe apenas coerência interna nos sistemas interpretativos? Duas pessoas de culturas diferentes podem encontrar dificuldades em manter um diálogo produtivo, sim. Mas também pessoas de mesma cultura lidam com situações como a anterior, pois cada uma encaminha suas interpretações de maneira singular. Teorizar dessa forma sobre linguagem não tem nada a ver com pensar que cada qual diz o que quer e entende quem puder. A idéia de coerência interna em sistemas linguísticos nos diz,

Nota de rodapé

8. Uma análise detalhada desse texto de Dascal (1986) e uma discussão mais aprofundada sobre as motivações em torno da manutenção de um modelo harmônico de "entendimento" encontram-se em Pinto1998).

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muito mais apropriadamente, que é inadequada a argumentação em torno de “mal –entendido”, pois o processo que acarreta esse fenômeno desconcerane dos diálogos cotidianos é parte coerente de uma interpretaçao, e não deve ser encarado como “erro” ou “inadequação” de significado.

Dessa forma , podemos afirmar que a conversação humana é, para essa corrente da pragmática mais do que para qualquer outra, uma prática lingüísica. Prática entendida como sempre social, e no sentido que colocou James,como linguagem. O Pragmático americano oferece, então, bases filosóficas para uma análise lingüística que relacione a todomomento signo e falante, antes de quaalquer coisa, compondo ambos o que se chama de Fenômeno lingüístco.

2.2 Atos de fala

G.E Moore assistiuu s cursos proferidos por Wittgenstein e definiu o pensamento desse autor como um desvio seria um encaminhamento das preocupações dos estudiosos para a linguagem corrente.È Moore quam faz repercutir entre filósofos daUniversidade de oxford esse redirecionamento.Autores como Gilber Ryle, Jonh Langhaw Aistin e Peter Frederick Strawson seguem sd indicações de more de Wittgentein para examinar a linguagem corrente como fonte

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de solução para os problemas filosóficos.È o movimento que ficou conhecido como Filosofia Analítica ou Filosofia da linguagem Ordinária, e que tem como reslado principal para estudos lingüísticos a Teoria dos altos de Fala.

Depois do impacto do ensaio de Ryle, Systematic misleading expressions, de 1932, foi aberto o espaço para se debater como construções gramaticais podem levar a cnfusões lógicas ineficientes entre filósofos e filósofas.Na esteira dessa abertura, austin foi quem melhor exôs o problema, discutindo a materialiadade e historicidade das palavras.Seus estudos procuramrefletir sobre a possibilidade de uma teoria que explicasse questôes, exclamações e sentenças que expressam comandos, desejos e concessões.A Teoria dos Atos de fala que tem por base conferências de Austin publicadas postumamentte em 1962 sob o título How to do things with words(Austin, 1990),concebe a linguagem como uma atividade construída pelos/as interlocutores/as, ou seja, é impossível discutir linguagem sem considerar o ato de etar falando em si- a linguagem não é assim descrição do mundo, mas ação.

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Uma das distinções mais importantes feitas por Austin nesta sua defesa dos atos de fala é entre os enunciados performativos, como aqueles que realizam ações porque são ditos, e os enunciados constativos, que realizam uma afirmação, falam de algo. O exemplo abaixo:

(7) Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

é um enunciado performativo pois, como os anteriormente citados (3) e (4), "pratica" uma ação enquanto é enunciado. Somente proferindo "Eu te batizo" é que o padre pode batizar alguém, e isso é o que caracteriza a performatividade. Por outro lado, Austin propõe a existência de enunciados constativos, como os representados pelo exemplo abaixo:

(8) A mosca caiu na sopa.

Neste caso (8), não haveria uma ação praticada, ao contrário, a ação [a mosca cair na sopa] já ocorreu e provavelmente por isso há o enunciado. A análise dos contrastes entre esses tipos de enunciados, o performativo e o constativo, levou Austin a prosseguir no raciocínio e aventar a separação de níveis de ação linguística através de enunciados. Ele propôs chamar atos locucionários aqueles que dizem alguma coisa; atos ilocucionários, aqueles que refletem a posição do/a locutor/a em relação ao que ele/a diz; e atos perlocucionários, aqueles que produzem certos efeitos e consequências sobre os/as alocutários/as, sobre o/a próprio/a locutor/a ou sobre outras pessoas. Esses três níveis atuam simultaneamente no enunciado. Para entender melhor, vejamos uma rápida análise:

(9) Eu vou estar em casa hoje.

Em (9), o ato locucionário seria o conjunto de sons que se organizam para efetivar um significado referencial e predicativo, quer dizer, para efetivar uma proposição que diz alguma coisa sobre "eu". O ato ilocucionário é a força que o enunciado produz, que pode ser de pergunta, de afirmação, de promessa etc, o que, neste caso de (9), fica diluído entre uma promessa e uma afirmação, dependendo do contexto em que é enunciado. O ato perlocucionário é o efeito produzido na pessoa que ouve o enunciado: efeito de agrado, pois gostaria de estar mais tempo em casa com quem enunciou (9); ou efeito de ameaça, pois vai

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se sentir vigiada por aquela presença na casa, e assim por diante. Uma constatação importante é que os atos de fala são muitas vezes de

efeito ambíguo, podendo expressar tanto uma promessa quanto uma ameaça, . Página 59 e assim por diante.Para solucionar o dilema, falantes costumam se basear em indícios explicitados no momento da fala, ou amplamente percebidos na relação entre as pessoas que falam. Dessa forma, podemos dizer que os atos de um enunciado ocorrem simultaneamente, são relativos ao contexto de fala e às pessoas que falam, e são interpretáveis com uma amplitude muitas vezes difícil de ser descrita nos limites de uma análise linguística.

Nos cursos que deram origem à obra How to do things with words, Austin dedica-se principalmente aos verbos performativos, ligando as realidades tanto verbal quanto não-verbal. O grande furor causado inicialmente pela idéia de performatividade tinha a ver com a impossibilidade, ditada pelo próprio Austin, de manter a distinção verdadeiro/falso para esses tipos de enunciados. Em 1958, num encontro de Royaumont — França, um filósofo questionou longamente Austin, argumentando que um enunciado performativo poderia ser sim verdadeiro ou falso no que se relaciona àquele que fala, ou no sentido do próprio ato em si. Austin respondeu de forma insistente:

Pode-se dizer de um ato que ele é útil, que é conveniente, que ele é mesmo sensato, não se pode dizer que ele seja true or false. Qualquer que seja ele, tudo que posso dizer é que os enunciados desse tipo são muito mais numerosos e variados do que se acreditava(9-Nota de rodapé).

Neste famoso debate, para sustentar a impossibilidade de atribuição de valor de verdade para os enunciados performativos, Austin trata de mostrar como muitos enunciados com aparência de constativos são de fato performativos, como é o caso de "Eu te digo para fechar a porta". Esse seu argumento desvela uma outra ousadia de Austin: ele próprio jamais sentiu inteira satisfação com a distinção constativo-performativo, e questionou-a, chegando mesmo a atestar a impossibilidade de sustentá-la.

Austin finalmente estabelece que o tal de constativo nada mais era de fato senão um performativo mascarado(10-Nota de rodapé).

Mas a teoria austiniana firmou-se na Linguística, de fato, pela via da interpretação de John Searle, em Speech acts, de 1969 (Searle, 1981). O trabalho de Searle empenhou-se no sentido de produzir um acabamento Nota de rodapé 9.Austin, J. L. Performativo-constativo. In: Ottoni, P. R. Visão performativo da linguagem. Campinas, Editora da UNICAMP.1998, p. 132. 10.Rajagopalan, K. Dos dizeres diversos em torno do fazer. D.E.L.T.A., v. 6, n. 2, 1990, p. 237.

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Página 60 nas inúmeras reviravoltas(11-Nota de rodapé) que Austin efetiva em sua

reflexão sobre a linguagem.Um exemplo disso é a taxonomia para os atos de fala proposta por Searle, que inclusive procurou deixar clara a distinção entre ato ilocucionário e verbo ilocucionário. Searle defendeu que os atos de fala possuem um componente básico: a proposição, o que orientaria, por meio de doze "dimensões de variação", a sua classificação. Austin, por seu lado, também havia arriscado algumas tentativas taxonômicas, mas percebeu cedo uma certa falta de nitidez para essa classificação(12-Nota de rodapé).

Outros autores, como Jacques Derrida (1991), procuraram ler a obra de Austin com consequências bem mais radicais e problematizadoras que a organização proposta por Searle. Para autores como Derrida, a Teoria dos Atos de Fala não é uma simples bipartição entre enunciados constativos e enunciados performativos, ou um levantamento de níveis de ação linguística. A teoria de Austin, para Derrida, expõe a dimensão ética da linguagem, porque leva às últimas consequências a identidade entre dizer e fazer e insiste na presença do ato na linguagem, e não aceita separação entre descrição e ação. Não existe assim diferença entre "dizer" (9) e a ação praticada em (9). Quando uma pessoa emite (9), ela pratica uma ação, e não descreve algo — a saber, "o fato de que vai ficar em casa hoje". O ato locucionário, aquele que diz algo, é, portanto, uma abstra-ção. Os diferentes níveis não existem senão na proposta de separação. Derrida assim interpreta a teoria da performatividade:

O performativo não tem o seu referente (mas aqui esta palavra não convém sem dúvida, e constitui o interesse da descoberta) fora de si ou, em todo o caso, antes de si e face a si. Produz ou transforma uma situação; opera(13-Nota de rodapé).

Assim, os atos de fala são hoje fonte inesgotável de trabalhos na área da Pragmática, mas também na Lingüística em geral. Vale lembrar que se vasculharmos outras áreas de estudos linguísticos também encontraremos trabalhos que levam em conta os atos de fala em suas análises. Não se pode dizer propriamente que todos esses trabalhos são seguidores da teoria austiniana; mas o que de fato ocorreu foi que a popularização dos trabalhos de Austin, por intermédio de estudiosos e estudiosas francesas e principalmente da divulgação feita por

Nota de rodapé 11.Incluem-se aí os questionamentos de Austin sobre o valor veritativo dos atos de fala, ou mesmo suas dúvidas sobre a distinção performativo-constativo. 12.Para um debate mais aprofundado sobre a questão da taxonomia para os atos de fala, ler Rajagopalan (1992). 13.Derrida, J. Assinatura, acontecimento, contexto. In: Margens da Filosofia. Campinas, Papirus, 1991, p. 363.

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Página 61 Searle, abriu espaço para a preocupação com uma realidade linguística bastante incômoda: o fato de que aquilo que dizemos tem efeito altera o sentido e funcionamento linguísticos.

No início da década de 1970, até as famosas árvores gerativistas incorporaram os atos de fala em seus galhos. Com o tempo, esse fenômeno se abrandou, mas a leitora e o leitor vão encontrar em muitos trabalhos menções à Teoria dos Atos de Fala. Na Semântica, na Linguística Textual, na Análise Conversacional, na Análise do Discurso e em muitos outros lugares, para criticar ou reverenciar, para ser fiel a Austin ou para lhe fazer "consertos", a Teoria dos Atos de Fala tem sido tanto um mero instrumento para explicar efeitos da linguagem em uso, como a relevância de uma promessa ou a eficácia de uma ordem, como no caso dos trabalhos de Searle (1981), quanto tem sido fonte de reflexão não somente sobre a prática do uso linguístico mas principalmente sobre a teorização desta prática, como no caso das reflexões de Rajagopalan (1990).

2.3. Estudos da comunicação

Genericamente definido aqui como estudos da comunicação, esse grupo de pesquisas pragmáticas se caracteriza por ser um híbrido dos dois grupos anteriores. Híbrido porque podemos encontrar neste grupo autores que utilizam ambos os métodos descritos anteriormente, acrescentados muitas vezes de renovadas leituras do Pragmatismo americano ou da Teoria dos Atos de Fala. O que os torna diferentes dos demais é o crédito a teorias filosóficas historicistas que estavam em situação de ausência ou de pouca expressividade nas duas correntes anteriores.

Desde quando os estudos marxistas promovidos em todos os campos das chamadas ciências sociais tomaram conta da Europa14, questões relativas à comunicação humana começaram a ser levantadas com a seriedade e a sistemati-cidade necessárias para firmar um novo paradigma. O pano de fundo dessas questões era especialmente a diferença de classes. Isso quer dizer que, de uma maneira geral, muitos autores e autoras se perguntavam o que significaria a diferença de classe social para a comunicação entre pessoas.

Outras estudiosas e estudiosos, que não seguiram o ímpeto das investigações marxistas, também empenhados sobre problemas relativos à comunicação, elaboraram perguntas sobre as perguntas que estavam sendo feitas.

Nota de rodapé 14. Ver outros detalhes sobre os estudos marxistas no capítulo "Análise do Discurso", neste volume.

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e inauguram uma linha de inquirição para avaliar como estava sendo tratado o problema da comunicação no âmbito da Filosofia, da Linguística, da Etnologia e das ciências sociais em geral

A reavaliação do conceito de cooperação é um exemplo de resultado dessa linha de inquirição. De acordo com Grice, o introdutor desse conceito, para haver comunicação seria preciso haver cooperação entre os usuários. Seria possível inclusive levantar os princípios que regem o espírito cooperativo de comunicação. Grice elaborou, em meados da década de 1960, um quadro de implicaturas conversacionais, ou seja, de regras que deveriam estar presentes no sucesso de todo e qualquer ato de linguagem(15-Nota de rodapé). Jacob L. Mey (1987) é um excelente exemplo de como, a partir da Pragmática, é possível questionar severamente a cooperação comunicativa: ele discute como a noção de cooperação sustenta a ideologia da "parceria social", pois apresenta o uso da linguagem como uma parceira igualitária e livre entre falantes.

Seguindo uma linha critica como a de Mey, atuais pragmatistas apostam em comunicação como trabalho social, realizado com todos os conflitos consequentes das relações na sociedade. Ou seja, os conflitos das relações entre homens e mulheres, entre professor/a e aluno/a, entre brancos/as e negros/as, ou entre judeus/judias e anti-semitas, podem ser identificados linguisticamente.

Acredito que você possa perceber facilmente essa linha argumentativa por meio da análise deste mesmo texto que você está lendo. Algumas pessoas, ao lerem um texto como este, sentem um certo desconforto com a presença cons-tante do feminino na caracterização genérica, como "estudiosas e estudiosos da Pragmática", o que significa a negação de que o masculino possa representar tanto homens quanto mulheres. Outras pessoas talvez não se sintam desconfortáveis, mas ao menos estranham essa insistência. Diante dessas reações se pode perguntar: por que manter o feminino nas caracterizações? Não pode o masculino ser o genérico? Muitos estudos pragmáticos respondem a essas perguntas da seguinte forma: existem pesquisadoras pragmatistas, mulheres que estudam e produzem materiais de qualidade nos estudos introdutórios da Pragmática? Sim; só para citar: Jenny Thomas (1995), Marcella Bertuccelli-Papi (1993), Brigitte Schlieben-Lange (1987). Referi-las pelo masculino é ser sexista, ou seja, é manter simbolicamente o masculino como melhor representante do gênero humano. Em trabalho baseado nas Propostas para evitar o sexismo na linguagem, publicado pelo Instituto da Mulher da Espanha, lemos:

Nota de rodapé 15. Para maiores explicações, ver o capitulo "Análise da Conversação", neste volume.

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Quando se estabelecem as normas linguísticas de uma perspectiva sexista, se prejudica diretamente as mulheres e indiretamente toda a sociedade. (16-Nota de rodapé)

Assim, pragmatistas dos estudos da comunicação, preocupados/as em debater os conflitos sociais que são também linguísticos, devolvem as perguntas com outra: por que não tornar visíveis lingüisticamente homens e mulheres? O desconforto ou estranhamento produzido por uma ação assertiva (a de se textualizar também o feminino nas caracterizações de estudiosos e estudiosas) é prova de que conflitos entre homens e mulheres podem ser identificados linguisticamente, se se considera a linguagem como um trabalho social pleno de conflitos sociais.

Qualquer tentativa de descrição da comunicação que exclua aspectos sociais é considerada inócua e ineficiente para a pesquisa pragmática. A linguagem não é, portanto, meio neutro de transmitir idéias, mas sim constitutiva da realidade social. Não sendo "a realidade social" um conceito abstrato, mas o conjunto de atos repetidos dentro de um sistema regulador, a linguagem é sua parte presente e legitimadora, e deve ser sempre tratada nesses termos.

Desde a Escola de Frankfurt, com os trabalhos de Jurgen Habermas (1988) sobre a ação comunicativa, às teorias da desconstrução de Jacques Derrida, as mais diversas formas de pensar a linguagem como parte da realidade social, e não seu espelho, estão sendo elaboradas. Essa diversidade, se não ajuda a identificar temas definidos da Pragmática, pelo menos tem impedido a exclusão das mais variadas formas dos fenômenos da linguagem.

Roy Harris (1981), por exemplo, defende que somente levando-se em conta o que é metodicamente excluído na Linguística tradicional podemos desmiti-ficar as nossas idéias sobre as regras de funcionamento da linguagem. Assim, podemos perguntar: como usos inovadores e não-dicionarizados de palavras ou mesmo estruturas sintáticas da língua são tratados nas pesquisas? Ou: como a incoerência de ações produzidas por atos de fala são relegadas ao plano do "mal-entendido a ser corrigido"?

Essas exclusões, quando debatidas, podem dar conta de problemas que atormentaram linguistas durante muito tempo. Uma garotinha que está na ponta dos pés, com o mato alcançando seus joelhos, diz:

(10) Olhe, mãe, vai certinho até minhas dobras!(17-Nota de rodapé)

Nota de rodapé 16.PROMUJER, Hacia un currículo no sexista. Puerto Rico, Universidad, 1992. 17.O exemplo é de Harris (1981) e o original em inglês é o que se segue: "Look, mummy, it comes right up to my hinges". Harris, R. The language myth. Oxford, Duckworth, 1981, p. 152.

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o que ela quis dizer? A mãe sabe, ainda que ela nunca tenha ouvido esse uso

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de "dobras". E nós que lemos o exemplo também o compreendemos. Uma situação como esta tem sido tomada pela Linguística tradicional como exemplo para a distinção "necessária" entre conhecimento lingüístico e conhecimento pragmático, ou conhecimento contextual, conhecimento de mundo etc, resumidamente, a distinção entre conhecimento linguístico e conhecimento extralingüístico. Assim, o problema não é de fato levado a sério, pois reduz a questão a decidir entre a falta de conhecimento linguístico, ou a falta de conhecimento extralingiiístico.

Para os estudos da comunicação atuais, a questão principal é "como a mãe sabe, se esse uso não é devido?". Ou, com um pouco mais de crítica, "como o uso é indevido se a mãe sabe?". Sendo o uso da linguagem lugar de conflito, ele situa também negociações, modificações, recusas. Isso torna inevitável as inovações, e mais inevitável ainda que para se falar em linguagem tenha-se que falar em fatos até então considerados como não-linguagem. Esses argumentos enfrentam a constante crítica de não estarem de fato "fazendo Linguística", mas sociologia, ou qualquer coisa do gênero. Afinal, em que interessariam problemas que não legitimam a idéia de Linguística como ciência? Dizer que linguagem não é puramente convencional implica assumir a impossibilidade de descrever o fenômeno linguístico inteira e sistematicamente.

O contra-argumento principal a essa crítica é que a demarcação dos limites entre linguagem e mundo, ou entre linguagem e sociedade é uma tarefa inglória e reducionista. Em outras palavras, pensar que incluir aspectos sociais chamados "extralingüísticos" em uma análise leva ao risco de não se "fazer Linguística", desvirtuando o campo sagrado do saber sobre a língua, é o mesmo que pensar que aulas de educação sexual vão fazer as pessoas terem mais relações sexuais. É uma desculpa frágil para não expor a própria frustração de não apreender o objeto de estudo por inteiro.

Defendendo essas posições, os estudos da comunicação seguem procurando ampliar as possibilidades de objetos de estudo de linguistas, tirando a criatividade do nível da mera estatística.

3. DIVULGAÇÃO E IMPACTO ATUAL DA PRAGMÁTICA

No final da década de 1970 e início da de 80, a Pragmática começou a ser levada a sério. Nessa época os estudos que vinham discutindo os componentes pragmáticos da linguagem chamam a atenção e merecem várias publicações, entre periódicos e livros inteiros.

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Em 1977, inúmeros artigos autoproclamados pragmáticos são enviados para edição no recém-criado Journal of Pragmatics, que abre o primeiro espaço de prestígio para as pesquisas que se preocupavam com o uso linguístico. Em 1978, Jef Verschueren publica a primeira bibliografia comentada sobre Pragmática. Logo em seguida, em 1979, Richard Rorty publica o seu A filosofia e o espelho da natureza, trazendo novamente para as rodas filosóficas as idéias de William James. Dois anos depois, em 1981, inicia-se a edição do Language and Communication, oferecendo aos leitores e leitoras discussões centradas na prática da comunicação humana. Nesse mesmo ano, Roy Harris publica The language myth, questionando a ausência sistemática, nos trabalhos linguísticos, de perguntas sobre aspectos criativos da linguagem. No Brasil, Marcelo Dascal edita, em 1982, uma coletânea de textos filosóficos clássicos para a consolidação da Pragmática. Já pelos meados da década de 1980, outros

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trabalhos com perspectivas completamente diferentes, como de Jacob L. Mey, de 1985, e o de Brigitte Schlieben-Lange, de 1987, se acrescentam ao debate em torno da pergunta "qual o objeto da Pragmática?".

Está inflamada a área dos estudos pragmáticos. A atividade linguística ganha um espaço cada vez mais frequente na Lingüística. Trabalhos discutem a relação dos signos com a prática da linguagem para evidenciar o processo inovador da conversação humana. Aspectos lingüísticos são sistematicamente submetidos a exame para valorizar sua condição de constituinte social. As variações sintáticas e fonológicas são estudadas pela sua significação social para os/as falantes. O bilingüismo é analisado como construtor e mantenedor das hierarquias sociais em países colonizados. Os relatos de mulheres são interpretados no que transmitem de suas auto-imagens e das imagens que o universo masculino tem delas.

Para pragmatistas que utilizam dados empíricos em seus trabalhos, questões sobre racismo e sexismo, sobre diferenças socioeconômicas, sobre ética ou sobre relações de poder não são mais consideradas como detalhes surgidos ao acaso em pesquisas centradas na língua pela língua. Ao contrário, a Pragmática está defendendo um quadro de pesquisa sobre, para e com os sujeitos sociais(18-Nota de rodapé);; um quadro metodológico que permita aos pesquisadores e pesquisadoras interagirem integralmente com suas informantes e seus informantes, discutir com elas e eles seus interesses e avaliar a repercussão de afirmações conclusivas do trabalho teórico.

Nota de rodapé 18. Para maiores detalhes, consultar Cameron et al. (1993).

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Para pragmatistas que se dedicam a levantar problemas teóricos do estudo da linguagem, questões sobre o papel da linguagem na formação do sujeito, sobre a noção de unicidade e identidade linguísticas, sobre a imprevisibilidade e a criatividade como propriedades linguísticas, sobre a própria condição do fazer teórico linguístico não podem mais ficar relegadas ao plano das especulações.

Conforme apontei na seção anterior, a criatividade é uma constante na realização da linguagem, de tal modo que leva a negociações, modificações, recusas, o que entre sociolingiiistas é conhecido como fenômenos de variação e mudança(19-Nota de rodapé). Isso leva à imprevisibilidade no sistema descrito: é impossível descrever e/ou prever todas as estruturas e combinações existentes numa língua. É fundamental perguntar-se como o signo mantém a sua unicidade, como continua sendo o mesmo através de repetições tão diferentes, e como, ao mesmo tempo, continua a ser intercambiável, como se sua unidade fosse fragmentada, fazendo, perdendo e refazendo todo tempo o próprio limite. É definidor perguntar-se o que é identidade lingüística, e como ela se produz, tendo em vista que, ao contrário do que muitos/as linguistas pensam, a linguagem não reflete o lugar social de quem fala, mas faz parte desse lugar social:

Identidade não pré-existe à linguagem. Falantes têm que marcar suas identidades assídua e repetidamente.

A repetição é necessária para sustentar a identidade, precisamente porque ela não existe fora dos atos de linguagem que a sustentam(20-Nota de rodapé).

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Temas como esses, e as posições teóricas e éticas que os acompanham, são polêmicos porque estão sendo construídos para mostrar que o uso linguístico não é, como queria Carnap, um dos componentes da linguagem, mas a única forma produtiva de se pensar os fenómenos linguísticos. Dizer é fazer, a prática social que chamamos linguagem é, para a Pragmática atual, indissociável de suas consequências éticas, sociais, económicas, culturais.

No estágio de desenvolvimento atual das razões filosóficas que a formaram, a saber, do Pragmatismo americano, da Teoria dos Atos de Fala e dos atuais estudos da comunicação, esta polivalente área da Linguística não deixa de acompanhar e aprofundar todas as implicações teóricas do fato de que as manifestações e empregos da linguagem são paradoxalmente dependentes e

Nota de rodapé 19. Recomendo que o leitor busque saber mais sobre variação e mudança e repare nas diferenças de enfoque entre a Pragmática e a Sociolingüística. Ver, então, o capítulo "Sociolinguística" (partes I e II) no volume I desta obra.

20. Cameron, D. Verbal hygiene. London, Routledge, 1995, p.17.

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resistentes às usuárias e usuários. Nem centro nem periferia da linguagem, "falante", pela óptica da Pragmática, é tanto ator ou atriz da relação de intercompreensão quanto participante e reprodutor/a das instabilidades do processo de vida social que coordena essa ação.

Espero que o leitor e a leitora possam ter compreendido um pouco de como a Pragmática se consolidou como a ciência do uso linguístico. O campo não se esgota. Muitos ainda são os temas que podem ser abordados num estudo pragmático: tanto fenômenos concretos, quanto a própria teorização do fazer pragmático. No enfoque pragmático, o interesse por cada ponto a ser analisado é sempre um ganho quando não se quer deixar de fora da linguagem quem a faz existir: nós.

BIBLIOGRAFIA

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