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Sem Carimbo na Carteira Olhares sobre um mercado informal

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O livro-reportagem fotográfico "Sem Carimbo na Carteira" busca retratar as tênues relações existentes no mercado informal de trabalho.Por meio de fotos o autor retrata peculiaridades existentes nas relações sociais e econômicas de quem vive neste meio, que muitas vezes são assombrados pelo fantasma da marginalização, da expulsão social pelo não formalidade e pela ausência de carimbo na carteira de trabalho.

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Sem Carimbo na CarteiraOlhares sobre um mercado informal

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Aguiar, Danilo G. 1987-A228s Sem carimbo na carteira: olhares sobre um mercado informal/ Danilo Gonçalves Aguiar; Atibaia: FAAT, 2008. 149p.

1. Jornalismo. 2. Jornalismo Econômico. I. Título: Sem carimbo na carteira. II. AGUIAR, Danilo Gonçalves.

CDD – 070.449

Todos os direitos reservados; nenhuma parte desta publicação podeser reproduzida ou transmitida por meio eletrônico, mecânico, fotocópia

ou de outra forma sem a prévia autorização do autor.

Danilo Gonçalves de Aguiar Fotos Capa Edição Digitação Projeto Gráfico Tratamento de Imagens Diagramação Finalização Arte e IlustraçãoAntónio Cerveira de Moura Coordenação Editorial RevisorImpressão e Acabamento Master Print Impressões

2008

Copyright © 2008 Danilo Gonçalves de Aguiar

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Sem Carimbo na CarteiraOlhares sobre um mercado informal

Faculdades AtibaiaAtibaia2008

Danilo Gonçalves de Aguiar

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Aos meus filhos,quando os tiver…

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Agradecimentos

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Primeiramente gostaria de agradecer a António Cerveira de Moura, pela força, sempre. Um amigo como você não se acha facilmente. Sou grato pelo ser humano que você é, pela sua presença, pela sua alma gigantesca.

Agradeço também a José Roberto Gonçalves por ter escolhido se posicionar ao meu lado desde o início, quando ainda não sabia qual rumo tomar, até quando tudo pareceu ficar difícil demais... sua escolha é a minha escolha, e disso me orgulho.

Agradeço à Jussara Ferreira, minha querida Juice. Amiga, irmã, mãe, chefe e, sobretudo, guer-reira. Pela atenção, por me ouvir falar, por ter os braços abertos e os abraços apertados, o ombro e as costas largas nos meus momentos de fraqueza e indecisão. E por me dispensar do trabalho para que eu pudesse desenvolver este. Obrigado por pura e simplesmente acreditar em mim.

Ao Roberto Barney e Teco Celino Pires, pelas ferramentas que me disponibilizaram e pelo apoio técnico. Grande parte da conclusão desta obra eu devo a vocês dois.

À Mariane Yumi Romantini, minha querida Mary Jane, pela casa, pelo lanche saudável, pelo apoio em Sampa e pela companhia de sempre nas altas madrugadas. Porque apenas nós somos as-saltados em plena Avenida 9 de Julho e a única coisa que o ladrão leva é uma nota de dois reais.

A Ana Francisca Câmara, Erica Ishimaru e Ernst Klettenhofer, pela confiança, pela amizade e pela paciência. Foram quatro anos juntos (quatro anos de quarteto fantástico), compartilhando momentos de alegria com intensidade. Agora seguimos nossos caminhos, talvez não tão de perto. E quem disse que para estar junto precisa estar perto?... A vocês, meu respeito e admiração. Espero poder contar com o talento e a sensibilidade de vocês, sempre.

Aos meus familiares, por compreenderem minha ansiedade, meus momentos de tensão e minha ausência. Em especial à minha irmã, que tornou possível as imagens deste livro, me emprestando sua máquina fotográfica. Cá, você é a jóia mais preciosa do meu mundo e meu porto seguro.

E ao meu pai, obrigado por me deixar ser quem realmente sou e, ao menos, ter tentado entender isso. Acredito que aquela pessoa que está lá longe, muito além daquela estrada de tijolinhos ama-relos que ouvíamos nas histórias da infância, e que tornou possível a ligação dos nossos elos para sempre, está orgulhosa disso. Afinal, não existe nem ex-pai, nem ex-filho...

Mãe, amo você.Primeiro livro... agradecer todo mundo... tarefa difícil. Muita coisa acontece, muita gente se

envolve no processo. Então, caso tenha esquecido de alguém, me perdoe, mas fica aqui registrado o meu muito obrigado, de coração.

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Índice

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Prefácio, 11Introdução, 19

Primeira Parte Pó cotidiano: constante caminho inconstante, 22 Capítulo I - Essência, 24 Um vulto esfumaçado na multidão, 26 Capítulo II - Um processo, 28

Segunda Parte Vendaval que roda à solta, 36 Gabriela de Souza Pádua, 38 Improvisos Possessivos, 48 Leonilson Pereira de Souza, 50 Sonhar é para poucos: a gente que ia buscar o dia, 58 Nilza Aparecida Silva Pinto, 60 Macabéa século XXI, 70 Aurora Vieira, 72 Quarto da vida, 82 Tereza Cristina da Silva Leme, 84 Um pouco só, 92 Cleber Hernandes, 94 Trocar móveis de lugar, 104 Zilda Cardoso de Lima Ferreira, 106 Mulheres X e X: vendo vaidades, 114 Renata Aparecida Lourenço, 116 A cada manhã, um recomeço, 124 André Trindade Ribeiro, 126

Terceira Parte Caminhos, 140 Perspectivas, 142 Conclusão, 144

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Prefácio

O jornalista Danilo Aguiar toca, neste belo trabalho, em um ponto crucial de nossa economia e, correlativamente, de nossa sociedade, tratando das relações entre capital e trabalho no modo de vida capitalista, centralizado em uma economia de mercado cada vez mais anacrônica do ponto de vista das interações sociais. O autor nos mostra o trabalho informal como uma via de sobrevivência do indivíduo em um mundo em que há cada vez mais pobreza e excluídos.

A economia informal revela a face à margem do trabalho. Revela aquilo que não está previsto na burocracia oficial e, mesmo assim, resiste e move uma porcentagem considerável de nossas rela-ções sócio-econômicas. Trata-se de uma economia que, do ponto de vista pragmático, sustenta uma parcela significativa da sociedade; trata-se, inegavelmente, do que a tradição sociológica denomina como um fato social. A economia e, conseqüentemente, o trabalho informal são fatos sociais que marcam de forma decisiva nossa vida cotidiana. Foi no cotidiano de personagens comuns – a ven-dedora de DVDs piratas, a faxineira e outros rostos comuns - que o jornalista foi buscar fundamen-tação e poesia para sua denúncia de um mundo de trabalho paralelo, injusto, desigual, vivo e forte.

O mercado informal e o trabalho informal foram analisados de modo quase visionário por Karl Marx quando este autor aborda a questão do lumpen proletariado. Há um exército social de reserva que exerce um papel determinante na sustentação do modo de produção do capitalismo. Garante, ao mesmo tempo, a sobrevivência física da mão-de-obra necessária para a reprodução de um sistema de interações sociais pautadas pelo individualismo, pela competitividade e pela exclusão provocada necessariamente pelo lucro abusivo das grandes corporações; e garante também uma falsa participa-ção na vida social da comunidade. De acordo com o que nos mostra o jovem autor, a faxineira par-ticipa da vida urbana, entretanto, como ela mesma aponta, seu trabalho é invisível, não traz marcas de identidade e reconhecimento.

No capitalismo do terceiro milênio, a financeirização é o padrão de riqueza. A lógica da produ-ção, nesta etapa do capital, é substituída pela lógica do dinheiro, do equivalente vazio. A valorização se constrói sob a lógica financeira, na qual o capital não utiliza mais a intermediação financeira para fortalecer o processo de produção. Mas, o que vemos neste novo milênio é o capital girando em torno de si mesmo, deixando em segundo plano o trabalho, a produção e tornando o consumo

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cada vez mais depende da renda e da capitalização financeira. É precisamente neste mundo que este livro caminha. Situa, de forma clara e sensível, aqueles que ficam nas sobras do consumo, buscando, incessantemente, a sobrevivência. A sobrevivência que, muitas vezes, só é possível com o trabalho sem vínculos formais com as normas sócio-econômicas que regem os direitos e os deveres sociais.

O trabalho Sem Carimbo na Carteira, o trabalho informal foi uma forma encontrada pelo capi-talismo do século XXI – financeiro, tecnológico e burocrático – de manter viva, por meio de frágeis relações formais de trabalho, um exército social de reserva. Um exército avassalador em termos numérico, que assegura o trabalho necessário para o pleno desenvolvimento da produção e para a manutenção dos serviços, desvalorizando, pelo excesso de oferta, o próprio papel do trabalho nas relações sociais, políticas e econômicas.

A vulnerabilidade do trabalho informal nos é nesta oportuna apresentada sob dois ângulos que se completam e conversam um com o outro. Por um lado, há o olhar jornalístico, analítico, que bus-ca precisão na informação por meio de testemunhas e na apresentação de dados objetivos; por outro lado, há um outro discurso, sensível, emotivo, pulsante, que perpassa a crueza do distanciamento objetivo por meio de fotos e depoimentos que, muitas vezes, chegam a esbarrar o poético. É por isso que fico extremamente feliz por escrever a apresentação de um jovem que sabe lidar de forma tão apropriada com as problemáticas relações no discurso jornalístico entre o sensível e o inteligível.

O livro traz assim, na herança bom estilo jornalístico da crônica brasileira. A fluência do estilo coloquial constrói a descrição da cena enunciativa e entrelaça, com jovem maestria, a frieza da des-crição jornalística ao calor das falas de personagens erguidos a partir da captura, quase fotográfica, do instante factual.

Para finalizar, quero lembrar o poeta Mário de Andrade. O poeta paulista diz em seu Prefácio Interessantíssimo à obra Paulicéia Desvairada “todo escritor acredita na valia do que escreve”. Este primeiro trabalho nos traz à cena um jovem Danilo Aguiar que pelo vigor de sua escrita também “acredita na valia do que escreve”. Sem Carimbo na Carteira é, sem dúvida, um relato emocionado de quem tem fé nas palavras que grita. Pela coerência e pela reflexão crítica que apresenta, trata-se de um livro muito importante para quem quer pensar as relações de trabalho no Brasil. Aproveitem.

Maria José Guerra*

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Maria José Guerra é professora e pesquisadora. Tem experiência na área de Comunicação Social e na área de Letras. Possui mestrado em Lingüística (1995) e doutorado em Semiótica e Lingüística Geral

(2000) pela Universidade de São Paulo. Recentemente obteve, também pela USP, o título de pós-doutora na área de Relações Públicas e Comunicação Organizacional (2006).

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“A natureza do trabalho possível de ser exercido na economia global é essencial ao entendimento da questão da exclusão.” Gilberto Dupas (1999, p.34)

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“O corpo na cama. O café na mesa. A angústia da incerteza do tra-balho. A marmita na tábua do refeitório improvisado. A falta da Previdência. A vida no dia-a-dia. A meia xícara de café e a resig-

nação no gole intrigado. Máquinas sugando postos de trabalho. A morte no caixão... comprado a prazo…”

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“J á vendi pão de mel em São Paulo. A cada três meses vou pra lá vender, mas eu não gosto de trabalhar lá. As pessoas são frias e não dão atenção. Sempre se man-

têm longe de você.” – Gabriela de Souza Pádua, vendedora de pão-de-mel

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Introdução

A Terceira Revolução Industrial representou uma grande modificação na estruturação do traba-lho e na composição da sociedade a partir de meados do século XX. Questões relacionadas à mo-dificação no processo de produção, na rede de distribuição e na transmissão de informações entre as negociações comerciais alteraram de maneira intensa o imaginário e o cotidiano do homem, até então trabalhador cansado, acostumado com linhas de produção na elaboração de produtos fabris.

Com o desenvolvimento da tecnologia nesse período, uma grande parte da mão-de-obra foi dis-pensada ou deslocada, em decorrência de certos produtos tecnológicos passarem a fazer com mais precisão e agilidade o que a mão-de-obra humana também fazia.

Conforme o Núcleo de Estudos de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol), “o desenvolvimento tecnológico, a integração dos mercados nacionais, o desenvolvimento de siste-mas financeiros, as crises inflacionárias dos anos 70, 80 e 90, foram fatores que levaram à reestrutu-ração do modelo trabalhista, que passou a gerar, além da diminuição dos postos de trabalho, uma maior concentração renda, agravando o cenário de crise social do País e do mundo”.

A partir daí, o trabalhador viu-se obrigado a procurar outros caminhos e alternativas para man-ter sua sobrevivência.

Este livro-reportagem pretende abordar o modo como se dá a articulação dos indivíduos que buscam o mercado informal de trabalho, em meio a um modelo formal em ruínas, ao mesmo tempo em que lutam contra a marginalização econômica e social.

Sem Carimbo na Carteira busca na vida dos personagens elementos para discutir o modo como o mercado de trabalho brasileiro se relaciona com a desigualdade, o desemprego, a falta de garan-tias trabalhistas e, principalmente, com a exclusão. Enlaçando histórias de cidades como Atibaia, Bragança Paulista e São Paulo, em cada uma delas – e em todas – buscam-se as peculiaridades do impacto da crise do modelo formal de trabalho na vida das pessoas e o modo como reagem no local em que se encontram.

No interior, percebe-se que o desenvolvimento de trabalhos informais muitas vezes é consegui-do pela indicação e pela amizade. E como lidar como esta forma de trabalho em uma cidade grande, na capital, onde os laços afetivos e de conhecidos são mais frágeis?

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Primeira Parte

Pó cotidiano: constante caminho inconstanteCapítulo I - Essência

Um vulto esfumaçado na multidãoCapítulo II - Um processo

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S empre a oscilação entre mochilas recheadas e o caminhar ao vento, sem lenço ou documento. A teimosia em arrumar malas

cinco minutos antes da partida. O nomadismo entre o cá e o lá, sem chão que o defina. Tanta desordem e tanto pó nesse cotidiano.

As travessias de lugar algum para lugar nenhum? Sempre a dú-vida. E os caminhos frágeis, sem atalhos, direções, pontos de fuga e pontos de ônibus... destino incerto na linha da palma da mão. Os pés conduzem – sempre – pelas veredas entre o oito e o oitenta, talvez sem encontrar o caminho certo. Talvez nunca as decisões coerentes. Talvez nunca a alternativa correta assinalada, como uma organi-zação eficiente nas estantes, ou a medida certa do sal no arroz, ou a roupa bonita para o encontro de era-uma-vez. Ou talvez sim.

Constante, apenas esse velho caminho inconstante e as portas possíveis de serem encontradas...

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S empre a oscilação entre mochilas recheadas e o caminhar ao vento, sem lenço ou documento. A teimosia em arrumar malas

cinco minutos antes da partida. O nomadismo entre o cá e o lá, sem chão que o defina. Tanta desordem e tanto pó nesse cotidiano.

As travessias de lugar algum para lugar nenhum? Sempre a dú-vida. E os caminhos frágeis, sem atalhos, direções, pontos de fuga e pontos de ônibus... destino incerto na linha da palma da mão. Os pés conduzem – sempre – pelas veredas entre o oito e o oitenta, talvez sem encontrar o caminho certo. Talvez nunca as decisões coerentes. Talvez nunca a alternativa correta assinalada, como uma organi-zação eficiente nas estantes, ou a medida certa do sal no arroz, ou a roupa bonita para o encontro de era-uma-vez. Ou talvez sim.

Constante, apenas esse velho caminho inconstante e as portas possíveis de serem encontradas...

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Capítulo I – Essência

O desemprego tornou-se um dos assuntos mais debatidos na sociedade atual, inclusive nos paí-ses do chamado Primeiro Mundo, pois além de atingir os grupos mais pobres passou a ser também um problema das classes médias.

Para Wagner de Souza Leite Molina, doutor em Ciências Sociais e especialista na área de Rela-ções Trabalhistas pela Universidade Estadual de Campinas Prof. Zeferino Vaz (Unicamp) e profes-sor na Universidade São Francisco, de Bragança Paulista, as vagas no mercado formal de trabalho não são suficientes para todos os trabalhadores, e isto está relacionado a uma característica existente em todos os países industrializados. E a lógica, de acordo com ele, é que não haja – e não há – inten-ção de existirem vagas suficientes para todos os trabalhadores. Isto deve-se ao modo de acumulação do capital que predomina no mundo desde o final do século passado.

O trabalho sem registro em carteira, o trabalho eventual, o chamado “bico” ou o trabalho pre-cário apresentam a informalização das relações de trabalho, uma forma paliativa do indivíduo lidar com esse problema.

No Brasil, de acordo com o especialista, existe um processo de falta de crescimento registrado ao longo do tempo. O País cresceu intensamente nos anos 50, 60 e 70 e gerou postos de trabalho no setor formal. Entretanto, ao longo dos anos 80, o País não cresceu e a alternativa das pessoas sobre-viverem foi o mercado informal.

Para o Núcleo de Economia Solidária da USP (Nesol), a economia informal se apresenta para uma grande parcela da população, principalmente mulheres, como a única forma de conseguir ge-rar trabalho e renda, indo “muito além do ponto de vista social e cultural, e das relações formais do mercado de trabalho, pois permitem a expressão de outros valores, estando baseados em outros princípios senão os praticados no mercado formal capitalista”.

Desta forma, o mercado informal pode ser visto também como uma forma de resistência ao modo de produção que se estabelece na parceria entre Estado e alguns setores da sociedade no con-texto das revoluções sociais.

Nos anos 90, em função deste novo modelo, se tentou flexibilizar as relações de trabalho num modelo industrial arcaico, o que precarizou as relações trabalhistas concebidas nos anos 30: “isso

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fez com que, no Brasil, o problema da informalidade fosse um pouco pior do que a gente encontra nos países desenvolvidos”.

Pode-se analisar, então, dois fatores que marcam a questão do emprego no País e que abrem espaço para os possíveis olhares sobre a articulação do mercado informal: a indústria que está ten-tando se adaptar a um modelo que emprega mais trabalhadores informais do que formais e a falta de crescimento nos anos 80 que, somados ao modelo de capitalismo, tornou a questão do mercado informal muito mais grave e muito mais aguda no Brasil.

“ A ntigamente era bem mais fácil conseguir um trabalho que te garantisse férias, 13º salário e aposentadoria. O Brasil tinha vagas para as pessoas trabalharem com

carteira assinada.” – Nilza Aparecida Silva Pinto, artesã

Olhares sobre um mercado informal

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O espelho não lhe dizia muita coisa. Sem eufemismos e a hipo-crisia das conversas de fila para o emprego – não dizia. Com

o homem pálido tudo era tão simples! Não, não precisava ser o mais belo – já se acostumara a passar anônimo dentre a multidão. Não queria ser mais parte do processo. Além de que, ultimamente, até via certa graça no seu ligeiro estrabismo. No fundo e antes de todas as coisas, seu único desejo era um trabalho, qualquer um. Escutar um bom dia entre um bocejo e outro. Reclamar do chefe que não deu a folga no dia prometido. Receber um cartão que fosse a cada novo inverno completado. Olhar seu reflexo e visualizar além de um vulto esfumaçado com seu café frio a meditar, semblante rígido, sobre o próximo sorteio da TeleSena.

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Capítulo II – Um Processo

A globalização foi o processo a partir do qual o Brasil se integrou rapidamente à Terceira Re-volução Industrial. De acordo com Diogo Jamra, integrante do Nesol, as inovações tecnológicas permitiram “um maior fluxo de capitais, mercadorias e, principalmente, informações pelo globo, integrando os mercados nacionais”.

Ao mesmo tempo em que a globalização permitiu que o País entrasse de cabeça na Terceira Revolução, as sociedades do final de século XX e início do XXI, embora fascinadas por vários be-nefícios e promessas oferecidos pela globalização, elegeram para si um grande inimigo: o medo da exclusão social, que atinge todos os níveis. Para o cientista social Wagner Molina, os inequivoca-mente incluídos – que sentem as vantagens da tecnologia e da liberdade de mercado, acumulam informação, riqueza e circulam pela aldeia global – têm medo do potencial de violência do excluí-do, além de um razoável sentimento de culpa, cujo tamanho depende do seu grau de solidariedade social. Aqueles ainda incluídos, assustados com a diminuição dos empregos formais e a redução da proteção do Estado, temem escorregar para a exclusão. E, por último, aqueles que são ou sentem-se excluídos, no seu dia-a-dia de sobreviventes, têm razões de sobra para sentirem medo: “quando você pergunta ao trabalhador empregado ‘o que é você?’, ele responde o nome, o estado civil e a profis-são exercida. A profissão determina, neste modelo, o homem enquanto pessoa. Quando o homem perde o emprego, fica sem chão e identidade. E uma pessoa sem identidade não reconhece seu valor na sociedade”.

Tudo isso está relacionado ao modo como o modelo econômico hegemônico privilegia a econo-mia de mercado e a concentração industrial de capital, pois apesar de ser apontado como principal causa da exclusão social em vários países desenvolvidos e subdesenvolvidos ou, eufemisticamente, em desenvolvimento, o desemprego é apenas uma expressão parcial de um problema maior: a crise da sociedade salarial.

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“Ser faxineira e diarista é uma profissão! Assim como ad-vogado é uma profissão. Cada um tem o trabalho que esco-lher. E ele deve ser reconhecido.” – Zilda Cardoso de Lima Ferreira, diarista

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Uma grande parcela da população, que cresce a cada ano, está se sujeitando a condições traba-lhistas cada vez mais hostis e desgastantes: longas jornadas, baixa remuneração, falta de proteção le-gal e instabilidade. Os empenhados nas atividades informais, ora estáveis, ora precárias, são, muitas vezes, candidatos a empregos formais, caso venham a existir.

Contrariamente à desigualdade e pobreza, que são situações, a exclusão torna-se um processo, embora captado estatisticamente pelo número de excluídos. Para o Nesol, o aprimoramento das técnicas de produção, que se traduz por uma substancial expansão do setor de comércio e serviços, gerou um enorme contingente de desempregados. Deste modo, a exclusão social deve ser encarada como uma questão de graus. Nos países do Terceiro Mundo existe uma forma de exclusão que é fundamental: a exclusão econômica. É a forma mais ampla, e suas vítimas estão, provavelmente, ex-cluídas da maioria das outras redes sociais: “hoje, você, sem emprego, sem registro em carteira, não tem direitos a uma série de benefícios. Você é menos cidadão do que uma pessoa que tem carteira de trabalho assinada”, diz Molina.

No Brasil, de acordo com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), grande parte da população (cerca de 60%) trabalha, compra e vive informalmente, pois sua situação econômica não oferece outra alternativa. Uma parcela cada vez maior da população trabalhadora brasileira se tornava formal desde os anos 50 até o final dos anos 70. Nos anos 80, esta parcela come-çou a reduzir e a informalidade começou a crescer em relação ao trabalho formal, e nos anos 90 isso não mudou. Portanto, como conseqüência da crescente informatização e terceirização, o emprego formal começou a encolher, enquanto o informal e o trabalho autônomo aceleraram o ritmo de crescimento.

Aliada ao avanço da tecnologia está também a questão da globalização dos mercados. O pro-cesso de mundialização econômica contribuiu tanto para a exclusão ainda maior de indivíduos no mercado de trabalho quanto a precarização das relações trabalhistas.

A globalização comporta, assim, um processo de reorganização da divisão internacional do tra-balho, acionado em parte pelas diferenças de produtividade e de custo da produção entre países.

Olhares sobre um mercado informal

“Você não tem garantias, enquanto pessoa, pelo simples fato de você não ter um vínculo formal de trabalho.” – Tereza Cristina Leme, vendedora de DVDs piratas

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Com a reestruturação do capitalismo nos anos 50, 60 e 70, a intensificação da competitividade internacional fez com que empresas americanas, japonesas e européias buscassem novas formas de produzir, com menos foco no trabalho e mais na tecnologia.

Por isso, explica Molina, os novos postos de trabalho, surgidos em função das transformações das tecnologias e da divisão internacional do trabalho, não oferecem, em sua maioria, ao seu eventual ocupante, as compensações usuais que as leis e contratos coletivos vinham garantindo. A precariza-ção do trabalho inclui tanto a exclusão de uma crescente massa de trabalhadores dos seus direitos, concedidos por lei, como a consolidação de um ponderável exército de reserva e o agravamento de suas condições.

O cenário de competitividade intensa determinou às empresas maior rapidez e agilidade na pro-dução. A tecnologia permitiu esta mudança e a flexibilidade do trabalho passou a ser uma exigência: “então, se eu tenho que ser mais flexivel para o mercado, produzir de acordo com nichos específicos de consumidores e se o maquinário me permite fazer isso, eu não posso mais conviver com aquela massa de operários estáveis e altamente numerosos”, afirma Molina.

A flexibilização, desregulamentação ou precarização do trabalho divide a quantia de trabalho de forma cada vez mais desigual, pois enquanto um trabalhador produz mais por uma remuneração horária em declínio, outra parte crescente dos trabalhadores deixa de poder trabalhar, aumentando a quantidade de pessoas que acabam sendo definitivamente atingidas pela exclusão. Aqueles que foram expulsos do mercado de trabalho formal ficam em desvantagem na competição por novas oportunidades, tornando-se candidatos prováveis a novas exclusões.

De acordo com pesquisa divulgada pelo IBGE em abril de 2008, a nova maioria no Brasil, cerca de 34% da força de trabalho, são os trabalhadores informais e os autônomos que, submetidos a este novo desafio, dependem quase exclusivamente de si mesmos para gerar renda em trabalhos mais precários, sem habituais proteções que o emprego formal garantia.

O processo de individualização da geração de trabalho e a procura pelo mercado informal di-minuem o poder dos sindicatos, que lastreavam garantias e protegiam os empregados. O trabalho, portanto, já não é mais estável e a participação do sindicato pode ser um risco para o trabalhador, pois a redução de trabalhadores enfraquece o poder sindical.

Segundo o Núcleo de Economia Solidária, esta parte representa o clímax do processo da que-bra do antigo modelo de trabalho: “quando podem, os trabalhadores pagam seus planos privados de saúde ou aposentadoria; quando não, olham para o Estado em busca de uma proteção que não

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mais existe. Alimentam-se por conta própria e trabalham, muitas vezes, em suas próprias casas, dis-putando o espaço restrito com as rotinas da família. E encontram um certo sabor amargo nas férias ou finais de semana que, de antigos direitos adquiridos, transformam-se em renúncia de renda. E mesmo, em vários casos, embora o ganho obtido do trabalho informal possa até ser eventualmente maior, a sensação de insegurança ainda os envolve”.

Segundo o Núcleo, outra questão que agrava a sensação de exclusão é a deterioração do Estado em seu papel de supridor de garantias essenciais: é o colapso da saúde pública, a ruína do sistema de Previdência, a segurança pública precária, a escola pública deficiente… tudo aumenta a sensação de desamparo. É como se o Estado virasse ao trabalhador informal e dissesse que não é possível dar aju-da, pois está num processo de cortar custos: “a barganha que os trabalhadores informais podem con-seguir em conjunto é pequena. Afinal, eles já estão desempregados e não têm a quem pressionar”.

E, por fim, outro fator que amplifica a sensação de desconforto social é a face da exclusão nas grandes cidades. Os pobres e desempregados não se encontram mais apenas no interior, nos cam-pos. Mostram-se nos grandes centros urbanos, onde circulam os que têm recursos: “na situação de desemprego se vê o outro, mas você está correndo atrás da sua sobrevivência que mal tem tempo de construir com ele uma identidade coletiva”.

Olhares sobre um mercado informal

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B uscava entre todas a melhor palavra. Aquela que exprimisse com exatidão milimétrica o seu desnorteamento diante do dicionário

aberto. A vida exposta entre cantos, frestas e portas. Não que desnortea-mento fosse rima fácil, substantivo com cara de advérbio. E no fim o que procurava não era o norte, mas o centro profundo, no qual incrustravam-se todas as rosas dos ventos. Os dedos calosos e empoeirados condenavam-no: como não adivinhar o seu vício no semblante sempre inquieto?... Onde a emprego?... Onde o emprego?... As linhas da palma desenhavam-se de livro em livro, com retas e curvas avessas, na procura já desesperada do termo signo perfeito. Sobreveio então a inevitável das gentes e ele se de-parou não com a poesia da vida, mas com a ausência pura de sentidos, o não-signo: suspirou derradeiramente, arrependido de ter-se equivocado.

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B uscava entre todas a melhor palavra. Aquela que exprimisse com exatidão milimétrica o seu desnorteamento diante do dicionário

aberto. A vida exposta entre cantos, frestas e portas. Não que desnortea-mento fosse rima fácil, substantivo com cara de advérbio. E no fim o que procurava não era o norte, mas o centro profundo, no qual incrustravam-se todas as rosas dos ventos. Os dedos calosos e empoeirados condenavam-no: como não adivinhar o seu vício no semblante sempre inquieto?... Onde a emprego?... Onde o emprego?... As linhas da palma desenhavam-se de livro em livro, com retas e curvas avessas, na procura já desesperada do termo signo perfeito. Sobreveio então a inevitável das gentes e ele se de-parou não com a poesia da vida, mas com a ausência pura de sentidos, o não-signo: suspirou derradeiramente, arrependido de ter-se equivocado.

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Segunda Parte

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Vendaval que roda à soltaGabriela de Souza Pádua

Improvisos PossessivosLeonilson Pereira de Souza

Sonhar é para poucos: a gente que ia buscar o diaNilza Aparecida Silva Pinto

Macabéa século XXIAurora Vieira

Quarto da vidaTereza Cristina da Silva Leme

Um pouco sóCleber Hernandes

Trocar móveis de lugarZilda Cardoso de Lima Ferreira

Mulheres X e X: vendo vaidadesRenata Aparecida Lourenço

A cada manhã, um recomeçoAndré Trindade Ribeiro

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N este vendaval que roda à solta, muita coisa que é minha já não o é. Dentre os papéis amontoados na mesa de canto, caixinhas de

guardados empoeiradas e fotografias perdidas pelo tempo e pela casa espreitam meus elos desencontrados. A exclusão da vida e os passos para o nada. Tudo o que era central em meu destino foi sendo afastado para a margem da sociedade. Um diário de inconfissões, uma agenda de utopias impossíveis, aquelas roupas para doar. Só que venta muito por aqui. A brisa ingênua já dura anos e dessa constância cria a força de tufão, arrastando-me do que vivo. E para o que vivo hoje, se destes vendavais só me restam os destroços nos caminhos incertos a seguir?

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N este vendaval que roda à solta, muita coisa que é minha já não o é. Dentre os papéis amontoados na mesa de canto, caixinhas de

guardados empoeiradas e fotografias perdidas pelo tempo e pela casa espreitam meus elos desencontrados. A exclusão da vida e os passos para o nada. Tudo o que era central em meu destino foi sendo afastado para a margem da sociedade. Um diário de inconfissões, uma agenda de utopias impossíveis, aquelas roupas para doar. Só que venta muito por aqui. A brisa ingênua já dura anos e dessa constância cria a força de tufão, arrastando-me do que vivo. E para o que vivo hoje, se destes vendavais só me restam os destroços nos caminhos incertos a seguir?

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— Olha o pão-de-mel, moço!

É assim que Gabriela de Souza Pádua, a menina do pão-de-mel, se apro-xima dos seus clientes na rodoviária de Atibaia.

Com uma inscrição na camiseta que diz “sou um doce, mas não me mor-da”, a comerciante nascida na capital de São Paulo trabalha há três anos num dos locais mais movimentados da cidade. De acordo com a adminis-tração do terminal rodoviário, cerca de novecentas pessoas passam por dia no local.

Gabriela mora na cidade vizinha de Bom Jesus dos Perdões, e chega cedo à rodoviária. São aproximadamente quinze horas de trabalho por dia, de domingo a domingo, por uma faixa de renda mensal de 500 reais: “ vim de São Paulo porque não encontrava emprego lá. Este ‘bico’ que arranjei aqui me livra do sufoco. Além das contas, consigo ajudar nos remédios da minha avó”.

Apesar da renda, consegue também ajudar na casa onde mora com mais nove pessoas, entre parentes e amigos. E confessa que mesmo com a liber-dade que a venda do pão-de-mel proporciona, a falta de garantias também a preocupa: “eu ainda sou jovem, mas sei que, lá na frente, trabalhar assim vai me fazer ter uma condição de vida desfavorável”.

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“Mas é ruim trabalhar nas ruas, pois você sofre todo tipo de humilhação. Muitas pes-soas não entendem que isso é seu trabalho. Já me chamaram de vagabunda, falando que isso não era emprego.”

“É mais fácil vender pão-de-mel do que casas na imobiliária. Só custa um real. Todo mun-do tem um real no bolso. Neste comércio eu aprendi a tirar um real das pessoas.”

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“Certa vez, um homem falou assim: ‘vender pão-de-mel você quer, pegar numa enxada não’ ... isto que faço por acaso não é trabalho?”

“Conseguir emprego é possível, só que o salário oferecido pelo mercado é baixo. Como é possível sustentar uma casa com meio salário mínimo?”

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“Com o pão-de-mel eu consigo sustentar a minha casa. Não tenho carteira carimbada, mas também não tenho desconto de nada.”

“Eu atendo qualquer pessoa. Antigamente compravam de mim por dó. Hoje eu utilizo do bom humor. Faço assim: ‘Pão-de-mel

hoje: um real! Vai comprar? Como não tem um real para comprar um pão-de-mel?”

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“Eu atendo qualquer pessoa. Antigamente compravam de mim por dó. Hoje eu utilizo do bom humor. Faço assim: ‘Pão-de-mel

hoje: um real! Vai comprar? Como não tem um real para comprar um pão-de-mel?”

“Às vezes falam que está muito caro. Eu digo: ‘Caro nada. Você que não tem um real no bolso para comprar’, aí a pessoa compra só para provar que tem dinheiro no bolso.”

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Diálogo, durante a entrevista, entre uma cobradora de transporte coletivo e Gabriela:— Gabi, vale-transporte para ‘Mairipa’ você não tem, né!?— Mairiporã, tem daqui a pouco. Eu vou buscar.— Amanhã, preciso sair cedo. Preciso de um, agora.— Não tenho, agora.— Eu liguei no seu celular. É um número restrito, para a empresa não saber.

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— Eu não atendo número restrito, não sou bandida. Quer falar comigo vai ter que se identificar.— Então não vou mais ligar.— Você que sabe. Por enquanto, você não é gente famosa para eu atender sua ligação restrita. Se você quer roubar a empresa de ônibus em que trabalha e não sabe como, não venha me importunar.

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“O pessoal fala que eu faço programa, que eu uso drogas... acham um absurdo eu con-seguir me sustentar com a venda de pão-de-mel, mas muitos não sabem o quanto eu me humilho para conseguir isso.”

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P erder as estribeiras. Caminhar de olhos vendados pela beira de viadutos cotidianos, procurando forma vagas com a pal-

ma das mãos estendidas. Beirar a obssessão, o ridículo. Gritar na luz da cegueira absoluta. Profunda.A falta do trabalho já atrapalha.Minhas meias têm buracos. Meu colchão não é anti-ácaro. Minhas blu-sas têm manchas de tempo e suor. Meu varal é improvisado. Minha pia sempre tem louça. Meu cabelo sempre tem caspa. Minhas horas sempre têm pressa. Meus possessivos nunca têm dono ou esperança.ouMinha vida não tem meios-buracos. Minhas horas têm manchas de suor. Meu cabelo não é anti-ácaro. Meu colchão tem pressa. Minha pia ainda tem louça. Meu tempo seca no varal. Minhas blusas não têm dono. Mi-nha caspa não tem esperança. Improviso possessivos.

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P erder as estribeiras. Caminhar de olhos vendados pela beira de viadutos cotidianos, procurando forma vagas com a pal-

ma das mãos estendidas. Beirar a obssessão, o ridículo. Gritar na luz da cegueira absoluta. Profunda.A falta do trabalho já atrapalha.Minhas meias têm buracos. Meu colchão não é anti-ácaro. Minhas blu-sas têm manchas de tempo e suor. Meu varal é improvisado. Minha pia sempre tem louça. Meu cabelo sempre tem caspa. Minhas horas sempre têm pressa. Meus possessivos nunca têm dono ou esperança.ouMinha vida não tem meios-buracos. Minhas horas têm manchas de suor. Meu cabelo não é anti-ácaro. Meu colchão tem pressa. Minha pia ainda tem louça. Meu tempo seca no varal. Minhas blusas não têm dono. Mi-nha caspa não tem esperança. Improviso possessivos.

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Leonilson Pereira de Souza veio de Abadia de Goiânia, em Goiás, e está na cidade de São Paulo há dez anos. Chegou à capital paulista em busca de emprego, só que não contava com as barreiras que podia encontrar: “já cheguei a morar meses na rua. A maioria das pessoas que passa pela 9 de Julho parece que nem me enxerga por aqui”.

O homem, divorciado, mora com a irmã e há dois anos enfrenta o dia-a-dia numa das principais avenidas de São Paulo. O trabalho, exercido de segunda a sábado, co-meça às oito da manhã e se estende por mais doze horas. Leonilson arrecada cerca de 300 reais ao mês: “é que eu moro junto com ela e dividimos as despesas. Caso contrá-rio, eu não teria como me sustentar por aqui”.

Sem o 13º salário, férias, aposentadoria futura e plano de saúde, Leonilson diz im-provisar a vida para enfrentar a vida na cidade grande: “cada dia é uma batalha. Tudo o que é meu, outro dia já foi embora. Improviso possessivos”.

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“Eu gosto de trabalhar na rua. Já vi que esse mercado não tem espaço pra mim. O ruim são esses policiais que não me dei-xam fazer o trabalho sossegado. Eu já moro praticamente na rua. O que mais será que eles querem roubar de mim?”

“O dinheiro que ganho é para conseguir os materiais para ser sapateiro e para comer... Hoje ainda consegui dinheiro, mas às vezes é tão difícil vir alguém aqui consertar o ‘pisante’ que eu entro em desespero.”

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“Eu gosto de trabalhar na rua. Já vi que esse mercado não tem espaço pra mim. O ruim são esses policiais que não me dei-xam fazer o trabalho sossegado. Eu já moro praticamente na rua. O que mais será que eles querem roubar de mim?”

“Meu emprego me indefine como ser humano. Para os que con-seguem me enxergar, eu sou morador de rua e não sapateiro.”

“Sei que este trabalho não me dá férias, décimo terceiro, nem mesmo uma casa que eu possa dizer que é minha. Mas é uma das poucas opções que me restam nesta gran-de cidade.”

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“O que a população precisa é de emprego, de um modo para se sustentar. Para conseguir se sentir dentro da vida novamente.”

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“O que a população precisa é de emprego, de um modo para se sustentar. Para conseguir se sentir dentro da vida novamente.”

“A maioria das pessoas, aqui, olham para o alto, para os grandes prédios que representam o progresso econômico da cidade. E se es-quecem de quem está aqui no chão.”

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“O próprio sistema econômico acaba por determinar o ho-mem enquanto pessoa a partir do seu emprego. Quando ele perde o emprego, deixa de ter uma identidade pessoal.” — Diogo Jamra, do Nesol

“Se eu pudesse, voltaria a trabalhar com carteira assinada.”

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“Só lembram que existem pessoas aqui quando alguém importan-te sofre uma tentativa de assalto ou quando alguém é encontrado morto depois que pula do viaduto. Acho que as condições muda-riam se houvessem cursos que dessem instrução para a pessoa entrar no comércio. Mas isso não interessa para quem governa.”

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S onhar é para poucos. Há uma ética capitalista pequeno-burguesa que limita não só as nossas viagens em terrenos reais (a passagem

inacessível, a burocracia que nos segura por uma suposta segurança, o trem sempre lotado demais, o tempo curto para tantos pensamentos), mas também nossos passeios imprescindíveis no campo do onírico.

Não há tempo!E toquemos a marcha para casa, que já é hora de banho e salgado

devorado às pressas antes de outro ônibus e outro emprego. Pode ser que entre esses vai-e-vens surja o amor que nos abrigue em seu colo de fuga e sonho. Mas tudo parece tão impossível nessa terra em que nada frutifica: as veredas do imaginário se estreitam a casa passo.

Amar é para poucos. Sonhar, para talvez ninguém.

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S onhar é para poucos. Há uma ética capitalista pequeno-burguesa que limita não só as nossas viagens em terrenos reais (a passagem

inacessível, a burocracia que nos segura por uma suposta segurança, o trem sempre lotado demais, o tempo curto para tantos pensamentos), mas também nossos passeios imprescindíveis no campo do onírico.

Não há tempo!E toquemos a marcha para casa, que já é hora de banho e salgado

devorado às pressas antes de outro ônibus e outro emprego. Pode ser que entre esses vai-e-vens surja o amor que nos abrigue em seu colo de fuga e sonho. Mas tudo parece tão impossível nessa terra em que nada frutifica: as veredas do imaginário se estreitam a casa passo.

Amar é para poucos. Sonhar, para talvez ninguém.

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Aos 46 anos, Nilza Aparecida Silva Pinto reclama da falta de oportuni-dade de emprego no mercado brasileiro, tanto para quem tem mais idade, quanto para quem tem alguma deficiência física. Ela passou a mancar da perna direita após um acidente de carro e conta que as portas alternativas que buscou para trabalhar se encontraram fechadas: “o mercado informal é muito instável e eu já tive de lidar com muitas barreiras que encontrei nele. A venda dos meus produtos é a minha luta contra a miséria e a exclusão”.

Dona Nilza mora com o filho num bairro de classe baixa de Bragança Paulista e faz, a cada dia, diferentes itinerários para vender seus colares, pul-seiras, bolsas e bordados a clientes fixos, que consegue através da amizade e no percorrer do caminho.

O horário de trabalho chega a 14 horas diárias. “Eu aprendi com meu pai, quando era pequena, que a gente tem de aprender a buscar o dia.”

Apesar da luta diária, afirma que a renda que consegue é pouca: “às vezes tenho de recorrer aos amigos. O meu trabalho é solitário. Não há coopera-tivas artesanais onde moro e, quando se está trabalhando informalmente, ninguém vê ninguém. Queria ter uma aposentadoria digna”.

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“As vagas no mercado de trabalho formal estão cada vez mais escassas.”

“A gente tem de dar um jeito de conquistar o cliente. Se não for pelo preço, que seja pelo carinho, pelo

carisma ou pela credibilidade que a gente vai conseguindo com o tempo.”

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“As vagas no mercado de trabalho formal estão cada vez mais escassas.”

“Os meus trabalhos são manuais. As pulseiras, colares e chaveiros são feitos com mi-çangas, fuxicos e outros materiais que dão para serem reusados. Acredito que isso revele as características de onde eu vim. E sou orgulhosa disso. Mas, neste mundo tecnológico, ninguém dá mais importância a isso.”

“A gente tem de dar um jeito de conquistar o cliente. Se não for pelo preço, que seja pelo carinho, pelo

carisma ou pela credibilidade que a gente vai conseguindo com o tempo.”

“O desenvolvimento da tecnologia colocou muita gente na rua, pois muitos homens foram substituídos por máquinas.”

“Hoje eu vivo na informalidade porque não há vaga para uma mulher de 46 anos que tem limitações físicas.”

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“A todo lugar que eu vou, as cores que vejo, as roupas que as pessoas usam, me dão idéias para produzir.”

“Só o que eu faço para vender me ajuda a sustentar a casa, que é pequena e simples. Eu aprendi com meu pai, quando era pequena, que a gente tem de aprender a buscar o dia. Por isso me esforço ao máximo para conseguir sobreviver.”

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“Adoro as minhas clientes ricas. São as que mais saem falando bem do meu trabalho por aí.”

“E o engraçado é que elas preferem as bijuterias do que as jóias delas... me sinto estranha quando vendo assim, pois eu tenho conhecimento do mundo de muitas delas, mas sei que não faço parte dele.”

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“Tenho uma amiga que me ajuda também. Foi minha primeira cliente e hoje ela sai falando do meu trabalho por aí. Até no trabalho dela ela consegue vender para mim.”

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“Tenho uma amiga que me ajuda também. Foi minha primeira cliente e hoje ela sai falando do meu trabalho por aí. Até no trabalho dela ela consegue vender para mim.”

“Nós somos parceiras mesmo. Eu sei das dificuldades que a Nilza enfrenta e é uma satisfação poder ajudar no que for possível.”

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“Se você não tem a carteira de trabalho assina-da, se você não tem um patrão que fez o registro, você deixa de ter uma série de direitos.” — Diogo Jamra, do Nesol.

“É difícil não ter um trabalho reconhecido. Ela não conta com coopera-tiva. O mundo de hoje é utilitarista e não dá valor a trabalhos manuais. E isso que a Nilza faz tem muito mais um valor cultural do que comer-cial. Resgata a origem e conta a história de onde viemos.”

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“Eu acho que para se modificar essa situação é investir na educação e profissionalização do jovem, para ele poder se adequar ao mercado”.

“É difícil não ter um trabalho reconhecido. Ela não conta com coopera-tiva. O mundo de hoje é utilitarista e não dá valor a trabalhos manuais. E isso que a Nilza faz tem muito mais um valor cultural do que comer-cial. Resgata a origem e conta a história de onde viemos.”

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É considerado menos cidadão do que uma pes-soa que tenha o carimbo na carteira.” — Wag-ner de Souza Molina

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E la foi se encolhendo, tão pequenina, se encurvando, tão frágil, dimi-nuindo, tão mísera. À sua frente, ao seu lado, todos Gullivers, quando

não muitos Golias em fúria. Sob seus pés, iam se derramando, iam se quebrando, tudo o que tocava virava catástrofe e revirava tragédia.

Macabéa século XXI, que caminho seguir?Peças pequeninas ou ainda mais pequeninas que ela própria (e não é que en-

fim descobrira alguma grandeza?) se estilhaçavam e desabavam, seus pés cober-tos já do pó que a queria tragar. Ou quem sabe não, ela, a tão pouca-coisa, era quase indiferente. E foi envelhecendo, e foi enruguecendo, e foi entristecendo, e desejando tanto ser, um dia, quem sabe, após o fim de tudo, alguma pouca coisa. Coisa alguma. Mas a vida sempre aponta para uma qualquer incandescência, mesmo nos infinitos areais de gelo e calafrios.

E ela amou a si própria com tamanho ardor que reverberou em estrela ascen-dente alguns segundos antes do carro, da dor e do fim.

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E la foi se encolhendo, tão pequenina, se encurvando, tão frágil, dimi-nuindo, tão mísera. À sua frente, ao seu lado, todos Gullivers, quando

não muitos Golias em fúria. Sob seus pés, iam se derramando, iam se quebrando, tudo o que tocava virava catástrofe e revirava tragédia.

Macabéa século XXI, que caminho seguir?Peças pequeninas ou ainda mais pequeninas que ela própria (e não é que en-

fim descobrira alguma grandeza?) se estilhaçavam e desabavam, seus pés cober-tos já do pó que a queria tragar. Ou quem sabe não, ela, a tão pouca-coisa, era quase indiferente. E foi envelhecendo, e foi enruguecendo, e foi entristecendo, e desejando tanto ser, um dia, quem sabe, após o fim de tudo, alguma pouca coisa. Coisa alguma. Mas a vida sempre aponta para uma qualquer incandescência, mesmo nos infinitos areais de gelo e calafrios.

E ela amou a si própria com tamanho ardor que reverberou em estrela ascen-dente alguns segundos antes do carro, da dor e do fim.

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Rua 25 de Março.De segunda a sábado, Aurora Vieira, de 68 anos, disputa um espaço en-

tre barracas improvisadas, carrinhos e caixas de madeira onde são expostos produtos, para conseguir vender as suas mercadorias no comércio informal mais movimentado da capital paulista com um único propósito: “eu esco-lhi ajudar na educação dos meus netos. Sem estudo, hoje, ninguém é nada”.

A vendedora, que começou na informalidade há 26 anos, atribui ao en-sino o principal meio para conseguir um espaço no mercado com carteira assinada. Ela possui até a oitava série e luta todos os dias contra a falta de dinheiro e a forte fiscalização policial, após pegar o ônibus que a leva de Guaianazes, onde mora, para a Rua 25 de Março: “a polícia enxerga a gente como bandido, mas ninguém está aqui porque quer”.

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“Quando é pra correr atrás de quem está trabalhando, o local fica cheio de policial. Agora, para correr atrás de ladrão, somem todos. Um cara acabou de pegar o celular da menina ali na frente e não quis devolver. Ela vai voltar pra casa sem nada.”

“Este local aqui é só pra gente ter como sobreviver. Se desse, eu não estaria aqui.

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“Quando é pra correr atrás de quem está trabalhando, o local fica cheio de policial. Agora, para correr atrás de ladrão, somem todos. Um cara acabou de pegar o celular da menina ali na frente e não quis devolver. Ela vai voltar pra casa sem nada.”

“Este local aqui é só pra gente ter como sobreviver. Se desse, eu não estaria aqui.

“Tenho 68 anos, e venho todo dia para esta bagunça aqui. É desani-mador, porque cada dia mais a gente vê que não tem emprego para o

povo. O mercado exige muita qualificação, que muita gente não tem. A maioria que está aqui é semi-analfabeta.”

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Não dá tempo de pensar que estou ficando velha...”

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“Só que as mercadorias que ficam lá são compradas por estas grandes lojas aqui da rua. Ou seja, eles tiram do mais fraco e, de uma maneira maquiada, estimulam a corrupção, deixando que elas adquiram o mesmo produto sem nota fiscal.”

“A maioria dos produtos daqui veio do Paraguai. Os policiais barram grande parte da mercadoria que chega ao porto de Santos e não deixam a gente com-prar. Quando vêem a gente comprando, fiscalizam tudo e cobram uma multa enorme para que possamos ter a mercadoria de volta.”

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“Quem está embaixo suportando o peso da sociedade é quem sofre esmagado. O pior é notar que quem está embaixo hoje é a maioria dos brasileiros.”

“A maioria dos produtos daqui veio do Paraguai. Os policiais barram grande parte da mercadoria que chega ao porto de Santos e não deixam a gente com-prar. Quando vêem a gente comprando, fiscalizam tudo e cobram uma multa enorme para que possamos ter a mercadoria de volta.”

“Para trabalhar aqui tem que ser herói, porque não é fácil agüentar a chuva, sol, frio, poeira, escutar coisas que você não quer escutar, ver coisas que não deseja ver e ter de ficar calado. Quieto.”

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“Eu estou ajudando as minhas filhas e criarem as minhas netas. O dinheiro que consigo aqui é para ajudar na formação delas. Quero que elas façam faculdade.”

“Aqui não tem segurança nem para quem compra...

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“Eu estou ajudando as minhas filhas e criarem as minhas netas. O dinheiro que consigo aqui é para ajudar na formação delas. Quero que elas façam faculdade.”

“Aqui não tem segurança nem para quem compra...

“Eu escolhi ajudar as minhas netas porque elas têm a vida toda pela frente. Nenhuma delas eu trouxe para a rua, e não é depois de morta que elas vão ter que vir parar aqui. Porque aqui é humilhante, é humilhante...”

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... nem para quem vende, pois não há a quem recorrer.”

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“Eu me sinto excluída. Aqui na rua sem carteira registrada somos todos excluídos e não existimos para a sociedade.”

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“Eu me sinto excluída. Aqui na rua sem carteira registrada somos todos excluídos e não existimos para a sociedade.”

“Alguém tem que saber que estamos aqui massacrados.”

“O individualismo, surgido como forma de sobrevivência nesse mercado, contribui ainda mais para a marginalização do trabalhador informal. O fato da pessoa não ter registro e trabalhar na rua faz com que ela se sinta menosprezada e marginalizada.” — Diogo Jamra, do Nesol

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P reciso tirar todas essas coisas do armário. No quarto de despejo da minha vida, muita burocracia e muito pó. Pensamentos

desencontrados e sonhos empurrados para a margem de um cotidiano opressivo e cinzento de chuva. Preciso organizar os papéis dessa mesa de canto. Na minha agenda de planos impossíveis e de utopias irrealizáveis, pouca concretude e perspectiva. Planilhas sempre refeitas pelas portas e caminhos perdidos. O fantasma da certeza de que tudo pode ser vão, em vão. Seja na fila do emprego, ou no esforço para esboçar um sorriso diante dessas fotografias apagadas e desse espelho sobre a pia. No meu diário de inconfissões, muito choro e muita luta. Sempre as folhas soltas: o papel e a vida se oferecendo em branco.

Possíveis recomeços? Mudo convite.

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P reciso tirar todas essas coisas do armário. No quarto de despejo da minha vida, muita burocracia e muito pó. Pensamentos

desencontrados e sonhos empurrados para a margem de um cotidiano opressivo e cinzento de chuva. Preciso organizar os papéis dessa mesa de canto. Na minha agenda de planos impossíveis e de utopias irrealizáveis, pouca concretude e perspectiva. Planilhas sempre refeitas pelas portas e caminhos perdidos. O fantasma da certeza de que tudo pode ser vão, em vão. Seja na fila do emprego, ou no esforço para esboçar um sorriso diante dessas fotografias apagadas e desse espelho sobre a pia. No meu diário de inconfissões, muito choro e muita luta. Sempre as folhas soltas: o papel e a vida se oferecendo em branco.

Possíveis recomeços? Mudo convite.

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O dinheiro conseguido com a venda de DVDs piratas é apenas uma ajuda para o sustento da casa de Tereza Cristina da Silva Leme.

A mulher de 43 anos, divorciada, mora com o filho numa casa pequena do bair-ro de classe média baixa Julieta Cristina, em Bragança Paulista. Ela diz que entrou no mercado informal de produtos e marcas pirateadas para conseguir manter as dívidas em ordem: “eu sei que o que faço é ilegal e que corro o risco todos os dias, quando saio para a rua vender. Mas foi um caminho encontrado para continuar sobrevivendo nesta sociedade”.

Há três anos ela começou neste mercado. São cerca de dez horas de trabalho por dia, para conseguir uma média de 450 reais mensais.

Para Tereza, apesar da flexibilidade de horas trabalhadas que o emprego pode permitir, o dia-a-dia das vendas nas ruas e casas da região central da cidade não alivia a sensação de desconforto, instabilidade, medo e insegurança por trabalhar assim, mesmo com problemas de saúde: “eu já tenho 21 anos de carteira assinada, mas pelo acidente que sofri o mercado passou a entender que eu não era mais apta para o trabalho, mesmo com o governo reconhecendo que eu não precisava me aposentar por invalidez. Só eu sei o que vou perder com isso”.

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“Faz uns três anos que já vendo isso. Foi minha forma de sobreviver. Eu não achei vaga para trabalhar formalmente, daí me surgiu o conta-to com os DVDs lá em São Paulo. Faço isso para conseguir dinheiro.”

“Viver sem o dinheiro é não ter como se comunicar com a sociedade. Até as informações do dia-a-dia parecem que não chegam até você. Sem o dinheiro, você é um morto-vivo social.”

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“Faz uns três anos que já vendo isso. Foi minha forma de sobreviver. Eu não achei vaga para trabalhar formalmente, daí me surgiu o conta-to com os DVDs lá em São Paulo. Faço isso para conseguir dinheiro.”

“A fiscalização policial é absurda. Nenhum deles me pe-gou ainda, mas temo, porque sei que isto é ilegal e que a pena é alta.”

“A venda das mídias piratas é a porta que me ajuda a com-bater a minha própria expulsão da vida, apesar do caminho incerto e inseguro.”

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“Pai de família com filhos sem comer já se tornou comum em nosso país. Daí vem o desespero com a pouca renda. É muita luta e pouco teto, e a gente se aventura neste mercado paralelo.”

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“É duro saber que no futuro eu não posso contar com uma aposentadoria. Mas pior ainda seria lidar com a idéia de não ter dinheiro para pagar as dívidas que vinham se acumulando. Prefiro isto a ficar parada.”

“Pai de família com filhos sem comer já se tornou comum em nosso país. Daí vem o desespero com a pouca renda. É muita luta e pouco teto, e a gente se aventura neste mercado paralelo.”

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“Os excluídos de semelhantes posições de classe são forçados a ganhar a vida em condições precárias, como atividades sazonais ou trabalhos se-miclandestinos, o que implica a utilização de todo o tipo de mercados de consumo informal, como camelôs, atendimento informal de saúde e coisas do gênero. No Brasil, a exclusão das instituições formais é fortemente con-dicionada por fatores econômicos.” — Wagner Souza de Leite Molina

“Se eu pudesse voltaria, sem dúvida, a ter um patrão e garantias trabalhistas.”

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S er um pouco mais envolvido nas decisões que me cabem. Um pouco mais procurado. Um pouco, só. Se de tudo fica um pouco, onde está

o que me resta? Mas a que tenho direito, se tenho sempre andado com as mãos abertas e espalmadas contra o céu pesado de chuva? Nem mesmo o temporal se detém nesse corpo já tão envelhecido, envilecido. Não vejo razões para continuar e acho que desde o início não houve razão.

O instinto. A vontade. A sede. A insanidade. Eu, que canto com os modernistas o ódio ao burguês e ao funcionário exemplar, só queria o mínimo de ordem nessa alma já tão descabelada. Ah, mas é tudo tão impossível! Não tenho um pássaro na mão e os dois que voam são pontos esgarçados nesse céu cada vez mais escuro.

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S er um pouco mais envolvido nas decisões que me cabem. Um pouco mais procurado. Um pouco, só. Se de tudo fica um pouco, onde está

o que me resta? Mas a que tenho direito, se tenho sempre andado com as mãos abertas e espalmadas contra o céu pesado de chuva? Nem mesmo o temporal se detém nesse corpo já tão envelhecido, envilecido. Não vejo razões para continuar e acho que desde o início não houve razão.

O instinto. A vontade. A sede. A insanidade. Eu, que canto com os modernistas o ódio ao burguês e ao funcionário exemplar, só queria o mínimo de ordem nessa alma já tão descabelada. Ah, mas é tudo tão impossível! Não tenho um pássaro na mão e os dois que voam são pontos esgarçados nesse céu cada vez mais escuro.

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Olhares sobre um mercado informal

— É uma viagem louca você se pôr na rua assim.

É o que relata Cleber Hernandes, tatuador e vendedor de pulseiras, colares e anéis que ele mesmo produz para expor sobre uma manta no chão da Praça da República, em São Paulo.

Morador do bairro Artur Alvim, começou há oito anos no mercado sem carteira assinada e viu na cidade grande uma oportunidade maior para mostrar seu trabalho: “eu vim do interior para a capital. Gosto do paulistano porque ele é ‘entrão’. Eu não preciso chamar ninguém para conferir meu produto”.

É deste modo que Cleber diz conseguir seus principais compradores e, por meio deles, chegar a mais pessoas que olhem seu trabalho: “eu tenho um cliente que apresentou o que vendo para um amigo estrangeiro dele. Vendi cerca de 3 mil reais em dois meses. Por isso, saber fazer contato é essencial”.

Com o dinheiro das vendas, declara conseguir o sustento da casa. O ho-mem, que possui até o terceiro ano do ensino primário e trabalha na praça de terça a sexta, das oito da manhã às nove da noite, se desloca de ônibus para ir e voltar do emprego. Quando chega em casa, confecciona mais peças para ven-da. Entretanto, diz que não se sente reconhecido: “não me sinto visto como artista e sim como camelô, por causa da discriminação social.”

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“Tem trabalho pra todo mundo, mas falta uma coisa a ser observada pela população: a busca pela informação. Ao mesmo tempo, eu penso que o direito à informação é controlado pelo interesse da minoria que comanda a sociedade e redistribui de maneira desigual todo o po-tencial do conhecimento.

“Moro no bairro Artur Alvim. Acordo às sete da manhã. Pego ônibus, me-trô e passo o dia aqui na Praça da República. Chego em casa, ainda cuido

da roupa, faço comida e vou produzir meus materiais para venda.”

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“O ensino público é gratuito, só que muitas crianças têm de parar de estudar para traba-lhar. Comigo foi assim. Ou eu trabalhava para ajudar em casa, ou estudava e passava fome por não ter o que comer.”

“Para resolver a falta de emprego é preciso investir na educação. Informação é pri-mordial. A escola deveria ter cursos que buscassem despertar no aluno as possibili-

dades de emprego que ele pode escolher.”

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Sem Carimbo na Carteira“Eu não conseguiria voltar a trabalhar no mercado com carteira assinada. Hoje em dia, sei quantas peças eu tenho que montar para poder sobreviver.”

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“Eu não acho justo esta fiscalização policial. Tudo eu pago imposto! Eu vou comprar o material e pago o ICMS. Por que não me deixam trabalhar?”

“O modelo de inserção social foi criado na mesma época da construção do Código de Leis Trabalhistas. Por isso, a maioria dos direitos sociais está vinculado à carteira de trabalho.” — Diogo Jamra, do Nesol

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“São Paulo te engole todos os dias. A informalidade permite você arranjar um meio de sobreviver nesta cidade, onde as pessoas são mais distantes umas das outras, nem que seja vendendo bala nos semáforos.”

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“É aqui mesmo que consigo meus clientes. Mercado assim, o contato boca-a-boca é muito importante. E amizade é importante para desenvolver isso. Muita gente me liga para que eu faça tatuagem em domicílio.”

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“Tenho medo de viver assim. Já tive deslizes grandes, como minha vida no crime e nas drogas. Tudo isso funcionava como um ponto de fuga, para agüentar essa sensação de ser pisoteado enquanto sou empurrado para fora da vida de todos.”

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T rocar os móveis de lugar, colar panfletos pelas paredes e portas da rotina, organizar a agenda e a vida: a dose necessária e co-

tidiana de distração e renovação. Com a cara e a coragem, que venham em conjunto as infindáveis listas e os velhos projetos de lugares a visitar, empregos a procurar, filas de espera e quilos a perder.

É a hora de tirar o pó do quarto, varrer a poeira para longe, lavar a roupa suja e colocar tudo em pratos limpos... ao menos por um ins-tante.

Lugares e tempos de possíveis recomeços, apesar da indocilidade con-tínua dos tropeços, das portas fechadas e dos caminhos a seguir.

Todo dia um novo momento de arrumar o armário, trocar a mochila em farrapos e sair para a vida. Ao menos durante esse resto de estrada, carpe diem.

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São oito horas de trabalho em cada uma das oito diárias que realiza por semana. Zilda Cardoso de Lima Ferreira, de 54 anos, casada, moradora do bairro do Tanque, em Atibaia, enfrenta essa rotina há 20 anos para ajudar o marido a sustentar a casa: “trabalho de domingo a domingo e consigo tirar uns 880 reais por mês com as diárias. Além disso, vendo cosméticos e consigo juntar mais um dinheirinho”.

Com a vida estabilizada, casa própria e carro na garagem, Zilda é um exemplo de alguém com sucesso no mercado sem carteira assinada, e diz gostar dele, por poder escolher o local em que vai trabalhar e pelas amiza-des que consegue: “é sempre no boca-a-boca que consigo outros locais de trabalho. Já cheguei a trabalhar na casa de um pai de família, que me indi-cou ao filho, que me indicou ao neto”.

No entanto, afirma que não espera nada deste mercado, muito menos do mercado formal: “por enquanto, ainda sou jovem. Sei que não posso contar com uma aposentadoria futura”.

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“Além das diárias, eu vendo cosméticos há quinze anos. Às vezes, estou indo trabalhar e páro para vender. Até patrão de diária compra de mim. E dá para tirar um bom lucro dessas vendas.”

“Eu faço uma média de oito casas por semana e já faz uns 20 anos que trabalho como diarista. Com o trabalho, compro

minhas coisas e sustento a casa junto com meu marido.”

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“Estudei até o segundo ano do primário. Para tirar carta de moto-rista demorei um bom tempo. Mas agora já aprendi a ler e escre-ver. Até curso de computação já fiz.”

“O ruim de não ter carteira assinada é saber que no futuro não vou ter aposentadoria. Daí eu vou ter que correr para todo lado para conseguir diárias até quando a saúde permitir.”

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Sem Carimbo na Carteira“Eu faço faxina na casa das pessoas como se fosse na minha. Não importa o que digam, ser diarista é uma profissão, assim como advogado. Cada um tem o trabalho que escolheu e ele deve ser reconhecido.”

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“Dinheiro não vem na mão da gente do jeito que a gente quer. Cur-sos de especialização sempre ajudam, e se corrermos atrás encontra-mos estes cursos por aí de graça. Eu fiz o curso de computação perto de casa.”

“A grande briga dessas pessoas é reivindicar ao governo que a cidadania seja estendida sem que ele necessite ter um trabalho formal.” — Wagner de Souza Molina

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“Chego nas casas das diárias por volta das oito e meia da manhã. Vou com meu próprio carro, que

eu comprei com o dinheiro das faxinas.”

“Quando chego em casa, tomo um banho para espantar o cansaço. Depois do jantar, passo a roupa que deixo lavada pela manhã. Dei-xo tudo esquematizado para não ter muito que fazer à noite. Aca-bo dormindo muito pouco.”

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“Chego nas casas das diárias por volta das oito e meia da manhã. Vou com meu próprio carro, que

eu comprei com o dinheiro das faxinas.”

“O horário de voltar para casa varia. Já che-guei às duas e meia da madrugada para sair às

oito e meia para outra diária.”

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S obrancelha depilada, unha pintada de vermelho-ferrari, corpo equilibrado em saltos-agulha afiados. Bolsas recheadas de ab-

sorventes e gloss. Calças justas, barriga para dentro e peito para fora, um-dois, um-dois. Às vezes cansa!

Para Vinícius, toda mulher tem de ter um quê de Maria: feita para amar e ser só perdão. Para Chico, mulherão é a ateniense. Noel sofre com a malícia feminina, e Caetano atalha: “Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir?”. Anas e Amélias, cantadas e encantadas, princesas de contos da carochinha e putas bem reais. Petrificadas, cristalizadas.

“Eu vendo vaidades!”, diz a mulher dos mostruários de prata e ouro. Foi assim que conseguiu se estabilizar.

Mulheres finas - não obstante a eventual lasanha de domingo e o milk-shake a mais na lanchonete. Guerreiras - a luta contra as baratas e contra a tampa levantada do vaso continua. Antes de tudo, a combi-nação de X e X. Acima de todos, um pouco mais acima de todos. Apesar do cansaço.

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Ao ser questionada sobre qual seria sua profissão, a professora Renata Apare-cida Lourenço atalha: “eu vendo vaidades!”

Residente no bairro do Brogotá, distante da região central de Atibaia, a ex-funcionária pública afirma que fez até o Magistério, mas que ficar dentro da sala de aula não era para ela.

Casada e com 36 anos atualmente, foi através da venda informal de mostruá-rio de anéis, colares e pulseiras nas casas das pessoas e lojas da cidade que conse-guiu sua estabilidade financeira: “comecei vendendo bijuterias, hoje vendo jóias e consigo tirar até 2 mil reais por mês”.

Começou a trabalhar com a venda dos materiais há 15 anos e sustenta a casa onde mora com o marido e as duas filhas: “trabalho apenas da uma às cinco e meia da tarde, de segunda a sexta. Adoro esse trabalho, pois me dá um tempo flexível para me dedicar à minha vida, acompanhar o crescimento da minha filha de três anos, pois a mais velha eu não vi crescer, pelo tempo que passava ensinando os filhos dos outros”.

Além de sustentar a casa e comprar o carro com o qual visita suas clientes, Re-nata construiu outra casa na cidade vizinha de Bom Jesus dos Perdões: “sei que não tenho férias, 13º salário, mas eu teria que ganhar mais que hoje para voltar a trabalhar com carimbo na carteira”.

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Sem Carimbo na Carteira“Eu já fui funcionária pública. Tinha um cargo no Ministério do Trabalho. Nessa época, já pegava mostruários para vender comissionada. ”

“Me formei no Magistério e fui dar aula. Vi que não era para eu ficar presa com 50 alunos

dentro de uma sala de aula.”

“Com o dinheiro das vendas, consegui com-prar meu próprio mostruário. De um, eu pas-sei para dois, três... Hoje eu tenho mostruários de ouro, de prata, chapeados e bijuterias.”

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“Me formei no Magistério e fui dar aula. Vi que não era para eu ficar presa com 50 alunos

dentro de uma sala de aula.”

“Como as peças são consignadas, o fornecedor sugere preços altos e eu tenho que me virar

para conseguir vender. Trago cerca de 15 mil reais em mercadorias por mês e vendo uma

média de 5 mil dentro do que eu trago.”

“O segredo é formar uma carteira de clientes. Se você não ganha no preço, tem que ganhar em qualidade ou em atendimento. Tenho clientes que estão comigo há quinze anos.”

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Sem Carimbo na Carteira“Se não fosse este trabalho, eu não estaria aqui. Não teria o que

tenho: carro, casa própria, filhas em colégio e faculdades particu-lares. E não posso dizer que se eu ainda fosse funcionária pública

teria tudo isso que eu consegui.”

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“Não conseguiria viver com 900 reais por mês no padrão de vida que tenho atualmente. E meu marido não conse-guiria sustentar a casa sozinho, de forma nenhuma.”

“Muitas clientes, advogadas e médicas, não ganham o que eu ganho. Consigo de 1.500 a 2 mil reais por

mês. Um dia pode até ser que eu sinta falta de férias e 13º salário, mas hoje não.”

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“Tem gente que chama para conversar e desabafar. E nessa conversa, eu vendo. Tem o lado consumista da mulher.

Você mostra a mercadoria e elas ficam alucinadas. Eu vendo vaidades!”

“Eu voltaria ao mercado com carteira assinada só se me pagassem muito bem.Para voltar a trabalhar para alguém eu tenho que receber mais do que ganho, com

a flexibilidade de horários que tenho.”

“Não existem vagas suficientes para todos trabalharem. O empregado tornou-se muito caro para o patrão com a evolução tecnológica. Se pu-derem substituir homens por máquinas sempre é muito bom, afinal, má-quina não precisa de garantia trabalhista.” — Diogo Jamra, do Nesol

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Caiu do vigésimo andar, escorregou do andaime, o elevador despencou, distraiu o passo em uma poça infinita de lama.

Não, as coisas de que precisa não se parecem. A luta por atingir sín-tese ou âmago. Os risos chorados, as brigas fraternas, o branco sujo da inocência que restou. As dores necessárias para um prazer maior. A ro-tina do trabalho. O emprego e o cansaço. O caminho incerto que segue entre o emaranhado de linhas das palmas.

A cada vez que levanta do chão e sacode a poeira, já é esperando pelo próximo tombo: tempo virá ainda do equilíbrio perfeito nas cordas bam-bas do seu dia-a-dia.

Por enquanto, continua seguindo, mesmo que o caminho o espere com uma arapuca a cada esquina.

Que sua queda não sirva sequer para atrapalhar o tráfico, como a do construtor do Chico.

O aprendizado da dor, a dor do aprendizado.A cada manhã, um recomeço.

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Caiu do vigésimo andar, escorregou do andaime, o elevador despencou, distraiu o passo em uma poça infinita de lama.

Não, as coisas de que precisa não se parecem. A luta por atingir sín-tese ou âmago. Os risos chorados, as brigas fraternas, o branco sujo da inocência que restou. As dores necessárias para um prazer maior. A ro-tina do trabalho. O emprego e o cansaço. O caminho incerto que segue entre o emaranhado de linhas das palmas.

A cada vez que levanta do chão e sacode a poeira, já é esperando pelo próximo tombo: tempo virá ainda do equilíbrio perfeito nas cordas bam-bas do seu dia-a-dia.

Por enquanto, continua seguindo, mesmo que o caminho o espere com uma arapuca a cada esquina.

Que sua queda não sirva sequer para atrapalhar o tráfico, como a do construtor do Chico.

O aprendizado da dor, a dor do aprendizado.A cada manhã, um recomeço.

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André Trindade Ribeiro, de 64 anos, nasceu no interior da Bahia e mu-dou-se com a família para Araraquara, no interior de São Paulo, ainda pe-queno. Aos 21 anos, veio para São Paulo, onde é engraxate na Praça da Sé desde 1965.

Atualmente, mora com o cunhado no bairro do Jabaquara. Com os 600 reais mensais que consegue nas nove horas de trabalho diárias, de segunda a sábado, diz ser possível ajudar no sustento da casa: “sei que é pouco, mas com a idade que tenho esta foi uma forma que encontrei para continuar existindo nesta cidade grande”.

Quando questionado pelas vantagens e desvantagens do mercado infor-mal, oscila entre a euforia e o desânimo: “férias, 13º salário e aposentado-ria, esquece. Sei que sou sozinho e isso me preocupa muito. Ao menos não tenho chefe”.

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“Sabe aquele ditado de que vale mais uma andorinha na mão do que duas voando?”

“Esse foi o jeito que eu arranjei de sobreviver em São Paulo. Isto é minha andorinha e eu prefiro ver ela aqui do que longe,

no céu.”

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“Esse foi o jeito que eu arranjei de sobreviver em São Paulo. Isto é minha andorinha e eu prefiro ver ela aqui do que longe,

no céu.”

“O desemprego no País atinge até o engraxate, acredita? Há 30 anos eu conseguia mais dinheiro. E com a moder-nização o povo não procura muito este serviço.”

“O emprego existe, mas é preciso ter qualificação. Não adianta eu ficar insistindo para entrar em empresas. Elas querem gente estudada e com energia para gastar.”

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“É difícil falar de fiscalização policial. Eles cumprem o dever deles. Mas é preciso também analisar que se a pessoa não acha uma vaga de emprego, é preciso correr no mundo e arranjar um modo de sobreviver.”

“Todo dia eu acordo lá no Jabaquara, pego o ônibus, venho até aqui de metrô. Chego, tomo um café no bar e venho trabalhar. Horário de almoço é quando dá. Faço o mesmo caminho para casa.”

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“Todo dia eu acordo lá no Jabaquara, pego o ônibus, venho até aqui de metrô. Chego, tomo um café no bar e venho trabalhar. Horário de almoço é quando dá. Faço o mesmo caminho para casa.”

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“Esta cidade é quem comanda todo o País. Por mais que a vida aqui na Sé seja com-plicada, foi um jeito que arranjei de conseguir sobreviver . Cheguei a São Paulo com 21 anos de idade, vindo de Araraquara. Hoje eu tenho 68.”

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“O País está evoluindo. E precisamos aprender a acompanhar os fatos. Ficar antenado nos jornais e estudar. Acaba valendo tudo no mercado, para poder sobreviver. Tudo

vale nesta selva de concreto armado.”

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“ O que, mais do que marginalidade econômica, implica desenraizamento social? Este processo de exclusão pode ser visto como um duplo processo de desligamento, em termos de trabalho e de inserção relacional.” — Wagner de Souza Molina

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Terceira Parte

Caminhos

Perspectivas

Conclusão

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Caminhos

A atual crise de desemprego resulta da atuação de fatores há muito conhecidos, num momento em que as possíveis soluções testadas parecem já não funcionar mais.

A questão da abertura do mercado, ligada à economia global, e o resultado das questões de mudanças estruturais (onde se nota a relação da elevação do desemprego, do crescimento de formas de subemprego e do agravamento da exclusão social, como demonstrado nos capítulos anteriores), deixam claro que o impacto da globalização está se fazendo sentir de forma cada vez mais intensa e difusa no País.

A demanda por trabalhadores está diminuindo em setores beneficiados por inovações tecnoló-gicas, entre os quais se destaca a indústria, e incluem, sem dúvida, as empresas de terceirização de mão-de-obra.

De acordo com pesquisa divulgada em julho de 2008 pelo Centro Internacional de Pobreza (CIP), órgão ligado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o setor informal no Brasil se demonstrou, na última década, como a principal via que os trabalhadores en-contram para escapar da pobreza.

O estudo buscou classificar trabalhadores entre 18 e 60 anos, para avaliar a relação entre mobi-lidade, estado de pobreza e inserção no mercado de trabalho. Os dados apontam que cerca de 85% dos trabalhadores informais entrevistados que saem da pobreza pelo mercado informal, apenas 11% passam a ter um emprego no setor formal. No setor formal, entre os que saem da pobreza, 91% con-tinuam no setor formal, enquanto 9% se deslocam para a informalidade. Já entre os desempregados que conseguem sair da pobreza, 37% encontram emprego no setor informal, enquanto apenas 14% o fazem no setor formal. Os resultados sugerem que o setor informal retira mais trabalhadores da pobreza do que o formal.

Por outro lado, o estudo constata também a vulnerabilidade da permanência do trabalhador na informalidade, revelando que as portas e passagens encontradas nem sempre significam estabi-lidade. Os dados compilados mostram que 4% dos trabalhadores informais passam a ser pobres de um mês para outro, frente a apenas 3% dos desempregados e 2% do setor formal. A pesquisa indica ainda que a porcentagem de trabalhadores que entram na pobreza por causa do desemprego é maior no setor informal (16%) do que no formal (12%).

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Para Paul Singer, pesquisador na área de economia, problemas de trabalho, saúde e urbanização, “o aumento do desemprego e a deterioração das relações contratuais de trabalho desequilibraram a correlação de forças a favor do capital e debilitaram as classes que têm interesse em acelerar o cresci-mento da economia mediante a aplicação de políticas de expansão da demanda efetiva e de fomento de acumulação de capital”.

Além da tentativa de formalização de alguns tipos de trabalho informal, as soluções comumente propostas para o desemprego se limitam, em geral, a oferecer treinamento profissional ao desem-pregado.

Para o cientista social Wagner Souza de Leite Molina, é preciso deixar claro que a maior qua-lificação dos trabalhadores, insistentemente reclamada pelos empregadores, não é solução para o desemprego: “o aumento da qualificação não induz os capitais a ampliar a demanda por força de trabalho, pois esta depende basicamente do crescimento do mercado em que as empresas vendem seus produtos. A qualificação só ocasionaria uma maior concorrência entre os trabalhadores por um salário mais baixo”. Ainda de acordo com Molina, a transformação de trabalhadores informais em microempresários está em sintonia com a atual tendência descentralizadora, mas não dá aos en-trantes em mercados, em geral já muito competitivos, uma chance razoável de sucesso: “falta a eles experiência de como operar um negócio independente, além de reconhecimento junto à clientela potencial”. E completa: “por estas razões, apenas uma minoria dos que tentam este caminho obtêm êxito”.

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Sem Carimbo na CarteiraPerspectivas

Uma opção possível e que está sendo implantada, em alguma medida, por prefeituras e governos estaduais e Federal são políticas compensatórias, com o desenvolvimento de programas de combate à miséria extrema, como, por exemplo, o bolsa-família e outros programas de garantia de renda familiar mínima, para famílias com crianças em idade escolar, com a finalidade de oferecer um in-centivo material para que estas crianças freqüentem a escola em vez de trabalhar prematuramente na rua.

Entretanto, para Diogo Jamra, do Nesol, de modo geral as políticas compensatórias funcionam de maneira apenas paliativa: “elas estão muito longe de compensar efetivamente os efeitos do esva-ziamento econômico, e representam, na melhor das hipóteses, um alívio, sem reverter a tendência estruturais que os originam”.

Até o final dos anos 70, a questão da crise do modelo salarial não era um fator que despertava a atenção de especialistas. “Ao longo dos anos 80 e principalmente nos 90, a massa de trabalhadores que não possuía emprego começou a tornar-se politicamente importante e despertou o interesse de estudiosos e dos governos”, diz Molina.

A partir disso, começou a se falar e a discutir alternativas para o trabalhador que não conseguia vínculo formal de trabalho. Foi nesta época que, de acordo com o Nesol, a questão da informalidade começou a ser percebida, a alternativa do cooperativismo surgiu com força e, junto dele, a discussão sobre sua natureza.

Para os especialistas entrevistados, e nos estudos desenvolvidos na área da Economia, existem pelo menos três vertentes que discutem a questão das cooperativas.

A primeira percebe nelas uma forma do empregador burlar as relações de trabalho, uma vez que não interessa a ele pagar os direitos trabalhistas ao funcionário e, de acordo com Molina, “o funcio-nário é empregado como um suposto cooperado por meio da montagem de um coopergato, uma falsa cooperativa. Entretanto, neste processo, o trabalhador não é efetivamente um cooperado, pois ele não tem autonomia e torna-se, simplesmente, um funcionário da empresa, contratado através deste artifício”.

Uma segunda vertente de análise percebe o cooperativismo como uma resposta momentânea à crise, ou seja, o trabalhador não consegue emprego e vai buscar a cooperativa para conseguir sobre-viver de uma forma alternativa. “Se a economia crescer e voltar a gerar emprego, a tendência é que o

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cooperativismo diminua a sua importância e perca adeptos”, diz Jamra, do Nesol.E a terceira é que o cooperativismo não se posiciona como um “remédio” para a crise, e sim como

uma alternativa ao próprio sistema capitalista, em que as empresas pertencem ao dono do capital e os trabalhadores só entram como contratados, como vendedores de força de trabalho. Para Singer, “o cooperativismo representa, deste modo, uma mudança no modo de conceber as empresas. Elas deixam de ter um dono e passam a pertencer a quem trabalha nelas”. Isso vem associado ao conceito de autogestão: as empresas não precisam mais de um chefe que vai fiscalizar o trabalho e a produção, os próprios trabalhadores vão se autogerenciar.

A questão que se pode discutir é a possibilidade de se abrir um novo ciclo de crescimento a partir de iniciativas de governos municipais, em parceria com forças da sociedade civil.

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Conclusão

As vulnerabilidades do trabalhador informal, tratadas no decorrer deste livro, deixam evidente sua relação na conseqüência direta da carteira assinada com as garantias trabalhistas, em contra-ponto à dependência perversa que anula as possibilidades, inclusive humanas, de legitimação da atividade da carteira de trabalho que está sem o carimbo do empregador.

A expulsão dos trabalhadores da sua própria vida social pelo não reconhecimento do trabalho cria inúmeras dificuldades, inclusive para sua própria continuidade na atividade e no sistema.

Apesar de um levantamento divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007 (PNAD) em 18 de setembro de 2008 apontar para o crescimento do número de trabalhadores que pagam Previdência, e atribuir isso ao reflexo do crescimento do emprego formal, não se pode esque-cer que a quantidade de postos de trabalho formalizada ainda está bem abaixo das necessárias.

A nova maioria no Brasil são os trabalhadores informais e os autônomos que, submetidos a um novo desafio, dependem quase exclusivamente de si mesmos para gerar renda em trabalhos mais precários, sem as habituais proteções que o emprego formal garantia: “quando podem, pagam seus planos privados de saúde ou aposentadoria; quando não, olham para o Estado em busca de uma proteção que não mais existe. Alimentam-se por conta própria e trabalham, muitas vezes, em suas próprias casas, disputando espaço com as rotinas da família”, diz Jamra, do Nesol.

O cientista social Wagner Souza de Leite Molina afirma que mesmo nos vários casos em que o ganho obtido no mercado informal possa até ser eventualmente maior, a sensação de insegurança ainda os envolve.

Analisando este cenário, a conseqüência é uma sensação de que a exclusão social tornou-se a grande virada do final do século XX e do início do XXI.

Numa época caracterizada exatamente pelo desemprego, pela desumanização dos mercados e por esta exclusão, se faz cada vez mais urgente discutir formas, caminhos e soluções, para se provar que, mesmo em um mundo cada vez mais globalizado, existem saídas e portas alternativas à lógica do trabalho capitalista, que se mostra cada vez mais perversa.

Antes e além de todos os fatores que provocam as sensações de desamparo e desconforto, o mal-estar que se sente, sem dúvida, se mostra aliado a algo mais importante e que deve ser levado em conta no momento de se buscar alternativas para a situação: a mudança do modelo de trabalho.

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“Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conheci-mentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humani-dade, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”

Charles Chaplin (trecho de: O último discursode O grande ditador)

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“Sem trabalho eu não sou nada/ Não tenho dignidade/ Não sinto o meu valor/ Não tenho identidade/ Mas o que eu tenho/ É só um emprego/ E um salário miserável/ Eu tenho o meu ofício/ Que me cansa de verdade/ Tem gente que não tem nada/ E outros que tem mais do que precisam/ Tem gente que não quer saber de trabalhar/ Mas quando chega o fim do dia/ Eu só penso em descansar/ E voltar p’rá casa pros teus braços/ Quem sabe esquecer um pouco/ De todo o meu cansaço/ Nossa vida não é boa/ E nem podemos reclamar/ Sei que existe injustiça/ Eu sei o que acontece/ Tenho medo da polícia/ Eu sei o que acontece/ Se você não segue as ordens/ Se você não obedece/ E não suporta o sofrimento/ Está destinado à miséria./ Mas isso eu não aceito/ Eu sei o que acontece/ E quando chega o fim do dia/ Eu só penso em descansar/ E voltar p’rá casa pros teus braços/ Quem sabe esquecer um pouco/ Do pouco que não temos/ Quem sabe esquecer um pouco/De tudo que não sabemos...”

Música de Trabalho - Legião Urbana

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Referências Bibliográficas

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário – Petrópolis: Vozes, 1998.

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