select nº 10

116
ARTE DESIGN CULTURA CONTEMPORÂNEA TECNOLOGIA OCCUPY MARTE Artistas, arquitetos e designers projetam a vida no planeta vermelho ESPIRITUALIDADE E ARTE Budas, orixás e outras divindades inspiram a criação artística O SUBLIME NO SURFE A potência simbólica do esporte em ondas gigantes HAVANA E MIAMI Ernesto Oroza fotografa extremos das cidades utópicas das Américas SANFORD BIGGERS CAIO REISEWITZ CARLOS EDUARDO UCHÔA KILIAN GLASNER JOSÉ RESENDE Paraísos Ideias, paisagens e miragens dos nossos Marina Abramovic, por Marco Anelli ´ EXCLUSIVO Marina Abramovic mostra imagens e fala de seu processo criativo em viagem de pesquisa pelo Brasil Central ´ FEV/MAR 2013 ANO 03 EDIÇÃO 10 R$ 14,90 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA

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SeLecT nº 10, Paraísos

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a r t e d e s i g n C U Lt U r a C O n t e M P O r â n e a t e C n O LO g i a

o cc u py m a rt e

Artistas, arquitetos e designers projetam a vida no planeta vermelho

e s p i r i t ua l i da d e e a rt e

Budas, orixás e outras divindades inspiram a criação artística

o s u B l i m e N o s u r F eA potência simbólica do

esporte em ondas gigantes

h ava N a e m i a m i

Ernesto Oroza fotografa extremos

das cidades utópicas das Américas

Sa n fo r d B i g g e rS

Ca i o r e i S eW i T Z

Ca r loS e d ua r d o u C h ô a

k i l i a n g l aS n e r

j oS é r eS e n d e

ParaísosIdeias, paisagens e miragens dos nossos

Marina Abramovic,por Marco Anelli

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exclusivo

Marina Abramovic

mostra imagens e fala de seu processo

criativo em viagem de pesquisa pelo

Brasil Central

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72

73

4

Os paraísos de...Antonio Candido, Dudu Bertholini, Leda Catunda, Céu e Zé Celso Martinez

comportamento82

EnqueteCríticos, curadores e ativistas polemizam: para que serve o curador?

fogo cruzado22

Casa DarosDaros Latinamerica inaugura sede no Rio de Janeiro

92 panorâmica

foto: AriAne Middel

O s u r fe co m o ex p e r i ê n c i a est é t i ca e s u b l i m e

Ondas extáticas78

Arte artifícioCaio Reisewitz desafia os limites entre imaginação e verdade

60 portfólio

Marina Abramovic Artista compartilha fotos e experiências de sua viagem a Alto Paraíso

44 e n t r ev i sta

index

73

6

indexENSAIO

seções 09 EdItOrIAl | 10 cArtAS | 12 NAvEgAçãO | 20 trIbOS | 30 muNdO cOdIfIcAdO | 100 rEvIEwS | 28 cOluNAS móvEIS | 114 SElEctS | 112 dElEtE | 113 ObItuárIO

32

Horizonte humanoMarte é a utopia que nos resta

Câmera obscuraExposição de KilianGlasner na Galeria Laura Marciaj inaugura nova seção

52

mOdA

MetamorfoseMágica e sobrenatural, a mulher penetra no mundo animal

68 96

espiritualidadeArtistas unem o artístico ao sagrado

vErNISSAgE106

ArtES vISuAIS

73

8

COLABORADORES

pROjEtO gRáfiCO

DESigNER

SECREtáRiA DE REDACãO

EDiçãO DE fOtOgRAfiA

COpy-DESk E REviSãO

pRé-impRESSãO

CONtAtO

SERviçOS gRáfiCOS

mERCADO LEitOR

ASSiNAtuRAS

vENDA AvuLSA

OpERAçÕES

mARkEtiNg

puBLiCiDADE

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOmINgO ALzugARAyEDITORA: CÁTIA ALzugARAyPRESIDENTE-ExECuTIVO: CARLOS ALzugARAy

DIRETORA DE REDAçãO: PAuLA ALzugARAyEDITORA-ChEfE: gISELLE bEIguELmAN

DIREçãO DE ARTE : RICARDO VAN STEENEDITORES-ADjuNTOS: juLIANA mONAChESI E mARCOS DIEgO NOguEIRAREPóRTER: NINA gAzIRE REPóRTER ONLINE: mARIEL zASSO

Angélica de moraes, Daniela Labra, Ernesto Oroza, fernanda Lopes, flávia Couto, guy Amado, joão Paulo Quintella, juan Estevez, malu Andrade, maria Clara Vergueiro, Nelson brissac, Nicole heiniger,

Renata Correa, Ricardo fernandes, Seb Caudron

Cassio Leitão e Ricardo van Steen

michel Spitale

Roseli Romagnoli

Leticia Palaria

hassan Ayoub

Retrato falado

[email protected]

gERENTE INDuSTRIAL: fernando Rodrigues COORDENADORA gRÁfICA: Ivanete gomes

DIRETOR: Edgardo A. zabala

DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderlei Quirino SuPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TELEmARkETINg: Anderson Lima gERENTE DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: Elaine basílio

gERENTE DE TRADE mARkETINg: jake Neto gERENTE DE PLANEjAmENTO E OPERAçõES: Reginaldo marques gERENTE DE OPERAçõES E ASSINATuRAS: Carlos Eduardo Panhoni gERENTE DE

TELEmARkETINg: Renata Andrea gERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen gERENTE DE VENDA AVuLSA: Luciano Sinhorino

CENTRAL DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OuTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEmAIS LOCALIDADES: 0800-7750098, 0800-8882111

COORDENADOR:jorge bugatti ANALISTAS: Pablo barreto, Thiago macedo, Ricardo Cruz e fabio Rodrigo ShOPPINg 3: Dayane Aguiar

DIRETOR: gregorio frança SECRETÁRIA ASSISTENTE: yezenia Palma COORDENADOR gRÁfICO: marcelo buzzo ASSISTENTE: Luiz massa ASSISTENTE jR.: Paulo Sérgio Duarte AuxILIAR: Aline Lima

COORDENADORA DE LOgíSTICA E DISTRIbuIçãO DE ASSINATuRAS: Vanessa mira ASSISTENTES: Denys ferreira, karina Pereira e Regina maria OPERAçõES LAPA: Paulo Paulino

DIRETOR: Rui miguel gERENTES: Débora huzian e Wanderly klinger REDATOR: marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Thiago Parejo ASSISTENTE DE mARkETINg: marciana martins e Thaisa Ribeiro

DIRETOR NACIONAL: josé bello Souza francisco gERENTE: Ana Lúcia geraldi SECRETÁRIA DIRETORIA PubLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADm. DE PubLICIDADE: maria da Silva gERENTE

DE COORDENAçãO: Alda maria Reis COORDENADORES: gilberto Di Santo filho e Rose Dias AuxILIAR: marília gambaro CONTATO: [email protected] RIO DE jANEIRO-Rj: Diretor de Publicidade: Expedito

grossi gERENTES ExECuTIVAS: Adriana bouchardet, Arminda barone e Silvia maria Costa COORDENADORA DE PubLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 bRASíLIA-Df: gerente: marcelo

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3227-3433 bA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & marketing Ltda.; Tel./fax: (71) 3347-2032 SC/fLORIANóPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./fax: (48)3224-0044 ES/

VILA VELhA: Didimo benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./fax (27)3229-1986 SE/ARACAju: Pedro Amarante - gabinete de mídia - Tel./fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales:

gSf Representações de Veículos de Comunicações Ltda - fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: [email protected] mARkETINg PubLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli gERENTE: maria bernadete machado

COORDENADORA: Simone f. gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. forjaz REDATOR: bruno módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA bRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / fax: (11) 3618-4100.

COmERCIALIzAçãO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIbuIçãO ExCLuSIVA Em bANCAS PARA TODO O bRASIL: fC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr.

kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. fone: (11) 3789-3000

ImPRESSãO: Log & Print gráfica e Logística S.A.: Rua joana foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

expediente

www.SELECt.ARt.BR

9

Juliana Monachesi

editorial

Paula Alzugaray

Giselle Beiguelman

Ricardo van Steen

Nina Gazire

Hassan Ayoub

Roseli Romagnoli

Ilustrações: rIcardo van steen, a partIr do aplIcatIvo face your mangá

Marcos Diego Nogueira

MichelSpitale

O Havaí seja aquiA edição 10 surge sob o signo da viagem. Não só porque no meio de seus meses de produção passamos por férias coletivas, quando cada um pôde expandir seus horizontes, mas também porque tivemos o privilégio de acompanhar o deslocamento, passo a passo, da artista Marina Abramovic em viagem de 45 dias de pesquisa pelo Brasil. A editora-chefe Giselle Beiguelman e o diretor de arte Ricardo van Steen viajaram para Marte. Na idolatria que compartilham pelo planeta verme-lho, eles o transformaram na “última utopia” e em solo fértil para artis-tas, arquitetos e designers plantarem sonhos interplanetários. Diretamente do deserto marciano pousamos no pico de um rochedo, no interior da Alemanha oitocentista, para das alturas contemplar a insigni-ficância da existência humana, dispersa em um mar de neblina a se con-fundir com a espuma de uma onda monumental. Na estreia do crítico de arte Guy Amado como colaborador de seLecT, mergulhamos na potência simbólica e visual do surfe como experiência-limite. E saímos molhados. Esses são alguns dos extremos paradisíacos da seLecT 10, que ainda so-brevoa os paradoxos de Miami e Havana pelas lentes de Ernesto Oroza. Para arrematar, seLecT ganha outros ares com duas novas seções, que ampliam o diálogo com sua comunidade. O Fogo Cruzado surge como novo formato de debate, em que varremos nossas agendas lançando uma pergunta lancinante e premente. Na largada queremos saber: para que serve o curador? Também inauguramos a seção Vernissage, composta do portfólio de um artista que estará em cartaz em uma galeria do Rio ou de São Paulo nos meses em que a revista estará nas bancas. A Vernissage de estreia conta com o trabalho iluminado do pernambucano Kilian Glasner, interpreta-do pela crítica de arte Fernanda Lopes. Que venha a grande onda!

Paula AlzugarayDiretora de Redação

´

10

revistaselect revistaselect

cartas

Curto demais esta revista e estou feliz, pois ganhei de Natal uma assinatura. Isto sim é um presente da maior qualidade. Herton Hoitman, via Facebook

Genial o ensaio “Um museu de grandes movidas (velhas)”. Dá gosto ter esse tipo de inspiração chegando em casa, viu, sô!Fred Paulino, artista e gambiologista

Viciada nas reportagens e artigos da seLecT. Recomendo. Marcela Guther, via Twitter

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

[email protected]

O puxadão do Masp O anexo do museu será um clássico de horror da arquitetura paulistana. Por Angélica de Moraes – http://va.mu/cFPj

A feira como experiência (Art Basel Miami – parte 3) Por que uma feira como a Art Basel é o centro das atenções do mundo da arte. Por Paula Alzugaray – http://va.mu/cFPl

Black is beautiful A seLecT seleciona dez artistas negros indispensáveis . Por Juliana Monachesi – http://va.mu/cFPm

O universo paralelo de Quentin Tarantino Às vésperas do lançamento de Django Livre, todos os filmes do diretor de Pulp Fiction

podem ser, na verdade, um só. Por Alexandre Matias – http://va.mu/cFPo

Vídeos para postar no Facebook Seleção de vídeos para assistir e compartilhar a qualquer hora, sem compromisso e online. Por Hughes Sweeney – http://va.mu/cFPp

Dumb ways to die Campanha de uma companhia de metrô da Austrália que virou febre na rede. Por Nina Gazire – http://va.mu/cFPq

Ativismo de sofá Mais radical, mais acomodada – ou a juventude nunca passou de um mito romântico criado pelas esquerdas

dos anos 60? Por Ronaldo Bressane – http://va.mu/cFPr

Divirta-se Na seLecT #8, Mundo-Cão: a banda podre da política, da notícia e do entretenimento. Por Paula Alzugaray – http://va.mu/cFPx

A nova política de privacidade do Facebook FB muda suas regras: cadê o botão gênio? Por Giselle Beiguelman – http://va.mu/cFPw

Para aprender em qualquer lugar Seleção de cursos abertos online para você mergulhar no universo do autodidatismo Por Mariel Zasso – http://va.mu/cFP0

Top 10 siTe seLecT DeZ/JAN

Só a seLecT para me fazer ir à banca comprar uma revista de papel. A nova edição está escandalosamente deliciosa.Luciana Moherdaui, jornalista, via Facebook

Excelente reportagem de André Forastieri para a (edição 08 da) seLecT. Acho que mensagens edificantes tendem a diminuir na internet, ainda numa fase pré-mundo-cão. Sou fã. Pollyana Ferrari, via Twitter

Ótima abordagem na matéria sobre a encruzilhada digital. Obrigado pelo destaque dado à Duplo Galeria e ao trabalho da Sara Não Tem Nome.Roberto Moreira S. Cruz, curador

Li a edição inteira da seLecT 09 em um dia. Como sempre, vocês se superaram. Destaco ainda o ensaio de Giselle Beiguelman sobre o retorno da cultura pop ao passado. Vocês são incríveis.Eduardo do Valle, jornalista

Parem com isso! Vocês não fazem revista, vocês fazem um guia obrigatório sobre cultura de alto nível, um manual para entender a atualidade. Nunca vi coisa igual, os professores de faculdade deveriam dar uma aula sobre essa última seLecT. João Camargo, diretor de televisão (TV Bandeirantes)

11

colaboradores

ErnEsto oroza Cubano, vive em Aventura (FL) desde 2007. É designer e artista interdisciplinar bolsista da Fundação Guggenheim. Expôs no MoMA (Nova York) e no Laboral Centro de Arte em Gijon, Espanha, entre outros. – território P 86

nElson Brissac Filósofo, trabalhando com questões relativas à arte e ao urbanismo. Coordenou o Arte/Cidade, projeto de intervenções urbanas em São Paulo. Dedica-se a pesquisas sobre dinâmicas territoriais e às relações entre arte e indústria. – reviews P 102

DaniEla laBra Crítica de arte, doutoranda em História e Crítica pelo PPGAV/EBA/UFRJ. Membro do conselho curatorial do Galpão Bela Maré, RJ, e integrante do grupo de investigação Global Art Archive, ligado à Universitat de Barcelona. É professora da EAV Parque Lage. – urbanismo P 96

Maria clara VErguEiro Cientista social e repórter da revista Go Outside. Foi apresentadora do canal SporTV, editora das receitas da chef Rita Lobo e fez o primeiro projeto editorial do site de boas notícias asboasnovas.com. – comportamento P 82

guy aMaDo Crítico de arte independente. Vive entre São Paulo e Portugal, onde desenvolve doutorado em arte contemporânea na Universidade de Coimbra. – aventura P 78

Juan EstEVEz Fotógrafo, já publicou quatro livros autorais e colaborou em livros e revistas em mais de dez países. Escreve no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, onde também foi editor de fotografia. – reviews P 104

rEnata corrEa Stylist, já fez editoriais para revistas de moda do Brasil e exterior. – moda P 68

ricarDo FErnanDEs Cria peças gráficas desde 1993 e faz direção de arte para tevê e cinema, incluindo os recentes documentários Tropicália (prêmio de melhor direção de arte no festival Unasur – Argentina) e Shoot Yourself. – mundo codificado P 30

sEB cauDron Francês e diretor de efeitos visuais, trabalhou no filme Piaf, Um Hino ao Amor e em projetos publicitários de marcas como Pepsi, Chrysler, Nissan, Ray-Ban, Bradesco, Globo, Yamaha e Chevrolet. – ensaio P 32

angélica DE MoraEs Crítica de arte, jornalista e curadora. Foi editora de artes visuais da seLecT e repórter do Estadão. Escreveu livros sobre Marcantonio Vilaça e Alex Flemming, publicados pela editora Cosac & Naif. – panorâmica P 92

nicolE HEinigEr Fotógrafa brasileira radicada em Londres. Trabalhou com fotografia para cinema em Berlim e dedica-se à fotografia de moda na capital do Reino Unido. – moda P 68

FErnanDa lopEs Editora do site ARTINFO Brasil. Ganhadora da Bolsa de Estímulo à Produção Crítica (Minc/Funarte) em 2012, foi curadora da sala sobre o Grupo Rex na 29a Bienal de São Paulo. – vernissage P 106

Malu anDraDE Pós-graduada em Estéticas Tecnológicas pela PUC-SP. Produtora cultural e arte-educadora, participou do Festival Baixo Centro e é membro da Casa da Cultura Digital. – selects P 114

João paulo QuintEllaMestrando em Processos Artísticos Contemporâneos pela Uerj, atua no campo da crítica e produção artística, tendo como principal objeto de estudo as modalidades afetivas contemporâneas. – reviews P 105

12 Perfil

Londres chama Jac Leirner Artista ganha representação da White Cube e faz individual no Reino Unido em novembro

fotos: romulo fialdini. à direita: raphäel zarka/divulgação

navegaçãon o t í c i a s + t e n d ê n c i a s + t r a n s c e n d ê n c i a s

A galeria londrina White Cube vem namorando o Brasil desde o início de 2012, quando partici-pou da SP-Arte, até que finalmente oficializou a abertura de uma filial em São Paulo, em dezem-bro, com uma individual de Tracey Emin. No entanto, com a artista paulistana Jac Leirner, o namoro teve início muito antes. “Começou em 1993, quando não pude aceitar um convite para expor no primeiro espaço da galeria, em Londres. Estava atolada de trabalho, precisava parar”, conta ela. A partir de 2013, a White Cube passa a representar Jac Leirner na Europa e na Ásia. O casamento começa em novembro, com uma individual da artista no coração de Londres. PA

13

Artes visuAis

invasão gringa? Galerias paulistanas aderem ao padrão globalizado

Em fevereiro, Agnieszka Kurant, artista polonesa que participou da última Bienal de Ve-neza, expõe na Galeria Fortes Vilaça; o francês Raphäel Zarka abre exposição na Luciana Brito; o escultor britânico Henry Krokatsis realiza sua terceira individual na Galeria Leme, que inaugura no mesmo dia que a mostra da artista portuguesa Leonor Antunes na Luisa Strina. Coincidência? A presença crescente no Brasil de galerias pesos pesados do exte-rior, como White Cube e Gagosian, já vinha dando indicações de que o até pouco tempo conservador mercado brasileiro de arte estava se abrindo para a produção internacional. A reviravolta, em poucos anos, da coleção do Instituto Inhotim – uma verdadeira substi-tuição de arte nacional por obras importadas – foi outro forte indício disso. Uma olhada na agenda 2013 de exposições em galerias comerciais termina de dirimir qualquer dúvida. Vale conferir e entender para onde o mercado está caminhando. JM

Agnieszka Kurant, de 21/2 a

23/3, Galeria Fortes Vilaça –

Raphäel Zarka – Coletânea e Gramática, de 27/2 a 23/3,

Luciana Brito Galeria – Henry Krokatsis, abertura dia 19/2,

Galeria Leme – Leonor An-tunes – Project, de 20/2 a

20/3, Galeria Luisa Strina

o b r A dA s é r i e P r i s m At i q u e s d r Aw i n g s ,

d o f r A n c ê s r A P h ä e l Z A r k A

14

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músicA

Parte instaLação, Parte banda Músico nova-iorquino prepara projeto conceitual para ser apresentado em museu

Multi-instrumentista do conceituado grupo nova-iorquino de música experimental Battles, Tyondai Braxton prepara HIVE, seu novo projeto multimídia com estreia marcada para 21 de março no Guggenheim Museum, em sua cidade natal. Com composições exclusivas, Braxton fará música usando sintetizadores e instrumentos acústicos, acompanhado do também poli-valente Ben Vida e do trio de percussionistas formado por Yuri Yamashita, Jared Soldiviero e John Ostrowski. Os cinco se apresentarão em cima de uma plataforma desenhada e fabri-cada exclusivamente para o projeto, que, segundo o músico, trará “elementos visuais” à sua música e também “a possibilidade de criar diferentes ambientações”. Dentro dessa colmeia de sons e imagens, ele define sua nova aventura como “parte instalação, parte banda”. MDN

HIVE, 21 de março,

Guggenheim Museum,

Nova York

músicA

canções Para ver Músico Lirinha chega à reta final do projeto de transformar em videoclipe todas as músicas do seu novo álbum

“Dirigir um olhar sobre a música e transformar isso em imagens.” Assim José Paes de Lira, o Lirinha, define o projeto em que se desafiou a produzir um videoclipe para cada canção do seu primeiro disco-solo pós-Cor-del do Fogo Encantado, LIRA. Lançado em 2011, o pro-jeto vem sendo bem-sucedido – os últimos dois vídeos, de um total de 12, já estão em produção final. Gravados com iPad, celulares, câmeras digitais e analógicas, os trabalhos que têm a sua autoria ou de cineastas amigos, como Lírio Ferreira e Eryk Rocha, são postados no site pessoal do músico, josepaesdelira.net, e vêm rendendo frutos ao cantor e compositor. Foi por meio deles que o pequeno selo mexicano Intolerancia se interessou em lançá-lo por lá, bem como uma rádio alemã dedicou uma hora de sua programação para tocar o álbum todo. “As pessoas escutam muita música por meio de recursos que têm imagens, como o YouTube”, diz. “O próprio público teria se encarrega-do e alguém teria feito um slide de fotos da viagem com a namorada e pos-tado lá com a minha música. Imaginei então que essas imagens pudessem ser feitas por mim, no meu cotidiano.” MDN

15

à esquerda: reprodução e mario grisoli/divulgação. no alto: lin-yi-hsuan/divulgação. abaixo: divulgação

mídiA

a revoLução será “internetificada” Cineastas famosos dão início a um novo momento do audiovisual com produção de série exclusiva para internet

Artes visuAis

cores Primárias Artista taiwanês Lin-Yi-Hsuan, que

reaprendeu a desenhar com seus alunos de 8 anos, expõe na Logo em março

Há dez anos, o jovem artista Lin-Yi-Hsuan, então recém-formado em belas artes, foi convidado a ensinar pintura a um grupo de crianças de 4 a 8 anos de idade, habitan-tes de uma pequena vila de pescadores, no litoral de Taiwan. “Não dei a eles nenhu-ma coordenada. Apenas dei papel e lápis de cor e eles começaram a desenhar”, diz ele. Assim, o processo de aprendizado se inverteu e Hsuan reaprendeu a desenhar com seus alunos. Desde então, Hsuan as-sumiu o desenho como linguagem. Papel colorido e tinta, materiais encontrados ha-bitualmente nas salas de artes das escolas primárias, são suas ferramentas de traba-lho. Em março, o artista, hoje residente em Buenos Aires, expõe na Galeria Logo, em São Paulo, os resultados de sua mais re-cente pesquisa com o desenho. PA

Lin-Yi-Hsuan, a partir

de 5 de março, Gale-

ria Logo, Rua Artur de

Azevedo 401, São Paulo,

www.galerialogo.com

Conhecido por filmes de sucesso como A Rede Social e Seven, o cineasta David Fincher lan-ça mundialmente no dia 1º de fevereiro seu trabalho mais desafiador. House of Cards, série protagonizada por Kevin Spacey sobre o Congresso norte-americano que terá seu lançamen-to mundial não por televisão ou cinema, mas, sim, pelo serviço de transmissão online Netflix. Dividida em 13 episódios de uma hora cada, ela não só marca um novo momento midiático em que as sé-ries são produzidas para internet, mas também ao ter todos os seus episódios disponibilizados de uma só vez, deixa ao espectador a mis-são de montar sua grade de programação. Produtor, Fincher dirigiu dois dos primeiros episódios da série que conta com James Foley, Joel Schumacher e Alan Coulter por trás das câmeras. MDN

House of Cards,

a partir de 1 de fe-

vereiro, no Netflix

www.netflix.com.br

16

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Artes visuAis

tratados de Kyoto Artista e professor mostra em livro e galerias sua experiência de um ano no Japão

O pintor e professor de pintura da ECA-USP Marco Giannotti começa 2013 a toda com duas exposi-ções em São Paulo e o lançamento de um livro. A partir de 2 de fevereiro, na Galeria Raquel Arnaud, ele evoca o ponto de transição entre a luz e a sombra em Penumbra, reunião de 14 telas que variam de formato e foram feitas à base de esmalte (spray), têmpera e óleo, após sua estada de um ano em Kyoto, no Japão, em 2011. Paralelamente, no mesmo mês, no dia 21, ele lança, no Instituto Tomie Ohtake, Diário de Kyoto – caderno com textos, colagens e fotografias da sua experiência nipônica, quando ministrou aulas de cultura brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros da cidade. Na mesma data e lugar, aproveita para abrir a mostra que leva o mesmo nome do livro. MDN

vídeos

goLes de amiZade Gael Garcia Bernal e Diego Luna dirigem curtas-metragens para a Chivas Regal sobre o cotidiano entre amigos

A Canana Filmes, produtora dos atores mexicanos Gael Garcia Bernal, Diego Luna e do cineasta Pablo Cruz, firmou parceria com a marca de uísque Chivas Regal para contar a história de três amigos em dois curtas--metragens que serão disponibilizados na internet. A ideia dos enredos escritos por Alonso Ruizpalacios é transpor para as telas os momentos que envolvem o cotidiano de uma grande amizade, como foi a dos irmãos James e John Chivas, fundadores da fábrica escocesa, em 1801. Nessa empreitada, baseada na úl-tima campanha da marca intitulada Real Friends, Make Time, os amigos Luna e Bernal dividirão o trabalho, dirigindo um vídeo cada um. No Brasil, as peças poderão ser vistas no Facebook da marca (www.facebook.com/chivasregalbrasil) e no blog Chivalry (www.chivalryclub.com.br). MDN

Marco Giannotti, Pe-numbra, de 2/2 a 9/3, Galeria Raquel Arnaud; Diário de Kyoto, de 21/2 a 21/4, Instituto Tomie Ohtake. www.raquelar-naud.com, www.institu-totomieohtake.org.br

acima: marco giannotti e chris pizzello/ap photo/glow images. à direita: cortesia dos artistas

17

Fachada, Rejane Can-toni e Leonardo Cres-centi, até 6 de dezem-

bro de 2013, Fundación

Telefónica, Arenales, 1.540,

Buenos Aires, Argentina

Arte e tecnologiA

desmateriaLiZação da arquitetura Artistas ocupam fachada da Fundación Telefónica de Buenos Aires

Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti foram convi-dados em 2011 a desenvolver uma obra interativa para a fachada da Fundación Telefónica (FT) de Buenos Aires. A FT fica em um edifício de 1902, onde funcionava o primeiro serviço de telefonia da capital argentina. Aristóteles Onassis, o famoso magnata grego, trabalhou lá no fim dos anos 1920 como telefonista e, dizem, começou sua fortuna es-cutando as conversas de negócios na época.Desde o início, o convite envolvia inúmeros desafios. Não só por se tratar de um prédio antigo, ou pelo fato de sua calçada estreita fazer com que qualquer intervenção diante do prédio atrapalhe o fluxo dos pedestres. O maior desafio era chegar a um resultado que pudesse ficar exposto sob todas as intempéries por um ano. “De matar! Nem camiseta Hering resiste a um ano de uso intenso!”, comenta Rejane Cantoni.

A solução foi projetar a obra para o primeiro andar da FT, fixando-a entre 5 e 7,5 metros de altura. “Isso representou muitas vantagens para a visualização da obra, mas muitos desafios em relação à manu-tenção, fixação e montagem. (Veja a documentação da montagem em http://on.fb.me/REifci)Uma das prioridades do trabalho da dupla é desen-volver obras que interfiram na percepção da espa-cialidade. “Para expandir os sentidos, não podíamos tapar a vista ou a luz dos ocupantes da biblioteca”, comenta Cantoni. Por isso, a obra foi construída com lâminas espelhadas que se movem de acordo com a passagem de pessoas na rua.Em um momento em que se discute a emergência das cidades interativas, a obra sela o encontro do cimento com a tecnologia para celebrar a desma-terialização da arquitetura como obra coletiva. GB

1820

à esquerda: helmut newton/divulgação. à direita: ai weiwei/divulgação, paula alzugaray

navegação

Giugiaro: 45 Anos de Design Italiano, de

5 de fevereiro a 31 de

março, Museu da Casa

Brasileira, Av. Brig. Faria

Lima, 2.705, São Paulo-

-SP www.mcb.org.br

design

arroJo e muLtiPLicidade Exposição evidencia a importância da família Giugiaro no design

Embalagem de chá, máquina fotográfica, carro de luxo. Independentemente do tamanho do objeto de criação, é inegável que os designers Giorgetto e Fabrizio Giugiaro tenham uma parte da respon-sabilidade na construção da identidade italiana do século 20. Se ainda há alguma dúvida, ela pode ser tirada a partir de 5 de fevereiro no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, na exposição Giugiaro: 45 Anos de Design Italiano. A mostra ocupa cinco salas e foca não só nos trabalhos realizados por ambos e sua empresa Italdesign Giugiaro para a indús-tria automobilística, como no desenho dos carros Passat, Golf, Maserati Spyder 4200 e Lamborghini Gallardo, mas também nos projetos ligados a obje-tos cotidianos, como máquinas de café expresso e jogos de panelas. Os visitantes acompanham ainda o processo criativo da dupla em projetos de grande sucesso, como as câmeras Nikon, o trem de alta ve-locidade ETR 600 Frecciargento e também em par-te da Juventus Arena, estádio de futebol localizado em Turim, cidade natal da família. MDN

Arte digitAl

três veZes remix Centro de ponta da pesquisa e produção artística em San Diego inaugura exposição

A mostra Three Junc-tures of Remix reúne cinco grandes pioneiros da arte digital que apre-sentam trabalhos sobre a questão da criação ar-tística em três diferentes esferas do remix. Em um primeiro momento estão trabalhos que abordam a temática no contexto pré-digital e analógico; o remix dentro da cultura digital; e o futuro da prática dentro daquilo que é chamado de cultura pós-digital. Com curadoria do teórico e artista Eduardo Navas, a ex-posição acontece no Calit2, hub especializado no fomento de pesquisas e circulação da arte digital localizado na Universidade da Califórnia, em San Diego. Entre os artistas está a editora da seLecT Giselle Beiguelman, midiartista e professora da FAU-USP, que apresenta o aplicativo para iPad, iPhone e computador I Love Yr GIF. O projeto é baseado na primeira cultura da netart, produzida inteiramente com GIFs animados escolhidos de coleções pessoais de artistas como Jimpunk e Ma-risa Olson, além da manipulação de material en-contrado em tumblrs da rede pela artista. Além de Beiguelman, participam da mostra o artista Mark Amerika e Chad Mossholder, o mexicano Árcangel Constantini e Elisa Kreisinger. NG

Three Junctures of Remix, de 17 de janei-

ro a 15 de março, Ca-

lit2 , em San Diego CA

http://gallery.cal it2.

net/portal/

19PArceriAs

a feira como exPeriência Absolut Art Bureau inicia parceria de longo prazo com a feira Art Basel e convida artistas para criar bares

Em 2012, a Absolut Art Bureau iniciou uma parce-ria de longo prazo com a feira Art Basel e a Docu-menta de Kassel. A cada evento, o departamento de arte e cultura da marca de vodka convidará um artista contemporâneo para criar uma área que funcione como bar, espaço de convivência, per-formances e projetos culturais. Em dezembro de 2012, a dupla cubana Los Carpinteros criou o es-paço Güiro para a Art Basel Miami Beach. “Güiro” é a gíria cubana para “festa” e, segundo o artista Dagoberto Rodriguez, a escultura teve entre suas principais inspirações um instrumento musical pré-colombiano. O espaço foi, afinal, palco de per-formances e concertos musicais durante os quatro dias de feira, entre 6 e 9 de dezembro.Mickalene Thomas, artista nova-iorquina repre-sentada pela galeria Lehmann Maupin, é a convi-dada para criar um bar na feira Art Basel, que acon-tece de 13 a 16 de junho na Basileia, na Suíça. “Não somos patrocinadores, somos ativadores de expe-riências”, afirma Vadim Grigoriam, líder do proje-to Absolut Art Bureau. “Güiro não é uma escultura nem um espaço arquitetônico. É uma experiência”, completa Grigorian, apontando para a função ine-vitável das feiras de arte hoje: conectar. PA

tribos do design

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Fotos: divulgação

Mochila NintendoLicenciada pela fabricante do

videogame, ela tem até os botões em alto-relevo e zíperes com

miniaturas dos controles

Specialized Triatlon ShoesSapatilha feminina para otimizar a

performance e manter a temperatura dos pés durante as pedaladas

BMW R 1200 GSA moto-símbolo de aventura da montadora alemã foi redesenhada após uma década de sucesso e ganhou refrigeração líquida, que aumenta sua potência e velocidade

Capacete e luvas GucciFrida Giannini, fashion designer da marca italiana, criou o capacete e as luvas para ciclistas que não perdem o ritmo das pedaladas e das tendências da moda

Caçadores do jet set Eles deixam de lado a vida louca das cidades e partem para a aventura. Preparados para qualquer modalidade de paraíso inabitado, não perdem a elegância jamais

Sapatos de neve TubbsFeitos com aço inoxidável, são fáceis de calçar e evitam os pés molhados ao caminhar pelo gelo

Luminor Marina Automatic O mecanismo de aço e a pulseira de couro

de jacaré fazem deste relógio da Panerai uma união perfeita entre beleza e força

Novara SafáriA despeito da leveza de sua estrutura,

é uma das bicicletas mais fortes do mercado, desenhada especialmente para

os tipos mais difíceis de terreno

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J U L I A N A M O N AC H E S I i lu st r a ç õ e s R AU L Ag U I A R

fotos: JUAN GUERRA, E AcERvo pEssoAl

Para que serve o curador?

fogo cruzado

“Para nada”. Seria essa a resposta, se eu levasse em conta a primeira impressão que me dá a leitura da pergunta. Ali, parece que o curador é um objeto, uma “coisa” que pode ou não ser usada; é o curador como uma mercadoria a mais do cir-cuito de arte, do mercadão que ele se tornou. Nesse contexto, o curador não passa de um logo que chancela qualquer outra mercadoria, conferindo-lhe, quase sempre, um status não muito mais espesso do que uma nota de 1 real. Mas o curador pode ser o filtro entre a arte e o tal mercadão; o elemento que sublinha a real importância de determinados artistas, de de-terminadas obras. Aí, então, a resposta seria:

“Serve muito”.

NA eStreiA dA Seção Fogo cruzAdo, coNVidAdoS reSPoNdeM uMA úNicA e PreMeNte queStão, que dá título à MAtériA. dez ANáliSeS lúcidAS e debochAdAS de ArtiStAS e curAdoreS Sobre o PAPel deSSe ProFiSSioNAl No Meio de Arte coNteMPorâNeA

TADEU CHIARELLId i r e to r d e m u s e u, p r o f e s s o r e c u ra d o r

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o papel do curador, depois da fase personalista dos anos 1990, tem se diluído em verdadeiras comissões técnicas – como as dos grandes ti-mes e seleções de futebol – capazes de abranger leques muito maiores de manifestações culturais. essa amplidão faz-se necessária justa-mente pela própria diluição da arte na cultura, que pode não somente flertar, impregnar-se ou citar, mas mesmo fazer as vezes de manifesta-ções tão díspares como o showbiz ou a ciência aplicada, a etnografia ou o vandalismo.

Vejo o curador como um agente que intermedeia conceitos e negócios dentro do circuito da arte. A atual força de controle da arte nas mãos de curadores deve-se, em parte, à incapacidade de muitos artistas para construir diálogos claros e convincentes sobre seus próprios trabalhos e para negociar a produção no sistema. A minha trajetória sempre mostrou uma urgência no de-senvolvimento e realização de obras visuais que se comunicam diretamente com o público e a ci-dade. e minhas exposições ocorrem em espaços não controlados pelo circuito artístico conven-cional. dessa forma, abro uma possibilidade de caminho alternativa, em que a figura do curador não é necessária. Manter um relacionamento com os curadores é sempre bom, por serem inte-lectuais que ampliam o conhecimento, mas não devem ser vistos como figuras imprescindíveis no percurso de um artista e as convicções.

EDUARDO SRURa rt i sta e ag i ta d o r c u lt u ra l

RAFAEL CAMPOS ROCHAa rt i sta e Q ua d r i N i sta

Achei particularmente difícil responder, devido à formulação da pergunta: “Para que serve...?” talvez devesse ser para quem. Aí, minha respos-ta seria direta: para os artistas e para o público. A curadoria no brasil dispõe de uma narrativa que começou há pouco tempo. Se, nos fóruns internacionais, o debate alcança níveis sofis-ticados (discute-se o curador como artista, o curador-ativista, o curador-etnógrafo), no bra-sil ainda vigora a ideia de que o curador ora jus-tapõe obras disparatadas entre elas de forma ar-bitrária, ora tem “mão pesada”. São argumentos que depõem contra a competência intelectual do curador, sua capacidade de pesquisa e asso-ciações criativas, sua memória histórica e seu real engajamento com questões do presente.

LISETTE LAGNADO c u ra d o ra d o pa N o ra m a m a m 2 0 1 3

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fotos: pAUlo fREItAs, E AcERvo pEssoAl

FELIPE CHAIMOVICH d i r e to r d e m u s e u e c u ra d o r

o curador de arte constrói ciclos visuais reunindo obras independentes entre si,mas que passam a formar um conjunto por ocasião da curadoria. esses ciclos visuais representam a interpretação do curador sobre um tema. caso o tema aborde a história contem-porânea, o curador colabora com a investigação sobre valores do presente, pois a contemporanei-dade é definida como um período em desenvolvi-mento, logo é desprovida de valores definitivos; assim, a curadoria de arte contemporânea permi-te testar hipóteses sobre o presente por meio da reunião de obras de arte.

o curador como semeador – “outra parábola lhes propôs, dizendo: o reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu cam-po; mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e retirou-se. e, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. então, vindo os servos do dono da casa, lhe disse-ram: Senhor, não semeastes boa semente no teu campo? donde vem, pois, o joio? ele, porém, lhes respondeu: um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: queres que vamos e arranquemos o joio? Não! replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. deixai--os crescer juntos até à colheita e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro”. (Fonte: Mateus, 13)

NINO CAISa rt i sta

fogo cruzado: para que serve o curador?

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Para articular conhecimentos específicos, fruto de uma pesquisa séria e aprofundada sobre um assunto qualquer. conhecimentos que promovam, mobilizem e/ou questionem o já conhecido, em prol de novas perspectivas que expandam a nossa consciência de mundo.

FERNANDO VELAZQUEZa rt i sta e c u ra d o r

A palavra “curador” vem do latim curare, que significa algo como “aquele que cuida”. Por um lado, talvez o curador tenha essa função de cuidar de uma exposição ou de uma coleção institucional, ou até de cuidar das obras e dos artistas. Mas o mais importante, a meu ver, é a capacidade (dos bons curadores...) de realmente entender e apreender o que há de mais relevante num determinado contexto e num determinado momento, e de articular isso sob a forma de exposição de arte.

KIKA NICOLELAa rt i sta e c i N e a sta

26

Acho que o curador atua em diversas frentes, e funciona ao mesmo tempo como um radar, ligado à produção dos artistas, possibilitando uma visibilidade para essa produção. Pode atuar junto a instituições, feiras etc., pode ter um olhar mais ou menos conservador sobre essa mesma produção, assim como abrir espaços de dis-cussão. é lógico que, ao mesmo tempo que inclui, pode excluir. também pode ser uma figura com um olhar especializado, ou muito imperativo, querendo ser artis-

ta ou defendendo que não há diferença entre uma coisa e outra, ou ainda um ativista. os curadores, quanto mais diversificados e autônomos forem, melhor, porque isso democratiza; e são impor-tantes dentro do sistema da arte, o que inclui o próprio mercado.

GUSTAVO REZENDEa rt i sta e p r o f e s s o r

XICLETa rt i sta e d i r e to ra d e g a l e r i a i N d e p e N d e N t e

Achei particularmente difícil responder, devido à formulação da per-gunta: “Para que serve...?” talvez devesse ser para quem. Aí, minha resposta seria direta: para os artistas e para o público. A curadoria no brasil dispõe de uma narrativa que começou há pouco tempo. Se, nos fóruns internacionais, o debate alcança níveis sofisticados (discute--se o curador como artista, o curador-ativista, o curador-etnógrafo), no brasil ainda vigora a ideia de que o curador ora justapõe obras disparatadas entre elas de forma arbitrária, ora tem “mão pesada”. São argumentos que depõem contra a competência intelectual do curador, sua capacidade de pesquisa e associações criativas, sua me-mória histórica e seu real engajamento com questões do presente.

fogo cruzado: para que serve o curador?

fotos: AcERvo pEssoAl

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No paraíso só se come cru. Nada de suor no rosto, de trabalhos plasmados em preparações culinárias para guardar, comer depois. Comida de homems é chamada de avati. Só aqueles ex-pulsos do paraíso tentam reconquistar seus sa-bores, cozinhando incessantemente.No princípio, antes de nos tornarmos bípedes, era só cheirar as coisas antes de comê-las. E os animais, na busca do cio, toparam com as trufas. Cavoucando com as mãos, patas, ou o focinho, chegavam a essa maravilha. Porcos, cães e ho-minídeos procuravam, sob a terra, o cio da terra. Depois das chuvas de outono, o cheiro sexual da terra. Depois, com a postura bípede, os chei-ros mais íntimos ficaram mais distantes; mas, ainda hoje, porcos e cães auxiliam o homem a encontrar as trufas. Um cheiro tão profundo, tão essencial, que milhares de anos de convivência pouco alteraram essa relação sensitiva. Afinal, a melhor forma moderna de se comer trufas é com ovo frito. Existe, na cozinha, algo mais evo-cativo do estado primitivo? O próprio ovo é a ga-linha que ainda não cozinhamos.Por conhecerem apenas o cru, escarafuncha-ram o mar. Maravilhas de corais, de crustáceos e conchas. E toparam com a ostra. Coisa crua, lisa, gosmenta, que parece um abismo aberto à mesa para as pessoas que entendem a cul-tura como uma interferência que nos liberta do mundo natural. Pois mergulhar nesse abis-mo, comungar o cru, o frio, a noite das profun-dezas, era uma maravilha do paraíso. Até hoje há resquícios disso: apenas uma gota de limão para ver o animal se contorcer, como se os úl-timos fios de vida lhe escapassem para pode-

Manjares dos deusesCarlos alberto Dória

Trufas, ostras, abacaxis, mangas, bananas, cajus, umbus, e tudo o mais que veio ao mundo sem depender do trabalho impreciso do cozinhar, devem ser comidos de joelhos

rem ser comidos em paz. Na paz dos mortos.Sob o sol outra crueza: o mel. No princípio, as abelhas não tinham ferrão, pois nada temiam. E depositavam o mel em qualquer canto. Depois, armaram-se e desenvolveram favos hexagonais. Hoje, “a colmeia da abelha é absolutamente per-feita no que se refere a economizar trabalho e cera”, observou o homem que primeiro enten-deu que o paraíso é efêmero. Outras, mais primi-tivas, aferradas ao sem-ferrão, ficaram pelo cami-nho. E, em protesto contra a modernidade e essa racionalidade odiosa das abelhas domésticas, continuam a dar pouco mel. Mas os mais ricos em aromas e sabores. Méis (ou meles) do paraíso...E por falar em mel, no paraíso há uma grande floresta de mangas, com mais de 70 variedades. Isso porque todos ali, sem terem de gastar tempo a cozinhar, saem todas as manhãs para chupar mangas e cada um gosta de uma variedade. Mas o bom da manga não é só o gosto, ou os 70 gostos, mas a lambuzeira, a melança que mistura homens e frutas. Mel misturado à fruta, fruta misturada aos homens, bem entendido.E foram assim, aos poucos, firmando-se os man-jares dos deuses e dos homens, antes que se separassem, por conta de algum fatal episódio que muito ofendeu os deuses, que se reservaram o domínio das coisas cruas, fáceis, diretamente gostosas, condenando os homens à imprecisão dos cozimentos que nos conduzem ao bom, ao belo ou simplesmente ao desastre, obrigando a tudo fazer de novo, a recomeçar. Avati, comida de homens. Trufas, ostras, abacaxis, mangas, bananas, cajus, umbus, e tudo o mais que veio ao mundo sem de-pender do trabalho impreciso do cozinhar, cons-tituem manjar de deuses. A natureza que come a si mesma, a autofagia no quase infinito processo de se suprimir produzindo o outro – assim é no paraíso. Tudo imediatamente disposto para, da mão para a boca, tornar-se êxtase. Basta pres-tarmos atenção ao que comemos para perceber que nada acrescentamos à roda do fogo, a não ser angústia, incerteza e uma vaga consciência de perpétua danação. Não por acaso estamos dispostos a conceder a quem cozinha bem o pa-pel de sacerdote.

colunas móveis / gastronomia

29Para comer em êxtase

ilustração: Peter H. raven library/J. tHeodore descourtilz. Fotos: vic lic e reProdução

M a n g aTome uma manga bem madura, das mais perfumadas, amasse bem com

as mãos, pacientemente. Quando estiver bem mole dentro da casca, dê uma pequena mordida no biquinho e sorva aquele caldo de manga como

se leite fosse direto da fonte. Os mais gulosos, quando o leite seca, costumam tirar a casca e chupar o caroço. Não é necessário. Apenas repita a operação, se preferir, com outra variedade, porque o que não falta no paraíso são variedades de

manga. Não se preocupe com o lambuzar-se, pois ao estar satisfeito

recomenda-se um banho de rio.

C a j uFatie um caju bem maduro em lâminas de grossura adequada.

Disponha sobre cada fatia um tanto de sal e pimenta-do-reino moída.

Mastigue vagarosamente cada uma, intercalando goles de cachaça para

limpar a boca e recomeçar.

o st r aPegue uma ostra. Abra-a. Olhe

bem em seus olhos, como se olhos tivesse. Pingue uma gota de limão, como se colírio fosse. Conforme-se com o fato de que ela o olhará por dentro quando você mergulhar na

escuridão do comê-la.

30

Tranquilizantes

NOVOS

Clozaril

Zyprexa

Dogmatil

Risperidona

Seroquel

Ziprasidona

TRADICIONAIS

Melleril

Prozac

Cocaína

Anfetamina

Café

Chá preto

Haldol

Orap

Vertizan

ClorpromazCDB

(Cananidiol, ingrediente ativo da Cannabis)

Estimulantes

Tranquilizantes, estimulantes, sedativas ou alucinógenas, as drogas fazem parte da história desde os tempos bíblicos.Medicinais, ilícitas, químicas e naturais, elas compõem um panorama dos artifícios que simulam um mundo sem conflitos

Pesquisa: Giselle BeiguelmanInfográfico: Ricardo Fernandes

Fontes:http://www.quedroga.com.br/http://informationisBeautiful.nethttps://cogumelosmagicos.orghttp://www.psicosite.com.br/http://www.medicinanet.com.br/

31Sedativos

Alucinógenos

Ludiomil

Donaren

Valium

Nicotina

Stratera

Zyban

Ritalina

Cannabis

THC

Ecstasy

Cristal Trombeta

Pó de anjo

Heroína

Ópio

Morfina

Álcool

ÉterBarbitúricos

Mandrix

Cogumelos mágicos

Ayahuasca

Noz de areca

Chá de cogumelo K

(Tranquilizante para cavalos)

LSD

32

ensaio

imagem: nasa

33Musicado, filmado, teatralizado e cantado em inúmeras páginas da ficção científica, Marte é a utopia humana que restou no século 21

De DaviD Bowie a Rita Lee, De H.G. weLLs a Ray BRaDBuRy, passanDo poR aRtHuR C. CLaRke e isaaC asimov, toDo Humano, Com um mínimo De CRiativiDaDe, já sonHou teR enContRaDo um maRCiano peLo CaminHo. não poR supostamen-te tuDo ContinuaR Down no HiGH soCiety, mas poRque maRte é o pLaneta que mais oCupou as viaGens inteRGaLáCtiCas Da imaGinação Do séCuLo 20. e segue ocupando. ainda que a aterrissagem da sonda Curiosity, com suas impressionantes ima-gens, nos tenha frustrado um pouco, roubando-nos as visões de princesas capturadas, seres com orelhas na testa e guerreiros sanguinários e medonhos que constituíram a paisagem ficcional do século 20. na literatura sci-fi, marte reina soberano desde meados do século 18, quando Gulliver, o famoso personagem de jonathan swift, visualizou as luas do planeta vermelho, citadas, depois, por voltaire no conto micromegas. no cinema, o mais antigo filme dedicado aos marcianos data de 1924. Dirigido por protazanov, aelita, a Rainha de marte, é um pérola da propaganda stalinista, com visual inspirado no melhor do construtivismo russo.

G i s e l l e B e i G u e l m a n E R i Ca R D O Va n s T e e n

34

no rádio, é célebre a intervenção de orson welles que, ao en-cenar a Guerra dos mundos (H.G. wells, 1898) com o mercury theater, em 1938, levou os eua à loucura coletiva, acreditando que um ataque marciano era iminente. era véspera de Hallowe-en, 30 de outubro, e os prenúncios da eclosão da segunda Guerra mundial criavam um cenário de tensão nada desprezível, deixan-do apreensivos os ouvintes. sabe-se hoje muito mais sobre marte do que na época de orson welles. inóspito, o planeta vermelho tem uma temperatura que oscila entre -140 e 25 graus Celsius e seu “aprazível” clima é ainda marcado por tempestades de vento que provocam espessas nuvens de poeira e índices de radiação praticamente intoleráveis aos humanos. estima-se que uma via-gem tripulada a marte demoraria mais de dois anos (750 dias), implicando o isolamento aos tripulantes que constitui um dos maiores desafios ao sonho de ver astronautas pousando nas suas míticas terras.Contudo, nenhum planeta no sistema solar é tão parecido com o nosso quanto marte. Com rotação semelhante à da terra, lá os dias têm pouco mais de 24h de duração e o movimento de suas calotas polares, que derretem e congelam ao longo do ano, sugere estações semelhantes às terráqueas. isso, aliado à descoberta do

ensaio

que teriam sido um dia canais de água e crendices sem fundamen-to sobre a existência de vida no planeta, acalenta as mais diferen-tes projeções acerca de sua colonização.oficialmente, a nasa – agência espacial dos eua – tem planos de enviar uma missão tripulada a marte por volta de 2030. os cortes de orçamento não parecem desanimar os engenheiros e cientistas da agência. apesar de grande parte da ficção encenar marte como território de incríveis dissabores aos seus pretensos conquistadores, o planeta não sai do horizonte de visionários como Buzz aldrin, astronauta da apolo 11 que, juntamente com neil armstrong, pisou na Lua em 1969.em depoimento à revista technology Review, publicada pelo mit (massachusetts institute of technology), edição de no-vembro/dezembro, aldrin afirma: “Dando prosseguimento ao nosso primeiro ‘pequeno passo para o homem’, com o pouso da apolo 11, em 20 de julho de 1969, havia uma expectativa de que a humanidade estava embarcando em sua última jornada – a expansão no cosmo. infelizmente, 43 anos depois desse aconte-cimento notável, pouco progredimos em relação a esse objetivo maior, exceto no que diz respeito à presença humana no nível da baixa órbita da terra”.

A genial odisseia da Curiosity mostra que, se a Lua é o satélite dos poetas, Marte é o território do nosso vir a ser

35

N a p á g i N a a N t e r i o r , d e ta l h e d o t e r r e N o e m i m ag e m ca pt u r a da p e l a so N da

c u r i os i t y. ac i m a , r a i o x d o so lo d e m a rt e

Fotos: nasa/JPL

A convite de seLecT, criadores de diversas áreas

desenvolveram projetos para a ocupar Marte, imaginando o planeta

vermelho como próxima escala de desenvolvimento

da humanidade

josé Resende, um dos principais nomes da arte con-temporânea, responsável por intervenções urba-nas antológicas feitas no projeto arte/Cidade, em são paulo, e com participações em mostras de re-nome, como a Documenta de kassel e a Bienal de veneza, abre o nosso occupy marte, transferindo stonehenge para o espaço.na sequência, pelo escritório triptyque, o arquiteto Greg Bousquet, responsável por projetos no instituto inhotim, em minas Gerais, pensou um complexo habi-tacional que garante a vida confortável em marte. juntaram-se para criar a primeira campanha de ma-rketing mars oriented, seb Caudron, diretor de efei-tos especiais que trabalhou em piaf e de projetos pu-blicitários para a pepsi e a yamaha; seb janiak, artista e diretor de videoclipes, fotógrafo que trabalhou com George Lucas; e joão testa, publicitário premiado em vários festivais e mentor do projeto Be see (http://ibe-see.tumblr.com/).é do arquiteto vinicius andrade, do escritório andra-de morettin, um plano urbanístico baseado na cria-ção de um mecanismo regulador do ciclo das águas em marte, que interfere no seu regime climático para torná-lo habitável.Gerson de oliveira, artista, designer e sócio-funda-dor do estúdio ovo, apontado com Luciana martins um dos cem designers-revelação, projeta uma estru-tura infinita que corta marte, ao mesmo tempo que o expande ao infinito.

sua tristeza e desapontamento ganham relevo com a frase que estampa a capa da edição: “prometeram-me colônias em marte, em vez disso ganhei o Facebook” (you promised me mars, instead i got Facebook).é que, para Buzz aldrin, marte é o horizonte humano por excelência. no mesmo depoimento, ele conta que, ao olhar a terra da Lua, viu-se imerso em um total estado de des-conexão. “a terra está no espaço e tudo que forma nosso planeta (...) vem do espaço. isso posto, a questão em si, se devemos ou não ir para o espaço, parece discutível. nós já estamos no espaço.”em um mundo em que os esoterismos, milenarismos, mes-sianismos e toda sorte de extremismo religioso têm fundado as mais vis guerras – e o oriente médio aí está para deletar qualquer dúvida sobre o tema –, marte é a visão do que nos resta apostar como utopia humana.Fruto do engenho e da criatividade em simbiose com a emer-gente subjetividade maquínica, a genial odisseia da Curio-sity, com seus robôs que nos expandem a dimensões nunca antes imagináveis, leva-nos a crer que, se a Lua é o satélite dos poetas, marte é o território do nosso vir a ser.

36

ensaio

ensaio

J O S É R E S E N D Ea r t i s t a

simulação: ricardo van steen sobre imagem da cratera victoria/nasa

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G R E G B O U S Q U E T a r q u i t e t o d a Tr y p t i q u e

desenvolvimento conceitual: GreG bousquet, carolina bueno, olivier raffaelli e Guillaume sibaud. simulação: thiaGo bicas sobre imaGem do vale oeste/nasa

V i N í c i U S A N D R A D Ea r q u i t e t o d a A n d ra d e M o re tt i n

simulação: vinícius andrade sobre imaGem do cânion mamers vallis/nasa

42

Marte, planeta água. a proposta apoia-se em um processo hipotético, a partir do qual se transformam as condições climáticas de Marte, com o intuito de torná-lo habitável para os humanos.a ideia pressupõe a revisão do enorme know-how adqui-rido, de forma desastrosa, na mudança climática que fomos capazes de propiciar ao planeta terra. tecnicamente, a hipótese baseia-se na difusão de algas unicelulares e líquens, ambos capazes de sobreviver às condições climáticas de Marte, que atuarão transformando a atual saturação de CO2 em oxigênio abundante. a cratera estudada localiza-se em Marineris Valles, região que engloba a rede de vales de Marte. a partir da condensação da água – existente em grandes concentrações na atmosfera marcia-na – pretende-se reabastecer essa rede. a água é o elemento básico para estabelecer a vida em Marte. Sua presença em estado líquido é sinônimo de vida e também de humanização do território. O meio antrópico será estabelecido no interior dessas cra-teras, abrigado das tempestades de areia e em uma conformação espacial que favorece a criação de um microclima mais apropriado para a existência da vida. Cada cratera receberá as intervenções necessárias para sua antropização: seu interior funcionará

43

simulação: vinícius andrade sobre imaGem do cânion mamers vallis/nasa

GERSON DE OliVEiRA d e s i g n e r d a O v o

ConCeito gerson de oliveira e luCiana martins - simulação: José Fernando sobre imagem da nasa

como um grande reservatório de água, que será, também, o mecanismo regulador do ciclo das águas no planeta vermelho. a partir da inundação dessas crateras, cria-se uma rede planetária composta de células autônomas articuladas entre si por meio dos canais hídricos. a água será o meio pelo qual as principais relações de fluxos deverão ocorrer. Juntamente com essa rede hídrica teremos também os terraços vegetais. a associação desses dois elementos constitui o sistema de suporte à vida humana. nos platôs serão plantadas as espécies adaptadas à nova atmosfera de Marte, com o intuito simultâneo de umedecer o microclima e também produzir alimentos para a comunida-de. Sobreposto a esse sistema, e abastecido por ele, será construído o território artifi-cial que a humanidade habitará. as construções dentro dessas células serão flutuantes, para permitir a variação do nível da água. a ideia do desconhecido, somada às enor-mes dificuldades a ser enfrentadas, deverá conduzir inevitavelmente a uma maior in-terdependência entre os indivíduos. portanto, a concepção dessas estruturas deverá considerar a criação de uma organização espacial que propicie e valorize a coesão da comunidade. a ideia de um bem comum deverá pautar as decisões urbanísticas.

44

entrevista

t e x to PAU L A A L Z U G A R AYF oto s M A R c o A n e L L i

Marina abraMovi planejou passar o últiMo dia do calendá-rio Maia eM alto paraíso, Goiás. seria o nono dia de uMa via-GeM de uM Mês e Meio que ela realizou por quatro estados brasileiros, pesquisando Métodos tradicionais de cura e purificação. aos 66 anos, ela coMeçou seu roteiro na peque-na cidade de abadiânia, encrustada no antiGo caMinho do ouro do planalto central, e atual Morada de joão de deus, cirurGião espiritual de renoMe internacional. planejava estar eM alto paraíso, considerado o luGar Mais seGuro do planeta, no dia 21. “Mas acabei ficando com joão de deus, porque ele sugeriu assim. aceitei o destino. foi bom, porque tive uma conversa muito interessante com vários médiuns, falando sobre a mudança de estrutura de nosso planeta. eu estava no lugar certo, na hora certa”, conta ela. o desvio de rota veio a calhar. não fosse a sugestão de joão de deus para que abramovi continuasse suas meditações mediúnicas, inclusive assistindo-o em cirurgias, a artista seria mais uma entre os 10 mil turistas que se acotove-laram em alto paraíso no dia em que o mundo não acabou. a viagem fluiu en-tão com muitos banhos de cachoeira, visitas a xamãs e espíritos das florestas e vivências de diversas qualidades de rituais. durante todo o tempo, a artista iugoslava esteve acompanhada de uma equipe de nove pessoas, com as quais realizou fotografias e um documentário do processo de pesquisa da viagem. entre elas estava a artista brasileira paula Garcia, colaboradora de abramovi desde o fim de 2011. no 23º dia de viagem, quando chegou em salvador para conhecer os rituais do candomblé, Marina abramovi conversou com seLecT pelo skype, compartilhando generosamente suas primeiras descobertas.

Marina Abramovic Tenho uma má notícia para você: não existe paraíso”

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entrevista

“Não gosto de me comportar como turista, gosto de me colocar no meio das situações. Então, aceito os rituais que me são propostos”

N a p á g i N a a N t e r i o r , a a r t i sta e m a lto pa r a í s o, g o i á s , e m d e z e m b r o d e 2 1 0 2 , e m f oto g r a f i a da s é r i e lu g a r e s d e f o r ç a

não gosto de me comportar como turista, gosto de me colocar no meio das situações. então, não estou fazendo meus rituais, mas aceito os rituais que me são propostos. com joão de deus passei a maior parte do tempo na sala da corrente, realizando a cirurgia espiritual em meu próprio corpo, aceitan-do suas disciplinas e conselhos. foi uma entrega completa às mais diversas situações, buscando aprender com elas, para depois poder usá-las em meu próprio trabalho. e, como meu instituto no norte do estado de nova York ficará pronto em dois anos, estou também procurando ideias e métodos de diferentes culturas. atualmente, temos um título de trabalho para tudo, “a corrente”. refere-se à corrente de energia que estamos experimentando aqui, na natureza, com as pessoas. nós realmente estamos tentando seguir a corrente, porque temos algumas ideias soltas sobre o que fazer todos os dias, mas ao mesmo tempo surgem coisas que não esperávamos abraçar. então é uma pesquisa para abrir antenas.

Você já afirmou que lê todo tipo de mitologia. De que forma a mitologia maia influenciou sua viagem? Que símbolos relativos à morte e à transfor-mação estiveram envolvidos no trajeto? em primeiro lugar, eu gostaria de deixar claro que você pode ler muita li-teratura, escritos de filósofos, poetas e viajantes, mas isso definitivamente

Você já visitou o Brasil várias vezes. Qual a im-portância do País em seu trabalho? O que está aprendendo nesta viagem? Minha relação com o brasil tem muito tempo. a pri-meira viagem foi para aquele grande simpósio ecoló-gico no rio. naquela ocasião, 12 artistas foram convi-dados a viajar para a amazônia para realizar pesqui-sas. eu tinha um interesse em minerais e cristais, que surgiu depois de um trabalho na Muralha da china, quando percebi que meu estado mental mudava ao andar sobre diferentes solos, com cobre, ferro ou cristal. foi muito duro me separar de ulay, então eu não quis ficar na china para pesquisar minerais. fui fazer essa busca em outro lugar. esse lugar foi o brasil, onde descobri diversas fontes de minerais e onde fiz tantos trabalhos em diferentes períodos da minha carreira. depois da performance the artist is present, no MoMa, voltei a pensar nos minerais. então, estou de volta a esta viagem, que chamo hoje de pesquisa. ela começou há 23 dias e tem dois pro-pósitos: um deles é procurar diferentes ideias sobre meu trabalho e o segundo é uma pesquisa pessoal.

Em seu Manifesto Sobre a Vida do Artista, você declara que “o artista deve reservar para si lon-gos períodos de solidão”. Você associa a viagem a essa necessidade de solidão?aqui estou acompanhada. Mas depois da viagem vou ter um tempo só para mim, para processar o que aprendi. estou assimilando muita infor-mação e minha cabeça está cheia de ideias. para processá-las, definitivamente, preciso de solidão. outra coisa importante para mim é ser nômade. não tenho sempre uma família específica ao meu redor. sou livre. as ideias simplesmente vêm e me carregam para qualquer lugar. amo a sensação que chamo de “espaço entre”. é quando você deixa sua casa, seus hábitos, uma situação de segurança, mas ainda não chegou a um novo lugar, onde vai construir novos hábitos. o “espaço entre” é a via-gem, quando você está completamente aberto ao destino, às novas ideias. esse é um dos mais criati-vos espaços para os artistas estarem. E que estratégias você está criando para atingir esse “espaço entre” durante esta viagem? Você ca-minha, medita?

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r e t r ato c o m j e s u s , N o Va l e d o

a m a N h e c e r , N o d i st r i to

f e d e r a l , e m 3 1 d e d e z e m b r o

d e 2 0 1 2 : “ E u N u N c a h aV i a

t i d o u m a l i g a ç ã o c o m j e s u s a N t e s ”

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não o modifica. você lê o livro, fecha o livro e é exatamente o mesmo. o in-teressante para mim é tirar do livro algumas diretrizes para lidar com essas coisas. passei um ano inteiro com os aborígenes da austrália central, em lu-gares onde mesmo os australianos não vão, porque são extremamente des-confortáveis, cheios de moscas, sujos, quentes, são simplesmente o inferno. também passei anos com os tibetanos. é importante extrair norteadores dos livros, mas o que realmente importa é sua própria experiência. li sobre o calendário maia por muito tempo e uma das ideias envolvidas é que o bra-sil central é o lugar mais seguro para se conectar com essa ideia do fim do calendário, que não é, na verdade, o fim do mundo, é apenas a mudança da dimensão de nosso planeta. a passagem da terceira dimensão para a quar-

ta. dizem que alto paraíso é o mais seguro lugar do planeta, porque seu solo brilhante de cristais pode ser visto da lua. por isso planejei estar lá no dia 21. Mas acabei ficando com joão de deus por mais uma semana, porque ele sugeriu assim. aceitei o destino e passei o dia 21 em abadiânia. foi bom porque tive uma conversa muito interes-sante com vários médiuns, falando sobre a mu-dança de estrutura do nosso planeta e de como a consciência está mudando. acredito nesse tipo de coisa, então, eu estava no lugar certo e na hora certa. e o mundo simplesmente não acabou como em Melancolia, o filme de lars von triers.

O que você faz para contribuir com a mudança do planeta? cada pessoa neste planeta faz o seu trabalho, com as possibilidades que ela tem. o padeiro tem o tra-balho de fazer o melhor pão possível; o jardineiro tem de cultivar as mais fortes plantas, há o arquiteto que projeta o edifício mais especial. como artista estou ocupada com o meu legado, que será um insti-tuto para trabalhos de arte de longa duração. quero elevar a consciência das pessoas ao dar tempo para elas. temos de criar um espaço onde as pessoas po-dem ter tempo para experimentar a si mesmas. es-tamos vivendo nas cidades, com o estresse, vivemos uma vida sem tempo. e mais a cultura materialista. então, nós temos de dar uma consciência diferente. para dar uma consciência diferente, as pessoas têm de ter tempo para entender isso.

Qual é sua ideia de paraíso? tenho uma má notícia para você: não há paraí-so (risos). paraíso é um conceito errado. desejar o paraíso é pedir para sofrer, porque desejamos ser tocados pela felicidade. Mas a felicidade é um conceito falso. o que temos de realmente abraçar é uma filosofia de vida em que levamos as coisas ruins e coisas boas juntas, sem fazer distinção en-tre elas. o sofrimento é muito importante. não a depressão, a depressão é uma doença e deve ser curada. o sofrimento é essencial, muito mais importante do que o desejo e o paraíso. é no so-frimento que você aprende e realmente entende o que está acontecendo com você em um plano mental, espiritual e físico.

“Dizem que Alto Paraíso é o lugar mais seguro do planeta, porque seu solo brilhante de cristais pode ser visto da Lua”

m a r i N a a b r a m oV i c s e s u b m e t e a u m a l i m p e z a d o c o r p o c o m p o m b o b r a N c o, N a f e i r a d e s ã o j oaq u i m , N a b a h i a . À d i r e i ta , r e f l e x õ e s N a c ac h o e i r a a r c a N j o, e m g o i á s , f oto g r a f i a da s é r i e lu g a r e s d e f o r ç a

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A arte não pode mudar a vida. Mas a arte tem

de ser perturbadora, tem de prever o futuro, tem

de conectar as pessoas e elevar o espírito humano

artes visuais

E como você lida com o êxtase?êxtases são momentos na vida. eles acontecem a partir de muito sofrimento, até que você atin-ge o momento em que tudo ganha luminosidade e clareza. e aí você tem essa sensação de alegria extática. são momentos muito especiais e alguns artistas, escritores e monges falam sobre o êxtase. o problema é que você não pode manter um êxta-se por muito tempo. portanto, a ideia é encontrar um equilíbrio entre o sofrimento e a felicidade.

Qual é o papel do documentário em seu processo, especialmente após a experiência de The Artist is Present? esta é uma boa pergunta. o documentário the artist is present exigiu de mim a difícil decisão de ter de aceitar microfones abertos por um ano, e perder toda a privacidade. Mas foi extremamente importante, porque faço esse trabalho há 40 anos e a performance sempre foi uma forma alternati-va de arte, nunca foi mainstream. e eu já estava farta disso, queria descobrir se um documentário poderia levar o público em geral – que nunca ou-viu falar de performance, que nunca soube o que é performance, ou que não a respeita como catego-ria artística – a entender o que ela é, que energia ela envolve, mental ou fisicamente. a performan-ce pode ser, quando é boa, uma mudança na vida. então, para mim, o documentário tornou-se um tipo de ferramenta, através da qual posso chegar

ao público. nesta viagem realmente muito profunda, o documentário será muito diferente de the artist is present, porque aqui nós estamos falando de Marina como pessoa e de Marina como artista, e colocá-las em conjunto para encontrar um caminho. aqui estamos pesquisando, ainda não estamos produzindo trabalho. em the artist is present, a obra já estava acontecen-do. aqui, é realmente o processo de como o trabalho é feito, como estamos cozinhando e o que estamos cozinhando, o que de fato é preciso para dar à luz uma obra de arte.

Certa vez, você falou que sua função como artista é passar adiante seu co-nhecimento. O que seu instituto tem a ver com isso?tudo, porque a uma certa idade você tem de dar incondicionalmente o seu conhecimento para jovens artistas. dar a sua experiência e, em troca, eles

e x p e r i ê N c i a s da V i ag e m , da e s q. pa r a a d i r . : m a r i N a a b r a m oV i c a s s i st e a j o ã o d e d e u s e m u m a c i r u r g i a N o o l h o, e m a b a d i â N i a ,

g o i á s ; a a r t i sta c o m a s e r Va s m e d i c i N a i s da c u r a N d e i r a d o N a f lo r , e m m o i N h o, g o i á s ; e o u V i N d o c o N s e l h o s d e m ã e f i l h i N h a ,

d e 1 0 9 a N o s , e m c ac h o e i r a , N a b a h i a

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a a r t i sta at r aV e s s a p o N t e e m a lto pa r a í s o, e m f oto g r a f i a da s é r i e lu g a r e s d e f o r ç a

podem te dar o sentido do tempo em que vivem. então, é uma troca, realmente. se eu chegar à mi-nha vernissage e encontrar só pessoas da minha geração, sei que algo está muito errado com o meu trabalho. Mas, se eu encontrar jovens, meu traba-lho está vivo. sou muito feliz de ter um público su-perjovem, a partir de 15 anos. eu realmente quero dar espaço para os jovens e dar-lhes oportunidade de entender esse tipo de trabalho, e de ver por eles mesmos como podem se beneficiar com isso. o instituto é também muito centrado na aprendiza-gem do público em relação aos trabalhos de longa duração. porque tudo o que fazemos agora é como

uma propaganda de 30 segundos da coca-cola. nós estamos fazendo cha-madas de telefone ao mesmo tempo que enviamos mensagens em blackber-ries, de modo que nunca temos tempo. ao chegar ao instituto, só o fato de você ter de assinar um contrato para passar seis horas sem computador nem relógio, e ter tempo para experimentar algo... se não me der esse tempo, você não vive a experiência. é uma troca muito justa: dar-me o tempo para a experiência e ver se isso realmente pode fazer mudanças na sua consciência. nós temos de dar os primeiros passos. há artistas que afirmam que a arte pode mudar a vida. eu acho que não. Mas acho que a arte tem de ser pertur-badora, a arte tem de gerar um estado de bem-estar, a arte tem de prever o futuro, a arte tem de conectar as pessoas entre si e elevar a consciência. a arte tem de elevar o espírito humano. quando o instituto puder fazer isso em uma dimensão mínima, então minha função estará completa.

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J U L I A N A M O N AC H E S I E N I N A G A Z I R E

artes visuais

Arlene Shechet, Sanford Biggers, Carlos Eduardo Uchôa, Luiz Hermano e Ronald Duarte unem o artístico ao sagrado em obras que resvalam no insondável

e outras transcendências

CiRCo Do voDU CóSmiCo

Foto: cortesia da artista

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“Eu podEria citar tunga, anish Kapoor ou Bill Viola como ExEmplos dE artistas lidando profundamEntE com a EspiritualidadE Em sEus traBalhos, mas um nomE quE podE surprEEndEr nEssE contExto E quE Eu citaria tamBém é damiEn hirst.” a afirmação vem de ninguém menos que carlos Eduardo uchôa, artista, professor de filosofia e historiador da arte que vem a ser, também, monge professo solene da ordem de são Bento. segundo dom carlos uchôa, ao visitar – não sem alguma prevenção – a retrospectiva do artista britânico na tate modern, em 2012, a obra de hirst não apenas se humanizou a seus olhos como se mostrou particularmente transcendente no que tange ao tema da finitude humana. Em longa entrevista a seLecT em dezembro, uchôa defendeu uma ideia de espiritualidade não confessional, uma noção válida para todas as pessoas. E foi com essa inclinação em mente que buscamos obras e artistas que representassem um contato singular com a experiência espiritual no contexto contemporâneo. o resultado é uma mistura de afrofuturismo, mantras escultóricos, montanhas que se tornam budas, rituais de descarrego estético e cracolândia sob luz beuronense (referente a uma escola de arte alemã do fim do século 19 criada por monges). mergulhe a seguir no paraíso da arte sincreticamente espiritualizada. Bem-vindo ao circo do vodu cósmico!

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A i r T i m e ( 2 0 0 7 ) , e s c u lT u r A e m A r g i l A f u n d i dA e m b r o n z e e A ç o, e s w o o n ( 2 0 0 6 ) , e s c u lT u r A e m A r g i l A , g e s s o, c o n c r e To e A ç o, d e A r l e n e s h e c h e T;

n A s p á g i n A s A n T e r i o r e s , i n T e r i o r d o e sT ú d i o dA A r T i sTA e m 1 9 9 7

a escultora norte-americana de ascendência judaica arlene she-chet conta que o budismo sempre fez parte do tecido de sua vida, mas que a figura de Buda surgiu em seu trabalho de maneira ca-sual. “foi por volta de 2000 que o universo do budismo passou a figurar na minha obra. na época, eu estava trabalhando predomi-nantemente com gesso, sem utilizar armação, minhas peças eram uma espécie de coisa desleixada. não havia, portanto, nenhuma intenção de figurar algo nas esculturas, eu estava mesmo focada na transformação de algo úmido em algo sólido. E me interessava, acima de tudo, estar completamente presente – e que esse aspecto transparecesse na obra. aliás, é disso que trata também a medita-ção: meditar não é ficar parado em silêncio, mas estar absoluta-mente presente”, afirma shechet em entrevista a seLecT.no processo de criar esculturas modelando o gesso surgiram os budas. “a imagem apareceu naturalmente em meio a essa prática de trabalhar em estado meditativo”, explica. quando a figura do Buda se impôs, shechet fez uma série deles, mas em seguida julgou importante expandir o vocabulário para que a

leitura de seu trabalho não fosse reduzida a isso. Budas e estu-pas – elemento comum nos templos budistas para representar arquitetonicamente o cosmo – convivem, portanto, na obra da artista com formas orgânicas mais abstratizantes, apesar de ela também não fazer distinção entre figuração e abstração.shechet defende uma temporalidade diferente como forma de trabalhar, tanto porque seu processo requer paciência – atualmen-te ela lida, sobretudo, com cerâmica – como por buscar propiciar ao espectador uma pausa. “Espiritualidade e religião são coisas diferentes que às vezes se sobrepõem. a escultura não precisa ser reconhecível enquanto forma icônica para ter interesse ou para comunicar uma espécie de sentimento essencial. Eu cerquei o pensamento e o sentimento da espiritualidade de maneiras dife-rentes ao longo da minha trajetória. há uma experiência essencial que atravessa todo o trabalho. isso tem relação com o tempo que devoto à criação e com o tipo de atenção com que faço as obras.” o interesse pela cerâmica surgiu no início dos anos 2000, conta a artista, “porque é um material que me permite trabalhar com o

artes visuais

55corpo todo e que estabelece um tipo de comunicação que é como o de um desenho tridimensional. as peças que faço em argila são sempre vazadas, e me interessa pesquisar esse vazio, o ar como estrutura, já que as esculturas são cercadas e também preenchidas de ar”. Ela também vê práticas como a cerâmica e a arte têxtil em contraposição à voracidade da comunicação nos dias atuais. “cin-co ou sete anos atrás, ninguém se interessava por isso no contexto da arte contemporânea nem queria mostrar obras nesse suporte. a ideia de trabalhar com um material que era marginalizado me inte-ressou. E, assim como o têxtil, que também está em voga hoje em dia, a cerâmica é uma prática arcaica, com muita história. isso me pareceu igualmente instigante”, afirma. universo apartado da rapi-dez da internet, essas artes recuperam uma das principais funções de uma obra de arte, segundo shechet, que é ser uma pausa, criar outro espaço. “o espectador é convidado a pausar para vivenciar o tempo e a atenção do artista contidos na obra.”

A mandala encontra o breakbeatEm meio a um vocabulário plástico que se vale de todos os meios à mão para concretizar visões contundentes sobre arte e vida, chamam a atenção na produção do norte-americano sanford Biggers os tapetes feitos de areia colorida (prayer rug, 2005) – como aqueles que os monges budistas passam vários

“Espiritualidade e religião são coisas diferentes que às vezes se sobrepõem.

Eu cerquei o pensamento e o sentimento de espiritualidade de

maneiras diferentes ao longo da minha trajetória”,

diz Arlene Shechetm A n dA l A o f T h e b - b o d h i sAT T vA i i ( 2 0 0 2 ) , d e sA n f o r d

b i g g e rs co m dAv i d e l l i s , p i sTA d e b r e A k dA n c e f e i TA co m l A d r i l h os d e b o r r Ac h A co lo r i d os e TA l h A d os à m ã o

dias desenhando para desfazer tão logo a mandala fica pronta – assim como outros tapetes em formato de mandala, estes de piso emborrachado, que têm por finalidade uma batalha de dan-ça. a instalação mandala of the B-Bodhisattva ii (2002), de Big-gers com david Ellis, foi feita a partir de serigrafia sobre azulejos de borracha coloridos talhada à mão em base de fórmica. é uma pista de dança desenhada a partir de uma mandala e foi criada para receber a Battle of the Boroughs Breakdance competition.“me interesso pelas ideias do budismo, por mandalas, divindades e rituais africanos, padrões e motivos circulares ou geométricos utilizados para reverenciar alá. não sou um homem religioso, ainda que na infância eu fosse à igreja todo domingo. mas acredi-to que a necessidade por fé seja uma questão universal, e isso me permite tomar emprestado de diferentes religiões certas formas e códigos, já que a questão que me interessa permeia todas elas. pesquisei numa época, por exemplo, algumas situações em que os monges dançam para criar as mandalas e isso me levou a criar os dance floors (1999-2000), em que desenhos com areia no chão são desfeitos por dançarinos de break. o último projeto que fiz foi em salvador, Bahia, onde se encontram, de forma quase intacta, antigos rituais africanos”, conta Biggers em entrevista a seLecT. o vídeo, intitulado shake (2011) – que foi apresentado na expo-sição individual do artista cosmic Voodoo circus, no sculpture

Fotos: cortesia dos artistas

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artes visuais

“me interesso pelas ideias do budismo,

por mandalas, divindades e rituais africanos, padrões

e motivos circulares ou geométricos utilizados para

reverenciar Alá”, diz Sanford Biggers

center, em long island (nY), no fim do mesmo ano – mostra o percurso de um homem da favela ao mar, trajeto que ele inicia em trajes comuns e termina tendo assumido uma identidade an-drógina. Esse vídeo é a segunda parte de uma trilogia à la odis-seia. aborda a formação e a dissolução de identidades e mescla a estética do p-funk à busca interior da mitologia grega. “é nesse tipo de espiritualidade híbrida e sincrética que minha pesquisa está focada”, completa o artista.sobre suas pistas de break, a jovem crítica e curadora baseada no Brooklyn diana mcclure escreveu tratar-se de um novo clás-sico: “os parâmetros desse clássico em particular são o entrela-çamento supremo da natureza espiritual do breakdancing com a mandala, um diagrama que serve como ponto de coleta para as forças universais. o círculo sagrado, onde a comunidade se reúne e os indivíduos se fundem com a unidade divina e com o momento eterno, mais uma vez se amalgama à dança do hip-hop, que, posteriormente, tornou-se um fenômeno global conhecido como breakdancing”, afirma. “o que Biggers tão eloquentemen-te apresenta, em forma de vídeo, é uma manifestação cultural contemporânea de uma tradição global de séculos. o vídeo não é apenas uma ode sublime à perspectiva transcultural, ele também destaca a relação simbiótica entre o indivíduo, o grupo e o cosmo – seja você um b-boy, b-girl, budista ou o que for”, continua ela.E como anda sua fé na arte, sanford Biggers? “acredito que a arte tem a ver em parte com alquimia, em parte com ficção, às vezes é simplesmente sobre fazer coisas bonitas – ou feias. mas em geral também serve para oferecer às pessoas outras opções e desafios. não acho que a arte deva dar resposta a nada. sua função é fazer perguntas melhores.”

à e s q u e r dA , loT u s i i ( 2 0 0 7 ) , o b r A d e s A n f o r d b i g g e r s i n sTA l A dA e m u m A e s c o l A p ú b l i c A n o b r o n x , n Y;

Ac i m A , o c e A n o s i ( 2 0 0 3 ) , p i n T u r A d e c A r lo s e d u A r d o u c h ô A

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À capelacurador do projeto arte e Espiritualidade, que foi patrocina-do pelo edital de arte e patrimônio do minc em 2010, carlos uchôa realizou o imponderável: preencheu os aposentos do mosteiro de são Bento – muitos dos quais nunca tinham esta-do abertos à visitação pública – com pinturas, esculturas e ins-talações de três artistas contemporâneos. marco giannotti, José spaniol e o próprio uchôa desenvolveram boa parte das obras especialmente para a ocasião, criando um percurso por 17 salas que começava no térreo e terminava na torre a que se tem acesso pelo terceiro andar, onde fica a capela do colégio são Bento. ali, uchôa instalou um vídeo que realizou em um fim de tarde, quando percorreu as regiões da cracolândia, da consolação e da paulista. “Era um dia chuvoso e a decoração de natal das ruas borrava a luz de uma maneira interessante, que remete às cores e aos efeitos dos vitrais em estilo beuro-nense da capela”, conta.a ocupação do mosteiro de são Bento foi visitada por 40 mil pessoas em apenas 22 dias de funcionamento e recebeu o prê-mio da associação paulista de críticos de arte de melhor ex-posição do ano de 2010. para uchôa, a arte carrega nela uma noção, mesmo que não declarada, de transcendência. “toda arte pressupõe um salto no vazio, uma aposta no insondável. Ela é um ir além que se pode chamar de transcendência. E há artistas que tomam isso a peito para levar adiante. é im-portante relembrar que a arte moderna foi criada por artis-tas de profunda influência religiosa; a abstração surge como possibilidade de representar o irrepresentável. mas isso não se diz o suficiente por razões ideológicas. porque a arte deve ser transgressora e não pode ser conformista. a religião, en-

Fotos: cortesia dos artistas

quanto instituição, era vista pelas vanguardas como contrária à mudança, de modo que a bibliografia esconde o fato de que os artistas eram religiosos.”Em seu percurso como artista, uchôa explica que sempre teve clareza de que arte é uma coisa e experiência espiritual outra, mas identifica a espiritualidade como um dos motores para sua obra. no fim dos anos 1990, por exemplo, suas pinturas eram carregadas de um elemento contemplativo, de êxtase e de in-finito, afirma. Já na mostra oceano, na galeria Brito cimino, em 2003, as telas estavam tomadas pela corporalidade, a tinta era mais presente e a pintura pensada como uma dimensão que engole o observador. “Vejo que aquele período das guerras do iraque e do afeganistão me levou de volta à dramaticidade, à cor carregada, mas agora estou começando a fazer obras de ca-ráter mais contemplativo outra vez”, diz.

Arte como religiãoa contemplação e a meditação comparecem na obra de luiz hermano, cearense radicado em são paulo, de forma bastante clara: os objetos feitos de pequeníssimas peças cerzidas uma à outra, num processo repetitivo e muito demorado, trazem à mente a ideia de um mantra. Esculturas como mantra, que car-regam o tempo de sua feitura e instauram, como na obra de shechet, outro tempo também para quem contempla a obra. curioso sobre tudo que seja da ordem do incompreensível, hermano advoga que, ao criar outro mundo, é como se cada artista brincasse um pouco de deus.Em sua exposição individual realizada, em 2008, na pinacoteca do Estado, em são paulo, hermano apresentou esculturas que

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diferentes, hermano internaliza formas, materiais e o impacto de uma geometria desconstruída, ruínas ou vitrais que ressur-gem em seus objetos de maneira mais ou menos abstrata.o candomblé e a devoção aos orixás têm sido o tema de traba-lho do carioca ronald duarte por mais de dez anos. filho de mãe beata, o artista vem realizando uma série de performan-ces que fazem alusões a certos rituais da religião afro-brasilei-ra. o que rola VcV, o primeiro trabalho da série – iniciada em 2001 com o título guerra é guerra –, foi realizado no bairro de santa teresa, no rio de Janeiro, com um ritual em homena-gem a xangô – o orixá dos raios e do fogo –, lavando as ruas do local com sangue, em referência à violência urbana da cidade.

Ac i m A , T e m p lo d o c o r p o ( 2 0 0 8 ) , e s c u lT u r A s d e lu i z h e r m A n o e x p o sTA s n A p i n Ac oT e c A ; à d i r e i TA , r e g i sT r o d e u m A dA s A ç õ e s d e r o n A l d d u A r T e

“Toda arte pressupõe um salto no vazio, uma aposta no insondável. Ela é um ir além que se pode chamar

de transcendência”, diz Uchôa

faziam referência direta às figuras hinduístas de sadhu, místicos andarilhos que se despojavam de todos os bens materiais, de ga-nesha, símbolo das soluções lógicas, e também às múmias egíp-cias, que simbolizam a busca da eternidade. o artista empreende viagens aos quatro cantos do mundo – dos templos budistas de angkor, no camboja, à ilha de Bali e à casa onde teria vivido a Virgem maria, em izmir, na turquia –, em busca de experiências que radicalizem sua prática artística, mas explica que não se filia a qualquer credo. “minha religião é meu trabalho, ele funciona como uma meditação, porque, enquanto trabalho, eu medito so-bre o mundo e sobre o inenarrável. é uma espécie de mantra que me preenche.” portanto, quando viaja em busca de experiências

artes visuais

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Fotos: cortesia dos artistas

Em 2003, deu continuidade aos trabalhos relacionados a este orixá em fogo cruzado, quando ateou fogo em mais de 1.500 metros nos trilhos do tradicional bondinho de santa teresa. “o cerne do meu trabalho está na urgência urbana, nessa vio-lência social que vivemos no dia a dia. a religião não é neces-sariamente o centro da pesquisa, mas por se tratar de uma situação de transcendência não há como separar a situação social da espiritual. Em fogo cruzado eu pedia a xangô para

abrir e iluminar os caminhos do rio de Janeiro, que vivia uma situação de violência cotidiana”, explica o artista. mas é nimbo oxalá, a quarta performance da série – que até o momento possui dez trabalhos realizados –, a mais conhecida do artista. realizada em mais de cinco países diferentes desde 2004, a obra reúne um grupo de 20 pessoas vestidas de branco e munidas de extintores de incêndio, que liberam simultanea-mente uma nuvem artificial. na definição da crítica marisa fló-rido cesar, ao descrever a obra na ocasião de seu acontecimen-to no palácio gustavo capanema, em 2004, a nuvem artificial “nos envia à irrupção do sagrado e à designação do infinito na tradição pictórica”. a cor branca da fumaça, segundo o artista, se relaciona com a divindade e com a pureza ligadas a oxalá, o orixá supremo e responsável pela criação do mundo e da espécie humana. “oxa-lá guarda as portas do paraíso, da paz e é sincretizado com Jesus cristo. Em nimbo oxalá, fazemos um pedido pela paz e pela volta à natureza e aos valores elementais, que é o que temos deixado de lado no mundo contemporâneo”, reflete duarte. Em 2013, o artista pretende completar a série com mais duas per-formances. “a ideia é fecharmos a série com 12 trabalhos que seriam os 12 trabalhos de ronald duarte”, brinca.

60 J u l i a n a M o n ac h e s i

portfólio

Em fotomontagens criadas especialmente para esta edição, artista sobrevoa a periferia paulistana e expõe uma realidade sem retoques

Caio Reisewitze o C a n t i n h o d o C é u

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Fotos:

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Nomes paradisíacos eNfeitaNdo cotidiaNos som-brios ou realidades sórdidas estão No radar do artista caio reisewitz há mais de dez aNos. em 2001, na exposição que comemorou os 50 anos da bienal de são paulo, reisewitz expôs a instalação conquista, um pa-norama fotográfico em preto e branco que mostrava a serra da cantareira, diante do qual havia ampliações fotográficas de ilustrações retiradas de folhetos divulgando lançamentos imobiliários, daqueles distribuídos nos semáforos de são pau-lo. o contraste, por si só evidente, ganhava contundência na plotagem em pilastras, vidros e chão, com letras garrafais, dos nomes de alguns dos empreendimentos em questão: château

n a p á g i n a a n t e r i o r , a s p i c u e lta ( 2 0 1 2 ) , i M p r e s s à o e M i n k j e t; ac i M a , a lta M i r a ( 2 0 1 3 ) , i M p r e s s à o e M i n k j e t;

à d i r e i ta , i g u a ç u X X ( 2 0 1 2 ) , c- p r i n t M o n ta d o e M d i a s e c

isso, maison aquilo, não-sei-o-quê park, e assim por diante.Na série inédita apresentada em nossa seção portfólio, que teve parte das fotos desenvolvida especialmente para seLecT, o artista sobrevoa a periferia paulistana à caça de alguns bair-ros com nomes inusitados, como cantinho do céu, Jardim shangrilá, eldorado ou Vila califórnia. o que os une, além da denominação idílica, são as condições precárias de mora-dia e infraestrutura urbana, dado que surgiram no traçado da cidade como ocupações irregulares em áreas de preservação ambiental, como às margens das represas billings e Guarapi-ranga, ou em áreas de risco, como as cabeceiras das pistas do aeroporto de cumbica.

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assim como na instalação de 2001, as fotografias e fotomonta-gens da presente série escancaram os contrastes socioambien-tais e de ordem intersubjetiva associada à linguagem arquite-tônica e urbanística de determinada região e/ou grupo social. em 2001, o alvo era o mau gosto das edificações neoclássicas e a indissociável voracidade da especulação imobiliária em são paulo, que paulatinamente elimina do nosso horizonte paisa-gens como a da cantareira. em 2013, reisewitz flagra as con-tradições dos modos de vida urbanos: enquanto num bairro miserável os moradores estão cercados por densa vegetação, nas áreas cujo metro quadrado está entre os mais proibitivos

da cidade, vive-se ilhado por concreto, efeito estufa e poluição.mas o complexo jogo imagético de caio reisewitz não se resu-me aos contextos conflitantes que ele retrata. porque o interesse maior do artista – como a seleção de fotografias estampadas em seLecT evidencia – reside no paradoxo de fotografias sem qual-quer retoque parecerem manipuladas, enquanto outras, em que ele intervém radicalmente, se assemelharem à mais cristalina das realidades. eis o maior contraste que o artista coloca diante de nossos olhos: nos dias de hoje, perdemos a capacidade de diferen-ciar o real do ficcional. por inquietante que pareça, o real está mais construído e a ficção, mais autêntica do que na era pré-digital.

n a s p á g i n a s a n t e r i o r e s , M a i r i p o r à i i i ( 2 0 1 3 ) , i M p r e s s à o e M i n k j e t ( f oto d e p á g i n a d u p l a ) ; ac i M a , n at i n g u i ( 2 0 1 2 ) , i M p r e s s à o e M i n k j e t;

à d i r e i ta , b o r ac e i a ( 2 0 1 2 ) , i M p r e s s à o e M i n k j e t

Fotos: cortesia do artista

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Fotos: cortesia do artista

moda

innatura

Enredada em peles, plumas, sedas e metais, a mulher invade o território da fábula e se metamorfoseia em ave, bicho e outras entidades mágicas da fauna e da flora

f oto s N i c o l e H e i N i g e r st y l i n g r e N ata c o r r e a

V e st i d o D o r o t h é e B i s , n a t r a s h C h i C , R $ 1 .4 9 9

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modamoda

à e sq u e r da : To p d e p e l e d e co e l h o Ta l i e N k , r $ 3 .6 2 0 ; V e sT i d o d e T u l e Da s l u , r $ 2 . 3 9 0 ; e sTo l a d e p e l e s p o r T M a x , r $ 2 . 3 5 0 ; lu Va s ac e rVoo u r i ç o d e m e Ta l C a i o V i N i C i u s ac e rVo

To p c o m p e p lu m S p o r t M a x , R $ 3 .4 8 0 ; S a i a B a l M a i n , n a n K S t o r e , R $ 3 4 .9 9 0 71

modamoda

C o l e t e D e n m a r k , n a G i l Da m i Da n i , R $ 7 0 2S a i a d e ta f e t á S o n i a m a r i a P i n t o , R $ 3 . 1 5 0C o R oa C a i o V i n i C i u S aC e R vo

à d i r e i ta , C a s aC o d e p e l e d e r a p o s a Y v e s s a i n t L a u r e n t , n a t r a s h C h i C , r $ 4 .9 9 9 ;C o l a r d e p e n a s O p t O , r $ 1 8 9

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modamoda

à d i r e i ta , C a b e ç a E d u a r d o L a u r i n o , r $ 3 5 8 ; to p da s L u ,r $ 1 4 0 ; pa r k a s h o u L d E r , r $ 4 9 8 ;S a i a d e S e da J o s E p h , n a T r a s h C h i C , r $ 2 9 9 ; S a i a s h o p 1 2 6 , r $ 2 3 9 ; V e St i d o u S a d o C o m o S a i a L a n ç a p E r f u m E , r $ 8 9 0 ; e Sto l a d e p e l e m a x m a r a , r $ 2 .4 2 0

C o l e t e d e p e l e Da s l u , R $ 1 4 .0 0 0 ; C a l ç a d e R e n da G i ova n n a Pa r i z i , R $ 5 7 6

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modamoda

à d i r e i ta , V e st i d o H e r m é s , n a T r a s H C H i C , r $ 2 .9 9 9 ;ac e s s ó r i o d e c h i f r e C a i o V i n i C i u s ac e r Vo

B lu s a g o l a a lta d e p e lo C e l i n e , n a T r a s h C h i C R $ 1 4 9 9 ;B R i n c o d e c h i f R e C a i o V i n i C i u s ac e R vo

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Modelos: K at i a S e l i n g e r e t h a i S S c a l o (WAY Model)BelezA: c e c i l i a M ac e d oTrATAMenTo: F o t o F u S ã oProdução execuTivA: J u l i a S M i d t ( s . d c & P )AssisTenTes de foTo: F e r n a n d o Q u e i r o z , c a i o P o r to e B r u n a l u c e n acoordenAção de ModA: M a r c e l l M a i aProdução de ModA: l e a n d r o P o r t oAssisTenTe de BelezA: Pat r i c K P o n t e S

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Êxtase sublime

No surfe de ondas gigantes há uma potência simbólica e visual que engolfa qualquer observador da mesma forma

que uma obra de arte poderosa: um sentimento arrebatador, misto de

encantamento e puro terror

aventura

A f i g u r A A p e q u e n A dA d o s u r f i stA e m r e l A ç ã o à o n dA m o n u m e n tA l dA p r A i A d e j Aw s e q u i vA l e à p ot ê n c i A dA n At u r e z A r e p r e s e n tA dA n A p i n t u r A r o m â n t i c A p o r c A s pA r dAv i d f r i e d r i c h , e m 1 8 1 8 ( à e s q u e r dA )

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foto: AriAne Middel

Há quase 50 anos, endless sum-mer surgia como o primeiro filme-documentário de grande circuito totalmente voltado para o universo – então inci-piente – do surfe. a premissa idílica ali enunciada era a de que seria possível “estar sempre no verão”, deslocando-se de um ponto a outro do planeta, seguindo a trilHa do sol. a ideia de fundo era que o paraíso do surfista es-tava em qualquer lugar do mundo onde houvesse boas ondas e calor, havendo dis-posição e meios para tal. passadas mais de quatro décadas, o mundo mudou um bo-cado, e o surfe acompanhou a seu modo es-sas transformações. tornou-se um negócio de peso, movimentando bilhões de dólares anualmente. e, nesse processo, a escala do que era entendido como limites e desafios na cartilha do surfe também foi alterada. corte para 8 de novembro de 2011, praia da nazaré, portugal. o havaiano garrett mcnamara bate recordes e faz história ao surfar uma onda de 80 pés, ou 25 metros de altura: tratava-se, sem mais nem menos, da maior vaga jamais surfada e devidamente registrada no ato. uma singular conforma-ção geomorfológica submarina colabora para essa condição especial de onda, geran-do o chamado “canhão da nazaré”. vinte e cinco metros. algo assim como despencar do oitavo andar de um prédio líquido que, por sua vez, passa a despencar em cima de você à medida em que avança.mcnamara faz parte de um grupo seleto de surfistas havaianos conhecidos como wa-termen: homens experientes em toda ma-téria ligada ao mar e com pleno domínio de diversas atividades aquáticas, tendo o surfe como base. nomes como darrick doerner, Ken Bradshaw, Buzzy Kerbox e laird Ha-milton são referências nessa elite. sujeitos diferenciados que, no afã de buscar novos limites para o esporte que se confunde com suas vidas, acabaram por desenvolver o

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aventura

foto: AriAne Middel

No afã de novos limites para o esporte, surgiu o surfe de ondas gigantes. O surf foi reinventado e transformado em experiência-limite

surfe de ondas gigantes. e estamos falando de formações aquáticas grandes (e rápidas) demais para serem apanhadas “no braço”, como no modo convencional, exigindo tá-ticas como o reboque por jet skis. o surfe tal como se conhecia é reinventado e trans-formado em uma experiência-limite. quando se está sobre um desses monstros, é quase como se não fosse mais água, mas uma massa apenas tecnicamente líquida, com a potência de dezenas de toneladas por metro cúbico. um lapso de equilíbrio, um simples erro de cálculo, e isso pode acarretar consequências drásticas. se não pelo impacto em si, na água ou nos co-rais que com frequência aguardam pouco abaixo, pelo risco de afogamento e/ou hi-potermia – fora tubarões brancos, even-tualmente. nos últimos dez anos, pelo menos três experientes surfistas – sion milosky, peter davi e o legendário mark

s u r f i stA q u e d o m A o n dA s g i g A n t e s d o h AvA í : e x p e r i ê n c i A e st é t i c A p r ó x i m A d e e p i fA n i A

foo – perderam a vida em vagalhões desse calibre no Havaí e na califórnia. as ondu-lações mais famosas do gênero se espalham mundo afora desde o litoral da califórnia (cortez Banks, oceânica, ghost trees e mavericks) e do Havaí (a famigerada Jaws) à frança (Belharra), áfrica do sul (dunge-ons) e tasmânia (shipstern’s Bluff), além de inúmeros outros spots que seguem sen-do descobertos.o brasileiro aldemir calunga engrossou recentemente a lista dos seriamente aci-dentados. uma modalidade para poucos, enfim, embora venha se popularizando bastante. Já existem, inclusive, premiações patrocinadas, específicas para esse tipo de surfe, em iniciativas que se distanciam das motivações iniciais da modalidade. À parte a fisicalidade envolvida nessa ati-vidade, é possível identificar também um componente estético ali presente. pense-

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mos na figura apequenada do surfista tra-çando linhas incertas sobre a monumen-tal superfície aquosa que a todo momento parece prestes a engoli-lo, a magnitude do jogo de escalas e as leis da natureza ali tensionadas: há uma potência simbólica e visual que absorve qualquer observador da mesma forma que uma obra de arte pode-rosa pode fazê-lo. somos tomados por um sentimento arrebatador, da ordem do su-blime, misto de encantamento e puro ter-ror. algo que podemos aqui relacionar ao desejo de captura da intensidade da vida, a pulsão adrenalinizada que move esses wa-termen, e que é sintetizada na imagem e no ato aterrador de domar uma onda gigante. articulando pelo sublime, pensado como experiência estética próxima a uma epifa-nia, pode-se chegar a uma ideia de essen-cialidade que, por sua vez, vai ao encontro da noção de paraíso. e para um big rider, o paraíso é fluido e está sempre em sua men-te, no anseio pela próxima massa líquida que ele – ou ela (o big surf é tradicional-mente território masculino, até pela condi-ção física extrema que exige. uma exceção louvável é a brasileira maya gabeira, que já se destaca nesse circuito. carlos Burle, eraldo gueiros e danilo couto são outros brasucas muito respeitados nesse meio) – for capaz de domar, onde quer que essa onda esteja, e sobreviver à experiência. pelo menos até a próxima, ainda maior, mais intensa, mais impossível.

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t e x to e f oto s E r n E s to o r o z a

território

Miami e Havana: em busca do “Para-ISO” Utopias do progresso e constrangimento à

criatividade são comuns às duas cidades

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I m ag e n s d o p r oj e to a r q u I t e t u r a da n e c e s s I da d e , d e e r n e sto o r oz a , H ava n a ( 2 0 1 2 )

É difícil ver MiaMi e Havana coMo Modelos utópicos relacionados entre si. É preferível contornar as respostas óbvias e assuMir outra direção. MiaMi e Havana coMpartilHaM uM ideal de “progresso”. eM sua constituição coMo ideal de qualidade, a iso (international organization for standardization) Modelou nos dois territórios o MesMo paradigMa utópico.

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território

Para o turista, as ruínas são nostálgicas e seu pó, histórico. Para o cubano, é matéria-prima

para a construção de sua morada

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a r q u I t e u r a da n e c e s s I da d e é u m p r oj e to d e o r oz a e m

c u r s o d e s d e 1 9 9 7

em 1962, che guevara, na qualidade de ministro da indústria em cuba, enviou à iso a solicita-ção para ingresso da ilha como membro e criou a dirección de normas y Metrología do Ministé-rio da indústria. não há dúvidas de que guevara compreendeu muito cedo a fatalidade e unidi-recionalidade capitalista do “desenvolvimento”. desse momento em diante, somente dois anos depois do triunfo da revolução, Havana e Miami passavam a compartilhar um ideário utópico glo-bal que poderíamos chamar de “para-iso”.  ficou evidente, a partir daí, a impossibilidade de articular, desde o isolamento, outra noção de progresso. em 2007, foi publicado em cuba um documento oficial com finalidades pedagógicas sob o título cultura por la calidad (cultura pela qualidade), que não pode deixar de ser entendi-do como um manifesto capitalista.

Ruínas e monstros plásticosentre algumas das constantes na relação de amor/ódio entre cuba e estados unidos está a empatia do cubano com a cultura da  american invention e a noção de desenvolvimento que essa cultura fomenta. uma anedota do imaginário po-pular cubano dá conta da estranha relação entre Havana e Miami. José Martí, apóstolo da inde-pendência cubana, escreveu um dia antes de sua morte uma frase fortemente anti-imperialista, depois de viver alguns anos nos estados unidos: “viví en el monstruo, y le conozco las entrañas” (vivi no monstro e conheço suas entranhas).  al-guns cubanos parafraseiam essa citação apoiados em uma quase homofonia: “viví en el monstruo, y como lo extraño” (vivi no monstro, e como sinto saudades dele). o modelo de Havana como ruína é distópico. pa-lacetes carcomidos e carros velhos são úteis aos dois lados da ideologia. os turistas que visitam a ilha, os nostálgicos de Miami, os arquitetos cuba-nos vinculados à preservação da cidade histórica e o governo comunista promovem o detrito de um edifício derrubado como pó de ruína. agitado por sopros retóricos, esse pó engrossa tanto a at-mosfera nostálgica quanto a nebulosa romântica revolucionária. Mas, para o cidadão comum, o pó da demolição é uma matéria-prima que pode ser

90 Miami é uma cidade que estigmatiza a

necessidade e a vê como fraqueza

ac I m a , L I t t L e H a I t I , m I a m I ( 2 0 1 0 ) . n a p á g I n a s e g u I n t e , e s c u Lt u r a s s e r I a da s d e c o n c r e to pa r a p á t I o s e j a r d I n s , n o a b a sta d o b a I r r o k e n da L L , e

d e p ó s I to d e Lo u ç a s a n I t á r I a e m L I t t L e H a I t I ( 2 0 0 8 e 2 0 0 9 )

território

misturada com cimento para adaptar e ampliar sua vivenda deteriorada e limitada.  ali, onde os  “ruinólogos”  veem um capitel neo-clássico destruído que remete ao passado glorio-so da nação e fazem dinheiro com sua imagem, os cubanos, vivendo sob a urgência, notam uni-camente as qualidades físicas da coluna como um ponto de apoio onde começar uma escada ou apoiar uma caixa d’água para o novo banheiro.  

Arquitetura Genérica e da NecessidadeMiami é uma cidade genérica e sua arquitetura foi regulamentada e estandardizada progressiva-mente. É uma arquitetura que parece desenhada e produzida unicamente para ser inspecionada pe-los agentes de seguros e gerada de acordo com as normas e processos de normatização do comércio internacional. a matéria genérica que toma forma em Miami é transnacional e por isso evacua rapida-mente qualquer sedimento de identidade. escrevi recentemente um texto, com gean More-no, sobre o universo produtivo e simbólico do sou-venir, visto como um âmbito com potencialidade especulativa em relação à cidade. nesse texto, fa-lamos sobre uma hipotética invasão de uma massa cerâmica esmaltada genérica, que representa a si mesma e que chega como um souvenir em barcos provenientes da china. a “massa maléfica”, como a denominamos, invade os postos de vendas para turistas, empurra e cobre flamingos-termômetros e patas de crocodilos-chaveiros. no seu encontro com o sol da flórida, a massa maléfica emite um fulgor tão intenso que cega e apaga toda a cidade.Miami é uma cidade do futuro e está se converten-do, a não ser que o mar a cubra, em um protótipo da cidade genérica como a que foi definida pelos

91arquitetos radicais do archizoom e do superstu-dio. Mas a cidade genérica como uma superfície contínua é autista, é indiferente ao campo social imediato, pois em seu interior existem zonas não resolvidas onde abundam os grupos humanos desfavorecidos, que se valem temporariamente da arquitetura da necessidade.o termo arquitetura da necessidade é usado aqui como metáfora. por um lado, pode ser lido como um termo descritivo, quase óbvio, austero até, em seu valor retórico. por outro lado, o enuncia uma arquitetura que é a autodiagramática, e essa ima-gem torna-se estrutural e programática. a arquite-tura deve ser isso. a casa deve ser uma estrutura de acordos. uma conexão factual entre as neces-sidades, materiais, tecnologias, regulamentos ur-banos e condições sociais. na arquitetura popular, o movimento incontrolável de materiais produz uma grelha de linhas e buracos, uma sobreposição de camadas e estruturas que, tal como no proces-so natural de sedimentação, são suportados um sobre o outro. esse movimento fluido responde a uma força tão poderosa e inevitável como a gravi-dade, a força da necessidade.

Desesperançaolhando para Havana a partir de Miami, onde vivo, percebo que, desde que morava lá, a cidade é um lugar onde a criatividade foi estigmatizada e onde se restringiu – e até se criminalizou – a iniciativa individual. a inventividade que se re-conhece no povo cubano esteve marcada, mui-tas vezes, pela ilegalidade. É paradoxal, mas os cubanos, incitados pela frase guevariana “obrero construye tu maquinaria” (operário, constrói o teu maquinário), acabaram usando sua criativida-de para sobreviver à ineficiência do regime comu-nista que o mesmo guevara ajudou a instaurar. Miami não acrescentou nada a essa percepção.de Havana, eu via Miami como vejo agora. um lu-gar, como ocorre em quase todas as cidades bur-guesas, onde se estigmatizou a necessidade. um lugar onde o necessitado é ratificado como fraco e ordinário, se expressa suas carências. Havana acrescenta a essa percepção certa desesperan-ça, como se todos os sistemas constrangessem a criatividade.

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A n g é l i cA d e M o r A e s

panorâmica

A coleção suíça Daros Latinamerica inaugura sede no Rio de Janeiro com coletiva de artistas colombianos, para assinalar o início de um intercâmbio cultural focado na voz do artista e na educação cidadã do público

Casa aberta ao diálogo

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à esquerda: jaqueline felix. acima: franziska bodmer e fernando gallese

C h aC m o o l ( 1 9 9 8 ) e b a r r i g u da ( 2 0 0 1 ) , e s C u lt u r a s e m p e d r a e C e r â m i C a d o a r t i sta C o lo m b i a n o n a d í n o s p i n a , s i m u l a m p e ç a s a r q u e o l ó g i C a s ; n a p á g i n a ao l a d o, a r e C e p ç ã o da C a s a da r o s , n o r i o d e j a n e i r o

Lembra da úLtima tentativa de uma grande instituição internacionaL de arte contemporâ-nea fincar raízes no brasiL? Lembra da poLêmica sobre a sede brasiLeira do museu guggenheim? pois esqueça. o modelo argentário de franquia de marca e aluguel de peças blockbusters de acervo é fantasma do passa-do. começa a funcionar no brasil algo que é seu absoluto opos-to e que estabelece um novo patamar de critérios para a área. entra em cena um projeto de intercâmbio cultural baseado no diálogo com os artistas e na educação do público para o enten-dimento e fruição da arte latino-americana. a casa daros abre suas portas em março, no rio de Janeiro, em prédio centenário tombado pelo patrimônio histórico e cuidadosamente restau-rado durante sete anos.

“trata-se de um projeto privado que se realiza na dimensão pú-blica”, frisa a diretora da instituição, isabella rosado nunes, em entrevista a seLecT. a coleção daros Latinamerica, localizada em zurique (suíça), é uma das mais extensas e importantes co-leções de arte contemporânea da américa Latina, em constante crescimento e circulação, seja em mostras específicas, seja para empréstimo de peças para outras instituições. reúne mais de 1.100 obras de 116 artistas, produzidas em vários meios e técni-cas, da década de 1960 até a atualidade, e onde não faltam exem-plares significativos da arte do brasil. “essa coleção já nasceu para ser mostrada fora da suíça, é um acervo que funciona para divulgar a arte latino-americana e também como ferramenta de educação e cidadania”, diz isabella rosado. ela destaca que “o princípio conceitual da casa daros não é quantitativo nem visa lucro. nosso foco não é o público consumidor. nosso objetivo é a responsabilidade social e a formação de massa crítica. não nos passa pela cabeça bater recordes de visitação, e sim estabelecer um diálogo o mais afinado possível com todos os públicos, em especial com a comunidade artística e com as escolas e institui-ções culturais da cidade do rio de Janeiro e seu entorno básico, mas também articulando intercâmbio cultural entre o brasil e os demais países do continente e do mundo”.

Onze salas de exposiçãoo alemão hans-michael herzog, diretor-artístico e curador-ge-ral da coleção daros Latinamerica, organizou a coletiva inau-gural da instituição suíça no rio. a mostra, denominada cantos cuentos colombianos, é uma panorâmica da vertente mais vi-gorosa da arte contemporânea da colômbia. um conjunto de 11 amplas salas de exposição da casa daros reúne trabalhos de forte conotação política dos artistas doris salcedo, fernando arias, José alejandro restrepo, Juan manuel echavarría, maria fernanda cardoso, miguel Ángel rojas, nadín ospina, oscar muñoz, oswaldo macià e rosemberg sandov.É uma coletiva que no seu subtexto trata dos pontos de contato entre a realidade social da colômbia e do brasil. em entrevista por telefone a seLecT, de zurique, herzog admite que pensou nas similaridades socioculturais entre os dois países ao escolher a mostra para a inauguração. “certamente, não há no brasil a violenta guerra civil promovida na colômbia pelo narcotráfico, mas também há muita violência, há graves problemas de desi-gualdade social. mesmo assim, os artistas conseguem produzir trabalhos de primeira qualidade. as artes colombiana e brasilei-ra têm um frescor e uma virulência que têm a ver com a situação social e política onde são feitas.”responsável pela conceituação das características formadoras da coleção e da escolha das peças que a constituem – um pro-

94 “Na Europa, ninguém realmente conhece muito

sobre a produção artística contemporânea da América

Latina. Da Colômbia, por exemplo, quando sabem

alguma coisa, são os clichês de sempre: Fernando Botero, a cantora Shakira ou o piloto

de corridas de Fórmula 1 Juan Pablo Montoya”, diz

Hans-Michael Herzog

panorâmica

cesso iniciado em 2000 que envolveu muitas viagens à améri-ca Latina e o contato direto com cada um dos artistas da cole-ção –, herzog destaca que “a casa daros será o primeiro cen-tro latino-americano para os latino-americanos e para o resto do mundo, uma plataforma de intercâmbio e serviços para colocar as pessoas em contato, para os artistas encontrarem seus colegas e o público encontrar os artistas”. herzog admite que sua ambição é “colocar a arte latino-americana no mapa”.sim, ele já visitou várias edições da bienal do mercosul e da bienal de são paulo. visita com regularidade todas as grandes mostras internacionais. continua, porém, achando que falta colocar a arte latino-americana no mapa. “ela ainda não está lá”, frisa. pelo menos com o protagonismo que esse obstinado alemão deseja. “na europa, ninguém realmente conhece mui-to sobre a produção artística contemporânea da américa La-tina. da colômbia, por exemplo, quando sabem alguma coisa, são os clichês de sempre: fernando botero, a cantora shakira ou o piloto de corridas de fórmula 1 Juan pablo montoya.”foi para começar a ampliar o repertório do público europeu que herzog organizou a exposição cantos cuentos colombianos,

em duas mostras sucessivas, exibidas em zurique, de outubro de 2004 a janeiro de 2005 e de janeiro a abril de 2005. “foi a maior mostra de arte colombiana contemporânea realizada na europa”, sustenta herzog. É o mesmo recorte de obras, com montagem diversa, que agora chega ao rio de Janeiro. “ela con-tinua atualíssima”, diz o curador.

Força simbólica“mesmo na colômbia esses excelentes artistas eram pouco conhecidos”, afirma herzog. ele observa que suas escolhas foram premonitórias de uma percepção mais nítida dessa produção. “depois das exposições na suíça, o público co-lombiano parece ter finalmente descoberto sua arte.” Livros recentes trataram de incorporá-los à história e ao circuito principal de mostras internacionais. o catálogo-livro da mos-tra, com 410 páginas e longas entrevistas com os artistas no formato pergunta e resposta, significou outra eficaz divul-gação e contextualização. a coletiva cantos cuentos co-lombianos traz um conjunto equilibrado de peças de grande força simbólica. Juan manuel echavarría comparece com tra-

95V i d e o i n sta l a ç ã o m u s a pa r a d i s í aC a ( 1 9 9 6 ) , d e j o s é a l e j a n d r o r e st r e p o ; C e n a s d o V í d e o b o C a s d e C e n i z a ( 2 0 0 3 ) , d e j u a n m a n u e l e C h aVa r r í a , s u C e s s o da b i e n a l d e V e n e z a , e m 2 0 0 5 ; C e n a s d o V í d e o m u g r e ( 1 9 9 9 -2 0 0 4 ) , e da a ç ã o s i n to m a ( 1 9 8 4 ) , d e r o s e n b e r g s a n d oVa l ; n a p á g i n a ao l a d o, o C u r a d o r h a n s - m i C h a e l h e r zo g

à esquerda: claudio edinger. acima: ifa/sttutgart, denis mortell, käthe walser e rosemberg sandoval

balhos importantes de sua trajetória, inclusive a que lhe ga-rantiu visibilidade internacional a partir da bienal de veneza de 2005, bocas de ceniza (bocas de cinza). a impactante vi-deoprojeção registra em close a fisionomia de vários sobre-viventes de um massacre que aconteceu no estuário (a boca) do rio magdalena. eles cantam para contar a tragédia, dan-do pungentes graças a deus por terem escapado. “com uma dignidade humana muito além do ódio e do olho por olho”, observa echavarría em depoimento para o catálogo. “a vio-lência desumaniza o ser humano. faço do respeito pelo ou-tro a parte essencial da minha obra”, frisa.doris salcedo é outro destaque inevitável. algumas das peças exibidas, espe-cialmente as emblemáticas cadeiras e armários sepultados em blocos de concreto, integram a série apresentada ao pú-blico brasileiro pelo galerista marcantonio vilaça em 1996, na primeira mostra individual da artista no país. salcedo tem sua poética identificada com a violência, os desapareci-dos políticos e as vítimas de tortura e agressões dos regimes totalitários. esteve até 3 de fevereiro com uma instalação em cartaz na pinacoteca do estado de são paulo (ver Reviews).

Uma casa para todoso humor corrosivo de nadín ospina traz uma mudança de registro bem-vindo ao conjunto. seus trabalhos são simula-cros de peças arqueológicas em que a cultura pré-colombiana se mistura a personagens da cultura pop, como bart simpson e mickey mouse, em mordazes comentários ao colonialismo cultural irradiado pelo império norte-americano. também acionando o humor, mas em diapasão soturno, fernando arias apresenta, entre outras peças, ataúd de Lego (caixão de Lego), homenagem às crianças vitimadas pela violência do narcotráfico e seu combate.a programação inaugural inclui uma mostra paralela, de foco educativo, com curadoria de eugenio valdés figueroa, dire-tor de arte e educação da casa daros. com o título para sa-ber escutar, ocupa cinco salas situadas no início do percurso expositivo e está focada nos ensinamentos do pedagogo bra-sileiro paulo freire. completa o conjunto um auditório para cem pessoas, um restaurante, uma cafeteria e uma biblioteca especializada em livros e revistas de arte latino-americana. espetáculo à parte, o restauro completo da fachada e de dois terços da extensa propriedade, que tem mais de 11 mil metros quadrados de área construída, datada de 1866, dá testemunho dos planos de longo alcance da instituição, que, aliás, como assi-nala hans-michael herzog, evitou as denominações convencio-nais como museu ou instituto cultural. “nós, deliberadamente, escolhemos casa, para deixar claro que é um lugar para todos.”

C a n t o s C u e n t o s Colombianos, de 23 de

março a 27 de agosto,

Casa Daros, Rua General

Severiano, 159, Botafo-

go, Rio de Janeiro, www.

casadaros.net

96

Da n i e l a l a b r a , d e B a r c e lo n a

urbanismo

Em 1971, estudantes de arquitetura colocaram de pé a Instant City, uma cidade de plástico, efêmera, em Ibiza, na

Espanha. O lugar funcionou como metáfora de um novo modelo social, baseado na cooperação entre as pessoas

Utopiapossível

97“O mundO está se preparandO para uma metamOrfOse dOs deuses. abandOnam-se Os valOres e ar-quétipOs da cultura vigente e adOtam-se nOvas fOrmas de vida nascidas de Outra visãO dO mundO.” assim começava o manifesto da instant city, uma das proposições do vii congresso do international council of societies of industrial design (icsid), realizado em outubro de 1971 na outrora idílica ilha de ibiza – ou evissa. O evento foi organizado pela agrupació de disseny industrial del foment de les arts decora-tives (adi/fad), radicada em barcelona, e teve um formato revolucionário, cujo ob-jetivo era transformar um encontro profis-sional convencional em um acontecimen-to libertário, sem precedentes na espanha – que amargava os últimos anos da obs-cura ditadura do general francisco franco.O congresso, que durou três dias, foi ins-pirado pela contracultura dos anos 1960 e fazia referência ao espírito livre da época. seus organizadores, a maioria estudantes, pretendiam desconstruir os congressos de então, formais, tediosos, com crachás, tra-dutores e cafeterias impessoais. a meta era potencializar o intercâmbio de ideias entre profissionais e alunos de design industrial – uma nascente disciplina – e assim obter um resultado vivo e transformador. apesar de inicialmente criticado por membros do conselho internacional, o modelo experi-mental do icsid evissa foi levado a cabo, tornou-se referência no meio e incentivou novas propostas, impulsionando barcelona como uma das capitais mundiais da arqui-tetura e do design. para rememorar tal evento e sua importân-cia, o museu de arte contemporânea de barcelona (macba) organizou a exposição la utopía es posible, que esteve em cartaz até 20 de janeiro, sob curadoria de daniel giralt-miracle e teresa grandas. de mu-seografia simples e despojada, a mostra, repleta de displays cheios de documenta-

Fotos: xavier miserachs/cortesia macba. arquivo jordi gómez/cortesia macba

ção, tinha projeções e fotografias dispostas diretamente sobre as paredes. no chão, televisores em racks brancos passavam docu-mentários e entrevistas, enquanto pufes em tons laranja, ama-relo e vermelho convidavam o espectador a relaxar ao som de uma trilha sonora que incluía all along the Watch tower, de bob dylan, interpretada por Jimi Hendrix. embora ibiza seja hoje um símbolo do hedonismo capitalista, em 1971 a ilha – cuja ocupação remonta à idade do bronze (2000-1600 a.c.) – apenas começava a ser explorada pelo turismo de massa. mas, na década de 1930, alguns intelectuais, como Walter benjamin, se refugiaram ali e confrontaram, pela primeira vez, a vanguarda moderna e transgressora com a tradição pacata do vilarejo. Os atributos históricos, culturais e naturais de ibiza de-terminaram sua escolha como sede do vii icsid, que teve lugar na cala de sant miquel, uma baía da costa noroeste da ilha, longe

C e r i m o n i a l ( 1 9 7 1 ) , d e a n to n i m i r a l da ,

p e r f o r m a n C e d e a b e r t u r a

d o e n C o n t r o ; à e s q u e r da , i n sta n t

C i t y e m p l e n o f u n C i o n a m e n to, n o C o n g r e s s o d o i C s i d

98 do centro. para os organizadores, a praia bucólica seria um refú-gio para a produção intelectual e criativa, e isso contrastava ra-dicalmente com montreal ou londres, cidades-sede anteriores, que proporcionavam mais a dispersão do que a integração. no que tange à programação do congresso, palestras e debates fo-ram organizados em salas de reuniões nos dois hotéis existentes na cala, mas também podiam acontecer ao ar livre, espontanea-mente. nesses encontros, discutiam-se design, urbanismo, arte, novas tecnologias e pensamento contemporâneo. em paralelo às atividades, diversas proposições vinculavam o design a outras linguagens. uma das mais significativas foi instant city, projeto criado por José miguel de prada poole para facilitar o alojamento dos jovens que fossem ao congresso. professor da universida-de politécnica de madri e especialista em arquiteturas infláveis, prada poole idealizou uma cidade de plástico, efêmera, que não deixasse rastro, baseada em um sistema de construção bastante simples e barato: cilindros e esferas que se interconectavam e podiam crescer segundo as necessidades. como não havia verbas e a solução precisava ser econômica, a estrutura sustentada por ar – a mesma matéria dos sonhos – era uma saída perfeita.instant city foi feita com plástico pvc doado por uma multi-nacional e erguida pelo esforço coletivo de voluntários usando como ferramentas grampeadores comuns e tesouras. O trabalho durou menos de uma semana. para convocar os “operários”, os então alunos de arquitetura carlos ferrater e fernando bendito, hoje destacados arquitetos, redigiram, com o escritor luis racio-nero, o manifiesto de la instant city, que foi difundido pelo mun-do. O manifesto chamava estudantes a participar da construção dessa cidade temporária, em que a cooperação era o motor para integrar as pessoas. O sistema de sinalização de instant city era precário e, por isso

mesmo, criativo. assim que ficava pronta uma parte da estrutura, indicações eram escritas com pilot atômico sobre a lona plástica. para entrar no edifício mole, atravessava-se uma fenda, o que alguns participantes relataram como sendo uma experiência de entrar no “útero/vida”. tal descrição condiz com o espí-rito poético da época, quando artistas como Hélio Oiticica ou maurice agis propunham vivências que ampliavam a percepção sensível. do mesmo modo, croquis de arquiteturas utópicas surgiam em projetos artísticos de coletivos como archigram, Haus-rucker-co. e ufO.estima-se que cerca de 2,5 mil pessoas fo-ram ao congresso, e que a maioria passou pela instant city, para dormir ou participar de festas psicodélicas. apesar do sucesso, participantes recordam que as escassas ins-talações sanitárias promoveram certo caos e que, ao fim do encontro, centenas de me-tros de plástico usado foram doados, dei-xando ibiza repleta de restos coloridos de um material que ainda não era temido eco-logicamente nem banalizado como agora. entre as proposições artísticas que pon-

urbanismo

No momento em que a Europa é assombrada

por uma crise econômica e a Espanha

vê o acirramento de discursos separatistas,

a memória desse evento libertário é um alento

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tuaram o congresso do icsid estavam duas esculturas “moles”. a primeira era a vacuflex-3, de antoni muntadas e gonzalo mezza, feita com um largo conduíte industrial de plástico flexível, com mais de 150 metros de comprimento, para ser manipulado pelo público, no mar e na areia. além dessa, outra obra de grande im-pacto visual foi o inflável modular de Josep ponsatí, com cerca de 40 metros, que flutuava imponente sobre o mar ao ser ancorado no meio da baía. Houve ainda o jantar de inauguração do encon-tro, organizado por antoni miralda, uma cerimônia-happening, onde se serviu uma paella multicor aos presentes, que vestiam máscaras e indumentárias com as mesmas cores da comida.O icsid de ibiza foi uma experiência de socialização, trabalho coleti-vo e reflexão intelectual. para os organizadores, o encontro critica-va o puritanismo provinciano da ditadura e anunciava o começo de um novo ciclo da cultura. embora seu legado material não vá além de documentos e registros, o icsid evissa semeou relações. mais de 40 anos depois, vemos que diversas ideias contidas ali se mantive-ram na pauta contemporânea: sustentabilidade, participação, soli-dariedade, novas relações entre indústria e sociedade, a utopia da natureza livre e a arte como experiência educativa libertadora. no momento em que a europa é assombrada por uma crise eco-nômica sem perspectivas de acabar, e a espanha vê, nesse con-texto, o acirramento de discursos separatistas, a memória desse evento libertário é um alento. ela nos recorda que o “fim das utopias” é em si um delírio utópico, pois, enquanto houver vida humana, haverá sonho e perspectivas de transformações sociais, estéticas e éticas, ainda que pareçam longínquas.

Fotos: xavier miserachs/cortesia macba. arquivo raimon torres/cortesia macba. arquivo america sanchez/cortesia macba

aC i m a , VaC u f l e x- 3 , d e a n to n i m u n ta da s

e g o n z a lo m e z z a ; n o a lto, i n f l á V e l d e

J o s e p p o n s at í ; à e s q u e r da , p ú b l i C o

o b s e r Va o e d i f í C i o m o l e d e i n sta n t C i t y

100

I m ag e m d e n e n h u m a e s c u r I d ã o n o s fa r á e s q u e c e r , f I l m e d e h u s e y n k a r a b e y

Fotos: divulgação

Artes visuAis

Berço de um novo mundoJuLiAnA monACHesi

Abordagem Mediterrânea defende a tolerância entre as culturas do Ocidente e do OrienteFamoso pelo vídeo Temporary Shelter Center (2007) – em que uma fila de pessoas aguarda im-perturbável na escada de acesso ao avião ausente –, o artista albanês Adrian Paci nunca tinha expos-to no Brasil. Estreou em grande estilo na mostra Abordagem Mediterrânea, que esteve em cartaz até o fim de janeiro no Sesc-Pinheiros, em São Paulo. Na videoinstalação Last Gestures (2009), quatro projeções mostram os momentos que an-tecedem um casamento, quando, por tradição, a noiva se despede de cada membro de sua família, já que está prestes a abandoná-la para ingressar em uma nova. Para o público pouco habituado aos simbolismos islâmicos, as cenas da noiva pa-ramentada sendo beijada e olhada por diferentes homens mais parece uma metáfora da ambigui-dade ocidental em relação ao amor monogâmico. Esse contraste cultural pauta toda a exposição, dedicada – nas palavras da curadora Adelina von Fürstenberg – a apresentar a realidade da região por meio da arte. O Mediterrâneo não é apenas o ponto em que três continentes – África, Ásia e Europa – se encon-tram, é um sistema geopolítico complexo, berço de civilizações e palco de travessias entre Ociden-te e Oriente por parte de imigrantes clandestinos em busca de alternativas civilizatórias. “Desde os conflitos da Primavera Árabe até a crise econômica na Grécia, a atenção sobre a região nunca foi tão grande e queremos alimentar a discussão sobre es-sas problemáticas por meio das artes visuais. Estas obras se afirmam no sentido da garantia de direitos fundamentais e da liberdade de expressão.”, defen-

de a curadora e presidente da fundação ART for the World, responsável pelo projeto.O audiovisual comparece na maioria das obras dos 14 artistas incluídos em Abordagem Mediterrânea – entre eles, Ghada Amer, Ziad Antar, Gal Weins-tein e Peter Wüthrich, para citar os mais conheci-dos – e indubitavelmente fala mais alto. O cineasta turco Huseyn Karabey apresenta o curta Nenhuma Escuridão nos Fará Esquecer, sobre o funeral do jornalista turco-armênio Hrant Dink, assassinado em Istambul em 2007 por um ultranacionalista de apenas 17 anos. No filme em preto e branco, o fu-neral é recriado em animação e o áudio em off é o emocionante discurso da viúva para as cerca de 200 pessoas que marcharam em protesto pacífico pelas ruas de Istambul, verdadeiro manifesto de amor e tolerância.

Abordagem Mediterrâ-nea, curadoria de Ade-lina von Fürstenberg, até 13/1, Sesc Pinheiros, Rua Paes Leme, 195, São Paulo - SP

reviews

101reviews

c e n a d o n ovo v I d e o c l I p e d e dav I d b o w I e , a s s I n a d o p e lo v I d e oa r t I sta to n y o u r s l e r

músiCA

PArA semPre BowieninA gAzire

Aos 66 anos, David Bowie reaparece com single sobre Berlim, cidade que se revela uma espécie de paraíso perdido do eterno camaleão do rockEnvelhecer com dignidade. Não estamos falando de qualquer rock star que depois dos 60 anos ainda quer mostrar vitalidade e jovialidade, devires in-dissociáveis do rock- n’-roll. É com a nostalgia dig-na de quem fez história no mundo da música que David Bowie, ao lançar seu primeiro single em dez anos, enaltece o seu passado com uma das baladas que de partida já se encontra no rol das melhores músicas que nos chegam em 2013. Intitulada Whe-re Are We Now? (Onde Estamos Agora?), a canção de cerca de 4 minutos e 30 segundos, é uma ode a Berlim, cidade onde o artista realizou, na década de 1970, três álbuns que estão entre os melhores de todos os tempos: Low, Heroes e Lodger. Não por coincidência, Bowie convoca o produtor Tony Visconti, seu parceiro de longa data, com quem já trabalhou em mais de 13 discos (inclusi-ve os da famosa trilogia de Berlim) para produzir o hit Where Are We Now?, mas também o álbum The Next Day, do qual a canção faz parte, a ser lança-do em março pela Columbia. Berlim é uma espécie de paraíso perdido de Bowie. O lugar para onde o cantor britânico se mudou após se cansar das gui-tarras melódicas já pedantes que exauriram o rock até 1977, ano em que os sintetizadores eletrônicos e o punk mudaram o cenário musical para sempre. Mas no que Berlim se transformou hoje? A resposta vem entoada pelo tom melancólico da voz de Bo-wie, que ao escrever a canção realiza uma espécie de deriva mental pelos pontos mais importantes da cidade hoje sem muros. Exemplo é o trecho em que se refere à Potsdamer Platz, local próximo ao estúdio Hansa, onde o artista produziu sua famosa trilogia. Na década de 1920, a praça era ponto de

encontro da juventude progressista alemã e hoje é ocupada por um shopping center e edifícios com projetos arquitetônicos de gosto duvidoso. Outro ponto alto é o clipe que acompanha o single, pro-duzido pelo videoartista americano Tony Oursler. No vídeo, Bowie tem a face projetada sobre o rosto de um boneco sentado em um banco, à maneira dos trabalhos de Oursler. Apesar de toda nostalgia, Bowie nos aponta para o futuro. Aos 66 anos, vai ser headline de um dos maiores festivais de música, o Coachella, e, segun-do Visconti, ao contrário da entonação melancóli-ca do single, o álbum a ser lançado é basicamente rock-n’-roll, do jeito que só o camaleão sabe fazer. Que venha março e mais 100 anos de David Bowie.

Where Are We Now? David Bowie, US$ 1,29,

Itunes Store

Livros

Livro de CABeCeirALacunas críticas em relação à obra de Nelson Leirner inspiram os textos do novo livro sobre seu trabalho recenteEm entrevista concedida em 2012 para a revista IstoÉ, Nelson Leirner passou à repórter a lista dos seus cinco livros de cabeceira, relativos aos grandes temas que têm ocupado sua cabeça durante suas noites e dias. Nenhum deles se referia ao tempo. Mas o texto que a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz escreve no recém-lançado Nelson Leirner – A Arte do Avesso surge como que para sanar essa lacuna da mesa de cabeceira do artista. Com imagens da grande panorâmica

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Fotos: divulgação

reviews

Artes visuAis

soB o Peso do inerteneLson BrissAC

Instalação de Doris Salcedo na Estação Pi-nacoteca é um paradoxal encontro entre a vida e a morteA instalação de Doris Salcedo causa, a quem chega à Estação Pinacoteca, um impacto. O cheiro de terra, a estranheza daquelas mesas suspensas com as per-nas para cima, ocupando sala após sala. O silêncio, tudo parece inerte, morto. Como um salão após o baile, como um velório, uma sucessão de túmulos.Em Plegaria Muda (Prece Muda), a artista colom-biana evoca as vítimas dos massacres na guerra civil em seu país, mas também as mortes violentas e gra-tuítas em todos os cantos do planeta. É um tributo àquelas vidas profanadas e um ritual que celebra a ressurreição. Doris Salcedo é responsável por algu-mas das últimas mais importantes obras e interven-ções arquitetônicas, como a grande fenda feita no chão da entrada da Tate Modern, em Londres, e o tensionamento das paredes de uma galeria no Insti-tuto Inhotim, em Brumadinho (MG), cobertas por telas de metal e gesso.As mesas são empilhadas aos pares, invertidas, for-mando 120 conjuntos. Entre elas há um bloco de

na Galeria do Sesi, em 2011, o livro tem também textos de Agnaldo Farias e Piero Leirner. O texto de Lilia Moritz Schwarcz evoca o tempo descrito por Italo Calvino, por Thomas Mann e pelo antropólogo Pritchard Evans para discorrer sobre como o tempo se comporta na obra do ar-tista. Descobre-se, então, uma obra regida por um tempo não controlado, não civilizado, portanto, irracional, que funciona contra o relógio do mo-delo ocidental de civilização. “A própria arte de Nelson Leirner parece se apoiar num tempo sem tempo, num tempo da paródia, da burla e do hu-mor, que brinca com nossa temporalidade, com nossa história: essa ideologia que nos constrói e nos dá sentido”, escreve Schwarcz. Agnaldo Farias, que vem sendo o grande interlocu-tor de Nelson Leirner nos últimos anos (foi o cura-dor da panorâmica Nelson Leirner 2011 – 1961 = 50 anos, e um ano antes da Ocupação Nelson Leirner no Itaú Cultural) é o autor do texto Abrindo o Jogo, que justamente abre o livro. É surpreendente que, após tantas incursões ao corpo da obra de Leirner, Farias ainda encontre um ponto de vista inédito so-bre esse trabalho que, afinal, acaba por se mostrar caleidoscópico. Farias também encontrou lacunas a preencher. O autor localiza duas obras recentes “do mais alto ní-vel” que nunca ganharam atenção crítica à altura “de sua sofisticação”, mas que tiveram, segundo ele, reação vaga por parte da mídia ou, no máximo, um “julgamento descuidado”. São elas a sala espe-cial da Bienal de São Paulo de 2002 e a instalação

Hobby (2011). Assim, em um texto crítico lúcido, de um detalhismo amoroso, Farias passa em revista essa extensa produção – da Rex Gallery, dos outdo-ors confiscados, do amor aos objetos, das excursões ao Saara, às estratégias do jogador. Para, enfim, che-gar ao Hobby, considerado por ele “a súmula de sua obra” e “sua definição do que seja arte”.O fato é que Nelson Leirner merece essa interlo-cução e cada décimo de segundo de tempo que autores do calibre de Agnaldo Farias e Lilia Moritz Schwarcz dedicam à sua obra. PA

Nelson Leirner – A Arte do Avesso, Andrea Jakobs-

son Estúdio, 230 págs.,

R$ 95

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Doris Salcedo: Plegária Muda, até 3 de março, Estação Pinacoteca, Praça da Luz, 2, São Paulo - SP

f r ag m e n to d e p l e g á r I a m u da

( 2 0 1 2 ) , I n sta l a ç ã o d e d o r I s s a lc e d o

terra. Como se cada peça recortasse uma camada geológica da paisagem, um estrato em que talvez se depositaram restos, sedimentos acumulados ao longo do tempo. Matéria comprimida, contida, cer-ceada. Estamos, aparentemente, sob o peso de tudo que é inerte, do que foi imobilizado, submetidos a uma inexorável gravidade.A impressão inicial é que contemplamos uma câ-mara mortuária. Mas logo se percebe que, por entre as frestas na madeira dos tampos das mesas, cres-cem pequenos tufos de ervas. É ali, naquela faixa estreita, onde as raízes não podem ser profundas, que o mato germina. Naquele espaço intermediá-rio, um intervalo, o entre. Pois é pelo meio que as coisas adquirem velocidade. O dispositivo, porém, torna-se paradoxal quando enquadrado nos procedimentos expositivos das grandes instituições por onde vem circulando. Nes-ses museus, a instalação tem de estar sempre pron-ta, imediatamente apresentada para diretores, pa-trocinadores e grande público. Não há tempo para que os elementos trabalhem, para que o material orgânico evolua. Então, em cada peça se instala um mecanismo de irrigação e um botânico se encarrega de plantar mudas de mato nos orifícios das mesas e acompanhar o seu crescimento. Tudo é rigorosamente controlado, de modo que a qualquer momento se tenha a obra acabada. Logo uma instalação que enfatiza a capacidade da matéria de romper os limites da contenção, desestratificar, encontrar uma linha de fuga. Que revela a força da vida que renasce por entre as vigas que a aprisionam e asfixiam. A obra de arte não consistiria justamente numa aposta nessa potência imanente da matéria?

Livro

o futuro é o nosso PresentegiseLLe BeigueLmAn

Artigos de Ronaldo Lemos reunidos em li-vro discutem as possibilidades em aberto da cultura contemporâneaRonaldo Lemos reuniu em um livro (Futuros Pos-síveis: Mídia, Cultura, Sociedade, Direitos) diver-sos artigos publicados em jornais, revistas, sites e alguns inéditos. O resultado é uma oportunidade rara de contemplar um radar em ação, pontuando tendências e chamando atenção para as possibili-dades em aberto na cultura contemporânea. Esse é o aspecto mais interessante e importante do li-vro, pois falar de tendências no mundo fluido da digitalidade é sempre um risco. Algumas hipóte-ses se concretizam, outras caducam juntamente com os dispositivos na dinâmica da obsolescência programada e da nossa demanda pela melhora dos equipamentos. Por isso, não procure nessa obra um manual de futurologia. Busque um ativador de olhares e ideias sobre temas em que se deve pres-tar atenção e refletir.Quem já viu Ronaldo palestrando ou dando aula sabe que uma de suas qualidades maiores é o di-datismo não piegas. Ele parte do pressuposto de que seus ouvintes são interlocutores. Preza a inte-ligência alheia e conduz a conversa de forma clara e sem redundâncias, chamando ao debate. A mes-ma postura se repete nos seus textos. Isso não é suposta vocação para a docência. É generosidade intelectual e capacidade de agenciamento.A diversidade dos artigos não esconde algumas ideias que se revelam como preocupações centrais do autor – seja como professor, advogado, colu-nista ou crítico musical. São elas as novas relações centro-periferia, ou melhor, da periferia com a nova periferia e do centro com o novo centro, e as emergentes tensões na esfera pública. Diretor do Creative Commons no Brasil, Ronaldo é também

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Livro

rituAL interiorJuAn esteves

Fotógrafo mineiro traduz em imagens sua experiência na Beltane, festa pagã no inte-rior dos EUAWelcome Home, livro do fotógrafo mineiro Gui Mohallem é uma obra essencialmente autoral, de-licada e intimista em sua concepção. Uma viagem interior do fotógrafo, embasada em uma palheta exclusiva para representar suas vivências e anseios durante três edições anuais da Beltane, uma espé-cie de comemoração pagã de origem celta, que em maio de 2012 congregou 700 pessoas, notadamente de orientação homossexual, em um retiro no Ten-nessee, interior dos Estados Unidos.Em harmoniosa cadência, a grande maioria das

imagens ocupa menos de 50% do espaço da página, e elas estão opostas em relação à orientação verti-cal do livro, alertando, de imediato, a posição do fo-tógrafo perante a sociedade e a intimidade que ele tem na liturgia do ritual ali comemorado – inclusive com seus personagens, alguns cujo relacionamento nos parece mais do que próximo. Esse statement de imediato não é panfletário ou sectário, e apenas baliza o leitor para um conteú-do que deve ser observado com muita atenção, pois agregado a ele está também todo um processo de grande complexidade técnica que faz com que a fi-nalização do trabalho adquira tonalidades extrema-mente autorais, cuja excelência ratifica plenamente todo seu esforço conceitual.A viabilização da publicação também traz contornos peculiares, com o autor vendendo previamente 300 cópias de uma das imagens, o que garantiu a bela impressão de apenas mil volumes, feita em uma gráfica da China, com o delicado papel tipo Yulong, de cor amarelada, com capa de tecido. Em resumo, uma publicação muito bem cuidada do início ao fim.Assim como Mohallem participa do ritual, ele pro-move um próprio, na finalização de suas imagens, as quais começam em negativos superexpostos que apresentam uma densidade acima do normal. Esses, por sua vez, produzem cópias, alterando as cores reais para aquelas desejadas pelo autor, re-sultando em matizes aparentemente irreais, que

Ronaldo Lemos Futuros

Possíveis: Mídia, Cultura,

Sociedade, Direitos.

Editora Sulina, 318 págs.,

R$ 32

Fotos: divulgação, juan esteves. na página ao lado: tadeu jungle

o t e n n e s s e e r e t r ata d o p o r g u I m o h a l l e m e m w e lc o m e h o m e ( 2 0 1 1 )

militante engajado no debate sobre a legislação nacional e internacional relacionada ao uso da in-ternet. Cobre com igual rigor Tecnobrega, o papel das lan houses no Brasil, a campanha de Obama, moedas virtuais, direitos autorais e a discussão do Marco Civil da internet brasileira.Comportamento jovem é outro tópico que tem cada vez mais ocupado o autor em seu raio diver-sificado de interesses. A explosão da Geração Eu, memes e YouTube são assuntos sempre tratados. Apesar do fôlego mais curto, pela aderência ao momento em que foram escritos, não são menos importantes que os dedicados às temáticas mais estruturais (como políticas públicas e formatos emergentes de produção e consumo cultural). Afinal, o livro discute possibilidades de futuro e o futuro que importa é o que fala do nosso presente.

105reviews

Arte e teCnoLogiA

oLHo suBJetivoJoão PAuLo QuinteLLA

Exposição coloca em xeque propriedades do vídeo, como a visualidade, e questiona sua fruição estéticaA relação direta entre imagem e existência é a sín-tese da exposição Videoarte 2013, com curadoria de Alberto Saraiva, que inaugura nova galeria no Oi Futuro Ipanema. Entre as obras de 13 artistas ex-postas, Jozias Benedicto chama a atenção para sua experiência literária intitulada Minha Vida de Meni-na. Neste trabalho, o artista narra um texto produzi-do por ele próprio, assumindo sem medo a posição de um contador de histórias diante da câmera. Por sua mínima utilização dos recursos próprios do su-porte vídeo (plano fixo e único, fotografia simples e cortes escassos), à primeira vista, sua presença parece estranha em uma exposição cuja intenção é apresentar um panorama da produção recente no País. Alguns minutos mais e fica claro que o con-ceito por trás da curadoria vai além do virtuosismo visual que se pode esperar de um meio tão cheio de efeitos, mas nem tão especiais. O trabalho está para além do que se vê, parafraseando Marcelo Camelo, e recusa sua propriedade mais óbvia, a visualidade.

Welcome Home, 170

págs., R$ 60

Em outros dois trabalhos, Olho, de Cid Campos, e Povo na Praia, de Tadeu Jungle, existem pistas de que essa mecânica do olhar, da fruição estética, é que está em xeque nessa coletânea. A exposição aponta não para a evolução de um meio mas para sua apropriação por diferentes poéticas. Relicário, vídeo de Alessandro Sartore, é outro a apontar para fora das experimentações de linguagem do próprio suporte. Aqui vemos uma simples caixa de sapato aberta e brilhante e ouvimos uma música que reme-te ao universo infantil. A carga imaginativa dialoga com o texto de Jozias Benedicto, formando uma es-pécie de palíndromo sobre a questão da construção de subjetividade. O questionamento do sujeito e do espectador (des)aparece ao longo da visitação. A exposição não foge das respostas e, para concebê-las, ninguém melhor que o próprio Nietzsche. As palavras do filósofo alemão foram digitalizadas e programadas para res-ponder a qualquer questão do visitante no trabalho Diálogos, de Ricardo Barreto e Maria Hsu. Nietzs-che encarna um rosto feminino em sua versão ava-tar, talvez para trazer à tona um pouco da ilusão que a linguagem imagética digital disseminou no mundo contemporâneo. Um segundo módulo da exposição acontece na fa-chada do prédio, repercutindo no espaço físico o mesmo movimento que as obras produzem: para fora do suporte. Esse deslocamento redimensiona a relação entre a arte e a instituição com o espaço urbano. As projeções tomam conta da arquitetura, deixando evidente o foco na mais recente caracte-rística incorporada pelo vídeo, a mobilidade.

compõem sua palheta mais ampla, pertinentes ao conteúdo metafísico, resultado dos humores e das inquietações do artista.Com uma retórica excepcional, o livro traz imagens de isolamento explícito, distantes de qualquer cli-chê do gênero, um trabalho que está muito mais para o lado intuitivo e distante da racionalização que o processo todo aparentemente apresenta. O conjunto das imagens nos leva ao autor diretamen-te, e a percepção de que nelas há uma explosão cria-tiva que caminha juntamente com seus humores, inquietações e, principalmente, seus desafios.

Videoarte 2013, até 31

de março, Oi Futuro Ipa-

nema, Rua Visconde de

Pirajá ,54, Rio de Janeiro

c e n a d o v í d e o p ovo n a p r a I a , d e

ta d e u J u n g l e

106

Foto: cortesia do artista

vernissage

Desenhos sem fronteira

S u r fac e ( S u p e r f i c i e , 2 0 0 9 ) , f o r m ato i n Sta l at i vo d o p r o c e S S o 1 3

vernissage

Desenhos sem fronteira eliminando os limites entre o desenho, a fotografia e a instalação, o artista pernanbucano Kilian Glasner busca a cada trabalho uma maneira nova de ver o mundo

F e r n a n da Lo p e s

108 A exposição CâmerA obsCurA, que KiliAn GlAsner inAuGurA em mArço nA GAleriA lAurA mArsiAj, no rio de jAneiro, é quAse um resumo no espAço dA rotinA de vidA e de trAbAlho desse ArtistA reCifenCe du-rAnte o Ano de 2012. reunindo CerCA de dez trAbAlhos, A primeirA individuAl de GlAsner nA CidAde divide-se entre os dois espAços expositivos dA GAleriA. na sala prin-cipal estarão os desenhos de grandes formatos, que chegam a medir 1,50 x 2,60 metros. já no espaço co-nhecido como Anexo, de dimensões menores, estarão os desenhos em pequenos formatos. “há um ano me divido entre berlim e a ilha de itamaracá (pernambu-co). berlim é a cidade onde descubro novos materiais, visito grandes exposições, conheço novos artistas. é uma cidade muito rica culturalmente. já em itamara-cá tenho a oportunidade de estar mais isolado, con-centrado, em contato com a natureza, sem interferên-cia do mundo. é uma dinâmica que estimula minha produção. pretendo ficar mais alguns anos entre os dois países”, explica Kilian Glasner. “entre” parece ser o termo-chave para falar da obra do artista. em Câmera obscura, ele reúne uma série de imagens que remetem à sua condição de estar em constante deslocamento. nessa exposição são explo-

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Fotos: cortesia do artista

radas apenas paisagens noturnas e assim Glasner faz conviver imagens aparentemente tão distantes quan-to cabanas à beira da praia e vistas aéreas de grandes metrópoles, revelando através de pequenos pontos de luz sinais de ocupação. “entre” também parece ser o lugar onde habita sua ideia do que possa ser um dese-nho. quando começou a trabalhar como artista, há 15 anos, ele desenhava. naquele momento, tudo o que dizia respeito à ideia clássica de desenho lhe interes-sava. Com o tempo, começou a perceber que seu dese-nho não precisava ser só bidimensional nem estar con-finado à moldura, preso à parede. Começou a pensar o desenho usando fotografia, instalação e vídeo.na série infinito (2011-2012), por exemplo, os desenhos em preto e branco criam novas perspectivas fotográfi-cas, por vezes realistas, por vezes fantásticas, a partir da sobreposição de elementos retirados de diferentes fotografias. já em rua do futuro (2008) – contemplado pelo programa rumos Artes visuais do instituto itaú Cultural em 2009 –, o artista desenhou sobre as pa-redes de uma casa abandonada e em seguida demoliu parcialmente o imóvel, mesclando o desenho, a arqui-tetura e o que restou da casa.na serie de trabalhos que Kilian Glasner apresenta ago-ra na Galeria laura marsiaj, o ponto de luz, branco, é o elemento estrutural das criações. As composições são

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a exposição câmera obscura reúne uma série De imaGens

e paisaGens noturnas que remetem à conDição

Do artista De estar em constante Deslocamento

n a p á g i n a a n t e r i o r , d e r H i m m e l ü b e r b e r l i n ( 2 0 1 2 , d e S e n H o e m n a n q u i m e m g r a n d e d i m e n S ã o ; à e S q u e r da , S e m S i n a l ( 2 0 1 2 ) , n a n q u i m S o b r e pa p e l ; ac i m a , m u d o ( 2 0 1 2 ) , pa St e l S o b r e pa p e l

110 desenhadas por aglomeração de pontos que se deslo-cam como se fossem organismos vivos para representar paisagens noturnas, sejam luzes da cidade, estrelas etc. Ao mesmo tempo sombrios e misteriosos, os desenhos contêm uma luz intensa, graças ao forte contraste do branco do papel com o preto do nanquim. A nova téc-nica usada nesses trabalhos traz de volta à tona o flerte entre desenho e fotografia. o artista aqui deixa de lado o pastel e o carvão sobre o papel para dar lugar ao nan-quim e a materiais menos convencionais durante a cons-trução dos desenhos, que lembram muito o processo de

vernissage

“para mim, não existem

fronteiras entre a fotoGrafia,

a instalação e o Desenho”

b r a n c o - c e l e St e ( 2 0 1 1 ) , da S é r i e i n f i n i to,

pa St e l S o b r e pa p e l

111captura da imagem por técnicas como a câmera obscura e revelação de uma fotografia analógica. o flerte entre meios vai além em desenhos como sem sinal (2012), em que a relação entre positivo e negativo é levada ao extre-mo. “para mim, não existem fronteiras entre a fotografia, a instalação e o desenho”, revela Glasner.é como se seus desenhos fossem “desenhos inconfor-mados”, como definiu a crítica de arte thais rivitti: “se, por um lado, estamos diante de trabalhos realizados em meios tão diversos como a fotografia, o desenho, o ví-deo e a intervenção direta no espaço, ouso dizer que

estamos sempre diante de desenhos. poderíamos pen-sar que, afinal, a grande ambição desses trabalhos é a de deixar de ser desenho. mas não. esse solo comum é sua essência, a parte vital dessa produção. é como o artista enxerga o mundo, como se relaciona com ele, foco de onde emana a potência de seu trabalho”.“penso na minha obra como uma expressão visual e não verbal. busco uma imagem que fale por si só, deixando espaço para que o espectador tenha suas próprias inter-pretações. meu trabalho vive e sobrevive dessa experi-ência. A arte está nesse mistério”, explica Glasner.

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foto: tv globo/rafael frança

delete

A novA roupA invisível dA GlobelezACom maquiagem “inspirada em Escher”, abrem-se as alas de mais um show de mau gosto

Não é pelo calendário que os telespectadores sabem da proximi-dade do carnaval, mas pelo nosso maior canal de televisão, que faz questão de esfregar o fato na cara do telespectador, todo começo de ano, transformando a nudez na coisa mais cafona possível. A tortura se repete desde 1991, quando a carioca da gema Valéria Valenssa tornou-se a primeira Mulata Globeleza. Incorreções po-líticas à parte, o termo é herdeiro de nossa história escravocrata. O problema não é a beleza ou a nudez da passista, mas a estética de Hans Donner, seu marido e pai da tradição “telecarnavalís-tica”. E dá-lhe purpurina e maquiagem corporal “minimalista”, feita de adesivos e tapa-sexos brilhantes, muitas vezes concebidos pelo próprio Donner. Para 2013, a alegria foliã travestida de mau gosto se repete. Aline Prado, que substituiu Valenssa em 2006, samba na tela da tele-visão com um corte de cabelo à Cleópatra, mas as mudanças da “vestimenta” em relação aos últimos 22 anos de carnaval Globe-leza são mínimas. Não que seja imprescindível fazer criações inéditas e variadas, quando o que se quer é cobrir minimamente a genitália e os ma-milos, tapeando a carne feminina à mostra no açougue do carna-val. Mas, convenhamos, já deu! Este ano, o figurino e o conceito artístico da campanha ficaram a cargo do artista Cesar Rocha e do diretor Alexandre Pit Ribeiro.

Eles, definitivamente, fizeram a escola de Donner e superaram o mestre. Rocha afirma que a pintura “foi inspirada em M. C. Escher” e que a “purpurina do ano passado foi substituída por brocal”. Oi? Contenção de gastos ou um grande artista que consegue fazer “muito” com pouco? Genial, não? E para fina-lizar: 22 horas seguidas de maquiagem e colagem de adesivos no corpo da beldade! É realmente muito difícil vestir a rainha da bateria com a roupa mágica invisível. Tá na hora de deletar.

O f i g u r i n O da g lO b e l e z a 2 0 1 3 é a s s i n a d O p O r C e s a r r O C h a , m a s p e r m a n e C e f i e l à e st é t i C a d e h a n s d O n n e r

NiNa Gazire

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obituário

FOTO: ANDRE VELOSO/DIVULGAÇãO

Nascido em abril de 1973, depois de uma longa gestação iniciada em 1947, pesando 1 quilo e medindo 30 centímetros, o telefone celular mudou a história da comunicação humana. Filho da ma-mãe Motorola, o primogênito chamava-se DynaTAC. Foi às ruas somente em 1983 e, daí em diante, passou a crescer em número

das co i sas qu e b ra das (2 0 1 2 ) , d e lucas ba m b oz z i

de fãs e funções. Demorou a aprender a se comunicar por escrito, mas com 10 anos soltou o verbo em SMSes e nunca mais parou. Com cerca de 20 anos sofreu uma mutação e ficou a cara de uma tia finlandesa, a Dona Nokia, com quem sua história se confundiu por vários anos. Mas, como diz o ditado popular, a vida do homem começa mesmo aos 40. Nem que isso implique algumas reformas básicas na funilaria. E o bisturi de Mr. Jobs fez o milagre. Retirou o teclado, que vinha amarelando seu sorriso, e trocou por uma bela fachada de toque. Todo mundo queria pôr a mão... Virou mania. Dizem que vai enterrar sua avó, modelo de seu comportamento por tantos anos, a internet de desktop, ainda neste ano de 2013. Inevitável. Devagar com o andor. Quem com ferro fere, com fer-ro poderá ser ferido. Na busca por mais mobilidade, os chineses já estão produzindo computadores vestíveis, os óculos de Rea-lidade Aumentada do Google vão entrar no mercado em pouco tempo e a empresa de óculos Oakley detém cerca de 600 paten-tes para produção de equipamentos semelhantes aos planejados para o Google. Descanse em paz, telefone celular, o futuro é bem mais móvel que você.

Telefone celular(1973-2013)

O celular vai morrer de morte matada do que lhe deu vida: a mobilidade

Giselle BeiGuelman

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C u lt u re 3 6 0

h tt p : / /sg . sg /a Y 8 LU S

P l a t a fo r m a p e n s a d a p a ra u n i r a Á s i a

e a E u ro p a n o se t o r c u l t u ra l , co m

n o t í c i a s , e n t rev i s t a s e o p o r t u n i d a d es

d e res i d ê n c i a s .

Malu Andrade Paraísos online

A c u lt u ra , o u o a ces so à c u lt u ra , é o

m e l h o r d a i n te r n et . C o m pa r t i l h a m e n to,

c u lt u ra l i v re, gest ã o c u lt u ra l , a r te

d i g i t a l , a u d i ov i s u a l , m ú s i ca . . .

Yea r of t h e G l i tc h

h tt p : / / b i t . ly/rx Wx n B

C u lt u ra l G o og le I n st i t u te

h tt p : / / b i t . ly/ VS a f C u

A b a rc a d es d e o G o o g l e A r t P ro j e c t

a t é a d i g i t a l i z a ç ã o d os p e rga m i n h os

d o M a r M o r t o, p a s s a n d o p o r u m t o u r

e m 3 D p e l o Pa l á c i o d e Ve rs a l h es .

selects / cultura na rede

P ro j e t o d o a r t i s t a d i g i t a l P h i l l i p

S t e a r n s co m p os t s d i á r i os so b re g l i t c h

a r t ( a r t e d o r u í d o) fe i t a co m d i v e rs a s

m í d i a s : v í d e o, fo t o g ra f i a e á u d i o.

Pe q u e n os C l á s s i cos Pe rd i d os

h tt p : / / b i t . ly/f N I TC H

Pa ra q u e m gos t a d e m ú s i c a b o a ,

p a s s a n d o p o r t o d a s a s v e r t e n t es

q u e o j o r n a l i s t a m u s i c a l F á b i o

B r i d ge se i n t e res s a .

St rea m i n g M u se u m

h tt p : / / b i t . ly/ 2 ra F U C

M u se u c u j a s ex p os i ç õ es s ã o

co m p a r t i l h a d a s p e l o m u n d o v i a

s t re a m i n g . A s p l a t a fo r m a s p a ra

v i s u a l i z a ç ã o v ã o d o ce l u l a r a

l o c a i s p ú b l i cos .

Produção Cultural no Brasil

h tt p : / / b i t . ly/9 u e R k D

P l a t a fo r m a m u l t i m í d i a co m e - b o o k

g r á t i s e ce m e n t rev i s t a s co m

p ro f i s s i o n a i s d a c u l t u ra fa l a n d o

so b re s u a s ex p e r i ê n c i a s e o r u m o d a

p ro d u ç ã o c u l t u ra l n o Pa í s .

B a i xa C u lt u ra

h tt p : / / b i t . ly/ 1 5 j q St

B l o g so b re c u l t u ra l i v re e d i t a d o p e l o

j o r n a l i s t a Le o n a rd o Fo l e tt o d es d e

2 0 0 8 . Tra z a r t i gos so b re c u l t u ra l i v re

e d i s p o n i b i l i z a exce l e n t e b i b l i o t e c a

e m m í d i a s .

Pro j eto R i zo m a

h tt p : / / b i t . ly/ Tc j c DV

P re t e n d e fa z e r u m m a p e a m e n t o e

u m a re d e q u e co n e c t e a r t i s t a s v i s u a i s ,

ga l e r i a s e i n s t i t u i ç õ es . O v i s i t a n t e

p o d e fa z e r a s u a p r ó p r i a c u ra d o r i a

d o co n t e ú d o.

F i l m es B ra s i le i ros C o m p letos

h tt p : / / b i t . ly/ N dWJ 8 w

A p ro d u ç ã o b ra s i l e i ra e m f i c ç ã o

e d o c u m e n t á r i os , l o n ga s e c u r t a s -

m e t ra ge n s . Tra b a l h o d e ga r i m p o

e m q u e o a u t o r d a p á g i n a

d i s p o n i b i l i z o u f i l m es i n t e i ros

se m fa z e r o u p l o a d d e n e n h u m .

Yourworldoftext

h tt p : / / b i t . ly/ 3 o R 3 M

Fa n t á st i co. O s v i s i t a n tes p o d e m

esc reve r n o s i te j u n tos , e m te m p o rea l ,

c r i a n d o tex tos a pa r t i r d o est í m u lo

q u e ca d a u m d e les d e i xa reg i st ra d o.

Foto: divulgação

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