selecoes os milagres do dr feuerstein

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Teoria da Modificabilidade cognitiva Estrutural, Aprendizagem Mediada, Programa de Enriquecimento Instrumental, Reuven Feuerstein

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Aos 16 ANOS, Alex* lu-tava para levar o gar-fo à boca. Seu Q I era muito baixo e seu vo-cabulário, rudimen-tar. Letras e números

nada significavam para ele. Os médicos diziam que dificil-

mente ele obteria alguma melhora significativa, pois tinha apenas me-tade do cérebro. O hemisfério es-querdo fora removido por cirurgia quando Alex tinha 8 anos, numa tentativa de suprimir aos poucos os remédios que ele tomava para con-trolar os ataques epiléticos.

Os especialistas do Reino Unido, terra natal de Alex, previram que ele jamais aprenderia a ler e escre-ver. Foi quando sua mãe ouviu falar do professor Reuven Feuerstein, psi-cólogo israelense que tinha feito mi-lagres com casos aparentemente perdidos. Alex passou dois anos com ele em Jerusalém.

Conheci Alex em 2000. Aos 19 anos, ele ostentava uma cabeleira loura oxigenada e me cumprimen-tou com um aperto de mão vigoroso.

Entreguei- lhe um recorte de re-vista.

— Importa-se de ler para mim? — perguntei.

- T u d o bem - ele colocou os ócu-los de leitura. - " A o vê-lo - come-çou —, Alex não impressiona como um garoto especial ou diferente. Ele tem um sinal de nascença na cabeça parecido com o de Gorbachev. . ." — Ele sorriu, reconhecendo-se. • Nome modificado para garantir a privacidade.

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E m Jerusalém, o menino com metade do cérebro tinha aprendido a ler. T a m b é m aprendera a escrever e a fazer as operações matemáticas básicas.

O TRABALHO pioneiro de Feuerstein com crianças carentes ou deficientes mentais ajudou milhares de meni nos e meninas, considerados irreme-diáveis, a ter uma vida plena, às ve-zes até normal.

E m uma sala de aula em Jerusa-lém, observei Alex e dois outros alu-nos adolescentes de Feuerstein traba-lhando com Orientação Espacial, um dos exercícios de "ginástica mental" criados pelo professor.

Diante deles, sobre a mesa, estava a figura de um quadrado. Olhando-se de frente, havia uma casa mais distante, uma árvore à direita, um canteiro de flores na frente e um banco à esquerda.

Ruthie Kaufman, uma das instru-toras de Feuerstein, pediu a Alex que transportasse mentalmente um menino para o meio do quadrado. O garoto imaginário estava olhando para a direita.

Problema — disse Ruthie. O que o menino vê em frente a ele?

— U m a árvore — Alex respondeu logo, certo.

E m seguida, os garotos se reve-zaram na formulação dos proble-mas, que iam ficando cada vez mais difíceis.

— Se a árvore está à esquerda do menino, para que lado ele está vira-do? — um deles perguntou.

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Está virado para a casa — res-pondeu Alex, errado (o menina es-taria de frente para as flores).

Por que você errou? — indagou Ruthie.

Eu não pensei - disse ele. - Não estava concentrado.

C o m o outros exercícios do P r . Feuerstein, a Orientação Espacial ajuda os estudantes a adquirir técni i.is básicas de raciocínio, conforme Ruthie m e contou depois. Com isso, cTles ap rendem sobre pontos de vista e a adotar estratégias para resolver problemas. Pensar antes de falar era uma deias. Conferir o trabalho era outra.

REUVEN FEUERSTEIN e r a

filho de um rabino da cidade romena de Bo-toani. Quando o me-nino tinha 8 anos, um

cocheiro analfabeto pediu-lhe que o ensinasse a ler a Torá , o livro sagra-do dos judeus. E m troca, prometeu-lhe seu relógio de bolso.

"E le aprendeu a ler, mas eu não ganhei o relógio", ri Feuerstein, hoje com 80 anos. " É a história da minha vida." Feuerstein sempre fez questão de não cobrar de seus pacientes e o seu Centro Internacional de Desen-volvimento do Potencial de Apren-dizagem ( I C E L P ) , em Jerusalém,

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T r n d l ç i L o d e f a m í l i a - O filho de Feuerstein, Rafi, que vai assumir a diretoria do instituto de seu pai, a juda Yonatan Davis, portador de deficiência provocada por uma doença cerebral aos 11 anos.

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sobrevive em grande parte de doa-ções voluntárias.

Quando a 2- Guerra Mundial co-meçou, Feuerstein estava com 19 anos e estudava psicologia em Bucareste. Participou do movimen-to de resistência judeu, ajudando a enviar clandestinamente à Palestina crianças cujos pais t inham sido mandados pelos nazistas para cam-pos de concentração.

E m 1944, foi colo-cado num barco ru-mo a Tel-Aviv. Após a guerra, montou dois acampamentos para jovens trauma-tizados, sobreviven-tes do Holocausto, que não iam bem na escola. E m 1948, foi para a Suíça se recu-perar de uma tuber-culose. Lá, mais tar-de, estudou com Jean Piaget, considerado o pai da psicologia do desenvolvimento.

De volta a Israel, continuou a tra-balhar no "método Feuerstein" para ajudar jovens de baixo rendimento ou deficientes mentais. O método é composto de 14 conjuntos de exercí-cios que visam a melhorar a inteli-gência e a capacidade de aprendiza-do. Foi traduzido para 17 idiomas e atualmente está sendo ensinado em mais de 50 países.

O B S E R V E I DANIEL,* u m m e n i n o d e 11 anos de Nova Y o r k , analisando uma confusão de pontos numa folha 92

de papel à sua frente. Com o diag-nosticado de Q I baixo e incapaz de manter a atenção por muito tempo, Daniel usava o lápis para unir qua-tro dos pontos formando um qua-drado e três formando um triângu-lo. Absorto, passou ao problema seguinte.

A Organização de Pontos, em ge-ral o primeiro exercício no método

de Feuerstein, ajuda crianças com uma percepção rudimen-tar da realidade a <>r-denar o caos em suas mentes. Os exercícios tornam-se progressi-vamente mais difí-ceis. como descobri ao levar dez minutos para solucionar u m problema de nível in-termediário.

Feuerstein estava sentado ao lado de Daniel, encora-jando-o com um sincero " B r a v o ! " quando ele resolvia um problema.

Muitos educadores acham que as crianças deficientes devem receber apenas tarefas que não exijam mui to, geralmente manuais. Feuerstein acredita em desafiar seus alunos com problemas intelectuais comple-xos. Depois dos pontos vêm exercí-cios que afiam as habilidades analíti-cas e de organização, e promovem a capacidade de raciocínio abstrato.

" M e s m o danificado, o cérebro é capaz de se regenerar", disse-me ele. " O baixo nível de inteligência é um estado, não uma característica. Esta-

'O QI baixo não é uma característica; portanto, pode ser alterado.'

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Os milagres do Dr . Feuers te ln

J dos podem ser alterados. Quero aju-dar os deficientes a se modif icarem para ter uma vida plena."

ROBERTO* é um garoto bonito que recebeu um diagnóstico de autismo na Costa Rica, onde morava. T r a c y Ste-

vens, uma jovem instrutora do I C E L P , estava sentada com ele a uma mesa. Ela desenhou um quadrado.

Isto é um quadrado - disse-lhe, devagar. T e m quatro lados.

E m seguida, de-senhou outro qua-drado, maior , ao lado.

P s dois qua-drados são iguais?

perguntou. I<obrrtn olhava

J ) a r a o teto. T r a c y estendeu a mau c a çolocou sobre a d ele, pa 1 ma com palma.

Q u a l a dife-

pergunta. Se estivesse certa, ela o elogiava.

T r a c y desenhou um h e x á g o n o ^ perguntou:

- Quantos lados ele tem? Usando a ponta do lápis, Roberto

contou. - Seis — respondeu corretamente. E r a difícil acreditar que aquele

era o m e s m o g a r o t o dc meia hora antes. Usando quadrados e triângu los, T r a c y o apresentara à idéia de diferenças e semelhanças, e à noção de relações - uma ferramenta básica

FAÇA U M T E S T E DO DR. FEUERSTEUN

Relacione os números dos estênceis que formam o dese-nho na ordem correta. (Resposta no fim do artigo.)

nnan O •. FEUtRSTftlN, HWCRI, J I I D I A L Í M

resmungou

relida entre as nos-sas mãos?

A minha é menor Roberto.

Muito bem! — exclamou Tracy . Agora , qual a diferença entre os

quadrados? C o n f o r m e a aula progredia , o

olhar de Roberto deixava de vagar. Ele respondia com mais disposição e ii < rtava com mais freqüência. Se a resposta estivesse errada, ela sim-|ilt Mnente repetia ou reformulava a

que usamos para ordenar e c o m -preender o mundo à nossa volta.

ACOMPANHEI Feuerstein n u m a via-gem de carro de três horas até um \ibutz na região do Negev, para as-sistir ao casamento de dois de seus ex-alunos, ambos portadores de sín-drome de D o w n .

O noivo trabalhava na fazenda do kjbutz e escrevia poesia; a noiva era

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assistente num jardim-de-infância. Eles abraçaram Feuerstein com ób-vio prazer.

Sua experiência com crianças por-tadoras de síndrome de Down é ad-mirável. Feuerstein mostrou que elas são capazes a e se tornar auto-suficientes.

Tenho o orgulho de anunciar que me tomei avô. Meu neto tem síndrome de Down/

"Antes de ir para Israel, eu não conse-guia falar dos meus sentimentos", disse-me Peetjie Engels, holandesa de 23 anos que visitei em seu país. Portadora de síndrome de Do w n, na infância ela só conseguia emitir palavras des-conexas. Aos 9 anos, começou o treina-mento com o méto-do de Feuerstein.

" O trabalho com os pontos me ensi-nou a me concentrar e a lidar com problemas de forma sistemática", ex-plicou ela. Mais importante ainda, a judou a abrir sua mente para o mundo do pensamento abstrato. Co-mo usar tentativa e erro com o lápis era proibido, ela se via forçada a dese-nhar "linhas virtuais" entre os vários pontos na página, que, juntos, com-punham "formas mentais".

Peetjie em seguida descobriu que a maçã é semelhante à laranja na forma, mas diferente no gosto. Ago-ra ela via que alguns objetos podiam ser iguais, porém diferentes. Ela está

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estudando para ser assistente de jar-dim-de-infância e mora sozinha perto da casa dos pais.

Cada vez mais o método de Feuerstein encontra aplicações além do seu grupo-alvo originaL

Avi, soldado do exército israelense, sofreu uma extensa lesão cerebral de-

pois de ser ferido na cabeça por um ati-rador de elite há cerca de cinco anos. Quando foi manda-do para Rashmi Sharma, jovem psi-cólogo indiano do I C E L P , seu voca-bulário era mínimo.

"Recriamos sua habilidade de usar símbolos para que ele reaprendesse a ler", disse o Dr . Sharma. Avi agora lê e seu vocabulário aumentou bastante.

Impressionado com esta e outras histórias de sucesso, o governo de Is-rael assinou um contrato com o I C E L P para reabilitar os militares que sofrem lesões na cabeça.

Diversas empresas, tais como a_ Motorola, nos Estados Unidos, tam-bém experimentaram o método Feuerstein para melhorar o desem-penho de seus executivos.

U m a das maiores empresas israe-lenses, a Israel Aircraft Industries ( IAI) , recorreu a Feuerstein para aumentar a capacidade de aprendi-zado de seus funcionários. Depois

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Os milagres do Dr. Feuers te in

de 60 horas de tre inamento, os téc-nicos da I A I podiam diagnosticar e resolver prob lemas nas aeronaves c o m mais rapidez e precisão.

E m escolas de todo o m u n d o , o m é t o d o está a j u d a n d o alunos não deficientes. N o Brasil, por exemplo, o Estado da Bailia está introduzindo o curso de Fcuers -tein no curr ícu lo das escolas do en-sino médio. Ao ser conc luído , dentro de menos de três anos, o maior pro grama dessa natureza já lançado te-i.i sido ensinado a MIO mil alunos, ein SOO escolas.

O MÉTODO FEUERSTEIN a inda é visto com desconfiança cm alguns círculos acadêmicos. N o entanto, uma das maiores autoridades do m u n d o na área, Robert Sternberg, professor de psicologia e educação da Universida-de de Yale, comenta: "Feuerstein se-rá lembrado como uma das grandes figuras do século 20 no movimento a favor das habilidades humanas. Ele tem contribuído de maneira notável para a compreensão das habilidades e sua capacidade de modificação."

As 8h 15 de u m a m a n h ã de de-zembro , em 1988, Reuven Feuers -tein entrou em uma sala de aula da Universidade Bar - I l lan , próxima a

Te l -Aviv . " P o d e m m e dar os para-béns. T e n h o o orgulho de anunciar que acabei de m e tornar avô", disse aos alunos. " M e u neto tem síndrome de D o w n . "

H o j e , Feuers te in a f i r m a : " E u sempre disse aos pais q u e o nasci-mento de uma criança c o m síndro-

m c de D o w n era motivo de alegria, I I . I O (l( trisleza. Q u a n d o meu neto Tvlclianan nasceu, aconteceu comi-go. Muitas vezes eu havia me per-g u n t a d o qual seria m i n h a reação. Mas passei no teste. E lchanan é uma fonte de alegria para m i m . "

Observei o h o m e m que transfor-mara a vida de milhares de crianças se afastar no corredor. Levava pela m ã o um pequeno personagem - E l -chanan, ho je c o m 13 anos. Feuers -tein o ensinou quase desde o nasci-m e n t o ^ c ^ g a r o t o j e s t á ^ indo m u i t o bem numa escola c o m u m .

— Ele vai crescer, casar-se e ter um e m p r e g o n o r m a l , c o m o q u a l q u e r outra pessoa — disse o avô.

— Q u e tipo de e m p r e g o ? — per-guntei.

— O de professor, talvez.

R E S P O S T A :

1 , 5 , 7 , 8 , 4 , 6 . Obs.: Nem todos os oito estênceis precisam ser usados.

Tabuleta no lado de fora de um bar na Inglaterra: "Prove os delicio-sos cordeiros ingleses. É impossível que 500 mil raposas estejam erradas." —Mait on Sunday

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