segurança elétrica no limite
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Por Weruska Goeking
Segurança elétrica no limite
Problemas na instalação elétrica são a maior causa de incêndios não intencionais no Brasil.
Saiba por que isso ainda é uma realidade, o que mudou desde os primeiros grandes
desastres e entenda – com detalhes – o que aconteceu no maior incêndio da história do País
Memória da eletricidade 60 O Setor Elétrico / Agosto de 2010
Segurança elétrica no limite Quando pensamos nas atividades do Corpo
de Bombeiros a primeira imagem que nos vem à
cabeça é a de homens – conhecidos pela coragem
– combatendo grandes incêndios e salvando vidas.
Mas após a extinção das chamas e do socorro às
vítimas ficam as perguntas: Isso poderia ser evitado?
O que causou o fogo?
A resposta na maior parte dos casos é sim,
poderia ser evitado. Isso porque as principais causas,
além do incêndio criminoso, são brincadeiras
de criança, descuido na cozinha e ao fumar, e
problemas com a instalação elétrica. Este último
motivo foi o responsável pelos maiores incêndios
(em números de vítimas) já ocorridos no País, nos
edifícios Andraus e Joelma, em São Paulo (SP),
levando à morte de dezenas de pessoas.
Embora a maior parte dos incêndios dos últimos
anos não alcance tamanha gravidade, esse tipo de
acidente continua causando muitos danos físicos e
materiais, já que o número desse tipo de sinistro –
como é chamado por bombeiros e peritos – é alto.
Mais preocupante ainda é o fato de que instalações
e equipamentos elétricos são a segunda maior
causa de incêndios, somando 12,7% do total de
ocorrências nos últimos dez anos em São Paulo,
perdendo apenas para os incêndios intencionais
(criminosos), que correspondem a 56,1% do total.
De acordo com o Departamento de Operações
do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo,
foram 1.169 incêndios iniciados por fenômenos
termoelétricos (nomenclatura usadas por bombeiros
e peritos) em 2008. Dentre os principais problemas
em instalações elétricas que levaram à combustão
estão a ausência de infraestrutura de aterramento e,
em particular, do condutor de proteção (“fio terra”) e
sobrecargas nos circuitos elétricos.
Números compilados pela Associação Brasileira
de Conscientização para os Perigos da Eletricidade
(Abracopel), que tomam como base notícias
publicadas pela imprensa brasileira na internet,
indicam que o número de incêndios por problemas
elétricos tem aumentado a cada ano. Em 2007,
foram relatadas 182 ocorrências em todo o País,
enquanto em 2009 foram 261. Os dados mostram
que em dois anos houve um aumento de 43% no
número de casos divulgados pela imprensa.
Além dos prejuízos financeiros e humanos para
os indivíduos diretamente ligados ao acidente, toda
a população brasileira é atingida a cada incêndio,
independentemente da cidade ou Estado em que
ocorram, já que o tratamento das vítimas onera o
Sistema Único de Saúde (SUS). Para se ter ideia,
segundo o Ministério da Saúde, somente em 2009
foram gastos mais de R$ 18 milhões com internações
de 8.599 pessoas expostas à fumaça e às chamas.
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Memória da eletricidade 62 O Setor Elétrico / Agosto de 2010
Principais causas de incêndios por fenômenos termoelétricos em São Paulo
Principais problemas encontrados nas instalações elétricas
incêndios cousados por curto-circuito
Apesar de muitas pessoas ainda fi carem feridas
em incêndios, hoje esses acidentes geralmente não
alcançam as mesmas proporções de décadas atrás,
com o status de tragédia devido à quantidade
de mortes. Contudo, especialistas afi rmam que
a destruição cada vez menor ocasionada por
incêndios não é mérito somente da evolução
tecnológica e normativa das instalações elétricas.
Esse motivo, inclusive, teria menor infl uência em
relação aos estragos.
Pelo menos é isso que afi rma o pesquisador do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Douglas
Messina, que considera a maior conscientização
dos riscos de incêndio e, principalmente, a melhor
preparação dos bombeiros (tanto em treinamento
quanto em equipamentos disponíveis) como
fundamental para que esses acidentes não se
transformem em tragédias. “Com a evolução da
construção hoje, você pode escapar de um incêndio
muito mais rápido, pois todo o sistema de alarme e
controle de incêndios melhorou muito”, concorda o
diretor executivo da Abracopel, Edson Martinho.
O ex-engenheiro da polícia técnica e atual
perito judicial, Shunji Nassuno, também acredita
que elementos como portas corta-fogo são
essenciais para evitar tragédias, mas que a atenção
às instalações elétricas ainda é a melhor maneira
para que os incêndios sejam efetivamente evitados.
Quando o enfoque são as instalações elétricas,
especialistas são praticamente unânimes ao afi rmar
que o problema não está na tecnologia disponível,
mas na execução dos projetos. Isso porque
acreditam que as normas compulsórias existentes
para equipamentos e as normas norteadoras das
instalações são sufi cientes para garantir uma
instalação segura. “Um projeto bem executado
elimina 90% dos problemas”, afi rma Nassuno.
Dados compilados pelo Corpo de Bombeiros de
São Paulo comprovam a opinião dos especialistas.
Segundo a corporação, apenas 3,8% dos casos de
incêndios motivados por fenômeno termoelétrico
tiveram início em componentes elétricos sem
certifi cação, enquanto todos os outros aconteceram
pela ausência de equipamentos de proteção ou
instalação inadequada dos produtos.
Mas, se nem mesmo a evolução tecnológica
e normativa foi capaz de diminuir sensivelmente
esses incêndios, a execução inadequada de
projetos estaria ligada à falta de profi ssionais
bem preparados? Segundo Edson Martinho, bons
profi ssionais não faltam no mercado. O problema
estaria na conscientização da população que ainda
não vê uma instalação projetada e executada
corretamente como um investimento, mas como um
gasto que pode ser dispensado.
Fonte: Departamento de Operações do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPMESP).
Fonte: Abracopel
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Memória da eletricidade 64 O Setor Elétrico / Agosto de 2010
O major do Corpo de Bombeiros de São
Paulo, Adilson Silva, acredita que uma melhoria
efetiva nas instalações só irá ocorrer com a
implementação de fiscalizações. “Em comparação
com a década de 1970 a situação melhorou
muito, pois há fiscalização das prefeituras
e de companhias seguradoras. Ao menos há
uma exigência documental, mas ainda não é
suficiente. São necessárias vistorias como as que
o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização
e Qualidade Industrial (Inmetro) faz com produtos
normatizados”, explica.
O major lembra que o número de
irregularidades encontrado nas instalações elétricas
é maior em residências e edificações menores.
“Quando você tem prédios maiores, pessoas mais
qualificadas estão envolvidas na execução do
projeto e a probabilidade de ele estar correto é
maior”, explica.
Mudanças nas instalações elétricas
Se hoje contamos com aparato normativo
e tecnológico para projetar instalações seguras,
devemos, em parte, aos conhecimentos adquiridos
com o estudo de diversos incêndios que
aconteceram há 30 anos ou mais.
Naquela época, os condutores antichamas
e com baixa emissão de fumaça que hoje
encontramos em qualquer revenda de material
elétrico sequer existiam. A fiação, por exemplo,
ainda era composta, em muito casos, por fios e
cabos de cobre cobertos por um tipo de tecido
resinado.
No lugar dos disjuntores usavam-se fusível tipo
rolha que eram instalados em quadros totalmente
inadequados, algo não aceitável nas normas de
hoje. Apesar disso, Douglas Messina, do IPT, afirma
que alguns prédios antigos da capital paulista ainda
possuem os mesmos equipamentos e instalações
da época em que foram construídos. Não é comum
a renovação total das instalações elétricas, dessa
forma, apenas a troca de algumas partes é feita
e somente quando ela apresenta algum defeito.
Outro problema das instalações antigas se deve ao
fato de que ela não foi dimensionada para atender
a demanda que o número de eletroeletrônicos
conectados atualmente exige.
Essas instalações deveriam ser modernizadas
com alguns equipamentos elétricos que se
desenvolveram desde a década de 1970, como os
fios e cabos não propagantes de chamas, com baixa
emissão de fumaça e isentos de halogênio, além
dos dispositivos de proteção, que têm o objetivo de
oferecer maior segurança aos equipamentos e às
pessoas, como o Dispositivo Diferencial Residual
(DR) de alta sensibilidade (para prevenção de
choques) e de baixa sensibilidade (para prevenção
de incêndios) e o Dispositivo de Proteção Contra
Surtos (DPS).
Messina conta que a forma de instalar os
equipamentos também sofreu alterações, com
destaque para a equipotencialização e todo o
sistema de aterramento. Outra mudança foi
comportamental, já que, com as tragédias, a
atenção dos profissionais do setor foi despertada,
levando-os a serem mais cuidadosos no
dimensionamento e na execução das instalações
conforme as normas vigentes, que também
sofreram muitas alterações desde então. Em 1970,
a norma de instalações elétricas era a NB3, criada
em 1940 e embrião daquela que conhecemos hoje
como ABNT NBR 5410 e que foi publicada em
1980. Esta norma já foi revisada diversas vezes e
está em sua sexta edição.
Os grandes incêndios ocorridos na cidade
de São Paulo, nos edifícios Andraus e Joelma,
serviram também para dar impulso às mudanças
nos códigos de obras do município. Na época, esse
documento foi alvo de diversas críticas, pois datava
de 1934 – quando ainda não havia muitos prédios
na cidade nem a mesma quantidade de aparelhos
eletroeletrônicos – e continuava em vigor sem
nenhuma alteração até então.
Outra transformação provocada pelos grandes
incêndios foi a instituição das normas municipais
de segurança contra incêndio. Com novo código
de obras e normas contra incêndios, o modelo
de fiscalização também mudou, contribuindo
para a qualidade das instalações aprovadas pelo
Corpo de Bombeiros e pelas prefeituras. Isso
porque antes do advento dessas regras, a vistoria
era feita apenas até a entrada de energia do
prédio. “Apenas se incendiasse a justiça mandava
periciar”, afirma Messina.
Com a existência de prédios com instalações
antigas em todas as grandes cidades e o alto
índice de irregularidades ainda encontrado nas
instalações recentes (veja fotos a seguir), fica
a dúvida: Podemos ser testemunhas de mais
incêndios com desfecho trágico?
De acordo com os especialistas ouvidos pela
reportagem (engenheiros eletricistas, bombeiros
e peritos), a chance de um incêndio com muitas
vítimas é mínima, devido à existência de normas
para saídas de emergência, extintores e portas
corta-fogo, à evolução dos equipamentos de
combate ao incêndio dos bombeiros e à maior
rapidez com que eles chegam ao local. Tudo isso
tem diminuído o número de vítimas fatais, mas o
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ideal seria evitar que os incêndios aconteçam e,
para isso, os especialistas contam que é preciso
haver maior conscientização e fiscalização das
instalações existentes.
Desvendando os motivos
Assim como ocorre com acidentes aéreos,
geralmente apenas um problema ou erro
dificilmente dá início a um incêndio. Em muitos
casos em que ficou comprovado que a razão do
incêndio foi algum fenômeno termoelétrico, apesar
de um elemento específico ter dado origem às
chamas, havia outras irregularidades na instalação
que colaboraram para o desfecho.
Quando ocorre um incêndio, a primeira ação
após a extinção das chamas – em alguns casos
ainda durante este trabalho – tem início com uma
pesquisa para descobrir as causas do acidente.
No caso do Rio de Janeiro e de São Paulo, assim
que chega ao local do incêndio um bombeiro
é designado para colher informações junto às
testemunhas para saber, entre outras informações,
onde as chamas tiveram início. “As testemunhas
são muito importantes para saber onde começou o
incêndio”, conta o major.
Em São Paulo, todos os bombeiros estão aptos
a apurar essas informações e podem indicar a causa
provável do incêndio, mas a responsabilidade de
emitir um laudo oficial é da perícia técnica, que
pode ser feita tanto pelo Instituto de Criminalística
(IC) quanto pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT), e o órgão geralmente é designado pelo
Ministério Público.
No Rio de Janeiro, a pesquisa é feita para
fornecer dados ao sistema operacional do Corpo de
Bombeiros e ajudar a melhorar os atendimentos da
corporação, que conta inclusive com o Centro de
Pesquisas, Perícias e Testes (CPPT). Os bombeiros
responsáveis por esse tipo de pesquisa devem ter
patente mínima de capitão (equivalente à metade
da carreira), curso de investigação pericial de
incêndios e outros sinistros, oferecido pela própria
corporação, e também o curso de perícia criminal
oferecido pela Polícia Militar do Estado.
O tenente-coronel e diretor do CPPT, Hilmar
Soares, afirma que é possível definir a causa do
incêndio como fenômeno termoelétrico devido aos
vestígios deixados na cena do acidente. “Um curto-
circuito, por exemplo, faz o fio receber muito calor
em um curto espaço de tempo. Ele rapidamente se
dilata e resfria, deixando algumas marcas no material
chamadas de ‘traço de fusão”, explica o oficial.
Soares também explica que o incêndio
ocasionado por fenômeno termoelétrico geralmente
leva mais tempo para que a chama tenha início
porque é preciso que a temperatura aumente muito
e atinja outros materiais combustíveis. “O incêndio
causado por fenômeno termoelétrico é facilmente
identificado”, garante.
Entretanto, ainda que os indícios sejam claros,
é preciso descartar outras causas, como a ação
humana criminosa – razão campeã em números de
incêndios de acordo com estatísticas do Corpo de
Bombeiros de São Paulo.
Quanto à perícia feita pelo Instituto de
Criminalística Carlos Eboli (ICCE), no Rio de
Janeiro, e Instituto de Criminalística (IC) e
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São
Paulo, o método usado é bem semelhante ao dos
bombeiros do Rio, mas, após a identificação da
causa do incêndio, é preciso recriar o ambiente
em laboratório para provar que aquela situação
específica é capaz de gerar um incêndio. Todos os
dados colhidos no local do acidente e resultados
dos testes laboratoriais devem fazer parte do laudo.
A responsabilidade nesse caso é maior, pois os
resultados podem gerar o indiciamento judicial do
responsável – quando houver – pelo incêndio.
Instalações inadequadas que geraram incêndios
Edifício AndrAus
Grande incêndio que antecedeu o ocorrido no
edifício Joelma, a tragédia no Andraus, localizado
na cidade de São Paulo, era um sinal de que algo
não ia bem com as instalações elétricas da época.
O acidente aconteceu em 24 de fevereiro
de 1972 e terminou após quatro horas com 16
mortos e 350 feridos. O fogo teria começado após
um curto-circuito em cartazes de propaganda
localizados na marquise do edifício, que teve todos
os seus 31 pavimentos – com lojas e escritórios –
atingidos pelas chamas.
Edifício GrAndE AvEnidA E cEsP
O edifício Grande Avenida foi acometido por
um incêndio em 14 de fevereiro de 1981 e deixou
17 pessoas mortas e 53 feridas. A causa provável
foi um curto-circuito originado no subsolo da
construção.
Seis anos depois, no dia 21 de maio, houve
incêndio no prédio que pertencia à Companhia
Energética de São Paulo (Cesp) e a causa também
foi um fenômeno termoelétrico nos cabos de
alimentação de um aparelho de ar-condicionado.
Parte da construção teve de ser implodida devido
ao comprometimento das estruturas após o
incêndio.
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Memória da eletricidade 66 O Setor Elétrico / Agosto de 2010
O calendário marcava 1º de fevereiro de
1974 e era apenas mais uma manhã de plantão
para Shunji Nassuno. Ele havia se formado em
engenharia civil e atuava como engenheiro da
polícia técnica. Sua missão era realizar perícias
e descobrir a causa de acidentes, entre eles
os incêndios. Para chegar até ali, fez curso de
investigador e de detetive.
Sempre que algum acidente acontecia em seu
plantão, ele saía em um carro da polícia técnica
acompanhado do motorista e de um fotógrafo para
averiguar o local e, dias depois, elaborar um laudo
técnico. Naquela manhã de 1974 ele foi chamado
para realizar perícia em um prédio da Goodyear
que estava em chamas. Ao se dirigir para o centro
da cidade de São Paulo, onde ficava o prédio que
precisava ser periciado, a viatura em que estava
passou em frente ao Edifício Joelma.
Eram nove e dez da manhã quando Nassuno
observou fumaça e fogo saindo de uma das janelas
do 12º andar. Imediatamente solicitou ao fotógrafo
que registrasse aquela imagem, afinal era seu
plantão e já imaginava que seria chamado depois
para realizar a perícia daquele prédio. “Com as
imagens, a investigação seria facilitada, pois eu já
saberia onde o fogo começou”, conta.
Àquela altura, nem mesmo a lembrança
do grande incêndio ocorrido dois anos antes
no edifício Andraus fez o perito desconfiar da
proporção da tragédia que estava para acontecer.
Sendo assim, seguiu seu caminho para o incêndio
da Goodyear e cumpriu sua função até o momento
em que recebeu um chamado pelo rádio. Ele
precisava se deslocar rapidamente para o Edifício
Joelma. Era quase meio-dia quando Nassuno
chegou e o fogo já tomava conta da construção.
Sua rapidez para se deslocar até o local do
incêndio foi em vão. Após três horas de incêndio, 189
pessoas mortas e 320 feridas, o perito ainda precisou
aguardar dois dias para que o edifício resfriasse o
suficiente para que ele e seu fotógrafo pudessem fazer
o trabalho de perícia em segurança. Nassuno conta
que a temperatura dentro da construção atingiu mais
de 1.000 ºC durante o incêndio, chegando a derreter
materiais como ferro e cobre.
Para preservar o local, pediu para que um
policial guardasse o andar em que o incêndio se
iniciou. Nem mesmo os bombeiros poderiam entrar
no local para que o ambiente do acidente fosse
totalmente preservado e o resultado da perícia não
fosse prejudicado. “Nem mesmo as vítimas fatais
poderiam ser retiradas dali, porque o ambiente em
que começou o fogo não poderia ser alterado antes
da perícia”, explica.
Uma das primeiras coisas que o perito observou
ao iniciar sua vistoria foi o relógio de ponto dos
funcionários, que estava parado e marcando sete
da manhã, indicando que o primeiro curto-circuito
teria ocorrido naquele horário.
Ao vistoriar o 12º andar, o perito rapidamente
detectou a ocorrência de curto-circuito na
instalação dos aparelhos de ar-condicionado.
Eram ao todo cinco equipamentos que, conforme
o manual de instruções do fabricante, deveriam
estar ligados cada um em um circuito independente
e protegidos individualmente por disjuntores
dimensionados adequadamente.
Entretanto, a realidade encontrada pelo perito
era bem diferente da considerada ideal para manter
a segurança dos equipamentos e das pessoas:
os aparelhos estavam ligados diretamente em
uma barra de cobre. Dessa forma, não havia um
disjuntor conectado aos ares-condicionados que
pudesse ser desligado automaticamente em caso de
sobreaquecimento.
Essa não conformidade foi o estopim para
a tragédia, mas a perícia mostrou que o edifício
era uma bomba pronta para explodir a qualquer
momento. Veja a seguir alguns trechos do laudo
finalizado pelo perito após 30 dias de investigação
e ensaios laboratoriais.
“No quadro de distribuição do 12º pavimento havia
chaves disjuntoras de capacidades variando de 15
A a 35 A. Nesse quadro, foram confirmadas as
informações prestadas pelos eletricistas da Crefisul
de que, quando o circuito estava sobrecarregado, foi
simplesmente alterada a capacidade de chave parar
evitar o corte de iluminação, ligando-se o fio de 15
A para a de 35 A.
(O funcionário da empresa instaladora dos ares-
condicionados) informou-nos que fora ele que
trocou a chave geral do 12º andar para permitir
a ligação elétrica dos aparelhos naquele andar.
(...) E que para a instalação dos cinco aparelhos
que existiam naquela ala ele fizera uma extensão
semelhante à reproduzida em laboratório, com o
Raio X de uma tRagédia
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circuito ligado diretamente na chave do quadro
geral na base dos fusíveis de 150 ampéres (...)
em desobediência ao manual de instalações do
fabricante que exige para cada aparelho um circuito
independente e cada circuito com fusível de 20 A.”
O laudo também afirma que as instalações
e até os quadros de distribuição de cada andar
eram originais, mas a partir desse ponto sofriam
alterações para atender à demanda de cada
pavimento. A Crefisul, empresa que ocupava o
maior número de escritórios no edifício, também
havia dividido as salas com divisórias de madeira
e coberto o teto com forro de mesmo material, o
que ajudou as chamas a se espalharem rapidamente
pelas salas.
“As chamas partiram do forro em correspondência
com as fiações elétricas de alimentação de sete
luminárias e um circuito para cinco aparelhos de
ar-condicionado. As luminárias eram fixadas nos
forros falsos com os fios de alimentação partindo
das caixas mais próximas embutidas nas lajes. As
ligações das peças não foram executadas dentro
da técnica recomendada, criando condição de
insegurança para o sistema naquele setor.
A fiação de alimentação dos cinco aparelhos de ar-
condicionado saía do quadro geral daquela ala com
ligação direta ao fusível de 150 ampéres, embutido
nos eletrodutos até a mais próxima caixa na laje.
A partir daquele ponto, os fios corriam diretamente
apoiados sobre o madeiramento de sustentação do
forro falso até sua ligação ao primeiro aparelho de
ar-condicionado em condições inadequadas.”
As condições citadas anteriormente foram
reproduzidas em laboratório pelo mesmo
profissional que efetuou a ligação no edifício
Joelma para que se provasse a causa do incêndio.
“Foram encontrados indícios característicos de
fenômeno termoelétrico nos fios do sistema de ar-
condicionado e nas proximidades da zona em que
foram notadas as primeiras chamas.”
Esses indícios, conforme explica Nassuno, são
as “pérolas de fusão” – ou traço de fusão – que se
formam na fiação que sofreu o curto-circuito.
Todos esses itens observados durante a perícia
no edifício Joelma foram reproduzidos fielmente
em laboratórios e materiais iguais aos recolhidos
na construção foram usados nos ensaios. “Ao
reproduzirmos a situação em laboratório, a capa
plástica do fio começou a derreter em oito minutos.
Após 17 minutos, essa capa pegou fogo, deixando
o cobre dos fios expostos, que se tocaram e
levaram ao curto-circuito”, explica Nassuno sobre
um dos testes realizados.
Exames ainda comprovaram que a fiação
utilizada na instalação dos ares-condicionados era
de baixa qualidade, apresentando mistura de outros
metais ao cobre.
Levando em consideração as condições da instalação,
o laudo afirma que o incêndio teria acontecido devido ao
aquecimento exagerado do circuito elétrico, que chegou
a fundir e ignir a parte plástica do fio, provocando a
combustão do forro de madeira.
A conclusão do laudo foi a seguinte:
“Os peritos concluem que as chamas tiveram
origem por um fenômeno termoelétrico nos fios
do circuito de ar-condicionado que se assentavam
diretamente sobre o madeiramento do forro falso.
A fiação do circuito dos aparelhos de ar-
condicionado era muito solicitada em amperagem,
tal como comprovam os testes efetuados, resultando
em aquecimento exagerado do tipo de ligação
daqueles aparelhos.
A qualidade do fio empregado na ligação dos ares-
condicionados era comprometedora, principalmente
para a carga anormal que o solicitava.
O exame da rede elétrica das luminárias do 12º
andar, somado ao que se constatou no 11º andar,
que não foi atingido pelo incêndio, indicam que
o serviço de manutenção elétrica da Crefisul era
precário, principalmente se considerada a mudança
da chave disjuntora de proteção de 15 A para 35 A
, sem um estudo prévio.”
De acordo com o perito, o engenheiro
responsável pela manutenção das instalações
elétricas do edifício e seus auxiliares chegaram a
ser indiciados judicialmente, mas por serem réus
primários e terem residência fixa, ninguém foi preso.
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Memória da eletricidade 68 O Setor Elétrico / Agosto de 2010
Edifício AndorinhA
A construção localizada na cidade do Rio de
Janeiro sofreu um incêndio na tarde do dia 17 de
fevereiro de 1986 e terminou com um saldo de
20 pessoas mortas e quase 50 feridas. Inaugurado
em 1934, o edifício não contava com todos os
aparatos de segurança contra incêndios, como
porta corta-fogos. O episódio também foi marcado
pela falta de equipamentos do Corpo de Bombeiros,
que não possuía cama elástica (para o salvamento
das pessoas que saltaram do prédio) nem escadas
altas o suficiente para alcançar todos os andares
atingidos. Também faltou água para o combate às
chamas e algumas mangueiras se partiram.
O fogo teve início no 9º andar, nas
dependências da General Electric (GE), e foi
causado pela explosão – devido a uma sobrecarga
de energia – da tomada em que estava ligado um
aparelho de ar-condicionado. O fogo se alastrou
rapidamente pelos carpetes e poltronas daquele
andar e atingiram os demais andares.
TEATro culTurA ArTísTicA
Incêndio sem vítimas fatais e sem feridos,
mas com prejuízo enorme para a cultura. O Teatro
Cultura Artística fica na capital paulista e teve
suas dependências tomadas pelo fogo no dia 17 de
agosto de 2008. O laudo realizado pelo Instituto de
Criminalística e concluído no dia 9 de setembro de
2008 não é categórico ao indicar um único agente
causador das chamas, mas afirma que o péssimo
estado de conservação do prédio – incluindo as
instalações elétricas – contribuiu para a propagação
do incêndio.
Um dos itens avaliados na investigação
foram as 200 fotos tiradas três meses antes do
acidente pelo então estudante de pós-graduação
em Patologias, Origens e Reflexos no Desempenho
Técnico-Construtivo do Edifício pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP), Anderson Leite Schmidt. As fotos,
que a princípio eram para sua tese, acabaram sendo
usadas também no inquérito policial sobre o caso.
As imagens registraram diversas
irregularidades, como fios e cabos instalados
incorretamente, presença de umidade próxima
aos condutores, tubulação de água instalada
paralelamente à fiação e ausência de dispositivos
de proteção.
De acordo com relatos, antes do incêndio,
Schmidt ofereceu uma cópia de seu trabalho para a
direção do teatro, mas não houve interesse.
insTiTuTo BuTAnTAn
O laboratório de répteis do Instituto, onde
estavam a maior coleção de aranhas da América
Latina e a maior coleção de serpentes do mundo,
foi atingido por um incêndio no dia 15 de maio de
2010. Nenhuma pessoa ficou ferida, mas a perda
científica foi incalculável já que mais de 70 mil
espécies de cobras, escorpiões e aranhas – usadas
em pesquisas – foram perdidas no desastre.
A suspeita é de que um curto-circuito ou
sobrecarga tenha dado início ao fogo. Todas as
possibilidades foram investigadas por peritos do
Instituto de Criminalística (IC) e, até o último
dia 4 de agosto, o laudo pericial ainda não havia
sido concluído. O inquérito sobre o acidente
permanece em aberto.
AlArmE fAlso
Como já foi visto nesta reportagem, o resultado
do laudo técnico é fundamental para definir as
causas de incêndio, já que as primeiras impressões
podem induzir ao erro mesmo os bombeiros e
técnicos mais experientes. Foi o que aconteceu
com os dois incêndios ocorridos no Hospital das
Clínicas, em São Paulo, nos dias 24 de dezembro de
2007 e 23 de janeiro de 2008.
Após rumores de que um vazamento de
gás em alta temperatura no subsolo do prédio
dos ambulatórios em conjunto com um curto-
circuito na instalação elétrica teria provocado o
incêndio, o laudo revelou que o primeiro incêndio
foi intencional, pois peritos encontraram fiação
cortada no subsolo. No segundo caso, o laudo
também afirma tratar-se de incêndio criminoso
devido a vestígios de álcool verificados na sala
onde teve início o segundo sinistro.
Outro engano também ocorreu no incêndio na
futura sede do Ministério Público Federal, também em
São Paulo. Inicialmente a informação era de que um
curto-circuito teria causado o fogo, mas operários que
trabalhavam na construção esclareceram que estavam
demolindo um duto do ar-condicionado quando uma
faísca atingiu algum material inflamável.
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69O Setor Elétrico / Agosto de 2010
Problemas encontrados em instalações elétricas Veja, a seguir, algumas imagens de instalações inadequadas e que são situações facilmente
encontradas em instalações prediais residenciais e comerciais.
Instalação inadequada de duto plástico externo com vários outros fixados por amarração simples.
Fiação fora da caixa com dutos não embutidos.
Quadro elétrico sem proteção efetiva contra contatos diretos e com condutores saindo diretamente dele.
Caixa de passagem totalmente inadequada com circuitos misturados e sem identificação. Emendas abertas com risco de curto-circuito e choque por contato.
Cabo elétrico passando diretamente da laje para um feixe, sem calha ou bandeja.
Interruptor fora da caixa, com circuito desprotegido externo.
Fotos gentilmente cedidas pelos engenheiros eletricistas Eduardo Daniel, Edson Martinho e Hilton Moreno.
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