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1 SEGUNDA FASE DA REABILITAÇÃO DO PALÁCIO DA BOLSA RESUMO Inserido na segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa, no Porto, o Projecto de Arquitectura elaborado pela Afaplan SA para a Associação Comercial do Porto centra-se em áreas distintas do imóvel, nomeadamente na cobertura da Escadaria Nobre, cobertura da Sala Medina e rebocos nas fachadas Poente e Sul, tendo como suporte o Relatório de Inspecção e Diagnóstico elaborado pelo Instituto da Construção da FEUP, que integra um levantamento rigoroso dos materiais, esquemas construtivos e estruturais do edifício e suas patologias. Reabilitação, por definição, corresponde à melhoria do estado de serviço de um edifício, e o Projecto elaborado preconiza uma intervenção transversal aos elementos das áreas a intervencionar, dos mais visíveis, ornamentais e representativos, aos de carácter mais tectónico e estrutural. Palavras chave: reabilitação; coberturas; clarabóias; argamassas; estruturas; impermeabilização; ventilação; património. 1. ENQUADRAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO O Palácio da Bolsa é um dos mais notáveis monumentos portuenses da arquitectura do século XIX, estando classificado pelo Estado Português como Monumento Nacional desde 1982. Inserindo-se no perímetro classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, alberga a sede da Associação Comercial do Porto. O edifício, embora ostente uma variedade de estilos, é predominantemente neoclássico obedece ao projecto da autoria do Arquitecto portuense Joaquim da Costa Lima Júnior, integrando trabalhos de variados mestres e artífices, nomeadamente as pinturas na abóbada da Escadaria Nobre e os trabalhos em estuque, óculos e medalhões, da autoria de António Ramalho e do escultor Soares dos Reis, respectivamente. No que respeita à caracterização da intervenção, podemos dividi-la em três áreas distintas do Palácio: Fachadas Sul e Poente, Cobertura da Sala Medina, e Cobertura da Escadaria Nobre, que de seguida se caracterizam. 2. FACHADAS SUL E POENTE As fachadas do edifício do Palácio da Bolsa (figuras 1 e 2) são constituídas por paredes resistentes em alvenaria de granito com revestimento em reboco pintado. A cantaria aparente enfatiza os elementos particulares e decorativos de maior relevo, tais como embasamentos, cunhais e pilastras, molduras de vãos, sacadas e frontões. Considerando os parâmetros de avaliação, nomeadamente fissuração visual do material, descolamento do reboco do seu suporte e destacamento ou queda do material, foram identificadas as áreas de intervenção, sendo que os rebocos se encontravam, globalmente, em bom estado. A. CAMELO Arquitecto Afaplan SA Porto; Portugal

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SEGUNDA FASE DA REABILITAÇÃO DO PALÁCIO DA BOLSA

RESUMO

Inserido na segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa, no Porto, o Projecto de Arquitectura elaborado pela

Afaplan SA para a Associação Comercial do Porto centra-se em áreas distintas do imóvel, nomeadamente na cobertura

da Escadaria Nobre, cobertura da Sala Medina e rebocos nas fachadas Poente e Sul, tendo como suporte o Relatório de

Inspecção e Diagnóstico elaborado pelo Instituto da Construção da FEUP, que integra um levantamento rigoroso dos

materiais, esquemas construtivos e estruturais do edifício e suas patologias. Reabilitação, por definição, corresponde à

melhoria do estado de serviço de um edifício, e o Projecto elaborado preconiza uma intervenção transversal aos

elementos das áreas a intervencionar, dos mais visíveis, ornamentais e representativos, aos de carácter mais tectónico e

estrutural.

Palavras chave: reabilitação; coberturas; clarabóias; argamassas; estruturas; impermeabilização; ventilação; património.

1. ENQUADRAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO

O Palácio da Bolsa é um dos mais notáveis monumentos portuenses da arquitectura do século XIX, estando classificado

pelo Estado Português como Monumento Nacional desde 1982. Inserindo-se no perímetro classificado pela UNESCO

como Património da Humanidade, alberga a sede da Associação Comercial do Porto. O edifício, embora ostente uma

variedade de estilos, é predominantemente neoclássico obedece ao projecto da autoria do Arquitecto portuense Joaquim

da Costa Lima Júnior, integrando trabalhos de variados mestres e artífices, nomeadamente as pinturas na abóbada da

Escadaria Nobre e os trabalhos em estuque, óculos e medalhões, da autoria de António Ramalho e do escultor Soares

dos Reis, respectivamente.

No que respeita à caracterização da intervenção, podemos dividi-la em três áreas distintas do Palácio: Fachadas Sul e

Poente, Cobertura da Sala Medina, e Cobertura da Escadaria Nobre, que de seguida se caracterizam.

2. FACHADAS SUL E POENTE

As fachadas do edifício do Palácio da Bolsa (figuras 1 e 2) são constituídas por paredes resistentes em alvenaria de

granito com revestimento em reboco pintado. A cantaria aparente enfatiza os elementos particulares e decorativos de

maior relevo, tais como embasamentos, cunhais e pilastras, molduras de vãos, sacadas e frontões. Considerando os

parâmetros de avaliação, nomeadamente fissuração visual do material, descolamento do reboco do seu suporte e

destacamento ou queda do material, foram identificadas as áreas de intervenção, sendo que os rebocos se encontravam,

globalmente, em bom estado.

A. CAMELO

Arquitecto

Afaplan SA

Porto; Portugal

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Figuras 1 e 2: Destacamentos e perda de material na fachada Poente

A camada impermeabilizante existente à base de carvão foi mantida, e através da aplicação de rebocos novos à base de

cal, com aditivo pozolânico, procurou-se assegurar um bom equilíbrio hídrico. Nos panos pintados de novo, após

escovagem, preconizou-se a aplicação de uma tinta à base de água própria para exteriores.

O bom desempenho do sistema de reboco está vinculado à correcta execução do trabalho de aplicação do mesmo,

respeitando os prazos de presa das várias camadas, e “regando” o suporte na vertical com recurso a mangueira antes da

aplicação de nova camada, para libertar as tensões superficiais e permitir uma correcta solidarização dos extractos

(figuras 3 e 4).

Figuras 3 e 4: Colmatação de negativos existentes, e aspecto da primeira camada executada

3. COBERTURA DA SALA MEDINA

A cobertura da Sala Medina apresenta uma planta rectangular e telhado de quatro águas, possuindo uma clarabóia

constituída por perfis metálicos. Junto a esta cobertura existe uma outra mais reduzida que também possui uma pequena

clarabóia, sendo que ambas não têm desvão acessível. A estrutura da cobertura é constituída por vigas treliçadas de

madeira, de configuração semelhante às da cobertura da Escadaria Nobre, bem como o seu revestimento (figuras 5 e 6).

A intervenção nas coberturas teve por objectivo a reparação/tratamento das peças estruturais e secundárias, procurando

evitar-se a entrada de água sem compromisso da necessária ventilação dos elementos em madeira.

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Figuras 5 e 6: Levantamento do revestimento cerâmico, e limpeza do desvão e remoção do guarda-pó

4. INTERVENÇÃO NO EXTRADORSO E INTERIOR DA SALA MEDINA

Nos vãos de iluminação e na clarabóia da Sala Medina e sala anexa, preconizou-se o tratamento/substituição dos

elementos metálicos das clarabóias, e substituição integral dos vidros existentes, por outros com configuração

semelhante, mas de comportamento mais eficaz, no que respeita a segurança, desempenho e conforto acústico e térmico,

com introdução de película de corte UV. A estrutura principal e secundária em madeira foi limpa e revista, tratada com

protecção aos insectos xilófagos, tendo-se impermeabilizado o desvão com recurso a tela transpirante permeável ao

vapor de água e impermeável à água, e revestimento em telha cerâmica na cobertura. Nas empenas que delimitam esta

área de intervenção, foram removidas as chapas existentes e foi introduzido um sistema revestido a zinco, após

impermeabilização do suporte em alvenaria de pedra, através de revestimento em argamassa de cal hidrófuga,

permeável ao vapor de água (figuras 7 e 8).

Figuras 7 e 8: Aspecto da cobertura após conclusão dos trabalhos e clarabóia da Sala Medina intervencionada

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Pontualmente, os elementos decorativos nos tectos da sala foram tratados por um corpo técnico especializado na área

disciplinar de restauro, com o critério da intervenção mínima e da reversibilidade como pano de fundo da intervenção.

5. COBERTURA DA ESCADARIA NOBRE

A cobertura da Escadaria Nobre apresenta planta octogonal, rematada com oito águas revestidas a telha cerâmica tipo

Marselha e é pontuada por uma clarabóia que ilumina a escadaria (figuras 9 e 10). Os paramentos verticais são

constituídos por paredes de alvenaria de granito com revestimento de reboco, e vãos envidraçados com caixilharia

metálica. A clarabóia octogonal apresenta também vãos envidraçados, com caixilharia de coroamento constituída por

elementos metálicos, e os paramentos verticais do elemento são constituídos por pilares, vigas e reguado de madeira.

Nas paredes de alvenaria de granito da cobertura da Escadaria Nobre encontram-se apoiadas três estruturas de madeira

de castanho (Castanea sativa Mill), que, apesar de terem funções distintas, estão interligadas de forma integrada

(figuras 11, 12 e 13). O revestimento em telha cerâmica tipo Marselha apoia-se em ripas assentes em guarda-pó,

apresentado uma caleira periférica em chumbo ligada a tubos de queda que se desenvolvem no interior dos elementos

construtivos, e a ligação do telhado com a clarabóia é rematada com rufagem de zinco. No interior do desvão e no

alinhamento dos óculos de iluminação da Escadaria Nobre, encontram-se cabines de inspecção, com tectos e paredes em

tabique de taipa.

Figuras 9 e 10: Aspecto da clarabóia existente e vista da clarabóia intervencionada a partir do interior

Figuras 11 e 12: Treliça em castanho no desvão acessível, e interligação das 3 estruturas

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Figura 13: Levantamento dimensional e diagnóstico da estrutura efectuado pelo Instituto da Construção da FEUP

5.1 Intervenção no extradorso da Cobertura da Escadaria Nobre

A intervenção nas coberturas teve por objectivo a reparação/tratamento das peças estruturais e secundárias, procurando

evitar-se a entrada de água sem compromisso da necessária ventilação dos elementos em madeira. Nos vãos de

iluminação e na clarabóia da Escadaria Nobre, preconizou-se o tratamento/substituição dos elementos metálicos das

caixilharias, e substituição integral dos vidros existentes (figuras 19 e 20), por outros com configuração semelhante,

mas de comportamento mais eficaz, no que respeita a segurança, desempenho e conforto térmico e acústico (figura 14).

Os elementos decorativos foram tratados por um corpo técnico especializado na área disciplinar em que se inserem, e os

painéis decorativos em madeira foram igualmente intervencionados. A intervenção incidiu com particular atenção na

rede de drenagem de águas pluviais da cobertura, através da introdução de novos caleiros, algerozes, e rufagem

solidarizada com os elementos emergentes.

Figura 14: Janelas de iluminação após substituição da caixilharia metálica

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Figuras 15 e 16: Andaime exterior e interior, estruturas de acesso aos elementos emergentes e cúpula da cobertura

Dada a circunstância de se verificarem ventos de forte intensidade na cobertura, abdicou-se da cobertura provisória

inicialmente prevista, tendo-se optado por execução à medida de tela com ilhós que diariamente corria num cabo de aço

permitindo o encerramento da clarabóia enquanto decorria a intervenção e se substituíam os vários elementos – reguado

decorativo, chapas de vidro e rufagens. Os andaimes interiores e exteriores foram montados separadamente e de forma

totalmente autónoma, para não se introduzir os esforços da estrutura de andaime exterior, na interior (figuras 15 e 16).

Seguindo o mesmo princípio, a estrutura de andaime exterior foi projectada com recurso a treliças que venciam o vão da

cobertura, sem qualquer apoio na estrutura em madeira existente, apoiando-se apenas nos paramentos em alvenaria de

granito.

5.2 Intervenção no intradorso da Cobertura da Escadaria Nobre

A intervenção no desvão acessível incidiu no tratamento da estrutura principal da cobertura da Escadaria Nobre, nas

cabines de inspecção, deambulatório e vãos de iluminação (figuras 17, 18 e 19), com o propósito de se recuperarem

elementos que apresentavam deterioração – paredes de tabique das cabines, caixilharias metálicas e vidros dos vão de

iluminação, esquadrias e soalhos – e de se melhorar o estado de serviço da estrutura principal, através do tratamento das

entregas nas vigas treliçadas que se encontravam comprometidas (introdução de prótese em madeira solidarizada com a

viga existente através de chapas metálicas fixadas com varões roscados – figuras 20 e 21), protecção e tratamento das

peças em madeira contra agentes bióticos e aplicação de tratamento intumescente.

Figuras 17e 18: Vista de cabine de inspecção intervencionada e vista da clarabóia a partir do interior

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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Figuras 19: Vista exterior da clarabóia com as novas chapas de vidro de segurança e protecção UV, decorrente de

estudo efectuado para se aferir as implicações do factor luminoso versus factor solar

Figuras 20 e 21: Prótese metálica introduzida no encontro treliça/suporte, e introdução de próteses metálicas para

reforço dos pares de pilares em madeira da estrutura de suporte da clarabóia

5.3 Cúpula da Escadaria Nobre

A abóbada da Escadaria Nobre apresenta pinturas da autoria de António Ramalho, retratista de traço emotivo e

melancólico que se notabilizou por quadros de temática realista, onde abundam as paisagens marítimas e os retratos de

mulheres e crianças. O Naturalismo caracteriza-se pela observação fiel da realidade, através da representação da

natureza sem recurso à idealização do Romantismo, captando-se a chamada “realidade objectiva”. As pinturas

representam a Cultura, a Indústria, a Agricultura e a Pátria.

Estas representações são compostas por figurações femininas centrais sempre acompanhadas por determinados objectos

específicos ou a desempenhar determinadas tarefas que caracterizam a temática da dita representação pictórica.

A pintura terá sido executada provavelmente através de técnica mista, velaturas, transparências a têmpera, zonas de

sombras e de maior densidade o que poderá ter sido conseguido através da utilização de têmperas ou com algum

aglutinante oleico.

Camelo, Segunda fase da Reabilitação do Palácio da Bolsa

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De acordo com o relatório produzido pela equipa de restauro, [1] “o cenário apresentado e os princípios éticos das

intervenções neste tipo de património conduziram à intervenção mínima, principalmente aos critérios de manutenção e

conservação preventiva, indispensável ao estabelecimento da integridade e durabilidade do bem, minimizando o

impacto no edificado. Com este objectivo, previu-se a estabilização, o reforço e tratamento das superfícies decorativas

interiores em estuque e pintura, no âmbito da obra de reabilitação da estrutura da abóbada e tratamento e

impermeabilização das coberturas e lanterna.

As patologias verificadas são frequentes neste tipo de edificação, e as diversas acções a promover durante a obra de

reabilitação em curso, visaram não só minimizar os efeitos dessas mesmas, mas também, e sobretudo, actuar nos

fenómenos que as provocam.

Além da acção principal de estabilização e consolidação dos elementos em estuque no decurso dos trabalhos a realizar

na cobertura, foi efectuada uma limpeza e tratamento das superfícies pictóricas, visando também a reposição de

condições de estabilidade e coesão da pintura.

Na pintura foi realizada a fixação de destacamentos, estabilização e a limpeza da camada cromática, aplicação de

fungicida e reintegração pontual.” (figuras 23 e 23)

Figuras 22 e 23: Vista da cúpula da Escadaria Nobre durante a execução dos trabalhos de restauro

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ter sofrido alterações ao longo da sua existência, a coerência expressiva do conjunto edificado tem sido

mantida de forma exemplar pelas sucessivas Direcções da Instituição, entendendo-se que a dinâmica dos tempos não

venha aqui a ter o seu epílogo, constituindo a intervenção agora caracterizada uma mera etapa daquilo que esperamos

ser uma, ainda, longa existência.

7. REFERÊNCIAS

[1] In Situ – Relatório Metodológico de Intervenção, 2010, 8,9,10 p.

Fotografias 1, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22 e 23 da autoria de Luís Ferreira Alves.