seeger, a. os indios e nós

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L Anthony Seeger Museu Nacional/UFRJ OS INDIOS I] NOS Esludos sobre Iribais brasileiras CONTRIBUI{:OES EM CIBNCIAS SOCWS 6 Coordenal'fo Ricardo Benzaquen de Araujo CPDOC/FGV e PUC/RJ EDITORA CAMPUS LTDA. . Rio de Janeiro 1980

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Page 1: SEEGER, A. Os indios e nós

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Anthony SeegerMuseu Nacional/UFRJ

OS INDIOS I] NOSEsludos sobre so~iedades

Iribais brasileiras

CONTRIBUI{:OES EM CIBNCIAS SOCWS 6

Coordenal'foRicardo Benzaquen de Araujo

CPDOC/FGV e PUC/RJ

EDITORA CAMPUS LTDA.. Rio de Janeiro 1980

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C> 1980. Editora Campus Ltd..

Todos os cIlreItoa -OOs.Nenhuma parte deale UVIOpodenlller reproc!udda ou tnDImitlclalIOjam quals forem 01 melos emprepdOi.e1etrOnlcoa, mednlcoa, fotosr'ficoa.grava~ ou qualaquer outroa. BOlD apermiJaIO por eacrito cia ecIitora.

CapaAG ComUlli~o VIaua1 AIIeaDrla e ProjetOl Ltcla.Polodo amorPeti, cantador, COJIIll'lIitor e Heier cerimODla1 doa lndIoaS.~.composI~.paglnaljfo e miIIoEdilora Campus Ltcla.Rua Japeri 35 RIo CompridoTela. 284 8443/284 263820261 RIo de JlII18Iro RJ BruI1

ISBN 85-7001.()39-7

Picha Cata10gRficaCJP·BruI1. Cata1opljf04ll·foote

Sindlcato Naclonal dos Editor. de Uvroa. RJ.

Seeger, Anthony. 1945-84541 Os indios e n61 : eatudoa 80bre 80dedadea tribaIa bra·

sIlelraa / Anthony Seeger. - RIo de J-uo: Campus.1980.

(Contribul~ em cYndu 80daIa ; 6)

Blbll"f.'llfia

1. indios cia AmftIca do Sul- BruI1l. Titulo n. Titu­lo: Batudos aobre aodecladea tribaIa brul1elraa nL S6rie

CDD- 301.2981980.41

CDU - 308(81 =97)lIGOO14

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Dedico este livro .os meus companheiros do' Xingu: minh.espos. Judith; meus professores Peti, Robnil6, Kuiussi,Temuensoti, Kogrere, Uetagii, Bentug.riirii e Kuni; minhasprofessoras Mbeni, G.is6 e G.isari; meus co.mpanheiros demuitas ca~das e pescarl.s Botk6, Ianam, Kokomba, e osoutros cuj. p.ciencia foi tao grande; M.paIu e Tonwuti(i-kra-kiilrumu e i-kriindu); e todos os Suya que 0 esp.",na:o permite nominar. Deb.ixo de sol forte ou de chuvaspesadas, pel. luz do di. ou d. !ua e d.s estre!.s, tr.balha­mas muito, rimos muito, cantamos m~to, e mutuamente.prendemos coisas que. linguagem cotidian. mal expressa:caisas cantadas, gritadas e sentidas na came; coisas essasexperiment.d.s de novo neste inst.nte de dedica~o, esempre lembr.d.s.

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SUMARIO

AGRADECIMENTOS, 11

-APRESENTAC;J..O:IMAGENSNOESPELHO, 13

- CAPiTULO 1. PESQUISA DE CAMPO: UMA CRlAN9A NO MUNDO, 25

CAPiTULO 2. 0 SIGNIFICADO DOS ORNAMENTOS CORPORAlS, 43

CAPiTULO 3. OS VELHOS NAS SOClEDADES TRlBAlS, 61

.• CAPiTULO 4. 0 QUE PODEMOS APRENDER QUANDO ELES CANTAM?GJ!NEROS VOCAlS DO BRASIL CENTRAL, 83

- CAPiTULO 5. SUBSTANCIAFiSICAESABER:DUALISMONAUDERAN9ASUYA,107

-CAPiTULO 6. CORPORA9AO E CORPORALIDADE: lDEOLOC-IA DECONCEP9AO E DESCENDENClA, 127

CAPiTULO 7. PONTOS DE VISTA SOBRE OS INDIOS nrvtSILEIROS:UMENSAlO BIBLIOGRAFICO (EM COLABORAl;,\O COMEDUARDO B. VIVEIROS DE CASTRO), 135

BffiUOGRAFIA, 153

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AGRADECIMENTOS

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Sl!o muitas as dividas intelectuais deste livro. De Dante Alighieri, que me aju­dou a entender multos aspectos do meu trabalho de campo, a meus professores naUniversidade de Chicago, com quem aprendi multo sobre Antropologia. Agrade~tamb6m aos orgauizadores dos simp6sios ou conferencias em que vers6es prelirui­nares destes artigos foram apresentadas: 0 Programa de P6s-Gradua¢0 em Antropo­logia Social do Museu Nacional, especialmente Lygia Sigaud (Capltulo 1),0 Depar­tamento de Antropologia, Uulversidade de Sl!o Paulo, especialmente Lux Vidal eMaria Manuela Carneiro da Cunha (2), Joan Bamberger (3), Carol Robertson­DeCarbo (4), Waude Kracke (5), Judith Shapiro (6) e Fernando Uricoechea (7).Essas pessoas, assim como os participantes dos simp6sios, me lan~ 0 desafiode refleiir comparativamente sobre os Suya e c('nf,;hufram consideravelmente paraa formula¢o que dei aos problemas.

A publica¢o deste Iivro deve",", uniearnente ao interesse de meUS colegas ealunos, entre os quais destaco Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro,com quem multas das idl!ias foram desenvolvidas, e Etienne Samain, nana Strozen­berg, Marco Antoulo da SUva Mello, Arno Vogel, Vanessa Lea, Bruna Franchetti ePedro Agostinho, com quem foram discutidAs. Ricardo Benzaquem de Araujo suge­riu concretamente a prepara¢o deste volume. Todos os meus colegas no Programsde P6s-Gradua¢0 em Antropologia Social, atrav~s de um convlvio intenso de maisde quatro anos, contnbufram de aiguma forma, assim como os que foram meUS alu­nos durante esse perlodo. Os tradutores lutaram com mestria com minha prosa econtribufram de forma significativa para 0 estUo com sua propria criatividade.

Meu trabalho de campo entre os Soya foi fmanciado por urns Training Grantin the Behavioral Sciences (U. S. P..H. S. G. M. 1059), concedida atrav~s da Univer­sidade de Chicago (1970-1973), Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEPEG),Funda¢o Ford, Funda¢o Wenner-Gren e Financiadora de Estudos e Projetos(FlNEP) (1977-1979). Agrade~ a essas instituil'Oes 0 fmanciamento recebido,quetamb6m inclulli a prepara¢o deste manuscrito para publica¢o.

Minha esposa e eu fizemos a maior parte de nosso trabalho de earnpo em1970-73 (nesse perlodo, ficamos um total de 15 meses na aldeia Suya). Tfuhamos

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poucas amizades e nenhwn "arente no Brasil. Nossa eterna t>;ratida:o pela afetuosaacolltida e apoio que recobemos dos segwntesamlgos: Sr. Henrique e Sra. FannyFix, Dora e Alessa:ldro Ventura, Alexandre e Sylvia Fix, C~1ia e Rui, SamuelSchneider Neto e familia, os Boutons, os Nicholsons, Dr. David Fringer, KenBrecher, Sandy Da~s e muitos outros cujo encorajamento foi de grande Import3n·cia para nosso projeto.

No Xingu ~ grande a nossa divida para com Orlando e Claudio Villas Boas,diretores do Parque Nacional do Xingu, pelo apoio dado ao nosso projeto em 1970·1973, e a Olympio Serra por nos ter assistido em nossas viagens de campo poste·riores (1975·1978). A ForI'" Mrea Brasileira, atrav~ de sua Divisa:o de TransportesA~reos, foi de ajuda inestim4vel em nossas viagens ao Xingu. Os m~dicos da EscolaPaufu:a de Medicina, sob a supervisa:o do Dr. Roberto Baruzzi, foram sempre Citeise generosos no que diz respeito A assis~ncia m~dica e a1lmentar, como Da Cida,eofermeira dedica,da que tern 0 nossa respeito e o· dos Suyll. Mairawe, chefe do Pos·to Diauarwn, ajudou.nos de muitas formas.

Devo muito a todos os Suy4. Muito mais do que este livro demonstra. A dedi­~o que tiveram ensinando-me a respeito de sua sociedade estlmulou·me a apre·sentar sua interpreta~o do mundo da forma mais fiel que a compreen~o que delatenho permite. Tentei escrever sobre 0 que ~ Importante para eles - sua IilCisica,seus omamentos corporals e outros aspectos de suas vidas - da mell1or, mais sense·vel e mais honesta forma poss{vel. No que frJhei, espero que sejam tolerantes; noque consegui realizar, esperf' riar-ll1es satisfa9a:O. Minha mulher, Judith LelandSeeger, colaborou em todas as etapas deste livro: de companheira no campo, cujapresenl'" na:o somente enriqueceu minhas informa90es como enriqueceu, de todas asformas poss{veis, minha experiSncia, a~ revisora fmal. Ela participou de todas asversGos preliminares destes artigos, dlscutindo e criticando. Ela, tanto quanto osSuy4, tomou poss{vel 0 esfor90 intelectual e experiencial que resulto'" neste Ii­vro. Por esse motivo, dediquei-o a eles.

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APRESENTA9AO: IMAGENS NOESPELHO*

Este livro euma cole¢o de anigos, escritos durante os ultimos seis anos, con­cebidos independentemente, porem inter-relacionados, sobre aspectos importantesdIls sociedlldes ind/genas brasileiras. Os t6pkos Slio variados - a natureza do traba­Iho de campo antropol6glco, a signifkllfiio dos omamentos corporais e dIl culturamaterial, a poslfiio dos velhos, a importdncia social dIl muska, as diferentes fonnasde lideranfa, a ideologio do parentesco, e um ensaio bibliogrdfico que introduz 0

leitor no estudo dos indios brasileiros. Embora os topkos se;am diversos, hd nestesestudos a inten¢o unificadora de estimular a analise comparativa das sociedadeshumanas. A Antropologio e sempre implicita ou explicitamente comparativa. Es·tes arrigos focaJizam os indios Suyd do Norte de Mato Grosso, e comparam-nos comoutros indios dIl regliio das te"as baixas sul-americanasl Hd, porem, um outro ni·vel de comparllfiio que todos eles pretendem estimular: 0 estudo dessas caracteris­ticas na nossa propria sociedllde. 0 estudo dos indios brasileiros pode nos cons­cientizar de aspectos de nossa propria sociedllde sobre os quilis tendemos a refletirmuito pouco. Atraves da analise dos indios brasileiros somos for,ados a nos cons/­derar a partir de um ponto de vista diferente. Assim os arrigos deste livro, tomadosem con;unto, pretendem fomecer uma especie de espelho atraves do qual 0 leitorPOSSQ ref/etir sobre certas caracteristicas de sua propria sociedade, bem como so­bre as dos proprios indios.

o titulo desta apresenta,iio inspira-se nos espelhos que Slio parte de muitosparques de diversoes. Os parques de diversoes e a Antropologio tem uma importan­te caracteristica em comum: ambos aJteram a percep,iio. No prime/ro, altera-sea percepfiio que 0 individuo tem de seu corpo e do espa,o; na segundll, 0 que se al­tera ea percep,iio que ele tem de sua sociedllde e dIls sociedades humanas em ge­raJ.

Tradu~io de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti.

No original, lowland South American tribes. 0 conceito de lowlands, na Antropologiasul.americana, exclui especificamente as sociedades do planalto andino. (N. do R.)

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Nos parques de diversijes, a roda-gigante propicia diferentes percepfoes doespllfo na medido em que subimos ou descemos. A montan/ul-russa altera as per­cepfoes do corpo ("Meu est6mago estd na garganta"!!) e dos emo¢es (medo eanimllfao) que crescem e minguam a cada subido e deseida. Uma dos atrllfoes pa­pulares nas feiras dos £Stados Unidos Slio as "casas malucas': onde as percep¢essensoriilis se intensificam ou frustram com a luz ou 0 escuro, onde 0 "sblido" c/ufogira, ou emite jatos de ar, onde as paredes nao Slio perpendiculares e 0 que parecehorizontal e na verdode inc1inado. Uma das caracterist/cas comuns dos "casas ma­lucas" Slio as espelhos deformadores que 000 ao jd desorientado visitante uma seriede imagens de si mesmo dramat/camente diferentes. Num espelho ele e um anao,pequeno e gordo, quase sem brafos e pernas. No proximo, e um magro gigante,com pernas como as do cegonha. Nos espelhos menores seus trafos familiareisedistorcem. Sua testa pode parecer tres vezes maior do que 0 comum, suas orelhasgigantescas, e seu nariz com a bico de um tucano. As distorfoes tornam a visitan­te mais consciente da simetriil do corpo que VIU rejletida nos espelhos de sua casaau em fotografias de famOia. Nesses espelhos deformadores suas idliias sobre asproporfoes do corpo sifo desafiadas pews diferentes visoes do que ele possa ser.

Nossa contempwflio dos soeiedodes indigenas brasileiras em sua espeeifici­dode cultural deveriil est/mulnr a rejlexlio soeiol6gica sobre nossa pr6priil soeiedo­de. Porem hd mais a ganhar com a compreenSlio dos sociedodes indtgenas do que acompreenSlio de n6s mesmos. Na apreeillfao do peculiaridode dos indios brasilei­ros reside a possibilidode de alterar em alguns aspectos a maneira etnfJcentrica pe­la qual esses povos cont/nuam a ser tratados e encarados. Os indios brasileiros ain­do hoje tem 0 estatuto juridico de menores, e imagina-se popuw";"ente que se­jam inocentes crianfas au subumanos condenOOos, remanescentes de uma '1dode

, do pedra ". Os indios nlio sao nem inocentes nem sobreviventes de uma outra era,mas sim adultos espertos, vivendo no Brasil de hoje, fa1nndQ linguas diferentesdos ,nossas, vivendo vidos diferentes dos nossas e valoTizando ideais diferentesdos nossos, Como tal eles colocam problemas especfFzeos para wrA sociedadeeuropeia tlio segura, em todos as epocas, de ter sempre as respostas certas para todosas questoes possiveis (em bora tanto asrespostas quanto as questoes estejam sempremudondo). 0 estudo dos indios em sua especificidJJde e singular/dode deveria insp1­rar-nos a todos a reconsiderar nossa re/nflio com eles, e especiil/mente as politicasindigenistas e as atuais dificuldodes contra as quais os membros dos soeiedodes in­digenas brasileirizs estifo lutando.

Embora ate recentemente a An tropologia est/vesse basicamente identiFzeadocom 0, estudo de sociedodes nao-ocidenta;s, ela esteve sempre 'envolvido na ten/lJ­tiva de compreender melhor a sociedode do analista. As princip)1is preocuPllfoesdos antrop6logos no estudo de outras soeiedodes est/veram sempre ligadas as preo­cupllfoes gerais quanto, a sua pr6priil soeiedode. Assim, os tapicos qe parentesc:sJe religiiio slio ambos ant/gas e permanentes do estudq.antropolOgico, assim como asobjetos da andlise soeiol6gica, do investigaflio Ftlos6f;ca, ou preocuptJflio populnr.o crescente interesse pela reillflio dos soeiedodes ociden/lJiscom 0 meio ambientegerou um interesse te6rico na Antropologia peia andlise do re/nflio que outras

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sociedades estabelecemm. 0 mesmo oeO"eu com papeis sexuais, velhice e medi­c/na. Essa preocuplJfao com a noSSIJ propria soeiedade e ao mesmo tempo a forfae a fmqueza da Antropologia; como fraqueza. pode levar a analises etnocentricasnas quais os trlJfos que niio nos preocupam diretamente s50 descartados; comO for­fa. gamnte um lugar para a Antropologia nas tentativas socialOgicas e jilosajicasdas sociedades ocidentais de compreenderem a si mesmas.

Ate os principias do seculo XX. os cientistas sociais europeus usavam-se asi mesmos como medida de toda a humanidade. As outms'sociedades emm tidascomo inferiores jd que emm diferentes das da Europa do seculo XIX. Essa /nferio­ridade niio era simplesmente tecnologica. mas /ntelectual, mcial. moml e sociaLIsso e especialmente evidente nos escritos dos principals autores do seculo XIX,como Tylor (1871). J. F. McLennan (1865), L. H. Morgan (1871) e F. Engels(1884). No entanto. a discussfio de outms sociedades em termos do que elas niiopossuem tem uma historia mais longa. Quando um antigo viajante disse que os Tu­pinamlxi emm um povo cuja /(ngua .niio tinha as letras "f", '.," e :'1" e emm por­tanto "sem fe. sem rei e sem lei". ele expressava um ponto de vista semelhante.

No seculo XX. muitos autores altemram sua preocuplJfdo: se anteriormenteos antropologos usavam sua soeiedade como medida da humanidade, eles hoje usama humanidade como medida de si mesmos. Isso e em parte 0 resultado do trabalhode campo cada JleZ mais senslvel. cujo maior expoente foi Bronislaw Malinowski(1975). Mas e tambem 0 resultado de mudanfas maiores na percep¢o que temosde nossa sociedade. Se os Tup/namlxi emm /ncomuns por serem "sem fe. sem reie sem lei" no seculo XVI, muitos membros da soeiedade oeidental uniram-se aeles no que diz respeito iz fe e iz monarquia no seculo XX. e descobriram que asleis sao antes mutliveis do que reveladas. As analises antropolOgicas mostraramque os Tupinambd tinham na verdade leis. crenfas relig/osas e lidelllnfa po/(tica,porem de uma forma que passava despercebida aos monarquistas e juristas caro­licos no passado (ver F. Fernandes 1963 e 1971; H. Gastres 1978). 0 declinio daera colonial e 0 crescente questionamento dos principias bdsicos de nossa socieda­de levaram a interesses outros. bastante diferentes. nas soeiedades nii<H!UTopeias. Aquestao n50 e tan to ava/id-Ios em rellJfao a nos mesmos, mas considerd-los e a nosmesmos como partes de uma grande variedade de solufoes diferentes para proble­mas semelhantes. Gutras sQCiedades tem outras maneiras de lidar com coisas quenos causam tanta ansiedade: relafoes no interior da famz1ia. crenfas sobre 0 signifi­cado da vida, papeis sexuais, velhice, propriedade privada. poder polItico. dewiae multos outros. Essas diferentes solUfoes sao sugestivas tanto para le/gos como pamantrop6logos. psicologos, teologos e cientistas po/(ticos.

A lif50 que cumpre tirar do estudo comparativo da humanidade niio t! a deque as outras soeiedades sao melhores ou piores do que a nossa; mas a de que te­mos algo a aprender com elas. 0 etnocentrismo dos evolucionisllls niio precisa sersubstituldo por uma visao romantica do nobre selvagem; ao inves disso. podemosconsiderar nossa sociedade como uma entre as muitas que constituem 0 mundo.A subseqUente compreensao de nossa propria soeiedade pode enriquecer-se, como 0

podem campos como a literatura e a musica. Em vez de considelllrmos Shakespeare,

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Dante au as membros do Academw Brasileira de Letras coma a medido de todo aliteratura, e Bach, Beethoven au ViIla-Lobos como a medido de todo a mUsica,podemos enriquecer nossas vidos e nossa compreensilo pela leitura do Mahabarata,do Tao Te Ching, de poemas epicos africanos, e auvindo as ragas indwnas, as or·questras garneloniavanesas e as alda dos (ndios Suyd discutidos mais adwnte.

A raziio de as antropologos estudarem questaes de interesse geral para a Oei­dente em soeiedades niio-oeidentais e a fato de acreditarem que uma distdnciilmaior de seu obieto de estudo aperfeifoa sua capacidode de anallsd-Io. Todos nOstendemos a tomlJ/" nossas crenras como dadas. A creditamos que nossa maneira defazer as coisas, como educar crinnfas au adorar a Deus e "natural", au "revelado",•au "obvw", au "Iogict!'~ Porem, na verdode, a maioria do imensa variedade dos so·ciedodes humanas acreditil estar fazendo as coisas "naturalmente" au do melhor aumais logica maneira poss(vel. Assim, a estudo de outras sociedodes permite ao ana·lista relativizar as instituifoes, as crenrns e a ethos de sua propria sociedode.

o estudo do "outro" - a soeial e culluralmente distilnie ~ niio envalve ne­cessariamente a andlise de soeiedades tribais. Hd muito que aprender cOm as soeie­dodes complexas, niio-oeidentilis, como aIndiq,. China, Japiio au Irii. Para um memobrn dos camadas mlidws da Zona Sui do Rio de Janeiro, um habitante de uma fave­la au a sociedode do elite euma especie de "outro" desconhecido tambem As dis·tancws socwis e culturais silo uma questiio de grau. Alguns brilhantes eSludos deantropologos brasileiros de aspectos do sociedode brasileira provam que as antrop6­logos podem considerar produtivamente sua propriil sociedode. Uma das maneiraspelas quais se pode a/canrar certil distdncw com relariio Ii sociedade brasileira epela leilura e considerariio detalhado do que as antropOlogos escreveram sabre ou­tras sociedades. Este livro sabre as (ndios brasileiros pode servir a esse propOsito.

Os esludos deste livro basewm-se num total de 20 meses de trabalho de cam­po com as (ndios Suyd. Minha mulher e eu vivemos na maior casa da aldew comcerca de 35 Suyd, compreendendo seis do que podenamos chamar de "familias"constilu(dos par um marido, uma au mais mulheres, e crianras. Num pen'odo deanos, vivemos durante 20 meses numa C01lQ sem paredes intemas, dividindo nossoespafo vital, nossa comida, nossas experiencias, nOS$OS pensamentos (na medidaem que pod(amos expressd-los e compreende-los na /(ngua Suyd), nossa musicae nosso humor. Niio fomos para ensinar, nem com nenhuma idew de superiorida­de em termos de religiiio, tecnologia de subsistencw, au a que quer que fosse. Fo­mas para aprender, humildemente, cheios de curiosidode, e considerando-nos privi­legiildos pela oporlunidode. Minha pesquisa niio inc/u(a planas de "salvar" as Suydde uma (suposta) danariio, (hipotetica) extinriio, (condenado) anaifabetismo, au(imaginado) ignonincw ecolOgica e mora/.

Os Suyd tinham a sorte de viver no Parque Naciona/ do Xingu, onde Orlandoe Gaudio Villas Boas, e posteriormente Olympia Serra, cuidovam de seus interessesem tennos de (enYl e assistencia. Eu estava livre, portanto, para vert aprender e ten~

tilr compreender a que as Suyd - e par extensilo'outras soeiedodes sul-americanas- estavam fazendo. Essa aprendizagem niio foi uma experiencia fdcil e nem sempre

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[oi agraddveL Era sempre de$llfiadora, frequentemente frustrante, e por vezes terri­velmente desencorajadora.

Alguns aspectos dil nOS$ll experiencia de pesqui$ll entre os Suyti sao discutidosno primeiro capItulo deste livro. 0 trabalho de campo, porem,e apenas uma partedil Antropologia. Os esttigios finais sao tambl!m importantes: escrever os resultadosdil pesquisa na forma de uma dissertariio ou liv,;" e a considerariio da sociedadeestudildil em termos de questaes mals gerais. It preciMmente esse entrelofamentoen tre a experiencia de campo e as preocupar;oes teoricas o· que produz a andliseantropolbgica. A ma/oria dos estudos deste volume [oi originalmente escrita pa­ra simposios sohre topicos espedficos e [oi depois modificadil para publicar;iloem outros lugares. Reescrevi dois deles especificamente para este livro; fiz, po­rem, um breve pre[dc/o para cada urn deles, a fim de introduzir 0 leiter 110 temae sugerir awWnas das questaes gerais envolvidas.

o Cap(tulo 1, sobre meu trabalho de campo, descreve minha propria expe­riencia de trabalho com os Suyd desde a concePfilo original do estudo ate as difi­culdildes concretas· que encontrei em alcanrar 0 campo e /d trabalhar. 0 trabalhode campo antropologico [oi por muito tempo envolvido em lenda e misterio, e eimportante [alar mais sobre esse ponto. Esse artlgo [oi apresentado inicialmentecomo seminlirio no Museu Nacional em 1973 e [oi subseqUentemente elllboradocomo In trotiuriio de minha tiissertar;iio de doutorado em 1974.

o CapItulo 2 trata dos omamentos corporais dos Suyd, uma dils caractens­ticas mals imediatamente notdveis desse grupo. 0 grande disco labial vermelhoe os discos de orelha brancos sao aparentemente grosseiras de[ormaroes do corpo.Tem, porem, um significado importante para os Suyd, e tanto 0 metodo de andU­se como sua significar;iio sugerem generalizllfoes para nosso uso de omamentose avaliariio dils [aculdildes do corpo. Esse cap(tulo [oi apresentado primeiramentena forma oral na Universidilde de Silo Paulo em 1973 e [oi depois desenvolvidoe pub/icado em Ethnology, uma revista antropolOgica.

o CapItulo 3 considera a poslfiio dos velhos. Em muitas sociedades os velhossilo marginalizados e desprestigiados; entre os (ndios Suyd eles tem papeis especialse gozam de urn tipo de prest(gio especial. A posifiio unica dos ve/hos Suyd e 0 pon­to de partidil para uma reflexilo sobre a posifOO dos velhos numa peropectiva com·parativa. 0 art/go [oi apresentado inicialmente como parte de um simposio sobre/dade e gerarilo na reuniiio anual dil Associafilo Americana de Antropologia em1977 e elllborado para este volume.

o Cap(tulo 4 e um trabalho sobre a importlincia dil musica nas sociedildes dilste"as baixas dil A merica do Sui, tomando os Suyd como exemplo. Se muitos mem­bros de uma sociedade pas$llm cantando tanto tempo quanto paSMm em atividildesde subsistencia, durante longos per(odos, entiio e necesslirio examinar 0 que a musi­ca [az nessas sociedildes. A mUsica e a arte de modo geral preci$llm ser anali$lldils nointerior do contexto mais geral dil sociedilde em que sao produzidils. Esse trabalho[oi apresentado primeiramente na reuniiio anual dil Sociedilde de Etnomusicologiaem 1978.

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o Capitulo 5 e uma analise da lideranfa, tendo novamente os Suya por exem·plo. A lideran,a nas sociedades das terras haixas da America do Sui e bem diferentedo tipo de lideranfa autoritaria iJ qual a. maioria dos membros das soeiedades oei­dentois esta acostumada. Os tipos de lideres e as fontes de sua legitifflafiio sao dis­cutidos especificamente a partir das disputas faccionais que oco"eram nas ultimasdecadas. Esse estudo foi inicia/mente apresentado num simpasio sobre a "Lideran­fa nas Terras Baixas da America do Sui" na reunfllo anual da Assoclafiio Americanade Antropologia em 1975.

o Capitulo 6 e uma breve discussiio de um topico malor: a organizafiio so­cial das sociedades das te"as haixas da America do Sui Eia nao e faci/mente anali­Stivel nos termos dos modelos antropolOgicos desenvolvidos na Africa, Melanesia eoutras areas etnogrdficas. Sugiro 0 tipo de analise que deveria ser empreendido. Es­se estudo foi apresentado inicialmente num simposio sobre "Linhagem e Descen­etencia nas Terras Baixas da America do SuI" na reuniiio anual da Associo¢o Ame­ricana de Antropologia em 1976.

o capitulo final e um entoio bibliografico escrito de parceria com meu cole­ga Eduardo Viveiros de Castro. Foi redig/do para 0 Boletim Infonnativo Bibliogr.l­fico e apareceu naquela publicQfao e como um suplemento da revista Dados em de­zembro de 1977. Nossa intenfao era dar ao estudante iniciante uma ideia do quefoi escrito sobre os indios brasileiros, informd-lo das principais preocupafOes teO­ricas que motivaram 0 estudo desses grupos e mostrar-lhe os auxilios bibliogrdficosexistentes. Em raziio da sua utilidade como instrumento de pesquisa, deeidimosatualiza-lo e publicti-Io nesta colefiio. A bibliografia utilizada em todos os outrostrahalhos esta incluida na bibliograj"1ll desse ensaio final, numa unica listagem ai­fabeticamente organizada.

Um livro que se compoe de uma colefao de estudos independentes tem re­dundJincias e lacunas inevittiveis. A maioria dos trohalhos antropolOgicos sobre so­ciedades indigenas e publicada na forma de etnograjias, nas quais se tenta apre­sentar um amplo pano de fundo da sociedade bem como uma analise detalhada dealguns de seus aspectos especificos. As etnograj"llls tem a vantagem da completudee da coerencia; tem a desvantagem de serem longas, cheias de detalhes etnogrdfi­cos dificeis de assimilar por parte do leitor iniciante, e sao frequentemente de di­ficil generalizQfiio. Estes estudos, ao contrario, sao completos em si mesmos e niioprecisam ser lidos em ordem. As questoes sao cwamente formuladas e'em cadacaso ha uma tentativa de generalizQfiio.

Nos paragrafos seguintes apresentarei um rlipido esbofo dos indios Suyd edo lugar em que vivem, 0 que servird de hase para os artigos que supoem grandeparte desse conhecimento.

Os indios Suya vivem na parte setentrional do Parque Naeional do Xingu,no Norte de Mato Grosso, a duas horas de canoa do Posto lndigena de Diauarum,numa aldeia circular de sete casas com uma populafiio total de cerca de 140 pes­soas. Falam uma lingua que pertence ao ramo setentrional da faml1ia IingUisticaJe, e partilham muitos trafos da organizQfiio social e cultural com os outros mem­bros dessa faml1ialingUistica. Sao mals intimamente relacionados aosApinaye (des-

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crltos em Da Matta 1976)', aos Kayap6 setentrlonais (descrltos em Vidal 1977),e aos Timbira (ver Melatti 1978 e Carneiro da OJnha 1978). as Suyd 940 menosrelacionados em termos de /(ngua e cultura aos N centrais (incluindo os Xavantee os Xerente) e os Je merldionais (incluindo os Kaingang e os Xokleng).

Alem dos produtos de suas rOfas, os Suyd vivem da cllfa, da pesca e da cole­.ta. Nao partieipam de nenhum modo importante da economia nacional e vivembem em seu atual habitat com urna dieta adequada e amplos recurso~ A topogra­fia de seu terr/torlo e plana, e os principais tTafos climatol6gicos 940 esta¢es chu­VOstlS e secas muito distintas. De outubro ate marfo au abril, as chuvas caem, e 0

rio sobe cerca de seis metros acima de seu nfvel mais baixo, deixa suas rnargense inunda grafJde parte da floresta. De maio ate setembro 0 ctiu e limpo e 0 rio seencolhe ate serpentear entre as margens de areia branca. Muitas caracten'sticas dasvitills dos Suyd seguem essas mudanf~ A vida social e cerimonial, as tt!cnicas desubsistencia e os recursos alimentares variam de acordo com as estafoe~ Quandaos rlos estao baixos, os peixes se concentram e tornam-se a principal caracterfsti­ca dii dieta Suyd; quando 0' rlos estao cheios, os Suyd concentram-se na CIlfa. Emalgumas epocas do ano, [rutas como 0 piqui 940 importantes na dieta, em outras hdos ovos postos pelas tartarugas nos bancos de areia, coletam-se algumos larvas e as­sim por diante. As rOfas 940 tambtim StlZonais, protiuzindo milho verde (um Ingre­diente importante em muitas refelfoes cerlmoniais), batatas-doces, card e outras co­Ihe/tas durante perfodos relativamente pequenos. a principal genero amildceo e 0

bei;u de mandioca; durante todo 0 ano as mulheres processtlm rafzes de mandiocabrava para produzir farlnha para 0 bei;u e mingau para beber.

A organizllfao social dos Suyd, tal como ocorre na maioria das sociedades dasterras baixas sutamerlcanas, baseia-se no parentesco. as domfnios que considera­mos como separados - po/(tica, economia, organizllfiio familiar, religiao e pniticasde subsistencia - ·sao na verdade intimamente relacionados. Nao e produtivo tentarestabelecer uma separllfao rigida desses domfnios emsociedades trlbais de pequenaescala, e na verdade tambtim em nossa propria sociedade eles se inter-relacionam emgrau menor. Entre os Suyd, os lideres politicos t~m autorldade na medida em querepresentam uma faCfao forte baseada nO parentesco. As relafoes econbmicas 940basicamente reillfoes de parentesco. A relig/ao nao envolve um criador; as cerimo·mas sao orientadas para os ritos de passagem ea iniciafao dos ;oven~

A iniciafao dos ;ovens e altamente elaborada nas cerimonias e mitos dos Jtisetentrlonais. Em todas essas sociedades, quando um homem se casa, deixa sua casanatal e muda-se com a espostl para a casa da famnia desta. Ld 0 ;ovem marido e algocomo um estranho, e e sO depois de gerar vdrias crianfas que alcan,a a poslfiio dehomem plenamente adulto e politicamente responsdvel. Essa transfOTmafaO de ;0­vem solteiro em homem plenamente adulto e 0 ob;eto de vdrlos rltuais altamente

2 Todas as referencias bibliogrlificas oeste livro scrao feitas desse modo. 0 leitor podeencon.trar a referencia completa procwando Da Matta na bibliografla no fmal do liVID, even­do que livra foi publicado em 1916. Caso me reflIa a uma pagina especff'ica. 0 Dlirnero da pagi­na segue 0 ano de public~o. POI exemplo: (Da Matta 1976: 112), ou seja, pllgina 112 de UrnMundo Dividtdo de Roberto Da Matta.

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elaborados (para as Ramkokamekra, ate hoje melhor descritos em Nimuendaju1946, e para as Kraho, em Melatti 1978). No caso dos Suya, um homem idealmentedeixa sua coso natal antes de casar e vive no caso dus homens no centro do a/dew ateque gere uma crianfa. quando va; viver com sua mulher e a familia desta.

Outra caracter/stica comum a todos as Je setentrionais e a fato de que um ho­mem fem tanto uma identid/lde fisica quanto social. Sua ident/dade fisica e seu cor­po, 0 qual ele recebe dos pais, e sua identidade social esta contida nos seus nomes,as quais ele recebe de "urn tio materna ". Tanto a corpo quanta as names altertim­se, dependendo d/l idade e do sexo do individuo. No nascimento, os bebes recebemfaixas de braro e de perna mas slio chamados de "nenem" ate que possam andar. Osrituals de iniciafiio para as homens, e de puberdade para as mulheres, cnvo/vem rna­dificaroes tanto no corpo (em termos de ornamentarlio) quanta na identidade so­cial do individuo (em termos de seu nome e status). Os homens e as mulheres Suyadeveriam ter os lobos d/ls orelhas furados e deveriam usar grandes discos de orelha;os homens deveriam ter 0 labio inferior [urado e usar grandes discos labiais (tanto aperfurarlio da ore/ha quanto a do Idbio foram recentemente modificad/ls pelos Suyacomo consequencia de seu cantata com membros do sociedade brasi/eira nacional).Os ornamen~os labiais e as names mudam ambos novamente nil velhice.

A nominartlo, a importtincia do corpo, as cerimonias de iniciariio e amusicacantada em fados elas silo elementos importantes das sociedades indz'genas brasi/ei­ras e dos Suya em particular, e reaparecem em multos dos trabalhos deste /ivro. Nliodeveriam ser completamente estranhos ao leitor: afinal, furamos as ore/has dos be­bes, temos padrinhas no batismo, recebemas ape/idos e atravessamos varios ritosde passagem que envo/vem musica, como casamentos, batismos e funerais. as indiossao diferentes; mas nao tao diferentes assim. A comparafiio e instrn liva.

Como conse,quencia do contato com as [rentes de expanstlo da sociedade na­cional, a popularlio Suya talvez seja apellas 20% do que foi outrora. 1sso se deve amassacres, a envenenamento e as repetidas epidemias que devastaram os dais ramosdo grupo ate sua pacificarlio em 1959 e 1969, respectivamellte. A perda populncio­nal levou a uma conso/idarlio de todos os Suya numa ullica aldeia..Algumas institui­foes consideradas importantes foram abandolladas nos u/limos 20 alIOS por causado dec/l'nio populncional. Na ultima decada, porem, sua popularlio tem crescidorapidamente; desenvo/veram um sentimento de identidade etnica cada vez mais for·te, e esttio tentando descobrir como podem ellfrentar a sociedade naciona/ sem dew­parecerem como grupo. A questao que as Suyd /evantam para a resta do paz's eemque medida os (lldios poderlio determinar seu proprio futuro, e que grau de inde­pendencia politico e economica podertio exercer dentra de seus proprios territorios.as Suyti sobreviveram 00 choque inicial do cantata e iL ameOfa de extinftio fisica.Hoje eles se confrolltam com as problemas poUticos e culturais mais complexos desobreviverem como povo de umafarma que considerem desejdvel.

as artigos rewlidos neste livro sao apenas uma parte do que escrevi sabre asSuya e os (lldios lias terras baixas da America do Sui Uma /ista completa e dad/l nabib/iogra{za. 0 que falta especialmente slio trabalhos sobre 0 contato entre "',diose nlio-(lIdios, e identid/lde !!tnica. Como, porem, meu trabalho nessa area foi pub/i-

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cado em portugues e e facilmente encontrdvel, /lifo acreditei ser necessario inc/u{­los. Um trabalho sobre a hiJtoria Suya e identidade etnica aparecera no Anu:1rioAntropol6gico 78 e ootro, escrito de parceria com Eduardo Viveiros de Castro,'Terras e Territorios Indigenas no Brasil", foi publicado na Revista de Civiliza~o

Brasileira, 11912, ;unho de 1979. Minhas preocupo;oes poUticas e as de colegase amigos aparecem especialmente nas publicafoeo da Comissao Pro-Indio, Rio deJaneiro. AJem disso, uma etnogm[1Il sobre os Suya que trata de muitos desses to­picos de maneira mais extensa sera publicada pela Harvard University Press. e a tra­du¢o esta em alldamento.

Finalmente, concluindo esta apresellto;iio, e preciJo dizer alguma coisa a maissobre os {ndios Suyti. Agmdeci-lhes a a;uda e 0 companheirismo na dedicatoria enos agmdecimentos; iJto porem /lifo e sujiciente. Aproveitamos a companhia um doootro, ouvimos as canfoes um do outro e aprendemos alguma coisa (mas certamen_te nem tudo 0 que hd para conhecer) um sobre 0 outro. Embora /lifo tenha ido paraos Suya com 0 proposito de ensinar, eles provavelmente aprellderam tallto qualltoeu de nossa prolongada interafao. A Antropologia nUllca e um estorfo ullilateral,e a experiencia de ter tido 0 chefe Suya como hOspede durante uma semana 110 Riode Jalleiro em "/978 deu-me uma ideia pessoal do que e ter um observadorcurioso,solidtirio e totalmeme estrangeiro morando em nossa casa. Ha um outro livro quepoderia ser escrito, a que dar{amos 0 tftulo dt as Brancos e N6s. Seria um livrosobre a percePfiio Suya da nossa sociedade, com 0 meu retrato ou 0 de algum dosmeus leitores na capa, ao inves de um Suya. Ajinal as imagens refletidas nos olhamde volta. Contudo, por mais desajiador que seia, esse livro ainda tera de ser escrito.E sera do maior interesse se algum dia 0 for. A visao dos illdios das terras bai­xas da America do Sui do nosso mUlldo e ttlo sutil e illstrutiva como a sua visaode seu proprio mUlldo, que tentei apresentar aqui.

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APRESENTA9A0

o trabalho de campo e uma caracter(stica btisica da An tropologia moderna.At!! 0 final do seculo XIX, a maior parte dos cientistas voltados para 0 estuda desociedades niio<lcidentais ficava em seu gabinete e escrevia sobre pavos distantesa partir de relatos de viajantes e de na"ativas de missiondrios. Existe uma hist6ria,provavelmente ap6cri[a, sobre Sir James Frazer, autor do The Golden Bough, aquem se perguntou se havia visitado a/gum dos povos cujos costumes exOticos ha­viam sido objeto de extensos escritos seus e ele respondeu: "Deus me livre!': 0trabalho de campo de Franz Boas, Spencer e Gillen, W. H. Rivers e outros, na pas­sagem do seculo, mostrou que, se 0 analista [osse ao campo, poderia reunir dadosmuito mais ricos do que se utilizasse co"espondencia. Bronislaw Malinowski ficoumuitos anos na Melanesia durante a Primeira Grande Guerra. Sua "Introduriio" aos

'lrgonautas do Pacifico Ocidental (Malinowski 1975) continua sendo a melhordiscussiio sobre a importancia do trabalho de campo a tonga prazo para a An tro­pologia. Apesar desse evidente comero, por uma serie de razoes 0 trabalho de cam­po continua envo/to em misterio. Eassunto de conversas sociais e de fuxicos, masate hd muito pouco tempo raramente era assunto de reflexoes publicadas. Existemmuitos problemas em todo trabalho de campo que merecem considerariio previa deum estudante que esta partindo para sua pesquisa: 0 projeto de pesquisa, como en­trar no campo, que papeis pode desempenhar no grupo, como coletar dados. Emmeu trabalho de campo houve problemas e soluroes especlficos a mim e a minhapropria sit>~ariio, mas houve tambl!m muitas coisas que qualquer um que realizetrabalho de Campo, especialmente com sociedades ind(genas das te"as baixas daAmerica do Sui, encontrara. Algumas[oram levantadas no artigo abaixa, que e umarevisiio da "introdufiio" de minha tese de doutoramel'lta (Seeger 1974).

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CAPITULO 1

PESQUISA DE CAMPO: UMA CRIAN<;ANO MUNDO*

"De todas as ciencias, a Antropologia e sem duvida unica, no transformara roais intima subjetividade em instrumento de demonstra~[o objetiva".

Uvi·Strauss, 0 Escopo da Antropologia

o material etnografico sobre 0 qual a Antropologia trabalba equase sempreo remitado da atividade singular do pesquisador no campo, num momento especifi­co de sua trajetoria pessoal e teorica, de suas eondi,e>es de saUde e do contextodado, e essa atividade e exercida sobre urn grupo social que se eneontra num certomomento de seu proprio processo de transforma9ao. 0 contato ecomurnente di·ffeil para ambas as partes, e se a Antropologia pode reivindicar qualquer vaiidadedentro da contingencia da pesquisa de campo na qual se baseia, Isso se deve apenasadificuldade do trabalbo e a dediGa9ao a uma teoria e a urn metodo por parte dopesquisador, e a muita paciencia por parte do grupo com 0 qual esta trabalbando.

Todo pesquisador tern, sem dllvida, em virtude de sua individualidade, umadiferente abordagem de seu objeto, e urn estilo proprio de trabalbo, que sa:o aspec­tos ditados muitas vezes por circunstiincias particulare'. Ao deixar por fun 0 cam­po, ele teve uma experiencia pessoal intensa e (oxal3!) eoletou dados teoricamenterelevantes. A experieneia pessoal por que passa e os dados que coleta nao estaocompletamente dissociados.

Devemos indagar insistentemente para saber mais em detalbe a maneira eomourna pessoa trabalbou para eoletar os dados que apresenta. Trabalhou por periodoslongos ou eurtos? Fez 0 uso da lingua nativa, de interpretes, ou de uma lingua deoontat01 Havia urn au varias informantes? Fez levantamentos estatisticos ou USDU

de informantes voluntarios? 0 modo pelo qual se trabalhou e 0 que se fez exerce·rao urn efeito profundo sobre 0 que quer que soja que se venha a escrever.

Ha ainda outra quesliio: toda pesquisa de campo e, ate certo ponto, urna vio·1a9[0 da soeiedade que e estudada, pois os antrop6logos, as vezes, tern de fazer per·

• TIadu~ao de Iva Frigerio.

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guntas dificeis e desagradaveis. Mesmo em termos de aloca,lio de seu pr6prio tem­po, urn informante deve escolher entre responder a perguntas e fazer qualquer ou­tra coisa. Urn pesquisador pode causar outras prival'6es acomunidade, ao comer 0

alimento de suas ro~as, ao exigir cuidados por ignorar as convenyoes sociais e peri­gos naturais, au ao insistir em obtef respostas claras sabre assuntos em que a ambi­gUidade 0 preferive!. a segundo grupo de quest6es sobre 0 trabalho de campo deurn pesquisador deve gravitar em torno de respostas a perguntas como: "Por quelhes foi importante responder a suas pergwItas?", "Por que foram eles tao pacien­tesT', "0 que as fez aceita-lo?" e "0 que eque representava para eles?".

Neste capitulo tenciono responder a essas indaga~es com respeito a meupr6prio trabalho de campo entre os indios Suya do Mato Grosso do Norte do Brasil.No meu pr6prio caso, contudo, devo principiar pela primeira e vaga formula,lio doprojeto, a fun de explicar por que foi que estudei os Suya em particular.

A pr6pria experiencia "preoCampo" no Brasil, antes que eu pudesse chegar atoos Suya, foi importante, pois quando consegui atingir 0 campo, ap6s consideravelatraso, a demora mesma se revestiu de amplas conseqiiencias. Minha propria vida etrabalho no campo foi urn processo, nao wna situ39ao estatica; esse processo cul­minou com minha illtima partida e foi marcado por algumas persistencias na abor­dagem e no mHodo. Era, de cerlo modo, idiossincratico, porque refletia minhapr6pria personalidade e escolhas, assim como certas contingencias da situavao de.campo, mas autocontrolado em rauo de ffitd treinamento em teoria e metoda an.'tropol6gico, tal como 0 tinha entre 1970 e 1978.

I. RAZOES PARA ESTUDAR OS SUYAHavia duas raz5es primordiais para que eu desejasse ir para 0 Brasil central,

sendo urna pessoal e a outra te6rica. Eu achava 0 Brasil eentral urn iugar fascinan­te, desde minhas aulas de Geografia no quinto ano primario. as animais estranhos;o numero abundante de insetos e as pequenas sociedades me fascinavam. Pessoal­mente, prefuo pequenos grupos de pessoas e nlio me sinto avontade em grandesaglomeraeroes, seoda capaz de passar muitos meses Duma area remota, mais conten­te do que se tivesse de pesquisar a assistencia dos jogos de futebol, por exemplo. Haum elemento de escolha pessoal em todos os trabalhos de campo.

Pelo lado te6rico. interessei-me pelo estudo comparativo das sociedades Je, nafaculdade, e meu primeiro contato com a complexidade da organizavao social Je foiatraves do Professor Maybury-Lewis, em 1966. Os Je pareciam. suscitar muitas dasindagal'6es mais interessantes em Antropologia, e ofereeer uma area ideal para estu­dos comparativos. Continuei a estudar as tribos das terras baixas da America do Sul,especiaimente as de lingua 10, no curso de P6s-Gradua,lio da Universidade deCornell e mais tarde na Universidade de Chicago.

A possibilidade de urn estudo comparativo dos 10 creseeu na medida em quemembros do Harvard.(:entral Brazil Project completaram suas pesquisas. as traba­llios de Terence Turner (1966) e Joan Bamberger Turner (1967) sobre os Kayap6setentrionais, Jean Lave (1967) sobre os Krlkati, JUlio Melatti (1970) sobre osKrah6, Roberto Da Matta (1971) sobre os Apinaye, David Maybury-Lewis (1965,

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1967) sobre os Xavante e Xerente, e Christopher Crocker (1967) sobre os Bororoforam contribui90es Importantes para a etnografia dos Je e dos indios sul-america­nos em geral. Outros estudos, notadamente os de Larma (1967) e Vidal (1973),tambtlm contribuiram para 0 crescente corpus etnogrMico sobre as sociedades delingua Je.

Alguns tra90s Importantes da cultura e da organizal'8"o social parecern comunsa todos os grupos 10, como por exemplo a subsistencia e a habital'8"o. As aruIIisescomparativas de Instituil"'les e cren9as numa area como a do Brasil central podemvalidar hip6teses levantadas no contexto de qualquer urn dos grupos, porque estaspodem ser testadas em sociedades Intlmamente relacionadas, e acredito que isso re­presenta urna grande evolu¢o em relal'8"o d prntica tradicioual de construl'8o deurna hip6tese baseada nurn caso isolado, para enuro extrapola-Ia diretamente paraanalises de tipo "cros,,"culturaf' de maior amplitude, caracteristicao, dos uti1izadoresdo Human Relations Area Files.

Dado meu Interesse em participar de estudos comparativos das sociedades deIfngua Ie, decidi estudar os Suya. Mas, enquanto esbo93va meu projeto em 1969,havia pros e contras a qualquer proposta de estudo dos Suya. Eles havtam sido visi­tados durante dois meses, em 1960, por urn etn6grafo que entao publicou urn arti­go sobre eles no NatiolUll Geographic Magazine: "Brazil's Big-Upped Indians"(Schultz 1962). Schultz encontrara os Suyli nurn acampamento temporlirio e apa­rentemente nao conseguira fazer-se entender; tampouco entendeu os Suya. Emhora,no artigo do NatiolUll Geographic, Schultz ressalte a similaridade entre as UnguasKrah6 e Suya, sugerindo com isso, ter podido conversar com eles, nurn artigo maiscientffico (Schultz 1960/61) descreve sua Impossibilidade de se comunicar comqualquer deles, exceto urn residente Trumai, que tambem nao falava Suya. 0 relatode Schultz Indicava ~e os Suya eram urn anul1garna das culturas do Alto-Xlngu eIe, e que sofriam as conseqiiencias de extrema depopula9ao.

o outro (mico trabalho publicado .sobre os Suya caracterizava-os como" ...urna sociedade em rufnas, na qual 0 proprio tamanho limitava 0 alcance e 0 In­teresse da aruIIise" (Lanna 1976:68). Terence Turner, que durante seu trabalho decampo encontrara urn menlno Suya visitando os Kayap6 setentrionais, assegurou­me que os Suya nao estavam provavelmente uro desorganizados como acreditavaLanna. Nao estava absolutamente claro, contudo, qual seria 0 estado da sociedadeSuyli, 0 que representava nftido empecilho a qualquer formula~o precisa de umapesquisa de campo entre eles.

Ocorrera, contudo, urn Interessante progresso, pois dizia-se que os belicososBei9Qs-de-Pau, os Tapayuna, que cstavam sendo "pacificados" no rio Arinos, fala­vam uma lingua virtua1mente identica d dos Suyli, e sua populal'8"o foi descrita co­mo sendo grande e dispersaem pelo menos 12 aldelas. 0 descobrimento de urnnovo grlipo de Suyli tomou 0 projeto mais Interessante e eu tencionava principiarrnlnha pesquisa de campo estudando os Suyli orientals no Xlngu, ondeaprenderiasua Ifngua, para posterionnente ,visitar os Arinos e estudar as outras aldeias, o'queme pennitiria estudar partes da "mesma triho" que tlnham estado separadas por urnperiodo de tempo relativamente curto. Seria urn estudo ideal de nticromudan93.

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Com isso em mente, redigi minha proposta de e~tu~o do mito, do ritual e da organi·za~o social dos Suya, "para invesligar comparativamente a natureza da rela9ao domito e db ritual com aspectos da organiza9ao social, e a coerencia geral dos siste·mas simb6licos" (do rr.eu Piano de Pesquisa de Doutoramento, 1970), e em novem­bro de 1970 minha esposa e eu desembarcamos no Rio de Janeiro, com a inten~o

de estar no campo em janeiro de 197I.

2. A INFLU£NCIA DA BUROCRACIA BRASILEIRA E DA POLiTiCAINDIGENISTA SOBRE 0 TRABALHO DE CAMPO

Esperavamos que nOssa ida ao campo nao nos fosse criar nenhum problemaespecial. Muitos anlrop6logos haviam trabalhado no Brasil central, e todos eles noscontaram est6rias sobre a burocracia e como tinham levado dais au tres meses paraobter permissao das varias agencias que supervisionavam as indios e todas as pesqui·sas desenvolvidas por estrangeiros em territ6rio brasileiro. No nosso caso, contudo,passaram-se n[o apenas dais ou tres meses, mas aito, antes que·tivessemos acessoa reserva do Xingu para inkiar a pesquisa. Torna·se desnecessario documentar aquias frustral'6es e agonias dos meses devotados a oqter as necessarias permissOes. Nos­so primeiro requerimento foi indeferido sem nenhum fundamento pratico, e a des·peito de nossas manobras nao conseguimos obter reconsidera~ode nossa proposta.Somente em abril de 1971 e que descobrimos que urna nova estrada, a BR.Q80, es­tava sendo construida e, pelo seu tra9ado, cortaria a reserva do Xingu, nao lange _da aldeia Suy;!. Parte da rede de estradas em constru~o na Bacia Amazonica, aBR.Q80 aparecia nos mapas rodoviarios como estando localizada ao norte da reser·va do Xingu, ficando patente que a verdadeiro motivo de nos ter sido negalla a per·missao para estudar as Suya era 0 desejo de manter 0 fato em segredo, ate que,concluida, pudesse ser revelada como um fait accompli. Com a conclusao da estra­da, todas as Wras ao norte de onde cruzava 0 rio Xingu foram conflscadas peloGoverno Federal, e todos as indios que la moravam tiver~m de mudar para a sui,para dentro das fronteiras da reserva. A reserva tornou·se acessivel a qualquer umatraves dessa estrada, e as conllitos e doen9as resultantes do contato dos fazendei·ros com os indios que se recusaram a se transferir para 0 suI sao Dutro tragico epi­s6dio de uma estoria que continua desde a descobrimento da America pelos euro·peus ocidentais.

Felizmente a aldeia Suya nao foi afetada pela nova estrada, que passou cercade 60 km ao norte, nao sendo portanto atingida peia desapropria~o. Com 0 consi­deravel apoio de fontes variadas, conseguimos finalmente obter nossa permissaopara entrar na reserva do Xingu das maos de uma sisuda secretaria do Presidente daFunda~o Nacional do f ndio, a agenda para assuntos indigenas, doravante referidapela sua sigla FUNAI.

Punha·me, Com freqiiencia, a imaginar qual seria 0 fun de nossa batalha paraobter permissao, e se nao seria absurdo perder tanto tempo esperando, p"is todoscom quem falavamos nao acreditavam que demorasse tanto tempo e sempre nos in­citavam a tentar uma Dutra fonte de influencia. Cada espera era somente por "mais.algumas semanas", enquanto tentavamos alga diferente, e esses longos meses foram

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urn enonne escoadouro de nossas energias.e recursos. Nesse perfodo, conhecemosmuitas pessoas gentis, algumas das quais citei nos agradecimentos, nosso dominiodo portu~s aumentou e flzemos algumas viagens, mas sobretudo flzemos bonsamigos.

Algum beneficio nlfo-intencional pode assim ter·resultado de nossa longa esta·da no Brasil, antes de ir"ao campo, mas, quanto ao trabalho propriamente dito, 0

efeito foi realmente importante. Ap6s oito meses de espera, caso trabalhar com osSuy4 se tivesse tornado inviavel ou insatisfat6rio, nlfo haveria qualquer altemativa,a nlfo ser ir ate 0 fun e eu j4 perdera tanto tempo que ate mesmo cogitar em mudarde tribo era bastante desagrad4vel. Minha sorte com os Suy4 estava lan~ada e toma·mos 0 aviao em Sao Paulo para 0 Xingu em fms de junho de 1971.

3. CHEGADA NO CAMPO: UMkENTRADA MUSICAL

Quando embarcamos no DC-3 da For~a Aerea Brasileira que nos levaria aoPosto Leonardo Villas Boas (doravante, simplesmente, Posto Leonardo), foi grandenOS3a sorte em ter como companheiro de viag~ 0 Sr. Claudio Villas Boas, que eraentao oencarregado da parte setentrional do Parque Nacional do Xingu, onde vivemos Su}\4. Juntamente com seu irma:o Orlando, ele foi candidato ao Premio Nobel daPaz. Quase nlfo nos falamos durante 0 vibratdrio e barulhento voo. Sent4vamos delado, ao lo.ngo 4as paredes do aviao despressUrizado, com sua carga de bolas de bor­racha e tecido <Para atrair certas tribos hostis e para manter outras d6ceis), arroz,feijao, verduras (para abastecer as bases da For~ Aerea no Brasil central), e a odori­feracarca~ de urn boi, recentemente abatido, para abastecer a Base Jacare, da For·~ Aerea, no Xingu.

o Posto Leonardo e urn amont6ado de casas relativamente grande, que incluiurn pequeno hospital, uma caSa de h6spedes, residencias dos Villas Boas e um gran·de refeit6rio, e tambem certo numero de casas menores para os trabalhadores. 0Posto Leonardo sempre nos pareceu uma cidade, ja que possui eletricidade ~ noiteem algumas casas e os tetos sa:o de folha de zinco ou telha, ao inves de palha. Emnossa primeira noite, Claudio Villas Boas comentou que ouvira dizer que cant4va·mos e perguntou·nos se gostariamos de cantar. Fomos buscar nossos instrumentose, ap6s afmar 0 banjo e 0 vioHfo, iniciamos uma no~tada musical que se prolongou poralgumas horas. Fizemos sucesso imediato, ndO somente junto ao Sr. Villas Boas eaos trabalhadores brasileiros do Posto l

, mas tarnbem com os indios que ali estavamde visita, e que tinharn vindo de suas aldeias a alguma distancia.

Na manha: seguinte Claudio desceu 0 Xingu em dire,ilo a Diauarum, numpequeno barco, prometendo falar com os Suya e contar·lhes sobre nossa vinda.Falou com e1es, mas nilo soubemos os detalhes do que disse, ate meses mais tarde.

Usarei 0 tenno "brasileiros" para me referir a quaisquer na<rlndios, de ascendencia euro­peia, negra au mesti~a que sejam cidadaos do Brasil.

Eles nem sempre sao "brancos", nem podem ser chamados de "civilizados", tendo emvista seu comportamento em rclacao aos indios. sendo parlanto exato 0 tenno "brasileiro" paradistinguir pessoas que sao culturalmente nao·indios daquelas que 0 sao - embora os indiostambem sejam, de certo modo, brasileiros.

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Ele dissera aos Suy:! que eramos milsicos, que meu pai era urn homem importantee que vieramos para aprender a lingua e a ,nilsica Suy:!. Os Suya poderiam pedir-nosque cantassemos a qualquer hora, que cantariamos, e caso nlro gostassem de n6sdeveriam avisa~o e ele nos mandarla embora. Perto de concluir minha pesquisa, des­cobri que ele havia contado aos Suya que n6s, fmalmente, escreviamos urn livre,que seria lido por ele, e que caso os Suy:! nll'o nos tivessem contado a verdade, nll'orios tivessem ensinado bern, flearla zangado com eles. Os Suya respeitavam muitoClaudio Villas Boas, por razBes que deserevo no Capitulo 2, e 0 resultado de suaentusiastica recomendafll'o aos Suya foi uma recepfii:o favoravel por parte deles,

Gastamos mals de duas semanas no Posto Leonardo, aguardando urna oportu­nidade para Ir ate Diauarum, e passlivamos 0 tempo visitando divet... tribos, cujasaldeias nlro ficavam multo distantes do Posto, e solidificando nossa reputaflro decantores, pois solicitavam-nos que cantassemos quase todas as noites, ouviam nossasest6rias e indios visitantes aprendiam nossas can('/les. Urn dia fomos presenciar urnacerimania entre os Yawalapiti, urna tribo proxima do Posto Leonardo e talvez amais "rica" em termos de ,bens de origem ocidental. Fomos convidados a voltar nodia seguinte para cantar para eles em pagamento, e, enquanto cantavamos, urnYawalapiti trouxe urn pequeno gravador cassete de sua casa e gravo\l nossas can­('/les, do mesmo modo como acablframos de gravar as suas. Soubemos depois queele levou 0 gravador As outras aldeias e toCou nossa musica para eles tambem, e emtodas as visitas subsequentes ao Posto Leonardo sempre nos pediram para cantar,diante de urna grande e entusiastica plateia, 0 que era bastante lisonjeiro.

Finalmente, conseguimos urn Ingar no barco para Diauarurn, e chegamos jun­tamente Com urn grupo de medicos que tinham viajado ate la para vacinar os lndiosdaquela parte da reserva contra a variola. Todos os Suya, Juruna e multos dosCaiabi estaval1l congregados em Diauamm, dormindo em suas casas temporlfrias,que ficavam vazias a maior parte do ano. Apinhavam Amargem do rio quando che­gamos, e os homens Suya se sobiessalam na multidll'o, parados si!enciosamente, comos brafOs cruzados, distinguiveis pelos seus discos labiais vermelhos, e examina­vam-nos. Enfrentar uma situaflro nova com frieza nunca e faci!, e 0 primeiro mo­mento foi certamente 0 pior, pois nem os Suya nem n6s sablamos 0 que esperarurn do outro.

4. A FORMAI;AO DE UM ANTROPOLOGO

Cerca de uma semana ap6s chegarmos a Diauamm fomos finalmente levadosnuma canoa ate a aldeia Suya, localizada cerca de duas horas e meia de Diauamm,no rio Suya-Missu. Claudio Villas Boas pedira aos Suy:! para nos construir uma casa,o que nll'o fizeram. Quando Niokombedi, urn dos chefes, me perguntou onde gosta­ria de morar, respondi que preferiamos morar numa casa Suya, porque mra gost;!.vamos de ficar soziohos, e Niokombedi nos convidou para ficar em sua ampla casa,na qual viviam cerca de 35 pessoas num iinico comodo sem divisOes internas. Noinlcio dormiamos num canto da casa, que semelhava urn grande dep6sito de taba­co; mais tarde, famos convidados a dormir mais pr6ximo do centro. Nossas redesforam armadas, construiram umjirau para nossas bagagens enos estabelecemos.

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Havia tres problemas diflceis a solucionar. 0 primeiro era 0 que comer; 0 se·gundo, como distribuir nossos presentes; e 0 terceiro era como coletar os dadosque eu desejava. 0 primeiro deles era 0 mais importante para n6s, a curto prazo; 0

segundo, 0 mais importante para os ·Suy.(; e 0 terceiro 0 mais importante paramimafmal.

A experiencia Suy~, .com visitantes ...,tes de nos, havia sido de curtas visitas,de pessoas que haviam trazido seu pr6prio <lin;/ento, tendo-o comido sozinhas oupartilhando-o com alguns deles. Em virtude do dmstico limite de peso no aviaoda For~ Aerea, tlnhamos trazido apenas leite, suprimento de protemas, a~tlcar ealgumas sopas desidratadas pan 0 caso de en/ermidade. Depois de urna semana,cOOgou urn dia em que nos deram somente urna castanha para comer, embora a epa­ca fosse de fartura. Decidi que teria de fazer algurna coisa, e falei com Niokombedi,que era 0 chefe da casa, 0 qual me disse que Judy poderia levar nossa caba~a e nossoprato para 0 foga:o, onde !he seria dada oomida por urna das muIheres encarregadasda distribui~o.

Come~va enta:o 0 sutil adestramento do antrop6logo como pescador e ca~·

dor, pois nos dariam cada vez menos alimento da panela comum ate que eu come·~ a pescar, quando entao nos dariarn mais, mas a por~o seria novamente dimi·nulda quando me ocupasse com outras coisas que na:o a subsistencia. Depois decerto tempo, ficou claro que, para permanecer e sobreviver, teria de participar nacoleta de alimento, muito mais do que pudera imaginar. Tomava parte em quasetodas as ca~das coletivase expedil'6es de pesea durante os primeiros meses, e tam­bern pescava por minha conta, geralmente como companhia para urn menino de 10anos que pescava muito me!hor que eu, mas que sofria de convulstles e necessitavade urn companheiro para impedir que caisse da canoa. Eramos ambos monollngiiesno inlcio, e j~ que ca~ e pescar sa:o coisas serias, e na:o atividades loquazes, eu vol­tava para casa exausto, maldizend6 0 dia em que decidira trabalhar com urn grupoque na:o possui economia monetUia, e sentia como se na:o estivesse realizando coisaalguma. Os longos dias no rio e na floresta contribulram fundamentalmente para aminha oompreensa:o dos Suya, mas isso na:o parecia nada evidente nos primeiros me·ses de nossa estada.

Em raza:o de pedido meu ao chefe, os homens limparam urn lote de ro~ paran6s, e em setembro plantamos mandioca, miIho, batata-doce, inhame, amendoim,banana e cana-de·a¢car. Ap6s urna distribui~o inicial dentro da casa, a maior par­te dos produtos da ro~ e trazida em pequenas quantidades e comida por seus pr6­prios donos. Como na:o tlnhamos uma ro~ nossa, era por pura sorte que recebia·mos qualquer desses alimentos. Os Suy.( nao estavam nos matando a mfngua pormaldade; acontecia que nao nos ajustavamos as suas ideias preconcebidas de estran­geiros na:o-Suy.(, ao mesmo tempo em que nao nos en~vamos em seus padroesde partilha de alimento. Alem do mais, eramos urn casal. As familias nucleares sa:ounidades economicas importantes. Como solteiro, eu poderia ter sido adotado e ali­mentado por urna famflia, mas, enquanto casal, esperavam que IoSSemOS indepen­dentes. Assim, nos primeiros quatro meses perdi 15 quilos.

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Outra dificuldade, cuja extensa:o s6 mais tarde pudemos compreender, era aposse de mercadorias. Eu trouxera certjl quantidade de bens para os Suy~, e deratalvez meade deles para 0 capita'o, ou'chefe , que agia como intermedillrio entre osbrasileiros e os Suy~, na distribui~ll'opr.ra a aldeia no dia em que chegamos. pse erao procedimento usual estabeleeido pelos Villas Boas no Xingu. a resto dos 'artigosguardei para troca posterior. as Suy~ os desejav\Ull, mas nlfo sabiam como obte.los,e eu ignorava qual 0 respectivo valor, para eles, dos varios produtos que desejavam.Outrossim, nlfo se regateia ao comereiar, pois tem·se ''vergonha'' (whitJsam) e nlfose pede mais do que eofereeido, mesmo que se venha a ficar desapontado. Pareciaimportante distribuir os bens, mas parecia igualmente importante ter sempre maisem mi08 para manter 0 interesse em nossa presen~. a problema da distribui~o foiresolvido, na primeira viagem que fizemos, ao trocar certas coisas por lJma colergode artefatos. Nunca comereiei nada diretamente por alirnento ou informa~o,masme tomei mais generoso e passei a permitir que aqueles com quem trabalhava regu·!armente tivessem tudo 0 que pediam.

as Su~ eram particularmente suscetiveis em rel~fo ao nosso suprimento debens, porque 80mente os bruxos e que acumulavam coisaspara si mesmos, e eurntributo ao relativismo cultural e i pacteneia dos Suy~ 0 nunca' terem nos acusadode bruxos. Ap6s a primeira grande distribui~lfo de presentes, em seguida ao nossoretorno de cada viagem, a troca era a norma. as Suy~ lllfo pediam ou imploravamcoisas de maneira direta, dizendo que, se ficassem 0 tempo todo pedindo ou toman·do coisas para si, eu nfo voltaria com mais presentes. Erarn astutos, e en fazia 0 mi·xirno para encorajar essa cren~ todas as vezes que voltava i aldeia.

Alem de trazer presentes, trouxemos e adrninistr~vamos medicamentos.Claudio Villas Boas fomeceu-nos alguns outro, medicamentos que nlfo haviamospensado em trazer, e tra~vamos qualquer problema de saUde que'os Su~ nos apre·sentassem, 0 que poupava i familia de urn doente urna viagem ate Diauarum. Fre·qiientemente pudemos detectar infe~Oes ou severos ,ataques de malaria, antesque se tomassem serios. Quando 0 paeiente nlfo melhorava, tinhamos de confiar nojulgamento Suy~ de quando deveria ser transportado para Diauarum para tratamen·to mais especializado que aquele que podiamos oferecer. a U80 de ervas medicinalsnlfo e prestigiado entre os Suy~, e eles nunca pensaram em nos pagar pelo tratamen·to, embora apreciassem nossos esfor~s. Do mesmo modo que a ca~a e a pesca, 0

tratamento medico era urna dura tarefa que, afmal, tomou os Suy~mais receptivosi nossa presen~ e mais interessados em meu trabalho.

a terceiro problema, 0 da coleta de dados, tambem foi 8Olueionado com 0

passar do tempo. Havia somente tres homens Suy~ que falavam portugues relativa·mente bern; alguns outros falavam urn pouco, e 0 resto' (inclusive todas as mulheres)quase nada. as primeiros meses foram urna agonia de frustra~es,j~ que eu nlfo fa·lava Suy~, nem podia acompanhar os que falavam portugues durante 0 dia. Nll'o ha­via nenhurn modo, aparentemente, de conseguir tempo livre para estudar a linguaou de usar interpretes, pois a ca~a, a pesca e 0 sustento da familia eram de supremaimportaneia. as poucos individuos com quem eu podia me comunicar estavam ocu­pados e nlfo podiam perder 0 dia todo comigo. Nurna economia monet~ia,pode.se

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dar dinheirq em troca de trabalhos tediosos como a instrul'30 linguistica, e 0 dinhei·ro pode ser, usado para comprar alimento. Entre os Suya, porem, nada podia com·prar alimento; em consequen~a, meu trabalho linguistico durante os prirneirosquatro meses foi esporadico. Para complicar ainda mais, na minha primeira visita,muitas familias estavam fazendo demoradas viagens durante a estal'3o seca para ca­I'ar e pescar a certa disUincia da aldeia.

Fiquei desapontado por outras raz5es ainda, durante 0 prirneiro periodo nocampo, de julho a novembro de 1971. Ao contrario dos outros Je, os Suya pareciamser ritualmente estereis; ruro havia grandes cerim6nias de qualquer especie sendo efe­tua1as, com excel'lio de urn curto cerirnonial de queima das rol'as, e uma esporMicaentoal'30 de cantos de outras tribo8- Tampouco pude descobrir quaisquer metades.a proprio tema que eu tencionava estudar nlio estava, aparentemente, mals operan­do.

Deixamos os Suya em novembro de 1971 para visitar nossas familias por vol­ta do Natal; est:lvamos magros, fracos e desencorajados. Coletara muitas observa­\'Ges diretas: tamanho das rol'"s, disposil'aO da aldeia, distribuil'liO de alimento, algu­mas transcri\'Ges linguisticas e respostas a urn grande numero de perguntas, muitas<las quais feitas em portugues. As respostas eram geralmente inooerentes e ininteligi­vels. Li 0 Guia Prdti<:o de Antropologia, urn esbol'0 de t6picos que viajantes e antro­p6logos deveriam investigar no campo, e conclui que perguntara tudo, mas que osSuya e que nada sabiam. Amadeu Lanna, aparentemente, estava certo. Mesmoassim, com 0 ternpo perdido e 0 compromisso ja firmado, nlio tinha escolha outraque retornar aos Suya, em janeiro, 0 que fez a grande diferenl'a, pois embora os pri­meiro. quatro meses tenham sido importantes e sejam parte do processo de trabalhode campo em qualquer lugar, meu trabalho rea!mente teve inicio emjaneiro de 1972.Depois disso, houve momentos de atividade nuixima e as vezes frustra\'Ges, mas 0material era cada vez mais interessante. Comecei a sentir durante minha Ultima visi·ta que, longe de serem superficiais, a complexidade das ideias Suya frequentementeiludia meu entendimento e, quanta mais pesquisava qualquer assunto, mais se reve·lava a sua complexidade e riqueza. As prirneiras respostas dos Suya as minhas per·guntas eram as mesmas que se dao a uma crianl'": simples. Quanto mais eu aprendia,roam eles me ensinavam.

a pr6prio fato de retornar a aldeia em janeiro era sinal de compromisso paracom os Suya, pois poucos visitantes penetram na regiao do Xingu durante a estal'liochuvosa, repleta de mosquitos e malaria, de novembro a marc;o. Retornamos compl".esentes, inclusive aqueles especialmente encomendados por muitas pessoas, e coi­sas que eu nlio imaginava pudessem os Suya desejar em nossa prirneira visita. Chega·mas em janeiro e encontramos nossa fac;a cheia de milho no ponto de ser colhido, edesde entao pudemos partilhar nossas colheitas com outras familias e estabelecerredes de troea de alimentos. Recebiamos sempre mais do que davamos, mas pelomenos liavia intercambio, 0 qual tambem reforl'Ou meu relacionamento com mellSmelhores infonnantes.

as Suya intciaram 0 cerirnonial de nominal'aO, a festa do rato, alguns diasap6s nosso retorno, e pela primeira vez comecei a obter dados coerentes sobre as

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pmticas de nomina9fo e os grupos cerimoniais. Descobri que nossa primeira visitacoincidira com um periodo de relativa inatividade ritual. Continuei a pescar e a ca·~ar, e a achar isso oneroso, mas, Como adquiria rapidamente fluc!ncia em Suyli,era mala facil encontrar com quem conversar quando queria trabalhar, pois ja nllome limitava aos poucos homens que falavam portugues.

Chegarnos em meados de janeiro de 1972 e tornarnos a partir em fms de abril .. Passarnos algum tempo em 8[0 Paulo, trabalhando e fazendo compras, e entlro reo

tornarnos ao Xingu em meados de junho, permanecendo na aldeia at6 principios desetembro, quando, por varias razOes ~ a mais premente sendo a falta de cloroquinapara tratamento da malaria ~,fomos at6 0 Posto Leonardo. La passei duas semanastrabalhando os meus dados e escrevendo relat6rios de campo. Podia comer moz efeijio, e devotar dias inteiros a leitur. de anota<;6es, organizando·as e preparandonovas areas de investiga9fo. Nesse interim, minha esposa. viajou aM Silo Paulo, fezapressadamente algumas compras e voltou a reserva em duas semanas. Retornarnosao convivio dos Suya em prittcipios de outubro, permanecendo at6 0 inicio de feve·reiro, quando nossa saude foi abalada por repetidas crises de malaria. Nesses mesesfmais, cacei e pesquei menos e flz mala trabalho antropol6gico, mas as vezes me can­sava de meu papel de manipulador de conversas e de espiio, parasitlirio e.dependen·te. Deixarnos 0 campo em principios de fevereiro de 1973. De mar~ ajunho minis­trei um curso, com 0 Professor Roberto Da Malta, no Museu Naciona1 do Rio deJaneiro. Judy retornou aos Suya em abril-maio para veriflcar certo 'numero de ques·tOes bdsicas.

Retrospectivarnente, dou-me conta de que, de certa forma, flli criado pelosSuya. Quando hi chegamos pela primeira vez, tratararn-me como urna crian~ ~ 0

que eu era, jil que nIlo sabia falar ou ver como eles viam. Levei meses, por exemplo,para ver a sombra ou as ondula<;6es de um peixe rapido na agua e para atirar compresteza para atingi·lo com a lIecha. Nilo sabia distinguir os sons que os Suya ou­viam, pois nao os entendia e sequer os conhecia. No inicio, fifo me deixavam forade vista. Nunca sai sozinho numa canoa e nunca vaguei desacompanhado pela flo­resta, embora carninhasse pelas ro~as. Aprendi a pisar exatarnente onde eles pisavampara evitar por os p6s em espinhos, arraias e forrnigueiros, e aprendi lentamente 00­

de era bom pescar e como faz6-lo. N[o compensava para os adullos despender seutempo me ensinando, e por isso me mandavam sair com os menmos que sabiammais do que eu.

Os Suya ensinararn-me a falar com a mesma paciencia com que ensinam a seusflllios, e, espantados com minha habilidade em anotar as coisas e ainda assim <isque·c6-1as, viviam a me testar. Tarnb6m usavam a t6cnica de dizer uma frase obscenamuito rapidamente para que eu a repetisse, e ent[o caiam na risada, quando 0 fazia.Contavam-me coisas anoite, do mesmO modo que os pais fazem com sellS fIlhos, einteressavam... em saber se eu entendera as coisas corretamente. Sempre me indi­cavam a pessoa que sabia mais sobre qualquer assooto, quer fosse mito, musica,nome de casa, genealogia ou hist6ria, e fui instmido a n[o trabalhar com as mulhe·res ou com os joveos porque nada sabiam. Se houve de minha parte alguma falbapara compreender as coisas que me foram explicadas, isso ollo reflete as honestas

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tentativas de todos os Suya. Tratavam·me como urn menino de 12 anos quando par·tOOos, pois eu sabia remar, pescar e ca~ar pelos arredores, como 0 faz urn meninade 12 anos. Sabia conversar adequadarnente, mas sem 0 diseernimento e controle de

'imagens e metliforas que os adultos sabiarn empregar. Acima de tudo os jovens de·vern ouvir e aprender, e de certo modo eu era urn menino ideal de 12 anos.

As mulberes supervisionavain 0 treinarnento de minha esposa e ela aprendeu apreparar nossa comida, a teeer, a falar Suya e a fofocar horas a fio. Fora promovidade raspadora de ralzes de mandioca a "dona-controladora" de quantidades de fari·nha de mandioca e de mingau. As mulberes ensinavam-Ihe a lingua de modo quepodiarn fazer·lbe perguntas e viee·versa, e ela nli"o raro me fomecia dados importan·tes e Mvezfs testemunhava S<5zinha urn fato, pois somente As mulberes era penniti·do presenciar 0 naseimento de urna crian9", por exemplo. De certo modo, Judy po.dia gozar a permaneneia entre os Suya mais do que eu, pois nao era obrigada a seruma antrop6loga, e podia relacionar·se com os Suya como urn ser hurnano, por sim·patia, enquanto eu sempre tinha de permaneeer urn cientista social tambem.

Por que os Suya nos aeeitararn? Ja sugeri que a resposta nao e simples. Noinlcio nao M duvida de,que foi gra9"s a apresentayli"o de Claudio Villas Boas, masem janeiro de 1972 ele deixou 0 Xingu e nunca retomou a Diauarum durante nossapermanencia. Nossa musica fora parte da razao e nossos presentes tambem, pois, asvezes, os carregarnentos de provislles para a reserva da FUNAI eram interrompidos,e representlivamos a Unica fonte de balas, !inh. de pesea, pequenos anz6is e outrosartigos. Todos 0' Suya apreciavam nossa ajuda Hledica, e as mulberes Suya gostavamde minha esposa e desfrutavarn sua presen~a.

Ha mvito que rir de urn par de adultos deSajeitados que agem como crian~as,

e os Suya gostarn muito de rir. Tambem respeitavam muito meu interesse nos aspec·tos de sua pr6pria sociedade que eles mesmos acbavam interessantes: ritual, mUsica,est6rias, parentesco e ideologias, e eu era pretexto para a realizayli"o de rituais, paraque pudessem me ensinar, de modo que aprendesse e gravasse.

Quando deixamos a aldeia, em fevereiro de 1973, os Suya disseram; mais pordramat~cidade que por raz5es reais: primeiro, que todos iriam mouer caso nao esti­vessemos Ja para medica·los; segundo, que nao teriam mais aeesso aos bens, porquenA'o estariamos 13 para fornece-Ios; e, terceiro, que as homens nao passariam maistanto tempo na casa dos homensporque eu nli"o estaria la. Convidaram·nos a voltar,e disseram que, caso eu tivesse algum amigo que quisesse aprender sua lingua e suamusica, ficariam feUzes em the ensinar, da mesma forma que a mim.

De fato, retomarnos em dezembro de 1975, para encontra·los em excelenteestado de esp(rito e saude. Fomos recebidos com entusiasmo e imediatamente in·corporados as suas atividades como se jamais houvessemos eslado ausentes, e urna deminhas grandes dificuldades era que, enquanto eles permaneciarn fortes como nun·ca, eu me encontrava fora de forma, ap6s dois anos passados diante de urna maqui·na de escrever el~trica e de urn quadro-negro. J3 nao podia rernar como antes, corrertao rapidarnente atms de macacos que desapareciam por entre as arvores, e cantartanto, comendo tao pouco como anteriormente. Demoramos, os Suya e eu, algumtempo para nos dar conta disso, e esse perfodo teve urn fmal abrupto ap6s mais ou

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menos dois meses, quando parti com pnewnonia. Consegui, contudo, expandirconsideravelmente 0 meu dominio da lingua e solucionei algumas das questOes Ie·vantadas enquanto escrevia minha dissertayKo.

Morar no Brasil e traballiar no Museu Nacional entre 1975 e 1979 tomou oscantatas que temos com as Suya mais variados. Retomei para uma breve visita emjulbo de 1976, e estava a carninho em 1977 quando uma crise de malAria tornou aviagem impossive!. Ao inves disso, foi urn SuyA que se eneontrava em Sao Paulo pa·ra tratamento m~dico que nos visitou no Rio, e entaD tive a sensa¢o de me sentircomo urn nativo, e, quando 0 homem que nos visitava repetidamente perdia seu sen­tido de dire9ao nas ruas, eu the dizia: "Lembra-se de como eu era assim que chegueia sua a1deia? Nao conhecia nada, e se voce vivesse aqui par wn longo periodo detempo, voce aprenderia". Ele concordou que sempre leva a1gum tempo para seaprenderem as coisas. Posso imaginar as coisas que contou ao retornar aaldeia, paisestava obviamente escandalizado com 0 fato de dorminnos num quarto diferentedo de nossa fJlha.

Estou planejando outra viagem il a1deia Suya, para conversar mais profunda­mente com eles sobre sua musica - um t6pico que consegui desenvolver, conside­ravelmente, em 1975-76 (Seeger 1977 e Capitulo 4 deste volume)2.

Uma das difieuldades de urn antrop610go e saber quando deixar de traballiarcom urn grupo. Quando deixei 0 campo em 1973, estaboleci arbitrariamente 0

praza de cinco anos para terminar 0 trabalho principal sobre os Suya, de modo queme pudesse voltar para outros t6picos e outras sociedades, e este livro e urn passoimportante nesse processo.

5. MEUS ~TODOS DE CAMPO

Minha rotina di:lria era dirigida no sentido de maximizar as oportunidades deouvir os Suya que conve"avam, de perguntar e de observar. Em media, um dia deum periodo nao-cerimonial come90va entre 4h30min e 5h, <;juando todos tomavambanho no rio, que estava mais aquecido que 0 ar da madrugaaa. Entao, caso nao fos·se ca~ au pescar, minha esposa e eu iamas a todas as casas com uma caixa de re­medios, para ver se alguem necessitava de Iratamento. Era mais facil ir ate as outrascasas, porque algumas das pessoas nab se sentiam avontade em nossa casa, e por­que, quando os Suya apanham malaria, nao saem de suas redes. Quando assim fazia·mos pela manha, nao eramos chamados 0 resto do dia, a menos que houvesse umaemerg~ncia. Ao visitar as casas,eu podia vcr as pessoas e 0 que faziam. Costwmva­mos conver~ar urn pouco em cada casa, e caso as pessoas estivessem bem, nossasrondas medicas duravam apenas alguns minutos, mas quando hav;a reshiado, infec·90es pulmonares e malaria, despendiamos mais de uma hora.

Podia enUra trabalharJ caso nada acontecesse, escrevendo meu diaria, au inter­rogando as pessoas que permaneciam na a1dela. Aqueles que se encontravam ca90n­do ou pescando costwnavam voltar cerca do meio-dia, caso fossem bem sucedidos, eentao faziamos nossa primeira refel9ao do dia. Nao havia horArio fIxo para as refei-

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Essa viagem foi feita em agost<H>utubro de 1978.

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,<les na aldeia e comiamos sempre que qualquer alimento fosse introduzido em nos­sa casa. Uma das contribuilXles importantes de minha esposa era que ela podia ficarem casa e guardar alimento para mim, caso eu estivesse em algum outrolugar quandoele fosse distribuido.

A parte mais quente do dia eu passava dormindo ou escrevendo. 0 inicio daU;lrde era uma boa hora para encontrar as pessoas e fazer perguntas, e enta'o eu volta­va a escrever men diaria. Ao cair da tarde, costumava fazer Dutra ronda pelas casas,tratando as doentes quando necessaria, e freqiientemente obtendo um pouco doque comer no caminho.· A magnifica luz do sol poente, as familias agrupavam-sedefronte as casas, conversando e brincando com as crian~as, enos jillltavamOS a elas.Ao crepuscnlo, as homens congregavam-se no centro do patio da aldeia e conversa­varn, cantavam au nos pediam para faze-Io. As mulheres agrupavam·se defronte ~casas para conversar. Como n[o trouxera qualquer fonte de luz alem de velas, queusavamos a noite para medicar e em emergencias, n[o trabalhava ap6s 0 anoitecer.Ao inv6s disso, costumava juntar-me aDs homens no centro e ouvia·lhes as canversascom crescente entendimento. A.s vezes aprendia caisas; freqiientemente, nada. Oshomens davam informa9<les voluntarias qnando havia luar suficiente para escrever,e eu ocasionalmente veri/ieava aspectos sobre os quais queria certificar-me de quehavia urn consenSD. Raramerite eu era 0 centro da aten'rlio nessas reunieies, que ser­viam, em geral, para longas narra9<les de ca,adas, assuntos pollticos e exercicios deorat6ria. Quando as mais idosos iam dormir, entre 20h30min e 22h, eu tarnbem meretirava, deixando 0 patio para~ as jovens que buscavam suas aventuras amorosas anoite, e dormiam durante 0 dia mais do que os adnltos ou 0 pr6prio antrop610go.Nossa casa, nao raro, era muito ativa anoite, mas eu donnia profundamente e per­dia todo 0 ir e vir snb-repticio. Os SuyO costumavam nos acordar quando ocorriaalgum evento publico tal como um nascimento, nm eclipse ou uma chuva de meteo·ras, 0 que tornava vantajoso viver com eles numa mesma casa.

E claro que a pesquisa de campo sistematica era dificil em tais circunstiincias.Meu trabalho era sempre algo espor'dico, 0 que tinha um efeito danoso sobre osdados e prolongava minha permanencia no campo. Sempre carregava comigo umpequeno caderno, onde escrevia tudo que me interessasse e, nos longos dias de pes­ca, costumava pensar sobre 0 que aprendera e anotava as pergnntas que deveria fa­zer. Levantava quest<les sabre deterrninado t6pico e, asslm equipado, costumavaprocurar pelas pessoas que considerava indicadas para responde·las. Nos primeirosmeses,· observei muito e aprendi a lingua que procurava sempre melhorar. As coi­sas que n[o conseguia pergnntar on compreender em um mes, deixava de lado,para retoma-las no mes seguinte. A procura de pessoa para responder as minhasperguntas era muito dificil e eu nlfo gostava de me impor, pais, quando se sentempressionados, as Suy' slfo mestres em circuni6quios, e, quando famintos, n[o seinteressarn em dar longas respostas as pergnntas. Quando satisfeitos, geralmente iamdormir. Havia vezes em .que isso n[o acontecia, e eu aproveitava essas ocasieies coma maior habilidade passive!. As vezes, ninguem com qnem podia conversar se en·contrava na aideia, e no dia seguinte eu mesmo tinha de sair para pescar. As vezes,por outro lado, ficavam na aldeia e eu escrevia paginas e p'ginas de material.

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Nlfo utilizei entrevistas estmturadas, e a lista de perguntas que carregava ser·via apenas de base. E extremamente dificil consegnir urna resposta para uma per·gunta abstrata e analitica, tal como: "Por que voce faz isto e aquilo?" Eu costuma·va fazer breves anota\XSes durante as entrevistas, e entao as reescrevia do modomais completo e passivel. Usava .urn- gravador somente para as narrativas, musica edescriyoes de cerimonias que nllo podia presenciar.

Nlfo me utilizei apenas de alguns poucos informantes, mas sim de todos asmembros da aldeia. Havia individuos, contudo, que eram especialistas em certasareas e cujas informaydes sempre forneciam as maiores e melhores detalhes. Cadaurn desses bans infonnantes tinha uma especialidade, alguma coisa em que ele, par·ticula:rmente, era born au que conbecia bern, e as Suya eram de extrema coerencianas informaydes que me transmitiam, pais embora dissessem mais sobre urn deter·minado assunto, nunca se contradiziam. Em relayllo a todos os pontos importantes,eu sempre interrogava veirios infonnantes, especialmente no inicio, 0 que se tomandificil de fazer porque todos concordavam que a pessoa que falava primeiro conhe·cia a assunto melhoi do que todos. Costurnavam dizer que conbeciam mal algunsassnntos e me indicavam ontra pessoa.

Descobri que os Suya pensam multo contextualmente. Minhas perguntas ge­rais, durante as primeiros quatro meses, despertavam respostas superficials e confu·sas. Contudo, durante a eerimonial de nominaylfo, todos as Suya pensavam muitosobre 0 fato, as relaydes implicadas, e sobre as grupos cerimoniais que desempe·nharn as rituais. Quando algu6m morria, todos me forneciam ricos dados sobre amorte e 0 que existe al6m dela. Quando acusaydes de bruxaria ocupavam 0 espiritode todos, todos se interessavam em conversar sobre bruxos. Achei multo produlivo,assim, investigar em profundidade 0 que acontecia na aldeia no momenta da investi­gaylfo, usando varios infonnantes, e obtendo informaydes de minha esposa sabre aque as mulheres dizi;un.

Outra talica que aprendi a aproveitar foi a da casualidade do protesso de des·coberta, pelo qualeu aprendia coisas novas e ihsuspeitadas e tentava fazer todas asperguntas que podia imaginar. Fiz a melhor que pude para tirar 0 m:iximo das opor·tunidades, especialmente depois que comeeei a entender a que conversavam. Sem'pre que ouvia alga, anotava em meu caderno e pedia mals tarde que a pessoa medissesse rilais sobre 0 aSSWlto, e, desse modo, muito aprendi. Urn homem cornen­tau urn dia com outro que teria boa sorte cayando porque tivera urn sonho (0 queme dava aeesso a simbolos oniricos) e, em outra ocasilfo, ouvi urn indio pergun·tando a outro: "Vo~ se transfonnoll nwn passaro e VOOll para 0 c6u com sua ~?"(0 que me introduzia nas viSOes febris). Residir numa casa grande, com 35 pe,soas,como f1zemos, era ~a ajuda inestiIruivel. TamMm passei multas horas ouvindoconversas na casa dos homeljS e durante as reunioes notumas.

Os Suya, ocasionalmente, mencionavam informaydes que achavam que eu de·verla saber. As vezes, diziam: ''Voce sabia disso e disso?"... Freqiientemente faziamperguntas anoite e eu tinha de me esforyar para lembrar as pontos principais, e ana·lar ou continuar no dia seguinte. Uma noite, urn t6pico importante foi levantadodesse modo por uma india, sentada pr6ximo a rede deminha mulher, que disse:

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·'Vod! sabe..... enosdeu uma !ista para termos inOOetos de referencia para afms,que eu ruro suspeitava existirem. Ouvir a conversa Suya, quando conversavam entresi, era muito importante, porque, quando falavam OOetamente comigo, quase sem­pre simplificavam as coisas, como 0 faziam com as crianl'a8, e s6 usavam vocabul:irioque sabiam que eu conhecia.

A descoberta acidental de areas novas continuou nas Ultirnas semanas deminha permanGncia. Terminei meu trabalho ruro porque aaeditasse saber tudo, masporque sabia 0 suficiente a respeito das areas que me interessavam. Fiz realmente al­gum trabalho sistem:itico, usava fotografias de todas as pessoas da aldeia para des­cobrir como as pessoas se dirigiam e se referiam umas as outras, e pesquisei a maiorparte dos pontos com diversos informantes. Caso algo mais interessante ou relevantedo que aquilo com que trabalhava acontecia, deixava tudo para observar 0 novoevento. No fInal, folQ questionamento sistem:itico, aliado ao que cuidadosamenteouvia, que fomeceu os dados para este trabalho. Minha experiencia pessoal com osSuy:i foi importante, mas como acontece com toda boa Antropologia, minha expe·riencia foi urn auxllio na coleta de dados mais ricos, ao inves de urn obst:iculo.

6. DADOS OBfIDOS E DADOS INACESSfVEIS

H:i certos tipos de dados que eu consegui obter e outros que nlfo pude inves­tigar durante minha estada entre os Suya. Por v:irias rawes hist6ricas (ver Seeger,no prelo-a), os Suya nlro viviam como acreditavam que deviam viver, pois a moradia,a inicia¢o masculina e a vida cerimonial estavam profundamente afetadas pela de­popula¢o. A ideologia Suya nao concordava plenamente com a pratica que desen­volviam desde as severas perdas populacionais. A vida cerimonial fora tamMm afe­tada pela ausencia de certo numero de homens que participavam de uma expedi¢o,a pedido de Claudio Villas Boas, durante a maior parte de minha estada. Os Suy:isentiam agudamente a falta desses homens durante os perlodos cerimoniais. Foi im­posslvel testemunhar certos rituais; alguns deles nlfo aconteclam h:i decadas. Fiz to­das as tentativas para observar as mudanl'a8 que haviam ocorrido na sociedade Suy:i,mas estes trabalhos de modo algum sao reconstitui~tles hist6ricas.

o material que nlro conseguia obter sobre a organiza¢o social e as cerimoniasextintas era precisamente 0 que esperava aprender dos grupos Suya remanescentesno rio Arinos em 1970. Foi somente ap6s 10 meses entre os Suya, no Xingu, e apro­ximadamente dois anos no Brasil, que soube ao certo que n[o havia mais nenhurngrupo Suya a ser estudado. Fiz 0 posslvel para sanar as falhas de meus dados, atra­ves de longas entrevistas com os sobreviventes dos Arinos que tinham sido removi·

. dos para a aldeili Suy:i, mas esse trabalho foi realmente prejudicado por minha im·possibilidade de visitar urn segundo grupo Suya.

Embora tenha coletado urn born material sobre as acusa¢es de bruxaria,durante minha permanencia foi imposslvel obter dados hist6ricos completos. Emgeral, os suya respondiam a todas as questtles, mas mostravam·se muito relutantesem repetir quaisquer "m:is palavras" dos bruxos no passado. Nlro pude coletar ricosdramas sociais, pois a maior parte dos mesmos gira em torno de acusa\'5es de bruxa·ria. Somente os bruxos falavam "mas palavras", e ate meSIllO repeti-las representa-

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va algo de mau. Os Suy3 tamMm ruro qui80ram cantar duas de suas can<;'jes, porqueo pr6prio ato de toea-las nurn gravador repre80ntava urna amea9a a aldeia, pois pro­vocaria 0 ataque de indios inimigos. Permitiram-me gravar cantos que podiam preju­dicar somente os individuos, e mesmo assim longe da aldela, mata adentro,com acondi9il'0 de ruro as toear enquanto permanecosse no Xingu.

Os Suya ensinaram-nos tudo 0 que puderam, foram bons companheiros, ejuntos paS$3l\1os bons e maus momentos. Foi um povo paciente e generoso 0 queme treinou para ser urn antrop6logo e urn pouco Suya. Orgu1bavam-se de nosso pro­gressa e preocupavam..e quando adoeciamos. 0 aprendizado frequentemenle se fa­zia em dlll>S dire<;'jes; as vezes eu respondia a tantas perguntas quantas perguntava, edescobri, por embara90"3 experi!ncia, 0 quanto 6 faci! dizer: "Fazemos isso dessemodo porque esse 6 sempre 0 modo pelo qual 0 fazemos", quando uma explica­9il'0 dificil derrotava minhas habilidades linguisticas. Aprendi a me identificar commens informantes; aprendemos as can<;'jes um do outro e as cantlivamos. Este livrobrotou das anota9tles que flZ, dos relat6rios de campo que enviei a meu orientador,e da excita9il'o das cantorias que chegavam a durar 15 horas a fio. Ele representaurna tentativa de tradu9il'o do que acredito ser a dimensil'O fundamental da socieda­de e da cosmologia Suya, em termos que possam 80r compreendidos por qualquerruro-SUy3, 80m cometer injusti93 irreparavel contra 0 que os Suya tentaram me ens!­nar com tanto cuidado.

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APRESENTA9AO

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Os objetos materiais produzidos ou usados em detenninada sociedade sao de­nominados "cultura material", com 0 objetivo de distingui-Ios de outras fonnas deprodufao cultural de uma saciedade, como os mitos ou a mllsira. 0 estudo da cul­tura material foi, em detenninada epoca, uma preocupa¢o fundamental da inves­tigrJfiio 2ntropo16gica. No seculo XIX e no comefo do XX, artefatos de todo 0

mundo foram coletados e comparados, com 0 objetivo de enfileirar as sociedadesa partir de sua complexidade evolutiva e de trafar 0 suposto progresso da humani­dade da "idade da pedro ", passando pela "idade do bronze" e pela "idade do fer­ro ", ate os dias atuais. A cultura material tambem foi estudada para estabelecer asrelafoes hist6ricas entre os grupos. Com 0 declinio do interesse pelos amplos es­quemllll evolutivos e com urn aumento dllll andlises intensivas de sociedades esped­ficas, 0 estudo da cultura material foi bastante abandonado em prol de urn estudoda organizafiio social, da mitologia e do ritual. Entretanto, a cultura material e umaparte importante da vida das pessoas. 0 que elllll fazem, decoram e usam sao parteintegrante de sua cultura. /gnorar essas coisas e um e"o tlio grande quail to can­centrar-se somente nelas. A dificuldade existente nos estudos da cultura materiale em grande parte metodolagica: como estudar a cultura material sem cair no estu­do de Sua variafao de grupo para grupo. Este artigo sugere que 0 primeiro passo etentar descobrir 0 significado de uma dada pefa do ponto de vista do nativo e 0 sig­nificado das finalidades para que eusada. 0 artigo concentra-se no significado dosornamentos Suya do ldbio e da orelha. Isso porque os artefatos relativos ao cOrPO- inclusive os omamentos de pena e a pintura cOrPoral - siio a parte mais elabora­da da cultura material Je. A cultura material relativamente pouco elaborada refe­rente as atividades de subsistencia pode ser comparada com a extrema elabora¢oda omamentafiio cOrPoral. Este artigo foi publicado originalmente na revista ame­ricana Ethnology, vol. 14, n93, em 1975.

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CAPITULO 2

o SIGNIFICADODOS ORNAMENTOS CORPORAlS· I

No seu ensaio intitulado "Magical Hair" ("Cahelo MOgico"), Leach (1958) co­loca dois problemas fundamentais para antrop6logos. 0 primeiro 6 explicar a apa·rente universalidade de eertas configura9Bes simb6licas (especificamente cabelo esexualidade); 0 segundo 6 a relal'io entre 0 que Leach chama "simbolos privados"e "simbolos publicos". Todavia ele considera, como sendo praticamente urn pro­blema hist6rico, exatamente aquilo que pretendo examinar aqui, ou seja, por queurna cultura escollie urn item e nao outro para os seus simbolos. Leach escreve(1958: 152):

Os europeus usam 0 preto como sinal de luto, ao passo que os chine·ses usam 0 branco. Em cada caso, 0 status especial do enlutado est! indi­cado pelo uso de urna vestimenta especial. Mas a quesuro de por que umacuitura seleciona 0 preto para esse prop6sito e outra 0 branco, 6 eerta·mente irrelevante e irrespondivel.

Existe aqui urn problema metodo16gico. Se tra90s de cultura, como as co­res usadas para 0 luto, slfo retirados do seu contexto e comparados em vanas reogiBes do mundo da maneira tornada famosa por Frazer e seguida por BeIg, cujo tra­balho Leach discute, enuro essas caracteristicas podem realmente pareeer aleat6rias.No entanto, se, ao inv6s de retirar uma Unica caracteristica de uma sociedade paraexame, proeuramos estruturas de simbolos inter·relaci.onados, enuro 0 problema depor que urna cultura usa 0 preto e outra 0 branco talvez possa ser explicado e talvezpossa apareeer urna 16gica subjaeente que una os dois sistemas simb6licos. Mary

* Tradu~ao de Carlos Byington.

I Agrade~ especialmente aD Professor Roberto Da Matta, coordenador do programa dep6s.gradua~ao em Antropologia Social do Museu Nacional do Rio de Janeiro, pete estimulo dasconvenas que tivemos, atnves das quais muitas destas ideias se condensaram na sua forma atual.Quero agradecer tamWm aos Professores Terence S. Turner, Victor W. Turner, Judith ShapiJoe Raymond Fogelson, que leram e comentararn partes deste trabalho. Este trabalho foi escritoantes da publi~iio do livro Taba do Corpo, por Jo~ Culas Rodrigues. cuja consultarecomendo.

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Douglas (1966) e Victor Turner (1967) consideraram que a corpo e as suas variassubstancias sao stmbolos referentes fundamentals e que isso pode explicar a seme­lhan9a universal de certas configura90es simb6licas. Neste traballio, examino tr~s

faculdades humanas - audi9ao, fala e visao - e a ornamenta9ao das orelhas e doslabios de cortas tribos brasileiras Aluz dessas considera90es.

As sociedades tribals sul-americanas exibem uma grande variedade de orna­mentas labials e objetas de decora9ao de varios tipos e tamanhos inseridos nos 10­bas das orelhas au no nariz, ornamentos penianos de varios tipos e dimensOes. Es­carifica9ao, cintos largos, tubas no cabelo e diferentes estilos de cabelo encontram­se em muttas tribos. Dentro do pequeno oniverso formado pelas varias tribos quetalam Je, no Brasil central, existe ainda urna variedade consideravel. Os homensXavante usam pequenos tacos de madeira inseridos nos lobos de suas orelhas e por­tam estojos penianos (Maybury.Lewis 1967). Os Timbira orientals usam grandesdiscos na orellia que podem atingir 10 em de dimensao (Nimuendaju 1943 :50),mas nao usam estojos penianos. Tanto as Apinaye como as Timbira orientals usamdiscos nas orelhas, mas nao se utilizam de estojos penianas. Fazem urn orificio nolabia inferior do homem no qual penduram ornamentos de penas (Nimuendaju1939). Os Kayapo setentrionals usam estojos penianos, mas penduram pequenosbrincos nurn grande orifieio que fazem no lobo da orelha Os homens tambem usamdiscos no labia inferior (T. S. Turner 1971). Tanto as Suya como as KayapO usamdiscos labials grossos com urn deseaho na parte inferior. Da mesma forma que asTimbira orientais, as Suya usam gr.uldes discos nas orelhas e nao se utilizam de esto­jos peruanas. Os ornamentos corporais como as aqui mencionados raramente sa-o eg­

tudados no seu contexto cultural. Os estudos tradicionais analisam a distribui9aogeografica de urn Onico ornamento e freqiientemente enfatizam a presen93 au au­.eneia de ornamenta9ao aO inves do seu significado na sociedade que a usa (e.g., C.Colette 1934; Charlin 1950; lindblom 1945; Labouret 1952). Existem aigumasexce95es, entre as quais Lebeuf (1953), que estuda as labrets (ornamentos labiais)entre as Fali, Leach (i 958), que estuda a cabelo, e a livro de Strathern (A. M. Stra­them 1971) sabre as Hageners. lnfelizmente temos de admitir que nos faltam dadospara estudar as ornamentos corporais em sociedades diferentes (ver Ucko 1969).

A minha analise do significado dos omamento, corporais entre as Suya co­me93 com urn exame da audi9ao, da fala e da visifo entre as tndios Suya de linguaJe do Brasil central'. Mostrarei a significado multivocal dos discos labials (V. Tur­ner 1967) e dos discos auriculares entre as Suya. Generalizando a partir dos Suya,discutirei a presen9a e a ausencia de certos artefatos corporals entre as !ribos Jesetentrionais. Ainda que esteja preocupado com casas particulares, a minha finali­dade e a global. A ornamenta9ao de urn 6rgao pode estar relacionada com a signi-

2 Os Suya sao urna pequena tribo de lingua Je atualmente vivendo dentro do Parque Na­cional do Xingu (N"rte de Mato Grosso, Brasil). 0 autor e sua mullier passaram aproximada­mente 15 meses com as Suya entre junho de 1971 e fevereiro de 1973. Os Suya seta urna tribosetentrional. Estudos recentes" das varias mhos Je inc1uem Maybury·Lewis (1967), Da Matta(1971), Lave (1967). Melatti (1970), T. Turner (1966), Joan Bamberger Turner (1967) ,.. Vidal(1973). Esses trabalhos seguiram-se as varias publica~oes de Nimuendaju nOs anos 1930 e 1940.

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r ficado simb6lico desse 6rglio numa sociedade. a ornamento das orelhas e da bocapode perfeitamente indicar a importlinciasimb6lica da audi~lio e da fala na medidaem que essas faculdades sao definidas por uma sociedade especifica. as omamentosfisicos devem sel tratados como simbolos com uma variedade de referentes. DevemseI examinados como urn sistema, em qualquer sociedadc, ao inves de serem exami­nados de forma isolada e lucida, por~m enganadora, como tern sido feito usualmen­te no passado.

a primeiro encontro com os Suya pode ser estarrecedoL Homens e mulherestrazem pendurados por uma fma camada de pele do lobo da orelha grandes discosde madeira redondos ou folhas ou espirais feitas de folha de palmeira enrolados epintados com barro branco'. Esses discos podem exceder 8 cm de diametro. a labioinferior dos homens ~ esticado para a frente, fonnando uma camada fma de milscu­10 por intermedio de urn disco eliptico de madeira inserido num orificio feito no la­bio. a disco de madeira pode chegar a 7 ou 8 cm. Epintado com cores vennelho-vi­vo na parte superior enos lados com urocum (tintura extraida das sementes daBicha ore/hana L.) e e deixado na cor natural da madeira na sua parte inferior, comexce~lio de urn pequeno desenho circular pr6ximo a urn centro que e pintado de corpreta purpurea com tinta extraida da frota Genipapa americana L. Muitas fotogra­fias dos Suya e dos seus ornamentos podem ser encontradas em Schultz (1962).as homens frequentemente nao usam seus discos auriculares durante 0 dia, prefe­rindo enrolar a camada fina do lobo da orelha em volta da pr6pria orelha. Eles nun·ea deixam de Usaf as seus discos labiais, removendo-os somente para lavar as h1bios"uando se banham. Para festividades rituals, sao fabricados e inseridos novos orna­mentos para os labios e orelhas, que sao decorados com fios de a1godao e outras ela­bora~6es (ver foto na capa).

as Suya defmem-se como urna tribo diferente de outros grupos por usaremdiscos nos labios e nas orelhas, e por cantarem num estllo particular. Afirmam quenenhurn outro grupo tern esses tres atributos e por isso nenhurn outro gropo ~ com­pletarnente humano. Uma sociedade pode revelar muito de si pr6prla atrav~s daque­las-caracteristicas que eia mesma escolhe COmo urn tenno de compara¢o com Dutrasociedade. As sociedades europeias e alguns antrop610gos tern frequentemente to­rnado a tecnologia como parfunetro; os Suya estabeleceram seus discos labials e au­riculares e 0 seu estllo particular de cantar como 0 seu par,metro, 0 que justificaa conclusao de que essas caracteristicas sao fundamentais na sociedade deles tal co­mo a percebern.

as Suya recebem enllio infonna~lio com todos os sentidos, mas enfatizarnroais a audir;ao e a fala como faculdades eminentemente sociais. Horriens, mulherese crian~as slio socialmente defmidos pela sua audi~lio e fala, e os feiticeiros pela suavislio extraordinaria. as animals sao classificados pelo cheiro. Comentarei os variossignificados em portugues da palavra Suya ku-mba (a1ternativamente, mbai), que,entre Qutras caisas, signifiea olivir. A seguir, investigo a palavra kapemi, que tern

3 As mulheres do gropo Suya oriental deixaram de perfurar as suas orclhas no ini'cio desteseculo grac;as ao contato e a casamentos com outros gropos do Alto-Xingu, que mio usam dis­cos auriculares. As mulheres do grupo ocidental continuam a perfurar suas orelhas ate hoje.

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wna acep9io aproxlmada a ''[alar''. Essas palavras Suya tern wn Wliverso muitomaior de significado do que seus equivalentes em portugues. Para compreendela import4ncia das maneiras de ouvir e falar, torna-se esseiIciai uma anlilise dos con­ceilos Suy'.

1. AUDU;AO

A palavra Suya associada cOm a audi9ITo, ku-mba, tern wna variedade de re­ferentes a10m da palavra portuguesa "ouvir". Ela significa oUvir, compreender esaber. 0 Quadro 1 i1ustra esse ponto.

QUADROI

KU-MBA:OUVIR

DEFINIl;AO

Recep~ao f{sica dos sons

Decodifica~o de unidades de significadosemantico

Habilidade de reproduzir unidades, de repetir

PORTUGUlls

ouvir

compreender

saber

SUYA

ku-mba

I, ,,

I '

Quando urn Suya pergunta "hen ga ku·mlxz?". ele esm perguntando '\toce ouviu?" e ao mesmotempo ''voce compreendeu? ,> e "'Voce sabe?".

Os referentes da palavra ku-mba estendem-se, a10m disso, inciuindo tambommoralidade para 0 Suya. A frase crucial na moral Suya 0 ani mbai kidi e 0 seu OpOS­to 0 ani mbai mbechL Am mbai kidi traduz-se por "nlTo ouvir-compreender-saber"(am mbai 0 wn reflexivo aproxlmadarnente equivalente a ku-mba; kidi 0 negativo).Aiii mbai mbechi traduz-se por "ouvir-compreender-saber bern" (mbechi significa"born", "lindo·'). Quando urn individuo se comporta de acordo com as normas ciatribo, diz-se que eie 0 ani mbai mbechi. Se eie nlTo observa os costumes e a etiqueta,diz-se que 0 ani mbai kidi. Alguns exempios do uso da frase sugerirlTo 0 seu signifi­cado. Quando wna crian9a faz a1guma coisa que se recomendou que niio fizesse, eiao ani mbai kidi. Quando urn aduito n[o comparti1ha as suas colsas ou a sua comida,mas acwnula-as, contrariando aos costwnes dos Suya de partilhar as colsas entre si,diz-se que eie 0 ani mbai kidi. Os que niio obedecem 4s restril'6es na a1imenta9ao ena atividade sexual depois do nascirnento de wna crian9", de urn ferimento de urnparente, ou de matar wn inimigo (citando apenas tres situa90es de restri9[0), tam­bern s[O ani m bai kidi.

Uma pessoa que'o compietamente integrada socialmente "ouve, compreendee sabe" clararnente. Uma pessoa que ouve e compreende mal, tambem age mal. OsSuy. nlTo querem dizer que as pessoas am mbai kidi n[o podem receber os sons(com exce9lfo de uma crian9a surda, que se comporta mal, mas niio 0 pWlida, por-

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que nlto pode ouvir). Na realidade, acredita·se que 0 ouvido seja 0 receptor e 0 de­posillirio de c6digos socials, ao inv~s da "mente" ou do "~rebro". Quando os Suyaaprendem alguma coisa, mesmo algo visual como, por exemplo, urn padrlto de te­celagemJ dizem: "estll no meu ouvido".

2. FALA

A fala e a audi9ao sao complementores. Da mesma forma que enfatizam aaudi9ao, assim tam~m os Suya colocam grande enfase na fala. Falar e nao falarslI'o atos socials importantes. Nlfo se deve falar com certas pessoas com rela¢o a.quais se sente "vergonba" (whiasam). Por outro lado, quando se deixa de falar compessoas com as quals usualmente se conversa, ~ urn sinal de ralva. A orat6ria ternurna variedade de formas e ~ moitas vezes usada agressivamente. Nao tendo outrosinstrumentos a nlfo ser chocalhos, a mUsica Suya ~ exclusivarnente vocal e certasformas sao intimamente relacionadas com formas de falar.

A palavra Suya kapemi tam~m tern varios referentes em portugues, incluin·do Iinguagem, falar e exortar (ver Quadro 2). Animals, plantas e seres hurnanos ternurna lingua (kapeml). Todos eles sao diferentes e somente certas pessoas podemcompreender a lingua de algumas outras especies. A lingua Suya esta dividida apro·ximadamente em Iinguagem cotidiana (kapeml) e "linguagem da pra9a" (ngaihogokapeml) que, ou ~ linguagem agressiva (grutnen kapeml), ou '~inguagem que todo 0mundo escuta" (me mbai who kapeml). Enquanto a Iingoagem comurn ~ usada nodiscurso cotidiano por homens e mulheres de todas as idades, os varios tipos de ora­t6ria tern urn ritrno especial e estabelecem f6rmulas, Iugares, estilos pr6prios, paraserem desempenbados. Eles saO falados por homens inteiramente adultos. Ha umaforma que s6 ~ falada por chefes e especialistas em rituais.

QUADR02

KAPERNI:FALAR

DEFINU;:AO PORTUGuES SUY,\

Sistema convencional de comunica~o:

gra.matica, sintaxe etc.

o ato da comunica~ao

Urn tipo especial de comunicarwao

linguagem

falar

orar

kDpemi

A forma de "lingoagem da pra9a", geralmente restrita ao chefe e aos especia·listas em rituais, ~ chamada de "Iinguagem que todo 0 mundo ouve". Os Suyadizem que dois dos deveres essencials de urn Iider slfo coordenar 0 esfor90 grupale resolver disputas atrav~s da orat6ria. Quando eles acabarn de falar, espera·se quetodos na aldeia "tenbarn ouvido tudo" (mbai who). So as pessoas nao agem de for-

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rna correspondente com 0 que foi dito, enta:o sao ani mbai kidi, pessoas que naoouvem-compreendem-sabem; se agem de acordo com 0 comportamento ideal,sao ani mbai mbechi.

A mUsica Suya ~ tambem associada com a fala. Cantar 0 0 maximo da ex·presslfo oral, tanto individual como coletivamente. Urn tipo de can¢o 0 seiecio­nado com urn tra90 de auto·identifica9ao peios Suya, junto com 0 disco iabiale auricular. Com exce¢o de certas flautas que eies adotaram recentemente dosindios do Alto-Xingu, a musica Suya sempre foi predominantemente vocal. OsUnicos instrumentos tradicionais sa-o vanos tipos de chocalhos. A sua musica terndois tipos principais: can9Ges individuais cantadas em tom agudo (aida) e can~es

unissonas cantadas num tom muito grave (nge,e). As akia sao cantadas somentepeios homens. 0 principal papei das mulheres nas cerim6nicas Suya ~ como piatoiae como provedoras de comida, nao como cantoras. Para cada cerimonia, umhomemtern de ter uma akia nova. Os homens cantam as suas can96es individuals <liferentesao mesmo tempo em ritmo unissono marcado peio po e peio choealho. 0 efeito 0de urna cacofonia estridente onde cada homem canta tlfo alto e ta:o agudamentequanto possa, de tal forma que 0 som se destaque de todos os outros e seja ouvidopor suas irmiis e amantes. Essa maneira de cantar 0 uma forma de auto-expressa:oagressiva que 0 caracteristica tambom de varias formas de ''linguagem da pra9a".

Nesta breve discussao da fala e da can¢o, tentei dar uma idoia da import4nciado desempenho oral, da sua exorta9ao e instru¢o. At~ mesmo os remodios Suya en·fatizam 0 oral. Eles usam algumas piantas medicinais, mas acreditam que as encan­ta9Ges sejam de maiar efeito e os curandeiros que sopram os seus pacientes sao con­siderados os melhores de todos. (Ver Capitulo 4 deste voiurne para urna analisemais profunda da musica Suya.)

3. VISAO

As faculdades da fala e audi¢o sao altamente eiaboradas e sobejamente valo·rizadas na sociedade Suya. g born ouvir-compreender-saber bern. g importantepara urn homem adulto falar, cantar e orar. A visao na:o tern uma eiabora9aO ouurna avalia9ao tao positiva. A palavra Suya para ver 0 mals restrita do que a palavraem Portuguos. Ela nlfo ~ usada para indicar compreensa-o (como quando dizemos"eu vejo" au "esta ficando claro"). 0 alba nao «! a "janela da alma", e sim 0 localdaquilo que eperigoso e anti-social.

Discutindo as idelas Suya sobre a visa:o, a habilidade de ver deve ser discrimi­nada do significado simb6lico dos olhos. A boa visli'o de todo 0 dia no sentido darecep¢o sauctavei dos estimulos visuals aparentemente nao tern reia¢o com outrossignificados que esta:o aqui em discussao,1"'flIue~ssa-<:llpacidadenao 0 simbolica·mente aiaborada. Os Suya eiogiam urn born ca9ador que pOde flechar com habilida·de 0 peixe e a ca9a. Nao 0 a sua vislfo que ~ eiogiada e sim a acuidade de sua ponta·ria, fazendo referoncia aos br"90s. Os remodios da ca9a sa-o aplicados no antebra90do homem para que eie tenha urna boa pontaria e nunca nos seus olhos. Os atribu..tos da visa-o sao usados todavia para descrever animals. Urn animai que 0 ca9"do,

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mas nao marta, tern "boa vista" (ndo rut) au ~ "selvagem", porque consegue fugir.Quando 0 animal se apresenta para uma flechada f~ci1, ~ porque ele ~ ''fraco da vis­ta" ou ~ "manso". A ~nfase simb6lica na visa-o entre os Suy~ es~ na imporUlnciada extraordinliria visi"o possuida somente por feitieeiros (wayanga).

Uma pessoa toma... feitieeira quando 0 feilil'" invisivel entra nos seus olhos.Certas es¢cies de p~os Wm feiti90 nos olhos, 0 que aconteee 80mente com eer­!as pessoas. A "coisa" nos olhos permite apessoa literalmente "ver tudo" (somummbedili). Pode olhar para cima ever a aldeia dos mortos no ~u, pode 01har parabaixo ever as fogueiras das pessoas que moram debaixo da terra e pode olhar avol·ta ever indios inirnigos nas tribos distantes.

a feitil'" nem ~ congenito nem herdado. S6 entra no olho de uma pessoa quees~ de algurna forma an; mbai kidi, ou imoral. As pessoas tomam-se feitieeiras por­que nao repartem a sua comida e os sellS pertences au porque nao observam as res~

tri9DeS St'xuais e de alimenta¢o durante urn periodo critico. Outras maneiras dese tomar urn feiticeiro ~ por exemplo pisar sobre urn tl1mulo novo, ter rela9DeS se­xuals COm um(a) feiticeiro(a), ou toear um(a) feiticeiro(a) morto(a). Essas maneirass6 funcionam se uma pessoa j~ es~ ani mbai kidi. Elas nao sao causas suficientesem si l1esmas. Quando uma pessoa nao ouve (ku-mba) as exorta9oes (kapeml) doseu pal, do seu chefe, ou do especialista em ritual, ela esti an; mbai kidi, esta em pe­rigo de se tamar feiticeira.

as feiticeiros Suya v~em coisas que as pessoas normals sao incapazes de ver.Eles nao ouvem..:ompreendem-sabem da forma como uma pessoa normal deveriasaber. Tern a sua pr6pria lingua, urna '1ingua rna" chamada kapemi kasaga (kasagasignifica "ruim", Ufeio"). A."lingua ma" e0 oposto da "lingua da pra~" em mui·tos aspectos. Ela s6 ~ falada em particular. Nao ~ falada na pra9a da aldeia. Nao ternnenhurn eslilo orat6rio especial". Parece ser urn tipo de fofoca maliciosa e egoista.

4. AS FACULDADESSUYAEOS ORNAMENTOSCORPORAffiPara completar minha discussao das faculdades Suy~, falarei surnariamente

sobre 0 "olfato". Considera-se que os animals t~m urn olfato multo desenvolvido.as animals tam~m sao c1assificados de acordo com seu cheiro. Assim, existemaqueles que rem "cheiro forte", "acre" e "suave", tendo cada urn dessesgrupos osseus atributos pr6prios. As coisas que os Suy~ c1assificam como tendo "cheiro for­te" tam~m tendem a ser poderosas e de certa forma perigosas. Dopois do olfato,as faculdades do gosto e do tato e outros tipos de senlidos sa-o multo menos impor­tantes simbolicamente e saO usadas para descrever ~reas seIruinticas multo menores(Seeger 1974).

a relacionamento entre as quatro faculdades mals simbolicamente elabora­das entre os Suy~ es~ autorizado no Quadro 3.

4 Os Suya nao gostavam de falar a "lingua rna" oomigo. Uma das formas dessa linguaenvolve 0 uso do pronome possessivo. Em Suya Dunea se deve dizer Uesta ea minha cuia", es1m "esta ea nossa cuia". Ambas as fonnas existem, mas em algumas circunsUncias a diferen-;aefundamental.

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As faculdades no Quadro 3 estao inter-relacionadas. Numa situa,ao onde umafaculdade esta muito enfatizada, as outras tendem a ser menos importantes ou en­fatizadas negativamente. Urn born exemplo disso e a cerimonia Suy,L A maioria dascerim6nias termina com uma noitada de canto e dan~a, que come~a 30 entarde­ceI e termina aD amanhecer logo antes da aurora. Durante a fioite os homens andampela aldeia cantando no escuro. Nlfo se acendem grandes fogueiras e a posiyao dalua nao e importante ao planejar-se a cerimonia. A visibilidade dos danyarinos naoe importante. 0 que se valoriza acima de tudo e que urn homem cante suficiente­mente alto para sec ouvido pOI suas irmas e que os homens Olio parem de cantardurante a noite. As mulheres dlfo comida a varios parentes ao cair da tarde e funcio­nam como plateia. Elas nao cantam e, usualmente, retiram·se para suas cedes duran­te a fioite. Em geral nao dormem, mas ficam ouvindo 0 canto dos homens. Levan­tam-se com a estrela da manha para tomar parte nas haras finais da cerimonia. Nocerimonial Suya, entao , oode 0 canto e enfatizado, a visao mIo e importante e aplateia ouve ao inves de presenciar 0 espetliculo.

QUADRO 3

AS FACULDADESSUYA

ANTI-SOCIAL I SEMELHANTE AO ANIMAL

ViSJfo en[atizada

Caracteristica de feiticeiros e certospassaros

Orgao: olhos

Ornamento: ncnhurn

Odor en[atizado

Caracterlstica de animais e coisas anti­sociais podcrosas

Orgao: nariz

Ornamento: nenhum

SOCIAL I SEMELHANTE AO HUMANO

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En!otizarQO do paJavra e do can¢'o

Caracterfstica dos homens adultos

Orgao: boca

Ornamento,: hornem adulto - disco labial

En!atizoroo do oudirio e da moral

Caracteristica de aduItos "bons" de ambosos sexos

6rgio: ouvidos

Omamentos: discos auriculares do horneme da rnulher adultos

Urn exernplo onde tanto a visao quanta a fala nao sao enfatizados esta na rela­,"0 de "vergonha" (whiilsam) caracteristica das rela,6es de urn homem com os pa­rentes de sua mulher, as suas rela90es rituais e, em grau menor, os mais velhos quan­do ele ainda nac e completamente adulto. Os Suya numa rela,ao de "vergonha" naoolham diretamente urn para 0 outro. Em geral nao'falam urn com 0 outro e, supos­tamente, devem ouvir-se com a maior aten9ao. Os feiticeiros sao urn exemplo dosque enfatizam a visao acima de tudo: eles falam a "lingua rna". nao "ouvem bern"

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e tern uma vis[o extraordinaria. 0 cheiro nao entra no sistema da mesma forma,sendo muito mais uma caracteristica de animais. A auditrao, a fala e a visao, por~m.formam urn sistema integrado de faculdades.

Cada faculdade esta associada com urn 6rgao ou parte de urn 6rgao. Cada umatamMm esta associada com certos tipos de ser humano ou animal e Com certos ti­pos de comportamento. As duas faculdades consideradas socials pelos Suya sil'o ela·boradas com ornamentos corporais. Os olhos n[o sa'o omarnentados, tatuados oupintados especialmente. 0 natiz tamMm n[o tern omamento.

Os discos labiais ou auriculares est[o c1aramente associados com a importan­cia cultural atribuida Aaudi9ao e Afala da maneira como sil'o defmidas pelos Suya.Isso se conclui a partir do que dizem os pr6prios Suya. Eles afirmam que a orelha efurada para que as pessot;ls possam' Houvir-compreender-saber". Dizem que 0 discolabial e sirnb6lico de, ou associado com, agressividade e belicosidade, que s>To corre·lacionadas com a auto-afirma9ao masculina, a orat6ria e a can9ao. A cor dos artefa­tos tambem e importante. a disco labial e vermelho em cima e no labio. a vermelhoe a cor associada com 0 calor e a belicosidade. a desenho circular no lado inferiorrepresen ta a constela9ao a que chamamos Pleiades. as Suya dizem que a constela9aono ceu e 0 desenho do disco labial de urn homem no ceu. a disco auricular esta pin·tado com bano branco. 0 branco e a cor associada com a frieza, com a passividade.Quando estao pintados separadamente como nas cayadas ou em cerirn6nias nasquais os homens se tornam "animais", os o1hos e 0 natiz freqiienternente sao pinta­dos de preto. 0 preto e. a cor associada com atributos anti-sociais e com feiticeiros.

Os omamentos corporais Suya sKo inseridos em ritos de passagem e consti­tuem marcas de status. Eles tambem assinalam a enfase social de certas faculdadesnas fases particulares do cicio vital. As orelhas de ambos os sexos sao perfuradas aoprimeiro sinal de alividade sexual; 0 labio dos homens e perfurado quando eles es·tao grandes (depois dos 15 e antes dos 20 anos), quando alingem uma idade em quepodem ser considerados homens completamente adultos. Nao se espera que as crian·93S "ou93m-compreendam-falem" ou se comportem bern. as Suya sao muito tole­rantes com as suas crian93s. Contudo, na epoca da puberdade espera-se que as crian­93s saibam ouvir as instru90es e as exorta95es dos seus pais e chefes. Aproximada­mente nessa idade, os Suya sao considerados ani mbai kidi se nao observam as nor­mas com rela9ao aalividade sexual, Adistribui9ao de comida e propriedade e as res­tri90Cs de alimenta9ao e de atividade. Quando os meninos crescem, os "ibios sa-operfurados e eles ingressam na casa dos homens. Enquanto vivem na Casa dos ho­mens, isto ~, antes de se tomarem pais e de fixarem residencia uxorilocal com assuas mulheres, espera-se que os jovens cantero constantemente e dediquem suaseriergias Afabrica9ao de discos labiais cada vez maiores para si. 0 uso dos omamen­tos corporais e urna distribui9ao importante para grupos de sexo e de idade. Nao seespera que as crian9as se comportem moralmente, ao contnirio do que acontececom homens e mulheres adultos. Suas orelhas sao perfuradas para que atinjam urncomportamento correto. Somente os homens adultos podem empregar a "lingua dapra9a", cantar akia e ter comportamento agressivo; seus labios sao perfurados paraque tenharn esse comportamento.

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A boca e a orelha sKo os 6rgaos mais importan tes para 0 homem Suya. A audi­\'lI0 e a fala sKo as faculdades sociais mais importantes. 0 disco auricular e labial eo artefato corporal mais importante. E a representa~ao fisica de uma elabora~ilo

conceptual. Atraves da perfura~ao da boca e do lobo da orelha e da inser\'lIo dediscos pintados, 0 corpo toma·se socializado. as discos auriculares e labiais estaorelacionados com conceitos fundamentais da pessoa, da moral e do simbolismo daspartes corporais.

S. UMA PERSPECfIVA COMPARATIVA: OS JE SETENTRJONAJS

Quando nos voltamos para as tribos Je setentrionais - os Timbira orientais,os Apinaye e os Kayapo do Norte - percebemos uma varia~ao consideravel dos or­namentos corporais que foram descritos acima e est:ro sumariados no Quadro 4.

Os Je setentrionais s[o suficientemente semelhantes do pouto de vista cultu­ral de tal forma que as diferen~as dos ornamentos corporais parecem indicar dife­ren~as na onfase de faculdades e de 6rglros nos quatro grupos'. Os Krah6, que cons­tituem urn grupo dos Timbira orientais, entre os quais somente os homens usamdiscos auriculares, mro dao tanta ~nfase ao desempenho oral. A aratoria nao pareceser tll"o altamente elaborada (Maria Manuela Carneiro da Cunha, comunica~ao pes­soal). Os Apinaye tom uma configura~ao de ideias sobre ouvir·compreender-saber emoral que se assemelha Aquela que descrevi para os Suya, Mas os homens nlro usamdiscos labiais, a perfura~ao do labio inferior e mantida pequena e parecem darmenos onfase ao desempenho oral e il orat6ria (Roberto Da Matta, comunica~ao

pessoal).Os Kayapo setentrionais silo considerados 0 grupo lingiiistico mais pr6ximo

ao Suya. Como os Suya, eles usam discos labiais, mas sem desenho na parte inferior.Nao usam discos auriculares, mas tern urn grande furo nos lohos das orelhas, nosquais penduram urn colar preferencialmente de contas brancas ou azuis. Os homen"adultos usam estojos penianos. 0 enigma ~ saber por que os Kayap6 deixam os orl­Hcios das orelhas vazios e usam estojos penianos. De acordo com Terence Turner(1971), os Kayapo furam a orelha das crian~as imediatamente depois do nascimcn·to e inserem tocos vermelhos no lobo da orelha para aumentar 0 orificio. Ao mes­mo tempo, perfuram os lcibios inferiores das crian~s de sexo masculino, mas naoaumentam 0 orificio. Quando a crianc;a cresce, 0 orificio do lobo da orelha ~ deixa­do valio e" 0 orificio labial e aumentado. Mais ou menos na puberdade os jovensrecebem 0 estojo peniano. Turner afirma que 0 estojo restringe ao inves de enfati­lOr a sexualidade masculina (Turner, comunica~ao pessoal). Como as Kayap6 tomid~ias sobre a audi¢o e a moral relacionadas com aquelas dos Suya, 0 aumento doslobos das orelhas das crian~as poderia indicar uma onfase na audiyao social das

Para essa comparac;io. minhas fontes sao Nimuendaju (1939, 1946) nos ApinaYl; c Tim­bira (Ramkokamekra) e T. Tu.rner (1966, 1971) no~ Kayapo sctentrionais. Qutros pesquisado­res ajudaram-mc nessa pesquisa com certos aspectos das socicdades Cm quc. rcalizaram pesqui­sas de campo.

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QUADR04

ORNAMENTOS CORPORAlS ENTRE OS.IE SETENTRIONAIS

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ORNAMENTOS ORNAMENTOS ORNAMENTOS ESTOJOTRffiOS AURICULARES AURICULARES LABIAIS PENIANO

MASCULINOS FEMININOS MASCULINOS

Timbira orien tais Presente, disco grande. Ausente Ausente Ausente(Ramkokamekra, A orelha eperfuradaNimuendaju 1946) quando 0 menino

tern 10-15 anos.

Apinaye Preseote, disco grande. Preseote, disco grande. Preseote. Orif{cio no AusenteOrelha perfurada no Orefua perfurada na tabia para penas.primeiro estigio da mesma idade que os Perfura~o na mesmainicialiao. Na idade meninos. Nio hi idade de que as orelhas.de 5-15 (1). inicia¢o. Orificia mantido pequeno.

Suya Presente, disco grande. Preseote, disco grande. Presente. disco grande. AusentePeIfura!tao quando existe Orelhas perfuradas mais Perfura'iio imediatamentematuridade sexual. au menos na mesma antes da entrada na casa

idade que as meninos, dos homens, 16-18 aDOs.

na maturidade sexual.

Kayapo setentrionais Presente. Pequenos Mesmo que para os Presente. Disco labial Presente. Estojobrincos de contas nos homens. grande. Labio atravessado peniano dado10OOs. A orellia das no nascimento, para os meninoscrian~aseperfurada no awnentado somente no inicio danascimento e 0 lobo e quando eles estfo puberdade.esticado. Os adultos usam morando na casa dossomente urn colar de homens.contas pendurado noorif!cio grande no loboda orelha.

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erianl'as. Entre os Kayapo, 0 disco labial ~ inserido e a1argado mais ou menos namesma idade que 0 labio ~ perfurado entre os Suya. A puberdade est! marcada nosmeninos Kayapo pela entrega do estojo peniano. Entre os Suya, 0 penis noo e urnobjeto de controle social direto. As orelhas dos Suya sao perfuradas mals ou menosna mesma idade em que os meninos Kayapo reee bern seus estojos penianos. Sugiroque, entre os Suya, 0 controle da sexualidade seja feito pela perfural'ao da ore!hae pela enfase de conjunto de valores expressado pelo termo aiii mbai mbechi - "ou­vir, compreender e agir" moralmente. as Suya dizem que a relal'a:o sexual ~ rna para aaudiyao dos jovens. Uma forma de ser ani mbai kidi e de se tomar urn feitieeiro epelafalha em observar as varias restril'oes nas relal'oes sexuais. as KayapO setentrionaisacentuam esse meSilla cantrale social sabre os jovens com a entrega dos estojos pe·ruanas e enfatizam menDS sirnbolicamente a orelha como fonte de ensinamentosmorais. Ambas as tribos atribuem grande importancia aaratoria e ao canto e os ho­mens de ambas as tribos usam discos labiais. Entre os Kayap6, 0 controle socialparece ser simbolizado pelo controle da sexualidade, ao inv~s de pela enfase na mo­ral em geral.

Torna·se ten tador ver esses fatas rene tidos na incidencia do faccionalismo eda fissao tribal encontrada entre os Je setentrionais. Aqueles grupos que tern discosauriculares grandes sao caracterizados por uma fissa-o tribal menor do que os Kaya­pO setentrionais. Seria facil dizer que as Kayap6 enfatizam a oratoria e a agressa:omas nao "olivem" ou "entendem". 0 mecanismo do faccionalismo Kayap6 ~, po­rem, bastante complexQ e nao e minha inten~ao examimi-lo aqui.

Aprofundaudo 0 nosso estudo e chegando at~ os Je eentrais, vamos encon­trar as meninos Xavante recebendo estojos penianas no inicio da puberdade. Damesma forma que entre as Kayapo, as estojos sa'o urn mecanismo de cantrole. "0estojo... indica potencia sexual e ao mesmo tempo 0 controle social ao qual esttrosubmetidos os perigosos poderes sexuais" (Maybury-Lewis 1967: 107). as homensXavante tern as orelhas perfuradas no segundo estagio da iniciayao, aproximada­mente na ~poca em que os Suya e os Kayap6 comel'am a usar seus discos labiais. asXavante nao correspondem perfeitamente ao meu esquema, pois dao grande enfaseaoratoria e nifo usam discos labiais. a significado simb6lico e a forma do toco daore!ha, contudo, ~ diferente daqueles encontrados nos 10 setentrionais. a simbolis­mo em torno da audiyao e da orelha tamWm pode ser diferente. as tocos na orelhados Xavante sifo pedal'os finos de madeira e tern urn simbolismo mais atlvo do queos discos auriculares dos Suya. Simbolizam explicitamente 0 falo (Maybury-Lewis1967: 63). A sua forma e 0 seu significado sao diferentes dos discos auriculares do,Je seten trionals. Como os Kayapo que nao usam discos auriculares, as a1deias Xa­vante sao caracterizadas pelo faccionalismo e pela fiss[o.

Para terminar, devo mencionar os Erigpaktsa, que esta:o situados dentro da fa­milia lingiiistica dos Macro-le. Os homens dessa tribo usam discos auriculares imen·sos e aenhum ornamento labial. A fala nifo ~ tao elaborada e a sua musica ~ exclusi­vamente instrumental e nao vocal (Robert HalL", comunlcal'ao pessoal).

Para os Je setentrionais e algWlS outros grupos, existem indicios que sugeremque 0 aspecto do omamento corporal, a altera~ao de urn 6rgao num grupo e a sua

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falta de elabora~ao em outro possam nao ser aleat6rios. Ela pode ser 0 resultado deenfase cultural diferente na faculdade em questlto.

6. CONCLUSAO

No meu esfor~o pala descobrir 0 significado dos discos labiais e auricularesentre os Suya, usei as categorias Suya de percep¢o e expresslro e comportamentomoral como base para a analise. Uni quatro faculdades nurn sistema de simbolosinter·relacionados. Corroborei minha analise dos Suya examinando sumariamentecertas tribos afins e encontrando certa confirma~ao para a interpreta¢o dos meuspr6prios dados. Urn problema, por~m, continua. Por que slto os ornamentos corpo­rais tlto difundidos e tlto variaveis na Am~rica do Sul e no rnundo todo?

No seu trabalho sobre "t~cnicas do corpo", Mauss (i 950: 372) observa que 0

corpo ~ 0 objeto.t~cnico inicial e rnais natural do ser humano. No corpo existe aconjun¢o dos atributos biol6gicos, psicol6gicos e sociais. Alguns autores recentestendem a concordar que deve sel dada ao corpo e as suas substancias muita impor­lAnela como referentes simb6licos. Victor Turner insiste numa multivocalidade dereferentes para cada complexo ou simboio dominante. Nos varios significados va·mos encontrar tanto significados sociais Como significados psicologicos. De acordocom Victor Turner (1967: 28), todos os simbolos rituais importantes tern 2 polos:

Nurn dos polos encontramos urn nueleo de significata que se refere aoscomponentes de ardem moral e social na sociedade dos Ndembu, a prine{·pios de organiza93o social e a tipos de agrupamento e noemas de valoresinerentes a estruturas de rela¢o. No Dutro polo, as significata sao usual·mente processos e fenomenos natmais e fisio16gicos.

Victor Turner (1967: 49·50) tam~m registrou urn aspecto dos simbolos riotuais dos Ndembu que pode ser aplicado diretamente na minha analise dos arte·fatos corpQrais dos Suya.

Urn aspecto do processo de simboliza~ao ritual entre os Ndembu ~,

por conseguinte, tomar· visiveis, audiveis e tangiveis cren~s, id~ias, valo­res, sentimentos e disposi~6es psicologicas que n[o podem ser percebidosdiretamente.

Os omamentos corporais, acima de tuda, tOffiarn as conceitos intangiveis,tangiveis e visiveis. as discos auriculares e os discos labiais dos Suya s[o simboloscom uma variedade de referentes queunem os polos dos fenomenos naturais (os6rg[os e os sentidos) com os componentes da ordem social e moral. Podemos di·zer que os Suyaintemalizam os seus valores literalmente "corporificando·os" atra­v~s das manifesta~6es simb6licas que s[o os seus artefatos corporais.

Terence Turner (1971: 103) chega a uma concluslfo semelhante para os Kaya·pO setentrionais:

Os omamentos labiais e auriculares, 0 estojo peniano, 0 estilo do cabe·10, fitas de algodao avolta dos bra~os e das pemas e pintura corporal for·

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mam uma linguagem simb6lica que expressa urna grande quantidade de in·fol11la¢o sobre 0 stalus social, a idade e 0 sexo. Na fWl~o de linguagem,porem, essa expressao faz muilo mais que simplesmente comWlicar cssa in­fonna~o de urn individuo para 0 outro: num nivel mais profWldo, ela es·tabelece urn canal de comunic~o dentro do individuo entre os aspectosbiol6gicos e sociais da sua personalidade.

Viajando aMm do Brasil central, vamos encontrar, no mWido inteiro, partesdo corpo omamentadas de fonnas muito vanaveis. Os omarnentos auriculares detodos os tipos sll'o muito difWididos. Discos labiais e placas s3'o menos encontrados,mas outras fonnas de omamenta~o oral como a tatuagem e a pintura s3'0 mais co­muns. Os olbos freqiientemente s3'o elaborados com pinturas, as sobrancelbas es­curecidas ou outras modalidades. Outras partes do corpo podem ser tatuadas, per·furadas ou alteradas de fonna vanavel. Quando omamentos desse tipo s3'0 analisa­dos em termos de simbolismo dos 6rgiios, das faculdades e dos ornamentos em con­jWlto, aparecem campos .Inuito atraentes para a pesquisa. Esse trabalho ainda naofoi feito; s3'0 raros os relatos dos significados dos omamentos corporais·. Posso ape·nas especular algumas possibilidades.

A alteral'ao do hlbio pode freqiientemente estar relacionada com a importiin­cia da fala. Pelo menos numa sociedade africana, os Fali, onde as mulheres usam Of­

namentos labiais, os discos labiais estao associados com a palavra. As mulheres ensi­nam a suas filhas saberes transmitidos a uma mulher ancestral por urn sapo. Deacordo com Lebeuf (1953: 1326), a forl'a dos seus ensinamentos esta relacionadacom a presen~ de omamentos labiais qne torna as mulheres semelhantes aos sapos.

o significado das decoral'oes das orelhas parece ser tambem muito difWidido.Podem estar associadas com 0 conhecimento ou com a adesao a c6digos sociais. Aelaboral'ao ornamental da orelha pode simbolizar uma enfase nos aspectos sociaisda pessoa da mascara ou da figura.

Entre os Suya, a visao e antitetica ;l audil'ao e ;l moral. Poderia existir algumtipo de oposil'ao entre vis3'o e virtude social? No Ocidente existe uma tradil'ao deque urn individuo, para se tomar realmente algu~m que conhece as caisas, deve sercego. 0 profeta Tiresias, Edipo, a tradil'ao de Homero cego (seja verdadeira ou nao),e a figura da justil'a com os olhos vendados silo somente algwts exemplos onde 0

verdadeiro vidente deve ser algu~m que fisicamente nao pode vel. Acrescenta·se aisso a crenl'a bastante difundida no "mau-olhado". Oiz·se que individuos de rna in·dole nao rem "olhar firme" e as pessoas geralmente desviam 0 olhar quando est:romentindo'. Os olhos podem trazer informal'"es amente que nao sejam classifica·

Ucko (1969) comenta sabre isso com rela~ao aos estojos penianos. Em minhas propriaspesquisas sobre omamentos labiais e auriculares encontrei 0 fato de que 0 significado e raramen­te mencionado. Quando menl;ao existe, ela eusualmente dada como "em funl;OO da beleza" ou"por razocs cosmeticas". Os Suya tambem acreditam que os discos labiais e auriculares sao"bons" e "bonitos" (mbechO. Mas isso nada revela sobre a significado cultural do actefato ou aalteral;ao do corpo. Lebeuf (1953) euma das rarissimas exccl;oes.

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A di1ata~o e contra~o involuntirias da pupila podem ser umil; caracteristica fisiol6gica

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veis dentro das categoJias est8belecidas da cultura. e0 fato de ver wn fantasma (wn"morto" que t "vivo") que produz medo. e 0 fato de ver 0 impossfvel realizadonum "milagre" que produz a conversfo nos presentes, enquanto aqueles que ouvernfalar do fato freqiientemente nele nao acreditam.

A1gwnas sugestoes interessantes sobre a audi~o e a visio na cultural ocidentalaparecem em Chamberlain (1905). Escrevendo sobre "a audi~oem culturas primi·tivas e audi~o de palavras", Chamberlain (1905: 125) descreve defmil'iJes de "audi­~o" nwn conjunto de sociedades que inclui a sociedade euro¢ia.

Nas vlirias lingoas do grupo indo-europeu, aparece freqiientemente urnacorrelayao entre a "audi~ao" e a "moral e a bondade e a tratabilidadeetc.... No Iatim obedire e obedientia, de onde emanamo portugues obedecere obedieneia e os seus derivados nas linguas rom3nicas, estll contida a ideiade "submission e de udever" relacionada com a "audi~o e oouvidu"s.

A enfase relativa na audi~ao e visao na cultura oeidental mudou no passadohist6rico. Alguns aspectos dessa mudan~a foram descritos por Ong(I967) e McLuban(1962).

Culturas diferentes enfatizam e defmem os significados de 6rgfos e faculdadesde formas diferentes. Como sugeri swnariamente, no Oeidente a audi~ao, a fala ea visfo se parecem de algoma forma com as id~ias-dos Suya. Alguns aspectos do sim·bolismo corporal podem ser muito difundidos. Todavia, a tendencia ~ haver diferen·~ nesse nivel de comparal'ao. Entre os Suya, por exemplo, nem a boca nem a ore·llia ~ wna zona er6gena; os Suya nao beijam. 0 uso e 0 simbolismo da roupa consti·tuem urn assunto vasto no Brasil. Este apanhado sumario deveria, no entanto, sersuficiente para mostcar que os adomos corporais e 0 simbolismo corporal n~o s:Ioa1eatorios nem dissociados. Em qualquer sociedade, certas faculdades estllo simboli·carnente enfatizadas e relacionadas com outras faculdades. 0 exame do simbolismodos 6rgaos corporais, das faculdades e da sua omarnenta~o considerados em con·junto como wn sistema simb6lico deve produzir a compreensfo de valores impor·tantes, 0 que pode ajudar a definir sistemas simb6licos culturais importantes. Talexarne podera permitir.nos explicar 0 que Leach (1958) deixou de lado como apa·rentemente "irrelevante e irrespondive}".

que esta na origem de vanos atributos anti-sociais 30 ollio, seja no desenvolvimento desses atri­butos, seja para refor~-los.

8 Se Chamberlain esta certo, sera interessante rever a hist6ria dos brincos nas sociedadesocidentais. Se orelha e obediencia estio relacionadas em nossa cultura, enta~ a costume femini­no de usar brincos pode estar historicamente ligado a uma represental;ao simb61ica da enfasecultural da submissao e obediencia das mulheres. 0 brinco pode ser uma manifestal;ao vis!veldo conceito de ouviI e obedecer. 0 usa de brincos par marinheiros poderia tamoom ser inclui·do nesse padrao.

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APRESENTA9AO

Logo que comecei a pesquisar 0 status dos velhos nas sociedades das tmashaixas da America do Sui, surpreendi-me com 0 pouco que sabfamos, ou com 0 pou­co que tiV/!ramos a preocupaflio de publicar sobre esse assunto. Sem dUvidD existeminUmeras raz6es para isso, entre as quais a alta taxa de mortalidDde dos velhos de­pois do contato com a sociedade nacional e, portanto, a ausencia de ve!hos nassociedades que os antropOlogos estudam, a tendencia das pessoas idosas de conti­nuarem trabalhondo ate a morte, sem um periodo longo de ociosidade ou enfenni­dade evidente, e seu luibito de ficar mais tempo em casa e menos tempo em pUbli­co, onde 0 antrop610go teria possibilidade de ve-lo£ Os velhos tambem podemser um ponto obscuro em nossas antiliJes: treinados para procurar os estratagemasdos poderosos, [orfados por sua vitalidade e importancia a observar a iniciafiio dosjovens, encorajados pela ambivalencia de nossa sociedade a relipeito da educa¢o dascrianfas a estudar a socializaflio das crianfas, a posi¢'o dos velhos nIio pareceu im­portante. Ao menos ate recentemente, quando se tomou um problema em nossasociedade.

Em todas as sociedades, os seres humanos nascem, reproduzem-se, envelhe­cem, adoecem e tornam-se dependente£ Trata-se de algumas das caracteristicasbiolbgicas universais do aninial humano. Mas a [onna como as diversas sociedJidespercebem esses acontecimentos bioliJgicos e os integram em sua constru¢o da vidasocial esta longe de ser universal Muitas sociedades jixam arbitrariamente 0 mo­mento em que uma pessoa se torna ''velho ", independentemente do processo bioliJ­gico de enyelhecimento, que varia de pessoa para pessoa. Um exemplo disso e a apo­sentadoria depois de 30 anos de servi{:o. Nossa sociedade espera certo tipo de com­portamento de pessoas de[inidas como "aposentadas" ou "ve!has". Em algumas so­ciedades, as pessoas definidas como velhos silo altamente respeitadas e poderosas,em outras praticamente niio tem ;nder, praticamente. slio abandonadas. Fitt,eisurpreso, e favoraveimente impressionado. com as caract! :'st;cas incomuns do queos Suyd consideram como papl!is tIJiequodos aos velhos, e isso levou-me a realizarI'm estudo comparativo dos velhos em outras sociedades ind/genas das terras baixas

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do America do SuL 0 resultado, um artigo intitulado' "V~lhos Pallwfos: 0 PapelMediador da Classe de ldade dos Velhas Suya ", foi apresentado no simp6sio que re­cebeu 0 titulo de "Idade e Gerafiio: Relofoes Hienirquicas nas Terras Babeas doAmerica do SuI", organizado por Joan Bamberger e realizado na reunilfo anual doAmerican Anthropological Association em 1976 e reescrito especialmente para estelivro.

Alem de tratar do tema dos velhos, 0 artigo apresenta urn tipo de organizaf/iosocial encontrado em tadas as partes do mundo: a cria¢o de grupos a partir de cri­terios de id11de e sexo. Em muitas sociedodes, inclusive a nossa, grupos baseados emidade e sexo sao, em muitos contextos, tifo importanteli quanta 0 parentesco. Amaior parte das sociedodes define certas ativid11des como adequadas a detenninada/dade e sexo e inadequada a outros. As organiza¢es de base etaria podem ser deinilmeros tipos, sendo gerabnente chamados clllsses de /dade. A passagem de umstatus para outro e frequentemente marcoda por ritos de passagem (para uma exce­lente discussao destes, ver Gennep 1978).

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CAPITULO 3

as VELHOS NAS SOCIEDADESTRIBAIS*

1. INfRODUl;AO

Fiquei perplexo com os trojeitos desses velhos e velhas, que faziam coisasque outros nunca haviam feito. Os velhos, com suas vozes roucas, gritavam publica·mente pedindo contida. Urn homem simulava re1<tl'1les sexuais na pra",. Uma velhadirigia-se, pulando numa perna 00, para urn grupo de mulheres mais jovens, pergun­tando: "VoC<!s querem cheirar minha vagina? VoC<!s querem cheirar minha vagina?".Outw homem, segurando 0 penis, entrava nas casas correndo atnis de mulheres quegritavam. Uma velha, de repente, saiu correndo e cutucou·lhe os 6rgaos genitals comuma yam; ele rolou no chio em pretensa agonia e as mulheres, gritando, cercaram­no, beliscando-o e cutucando-o. Mais tarde, enquanto todos os homens cantavam,andando juntos para a frente e em circulo, urn velho andava para tras e fora do rit·mo, gritando em falsete. Fingiu ficar tonto, caiu e rolou no chao. Todos riram. Eurio Era incrivelmente engra",do. Esses velhos Suyli eram fados incrivelmente engra·~ados.

Inicialmente pensei que se tratava de um tra~ individual de carater: essas pes­soas mais velhas ou eram comediantes por natureza ou talvez um pouco loucas.Perguntei-me se 0 velho que andava para tras, gritando, estava criticando 0 cantodos jovens ou chamando aten~o sobre si mesmo por razlles especfficas. Mas a ob·serva~o repetida de aconteelmentos semelhanies e conversas com os Suya revela­ram que, longe de ser urn comportamento desviante, a palha",da dos velhos eratotalmimte esperada, desejada e altamente apreciada. 0 humor mais criativo era re­compensado com gargalhadas hilariantes e seus espeticulos terrninavam com a conti·da que lhes era oferecida pela plateia. Antes de se zangarem com as par6dias de seusmomentos mais privados e mais espontineos, os Suya deleitam·se com i880. Velho:palha~s sao necessarios para a realiza~o satisfat6ria dos rituals. Sua presen", tam­bern e bem·vinda no fmal da tarde e Ii noite, como objeto de galhofa e como inter-

• TradU\jao de Angela Loureiro.

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prete de pantomimas. Numa sociedade sem cinema ou teatro, eles s:ro 0 teatro; ~upalco 0 a pra~a empoeirada e sua platoia 0 bastante apreciativa.

Uma das li¢es mals importantes que os Suya repetidamente me ensinaramfai que aquila que com muita freqtiencia eu tomava como sentimentos ou compor­tamentos individuals era, na verdade, a expresslro de sentimentos e comporta­mentos culturalmente definidos, adequados a determinada categoria de pessoas.Essa descoberta 0 fundamental para a Antropologia em todas as suas formas, e foiespecialmente importante para compreender as atividades aparentemente exeentri­cas dos membros da classe de idade de pessoas ve1lllis, os wikenyi.

Na literatura sobre as sociedades das terras baixas da Amorica do Sui, quandolui quaiquer informa~lro sobre os velhos, ela indica uma varia~o consideravel emseu status. Mas em todas as minhas leituras, em nenhum lugar eneontrei urn relatode algo semelhante aos velhos Suya. A partir do pouco que pude encontrar e demeu proprio trabalho de campo com os Suya, discutirei 0 papel dos velhos e sugeri­rei algumas hip6teses relacionadas com a varia~o de status dos velhos em diferentessociedades. Espero que este come~ modesto estimule mals reflexlro, mais pesquisae a coleta de mals dados sobre os velhos no futuro.

2. VARIAI,;AO NO STATUS DOS VELHOS

a status social dos velhos varia muito entre as sociedades das terras baixas daAmorica do SuI. Em rela~o aos Guayaki (Metraux e Baldus 1945, 443) e aos Sirio­no (Holmberg 1948: 256-258), relata-se que os velhos e os doentes que nlro podiamseguir 0 grupo eram abandonados para morrer. Goldman, escrevendo sobre osCubeo, diz que os velhos slro geralmente desprezados (Goldman 1963: 183-}84).Nlro 0 lsso que acontece em muitas tribos Je, em que os velhos tern papeis especifi­cos e onde geralmente slro estimados (Turner 1966: 333; Da Matta 1976: 203;Nimuendaju 1946: 132; Seeger 1974: 249 ss). Para os Siriono e os Guayaki, quandose trata de movimento for~ado de urn acampamento para outro, 0 abandono dosyelhos nlro einexplicaveI. Mas por que a posi~lro dos velhos 0 mais estimada e"tre osJe setentrionals do que entre os sedentarios Cubeo?

Goldman dO-nos urna pista quando descreve os velhos como pessoas que esMo"desligando-se" do sistema social Cubeo:

as velhos simplesmente afastam-se das coisas. Eles rno slro alvo de ne­nhum respeito especifico, nem tern motivo para causar medo enquantofuturos espiritos, pois os Cubeo s6 estlro interessados em seus primeirosancestrals e nlrO no espirito dos mortos mals recentes (Goldman 1963,184).

as velhos Suya nlro se afastam das coisas, rno desaparecem calmamente. Namaioriadas sociedades de lingua Je, isso tambem nlro aeontece. Todos os Je seten­trionais tern sistemas de classe de idade, em que as pessoas slro agrupadas e c1assifi­cadas a partir de sua posi~lro no ciclo da vida. as velhos tern uma classe de idadepr6pria e homens e mulheres atingem urn status novo e importante quando ingres­sam na "classe de idade dos vellios".

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As classes de idades entre os Je setentrionais nao estao baseadas em idade cal­culada em termos de anos como em nossa sociedade, em que menores s§"o aquelescom menos de 18 anos e velhos aqueles que passaram 0 limite obrigat6rio de apo­sentadoria. Ao inves disso, as classes de idade equivalem aos estagios do ciclo vitaldo individuo em rela\'fo a sua vida familiar. Sao bascadas no tamanho de uma crian­,a, no status conjugal de urn jovem e mals tarde no numero de mhos que ele ou elatern. As classes de idade s§"o hierarqulcas. as membros das classes de pessoas maisidosas tern maior prestigio que as das roais jovens e geralmente merecem "respeito"dos membros das classes mals baixas sob a forma de deferencia em relal'ao aos seusdesejos e urn tipo de comportamento distante ou "vergonha" (pioam entre osApinaye e Kayap6, whiasam entre os Suya). as wikenyi Suya sao uma exce\'fo gerala esse respeito, como mals adiante ficar:! mals claro. Entre todos os Je'setentrionals,urna distinl'lio importante e feita entre homens e mulheres solleiros e aqueles quetern flihos (gerar urn fliho e urn pre-requlsito para 0 casamento, na maloria dessesgrupos). Entre os adultos com flihos, outra distin\'fo e feita entre homens com urnilnico fliho e homens com multos flihos, que tern mais prestigio. Homens com netos(e portanto com flihos casados) tern 0 status de anciao. Participam ativamente doprocesso decis6rio e s§"o valorizados pelo seu saber cerimonial. Embora esses anciaosformem urn vago "conselho" entre os Apinaye (Nimuendaju 1939: 19) e grupos in­cipientes autodenominados entre os Kayap6 (Turner 1966: 342), e entre os Suy:ique 0 status dos velhos e mais elaborado, sendo que eles formam uma classe deidade separada e bastante distinta, com suas pr6prias cerimanias de inicial'ao, aces­s6rios, tennos de parentesco cerimoniais e concomitantes mudan~ no comporta­mento. Em alguns aspectos, a classe de idade dos velhos Suy:i assemelha-se a algunssistemas africanos de grupo de idade, em que os velhos transcendem 0 sistema deidade e tornam-se mediadores (Legesse 1973: 115; Dyson-Hudson 1963: 362).

Nas partes seguintes, exarninarei algumas caracteristicas da "classe de idadedos velhos" em sua rela\'fo com a cosmologia e com a organiza\'f0 social Suya.Compararei entlio certas caracteristicas dessa classe de idade com aquelas encon­tradas em outras sociedades, situadas dentro ou fora dos limites das terras baixasda America do Sul. Na parte fmal, levanto algumas hip6teses relativas ao statusdo velho nas soctedades das terras baixas da America do Sul.

3. WlKENYI: A CLASSE DE IDADE DOS VELMOS SUYAa Quadro I apresenta urn esbOl'o esquematico das classes de idade Suya para

homens e mulheres. A cotuna aesquerda da a idade aproximada e 0 status determi­nantes, a segunda coluna apresenta os termos masculinos para os membros da clas­se de idade, a terceira apresenta os termos femininos e a quarta 0 termo usado inde-

, pendentemente do sexo, quando tal termo existe.Para urn homem, as classes de idade iniciais s§"o marcadas por elaboradas ceri­

manias de inicia\'fo que enfatizam 0 rompin).ento dos lal'0s com a moradia natal e atransferencia do meDino, primeiro para a casa dos homens (como sikenduyi) epostenormenle para a residencia de sua esposa (como hen kra), onde vive com elae com sua famflia depois de ter gerado urn fliho. Para as mulheres,existem menos

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QUAI>RO 1: CLASSES DE IDAI>E SUYA

ldade/Status Ma.eu1ino Feminino Indifereneiado

Nascimento at~ andar tit; tit; tit;

Andar at~ primeiro. ngiitureyi pureyi krasinai. de puberdade

Come~ da puberdade ngiitU hen sum hriiat~ entrar na casa (puberdade a~do. homen. (caso do. o primeiro fllho)hornen.)

Entrada na casa do. sikwenduyihomens at~ nascimentodo primeiro fllho

De urn fllho a mllito. hen kra hen kra hen krafllho.

De mllito. flIho. a hen kwi nglidi hen kwi ngedi hen kwi ngedimllito. neto. (hen tumu) (hen tumu) (hen tumu)

De mllito. neto. at~ wikenyi wikenyi wikenyimorrer

classes de idade e meno. elabora¢o cerimonial. Depoi. da puberdade, a mulbercontinua a viver em .ua casa materna. Depoi. de ter 0 primeiro filho, delimita.uapr6pria ~rea de dormir dentro da casa e seu marido vern morar com ola. Tornam-.euma unidade dom~.tica separada dentro da unidade maior que ~ compo.ta polo.pais da mulber, por suas irma••olteira. e casada. com seu. marido. e filho., e porseus irmao. nlfo inieiado•. A nifo ser que algo incomum aconte~, 0 casal continuavivendo junto na mesma ~rea do~stica (apesar de poderem mudar de a1deia detempo. em tempo.) at~ a velhice. Finalmente .erlfo enterrado. em cova••eparadasna casa em que viveram.

At~ terem seu primeiro fllho, 0. nome. das classes de idade para homen. emulbere. Sifo diferente•. Suas vidas Sifo tamb~m ba.tante diferente., no sentido emque 0. la~. de urn menino e de urn rapaz com a casa do. pais slfo enfraquecido. emfavor de la~. com a pra~ e com a casa da e.po". 0. elo. de uma menina e de urnamo~ com .ua casa natal nlfo slfo alterado•. As mulbere. casam-se maio joven. que

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os homens e passam por menos classes de idade antes de se tomarem hen kra. De·pois de haverem tido urn mho, entretanto, tanto 0 homem quanto a mulher s[oclassificados da mesma forma, de acordo com 0 numero de ftlhos que tern: hen krasignifica "ja com urn filho", quando tern muitos ftlhos s[o hen tumu ('1a velho oumaduro") ou hen kwi ngedi ("ja'se tornou velho"), quando seus filhos se casam etern muitos netos, tornam·se wik<!nyi. As diferen9as entre os membros das classesde idade hen kra e hen tumu 5[0 uma quest[o de grau. Os iJltimos tern uma partici­pa9[0 mais ativa na vida politica. Mas n[o hli rito de passage!l1 paJa marcar a mu~dan93 de uma classe para Dutra; e homens mais decididos agiraol como hen tumumais cedo do que os mais timidos. Ha, entretanto, uma separa9[0 nHida entre 0hen tumu e 0 wik<!nyi, marcada por urn rito de passagem e por mudan9as dramati­cas de comportamento.

4. A CERlMONIA DE INICIAl;AO DOS WlKENYl

Homens e mulheres que tern muitos netos s[o candidatos ao rito de passagemque antecede sua transforma9[0 em wik<!nyi. No passado, quase todos os velhosSuya se tornavam wikenyi. Massacres realizados pelos inimigos e epidemias p6s-con­tato reduziram drasticamente 0 numero de'pessoas com a idade necessaria e mtatern havido, nos ultimos tempos, cerimonia de inicia~o. Esb09arei brevemente duaspartes da cerimonia de inicia9[0 do wikenyi tal cOmo me descreveram.

Durante uma das muitas eerimonias anuais. as homens e as mullieres perten­centes aclasse de idade dos wikenyi agruparn-se na casa dos homens e decidem in­troduzir uma pessoa apta em seu grupo: No fmal da tarde , 'pintam-se e agrupam-sena casa dos homens e gritam: "Venha aqui' Venha aqui! Venha aqui' Vamos fazerpalha9adas por ai''' 0 iniciado vai para a casa dos homens e come9a a brincar obs­cenamente com as outros wikenyi, homens e mulheres. Todos riem com sua brinca­deira. Senta-se ent[o com os OlltroS e todos cantam. Enquanto todos os outros ho­mens adultos cantam uma can~o em unissono, tipica do canto da.tarde em perio-. .dos cerimoniais, as novos wjkenyi juntam-se aos outros vellios nos gritos em falsetecaracteristicos dos membros dessa classe de idade. Trata-se de gritos curtos, ascen.'dentes, em glissando e em falsete alto que repetem uma palavra: "kwii, kwii, kwii".Esse grito significa literalmente "quero (comida)! quero (comida)! quero (comi­da)!". No final da can~o 0 velho recebe urn colar de dentes de macaco e os ftlhosde sua irm[ e seus netos levam comida para a casa dos homens. Todos os wik<!nyicomem juntos, sendo que 0 novo iniciado reecbe mais comida do que tern capacida­de de comer. Faz uma demonstra~o exagerada de que come multo e depois ent[ode que esM muito satisfeito. Recebe urn novo nome de urn membro de sua classe deidade, que (num dos grupos Suya) sempre tern 0 prefixo wik<!n-. Wiken, isolada­mente, significa "rir". Os velhos podem ser chamados Wiken-hrikti (wiken alto),Wiken-dalu (wiken nlpiao) ou muitos outros nomes. 0 novo nome que recebe passaa ser usado praticamente por todos os membros da aldeia, ao inves daquele quetinha antes. Na primeira parte da cerimonia de inicia~o, 0 novo wikenyi e chamadoa pra~a para juntar-se aDs Qutros wikenyi, canta com eIes, come com eles e recebeurna nova identidade social.

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A segunda parte da cerimonia 6 realizada nao muito depois da primeira, sendorepetida de tempos em tempos. Presenciei sua realiza~ao. Echamada kriikQ. Quandown rapaz, normalmente urn sikwenduyi, vai cantar urn solo durante 0 dia inteirono centro da pra~a, os vellios juntam-se e dizem "vamos kriikQ". Urn dos wikenyi,que 6 parente consangUlneo do cantor, oferece..e para acompanhar 0 rapaz enquan­to ele canta, dando 0 grito de wikimyi. 0 wikenyi 6, normalmente, avo ou av6, paiou mae, au tia paterna, reais au c1assificat6rios, e fiaO deve sec wn doador de nomeou amigo formal do cantor. 0 rapaz 0 informado que 0 vellio vai kriikQ; faz e pintaurn novo ornamento corporal (urn disco labial se 0 wikenyi for urn homem, discosde orelha se for mulher) e prepara os outros acess6rios necessmos. Leva tudo issopara 0 lugar de dormir do velho e pendura perto de sua rede. Dirigindo-se ao vellio,o jovem diz: "Filho, aqui estao sellS ornamentos". 0 vellio dirige-se aD jovem como"pai" pelo resto da cerimonia. Coloca 0 disco labial e os outros acess6rios e deixa acasa para seguir 0 rapaz pela pra~a da aldeia. Enquanto 0 rapaz canta em solo suascan~s akia (para uma discussa'o desse tipo de musica, ver 0 Capitulo 4 desle livro),o vellio d:i 0 grito especial em falsete caracteristico do wikenyi e pode de vez emquando cantar can~es obscetias que divertem muilo a platoia que escuta das casase da casa dos homens.

Existem muitas coisas soble essa cerimonia de inicia~o que merecem seTmencionadas por revelarem a natureza especifica dos vellios na soeiedade Suy:!. Acerimonia realiza urn remanejamento fundamental das rela~es entre urn vellio ouurna velha e 0 resto da aldeia. 0 primeiro aspecto que convom notar 0 a eofase nacomida e no comer mllito. Os vellios tern dificuldade em ca~ar e em contribuir parao abastecimento de comida, apesar de frequentemente ainda trabalharem nas ro~s.

Seus genros devem ca~ para eIes, mas encontra-se muitas vezes urn sentimento deque os vellios sao urn fardo. Vma das formas dos jovens brincarem com os wikenyil! dizer: "Ei, vellio, vo~ e muito vellio. Por que voce nNo mone?" Entlto os doisdemo Nas cerimonias Suya os vellios sao alimentados como grupo, e a primeira par­te da cerimonia de inieia~o 0 a inclusilo de urn determinado vellio no grupo de pes·soas que comem a comida especial. Essa refei~o cerimonial 0 urna parte habitualdas cerimonias Suya e 6 frequentemente repetida. A comida levada para a casa doshomens 6 chamada "a comida do wikenyi" ou "comida do berro" (referindo-se aogrito em falsete que eles dao enquanto os outros cantam). Os wikenyi, portanto, re­cebem comida em troca de seu grito por comida. Alimenta·los torna..e em parteresponsabilidade de toda a aldeia.

o segundo aspecto que curnpre assinalar 0 a feitura e 0 uso de ornamentoscorporais. No Capitulo 2, deserevi a importAncia simb6lica do disco labial como'Imbolo da agressividade masculina, do ser adulto, da habilidade vetbal. Nessa ceri·mania 0 vellio esta, em certo sentido, renuneiando aagressividade e aauto-afIrma­I'lio. Ele passa do status de "homem plenarnenle adulto", que canta, discursa e 6agressivo, para "velho", que age de forma muito diferente. Ele ao mesmo tempo mu­da seu ornamento labial e muda seu estilo de cantar, assiro como sua rela~o como resto dos homens (recebe comida cerimonial, ao invos de fornece.la). 0 disco la­bial que 0 wikenyi que vi usava era bastante incomurn, e era considerado tipico do

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wikenyi. Nfo tinha urn desenho circular na parte de baixo. ]a que. como urn Suyllme disse, 0 desenbo circular preto que existe no disco labial de urn rnpaz faz comque ele se "envergonbe" de ficar na casa de sua mae, a falta de tal desenbo 6 impor­tante. £ mais urna forma de marcar a diferen~ entre urn homem adulto, identifica­do mais com a pra~ do que com as casas residenciais. e os velbos, que slo acirnade tudo identificados com as casas em que se casararn.

o terceiro aspeeto que temos de assinalar e a inverslo dos termos de parentes­co usados pelo rapaz em relal'i0 ao velbo e vice-versa. Quando um rapaz chama urnvelbo de "meu ftlho" e e chamado "meu pai" em resposta, isso 6 tao engra~do (0humor Suyll freqiientemente joga com opostos) quanto, em certo sentido, bastantepreciso. Normalmente e 0 pai de um homem que faz seus ornarnentos de dan~.

o rapaz fez 0 disco labial e os outros omamentos do velbo. TamMm houve urna in­versfo de dependencia em outros sentidos, pois 0 wiktinyi tambem e alimentadopelos homens mais jovens. A dependeneia do velbo para com os mais jovens poderiaser expressa de muitas formas. £ coerente com a enfase dada pelos Suya ao corpoque essa dependeneia esta expressa na mudan~ dos omamentos corporais e dequem os faz, assim como do estilo de cantar.

Finalmente, em todo rito de passagem antes de 0 homem se tornar urnwiktinyi, um nilo-parente desempenha Urn papel muito importante, fazendo a me­dia~fo entre 0 inieiado e seus parentes. Assim, e0 doador de nome de um homemque dan~ com ele quando e menino; e 0 amigo formal de urn homem que deeidequando ele deve ser iniciado; a coletividade de homens adultos e igualmente impor­tante em diversas cerimouias. Mas na segunda parte da inieial'io do wiktinyi a figuraimportante e, por defmil'io. um parente consangiiineo. Isso tamb6m representa urnremanejamento das relal'6es do homem adulto: se suas rela\Ues eram baseadas emrela~Oes cerirnouiais, agora slo baseadas em pareHtesco. 0 que faz parte da renun­da geral ao papel de homem adulto na pra~ enos assuntos cerimouiais.

5.0 COMPORTAMENTO DO W/KJ!NYI

Espera-se que os wikenyi, como grupo, tenbam determinado comportamento,bastante oposto aquele que 0 Suya normal, moralmente correto, deve ter. Talveza mellior maneira de demonstrar as diferen~ entre os wikenyi e 0 resto dos Suyllseja comparar 0 comportamento que deles se espera com 0 esperado dos rapazesrecentemente iniciados. Em muitos aspectos, os jovens inieiados, que tern de 15 a20 anos, slo considerados como expressao da ideia de mascu1inidade. Slo apresen­tados como exemplo do que geralmente se espera de todos os homens adultos nfoestigmatizados como moralmente ruins (ani mbai kidi, expressao analisada no Capi­tulo 2), ou como feiticeiros. 0 contraste esbo~ado no Quadro 2 entre 0 wikenyi e 0

sikwenduyi 6, n~ realidade, um contraste entre 0 resto dos Suyll acima da idadedo ng6tu (ou hen sum hrii, no caso de mulheres).

o comportarnento rabelaisiano do wiktinyi contrasta dramatica e humoristi­camente com 0 comportamento controlado dos inieiados recentes. Como grupo, oswikenyi fazem coisas que ninguem mais na sociedade Suyll pode fazer sem conside­ravel censura (algumas foram apresentadas no come~ deste artigo). 0 humor

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QUADRO 2:COMPORTAMENTO NORMATIVO DE INICIADOS E VELHOS

Assunto Sikwenduyi (iniciados) Wlkenyi (veThos)

Residencia Vivem oa casa dos homens, Fiearn a maior parte do temporaramente visitam as casas em suas casas residenciais (casaresidenciais, tern pOlleD cantata da esposa), ficam menas tempocom os futuros parentes por na pra-;a que os hornens aduJtos.afmidade.

Atividades de Nao plantam ro~as. mas cil9am Praticamente param de ca~ar e desubsistencia e pescam coletivamente para as pescar, podem continuar a trabalhar

cerimonias. nas roltas.

Sexo Tern "vergonha" a respeito de "Falta de vergonha" em relaltao aorela"lSes sexuais; esperam-se sexo ecaractedstica; a obscenidadeprivacidade e reticencia em eo humor sao obrigat6rios.retaeao a seus casas: Tern tambem Freqtienternente se diz que nao saomuitos casos sexuais, e sao roais viris.considerados pelas mulheresaltamente desejliveis.

Comida Devem observar muita restricoes Podem comer todos os tipos dealimentares. comida, inclusive comidas evitadas

por ouuos Suya.

Cheiro Considerados "sem cheiro" ou de Considerados "acre" tendo urn"cheiro born", em razio da cheiro caracterfstico do grupo.suposta falta de contato sexualcom as mulheres e do uscfreqiiente de pintura corporaL

Atividades Atividade coletiva e for"a sao A fraqueza econsiderada umagrnpais esperadas. Canto, caca, corridas caracterfstica; raramente agem

de tora etc. Espera-se que fiquem coletivamente. Atividade ritual naona casa dos homens cantando e coletiva. Nio cantam (86 gritarn),fazendo discos labiais. nem fazem sew proprios discos

labiais.

Musica Cantam muitas oklo (canclSes Param de cantar como os adultos eindividuais) e devem ficar muito cantarn humoristicamente outempo cantando canCoes coletivas. emitem urn grito caractenstico.

Cerimonia de Acessorios feitos pelo pai. Acessorios feitos por jovensiniciacio parentes consangii{neos.

Enfase nas relac6es de nome £nfase nas relacoes consangii{neas.e nas relacoes rituais de diversostipos.o disco labial passa a ter desenho o disco labial nao tern maiscircular. desenho circular.Os ornamentos cerimoniais seguem Omamentacao exagerada, estranharigidamente determinados padroes e na maior parte das vezes ridfcula.estabelecidos.

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wikenyi tira proveito de temas importantes e provaveimente conflituados da socie­dade Suyll, temas com que eles - enquanto velhos - tem urna rela~ao particular.mente amblgua. 0 mals importante e a comida. Um Suya moraimente correto s6pede comida a seus parentes proximos; um wikenyi pede comida a qualquer umUma pessoa plenamente social da comida de presente a quem lhe deu comida; oswiktlnyi slio quase sempre incapazes de fazer isso. Sao dependentes das pessoas maisjovens em rela~o a comida. Seu humor gira em torno de seu enorme apetite e dasatisfa~o deste. 0 segundo tema geral e a sexualidade. As mulheres s6 se tornamwiktlnyi depois da menopausa. Os homens velhos slio, com freqiiencia, consideradoscomo hOmens que nao slio mals viris. Ambos brincam publicamente COin temas se­xuals. Tanto a comida como 0 sexo slio res!ritos e objeto de ''vergonha'' para os in!·ciados; eles slio 0 publico e deliciam·se com os wiktlnyi. Logo, 0 humor wiktlnyi,como,o bom humor em todas as sociedades, utiliza coisas que slio ambiguas ou queslio tabu e brinca com isso de formas diferentes. 0 humor wikenyi expressa conere·tamente muitas das ambigiiidades e dificuldades da vida Suya e especiaimente davida dos velhos. Como 0 bobo da corte, 0 wiktlnyi tem DaO s6 urn status bem espe·cifico em rel~ao ao resto da aldela, como muito valorizado. Sao os bobos da cortenuma sociedade sem corte: divertem toda a popula~o Suyll e, para isso, gozam deuma licen~ e de beneficios especials.

Os velhos slio, de voIrias formas, marginais em rela~o ao restoda sociedade.Isso se expressa na ambigiiidade de seu status, em seu cheiro e na comida que po­dem comer. A marginalidade pod. ser perigosa ou socializada; os velhos podem agircomo wikenyi engra~dos ou' como feiticeiros. Tanto feiticeiros quanto wikt!nyi reocebem comida de nao·parentes: 0 feiticeiro pede diretamente por comida, que lheedada por medo de represalia; 0 wiktlnyi grita por comida, que lhe edada em tro­ea de bufonaria humoristica.

~ importante distinguir entre as pessoas velhas enquanto membros da classede idade "paJha~" e as pessoas velhas enquanto individuos especificos em situa­¢es socials especificas. Nem todas as pessoas de uma classe de idade agem da mes·ma forma, apesar de poderem ser objeto de expectativas semelhantes. Nem todos oswikenyi slio ;guais; existem diferen~as individuals tanto social quanto psicologiea­mente (em que pese a este Ultimo nfo ter sido investigado). Apesar de todos os ve·lhos serem potenciaimente feiticeiros em virtude da sua dependencia e dos pedidosfeitos aos outros, alguns velhos tem muitos parentes que atendem as suas necessi­dades; outros tem poucos ou nenhum. Alguns slio considerados por giupos podero­sos como feiticeiros; outros nfo. Algumas pessoas realmente gostam do humor obs­ceno; outras slio mais recatadas. Todos os wikt!nyi brincam obscenamente e gritamem deterrninadas ocasiOes. Para alguns deles essa atividade torna·se um. verdadeiraprofissao, enquanto para outros euma atividade ocasional. A comida da casa doshomens reservada para os wikt!nyi e mals importante para uns que para outros.Alom disso, agir mais ou menos como 0 wikt!nyi ideal 0 uma oP~o que os velhospodem fazer e que manipulam de acordo com sua posi~o social e com sua aptidao.

Os Suya classificam a maior parte ,do mundo natural e humano a partir detres odQres, que poderiam ser traduzidos aproximadamente por "cheiro forte",

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"acre" e "suave". Coisas de "cheiro forte" 81'0 caracteristicamente as coisas maisfortes e simbolicamente mais poderosas e perigosas na oosmologia Suya: animaiscamlvoros, fluidos sexuais e mu1heres. Coisas de "cheiro acre" sao simbolicamentemenos poderosas e slfo beneficas: animais acres podem ser na maior parte das vezescomidos, muitas plantas medicinais slfo acres e os elementos na:o slfo taO carregadossimbolicamente. A categoria suave inclui animais e 0000 que na:o sfo muito peri­gosas nem muito importantes em termos de cosmologia. Essas classifica¢es porcheira tambem se aplicam aos humanos. Crian~ tern cheiro forte, tendo sidoformadas de semen (ver Capitulo 6). Homens iniciados nlio t!m cheira; siro a epito­me dos seres humanos 8Ociali7ados. Mulheres sexualrnente ativas t!m "cheiro for­te" e slfo explicitamente e de vlIrias formas cornparadas oom animais. as wikenyide ambos os sexos tem cheiro acre e slfo assim marginais em re!a~o ao homem e amulher adultos; sendo claramente separados do resto da 80ciedade tanto pe!a cia&­sifica~o por cheiro como pelos seus outros atributos.

Os Suya rem urn sistema razoavelmente cornplexo de restri~ dietetjcas.Estas slfo, em si mesmas, assunto para urn artigo; discutirei apenas aquelaS re!acio­nadas com os wikenyi. Em geral, as crian~ na:o devem comer certas comidas porIhes serem prejudiciais (por exemplo, comer a carne do jabuti farll com que sejamcorredores lentos). Adultos jovens na:o devem oomer outros tipos de comida por­que podem prejudicar suas crianl"'S reais ou futuras (por exemplo, as mulheres na:odevem comer frotas geminadas ou feto de animais para evitar partos mUltiplos).Os pais de uma crian~ pequena devem evitar comer grande niunero de colsas quepodem prejudicar seus mhos. Mas os veIhos podem oomer quase tudo, inclusivecoisas que prejudicam outros Suya. Podem comer Iivremente por vlIoo razlles. Co­mer animais que fazem uma pessoa correr mais vagarosamenle na:o pode prejudi­ell-los porque ja correm devagar (ou na:o correm). Comer coisas que prejudicam aprole na:o importa, tanto porque na:o tem mhos pequenos quanto porque nlio se os­pera que tenham mais mhos. A maioria dos tabus que protegem crianl"'S, jovens,homens e mulheres adultos dos efeitos perigo8os e debilitadores do mundo animale abandonada porque 0 wikenyi na:o precisa mais dessa prote~o. Como disse urnSuya ao dar a cabe~ de uma paca para urn wikenyi comer: "R verdade que, quandovoce come a cabe~ de uma paca, vOce fica oom sarna no couro cabeludo. Mas, dequalquer forma, todos os veIhos ja rem sarna no couro cabeludo".'

as veIhos ficam com cal"'S ou peda~s de carne indesejllvels e perigo8Os: 0

penls do tapir, a cab~ de certos animais, fetos, frotas geminadas e eS¢cie~ ani­mais que nlio slfo comidas de maneira aIguma por outros Suya. Esses animals siromortos e levados para a a1deia a fun de que os wikenyi os comam Na casa andevivi na:o morava nenhurn wikenyi. Quando era levado para casa a1g0 que s6 oswikenyi podiam oomer, seus membros freqiientemente convidavam urn deles eobservavam, com fascinado horror, oomo ele, com grandes demonstra~s de pra­ur, cornia 0 "incomfvel".

As reslri~lles de comida dos Suya garantern que os veIhos normalmente te­nham a1g0 para oomer: a1g0 que ninguem mais pode comer sem ..00 consequen­cias. Is80 assegura sua 80brevivencia de forma muito pmtica, a1em de expressar sen

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status marginal. E uma re1a.,ao que se refor~ mutuamente: os wiklinyi nJ[0 Umde se preocupar com 0 que comem porque deixaram de ser seres sociais ideais; aingestao de comidas que, em outras circunstancias, sao tabu, fortalece sua margi­na1idade. Os ve!hos nJ[0 podem correr depressa ou ca~ar; a comida que comemfazem-nos ficar vagarosos e ineficientes. Por sua dieta sao distinguidos como grupomenos plenamente social que tem atributos especiais.

Os velhos SUyR sao de fato marginais: nJ[0 sao mais fortes, tomam·se depen­dentes. Sua marginalidade tambem ~ simb6lica. Al~m de seu humor, os wilu!nyimuitas vezes sao acusados de feiti~. Sao ocasionalmente assassinados pelos pa­rentes de uma pessoa que, segundo os parentes, foi morta por eles. Em conversaa respeito da hist6ria da vida de SuyR jll falecidos, tomou·se claro que mllitos doshomens mais fortes e agressivos eram acusados de se tomar feiticeiros na ve!hice.Similarrnente, a maloria das velhas entre os Suyll eram consideradas feiticeiras.InUrneras forrnas de comportamento que sao tomadas como tfpicas dos velhossao tambem tipicas dos feiticeiros: diz-se que os feiticeiros dorrnem muito duranteo dia, assim como os ve!hos. uin sinal de que se ~ feiticeiro ~ pedir coisas (especial­mente comida) a pessoas a quem nao se estll relacionado, nJ[0 retribuir e, recebendouma nega.,ao, malar em represaua. Eles sao considerados sovinas, maliciosos e falammal das pessoas. A partir do momenta em que os SUyR acham que todas as mortessao causadas por feiticeiros, a acusa.,ao de feiti~ria ~ um dos riscos que velhos edesviantes em geral correm. Mas nJ[0 M indicio de que muitos ve!hos tenham sidoassassinados como feiticeiros. A malor parte dos assassinatos de feiticeiros faz partede manobras politicas, e adultos jovens sao tao freqiientemente mortos quanta osvelhos. Mas 0 paralelismo 6bvio entre 0 comportamento dos feiticeiros e 0 compor­tamento observado dos ve!hos pode ser uma das caraeteristicas importantes quedetermina 0 papel pUblico dos wiklinyi e que leva algumas pessoas a agirem maiscomo wiklinyi que outras.

Um exemplo concreto pode ser eselarecedor. Em determinado momento, du­rante meu trabalho de campo, surgiu uma grande preocupa.,ao a respeito da pre·sen~ de feiticeiros na a1deia que poderiam causar a morte de um membro de urnadas fa~es poHticas mais fortes. As mulheres dessa fac<;lio repetidamente af"mna­yam que um velho wiklinyi que praticamente nao tinha parentes vivos era 0 feiti­ceiro mals perigoso. Al~m dos pedidos economicos que fazia, de tempos em tempostinha convuls<les e parecia particularrnente amea~dor. Achei que era bem possivelque fosse morto dentro de no mlximo seis meses. Mas, ap6s uma doen~, seu com­portamento mudou de maneira notave!. Quando se recuperou, come~u a agir,mais do que nunca, como palh~o. Muito mais do que antes, executava pantomirnasobscenas ou simplesmente muito engra~adas na pra~a da a1deia; seguiu um rapazem um kriikO.; passou a pennitir que fosse 0 a1vo de muitas brincadeiras. Come~utambem a receber muita quantidade de comida dos homens durante as cerimoniase de certas familias em outras ocasilles. Ap6s alguns meses, apesar de ainda se falarmuito sobre feiti~aria, ele nJ[0 era mais considerado como 0 principal candidato pe­las mulheres da fac<;lio mals forte. A diferen~ foi que ele com~u a retribuir. Co­mccou a agir de acordo com a expectativa da a1deia a respeito dos velhos; fazia,

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de seus pedidos e fraquezas, objeto de humor. Nesse caso, urn homem que anterior­mente na:o fIzera muita brineadeira era capaz de a1terar bastante seu status agindocomo 0 wikenyi ideal.

o ponto que devemos enfatizar ~ q\!,e todos os wikenyi sro importantes emcerimonias. Alguns passam, de certa forma, a ganhar a vida com seus trejeitos eoutros s6 ocasionalmente fazem palha,adas. ~ diferenl'OS podem muitas vezes tercomponentes sociais.

Os velhos Suya tamMm 8[0 a1tamente respeitados pelo seu saber cerimonial.Como outras sociedades de lingua Je, os Suya executam cerimonias bastante elabo­radas com intervalos razoavelmente grandes. Algumas podem ocorrer s6 urna vezem 10 anos ou mais. Uma consequencia direta. dessas cerimonias pouco frequentesmas importantes ~ que muitos dos rapazes, e ate mesmo a maior parte dos adultos,tern urn conhecimento incompleto a respeito de como executa·las. ~ pessoas velhassro necessarias para a execu<;[o correta e, em rcio do seu' saber, adquirem presti·gio. Esse respeito pelos velhos pode parecer contradil6rio com 0 humor com queos wikenyi sao tratados: os mesmos membros da comunidade que 8[0 respeitadostambem representam 0 divertimento e a comedia. Mas essas duas caracteristicas na-osro incompativeis para os Suya. 0 atual especialista ritualistico procede cada vezmais como urn wikenyi (ele tern \un filho easado e dois netos), sem perder nem umpouco do prestigio que tern como aquele que sabe como executar a maior partedas cerimonias importantes.

Ate agora falei a respeito de cQmo os Suya v.em os wikenyi. Falei muito pou·co a respeilo de como os pr6prios velhos se sentem. Eles dizem que sro tristesporque esta-o sempre se lembrando de parentes e amigos mortos. Em detenninadosdias esta-o muito quietos e recolhidos. Canl"'les que sao cantadas pelo resto da a1deiasempre fazem Com que se lembrem das pessoas mortas que as cantavam. Duranteesses periodos d~ recolhimento, diz-se que estlio querendo ir para a a1dela dos mor­tos, para onde foram todos os seus amigos e parentes. A tristeza na:o e continua e oswikenyi tambem participam do fuxico e da vida dos vivos. Mas e importante men·cionar que, a1em de serem marginais em rela<;[o ao resto da sociedade Suya, como jafoi descrito, as vezes eles sentem-se marginais em rela<;[o a ela.

Para resurnir, os wikenyi sa-o velhos que, de varias maneiras, slio intermedili­rios entre 0 ideal Suya d.e homem adulto, 0 mundo menos social dos mortos e 0

reino animal. Slio pessoas marginais de quem se espera que fayam coisas hilariantese que na:o sro censuradis por fazerem coisas que, tratando-se de outro Suya, seriama1tamente critieadas: TempapOis importantes e claramente distintos na vida publicae cerimonial da aldeia. Recebem sua comida nessas cerimonias e podem, a qualquermomento, comer a comida que 0 resto dos Suya na-o come. 0 wikenyi nao "aban­dona" 0 sistema: nole desempenha urn papelimportante. Ameuver, issoestarelacio­nado com a sua posiylio em relaylio a certos processos fundamentais da vida socialSuya, abordados na se,lio seguinte.

6. OS WIK£NYI E 0 CICLO DE DESENVOLVIMENTO DOGRUPO DOM£SnCOAntes de os massacres e a doenya terem matado muitos dos homens velhos e

interrompido a inicial;[o dos rapazes na decada de 1960, os Suya eram uxorilo·

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cais: esperava-se que wnhomem mudasse para a casa da esposa quando tivesse geni­do um filho. 0 status de um tapaz na casa da familia da esposa 6 muito baixo (co­mo foi descrito com muita clareza em Maybury-Lewis 1967). Um rapaz fica a maiorparte do tempo na pra~a e na casa dos homens e nll:o na casa da esposa, que 6 domi­nada pelos pais dela. Essa posi~ifo inferior vai mudando com 0 tempo a medida queo homem gera mais mhos e consolida sua posi~o politica. Quando tem muitos fi·lhos, seu sogro toma·se um wiktnyi e ele se torna urn homem plenamente adulto epoliticamente alivo. Seus sogros acabam morrendo e 0 homem, que se incorporoupelo casamento, torna-se 0 chefe maseulino de sua pr6pria residencia. Bmbora 0

aumento de status seja gradual, urn ponto crilico e atingido quando suas filhas secasam e e1e se toma sogro de algWlS rapazes que se incorporaram pe10 casamento,que devem mostrar grande respeito para com ele, abasteee-io de comida, construirsua casa e fazer suas canoas. Ao inves de ser 0 Uoutro" que se incorporou pe10 casa·mento, a novo avo torna-se aque1e em torno de quem se une 0 gropo residencial.

A nova posi~o de um homem com filhos casados liga-se ao final do conflitoque govemou sua vida adulta: 0 conflito entre as lealdades que deve a familia desua mulher (especialmente aos pais de sua mulher) e as que deve a sua residencianatal. 0 velho toma·se completamente identificado com a residencia de sua espo­sa. Isso ficou claro nas conversas dos Suya sobre seus av6s. Todos podiam descre­ver·me as residencias natais de seus pais - onde haviam vivido antes de se casar ­mas diziam que seus av6s "sempre" haviam pertencido acasa onde residiam comovelhos (0 que 6 impossivel em virtude do sistema de casamento e residencia). 0 quequeriam dizer e que os velhos com netos se tomavam totalmente associados as resi­dencias de suas esposas, ao menos na opiniifo de seus netos e da gera~o mais jovem.

Os ritos de passagem entre os Suya podem ser vistos como uma ritualiza~ao

da passagem de urn homem de sua residencia natal para a casa de seus afms. Oswikenyi completaram essa passagem; perteneem totalmente a residencia de suaesposa. A totalidade de sua integra~o 6 revelada pelas diferen~ j' assinaladas en­tre a cerimonia de inicia¢'o dos wikenyi e as outras cerimonias de inicia~ao: fa1taum desenho em seu disco labial, ele para de cantar e 0 parente consangiiineo tor­na·se irnportante como rnediador.

Os wikenyi reso1veram determinadas tensOes que caracterizam a experienciade um homem em outros est:lgios do cicio vital. Tomaram-se completamente iden­tificados com a residencia de sua esposa e passam a maior parte do tempo nessa ca­sa. Sua posi~ao naquilo que Fortes (1958) charnou 0 ciclo de desenvolvimento dogrupo dom6stico e no sistema de classe de idade equivalente e em parte responsavelpelas caracterislicas especificas do papel do wikenyi

As mulheres tambOm tem um cicio de desenvolvimento. Uma mulher e carae­terizada por sua sexualidade durante seus primeiros arros reprodutivos. Como urnhomem, ela come~ com pouca autoridade domestica e a aumenta a medida quesua mao envelhece e que tern mais fllhos para criar e instruir. As mulheres tarnbemdesempenham um papel importante na politica atraves de seus maridos e irmaos(ver Capitulo 5). Com 0 inicio da menopausa, seu status muda significativamente.E1a torna-se menos sexual e assim se marginaliza em relayao ao status sexualmente

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defmido do sexo feminino. Emais ou menos nesse momento que se tomam wiUnyiAs mulheres velhas nonnalmente nlfo se tornam tao dependentes quanto os homemvellios. Estao intimamente envolvidas nos atividades domestieas de suas filhas eainda podem exeeutar muitas das tarefas em ritmo mais lento. Talvez em partepor essa raz[o as mulheres velhas sejam menos propensas que os homens wiUnyi,que 850 mais dependentes, a se engajar em brineadeiras humorlsticas.

7. OS VELHOS EM OUfRAS SOCIEDADES DE LiNGUA .ItA posi~ mediadora dos vellios e descrita em multas outras soeiedades U.

Em relo9io aos Kayap6 setentrionais (espeeialmente os Gorotire), Terence Turnerescreve:

Os me be nge-e-te 850 os individuos de maior prestigio e autoridade nacomunidade, depois dos chefes... (Eles) Urn 0 papel mais passivo de pa­cifieadores e reconciliadores de disputas; sUpOe-se que estejam acima deenvolvimento direto em conflitos faccionais ou pessoais. Personificam astendeneias de fus50 da soeiedade... SupOe-se que encarnem, em maiorgrau que outras pessoas, os valores fundamentals da soeiedade (T. Tumer1966: 333).

Isso tambem se apliea aos Xikrin, segundo Vidal (1971: 167). Entretanto,no coso dos Gorotire, os me be nge-e-te tendiam a formar urn grupo "tipo grupo deidade", tendo urn lugar pr6prio para se sentar na easa dos homens e uma alian9"menos rlgida com os grupos de homens com que haviam sido associados quandomais jovens. Turner continua:

Eporque eles "superaram" as alian9"s separatistas e as clivagens estrutu­rais em que os homens mais jovens ainda estio absorvidos, tanto no niveldomestico quanto no nlvel do tchet (fac¢o da casa dos homens), que seconsidera que os me be nge-e-te estejam partieu1armente qualifieados paraarticular os valores comuns da comunidade e para reconciliar disputas(Tumer 1966: 343).

No caso dos Xerente, Nimuendaju aflffila que:

o titulo de "vellio" era conferido a tOOos os membros de uma assoeia­9ilo (grupo de 'idade) quando tivessem aproximadamente 45-50 anos deidade, a inieiativa sendo tomada por aqueles que jll Urn 0 titulo (Nimuen­daju 1942: 11).

Os novos membros do grupo dos "vellios" foram inieiados como grupo pelos''vellios'' anteriormente inieiados. Receberam bastlJes feitos por esses vellios, colo­eados perto das toras arrumadas para uma corrida de tora. !sso eliminavaos inieiadosdosatletas ativos e 0$ elevava ao status de "homens vellios" (Nimuendaju 1942:11). Os prineipais deveres dos hpmens vellios referiam-se ~ supervis50 das cerimo­nias.

Entre os Apinayl!, 0 chefe era outrora ajudado por urn consellio de ancia:os,espeeialmente na organiza9ilo das cerimonias, mas esse grupo foi dizimado pelo gri-

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pe espanhola de 1918 (Nimuendaju 1939: 19). Da Matta (1976) diz que os velhossfo deposit!rios de informa~o esoterica; no desenho Apinaye de uma aldeia, velhose velhas sfo separados do resto dos homeos e mulheres adultos, 0 que implica algumtipo de discrimin~ao conoeptual clara deles como grupo (Da Matta 1976: 66, fl­gura).

Entre os Ramkokarnekra (Timbira oeidentais), Nimuendaju desereve 0 quechama "sociedade masculina de paIha~os" (Nimuendaju 1946: 95). Individuos sfointroduzidos nesse grupo mais de acordo com seu ''talento para a bufonaria" doque com seu grupo de nome, como no caso da maioria das outras soeiedades mascu­linas. Os trejeitos descritos em varias partes do livro relativas acerimonia slro mllitosemelhantes aos que observei entre os Suyl!. A sociedade de paIha~s nlro e, entre­tanto, urna classe de idade. Nem se espera que todos os velhos sejam palha~s.

Entretanto, os velhos sfo "estimados" entre os Timbira (Nimuendaju 1946:132). Na idade de mais ou menos SO anos, todos os membros de urn grupo etlriodeixam de partieipar das atividades esportivas e entram para urn conselho cujas prin­eipais responsabilidades se referem as atividades cerimoniais. Essa passagem e reali­zada em a1guma cerimonia .que nlro foi descrita. Nimuend'\iu tambt!m assinala que"as mulheres velhas merecem tanto respeito quanto os homens velhos" (1946:133).

Fica claro, enMo, que entre os Je setentrionais e centrais os velhos coostituemuma categoria separada e ";;:0 tratados com aIgum tipo de respeito. Slro tambt!mvistos como mediadores politicos de disputas e como deposit3rlos de informa¢oesoterica. Em todas essas soeiedades, a resideneia e uxorilocal, as a1deias sfo predo­minantemente endogiimicas e 0 cicio de desenvolvimento do grupo domestico epraticamente 0 mesmo. 0 que nlro e oerto e 0 grau em que esse respeito generaliza­do e acompanhado, nas soeiedades nlro-SUya, por urn aurnento das palha~das ebrincadeiras por parte dos velhos. Os velhos nlro sfo bern descrltos nas monografiasexistentes, mesmo no caso dos Ie.

8. OS VELHOS EM OUfROS GRUPOS DAS TERRAS BAIXASDA AM£RICA DO SUL

Segundo Hamer (1972: 79), entre os Jivaro do Equador hoi uma matrilocali­dade tempor3ria, seguida por resideneia de casamento uxorilocal (ou matrivicinal ­isso significa que urn homem come~ a viver com sua esposa na casa dela e depoisconstr6i urna casa pr6xima ade seu sogro). Nesse sentido, os homeos slro separadosde seus irma:os e morain perto, mas numa casa distinta, de seu sogro. Urn poderosohomem Jivaro e chamado urn untO, que significa "grande" e "velho". Essa designa­¢o pode ser obtida por homeos mais joveos que sejam assassino.. especialmentecompetentes, ou simplesmente por homens que atingiram a idade de ter netos. Avelhice e 0 status de until sfo sinais de poder sobrenatural. 0 que alguos homeosatingem por merito os velhos atingem por terem netos. Quando urn Jivaro tern ne­tos, est! implicito que casou fdhas que vivem em sua pr6pria casa ou nas proxirni­dades, e que se tomou, mais ou menos como os Suya, senhor de sua casa. Como osvelhos Suya, os until Jivaro sao mediadores entre 0 mundo espiritual eo mundo hu-

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mano. Essa media~o lIfo~, pelo que sei, expressa atraves de humor. Mas a ambigiii­dade e 0 poder estio presentes.

As sociedades do Noroeste amazonico, localizadas ao longo do rio Negro e deseus afluentes rias fronteiras com a Colombia, 850 diferentes tanto dos Je quantodos Jivaro, sendo patrilineares e patrilocais. Nessas sociedades, 850 as mulheres quedeixam suas residencias natals e passam a residir com os maridos. Goldman, ja cita­do, caracteriza os velhos como abandonados, como pe580as que estao "desaparecen·do" do sistema social. Relat6rios preliminares de outros pesquisadores (RobinWright, comunica~o pe58Oal) mostram que em outros grupos da regilio os velhos850 respeitados como depositlirios de saber. Mas nao parece haver 0 mesmo lipo decorrela~o clara entre tomar·se avo e obter um novo status. lnfelizmente, grandeparte da inforrna~o necessaria ainda estli sendo elaborada por pesquisadores recen·tes.

Evitarei a tenta~o frazeriana de continuar acrescentando exemplos insufi·cientemente descritos. 0 que tentei fazer foi mostrar que numa sociedade uxorilo­cal os velhos tern urn status especial (os Jivaro) e nas sociedades do alto do rioNegro e Uau¢s i580 lifo parece acontecer. A inforrna~o existente sobre os velhose pouca; qualquer analise comparativa exigira trabalhos mals extensos feitos por an­trop6logos que se interessem pelo tema.

9. ALGUNS EXEMPLOS MAIS LONGiNQUOS

Sendo diflcil comparar minhas observal'6es sobre a posi~o dos velhos Suy'com as escassas inforrnal'aes existentes sobre as terras baixas da America do Sul,voltei-me para regiaes mais longinquas. Meu objelivo foi comparar a natureza margi­nal dos velhos em sociedades que 850 bastante diferentes mas que podem ser, emtiltirna analise, comparaveis nesse aspecto.

Muitas sociedades africanas tern hierarquias de base etaria que 850 fundamen­tals para sua vida politica e cerimonial. A maior parte do material etnogratico sobreclasses de idade e africana, e entre os melhores esludos est:ro os de Dyson·Hudson(1963), Wilson (1951) e em nivel mals te6rico Spencer (1976) e Legesse (1973). Associedades africanas discutidas por esses autores tern, em sua maioria, organizayaobaseada em grupo de idade e nao simplesmente em classe de idade. Urn grupo deidade (age set) e urn grupo de homens ou mulheres que tern aproximadamente amesrna idade e que sao iniciados como grupo, conservando sua COmposil'ao amedi·da que seus membros envelhecem. No Brasil, grupos de idade sao encontrados entreos Xavante (Maybury·Lewis 1967). Urna classe de idade (age grade) ~ 0 que osSuy' tern: individuos passam de urna classe de idade para outra em virtude de seuestagio no cicio vital. Os membros dos sikwenduyi lifo 850 Wciados todos juntos,nem todos os homens tern filhos ao mesmo tempo. A organizal'aO por classe de ida­de emenos rigidamente estruturada.

Na maloria das sociedades africanas, os grupos de idade correspondem aosestagios do cicio vital. Isso pode ser aplicado negando-se aos membros de um grupode idade a direito de so casar ate que tenham atingido certa idade e entao casa-lostodos numa (mica cerimonia. Em muitas dessas sociedades africanas, as homens

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adultos mais velhos sa:o os lideres politicos da comunidade e devem, em detennina­do momento, "aposentar-se" como grupo e passar 0 poder para urn grupo de idademais jovem. Os Borana, da Eti6pia, Wm uma das mais complexas organiza~es debase eUria conhecidas pelos antrop6logos, e partilham essa caracteristica de "apo­sentadoria" grupal com outras sociedades. Entre os Borana:

o d~cimo primeiro e Ultimo estllgio do sistema Gada [0 sistema de gru­po de idade dos Galla] ~ uma parte basiante caracteristica do cicio de vidaideal... [os gada mojji, membros desse grupo],levarn urna existencia ritual­mente elevada, caracterizada por urn grande mimero de tabus (Legesse1973: liS).

Os homens ingressam nesse estado elevado quando seus mhos se tornam lide­res da classe gada e quando seus netos ingressam no grupo de idade mais jovem, 0

dabballe. Legesse diz pouco sobre 0 que acontece aos lideres quando se aposentamdo esUlgio fmal do sistema Gada. Mas assinala uma earacteristiea desse d~cimo pri­meiro estligio que acho que tam~m existe no caso dos wikenyi Suya: a liminarida­de do grupo como urn todo I.

Entretanto, 0 tipo ~laiS instrutivo de comportamento lirninar que en­contramos no sistema Gada nlfo ~ 0 que ocorre nos ritos de passagem - fa­to documentado com maiores detalhes por oulios etn6grafos - e sim nofato de que os dois principais estagipsdo cicio gada tomaram-se lirninariza­dos in loto. 0 dabballe e 0 gada mojji tern.. caracteristicas de gtupos limina­res durante 0 tempo que permanecem em suasrespecti....sc!asses (Legesse1973: 115).

Os wikenyi Suya, os unitii Jivaro e os gada mojji slfo todos liminares em rela­~o ao resto da sociedade, mediando 0 mundo social e 0 supra-social, sagrado ou"natural". 0 mesmo ~ verdade em rela,l[O ao~ velhos irlandeses, segundo Arensberg.Depois de dar a fazenda a urn dos mhos, 0 casal idoso passa para 0 : 'quarto oeste",.associado com a terra dos mortos; no qual se espera urn comportamento respeitosoe no qual 0 casal passa para um novo status, 0 da "velhice" (Arensberg 1968:40 e86). Essa transi~o norma1l)1ente ocorre ap6s 0 nascimento de netos.

Apesar de os velhos parecerem estar distinguidos do resto dos membros dasociedade em muitas partes do mundo, existem diferen,as importantes na formacomo isso ~ feito. Entre os Borana e os irlandeses, por exemplo, os velhos detempropriedades importantes, 0 que nlfo ~ 0 caso nas sociedades indfgenas das terrasbaixas da A~rica do Sui, com exce~o.d(Haber esoterico. AlOm disso, enquantoo gada mojji teni de observar muitos tabus, 0 wikenyi alegremente nlfo observa ne­nhwn. Os velhos sao considerados liminares em todos esses casas, mas 0 tipo deliminaridade, a forma como e expressa e seus efeitos gerais refletem outras diferen~

,as das sociedades comparadas.

1 Liminaridade, termo elaborado por Victor Turner (1974), refere-se as coisas "necessaria­mente ambiguas... que miD estao oem aqui nem ali; sao intennediarias em rela~io as posi~6es

especificadas e ordenadas por lei, costume, conventrao e cerimonial"' (1974: 117).

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Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, existem muitos estere6tipos ouexpectatiV3l! culturais em relal'io aos veIhos. Espera·se que as pessoas idosas sejamexcentricas, esclerosadas, senis, infantis, doentias, inilteis, assexuadas e dependen~

tes. Uma das mais importantes caracteristicas dos movimentos do grey power nosEstados Unidos e na Europa ~ 0 questionamento desses estere6tipos. Ao inv~s disso,demonstra-se que os veIhos nlfo s§'o urn grupo radicalmente separado, mas simples­mente individuos cronologicamente mais veIhos que tern as mesmas capacidades enecessidades de todos os adultos, mas que foram injustamente estigmatizados pelotesto da sociedade. A partir dai, pediram a abolil'iO da aposentadoria obrigat6ria eformaram grupos sociais em que os cronologicamente veIhos podem continuar a vi­ver vidas ativas de adulto. Nli'o estou farniliarizado com a situal'io dos veIhos nessassociedades (, suflciente para generalizar muito, mas parece bastante claro que a mar­ginalizal'io dos veIhos envolve muitas atitudes e valores importantes da sociedadecomo urn todo. Como no caso dos Suy', os "veIhos" s§'o contrastados com osjoveus e a comparal'io ~ desfavomvel aos veIhos, que s§'o estigmatizados. Em certosentido, os veIhos SuY' estio em meIhor situal'io que os nossos. Em nosso caso, osveIhos nlfo t~m nem a Iicen~, que assiste aos wilainyi, de expressar as mais profun­das ambigilidades culturais e seus sentimentos pessoais sob a forma de farsa hilarian­teo

10. POS-ESCRlTO

A posil'io dos veIhos ~ urna das muitas caracteristicas das sociedades indige­nas brasileiras sobre as quais praticamente nlfo dispomos de dados etnogr:ificos. 0pouco que existe mostra que a posil'io dos veIhos vai desde 0 abandono, passandopelo descaso geral, at~ a fonna~li'o de classes de idade especificas com direitos eobriga~es especificas para com 0 resto da sociedade. Em muitos trabalhos etnogra­ficos nada ~ dito sobre os veIhos.

Neste curto p6s-escrito apresentarei tr~s hip6teses em relal'i0 aos veIhos nassociedades das terras baixas da Am~rica do Sui, que foram separadas do texto prin­cipal porque s§'o exiremamente provis6rias e podem estar completamente erradas.As hip6teses s§'o essenciais nas anlilises antropol6gicas e deveriam ser levantadas de·pois do estudo inteitsivo de urn (mico grupo, porque podem sugerir liitbas de pesqui·sa futura. 0 objetivo das hip6teses nlfo e declarar urna verdade, mas apresentar urnpostulado que dados futnros provarli'o, negarli'o ou mudarli'o significativamente. Noque se refere as minbas hip6teses sobre os veIhos, sem urn prazer provar que estli'ocertas ou erradas, porque isso indicam que estamos aprendendo mais sobre urnadas muitas Meas negligenciadas pela Etnografia brasileira e pela Antropologia emgeral.

Proponho que tr~s caractedsticas influenciam 0 status dos velhos nas socie·dades ca~adoras, pescadoras e de r~ado das terras baixas da America do Sui:

1. A resid~ncia e 0 ciclo de desenvolvimento do grupo domestico s§'o caracte·risticas importantes do status e da posil'iO mediadora dos veIhos nas socie·

.dades das terras baixas da ~rica do Sui.

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a. onde a residencia e uxorilocal, os velhos tenderlio a ter niaior prestigioque em outras sociedades e a serem tratados como mediadores. Isso porqueos conflitos de urn homem que se incorporou pelo casamento a residenciade sua esposa ate certo ponto se resolvem quando ele tern netos. Isso seaplica apenas as sociedades que tern Illlidades socials claramente defmidase casamentos estaveis, de forma que M, de fato, tal integra9lio dos velhos.Entre as sociedades desse tipo esMo os Je selentrionals e centrals, os Boro­ro, os Munduruku e os'Jivaro, entre outros;

b. onde a residencia e patrivirilocal e a descendencia e patri1inear, lui umatendencia de que os vellios se tornem "estruturalmente invisiveis" e Usedesliguem", a nlio ser que sejam xamJis poderosos. Isso porque os homensvelhos, quando adquirem 0 status de av6s, nlio ultrapassam conflitos delonga data existentes no grupo. Tambem nlio M propriedade importantea ser controlada ou distribulda ap6s a morte do velho. E isso que ocorrecom os Cubeo e, por implica¢o, com todos os grupos do Alto-Rio Negro(Goldman 1963: 83).

2. Nas sociedades em que os velhos slio liminares, ou marginais, Idelas diferen­tes a respeito do sagrado resultarlio em caracteristlcas diferentes atribuldasa ele. A distin¢o imprecisa entre 0 sagrado e 0 profano na malor parte doBrasil central envolve 0 contraste entre a natureza e a sociedade. Os velhostomam-se .{Ilenos "sociais" e mais "natnrais" ou animalescos, processo quese expressa no relaxamento dos tabus alimentares, uma relativa "falta devorgonha" em rela9lio a comida e ao sexo (onde a "vergonha" e uma Carac­teristica social) e uma maior probabilidade de ser acusado de feiticeiro oubruxo. Em sociedades com diferentes concep96es do sobrenatural (comoos Jivaro e os Suya), os atributos dos velhos deveriam ser diferentes e a di·feren9" deveria ser relacionada a essas cren9as.

3. Em todas as sociedades, os velhos slio respeitados como depositartos de sa·ber. Em algumas sociedades, esse tipo de depositario e mals importanteque em outras. Sendo assim nas sociedades que tern cerimonias de grandecomplexidade repetidas com pouca frequencia, como os Je, os velhos ternurn status superior, como depositarios de saber esoterico, ao dos velhos desociedades em que os mesmos rituais slio repetidos frequentemente (comoparece .ser 0 caso dos Cubeo).

Outras variliveis podem estar envolvidas. Ou posso estar completamente enga­nado. Muitos aspectos da investiga¢o antropol6gica precisam de pesquisa seria e demuita reflexlio. Com melhores analises e melhores informa90es, poderemos realizararuiUses novas, melhores e mais sensiveis de areas do estudo das sociedades humanasque rem sido negiigenciadas.

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APRESENTAC;A.O

Outra drea de pesquisa sabre as sociedades ind,'genas da America do Sui quetemsido negligenciada e a da musica. Frequentemente descartada como "primitiva"par estudiosos que tern um ponto de vista evolucionista ou como "irrelevante" parcientistas socials de cren~a mais "materialisfa". a musica e, na verdade, uma ativida·de bastante importante na maior parte dessa reg;ao, tanto em termos de freqiJenciaquanta de quantidade de recursos reunidos em acontecimentos musicais. Este artigo

.foi escrito para um publico geral de etnomusic6logos e foi apresentado pela primei­ra vez num simposio, "Musica como Contexto de Ariio Social", na reuniiio anualda Society for Ethnomusicology, em 1978. Desenvolve mais extensamente algumasideias apresentadas num art/go anterior sobre a musica Suyd (Seeger 1977) e e resul­tado direto de mais trabalho de campo com as Suyd em 1978. Foi publicado na re­vista norte-americana Ethnomusicology, vol. 23, nfl3 (setembro de 1979). Pretendoescrever urn livro sabre musica e cerim6nia Suyd em futuro proximo.

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CAPITULO 4

o QUE PODEMOS APRENDERQUANDO ELES CANTAM?

GENEROS VOCAlS DO BRASILCENTRAL*'

A musica nativa das terras baixas da Am<!rica do Sui epouco conhecida, mlli·to pouco analisada e ainda menos compreendida. Existem algumas razlles para essedescaso, entre elas 0 lsolarnento. 0 pequeno tarnanho dos grupos e 0 terrivel pro­cesso que levou multas das soci< dades natlvas a serem tllo dizimadas pela doen~ etao arnea9adas pela perda de suas terras, de suas culturas e de suas vidas que poucose dispOem a fazer musica. Outra razao para 0 descaso enao compreendermos 0 queouvimos; nfo compreendemos a que a mUsica se Iefere. A mUsica dessas sociedadese, de fato, uma mUsica diferente, em que (na maior parte dos casos) todos execu­tarn, em que nao existem especialistas que se dediquem totalmente A mUsica, emque o~ sons nem sempre sao '11tceis" de GUvir, em que wna "pe~" pode durar 15horas e em que nao h4 urn vocabuhirio facUmente 'cessivel que permita descobriro que eles estao fazendo. Nao esurpreendente que os mUsicos tenharn preferido tra­balhar com a musica de musicistas de outras partes do mundo, nem que os antrop6­logos se tenharn sentido mal equipados, que s6 tenharn dedicado ao assunto obser­va90es marginais sobre letras de musica e declarado com freqiiencia que a "mUsicac! muito importante para as membros desS{! sociedade". Mas, por pOllca swpreen·dente que seja, 0 descaso resultante elamentlvel porque a mUsica e, de fato, muil!!importante.

Independentemente da forma como a "importancia" eavaliada, a quantidadede tempo e de recursos dedicados A musica por tada a popula~o das terras baixas

Tradu~o de Angela Loweiro.

1 Uma versao anterior deste artigo foi apresentada nos encontros de 1978 da Society forEthnomusicology. Muitas pessoas leram esbo~os anteriates e Ilzeram proveitosas sugestO'es,mas assinalo especia1mente 0 estimulo de Carol Robertson-DeCarlo, que organizou a sesSlio emque roi apresentada. 0 trabalho e baseado em aproxirnadamente 20 meses de pesquisa de cam­po com os indios Suya no Parque Nacional do Xingu, Mato Grosso, Brasil. A pesquisa foifmanciada pelos National Institutes of Health (1971-1973), Universidade Federal do Rio de Ja­neiro (1975-1976), Fun~ao Ford, Funda~ao Wenner-Gren e Financiadora de Estudos e Pro­jetos (FINEP) (1977-1979). Agr.delio 0 .poio dessas instituilioeS.

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da America do Sui e significativa. Analises de luibitos de trab.alho mostram que asubsistencia podia ser assegurada com tres ou quatro horas de trabalho por dia, em .condiyoes tradicionais (Carneiro 1961); membros de muitas sociedades cantamaproximadamente esse numero de horas todo dia, durante longos periodos. Mas co­mo ~bemos mais sobre as caracteristicas s6cio-economicas dessas sociedades do quesobre as musicais!

A musica e uma forma especifica de comunic3¢o. 8uas caractedsticas nao­verbais fazem dela urn veieulo privilegiado para transmilir valores e ethos que sa:omais facilmeme "musicados" que verbalizados. Estes sa'o comunicados naa somen­te atraves dos sons, mas tam~m dos movimentos dos inMrpretes, do tempo, do 10­cai e das condiyoes em que sao executados. Nas paginas seguintes, disculirei algu­mas das ·caisas que podemos aprender com dais generos musicais, a akin e 0 ngere,dos indios Suya do Brasil centrai. As akia sao canyiJes cantadas individualmente ougritadas, em registro agudo, com linhas mel6dicas e estilo de execul'ao caracteristi­cos. Os rzgere sao canyoes cantadas em Wlissono, executadas em registro grave.o significado dos sons produzidos nesses generos e a forma COmo sao produzidos va­rjam de acordo com 0 genera e 0 contexto de execu~o. Compreender 0 que aeon­teee nessas musicas vocais pade dar uma nova dimensa"o Acompreensa"o que temosda sociedade Suy' e, por extensao, de outras sociedades das terras baixas da Ame­rica do Sul, assim como da pr6pria mUsica.

Nao foi facil aprender a respeito da mUsica SUy,. 0 que consegui deve-se emparte asimples persistencia - repetidas viagens ao campo, onde, entre acessos departicipayao no ato musical, ouvi cuidadosamente novas canl'oos sendo ensinadase cantores faiando a seu respeito. S6 depois de equipado com urn vocabul'riode termos musicais e algumas indical'Oes intuitivas, pude comel'ar a trabalhar demodo mais sistematico. Mas 0 vocabulario musical (limitado) era apenas urn dos ins­trumentos necessarios. Amedida que minha analise de outras partes do sistema cos­moi6gico Suya tomava forma (Seeger 1974), 0 papel especifico da mUsica foi sendoclarificado e delimitado para posterior investigal'ao.

Charles Seeger, em algumas pUblicayiJes (por exemplo, 1977), assinalou a difi­cuidade em falar sobre a execuyiio musical; ele tern raza:o. A situayiio e ainda maisdificil quando se trata de sociedades com menos tendencia para tais tipos de discur­so analilico. Mas existem outros recursos d nossa disposiyiio, alem dos lingiifsticos,para entendermos a musica ~ se nao para nos comWlicarmos com nossos colegas aseu respeito. TodD ato de fazer musica tern componentes espaciais, temporais, ges­tums e interpretativos que tall)b~m s[o fundamentalmente nao-verbais. Esses com­ponentes podzm ser mais acessiveis aanalise que as sons. A cosmologia Suya, parexemplo, expressa-se no espayo com muita clareza - acima de tudo no espal'0 daaldeia (Seeger I 977b). Sendo assim, 0 local em que urn evento musical ocorre reve­la muHo a respeito de seu significado. Similarmente, a posi~o e as movimentos dodanyarino estifo, em geral, metaforicamente relacionados a urn dominio altamentesignificativo, como 0 corpo au as formas como os animais se movimentam. Essesdominios h. muito tern sido desvendados pelos antrop610gos em suas analises desistemas de crenya e podem ajudar a compreender eventos musicais. Peovavelmente

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haver\ sempre oa musica alga que so podeni sel sentido par nativos talentosos oupor ouvintes socializados. Nao posso pretender evitar todas as dificuldades do dis·cursa e da musica, mas tentei atacar frontalmente as eventos musicais Suya atrave:sde uma analise do contexto total em que ocone!!!, contando Inuito para isso comchaves nao-lingUisticas. .

o perigo de analisar a musica separadamente de outras partes cia vida artisti­ca, filos6fica e' social de urn povo e: demonstrado em dais exemplos de como asSuya combinam 0 que tivemos a tendencia de separar, ista e, 0 conceito de "can­\[0" e a estetica"do cantar.

Sempre que eu cuntava, as Suya denominavam 0 que eu faria de ngere. Masngere significa tanto uma can9lfo (melodia) quanta as movimentos que a acompa­nham. Posi9lfo e dan~a sao assim urna parte integrante da mUsica, sendo todos par­te de urn {mica ato comunicativo chamado ngere. Em uJTI nivel mais especificode comparayao, a palavra ngere significa uma canyao em un{ssono oposta aakia;em n{vel roais geral, a' palavra ngere significa "cerimonia", incluindo toda a gamade atividades, canc;6es e movimentos que caracterizam os acontecimentos- musicaisSuya.

A unidade essencial de som e movimen to tornou·se clara para mim em 1978,quando urn toea-discos a pilha apareceu na aldeia. As mulheres as vczes imitavam adanc;a social dos brasileiros da regiao, arrastando os pes ao som de urn disco. Os ho­mens denominavarn isso "kat llgrc" (kat traduz·se como "acompanhar", ngre co­mo "cantar elou dan~ar"). Tornou-se evidente que a palavra que eu havia traduzido'por "canyao" tambem podia significar apenas as movimentos que acompanhamuma pe~a, assim como 0 proprio som (como quando e ouvido num disco). S01)1 emovimento sa-o identificados como parte de urn unico evento.

Em 1978, tentei descobrir as variaveis esteticas existentes na akia. Queriadescobrir Q que torna boa uma execuc;ao, quem e urn born cantor, que akias saomoos bonitas que outras e detaihes .do estilo de execu~ao tal como SaO percebidose avaliados por outros Suya. Discuti algumas gravac;6es feitas anteriormente com va­ribs homens. Urn questionamento cuidadoso revelou que as pessoas clogiam 0 r;an­tar de seus parentes e membros da facc;ao e criticam' 0 cantar dos Qutros. Descobritambl!m que nao e tao importante como uma pessoa canta e sim que cIa cante. Aspessoas que c.antam muito exprimem sua "alegria" (kin, urn tipo de alegria existen­cial) e seu apoio aforma como as coisas sao. As pessoas que nao cantam estao impli·citamente dizendo que nao estao "alegres". Podem estar Iamentando urn parente mar­ta, podem estar zangadas par algum motivo ou'ter urn ressentimento determinado.Ficou claro, enquanto eu trabalhava, que a estetica da musica entre as Suya envol­via mais do que simpIesrnente aValiac;ao dos sons produzidos pelo cantor.

Na verdade, essa aparente "falta de definiyao" do dominic "puramente musi­cal" aponta claramente para algo muito diferente: numa sociedade em que todosfazem musica, "fazer ffi-usica" e tambem danc;ar, fazer politica, e urn momento em

". que as pessoas comunicam algo sobre si mesmas. Esses aspectos dos eventos musi­cais nao sao exclusivos dos Suya. Mas e exatamente a clareza com que os eventosmusicais Suya demonstram que fazer m-usica e um acontecimento comple-xo de que

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as sons estruturados sa'o sem duvlda uma parte integrante e importante. mas samen·te uma parte, que nos pode fazer lembrar de nossas pr6prias tend~ncias. Os eventosmusicais sao complexos' quando urn Presidente dos Estados Unidos convida mUsicosa Casa Branc,a ou quando urn Governador do Estado de Sao Paulo toea piano empublico. Ha urn envolvimento de posi,oes politicas individuais quando uma pessoase levanta para 0 hino nacional e quando 0 canta de detenninada forma. A ffiilsica

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Suya faz·nos lembrar caracterfsticas importantes de nossas pr6prias formas artfsti-cas.

Considerando que fazer ffi-usica ~ mais do que produnr sons estruturados, amelhor abordagem dos eventos musicais e analisar 0 acontecimerrto total investi­gando as quest6es jornalisticas de "0 que", "onde", "como", "quando", "porquem", "para quem", "por que" etc. As respostas a essas questOes fomecer!o umaetnografia da execu,"o musical com que qualquer analise deveria come,ar. Entre­tanto) tal etnografia mio ~ adequada para urn artigo curto; ao inves disso, concen·-. -trar·me-ei especificamente naquilo que esta sendo musicado nos dois generos emconsidera~302.

Antes de focalizar 0 tema da musica e da-comlUlica,ao, ¢ necessario fazer umabreve incursa'"o em outras caracteristicas da sociedade Suya. SO assim as afirma~5es

subsequentes sobre a musica Suya poderao ser avaliadas.

I. OS SUYA E OS DlLEMAS Jll

As sociedades de lingua Je do Brasil central e as sociedades a elas relacionadasdurante d¢cadas fomeceram algumas das anomalias na Antropologia. Primeiramentedescritas por Nirnuendaju (1939, 1942,1946), teorizadas por Uvi-Strauss (1952,1956) e reestudadas por membros do Harvard.central Brazil Project sob a dire,aode David Maybury-Lewis (Maybury-Lewis 1967, no prelo; Da Matta 1976 e no pre­10; Melatti 1978; e algumas teses in¢ditas de doutoramento), ~ssim ComO por outrospesquisadores (Vidal 1977, Carneiro da Cunha 1978, Seeger 1974), as complexi­dades da organiza93a social Je esta'"o come9ando a produzir estudqs comparativos.Elas apresentaram tres problemas para as pesquisadores: 0 tamanho <las aldeias, amultiplicidade dos grupos sociais que frequentemente naa est3:o baseados na' descen·dencia e os longos e elaborados periodos cerimoniais.

A familia linguistica Je pode ser dividida em J~ setentrionais, centrais e meri­dionais, cujos membros ocuparam uma' grande extensao do interior do Brasil, doSui do Para ao Rio Grande do Sui, antes de a coloniza,ao limita-Ios a areas isoladasno interior de seu antigo territ6rio. A!¢m do grupo lingi'iistico 10; existem algunsgrupos frouxamente filiados chamados ·'macro·]e" e algumas sociedades de outrasfamilias linguisticas, cuja organiza,"o sociallembra mais de perto a dos que falamJe do que a do grupo linguistico ao qual pertencem (por exemplo, os Tapirap¢ e osMunduruku, de lingua tupi). Em vez de considerar essas sociedades do Brasil cen­tral como uma familia linguistica, ¢ mais produtivo considera-Ias como urn grupo

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Uma etnografia da execu~ao da akia estl no prelo (Seeger, no prelo b).

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de sociedades cujas diferentes organiza~5es sociais> culturais revelam semelhan<;asglobais - consideni-las como varia'1oes de urn mesmo tema. Elas funcionam a partirde urn numero limitado de principios, mas estes operam de fanna ligeir"amente di­ferente e seus resultados sao diferentes em cada casa. Como as Jt3 setentrionaisse assemelham entre si mais do que as Je centrais e como estes Ul~os slIo tambemgrupos intimamente relacionados entre si, essas sociedades do Brasil central apre­sentam urn caso interessante para "compara,ao controlada" do tipo sugerido porEggan (1954). Hip6teses formuladas em rela,ao a urn grupo p·odem ser testadasem Qutros grupos, assim como a natureza de sua variac;ao pode neles sef obsewada.Esse tipo de traballio cO"iparativo come,ou nos dominiQs do parentesco e da orga­niza,ao social (Maybury-Lewis, no prelo), na cosmologia (Levi-Strauss 1964) e se­riaffi possiveis em rousica se houvesse estudos suficientes. A roaioria das sociedadesJe setentrionais e centrais sao muSicalmente muito ativas, apesar das pressOes decontato, mas 0 OOico estudo detalhado digno de nota e 0 de Desiderio Aytai (1976).Seria born se houvessc mais.

as Suya pertencem aos Je setentrionais, que tambem incluem os grupos Tim­bira-Krah6 (Melatti 1978; Capleiro da Cunha 1978), Kanella, KrIkati (Lave 1967),Gaviao (Laraia e Da Matta 1979) e outros -- as Apinaye (Nimuendaju 1939; DaMatta 1976) e os Kayap6 (Dreyfus 1963; Turner 1966; Vidai 1977). Todos essesgrupos viviam tradicionalmente em grandes aldeias circulares, que consistiam numcirculo de casas residenciais unifonnemen te -dispostas em tomo de uma grande pra­,a aberta onde (nq caso dos Suya e dos Kayap6) fica uma au mais casas dos ho­mens. Essas aldeias sao extraordinariamente grandes para as terras baixas da Ameri·ca do S.uI (alcan,ando uma popula,ao de ate 1.500 pessoas), muito maiores do qucas dos viziooos dos Je que habitam nas fiorestas tropicais. Urn dos dilemas e, assim,por que e como aldeias de grandes dimensOes continuaram a existir quando outrosgruposna regiao das terras baixas se dividem em unidades muito menores (ver Car­neiro 1961:Gross, no prelo).

rodos os Je setentrionais possuem uma fonna de residencia em que 0 ho­rnem, quando tern urn filho, vai viver com a rnulher na casa desta (residencia uxori­local). Muda-se, assim, para a casa em que vivem os pais de sua mulher, suas irmase familias, e seus i!rriaos solteiros. Logo~ a mulh~r nao muda de residencia: continuaa viver na casa em que nasceu. As casas residenciais na periferia da pra~a sao em suamaioria dominio das mulheres e os homens passam de uma para outra atraves docasamento. Entretanto, nao ha regra de descendencia e os Suya nao podem ser, demaneira geral, caracterizados como matrilineares ou patrilineares. Os homens t~m

seu pr6prio espa,o, que fica no centro da pra,a, onde os Suya e os Kayap6 erigemas casas dos homens. A maioria das cerim6nias dos Je setentrionais sao cerimoniasde inicia<;ao, que envolvem a remo¢o de uma crian<;a ou de umjovem de sua mora­ilia natal e seu deslocamento para 0 cen~ro da pra<;a e finalmente para a casa da es­posa, depois do casamento. Muito men os ritualizados sao 0 nascimento, a doen~a ea morte. A uxorilocalidade dos Je setentrionais nao e sirnplesmente urn principiasocio16gico; e tambem uma caracteristica basica de sua sociedade que e expressa

'em sua musica, em suas cerim6nias, em seus mitos e outras farmas simb6licas. 0

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que aparece nessas demonstra,oes de uxorilocalidade nio ~ a fato estatico de resi·dir com a familia da esposa, mas a processo de deslocamento da moradia natal pa­ra a pra~a e fmalmente para a moradia daesposa.

Todos os Je seten monais, exceto as Kayapo, tern metodes (divis(leS em daisgrupos). De fato, todos eles tern miJItiplas divis(les duais. &ses miJItiplos sistemasde metode colocaram as mais dificeis problemas para as antropologos. Primeiro por­que, diferentemente de muitas fonnas duais de organiza~4"o social, nio regulam acasamento; segundo porque a associa~ao a uma metade nao ~ detenninada par re­gras de descendencia; terceiro porque existem muitas divis5es duais. 0 casamento~ regulado par outros principios. A associa~ao a uma metade ~ determinada pelo".ome da pessoa, que ela recebe de qualquer membro d~ uma ampla categoria de pa·rentes, Com a estipula~ao de que irmaos devem ser colocados em metades altema·das de acordo com a ordem de nascimento. Nas miJItiplas metades, as giapos A e Bs[o opostos uma vez, enqaanto uma parte de A e urna parte de B se opor[o d outraparte de A e d outra parte de B em outra.ocasi[o. Assim, uma das quest(les ~: 0 quefazem essas metades? Par que tantas?

Os Je seten monais tern prolongados periodos cerimoniais e urn repertorio ra­zoavelmente amplo de cerim6nias que s[o realizadas em anos diferentes. &sas ceri·manias envolvem meses de atividade cerimonial (intennitente). A elaboral'ao da ce­rimoni. dos Je setenmonais relaciona-se ao tamanho da aldeia e d multiplicidade depares de metodes. Tern sido razoavelmente demonstrado que as aldeias Ie podemmanter seu tamanho por causa de tais cerimonias e da necessidade de urn grandemlmero de pessoas para executa-las. AMm disso, as miJltiplos sistemas de metademam uma variedade de Ial'OS sociais significativos que atravessam rela,oes somen tede parentesco. As fac~5es politicas dos Ie setentrionais sao grupos relacionados parlal'os de paren tesco e divididos em linhas de idade e sexo. Mas uma fac~ao nao podeexecutar uma ~rimonia - normalmente faltanto alguns dos names importantes cu­jos portadores desempenham pa¢is importantes. La~os cerimoniais sao ativadospar periodos prolongados durante oano e assim tomam possivel (na verdade exi- .gem) uma aldeia comparativamente grande. Sua multiplicidade reduz a possibilida­de de que lal'os cerimoniais sejam usados cOmo base para a divisao da aldeia. As lon­gas cerim6nias sao tam~m relacionadas auxorilocalidade: todas est[o envolvidas nainicia~ao dos jovens,- homens e mulheres. Na medida em que a vida cerimonial dosIe esU1 intimamente envolvida nas Qutras caracteristicas de suas vidas, e extrema­mente importante compreender a significado da importancia da vida cerimonialdesses grupos para decifrar as dilemas aparentes dos Je.

A palavra Suya para "cerim6nia" ~ ngere, que tamb~m so refere, como mas­trei, a "can~ao" e A"rnUsica". Assim, nas cerimonias Suya efundamental fazer rou­sica; a an:ilise de sua mUsica e igualmente fundamental para compreender as socie·dades do Brasil central.

2. AAKlA EONGERE

Apesar de reduzidos pela guerra e pela doenl'a a uma popula~ao de aproxi­madamente 140 pcssoas, os Suya vivem numa aldeia circular e continuam a reali~

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zar muitas cerimanias importantes. Vi algumas mais do que uma vez. Todas as ceorirnanias principais englobam a akiII e 0 ngere, generos de can~o contrastantes.Os Suy~ acreditam que cantar akiII ihes ~ especifico: dentre os grupos de fndiosque cotiliecem, sao os imicos que tern aida e usam·na para so diferenciar de outrosfndios. Dois ramos da tribo Suy~ estiveram soparado, pelo menos durante 200 anos,o estilo de cantar da aida ~ notavelmente diferente, mas todas as caracteristicasque discutirei sao identicas, assim como 0 contexto de execul'io. Diferentementeda akia, os Suy~ dizem que todos, os grupos indigenas tern ngere.

FIGURA I: COMPARAC;:AO ENTREAKIA ENGERE

.CARACTERfSTICA AKIA NGERE

Sexo do cantor SO homens cantarn akia. As mullieIes. as vezes,cantam ngere como grupoou com os homens.

Numero de cantores Akia sao cantadas por cantores Ngere sao cantados porindivi~u~s,cada~m cantandy urn grupo de cantores emsua proprIa can~ao, mesmo un{ssono.quando urn grupo de homenscanta ao mesmo tempo.

Estilo vocal Estridente e tenso, alto em Unlssono, baixo novolume. Cada cantor for~a diapasao e moderado emsua voz para cantar 0 mais volume. Os cantoresagudo e 0 mais alto passive!. tentam combinar suas

vozes.

Diapas!o Cada cantor quer cantu Existe uma tentativa deo mais agudo que seu registI'o cantar 0 mais gravede voz pennite. Mas nao ha possIvel no registro vocal.nota fIxa em que deva come~r As can~oes saoa sua akia. Isso varia de acordo freqo.entemente iniciadascom 0 cansa~o do cantor, 0 no tom maisgrave em quemomento da cerimonia alguns homens podeme a sua idade. cantar e enta'o se elevam

nas primeiras estrofes.

Andamento Varia com 0 movimento dos Andamellto relativamen tecantores e 0 momento da fixo, variando mais entrecerimonia. classes de ngere do que

- numa (mica execu~ao.

Linha me16dica "Em p!anos" ou linha- Uma linha "plana" edescendente etfpica. tIpica.

Locahzacao da execucao No centro da pra~a da aldeia Somente na aldeia: nae tamoom fora da aldeia. praca, assim como nas

casas residenciais.

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A Figura I apresenta algumas das diferen9as entre a akia e 0 ngere. A me·llior forma de veicular as diferen9as ~ escuUl-las. A akin tern linh~ melodica, estilJJ<de voz e estrutura caracteristicos, que variam wn pOlieo de acordo com a idadedo cantor. As akin esUfo constantemente sendo compostas e cantadas. Cada vez queuma cerimonia e realizada, 0 homem aprende uma nova akia. As vezes aprende duasau tres numa Unica cerimonia. Ele canta a sua akin isoladamente au com DutIOShomens, cantando todos em voz'alta. Todo homem adulto lembra-se de suas akinanteripres, assim como algumas de seus parentes - seu pai, 0 irmao de sua mae,o irm[o de seu pai ~, que podeni cantar em ocasit'>es cerimoniais. As akin sa-o can·~6es individuais. Quando os homens as cantam, sao ouvidos como individuos e que·rem sel ouvidos apesar do canto de qualquer Dutra pessoa. Como quase sempre s[ocantadas por urn grupo de homens, cada urn cantando uma akin diferente, as pres­soes musicais sobre as "compositores" (a camposiyao e descrita abaixo) sa-o conside­niveis. Deve ser passivel ouvi·las, mas tada akia deve sel reconhecivelmente diferen·te das outras para que aquele que a canta possa ser distinguido dos outros cantores.

A Figura 2 da uma transcri¢o aproximada oe tres akin executadas numa ceri­mania de 1976. A transcri9ao tern como objetivo principal indicar a linha mel6dicae 0 rilmo. A primeira akin ~ cantada por urn homem mals vellio, mas esta cantandoa akia de urn parente que a cantou quando ele era jovem. E cantada em registroagudo e com VOl for~da, assim como a segunda akia, can tada por urn homem ruaisjovem. a terceiro exempio ~ a akin de urn menino de sete anos. Todos os tres can­tores sacodem seus chocalhos e movimentam-se ao meSrno tempo. Vma ideia decomo a aida soa durante a execu9ao pode ser obtida imaginando-se 30 fas, cadaurna caritando 0 hino de suas equipes de futebol ao meSmO tempo e num meSmOritmo.

Escrevi uma etnografia da execu9ao -da akin (Seeger, no preio b) e nao a repe­tirei aqui. Este artigo esta menos interessado no que a akia e 0 ngere silo do quenaquilo a que se referem. Por que toda essa gritaria? Por que os Suya a consideramUfo importante? Por que 0 ngere ~ Ufo diferente? Essas silo questaes que apresenta­96es exaustivamente descritivas deixam de considerar. Essas especula,oes 83'0 apre·sentadas aqui como estirnulo para pesquisa e investiga'.rao posteriores.

as Suya dizem que aqueles que can tam querem ser ouvidos pelas mulheres.As mullieres nunca cantam akin; elas 83'0 0 publico. as homens dizem especifica­mente que querelll ser ouvidos pelas rnaes e irmas. Dizern que, se urn hornem can·ta bern, sua mae e irrnas (existe urn tenno referencial (mico de parentesco que in­

clui as duas) ficarilo felizes. Mas, se urn homem canta urna akia antiga, ou canta mal,elas ficarao !ristes. Quando multos homens cantam akin juntos, todos querem serouvidos. Precisam cantar alto e ter can'.r0es caracteristicas para cantar. As mulheres,de fato, esta'o ouvindo cuidadosamente 0 canto dos homens. Falaru muito sobre ascan'.r0es e escolhem-nas. Freqiientemente memorizam as canyoes ruais "interessan­tes" (nem sempre a de seus irmaos) no final da cerirllonia. 0 papel das mulheres co­mo publico t:! importante. Elas mio presenciam toda a,cerim6nia;retiram-se anoitepara suas redes e escutam as cantores andando e gritando na praya, parando ocasio­nalrnente para canlar ngere, at~ 0 alvorecer. as homens podem canlar suas akia ate

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por 15 horas no dia fmal da cerimonia. A pintura e a ornarnenta9ao corporal sao im·portantes nas cerimonias, mas a maior enfase ecolocada nos efeitos orals/auditivos:sons de homens cantando akia separadamente ou ngere em un!ssono no escuro danoite.

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FIGURA 2: TRtsAKlA (DA FESTA DO RATO 1976).

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1. Uma abelha (cspecie Trigona) aproxima-se da entrada (da cahoeia) anda p_ua tras. apm-xima-se de novo e entra.

Na entrada (da cobneia) pulo, sacudo meu chocalho e canto, aproximo-me da entrada,ando para tnis, aproximo-me de novo e entra.

Uma abelha (especie Trlg01Ul) aproxima-se da entrada (da colmeia), anda para tris, aprG­xima-se de novo e entra.

Na entrada (da colmeia) pulo, sacudo meu choca1ho e canto, aproxim01lle da entrada,ando para tnis, aproximo-me de novo e entro.

2. Urn roedor (amtD kurada) salta.Com a ponta da minha mascara subindo e descendo eu salto e sacudo meu chocalho ecanto.Urn roedor (amla kurOdo) salta.'Com a ponta da minha m.ciscara subindo e descendo eu salto e'sacudo meu chocalho ecanto.

3. Urn ratinho (amra pel, sacudo meu fLlhote.

NOTA: 0 texto da primeira akia refere a maneira pela qual abelhas (e dan~arinos) apIa-­ximam-se das casas, afastam-se andando para tcis, aproximam-se de novo e entram. 0 texto dasegunda akia refere a maneira pela qual as mascaras de dan~ar movimentam-se com os movimen­tos da dan~a. As akia de crian~as do muito curtas e consideradas engr~as; assim 0 ratinhosacode nlo urn chocalho, mas seu proprio ftlhote.

. 0 contexto de execu,ao faz wna serie de pressoos sobre as akia. 0 desejo do·-canlor de ser ouvido como caracterislico num grupo grande de cantores significa

que certas caracteristicas musicais estar[o regularmente presentes: agudo no diapa­sao, qualidade vocal estridente, Hnha descendente e diferen,as individualizadorasquanto ao ritmo, melodia e texto. Eu nao diria que 0 desejo de ser ouvido causaa forma da akia, mas 0 contexto de execu,ao dificulta a realizal'io de experienciasformais que nao possam ser ouvidas, que nao envolvam qualidade vocal estridentee que nao sejam notavelmente diferentes. Sendo assim, embora a akia seja uma for­ma musical, as pressoes exercidas sobre ela miD sao puramente musicais e est6ti~,

mas relacionam-se com a sua participayao num contexto.Existem duas questOes cen trais a respeito da execu~o das akia que sllo suges­

livas. Uma e: por que os Suy' cantam para suas irmas? A segunda e: por que cantampara suas innd's, por que nao se comunicam com as innis abragando-as ou sentan­dO-&e e conversando com elas, ou comendo com elas como fazemos no Natal? Porque esses parentes e esse lipo de a,ao?

Todas as cerimanias Suya enfatizam 0 deslocamento de urn homem de suamoradia natal para a casa dos homens e eventualmente para a moradia da mulher.Isso se exprime espacialmente em muitas cerimonias que removem 0 garoto cIa casados pais (0 lugar em que sua mae dorme) e 0 levam para a prava. Todas as cerima-

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mas enfatiz'am as rela9Qes entre urn homem e suas inn3;s rems e classificat6rias esua mae, aeima de outros tipos de la~o. como os com a esposa, cunhados e sogros.Durante as cerimonias, ele da comida a suas innas e delas recebe. comida. Da seu no·me ao fllho de sua irma e sua filha recebe 0 nome de urna de suas irmas. Irmas e iI·maos s!o, assim, parentes importantes 'nas cerimonias. Logo, nao sena surpreen­dente que os homens Suya cantassem para suas innas. Isso nos deixa com outrapeIgunta. Por que eles cantam para suas irmas? Qual a especificidade da mUsicano conjunto das caracteristicas da sociedade Suya e do genero akiil?

A indica~ao irnportante e 0 deslocamento espacial do jovem da moradia na·tal - 0 processo ux.orilocal. Depols de ter sido iniciado na casa dos homens, urnjovem nunca deve voltar a dorrnir na casa dos pals. Fica envergonhado de visitarcom iIeqiiencia sua moradia natal, e nao faz isso quando os maridos de suas irmiisest:ro nas proxirnidades. Urn homem nao come com a irma porque s6 familias con·jugals, amantes ou grupos do mesmo sexo comem juntos. Nem coloca os bra~os Asua volta, porque abra~ar equivale a Urn inicio de Iela,oes sexuals. Mas pode cantarpara a .irma·sem nem mesma if A sua casa. Ele sempre canta aida na pra93 au forada periferia da aldela. Atraves da can~ao urn homem pode comunicar·se com suasiImas sem regredir no que <liz respeito A transferencia espacial conf1mlada na ceri­mOnia em que ele est. cantand03

Chegamos enta~ a urn ponto mals geral. A habilidade da mUsica em transcen·der a distllncla social, espacial e psicol6gica sem uma presen~a fisica que a acompa·,nhe pade sel uma de suas importantes caracteristicas comunicativas. Em nossa so­ciedade, por exempio, can90es de arnot sap com maior freqiiencia cantadas por pre­tendentes do que por c6njuges. Essas can~6es podem ser urn meio particularmen.te apropriado para atravessar distancias espaciais, sociais e psico16gicas caracteris­ticas de situa~6es de corte nas culturas indo-europeias. Consideremos, por exemplo,a balada do Gypsy Rover (Child, nC? 200), que, pelo seu canto, conquista 0 cora~ao

da esposa de urn senhor ~ urna mullier com quem teria muito pouco contato pes­soal na sociedade hierarquicamente organizada do periodo" Normalmente conside­rar!amos inadequado cantar cany5es de arnar para nossas irmas, que esta'a espaciale socialmente pr6ximas de n6s. as Suy', cujo namorO e mals fisico do que 0 nossotradicionalrnente tern sida, nao cantam cany5es de amor. Mas cantam akia para suasirmas, que estao social e espacialmente distantes. Entretanto, 0 que eles cantam'nao_e uma proposta, mas uma can~ao de auto-afirma~ao individual.

Quando urn Suya pinta 0 corpo, 0 estilo de pintura e determinado peloseunome. Em Ultima analise, todos os membros de urn grupo de pessoas com 0 mesmo

3 Existe uma exceltaQ aregra de que 0 homem nat> canta oklo na casa da irma. Isso aconte­ce quando ele decide cantar olda 0 dia inteiro durante urn perlodo cerimonial. Senta-se entaona cama de sua irma e·e pintado e ornamentado pelos parentes femininos enquanto canta.Quando a ornarnentaltao estf completa, sai e' canta na pralta. Em vez de invalidar a regra, esseprocesso repete a conflrrnaltao da transfer0n~'lJ I.'spacial na cerimonia de inicialt80,

4 E tarnoom, "Vou cantar urna caiwao de arnor, na esperan\ta de que voce possa estar pora{" (T for Texas) e "Nao cante can¢es de arnor. voce acordara rninha mae" (Silver Dagger).

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nome pintam-se da mesma torma. A associayao do homem com as rnetades cerimo­niais, sua posiyao numa flla de daoyarinos e 0 ngere que caota tambem s[o deter­minados pelo seu· nome. Grupos de nome determinam toda a identidade cerimo­nial de urn homem. la. ha akia, 0 homem emite sozinho 0 som. Dwan.1e a longa noi­te de canto (assir'n como em outras ocasi6es), sua can¢o marea-lhe a participaycto,a fOlya, os sentimentos· e a existencia individual. A can~ao que caota normalmentesera lembrada depais da oerimonia e eaneroes particulannente memoraveis sobrevi-" K I b Ivenio a sua morte~ A:traves c;lo canto, ele tam em pode reve ar suas atitudes em rela-"ao a si mesmo, Dois homens da mesma idade podem cantar diferentemente -, urncantando no estilo de ]Jm homem mals ve!ho (corne9ando num diapaSffo mais gravee fOlyando menos a VOZ), en(atizando assim 0 fata de seI roais idoso, e 0 Dutro can­tando no estilo de urn homern mais jovem, foryando a voz ao maximo, enfatiza,ndoassim sua for9a e juventude. Urn garoto pode cantar no estilo,de urn homemjovem,,sua akin sendo totalmen te estruturada com um.a linh. mel6dica longa, para mostrarque ele j~ nao ~ uma crian9a (as crian9as can tam akia parciais, com linhas mel6dicascurtas). Urn homem pode' cantar muito, mostrando que "st~ "feliz" ou pode esco­!her nao can~ ou s6 faze-lo durante pouco tempo. Quando os Suya se ouvem can­tando akin, percebem multo nao s6 a respeito da situa9il'0 geral mas de~omo deter­minado homem se sente em rela9ao a algo. As akia Suya saO urn dos meios utiliza­dos pelos homens Suya para dizerem publicamente algo sobre. si mesmos.

lsso levanta urn segundo' ponto mals geral. Nossa cultura ~ centrada no dis­curso, A todos ~ garantido 0 direito de falar, mas nem de todos se espera que can­tern. Apesar de pessoas importantes ou poderosas terern mais acesso aos "meiosde comunica9ao", supostamente todos "tern seu dia de gl6ria", enquanto s6 bonseantores podern passar do chuveiro para 0 palco. Essa situaryao'mio enecessariarnen·te universal, Entre os Suya, 0 discurso publico e na pra9a ~ restrito a homens·adul­tos politicamente poderosos (nao M necessidade de "meios de comunic'9ao" naspequenas aldeias circulares). Os homens jovens raramente falam no circulo dos ho­mens, exceto na ausencia de homens mals velhos, De todos os homens Suya (a par­tir ,de oito anos), entretanto, espera·se que cantern em publico. Em suas canyoes,podem indicar algumas das coisas a respeito das quals preferimos falar a canlar. Aenfase no discurso de nossa sociedade e alterada, se mio invertida. Como pode serprevisto a partir de minhas descobertas sobre a est~tica do canto da akia, os Suya

. expressam eoisas em musica que n6s mio expressamos. E, em parte por esse motivo,a musica e muito importante para os interpretes e para 0 publico.

o canto da akin, com suas qualidades musicais caracteristicase as oportu­nidades que ofere~ para expressao individual, ~ considerado "belo" pelos Suya.Depois de ter passa,do varias vezes pela experiencia, urn hornem pode ouvir urn"compositor" cantar uma nova aida a meia voz e uma (mica vez e enuro se levantare canta-la, Apesar de os homens aprenderem suas akin de especialistas que tern a ha­bilidade de ouvir e en tender as caoryoes de certos anirnais, peixes, abelhas e arvores,que ensinam a quem quiser aprender uma aklo, a akia ensinada 6 sempre lembradapelo nome da pessoa q\le a cantou e mID pelo de quem a ensinou. Torna·se "proprie­dade" da pessoa que primeiroa cantou. Q~do os Suya ouviam grava90es de akin,

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assim como as akia sendo cantadas, sempre comentavam a respeito do cantor ,C

identificavam-no pela sua can~ao.

o ngere contrasta com a akitl em sua fonna musical, no que dizem musical·mente, no que os Suya ouvem. A maioria dos ngere ~ cantada em unlssono, os ho­mens tentando combinar suas voloS. AI. volos que nlio podem ccimbinar·se 1140 ex­cluldas: crian~s geralmente nao os cantam e os veihos emitem um grito especifico.Todos os ngere slio identificados a um grupo cerimonial, nao a indiylduos. Para queo leitor tenha uma id~ia do som de um ngere, transcrevemos parte de um delesnaF~a3.

A individualidade dos cantores de um ngere nlio ~ importante - na verdade~ suprimida -, mas ~ muito importante com quem um homem canta. Os ngere sliocantados por grupos cedmoniais especificos, nunca por grupos baseados em paren­tesco. Os grupos podem consistir em todos os homens adultos da aldeia, numa s6metade ou em parte de uma metade. Em caso de uma corrida de tora, por exemplo,duas metades se defrontam no inlcio do trajeto da corrida de revezamento e cadauma canta. Uma metade canta a primeira parte da can~o enquanto a outra simul·taneamente canta a segunda parte. Depois de cantarem, entram com as toras pela al·deia adentro. QUando carltam, os grupos esta:o claramente estabelecidos. Assim co·,mo as akia slio "propriedade" de indivlduos, os ngere sao "propriedade" de gruposcerimoniais. Os ngere de urn grupo nonnalmente tern algumas caractensticas emcomum. Sendo assim, uma metade supostamente canta suas can~es mais rapida­mente que a outra. Cantam tam~m sobre animais diferentes. Os Suya tern doispares de metades e multos outros grupos cerimoniais baseados em nome. Todos ternsuas pr6prias cari¢es. As pessoas que cantamjuntas podem ser opositores politicos,cunhados que nunca se falam ou grandes amigos. A fonna como se sentem em rela­yao aos Qutros nada tern a ver com a forma como cantam, exceto em casas extre­mas em que, por estar zangado, wn homem se recusa a cantar . Isso, em si mesmo,~ uma declara~o de peso. Disputas de fac\'li0 ocasionalmente atingem 0 auge emcerim6nias, porque de repente 0 que havia sido encoberto surge a ~u aberto (li.teralr"ente: na pra~).

Os ngere raramente slio cantados fora da aldeia. Com mals freqiiencia 1140cantados na casa dos homens e nas casas residenciais situadas na periferia da pra~.

Quando os homens cantam nas casas residenciais, nonnalmente cantam a mes~can¢o em cada urna delas. Nesse caso, 0 homem entra na easa de suas irmas e mae,assim como em outras casas em que mmca entram em ocasioes normais. Mas-entracomo membro de um grupo definido por idade e sexo, nlio como irmlio, amantoou.individuo., Esse ponto ~ importante grayas As diferen~as musicals correlatas. Quan·do um homem canta como indivlduo para a plat~ia de mulheres, canta de formadiferente do resto dos homens e nlio entra nas casas residenciais. Mas quando entranas casas, combina sua voz de fonna que nao seja distinguida'.

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5 Existem solos ocasionais no ngere Suya, mas os solistas siD selecionados porque partamdetenninado nome, nla porque se oferecern ; normalmente sO ru( urn solista que tern habilidadee idade adequadas em cada gropo de. nome. Em outta forma de ngere, cada homem eanta 0solo da estrofe, mas esse tipo de can~io IS cantada somente no centro da pra~

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FIGURA 3: TRECHO INICIAL DE UM NGEREPARA CONTRASTAR COM A-AKIA

(I'ranlCrito por Marina ROJl'nan)

o ritmo notado ~ : por pldrlo de choc&1ho (fVl = i)

A=440

t n~ta ligeirunente mUJ agoda do que notada

J: nota ligeinmentc ntall aguda do que nota com #

~ nota ligeiramentc mais ltflI~ do que Dota:!.

f nota ligciramentc mais grave do que nota com b

...... 4rea de tJanJi¢o tonal SUYA: Aiachi Ngere

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o exempio mais notavei disso pode ser encontrado nas cerim6nias em que oshomens, na noite final, altemam 0 canto da akia com 0 canto do ngere. Depois decantarem aida por muitas horas na pra,a, os homens se reagrupam e se dirigem,andando, para cada casa. Enquanto andam, cantam suas akia. No fmal da estrofe,cada homem vai silenciando aU que os chocalhos em unissono possam ser ouvidos.Enta:o cantam 0 ngere. Assim quo 0 ngere chega aO fim, cada urn recome,a a cantarsua akia, correm todos para a porta e ian,am-se para fora (apesar de aparentementeser uma corrida desordenada, na realidade eies partem abedecendo ao ordenamentodos grupos cerimoniais). As akia sao canl'iies individuais apropriadas para a pra,ae para os arredores da aldeia; os ngere sao canlj'Oes de grupo apropriadas tanto paraa pra.. quanto para as casas.

Como a akia, muitos ngere sao aprendidos de mamlferos, peixes, passaros,abellias e piantas e ensinados aos homens da aldeia por homens que estao vivos.

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Outros ngere sao "antigos" 'e foram ensinados no passado mltico por algum animalou indio inimigo. Urn periodo cerimonial normalmente compreende 0 aprendizadode urn novo nger~ (assJn1, na epoca da corrida de tora, em 1978, tres novos ngereforam introduzidos).Os ngere, no entimto, slfo lembrados por moos tempo que a,akia. Sao datados pelo, homens que estavam na casa dos homens (ou sendo irilcia.dos nela) no periodo em que foram introduzidos, e a pessoa que os ensinou normal·mente e lembrada. (Entretanto, nao se d~ muita import§ncia ao processo de com·posil'ao, porque e urn animal, planta ou abelha que esM cantando a canl'iio;o com·positor e simplesmente urn mediador que aprende a canl'iio e ent[o a ensina ao res.~o dos homens.)

(a) lalikdw-kumeni

/ ("realmente sem substincta")

(I) kwti kaikdw

/ ("sem substincia")

I krddi --------------- (b) sint(Sllru

AKIA

N6ERE

("primeira metade")

~(2)dnt(i~n\ ("dizef 0 nome")

(3) kurt

("fim")

(''aproxirnayao do nome")

,

(a) kaikdw-kumeni

~ ("realmente sem substincia")

(1) kwtikaikdw

/ ("'sem substincia")

Ilsinddw ~ (b)dnt(suru

("segunda metade") ("aproxima~aodo nome ")

~ (2) sint(iaren

\ (Hdizer 0 nome")

(3) kurt

(''fim'')

FIGURA 4: Letra de uma akia, apresentando as palavras da akia em cada parte do diagramada estrutura da can-;io Suya reproduzido oa Figura 3

(a akia usada oeste exemplo ea mesma usada Da Figura 2, Dumero 2:a Amro Aida de Kogrere de 1976)

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III'

O·ngere e a a~ia tern estmturlls globals semelhantes. Os dois sHo estr6ficos,,) divididas em primeira e segunda metades e ttm a mesma fonna de apresentar 0 tex­

to em cada metade, que econstituida de varias partes nominadas das can~oes. A Fi­gura 4 apresenta 0 diagrama das divisOes Msicas da akia e do ngere Soya. Embora aalcia e 0 ngere difiram na forma especifica como essas partes sHo expressas, a es­tmtura e igualmente clara nos dois e os Suya dao as partes os mesmos nomes. °''r~alme'nte semsubstancia" (La) e uma parte da canl'Ko que consiste IIlteinmen­

'te em "palavras de mUsica" ou silabas que os Suya dizem nao ter significado. A "a­. proxima~iiQ do nome" (1.b) tern palavras significativas mas nao IJ texto completo

da can~ao.Em sua forma tipica, relatara urna a~ao mas nlfo nomeara 0 animal ouplanta que executa aquela a~io. Uteralmente, mID "diz 0 nome". No "dizer 0nome" (2) 0 animal e importante e freqiientemente algurnas can~es sHo identifi­~as pelo animal nelas nomeado (ao que parece, nao ha vocabulario para designarcaracteristicas musicais como sincope ou figuras mel6dicas, embora estas sejamobvtan1ente importantes para que a pr6pria canl'Ko seja lembrada). Depois decantar 0 "dizer 0 nome" ou a estrofe compieta uma vez, a coda e cantada (3). Anatureza da coda e diferente na akia e no ngere, e varia nOll'diferentes tipos dengere. Mas em todos os casos existe urn fmai musical. Depois da coda, a "segundametade" (II) come~a, iniciando' com l.a. Quando a segunda metade termina, 0

momento de cantar terminou ou uma can~ao diferente ecantada.

Pane do Estnltul'O

I.l.a

I.l.b

Texto e Tradu¢o da Estrofe

Te·te.te-te·te.te·fe·te (urn "te" por nota de toda a estrofe).

("Te" mio tern tradu~o, de aoorda com as Suya. ~ literalmenteuma s{laba sonora sem sentido para eles.)

Wa pari wundtwa-ne ki tawiarf(4 vezes)Eu chures subindo & descendo estar eu pulo

Te.te.te-te.te-te·te-te-te·te (urn Ute" por nota da segunda parte daestrofe).

Tradu~ao livre: Com a ponta de minha mascara de dan~a subindoe descendo, eu saIto e sacudo meu chocalho e canto.

1.2. (transcrita na Figura 2) Amato kuradata taw sart wa pariTipo de reedor ele salta Eu chifres

wudntwasubindodescendo

ne klestar

'I.;

I

I'

I'

1.3.

100

taw /arf (2 vezes)Eu salto

Te·te.te·te·te·te·te·te·te·te (urn "te" por nota da segunda parte daestrofe).

Tradu¥ao livre: (egpecie de roedor) salta; com a ponta de minhamascara de dan¥a subindo e descendo eu salta e sacudo meuchocalho e canto.

Te-tt -(c-te·te·te·te·te (repete a segu~da parte da ultima estrofe daparte 1.2).

~---------------I

J

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, I

I'

1I.l.a

1I.l.b

11.2.

11.3.

Te·te·te-te-te-re·te·te·te (urn "te" pOI nota de teda a estrofe).

[rna; po keingoro wa raw iarf(3 vezes)Minha mascaxa de dan~a listrada eu salto(Com minha mascara de dan~ listrada eu salto, sacudo rneu cha­calha e canto.)

[rnai po keingoro A-mato iarr=ne (1 vez)Minha mascara de dan~ listrada cerimonia do rata eu saitoCom minha mascara de dan~a listrada eu salto, sacudo rneu cho­calha e canto a cerimonia (all can~o) do r~to.

Te·te·te-te·te·te-te·te (urn "te" por nota da segunda parte da es-!roCe)

Tamana kukeni-da taw-sarr [moi poEsta cutia salta minha mascara de dan~a

keingoro wa -taw iarflistrada eu salta

Tdmana kukeni-da taw sarf [rna; poEsta cutia salta minha mascara de dan~

keingoro amra ian:nelistrada rato eu saito

Te·te-te·te·fe-te·te·te (urn "te" per nota da segunda parte da es-!roCe).

Tradu~ao livre: A cutia salta; com minha mascara de danlfa lis­trada eu salto, sacudo meu chocalho e canto. A cutia salta; comminha mascara retirada eu salto, sacudo meu chocalho e canto accrimoI.ia (ou can~o) do rato.

Te·te·te·te-te·te·te·te-te (repete a segunda parte da ultima esttofccia parte 11.2)

Essa estrutura e clara para os Suya (apesar de me ter tornado a1gum tempodescobri-Ia) e deveria colocar urn ponto final nas afirma90es que dizem que a mil­sica indigen: tern pouca estrutura e nenhwn t~rmino. Na verdade, existe uma estru·tura notavel, sendo que s6 tratei aqui de suas linhas gerais·.

o dualismo cia cosmoiogia Suya e da organiza9[0 cerimonial est! claramentepresente na estrutura cia akia e do ngere. AI; can90es sao divididas em duas metades(kradi e sindaw), cujos nomes sao significativos. Os Suya tern duas dire,oes princi- '\pais: leste (kaikwa kradl) e oeste (kaikwa (s)indaw). A pra9a pode ter duas casas dehomens, uma localizada no leste. a outra no oeste (ou wna imica com duas metadesdistintas). Estas distin90es est[o associadas com as metades. A metade oriental dacasa dos homens carrega a base de urn tronco de buriti nas corridas de tora (kradi),enquanto a metade o~idental carrega a parte superior (sindaw). Em determinadosmomentos, os homens cantam a primeira parte de c,ua akia (kradi) em frente da ca·

6 Marina Roseman, numa cUldadosa amilise de urn unico ngere, fez algumas observa~oes

interessantes que estlio sendo examinadas no campo (Roseman ms.).

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sa orienlal dos hornens (au olado orienlal da Unica casa dos homens) (kaikwa kradi),e em seguida cantam a segunda parte (sindaw) em frente ~ casa ocidental dos ho·rnens (kaikwa (s)indaw). A nomenclatura das can~iies e certas caracteristicas de suaexecu~ao 83'0 assim coerentes com muitas ouuas caracteristicas duais da organiza­l'iio da sociedade Suya.

Podem·se agora discutir algumas das coisas que OCorrem no canto do nlJere.Talvez a mais importante seja que Slfo grupos que cantam e que os cantores esta"otentando fazer suas vozes soarem como uma. Os grupos que cantam sao cerimoniais- !!~O~O grupos baseados em parentesco. sao aqueles grupos que, como disse, con·fundem os antrop610gos, porque nao regulam casamento (como fazem metades emmuitas partes do mundo), nao.regulam atividades de subsisWm\ia e silo mUltiplos.Uma das coisas que as metades fazem e cantar junto, como Jdupos em oposi~ilocomplementar. Assim, na festa da corrida de tora as duas metades cantam a mesmacan~ilo, mas partes diferentes dela; quando existem duas casas de homens, as meta·des cantarilo can~pes diferente.s, uma mais lentamente e outra mais rapidamente.Sua existencia manifesta·se muito atraves da mOsica. 0 cuidado COm que 0 nlJere eexecutado em un{ssono e a expressilo musical da identidade de urn grupo de ho·mens, e a cria~ao de urn grupo. Eo grupo faz mUsica "bela", como os Suya concor·dam quando ouvem grava~5es em que tudo s.uu como deveria.

A akia e 0 ngere t~m caracteristicas musicais muito diferentes, assim como 0

que exprimem e diverso. Flz aqui algumas sugestOes a respeito da natureza da mOsi·ca Suya. seria interessante comparar a mOsica Suya com ados outros Je. Todos can·tam para suas irmas? Existe algo como aakia entre'os grupos Je com quem os Suyanunca entraram em contato? Na verdade, a partir de algumas observa,oes feitas porMelatti (Melatti 1978), poder·se·ia pensar que os Krah6 cantam para suas mulheres,o que e coerente com uma enfase diferente encontrada nos rituais Krah6: a rela~o

enfatizada nao e tanto entre urn homem e suas irmas quanto entre urn homem esuas esposas reais ou potenciais. Nessas condi~5es, podemos esperar inten~es dife·rentes e possive1mente principios diferentes operando nas formas musicais. Mas, naverdade, a dificuldade e que tudo isso e especula~ilo. A musica dos Krah6, uma dassociedades Je melhor estudadas ate 0 momento, nunca foi analisada. Deve·se arden·temente esperar que se comece a coleta·la e analisa·la. Isso nao somente porque seesperarmos muito perderemos a oportunidade de gravar a mUsica de urn povo, masporque os membros dessas sociedades, ate serem esmagados pelo contato, acreditamque sua musica ~ importante. Os Suya queriam que eu gravasse sua musica, nao so·mente porque depois e1es podiam ouvi·la, mas porque a consideranrbela e impor·tante. Meu interesse por sua mUsica era plenamente compreensivel para eles (ao~

contrario do meu interesse por outros dominios) e acho que tern razOo quanta ~

importancia que lhe atribuem. A anlllise da musica das sociedades das terras baixas d.America do Sul nos fomecera indica~5es importantes para a compreensiio dessasoeledade. Mas 0 trabalho sera lento. Como indiquei, a "coleta" deve ser urn prolan·gado processo interpretativo. A obtenl'iio da mOsica em seu contexto social signi·fica, antes de tudo, esperar para que ela seja executada e nao coletar grava~oes deindividuos em rapidas viagens de coleta. A paciencia pode ser bern recompensa·

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da: boas coletas revelarao toda a riqueza do que e a mUsica para as pessoas que aexecutam.

3. RESUMO E CONCLUSAO

Para resumir, minha proposta foi investigar 0 que esta sendo comunicadoquando os Suya executam a akia e 0 ngere. DemonSlrei que, para estudar a musicaSuya e, por extensao, outros tipos de mus.ica, e necessario analisar 0 evento musi­cal total e a fonna como a musica se insere no quadro social e cosmol6gico mais am­plo. A partir dai, ~ possivel especular a respeito do que ha de especifico em rela~o

• propria musica, enquanto oposta a outras formas de arte ou f11osofia, numa dadasociedade. Ao fazer isso, analisei dois generos de mfJsica Suya e relacionei 0 estilode cantar da akia • inten~o do cantor de ser ouvido como individuo por certos pa­rentes femininos, relacionei a estrutura da aida ao duiilismo geral que permeia avida Suya, e outras caracteristicas a aspectos especificos do contexto de execu¢o.o ngere e uma fonna de expresS3r-- a existenciae llliidade dos grupos cerimoniaisbaseados em nomes, grupos. que fazem pouco mais do que cantar junto. Ao longodesta amtlise, sugeri que uma importante caracterfstica comunicativa da ffiilsica esua habilidade em atravessar distancias sociais, psicologicas e espaciais e que a ~nfa­

se linguistica de nossa pr6pria sociedade pode nao seruniversal.Concluindo, gostaria de fazer uma observa~o fundamental para minha in­

terpreta,ao da etnomusicologia e das sociedades indigenas das terras baixas da Ame­rica do Sui. Nao argumentei que a organiza,ao social dos Suy' ~ anterior Aestruturamusical de suas execu~Oes. Nao estou dizendo que 0 dualismo da milsica eurn sim­ples retlexo do dualismo de sua sociedade ou que os homens t~m irmas e por issocantarn para elas. A simples reduyao de urn dominio a outro esempre urn exercicioperigoso e, nesse caso, bastante errado. Eu diria que sao Os eventas musicais quecriam 0 dualismo da organiza,ao social Suya. As metades Suy' sa:o puramente ceri­moniais. sao parcialmente defmidas pelo ngere que cantam junto. A estrutura damusica, longe de ser urn reflexa, e parte da criay30 e continua recria9ao das caracte·fisticas duais da sociedade Suy'. Sendo assim, a estrutura dual da mUsica ~ funda­mental, n[o retlexiva. 0 que ~ expresso pelo canto ecrucial, n[o incidental. E a im­portancia da mUsica na sociedade Suya - na palavra de seus membros e na quanti­dade de tempo e recursos dedicados As atividades musicais - pode residir no papelativo que a mUsica desempenha na criaryao e na vida da pr6pria sociedade: sua cria­9[0 musical e sua vivencia musical.

Isso pode soar excessivamente idealista para colegas que trabalham em oulrasareas COm outras sociedades; mas ~ possivel estabelecer paralelo/oom a situa~ono campo de analise do dominio do parentesco dessas sociedades (Seeger 1975; DaMatta, Seeger & Viveiros de Castro 1979). Nossa reluttrncia em aceitar a importan­cia dos acontecimentos musicais nessas sociedades prbvem de lima interpretaryaototalmente errada cia natureza desses acontecimentos.

Nossa suposi,ao de que a musica ~ uma "arle", uma atividade antes de tudoestetica e alem disso incidental, fez com que nao entendessemos a milsica das terras

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baixas da Aml!rica do Sui. Para essas sociedades, a mUsica ~ parte fWldamentai davida social, n!fo somente uma de suas op"oes. Essa observ~o ~ corroborada pelaparticipa9!fo de todos em proloClgados acontecimentos musicais. A importanciamals social do que es~tica da rr:.1lsiClt desses grupos impediu os etnomusic610gos d~_)dar a esses Sistemas musicals a atenrao que mere<;om; a ~nfase musical da vida socialtarnWm recebeu aten93'0 insuficieU.e por parte dos antrop6logos. ~ preciso que se!he de cuidadosa aten9ao. Deveri?1nos come~r pergWltando 0 que h3 de t!fo im·portante em fazer mUsica em todas essas sociedades. Ao ouvir as respostas, talvezpossamos compreender me!hor 0 que podem ser a sociedade e a mUsica.

I

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r APRESENTA9AO

De tadas as caractensticas das sociedades indlgenas brasileiras, a sua organiza­rao poUtica e uma das mals diflceis de serem compreendidas por ocidentals. Essafoi a causa de grande numero de desentendimentos interetnicos da hist6ria do con,'toto. Estes ainda continuam a acontecer hoje, por nao temzos conseguido ver 0 con­traste que existe entre as processos pol(ticos infernos desses gmpos e a nossa pro­pn'a organizarao pollnca. Os representantes da !greja e do Estado, como missia­ndrios e funciondrios da FUNAI, estao acostumados a lidar com instituiroes hierrir­quicas e com urn tipo muito especlfico de autoridade. Como e1es mesmos [reqUen"temente criam novas formas de lideranra para facilitar seu controle sobre os (ndios,sua perceprao das formas nativas de fideranra e dos processos poUticos e [reqUen­temente distorcida. Existem inumeras cvisas que et! e outros antrop%gos desco­nhecemos sobre esse tema, mas algumas contribuiroes estao sendo dadas (por exem­plo, Maybury-Lewis 1967; P. Qastres 1978; Kracke 1979),

Neste artigo descrevo a inter-relarao entre os vdrios papeis publicos impor­tantes dos SU:'d com 0 9bjetivo de discutir lideranra em geral, Em minha aborda­gem usa 0 que Victor Turner chamou de "drama social" (V. Turner 1957), masde forma abreviada. Trata-se de urn caso concreto em que os prindpios gemis serevelam com c/oreza especial em virtude da sua utilizarao numa situar" especi/icade crise. Descrifoes de processos como esses ajudar~nos-ao a compreender melhoTe de modo mals geral os processos poUticos. Num ensalO'sugestivo, Pierre Qastrespropos que os (ndios das terras baixas da Amt!rica do Sui :.au sociedades contra 0

Estado, ou sociedades que controlam seus {(deres e assim evitam aformarao de Es-\ tados (Qastres 1978). Minha andlise da perceprao Suyd de seus Uderes polz'ticos

e cerimoniais como marginais e inerentemente perigosos sugere urn dos mecanismosdesse tipo de controle: eles OU seu! parentes podem ser acusados de feitiraria e as­sassinados, Este artigo e uma tradarao de minha contribuirlio ao livro Leaders andLeadership in Lowland South America, organizado por Waud Kracke (no prelo).

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CAPITULO 5

SUBSTANCIA FISICA E SABER:DUALISMO NA LIDERAN<;A SUYA*'

A cultura e a organizayao social das tribos JS setentrionais e centrais,localiza·das no Brasil central, sao caracterizadas por urn dualismo fundamental que foi des·crito por Vlirios autores, entre os quais Uvi·Strauss (1953, 1956,1964), Maybury­Lewis (1967), Melatti (1970) e Seeger (1974). Os domlnios opostos da natureza

.e da cultum, que estao continuamente atuando urn sobre 0 outro, foram descritoscomo caracterfsticas dominantes da cosmologia dos Je setentrionais (Uvi·Strauss1964; Da Matta 1970; Melatti 1970; Seeger 1974; T. Turner ms.); 0 dualismo e ainterayao da natureza e da cultura sao claramente revelados nas ideologias de lide·ianya encontradas nesses grupos. Os lideres sao mediadores entre as dois momlniose, em virtude dessa posi£8"o mediadora, stro encarados com ambivalencia pete restada populayao.

As tribos de lingua Je no Brasil podem ser divididas em tres grupos, distin­guiveis a partir de criterios lingiiisticos, culturais e geognificos2

• Esses subgrupos,os Je setentrionais, centrais e meridionais, localizam-se no interior do pais numa ex­tensao que vai aproximadamente de tres graus de latitude sul ate 30 graus de latitu­de sul. 0 grupo Je setentrional inclui as tribos Timbira (entre elas Krah6, Krikati,Ramkikamekra, Kanella),'os Apinaye, os Kayap6 e os Suya. Os Je centrais sao re­presentados pelos Xerente e pelos Xavante. As tribos de lingua JS apresentam mui­tas varia~es interessantes na organizayao social e na cultura, constituindo urn gru­po ideal para realizar 0 que Fred Eggan ehamou de "comparayao controlada" (Eg­gan 1954). Este artigo comeya com urna discussao dos papeis de lideranya entre os

(

• Tradu~ao de Angela Loureiro.

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Urna vcrsao anterior deste artigo foi aprescntada num simp6sio satre liderantta sul-ameri­'cana nas reuni5es de 1974 da American Anthropological Association na cidade do Mexico.

As cronologias das lfnguas Je foram prejudicadas pela rna qualidade das fontes originaise n~o sao suficienternente precisas para serern usadas isoladamcnte.

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Me, Suya; ro (?);pa, viver em urn grupo;kande, dono-controlador.

o autor e sua esposa passaram 15 meses com os Suya entre junho de 1971 e junho de1973.

3

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1. UDERANI;A ENTRE OS SUYAA palavra meropakande traduz-se literalmente por "dono-controlador

do local onde os Suya vivem em gropo"'. (Ocasionalmente usarei 0 termo '1(derpolitico" para designar esse conceito Suya.) A palavra kande (dono-controlador)e importante e aparece em mnitos contextos. Uma pessoa que faz urn arco e kan.dedo arco. Uma familia que faz uma ro~a toma-se kande da rc~. "Ser dono e contro­lador" inclui controle sobre mercadorias e recursos. Ai; mercadoriastamMm podemseI intangiveis, como canyoes, e as recursos podem seI simb6licos. Os 90is tiposde lider Suy' sao kanlN. Urn controla a aldeia eo outro, 0 merokinkanrd, controlaa execwrao das cerim6nias.

De modo geral, a posi~ao do meropakande e idealmente e de fato herdadapatrilinearmente. Quase toda aldeia tern mais de dois l(deres pol(ticos, cada urn sen-

Suya, urna das tribos Je setentrionais3• Posterionnente, as diferen~as e semelhan~as

da lideran~ entre as tribos Je serao examinadas, a titulo de compara~o.

o dualismo nos papeis de lideran~a ~ claro entre os Suya. Existem dois tiposde lider, os lideres politicos (meropakande) e os lideres cerimoniais (homens queconduzem as cerim6nias, merokinkandi). Cada papel tern certos atributos que ex·primem 0 poder dos lideres e que cada homem manipula para obter e maximizaro podeL Ai; qualidades atribuidas aos lideres sao aparentemente paradoxais, na me­dida em que sao exatamen te as pessoas a quem cabe unificar a a1deia que possuematributos anti-socials. 0 lider politico eao mesmo tempo 0 representante dohomemideal e de toda a a1deia e tamMm a1gu~m ~ue e considerado arnedrontador, imprevisi­~velmente belicoso, que tern urn cheiro forte e ~ "como urn jaguar". 0 lider cerimo­Ilial, apesar de ensinar as can~6es necessarias para a perpetua~ao da soeiedade Suya, ,e definido como a1guem que mio e "tao completo soeialmente" quanto os o'!troshomens. 0 paradoxo aparente deriva das atitudes dos Suya quanto a natureza dopader: as caracteristicas que defmem as lideres poderosos 8[0 caracteristicas ani­mais, porque todo poder vern, em Ultima analise, do dominio natural.

A lideran~a Suya sera inicialmente discutida em tennos da ideologia do modocomo os lideres se devem comportar e posterionnente de como eles se comportamna prAtica. 0 conflito entre ideologia e pratica e uma das cauSas da ambivalenciaSuya em rela~ao aos seus lideres politicos.

Na parte seguinte, as caracteristicas gerais do poder sao discutidas. Finai­mente, uma analise comparativa da heran~a do poder politico e do dualismo da li­deran~a nas soeiedades de lingua Je sera apresentada. Essa compara~ao tern porobjetivo levantar com precisao algumas das caracteristicas importantes da lide­ran~a e da cosmologia entre as tribos 10 e nas terras baixas da America do Sui emgeral.

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A lideran~a Suya sofreu algumas altera~oes em dais perfodos distintos. Aproximadamen­te em 1925, os Suya foram dizimados por seus inimigos e foram fortemente influenciados peloscostumes dos Indios do Alto--Xingu. Mudan\tas posteriore!)" ocorreram em seguida a sua "pacifi­ca\tio", em 1959. Essas mudanrras. entretanto, Coram relativamente secundarias e reuni dadoscomparativos de urn gropo ocidental dos Suya conh.ecidos na literatura como Beir;os-de-Pau,cuja lideranr;a tradicional- sobreviveu ate 1969. quando urna penta populacional destruiu ·a orga­nizar;i9 social dos Bei\tos-de-Pau.

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do chefe de uma facl30 composta na maior parte pelos seus parentes bilaterais.Urn meropakande coordena atividades coletivas, supervisiona distribuil'6es, deve re­solver disputas e vela pela defesada aldeia. 0 control:dor da aldeia nao pode co­mandar. Ele lidera atraves de urn equillbrio delicado de consenso e san~iies impli­cltas. Pode propor determinada linh. de a~ao, como urn ataque. Se 0 resto doshomens apoiar 0 ataque, eles indiearao sell consentimento. Se nio c~ncordarem,

o meropakande deve ou mudar seus pianos ou realizll-Ios com a ajuda de seus alia­dos pr6ximos quando todos os dissidentes conveni.ntemente se ausentarem. Assimcomo nao existe poder para comandar, nao existe investidura formal de urn mero·pakande. Ele deve continuamente maxintizar seu apoio, e se sua fac~Q eo resto aaaldeia aceitam seguir sfm conselho, eles 0 fazem. Se nao puderem sel convencidos,ignoram esse conselho.

No Fassado', os lideres Suya eram mais belicosos e violentos. Segundo as des­cri~iies, estavam sempre querendo guiar ataques, sempre procurando inimigos. Soba inlluoncia da administra~ao do Parque Naclonal 'do Xingu, nao se reaiizam maisataques e as incursoes inimigas sao menos prov3.veis, apesar de ainda temidas. Osmeropakande continuam a procurar inintigos na floresta enos rios. Urn hOm<'m dis·se a seu respeito :

Quando h:i indios beligerantes ao norte, 0 controlador da aldeia sempreca~a e pesca ao norte. Ele sai pela manha e no fmal da tarde procurandosinais do inimigo. Se h:i indios inimigos ao sui, ele sal na dire~ao sui. Estjsempre procurando inimigos.

No passado, JS meropakande tambem eram considerados perigosamente vio­lentos na aldeia. Eram tentidos especialmente pelas mulheres, r,rian~as e rapazes.Urn famose lider gostava de atirar lIechas na casa dos homens e tazer os homens sol­teiros que nela moravam esquivarem-se de suas lIechas. Outro teria tirado 0 discolabial da boca de urn rapaz e 0 quebrado em suas maos (a violoncla disso fica claradepois de se ler 0 Capitulo I neste volume). Tals lideres violentos eram considera·dos particulannente atemorizadores e "como animais". .

Alem de sua beligenincia, seis atributos s:ro considerados caracteristicos domeropakande: I'?) devem ser descendentes patrilineares diretos de meropakande an·teriores; 2'?) devem distribuir contida, ca~a, mercadonas e outros artigos ao resto daaldela. Em geral, urn homem que niio e urn lider politico distribuira contida e outrascoisas 86 para soos parentes, certas rela~es cerimoniais e algWlS aOOgos cerimoniais.Quando urn meropakande distribui, ele nao deve esquecer ninguem e deve dar eqiii·tativamente a todos; 3'?) t~m 0 dever especifico de discursar e exortar as pessoas a I

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se comportarem corretamente de acordo com as nonnas da tribo; 49) coordenamatividades colelivas como expedi0es de cal'a e pesca em grupo, derrubada da rol'",ataques, reiocal'ao da aldeia e outros empreendimentos cooperativos; 59) atraws deexorta~o e influencia, devem resolver disputas na aldeia e manter sua paz; 69) osmeropakande devem comportar-se como exemplos. Devem trabalhar mUito, com­portar·se corretamente e participar da atividade cerimonial. Exercem em certas ce­rim6nias a funyao de representantes de toda a aldeia. Eles, especialmente, represen·tam 0 homem ideal, belicoso, adulto.

Quando urn meropakande morre, seu fllho mais vellio idealmente tomf; seu lu­gar6. Se nao tiver fllhos com idade suficiente, enMo deve ser sucedido por urn ir·mao. Se nao houver fIllios ou irmaos disponiveis, entao os Suya dizem que 0 mhode uma irma (taumtwa) sera 0 sueessor7

• Todos os mhos de urn meropakande saolideres potencials. Aqueies que nao sao atuantes sao chamados "meropakande quenao discursam". Mas e preCiso mals que relal'ao geneal6gica para que urn homemsueeda 0 pal como meropakande. Alem da legilimidade herdada, urn homem tam­l)c!m deve ser considerado capaz de exercer 0 cargo. A facl'aO que eie representadeve estar de acordo a respeito de quem sucedera a lider morto. Por esse motivo,minhas perguntas sobre se determinado filho de determinado homem se tomariamiropakande sempre eram respondidas de maneira vaga: "Quando 0 pai mauer,as pessoas saberao".

Ate 0 momento, descrevi os atributos ideals e os padroes de heranl'" domeropakandt! Suya. B tambc!m essencia! disculir os meios pelos quals homens am­biciosos podem tomar·se lideres de facyoes e eventualmente se tamar "controla·dares da aldeia". Se as Suya nao acentuam muito 0 processo usado para conseguirmaior influencia quando discutem lideranya, ele ~ ainda assim importante emqualquer analise do poder politico. Homens que herdam a posi,ao de meropakandt!,assim como as ocasionais homens ambiciosos que nao 0 herdam, devem maximizarslJa influencia e reaflrmar suas pretens5es para assegurar sua legitimidade.

Em' i972, os Suya viviam numa imica aldeia com aproximadamente i30 re­sidentes, no Parque Nacional do Xingu. No passado, a POpulal'aO da tribo era con­sid~ravelmente maior, inc1uindo muitas aldeias - duas no Xingu e muitas entre asrios Sangue e Arinos, na direyao oeste. Entre os Suya, em 1972, havia tres miro­pakande atuantes. B comum que uma aideia tenha ao menos dois meropakandt!,algumas tendo lido ate quatro. Cada meropakandt! era chefe de uma facl'ao com­posta na malor parte por seus parentes pr6xirnos (ver Figura i). Dois dos tres mera­pakandt! pretendiam ser descendentes patrilineares diretos de meropakandt! atravesde tres gerayoes. 0 conhecimento da terceira gerayao de ascendencia eextremamen­te raro entre os Suya. A capacidade imica do meropakande de lembrar seus anees­trals masculinos ate esta geral'ao reflete a importincfu do aspecto herdado do papel.o terceiro meropakande, que atualmente e 0 mais forte, tra~a sua descendencia do

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Meus infonnantes Bei'r0s-de-Pau afinnaram que 0 filho rnais novo era preferido.

S6 pode descobrir urn caso em que isso ocorreu.

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pai do genitor de seu pai, passando pelo genitor de seu pai (que nao era 0 pater deseu pai), pelo seu pai e ehegando a ele. Em outras palavras, seu papel nao foi herda.do Ufo claramente.

FIGURA I

DIAGRAMA SIMPLIFICADO DAS TRES FACC;OES EXISTENTES NA ALDEfA SUYAEM 1972

Kokoti

fac~io UIfac~ao II

~=O(I)

(2) (I)

I fac,ao I I

I 16 =0I I (I) II (~

I 610~=0I II .,./1Nde~l~ntil (c1assificat6no)I ./ I ~------

~l=O I °l~ I £;=0 ""1=0Kokoyeriti I Waraku I Pekuho

I I "

E.~60-l666006 60000=~0=60I (I) (I)

I Niokombedi

(I) ~ meropakandt Illder de fa~iio

(2) ~ mErokinkandt

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Waraku e seu mho Niokombedia tomaram-se os mais fort~s meropakande,manipulando muitos reeursos 'para justificar e favoreeer suas pretensoes de serem oslideres dorninantes da tribo. Existem ao menos oHo reeursos que eles e outroscontroladores da aldeia eonseientemente manipularam durante duas gera90es. Osseis primeiros estao relaeionados aos atributos ideais de urn meropakande. Os ou­tros dois sao de Oldem diferente, mas igualmente importantes.

1. Descendencia. Niokombedi repetidamente enfatizava sua descend~ncia

biol6gi"a do forte meropakande de aproximadamente 50 anos atrds,Ndemonti. 0 marido da mae de Waraku era urn prisioneiro !aruma e, as­slm, nao estava de forma alguma relacionado iLguaiquer meropakandt!.Waraku chamava Ndemonti de seu "pai", porque Ndemonli livera reola90es sexuais com sua mae antes de ele nascer. Membros da fac900 de

8 Alterei os nomes dos participantes. Os nomes dados aqui sao diferentes dos nomes dadosem Seeger (1974). Segue-se uma rela'iao entre os nomes usados aqui com 0 numero desses indi­v{duos nas genealogias apresentadas em outro trabalho: Kokoyeriti (220), Waraku (204),NiokoIltltedi (105), Ndemonti (337), Pekuho (243), Wetacti (142), Kokoti (230).

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I

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I Niokombedi (fac,ao I) e da fac,ao aliada (facyao II) e~tavam de acordoquanta as suas pretens5es. Os membras da facl'ao III estav:m divididos.

I Alguns aceitavam as pretens5es de legitimidade de Niokombedi, outras di­ziam que Waraku nunca havia side urn meropakande "real". mas acima detudo urn homem beligerante. Quando Niokombedi discursava, retorica­mente pergWltava: "Meu pai mlo era urn meropakande?" Este era urn fatoque ele constantemente procurava corroborar, embora nao fosse completa­mente aceito por todos os Suy,,- 0 elo geneal6gico era considerado tanto

I por Niokombedi quanta por seus oponentes com:) fator importante em sua\ posiyao. Mas nao havia concordiincia q.lanto a realidade des," elo.

r2. Distribuifao. Niokombedi baseava uma de suas pretensoes em SCI urnmeropakande no modo como <'ava coisas para todos. Nao distribllia muitacomida, mas em vez disso distribuia mercadorias dadas a ele pela admlnis­tral'ao da reserva e por alguns visitantes. Membros de outras facyae" espe­cialmente da facl'ao III, inveiavam a quantidade d, mercadorias que eleguardava para si mesmo e a grande quan tidade que ele da qa para ;eus nu·

\1, merosos parentes e· afms. Urn dos que mais reclamavam abertament~ eraurna mulher, Kokoti, que posterionnente, em 1972, foi ..sassinada porNiokombedi e por seus irmaos por suspeita de feitil'aria. Suas reclamal'5estornaram-na suspeita,~porque as feiticeiras matam as pessoas de quem terninveia. A facyao de Niokombedi temia a inveia dos membra, de outras fac­1'00s. S<>u medo pode te-los levado a distribulr mals eqwtativamente do queo teriam feita em Dutras circunstancias. 0 grande favoritismo de Niokom­bedi por seus parentes e aliados afins (facyao II) era urn dos recursos im­portantes a sua disposil'ao de mante·los aliados, mas em qualquer tipo dedistribuivao havia uma tensao constante entre seu desejo de recompensarseus aliado, e a necessidade de evitar a inveia do resto da aldeia.

3. Oratoria. Niokombedi era considerado urn orador razoayelmente born. S6usaya 0 eslilo de orat6ria restrito aos lideres (tanto ao meropakande quan·to ao merokinkandi) ocasionalmente, porque ainda se sentia muito joveme os jovens nao devem discursar em reWlioes publicas. Em discussOes me­nos formais as pessoas 0 ouviam e comentavam em voz alta que ele haviafalado bern. Quando muitos outros homens importantes de outras facl'0esconcordayam com 0 que ele prapunha, toda a aldeia seguia seu conselho.

\ Quando nao concordayam, Niokombedi tanto poderia ir em frente, reali·zando 0 que queria com seus parentes, quanta mudar seus pIanos.

. 4. Niokombedi coordenaya atividades CO~Yas, entre as quai' expedil'5esde pesea e cal'adas, capinagem da pral'a e trabalho ocasional no posto ad­ministrativo cia reserva. Diauarum.

5. Resolu,iio de disputas. Niokombedi pretendia agir como pacificador. Ex­ceto quando seus pr6prios interesses estavam intimamente envolvidos, porexemplo quando a mulher de seu irmao morreu e quando ajudou a matar

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Kokoti, ele realmente impedia que as disputas se tornassern violentas.Repetidamente reduzia tensfo nas aglomera90es de homens d noite, in­

: terrornpendo, brincando, discur'ando ou dorninando as reunioes. Ele tam·bem falava com os individuos envolvidos e tentava resolver a questfo fora

, da arena publica. Contava com 0 apoio de seus nurnerosos parentes pr6xi­mos, mas 0 apoio dos parentes de sua mulher (fac9ao II) nao era garantido.Apoiavam-no ern muitas ocasiCles, mas nao em todas. Como ilustra a FiguraI, um dos innaos de sua mulher era um meropakande, outro innao (urn

, prisioneiro adoudo) era 0 merokinkande.

~ois exemplos semo suficientes para Uustrar a combina9ao de humor e for9"imp1{cita que'Niokombedi usava todo dia para impedir que tensOes irrompessem emfranca hostilidade. 0 primeiro ocorreu na arena publica; no segundo, falou·se COmcada parte em particular.

a. Um grupo de lingua Suya, recentemente pacificado (conhecido na litera­tura como Bei9os-de.Pau), estava vivendo com os Suya ha aproximadamen­te tres anos. Estavam todos em Diauarum sendo tratados de uma epidemiade "gripe" e todos os outros Suya haviam voltado para a sua aldeia, tendosido mals facUmente curados ao que parece gra9"s d crescente resistenciaa infec90es vir6ticas. Os homens Suya estavam reunidos na pra9" uma noi·te e estavam furiosos com as depreda90es de suas r09"s de mandioca reali­zadas pelos recem-chegados. Em 1972 a mandloca havia escassoado e elesestavam preocupados com a depend~ncia continua dos Bei90s·de.Pau emrela9iio ds suas ro9as, especialmente no momento em que suas pr6priasr09"S haviam come9"do a produzir. Diferentes homens discursavam furio­samente e alguem sugeriu que a casa em que a maloria dos recem-chegadosvivia fosse queimada. Nesse momento, Niokombedi saiu de sua casa, ondesO encontrava para fazer um cigarro. Encaminhando·se para a reunifo doshomens, disse jocoso em VOl alta para seu parceiro: "Jirup, quando osrerem-chegados voltarem, vamos foder com todas as suas mulheres". Issoera ao mesmo tempo engra9ado e preciso. As mulheres do grupo recem·chegado eram consideradas particularmente desejaveis como parceiras se­xuals. 0 comentario de Niokombedi efetivamente colocava um ponto finalnas discussOes serias daquela noite sobre os recem-chegados e impedia qual­quer a9i'0 organizada.

b. A mulher de Wetacti morreu no parto. Um dos Bei9Qs-de-Pau temia queWetacti matasse sua mulher em represalia peia morte. Quando Niokombedidescobriu seu medo, falou com 0 homem e disse-lhe que desde que ele eseus irmaos haviam matado a feiticeira, Kokoti, algum tempo antes, a al­deia estava bastante "boa". Matar outra p~oa, disse e1e, seria ruim. Acres·centou que Wetacti tinh' poucos parentes e s6 urn irmao, muito jovem. 0pr6prio Niokombeditinha dois irm[os adultos e grande nUmero de outrosparentes. Para Wetacti, disse que nfo havia fuxico maHcioso s· Jre a mulher

'- do recem-chegado e que era mal para as pessoas que elas se matassem. Per-

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, I

guntou entio sem rOdeios a Wetacli: "VoC<1 val matar a mulher daquele hOomem?". Wetacti respondeu "nao" e a questa'o fai abandonada.

o segundo caso desenrolou-se de acordo com urn padrao tipico. As mulheresfuxicaram sobre a acusa\'lio durante muitos dias. Entao os homens assumiram aquestio. Urn confronto direto, em que uma pessoa.concordava em manter a paz,normalmente resolveria as coisas durante certo tempo e 0 problema seria abandona·do sem mals discusslo. Entretanto, 0 conflito subjacente nfo seria resolvido e podiaser usado para esquentar os animos em outro momento. Wetacli era urn fl1ho classi­ficat6rio do !ider morto da fac9ao III. Qualquer repreSlllia por urna morte em suafaC9Il'O atingiria os parentes de Niokombedi ou seu prestlgio como pacificador atr~­Vlls de urn ataque aos Bei90s-de-Pau. As fac90es I e III tern uma hist6ria de mortespor vlngan9a que jll dura duas gera9oes. Ate bern pouco tempo, o.s dois grupos eramigualmente fortes e altemavam as mortes. Agora, com a fac\'lio III seriamente enfra­quecida e a fac9ao II aliada por casamento com a fac\'lio I, Niokombedi tern poucaposi9ao poderosa. A amea93 implicita de sanl'6es fisicas que Niokombedi usou con­itra Wetacli e outra caracteristica importante do !ider de fac9ao e do meropakande.

'j r6. Comporfamento adequado. Niokombedi comportava-se como umexemplopara 0 resto da aldeia. Ele relacionava-se seriamente COm os rituals e can-

( tava muito. Ca9ava e pescava bern. Manlinha urn decoro adequado, oumesmo exagerado (ou nao 0 tinha, no caso de suas rela90es jocosas), emtodas as suas rela91ies. Iiderando pelo exemplo, fomecia urn modelo de

. wn homem alivo, socialmente correto.!lxistem dois_,p-'Jtr()~fatores que aurnentavam mllito a influencia de N1Q..k~m.

bedi: 0 grande nfunero de parentes e a influencia da adniillistra\'lio da re,~a.

- A fac9ao III estava consideravelmente enfraquecida porque Pekuho nao con·seguiu ter mais de urn ftlho sobrevivente, e este era aleijado. Tanto Waraku quantoKokoyerili tiveram mais sorte 'a esse respeito. Niokombedi linha dois irmll'os adultose muitas irmas e primas cruzadas pattilineares. Estas eram em sua maloria casadas~m nll'o-Suyas, com quem ele podia contar ca;o precisasse de apoio. Fez doi'. ex·celentessa".mentos Pol(ticos. Seu primeiro casamento, com a irma do !ider da fac­~o 11, foi arranjado por Waiak~quandoNiokombedi e a m093 eram muito jovens.Seu segundo casamento, que ocorreu em 1972, foi com a "sobrinha" de urn indioKayaM" que ficava encarregado do Posto Diauarurn quando Claudio Villas Boasse ausentava, Es,. alian93 solidificou os la90s entre Niokombedi e a pessoa encar·[email protected],.()p~ra9.oescotidianas do posto, que estava em posi\'lio de ajuda-Io de mui­tas formas... Continuando urn processo iniciado por seu pal, Niokombedi tentou aumentaro nfunerode'parentes pr6ximos. 0 que fez observando integralmente as restri90esde dieta por certos parerites classificat6rios em rela9ll'0 a quem essas restri9Ges nll'osfo nonnalmente observadas e preferindo tra9ar sua rela\'lio com as pe.!!lQas malsatraves de '!a90S consangUineos" do que de 1890s de afmidade, quando as duasl'0ssibilidades exisliam. A primeira estrategia transformava parentes mals "distan­tes" em parentes "mais pr6ximos". A segunda dava mals irnportincia a rela95es desubstancia fisica do que a alian93s por casamento sempre que possive!. Niokombedi,fazendo 0 mesmo que seu pai, havia reclassificado muitos parentes dessa forma.

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~':~0I11.~~~~.!'L!e-"~N~ UIIU..6lidolll'oio da. adJwstr"l'iio dareseryagg Xingu.)Varaku,el'£st~r!?r!J1enteseu mho, rapidarnente se adaptou ~ presen~a

de brasileiras. a primeira contato pacifico Com as Suya ocorreu na aldeia de Wara..ku. Waraku logo mostrou ser a Hder mats cooperativo, Seu filho, Niokombedi,foit,ein.do pelos Villas Boas para ser seu representante n. aldeia Suya.g apolod!t..administra~ao da reserva era em si mesmo urn recurso, porque Niokombedipodia contaicom' a' apiova~ao dos Villas Boas na maioria de soas a~Oes e porquetodas as mercadorias eram intraduzidas entre as Suya pelos Villas Boas au por seusrepresentantes eamigos.

~. ~.~~_~ti!~cia,_da~aniRula~aodos apoios e recursDs tradicionais, assimcomo da influencia def"ia: recenfemenle intioduzida, Niokombedi era sem duvid,aomais forte .dos tres meropakande em 1972, Havia domi1!ado bastante bern. osmembros da fac~ao IIl,que ~rarn seus rivais tradtci~nais, e havia-se aliado ~ fac~oII e ao.posto administratiyo atr,ye~ do CMamento.

Entretanto, disputas faccionais continuararn a surgtr. Como toda doen~a seriae toda'morte"s[oconsideiadas como resultado de feitj~ria, Niokombedi e sua fami..lia achavam que tinharn mais a temer de seus tnimigos do que dos arcos e flechas deuma oposi~ao nurnericamente superior. Mesmo urna oposi~ao fraca e perigosa. Lo­go, Niokombedi entrava em conllito quando tentava ser ao mesmo tempo 0 lideregoista de uma fac~o forte eo fider benefico, ideal de todos os Suy'.

a outro papel de lideran~ importante entre os Suy' e 0 do merokinkande.Tradu;se ltteralmente merokinkande como "d~.2:~E~;~;;..d!irclas cerimon!,"Suya". a merokinkande e 0 homem que sabe todas as can~Oes para os ptin,i­paiifltuais Suy'. Ele normalmente decide quando uma cerim6nia deye ser reali­:zada. Discursa na-praya e e~orta 0 resta da triba a ser born e a realizar a cerimoni,acorretarnente. Pode organizar as expedi~6es coletivas de ca~ e pesca que antece­dem a cerimonia. Decide que can~6es especificas devem ser cantadas e em que oca­sioes e dirige. sua e",~!!~~.Q., Ele tamp-em l'0d".de..cidir nao realizarou adiar deter­I)ifuailaS'C:erimQ}yas.E consultado a respeito.da mai9ria dos aspectos da etiqueta eda ca.t!9~9_ cerimoniai~

Usando a defini~o de Swartz de lider como pessoa que forroula e implemen­ta objetivos e aconteclmentos publicos (Swartz 1968:2), 0 merokinkande e explici­tamente urn lider. Cerimonias como as associadas~ inicia~ao dos rapazes ou ~ guer­ra sao consideradas necessarias para a perpetua,ao da sociedade Suya.

Se em geral existem muitos meropakamte em qualquer aldeia Suya, em.genlls6 M 'illn"mbOlimkanM. mo"~fll[r!~~fjXacl~herar;~.Ao inves disso, tomar...mel'okinkande depende de irlteresse, talento musical e de ter perdido 0 espirito.0'8 S;'y~ dizem que urn fllho pode aprender com seu pai, mas tal rela~ao nao ene­cessaria. Quando urn merokinkande morre ou urna aldeia se divide, tomanda-senecessario ;'rii";'ovo lider cerimonial, nao M, ao que parece, competi~o para 0 car­go. As pessoas pedem a urn homem sem espirito e que conhe~ bern as cerimoniasque ..dtrija.- .. as merokinkande sao sempre· recrutados entre homens que sao chamados ."home;ssem espirito", Acredita-se que os espiritos (megaron) desses homens fo·-- '-

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lIS

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ram retirados de seus corpos por !!IDJeiticeiro.e eSC{)fi<liJi9scom algurna especie deanimal;deplanta ou de peixe. DCpois de determinado tempo, 0 homem cUj" espi­nto foi' roubado pode ouvir e compreender a fala e as can,oes da esp~cie com quemseu espirito reside. Quando existe algoma cerirnonia em que M necessidade denovas can~oes - e ~-!Ji~s cerim6nias Suya exigem que, cada vez que sao realizadas.,cada hO!!:l~_m cante uma nova can~o - as homens sem espirito ensinam outras CaQ.,­

~esm3sculinas que sellS espiritos ouvern porque vivem com os animais, as plantasgu os peixes. Nagera,ao falecida recentemente, essa capacidade era mais comumque hoje , apesar de-'~~~Inens _~m espirito set:UI!re ser~rr.u~oria: ExcluindoQsBei,os-de-Pau, atualmente s6 existe urn homem sem espiri to e eie ~ 0 merokinkandti.Emooririao exista a id~ia de que as pessoas herdam a caracteristica de ser sem espi­rHo-~ 'pois isso depende do capricho de urn feiticeiro -, as genealogias qudiz~n.i1i­

cam que pessoas sem espirito slI'o freqiientemente fllhas de pessoas sem espirito. asprisioneiros freqiientemente tam~m perdem seus espiritos. as lideres das fac,iles,por outro lado, raramente sao homens sem espirito.

a merokinkande atual afirma que pessoas sem espiri to s[o menos.~'com~socialmeiife"-(lQque homens-que-i~'m seus"spiritos dentro de si, porqu.\tseus espi­ritos es([o vivendo com .animals e nunca poder[o to-los de voltll.-A-<l!stin¢..(Le.'.!!!'.~

"~omens c_omple~?~:~" com se~~_~e~.~fritos dentro de si, e "homens incompletQ.(',

QUADROlCOMPARA«;:AO ENTRE 0 MEROPAKANDJ! E 0 MEROKlNKANDJ!

CARACIEIUSTICA meropakande merokinkande

he[an~ patrilinear, do genitor nao eherdado, apesar depoder aprender com 0 pai

poder poder secular, baseado no poder cerimonial, baseadoparentesco no conhecimento

qualidades beligerante, "cheiro forte", pode ouvir e compreenderanimais "como urn jaguar" a fala dos anirnais;nao C

socialmente completo

aratoria fala "0 discUISO que todos fala "0 discurso que todosouvem" ouvem"

papel distribui~ao, oratoria, eosina can~oes a tOOa acoordena~ao de atividades aldeia; conduz 0 canto emcoletivas, resolu~ao de todas as cerimonias; resolvedisputas, comporta-se como disputas atraves deexemplo, chefia ataques e discursos, especialmenteage em certas cerimonias quando urn meropakandecomo represen tante dos est:!' envolvidohomens adultos

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que perderam seus espfritos, era freqiientemente feita quando se discutia sobre 0merokinkandi!.

Os papeis de meropakande e de merokinkande sempre forame CQ!l.!!!J.YiIill..a.ser complementales. 0 oontraste entre 0 meropakande (lider politico) e 0 mero­kinkande (Hder cenrnonial) 6 reswnido no Quadro I.

A oompleJ?entaridade entre os pl!l"!.is,EP'_mE2P!'kI!!!<{e,e"do merokin/srin,qeppde clMamente ser Vista em urn eclipse. Segundo eles, os eclipses 0CClrrem Nrqu,:os Su}'ll'n!o, sa-o, Su(1Cientemente beligerantes. Os Suya afmnam que, quando luium eelipse do sol, as oobras deslizam pela pra"", os jaguares se aproximam das casase os jacar6s deixam os ;ios e rastejam pela terra. A pr6pria estrutura da sociedade 6amea""da. Em eclipses s.<>.lJ!!'es e lunares, 0 merokinkande conduz os Suya na lutacontra a desintegra¢o mais extensa de seu universo social conduzindo seucantar. Aiiiv8Sloaa mbo poi animals perigosos e deUcheirofolie" 6 detida cantando-se umadetermliiada~can~iit6 piiSS3i'oecli~~: P"i?<:>is !!.eumecllpse, os Suya tra~jcional.

niefl.t~J"..]iz8:m~l1n,.-~{aci~e:Q_m~I'()/cinkandecon<1~,o~lltlto;0 mergpqka@j oon·d,uz 0 ataque. Qs dois papeis sfo neeessarios ecomplementares.

_. ...__ r"' ' __ '<' __ '~ -._' .,. _

2.0 PODER DA DESCENDl!NCIA; 0 PODER DO SABER

Deserevi os papeis do meropakande (lider politico) e do merokinkande (lidercerimonial). 0 meropakande 6 considerado ao mesmo tempo como urn homemideal e como alguem que amedronta, que tern cheiro forte, que 6 imprevisivelmentebelicoso e que 6 "como urn jaguar". 0 merokinkande 6 considerado socialmentemenos completo do que os outros homens, porque seu espirito reside permanente·mente com alguma es¢cie de animal, planta, peixe ou inseto. A partir da descri9lfoanterior, existem duas areas que devem ser investigadas atrav6s de uma compara­911"0 dos Suya com alguns dos outros grupos de lingua 10.

o primeu-Q. tern•.6a significa¢o da heran"" patrilinear e!ltre os '!'.eropakandenuma sociedade em que a deseendencia nlfo 6, em,Qutroswntextos, enfatiiili[il::Anatureza patrilinear da heran"" da lideran? poHtica esta relacionada ~ sua posi¢oparticular de 'lnedilidoni entreIlJl.t!,!eza..~cultura,el1tre fa~~,s,baseadas no paren:tesco e a ooletividade, da aldeia..O segundo tema 6 a clara complementaridade entre(,.!!!!!gpa!ctt1!{le Lo merokinkande. Doispapeis <ielideran"" sfo encontrados em al­gtmtas sociedades Je setentrtollllis e,eentrais, mas nlfo em.1llWls. 0 dualismo da lide:ran"" Suya precisa ser examinado numaperspectiva.comparatiYaPllTaque se descu:6raos;gnificado <:lesuaes.trutura..pel:llliar/ "", Para esclareeer a rela¢o entre a heran"" patrilinear e a atitude ambivalenteem rela¢o aos lideres politicos, as ideologias Suya quanto ~ coneep¢o, ~ gesta911"0

, e As rela900s de '~dentidade biol6gica" devem ser explicadas. Os Suya aereditamque urn feto 6 formado gradua1mente pela acurnulacao do semen de um'Eomemf\.0ulero de uma mulher. AiiiiJlhei'6 conSiderndiape~as'<;omo reeeptaculo do~en.. Para ilustrar i88O, urn informante esfregou seus bra90s e corpo e deelarou:''Todo isto 6 semen". Tanto 0 pai quanto a mire observam as mesmas restri90es se:~uais p6s-parto; ~J!!i!ivfduo te,m lIIl\a forte identidade biol6gica com a m[e e,

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~9_~.LC_'!-m. seus siPlill£s' pleUQH."Om-'!'Us prQpriQsmho§._Il_,!,.es!'.ar:~tes ~considerados mais cOmQ::os !lli1SIllOS:~ Qud. urn Unico.tipodoqJJJ:.~Qmo "dUeren­~~~:. Es.aideiiti~Q~el'press~_eJ.ll_~~es sociais atravos da observa9ao derestri:.9'les recfprocasde comida e atividades por pais,irffi[osefiilios feridos. Acredita-."qu-;-"'(umaidentidadetao intima entre esses membrosde UImaami'iiaque .comi­da ingerida par urn ou a alividade realizada por urn afetan! outro membro, como sea outra pessoa tivesse ingerido a comida ou realizado a atividade. Essas restri90es~liO sao observadas pela maiom de meio-parentes ou de parenTes 'por casamento(Niokombedi, citado aeima, e uma exce9ao). Jiunca sao observad.s em rela9ao anlio:l'.rentesou aparentes adotados. .- ---..--.. --.- .-....., ..-.-

. Todos os Buya Wm duas identidades diferentes: uma biol6gica e uma social.A idenffijade (isiea'de uma crian£a eherdada de seus pais. Sua idenddade soeial ­Seus nomes, metade, participa9lro'nu-;;;'grupo da pra9a, ceriaSprerrogaiiv;ls de rituale status cerimoniais - llie 0 dada junto eom seu nome. Urn menino recebe se1)nome de urn ngedi (qualquer urn de urn grupo de parentes incluindo umaos darn[e "reais" e "classificat6rios" e mhos do irmao da mae flum sistema de termi·nologia do tipo Omaha). Uma menina recebe seu nome de urn tuwuyi (qualquermembra de wn grupo de parentes, inc1uindo maes das maes "reais" ou "classifi­cat6rias", maes dos pais e irmas dos pais). Os Suya, especifi~nte,_afjrnl"!!UI,!epais e irmaos "r~~!.~'~_~._"distantes" nao deven;- da~- seuS-names a uma crian~. Ate·la¢oentre 0 doador do nome e,o.receptor do nome e multo proxima, mas nlioeWii;j-.J~ntjaade'fisica..Os doadores e ~eceptores do nome nlio oqservam restri90esde djeta e de atividade urn pelo outro quando urn deles eslli doente ou ferido. Sliocomparados com urn duplo areo-iris: esseneialmente identicos. !"ormalmente, quan­do urn homem e transferido na adolescencia de sua moradia natal para a casa doshomens, seus 1a90s biologicos sao atenuados e suas rela9'les cerimoniais. slio forta,lecidas.

1'.. identidade cerimonial de urn meropakande nlio 0 importante para seustatus. Os meropakande podem ser membros de qualquer metade, de qualquer gru­po de pra9" e de qualquer nome. A idenlidade biologica, genealogica, nunca 0 ate­nuada. Homens beligerantes e meropakande slio frequentemente chamados "ho­mens·cbrn carne e ossos fortes" e sua for9Cl fisica emuitas vezes mencionada quan­do sao tematizados. Esses atributos fisicos SaO transmitidos de pai para filho atra­ves do semen. Nem a identidade fisica nem a lideran9" sao dados por urn homemao receptor de seu nome. A natureza bio16gica da sucesslio entre os Suy' tern im,porlantes implica90es.

A identidade social de urn homem 0 recebida com seu nome e enfatiza seus la­~os cerinioniais-:ema--participa~[o em grup<>s ceriroonj.~~. A enfase cO-ntinu~ -~~sT~9Qs_qi()16gicos existente entre urn meropakande e seus filhos pode explicar a ten-

•10 A ideologia de parentesco emais discutida em Seeger (1974), Capitulo 5, e no Capitulo6 deste livro.

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dencia de lideres politicos de serem exce""es a regra de residencia uxorilo~, entreosSuydefitij.l;~'!Lenlre, QIi~i"aj~ociedadesdas terras baixas da America do SuI. En­tre os Bei90s-de-Pau, a imica exce9A"o conhecida a residencia uxorilocal era urnmeropakande. Urn padr[o semelhante de exce""es existe entre os Munduruku(Murphy 1960: 121).

~,e.'ifMenoS la90sde.um meropakandecolllseufJ!ho, a ideo!ogia da concep­~o e da gesta9A"o e a importfulcia dada aos atributos ff~cos e animalescos do con­trolador da aldeia 0[0 todos compativeis com a base de poder em que se funda a au­toddade do meropakande. Seu poder esld baseado nocontrole de uma fac9[0 atra­~s da manipula9[0 de seusfi\i:Osijepareiifesco'.Eleorganiza 'tividades cotidian,asque eSla-o malsiii esfera secular que na ritual. Quando 0 pai de U1ll homem maximi,za--=1a~<is ae parentesco e 0 nimtero de seusparentes; 0 fliho esld em,boa posi­~o paratarnbem fazer isso, contanto que mantenha a identidade com seu pal e comos- illados de seu pal. Isso e mais facilmente feito permanecendo na casa do pai ouna mesma parte doarco da aldeia.

o forte cheiro que e considerado caracteristico do meropakande tern sua qr~­

gem nOSiiiesmos pririclpios de ideologiae otganiza9A"o social. Entre os Suyd, 0 odorf\lli1-irieio i!Il.P9Itantede classificar animais, pessoas em certos estados, os fluidosdo corpo e certos atri.~J!to§.(Yreirio animal esld divielido em tres grupos a partirdo cheil'o: Existem animais de cheiro forte, acre ebrandO, Os de cheiro forte 0[0 osmaisIJOdetososnac<isiriologia SIlYd.IllClllem t~dos os acimais e pdssaros carnivo­ro.; "sim como 0 cervo; a' anta e a pregui9a. 0 jaguar e 0 representante mais pode­roso do grupo. Quando os controladores da aldeiiSi" considerados de "cheiro for­le"-e-hcomo- urn jaguar" I estlIo sendo classificados entre as esp6cies mais poderosasdo reirio animal. Outros homens adultos 0[0 considerados como homens totalmentescm cheiro. Garotosque ,ainda n[o entrararn no primeiro estdgio de iriicia9[0 s[oconsiderados como 'de cheiro forte. Entre os adultos, s6 mulheres tern "cheiro for­~"., A.s mulheres est[o associadas com ai-casas uxoruociiiS-;-assim como 0 lider po­Iftico esld associado com a fac~o baseada no parentes<;o. As mulheres, como osmenilios n[o-iriiciados, tambem 0[0 considemdas menos socializadas que os homens.Os'meropakalide sire) homens adultos cujo status esld baseado em suas rela90es bio­16gicas, estand,,'associadomaiscom 0 c!rculo de casas uxorilocais do que com osgrUpOs cerimonials associados com a pra9a. Seu comportarnento e potencialmenteperigoso e eles 0[0 equiparados as especies mais perigosase poderosas do reirio afi\-maC --

\ Em toda tribo Je jll descrita, existem pessoas que 0[0 consideradas Hderes dao aldeia ou chefes de fac"oes no iriterior das aldeias. Em todos os grupos Je, 0 lider

} politico deve ser urn homem adulto atuante que conhe9a as tradl""es da tribo, que1chefie uma fa~o e que soja (ou que antes da pacifica9[0 tenha sido) um guerreiroI beligerante. Ele tarnbem deve ser uma figura imparcial que faz a paz e arbitra elispu­l tas no iriterior da aldeia, assim como protege a aldeia dos iriimigos.

David Maybury-Lewis foi quem primeiro comentou a respeito do paradoxodos Ifderes Je, em sua anlllise da organiz~o polftica do~Xavante. Os Ifderes poli­ticos Je representam tanto uma linica fa~o como a aldeia iriteira:

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/As qualidades ideahnente requeridas dele [0 lider Xavante] e a campor­tamento esperada dele enquanta esta no poder sao diametrahnente apostasaquelas de que teve de lanl'ar mao quando aspirou a chefia (Maybury­Le~s 1967:204);1

MinOO discussaa a respeita da ideologia e da pratiea da lideran\," Suya mas­trou que 2!.Suya estaa bern canscientes desse canflitQ....CQmSL-"ntre as Xay"'Jte, ameropakllfute e assediada par responsabilidades conflitantes: em rela\,>a a seus pa,r~ntes e facl'a" e em 'rela\,>o a aldeia como urn toda. 0 amaga desse paradoxa resi­de nas carllcteristicas do meropakande, cuja pader Politico e social, que'Tuncianano centro da aldeia, deriva em ultima analise das afilia""es de parentesco bial6gicas,que estaa assaciadas a periferia.

Enquanta entre oS Suya e as X.vante a !ideran\," palitica etransmitida patri­lineannente, os outros Je setentrionais tern regras diferentes de heran93. Existe urnparalela impartante entre as idealagias de cancePl'aa e de heran\," da posi\,>a de Ii­deranl'a em tadas as saciedades Je (resumidas na Figura 3). Nas tribas em que secansidera que as dais pais cantribuem para a desenvalvimenta do feta (Kayap6 eApinaye), a filha da irma ea herdeira ideal da chefia. Nas tribas que acreditam ques6 a pai cantribui para a feta (Suya e Xavante), a descendencia e patrilinear. Naunica triba (Krah6) em que as teorias da concePl'aa sao relatadas como mistas, aforma de heran\," cansiderada ideal tambem emista.

Os Apinaye acreditam que a cancep\,>a se da pelaacumulal'aa de sangue fe·minino com semen dentro da mae. as dais parceiros contribuem para 0 desenvolvi·menta do feta. Os lideres politicos Apinaye eram tadas consideradas como perten­.entes a urna linica metade (kofti). A chefia devia passar de urn hamem para a filhocia inna, embora isso possa ser alterado caso se encontre wn candidato mais adequa­do (Nimuendaju 1939: 19). Os names sao passadas da mesma fanna, do innaa damae para a filha da irma. A pasi\,>a de lider politico, na medida em que exige a par­ticipac;ao - numa metade, parece seI, ao menos em parte, urn status cerimonialtransmissive!.

As crenl'as das Kayap6 setentrianais a respeita da cancepl'aa equiparam-se asdas Apinaye. Os dais parceiras daa urna cantribui\,>a fisica para a crescirnenta dofeta. Tambem as Kayap6 dizem que a tab-djuo (0 filha da irma, a filba do filha aua filha da fIlOO) de urn chefe deve tarnar-se chefe. Names e deveres rituals sao trans­mitidas abedecenda aos mesmas criterias, de urn i-nget para urn tab-djuo. Mas naose exige a participa\,>a numa metade. Terence Turner afinna que naa M base fac­tual para as pretens15es de heranl'a das Kayap6, mas a idealagia e importante e faiusada como apaia politico aa menas par urn lider de facl'aa Kayap6 (TerenceTurner 1966: 87).

Entre as Suya e as Xavante, a cargo de ilder de fac\'>a pailtica e de preten­dente a !ideranl'a da aldeia e transmitida de pai para filba na idealagia e nannal­mente de fato. Nos dais grupos, considera-se que sO 0 pai contribui para 0 cresci­menta do feta e ha urn forte lal'a entre a pai e seus filbas.

Exatamente nesses aspectos, as Krah6 diferem tanto dos Suy' e das Xavantequando das Apinaye e das Kayap6. De acordo com Melatti (1970), as Krah6 naa

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QUADR02

ALGUNS ASPECTOS DA LIDERAN~AEM DIVERSAS TRIBOS Dr LfNGUA JE DO BRASIL CENTRAL

IDEOLOGIA DE IDEOLOGIA DE D1FERENCIAl;AO DOS RECRUTAMENTO DASTRlBO CONCEPl;AO DESCEND£NCIA PARA PAPIlIS DE L1DERANl;A FACc;OES E "FORl;A"

LfDERES POUTICOS

Kraho a ideologia de concep~ao vaga preferencia por urn parente dais papeis: lideres politicos as facc;oes s[o fracas,(Tirnbira) emista para suceder a urn Ilder. sem e rituais recrotadas num difuso

enfatizar urn paren te em especial gropo de parentes bilaterais

Apinaye o feto efannada a partir o fl1ho da irma de urn lider dais papeis: Iideres politicos as fao;oes sao fracas,do semen e do sangue deve tomar-se llder e rituais recrutadas num difuso

gropo de pareiltes bilaterais

Suya o feto efarmada so pelo o fdho de urn meropakande dais papeis: Hderes politicos fa~oes recrutadas nosemen deve tomar-se e torna-se Iider e rituais gropo fan .iliar bilateral

Kayapo o feto e[annada a partir o fIlho da irma de urn tider urn papel: l{deres politicos as fa~oes fortes consistemseten trionais do semen e do sangue deve tomar·se lider tambem conduzem rituals em gropos da ca3a dos

(Turner 1966). Outros homens que sao claramenteautores sugerem a presen~a definidos (Gorotisede especialista cerimonial Kayapo)

Xavante o feto efonnado so pelo o filho de urn lider esta em urn papel: 0 tider polItico fac~oes fortes recrutadas(Je centrais) semen boa posi~ao para se tomar controla a fac~ao e IJS a partir da participa~ao

urn Hder rituais numa linhagem

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tern outra regra de descendencia para seus lideres politicos alem da preferencia,vagamente expressa e raramente existente, por alguns parentes de urn lider paraexereer a fun9ao quando um lider morre (Melatti 1970: 300). Similarmente, osKrah6 nlfo tem uma teoria consistente sobre a concep9lfo. Alguns informantesKrah6 dlfo a teoria Apinaye e Kayap6; outros dlfo uma teoria semelhante adosSuya e dos Xavante. Nem as parentes colaterais nem as lineares aparecem comopreferidos nesse aspecto especifico da soeiedade Krah6 e da ideologia Krah6.

A ldeologia de heran9a da chefia coerentemente se equipara a ideologia daconcep¢o e da gesta¢o, entre as Ie setentrionais e os Xavante. Isso poderici ser urnlugar-comwn se a descendencia fosse uma caracteri'stica importante de outras ins­titui90es nessas soeiedades. Entretanto, com exee9ao dos Xavante, a heran9a da Ii­deran9a e uma das poucas areas em que a deseendencia aparece. Uma explica9lfO daimportancia da heran~a pade ser 0 recrutamento, difuso em outros contextos. dosgrupos faccionais. Da Matta (I976a) observou que lui urn carater difuso naS soeie­dades Je setentrionais que torna a legitima9lfO do poder difieil. Nao existem linha­gens nominadas ou outros grupos corporados importantes baseados em parentescoe, em conseqiieneia, 0 poder politico parece residir em grupos de parentes rela­tivamente amorfos. A ideologia da coneeP9ao e da gesta9ao, assim como a ideo­logia da deseendencia dlfo alguma estrutura a forma9lfo e a perpetua9lfo dos grupospoliticos. Apesar de, na pratica, poder existir consideravellugar para manipuia9ao,a associa9lfo da lideran9" com relac;oes de identidade fisica legitima certos tiposde alian9" no interior das facC;Oes. Relac;oes consideradas geneal6gicas - de acor·do com as coneeP91les biol6gicas das respectivas tribos - sao a base do poder poli­tico entre os Xavante, os Suya, os Kayap6, os Apinaye e provaveimente tambemeJi'tre os grupos Timbira (representados aqui pelos Krah6). A diferen9" entre osgrupos reside em que la90s slfo genealogicamente enfatizados: os Kayap6 e osApinaye enfatizam a rela9lfO entre 0 irmao da mae e 0 fliho da irma, os Suya

.e os Xavante .eentuam a rela9lfO pal-fliho e os Krah6 nlfo se deeidem por nenhu·ma das duas teorias.

A10m dessa clara varia9ao entre os Je com rela9lfO as ideologias da heran9",existe tamb<!m vari'9ao quanto ao papel do Hder ritual. Uderes rituals slfo enl<Qn­tra<!.QLelltre os Krah6 (e outros Timbira), os Apin.y(osSuY;! e possivelmenteno grupo xikrin dos Kayap6". Esl[o ausentes especificamente entre 0, gruposKayap6 setentrionais estudados par Turner e entre os Xavante. Turner di2:.que.os chefes Kayap6 .gem como a personifica9ao ritual de toda a comunida.<!e.. Naodividem sua lideran9a com lideres. rituals. Entretanto, meneiona que urn. Jm.h;ochefe"em -Zada'uma daS' duoS aldeias realizava quase todas as prineipals f.!!!!9gesrituais. _.ps~g1-~J~9~ e.stav8Jl? "aparentemente de acordo com essa situa¢o e. ~o~!!~­yam pouca habilidade para a atividade cerimoniaJ" (T. Turner 1966: 94). Logo, os

Lux Vidal (1972: XIV) menciona urn chefe e urn ''velho xama' que pode ter sido urnespecialista ritual. Ela tambem diz que os Xikrin olhavam com desaproval;ao para 0 sistema defac~ao dos Gorotire Kayapo, cada uma com seU proprio llder, e afinnavam que eles, os Xikrin,eram diferentes (Vidal 1972:47).

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Kay_ap6_pQ<:I,,,mJeL4efato algumtipo de especializa,ao,-mesrno se naQ haduascategorias diferentes de tideran<;a. De acordo com Maybury-Lewis, 0 chefe Xavanteconduzia os ;ituais e-apontava seus parentes pr6xfmos como lideres rituais de cad2irupo de idade (Maybury-Lewis 1967: 192-3).

Nenhuma dessas sociedades em que liderescerimoniais sao encontrados espe­cific. qual'luerformade"descen'Mncia' para 0 papet' Nimuendaju menciona que, en­tre os 'Apinayo, urn homcm pode "prender 0 papel com seu pai. Os Suya me disse­[am '0 mesmo~gnhetMfo, conhecer as cerim6nias, de acordo com os Suya, nao 0algo que seja adquirido atravos da subst:lncia do corpo ou de urn grupo de nome. Aoinvos disso, VS}l1da expilliencla indiyidlJJl)edas q1jalidades individuais, como inte­resse em aprender e boa memoria. Os Suya e os Apinayo fazem uma distin<;ao claraentre tideran<;a politica e tideran<;a de cerim6nias, entre vinculos fisicos de descen­dencia e a aquisi<;ao de saber. Tanto os lideres politicos quanto os lideres cerimo­nials tern 'poder. Onde os dois tipos de lideran<;a sao encoritradas, sao claramentedistill!o•• complementares,

Nos dois grupos 8em lideres cerimoniais, 0 lider faccional organiza sozinhotanto avida politicaqUantaa vida cerifilonial" ~Utibos Kaya,I'£.'.X.llvant"estaoentre as,sootedades Je mais intensamenteJa"cjbjlais. Apesar de ser dificil determi­nar·o' "grau" de alga tao circunstanci:i"1 quanta 0 facciosismo, as monografias refe­rentes aos Je revelam uma clara dlstin,a0 entre, por urn lado, os Xavante e Kayap6e, por outro, os Suya, Apinaye e os grupos Timbira. Nos grupos em que ha urna di­visao da lideran<;a cerimonial e politica ein dois papeis8eparados, existe 0 facciosis­ma;tnas de formamenos extrema. Talvezisso ocona porque 0 papel complementardo lider cerimonia! age ,como umcon.trQl"d,Qs excessos dos !ideres J.cgonais. Entreos'Suya, as atividades'de p:ldfica,ao e de exorta,ao coincidem na arena publica dedisputas. Tanto 0 mfmpa!>andA,ql'.anto.o merokinkande podem usar 0 estilo de ora­t(lrla restrito aos lideres. Enq1jafito urn lider pode estar incitando seus partidariQsaa<;ao, outro lider - que representa a unidade da aldeia - pode falar a respeito daimportanciada uni<:lade acima e alomdas disputas faccionais.

3. RESUMO E CONCLUSAO

;fA lideran<;a politica, a sucessao politica, 0 recrutamento para as fac<;oes e 0. poder politico estao todos intimamente associados'a no<;15es de rela,ao fislca e des­cendencia entre as tribos Je do Brasil central. Entre os Suya, a enfase e dada aiden­tidade fisica do mho de um mfropakande com seu pai e aos atributos do corI'o fisi­co que tambem sao diretamente herdados do pai. Os mfropakande sao consideradosfortes, ativQs e devem ter uma relac;ao geneal6gica com os membros de suas fa~oes.

Ha pouca eufase na identidade cerimonial do mfropakande, apesar de ele participarplenamente das cerim6nias.

o conhecimento °cerimonial e a habilidade em compor canc;oes sao formascomplementares de poder entre os Suya. Mais do que ser "como" urn animal, 0

merokinkande est! em contato direto e permanente com 0 dominio animal porquefoi ai que seu espirito estabeleceu residencla permanente. Ele pode entender a faladas especies naturais; essa e a fonte de seu saber. Certos rituais S[O essenciais para a

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perpetua~o da tribo. 0 merokinkande decide quando e como a maioria dos ritualSsera realizada e ensina aos homens as novas can~s exigidas. 0 merokinkande!,em prestfgio e pode ajudar a mediar disputas - especialrnente aquelas emqiIeOcontrolador da aldeia estll alivamente envolvido.------- '

Uma aldeia Suya sem os dois tipos de Iider estaria incompleta. Embora asfontes de seu poder sejam diferentes, os pa¢is de controlador da aldeia e de contro­lador da cerirnonia sao semelbantes e complementares. Ambos sao mediadores. 0controlador da aldeia faz a media~o entre os homens, resolvendo disputas, prote­gendo a aldeia de ataque inirnigo e conduzindo ataques. Mais recentemente, passoua mediar os brasileiros e os Suya. 0 controlador da cerimonia faz a media~[o entreos homens e os animals. Seu espirito vive entre os animals, cujas can~es ensina aseus companheiros. A sociedade 6 perpetuada por essa continua transferencia-.dec_an~es d_osanimaisJ>ara-C;sIiomens,porque novas can~es sao exigidasp~ 9.l!eJ!Scerimonias se rell1~"m conetamente.

Os dois pa¢is de lideran~ Suya sao aparentemente paradoxais. Os Hderes !!li9considerados homens ideals, mas tern atributos animaleseos negalivamente_vaIori2a:40s. 0 paradoxo pode residir na pr6pria natureza do poder. Todo poder, na cosmo­logia Suya, vern do dominio natura!. 0 dominio natural tarnbimamea~all exist~~­

cia da soeiedade, II qual se opOe. 0 poder 6 necessario na sociedade - na cura <emque as metllforas anirnais sao centrals para os clllltos de cura), em cerlmonias <emque sao cantadas can~es de anirnais) e na lideran~ poHlica. A natureza, com seupoder, nem sempre tern urn efeito benigno sobre os homens. Os Hderes Suya tarn­Mm n[o. A ide~l~a do~der-,!."..!I:.ali"a.~ed(l pod~r poHlicosa9jgtlais,O merofXl:kande 6 ao mesmo tempo urn pacificador que age em beneficio de toda a aldeia etim Hdei"egOI'sfii'de urna fa~lr6bllSe8da rio parentesco que estll contin~nl~_~esfor~ando para consolidar sua posi~o, Seus atributos - ter urn cheiro forte, ser"como urn jaguar" - assim como a heran~ patrilinear do papel, sao indica~es adi­cionais de que urn Iider poHlico e urna figura ambivalente. Ele 6 natural e social, pa­derosa e irnprevisivel. Sirnilarmente, 0 _merokinkande temsaoer; rnas,f ciJSfa deperder seu espirito para urna es¢cie natural. Ele tamMm tern poder, mas este 6 ob­tido a determinado pre~o; ele n[o 6 ([0 completo socialrnente quanto os ou!losJio.mens. A oposi~iio dos domlni~; da natureza e da cullura, encontrada nas cren~Cosmol6gicas da maioria das tribos U, 6 aM certo ponto mediada pelos lideres pol!­lico e ritual. Sua posi~o mediana expressa seu poder e tamb6m Ibes da poder: 0

__"_' ·_·_'d",._.,n,,_.,"'" -,." _~~.•.• ,

poder de lideran~ faccional atraws da heran~ e 0 poder de lideran~ atrav6s4osabei:~il m~SQ1()J~l1!po,!!'.!!1~1l:larttes e complemenlares, 0 meropakandeeo~kinkande 1"efletem tanto 0 duali.mo da soeiedade Suya quanta a irnportancia9aoposi~[o da nat\!feza e dacullura, suas media~es e transforrna~es najdeol~

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APRESENTAC;Ao

o estudo do parentesco foi um trare central das antilises antropolOgicas des­de 0 comero da AntropolOgia. 0 eslUdo da terminologio de parentesco de LewisHenry Morgan (Morgan 1871), que ararece como um ponto de referenew, e os ar­gumentos de W. H. R. Rivers sobre a utilidade do metodo genealOgico (Rivers 1909)stio continuaroes de uma velha tradirtio (ver Tax 1955). Hd vdriils razaes para essaimportdneia. Uma das principais ecertamente 0 fato de que, na maioriil das sodeda­des tribais, as relaroes entre as pessoas se expressam atraves do parentesco. Em nos­sa sociedade, 0 "parentesco" e twnnalmente associado aD dominio da "casa': aopasso que "na rua" ocorrem em geral (mas nem sempre) outros tipos de rela¢o (verDa Matta 1979). Nas soeiedades tribais 0 dominio do parentesea inelui ntio apenasas relaraes domesticas como tambem as publicas: os grupos econbmicos slio basea­dos no parentesco, as facraes politicas compoem-se de parentes, e assim por dian­teo Uma antilise satisfatoriil de tais soeiedades exige cuidadosa aten¢o as complexasredes de relartio que siio tao onipresentes, bem como as outras formas de organiza­rao como as classes de ilIade, as relaroes de nominariio e os grupos cerimoniais.

Hd outras razaes que explicam por que foi 0 parentesco uma preocupa­rtio ttio duradoura na Antropologia. Ele foi 0 forum das mais amplas disputas teori­cas na disciplina: estas, geralmente, a partir da descendenew, casamento, ou dos ter­mos de parentesea usados para classificar os parentes, argumentavam sobre a nature­za da sociedade, da humanilIade, e 0 estado da Antropologio em geraL Esses argu­mentos tomaram-se ocasionalmente muito fecnicos e diffce;s de ler, porem as ques­taes levantadas - ntio importa qutio misteriosamente - em geral slio de fato impor­tantes questaes teoricas sobre a organizartio das sociedades

Uma das caracteristicas mais importantes da Antropologio eque os modelostearicos utilizados se desenvolvem por meio da antilise de sociedades espec/ficas Osresultados dessa analise sliD entao generalizados para urn numero maior de socieda·des semelhantes Como consequenew, muito da teoriil antropologica (mas nem todaela) consiste numa especie de generalizarao empirica. Assim, a Antropologio da tro­ca desenvolveu-se em parte atraw!s do contato com os povos do Pacifico e do Sui

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da Asia, onde a troca era muito importante (ver, por exemplo, a andlise de Mali­nowski da troca econlJmica (J 975), a analise de Mauss sobre a dtidiva (1974) ou abrilhante analise de Levi-Strauss sobre a troca de mu/heres (J 977). A teoria das so­eiedodes como boseadas em conceitos juridieos de corporo,iio de descendencia foilevantada por Sir Henry Maine (J 861), Fustel de Coulanges (J864), L. H. Morgan(1871) e outro& As ideias, porem, desenvolveram-se especialmente no contato coma lei romana e posterionnente com as soeiedades baseadas em linhagem da Africa(Evans-Pritchard 1979; Fortes 1945).

As generaliza¢es teoricas baseadas nas analises antropo/bgicas da Asia e doAtrica niio slio faeilmente aplicaveis as terras baixas doAmerica do Sui, ondeas soeie­dodes slio bastante diferente& 0 estudo que se segueargumenta queos modelos de or­ganiza,ao social de linhagem e troca, e os grupos de parentesco, niio se aplieam assoeiedades do Brasil central. Em vez de lutar para fazer com que as soeiedades seajustem aos modelos existentes, sugiro que deveriamos analisar as proprios soeledo­des ever que tipos de mudan,as devemos fazer nos proprios modelo& A intera,aoconstrutiva entre teoria e soeledades especificas pode produzir andlises cado vezmats sensiveis, que nos pennitam desenvolver proposiroes tearicas de maior alcance.As soeiedades das terras baixas da America do Sui podem chamar nossa aten¢opara caracter(sticas de auf7as sociedlldes antes niio percebidas e aprimorar nossacompreenslio delas.

Este estudo foi escrito para ser apresentado numa limita¢o de tempo de15 minutos, num simposio sobre 0 conceito de Jinhogem e descendincia, no reunitiodo Associa,iio Antropo/bgica Americana em 1975, com 0 titulo intraduzivel"By Ge out of Africa: Ideologies of Conception and Descent". Ele deve muito aestudos anteriores da organiza,ao social Ie feitos por J. C. Melatti (1976) e DaMatta (1976) (as datas de publica,iio SIlb as das ultimas versOes de suas ideias). Fizpouco mais do que tamar suas percep,iJes, uSli-las em rela¢o aos Suyd, e tentar ge­neraliza-Ias para muitas das soeiedades tribais brosileiras. Muitas das ideias aquiapresentadas forom posterionnente mais desenvo/vidas e considerave/mente apuro­das num estudo escrito conjuntamente com Roberto Da Matta e Eduardo B. Vivei­ros de Castro, ':.4 Constru,iio do Pessoa nas Soeiedades 1ndigenas Brasileiras" (Bole­tim do Museu Nacional, Antropologia, mlmero 32, maio de 1979), que pode serconsultado para um trotamento mais extenso de certas questiJes trotadas sumaria­mente no que segue. Estou tambem terminando um livro introdutorio sobre paren­tesco e O1ganiza¢o social, no qual muitas das questiJes nesse campo SIlb levantados.Mantive em grande parte a forma de apresenta,ao original, alterando apenas algu­mas partes com 0 objetivo de facilitar-Ihe a compreenslio.

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CAPITULO 6

CORPORA<;AO E CORPORALIDADE:IDEOLOGIAS DE CONCEP<;AO E

DESCENDENCIA*

As generaliza~es empiricas na Antropologia, como os bons vinhos, n[o via­jam bern. Al6m do que Jean Jackson chama de os "baluartes da descendeneia" (10­calizados especialmente na regiiio amazonica noroeste nos rios Negro e Vau¢s), aorganiza¢o social das 80eiedades indigenas das terras baixas da Am6rica do Suiparecern ser relativamente amorfas. sao espeeiaimente mal defmidas quando com·paradas com a precisao juridica das civiliza~es cIassicas e africanas cuja an3lise pro­duziu a Antropologia Soeial como a conhecemos. ~9QJ.!lQ~)n()!!~lo~ c14ssi:~.s,de de~Q~ru:ia..e"linh~gem.osantrop6logos tiveramdificuldade em desereveros .sjst~~...sQ~ . sul-americanos. Murdock chamou-os de "quase-linhagens"(Murdock 1960), ao passo que Nimuendaju foi justamente criticado por sua pro­pensa:o a encontrar elaboradas formas de descend6ncia e regula~es de casamentoonde nao havia nenhurna (urn ponto descrito em Da Matta 1976). A caracteri:m¢ode Murphy sobre os Munduruku como "fortemente patrilineares" foi criticada porsimplificar uma realidade mals complexa (Ramos 1974-6). Hip6teses de recur80slimitados n~~iemyx.pEcar a estmtura dessas 8Oeiedades, ;;rn". vez que hiI manei·ras pelas quais a flexibilidade 'pOde ser introduzida mesmo em sistemas de linhagemformaI(jior 'e"empio, EVans-Pritchard 1951, Forde 1950). Ao inv6s de nos intii.·ganno, com a auseneia de agna¢o romana nas soeiedades indigenas brasileiras,deveriamos dirigir nossa aten¢o para 0 que 6 caracteristico dessas sociedades. Noque se segue, utilizaodo os Suy>! de lingua J6 como exemplo, sugerirei 0 que creioestar operando em alguns dos casos aM entao recalcitrantes aaruilise de linhagem.

OS Suya 8[0 uma soeiedade J6 setentrional com 0 padrao de resid6ncia uxori­local (no quafumhomem mora com a familia de ~ mulher depois de seucasa·mento) e urna casa de solteiro/casa dos homens no patio de uma aldeia circu1lu,,Qque se encontra, com fre'liiel1ciaLI}~!..sQ_c;i.!'.<!a.<!es.do BrasiL£,:l1J!al.....Qs..49miniQ§..M'­ciais-'lli!i!lll'~tantes saQo~,d().sgf1lJl'ls ,baseados no parentesco.!'~s..<i'~_v~os.[lru,'pos oerimoniais baseados no nome atravessadospor varios .&!'lpos de metades eclass,;; de nome. Os gruposba-;;~ ~;;p';'e~;soo ;a--;; m:lportantes ~as ~-sferas ~ii-_._-_._,.-.. . . - . - .~

• Tradu'tllo de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti.

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tica e economica. A chefi. e henlada atraves de sueesslfo patrilinear (ver Capitulo5}.AS-t'i~espof1ticasbaseiam·se em grupos de irmaos. Nem a tern. nem a proprie'dade e herdada, emboraaigumas)1rvores fi1!tiferas~iimlieTdarjas'"atrfIJiiearmep,teo Ainda que a participa9ao nos grupos cerimoniais passe de urn homem a..qualquer;U;-d~ 'grupo de crian9as a que eie se dirige peio termo traduzfdo 'como '.'fliho daInna" (seus sobrinhos matriiaterais), tais grupos nao sao de qualquer modo gruposde deseendencia. Nao sao constituidos de parentes matrilineares, os nomes sao da­dos apenas depOis do nascJmento, e os irmaos uterinos devem ganhar nomes per·t'eneentes a metades diferentes. Aneestrais generalizados sao importantes: na orat6­ri3. e conversac;io, os Suya referem-se comumente a "nossos pais, nosso~ av6s, nos­sOs irmaos da mae" para iegitimizar certas a96es ou institui90es. Antepassados espe:cificos - reais ou miticos - nao sao inlportantes. Nao lui nenhum her6i cUlturiiJ an·cestral do quiiJ eles deseendam dieetamente. as Suy:! tambem nao estao preocupa­dos com sua reia9ao com os mortos: apenas 'com dificuldade os meus informantesConseguiam dar os nomes de seus bisav6s. as parentes femininos eram raramentenomeados alem da gera9ao dos av6s.

Quando os membros de urna sociedade nao se lembram dos nomes de seusmaiores, fala-se frequentemente de "anmesia geneal6gica", 0 que significa que elesreprimem propositalmellte eertas rela\Xles de parentesco por razGes pragmiticas,em geral politicas.!!c inc";'"cidade-';!9.~SjlY:! de nomear seus bisav6s nao e, argumen­taria eu, urn caso de-'-'a;,~,~·~siajen~al6gica". E reaimente falta de preocupa9ao ge·oeal6g1ca. Eles f)30 estao preocupados com seus ancestrais. as ia9Q~~E;ULm!!!!!Pjl,.

Mveis importantes encontram·se entre os vivos...E lui mais maneiras de estabeleeerreia90es com os vivos do que peio rearranjo de genealogl~~,

Ha urn dominio dasociedade Suy.! (0 politico na ausencia de palavra melhor)no quiil1iSilcesSa-o";;'.lleran93 .iro inlportantes. Em outros (como os grupos eeri­moniais) eias nao 0 sao. No caso da lideran9a, urn chefe idealmente sueede a seu pai,mas isso e feito sem a legltima9ao do chefe por meio de seus antepassados. Naose acredita que os lideres Suya descendam de deuses ou mesmo de her6is culturais:se duas gera9Gesdeh.omens foram chefes, e 0 bastante em tennos de iegitima¢o.ParacompllWum poucomai$,0 quadro, os Suy:! tem urn tipo de terminologia deparenfesco (chamada terminoiogia de parentesco "omaha", por causa dos indiosOmaha da America do Norte - para descri¢o, ver Schusky i973) que foi ocasio­na1mente associado com a deseendencia patrilinear, (por exempio, Radcliffe-Browni973).

a que faz..m os Suya, que tern foemas de descendencia tao fracas, nurn sim­p6sio sobre linhagem e deseendencia? Em meu titulo ingles "By GO out of Mrica",aponto a exigencia de urn rermamento dos modeios africanos de descendenciaquando usados no Brasil central. Empreguei urn idioma de pecuarista (procriadopar (by) tal garanhaocom (out of) tal eguo) porque creio que al<leoioglade heran­9a, sueessao e deseendencia entre aigumas das tribos brasiloiras 'baseia-se em concei'tos nativos de reia\Xles fisicas e no que feriisido chamado de "filia9ao". as la90sde identidade £isica formam a base cos grupos de parentesco que, em difer.ntessOct.dades, tem diferentes criterios de participa9ao (ver Goodenough i970: 48). .

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Nem todas as sociedades acreditam que uma crian~a e produto da combina­~l(o de urn espermatoz6ide e de urn 6vu1o. Algumas sociedades acham que a mulhercon!!!~!'1.i!.e!l9~. com wuJ\I.ElI!. .PM.il.ll.J~lQ..l<r.!~§ ..~!,Q\ltras71ZCm.H\le .as-rera~essexuais nl(o sll'o essenciais aconeep~o, e que a homem emenos importante na Pro­d.!!~~o d. crlan~. No livro RepensafuJo a Antropologia, Edmund Leach mostrouque as cren~ aeerca da concep~[o varlam amplamente, e formam padroes coeren­tes possiveimente relacionados as regras de deseendencia. !?!!UI'W!l....gsS..2.9tribul!>­tes Msicos para a c."!P9. fisi"".."...a.vida do f~to nast~orias nati~~:§l(oil.qw:!~s~tr!'1.sdos quaIS"as 1it1Iias de deseendlincia sll'o ..mais fortes. Assim, entre os ilheus deTro6ria,;;Clijz:se que 0 homem desempenha uma parte desprezivel e a deseendenciae matrilinear; entre os Lakher, pensa-se que a mulher 000 contrlbui em nada para afeto e a descendencia e.patr.ilinear(~ 1961: 14). A congruencia entre a ideolo­gia de descendencia e a de coneep~o nl(o se confirma em todos as casos nas terrasbaixas da America do Sui. Por exemplo, entre as Desana (Reichel-Domaltoff 1971:61) e as Cubeo (Goldman 1963: 166), pensa-se que a mulher desempenha urn papelimportante embora as sociedades sejam patrilineares e patrilocals. TQd.!!.vi!hEa.ra..Q.sJe "...-Qutros gmposllo..Brasi1.eentral.a bip6tese,de..Le.ache bastante.511~.

Os Suy~~,"l!a!!Ullle.uma..crian~ ecriada·pela acuml.l1a¢o..gradua\..de..se­men no utero de urna mulheL-Alle.l!a§.Ql19.!!!ruu:ontdbJri pua....o...crescimentlLdof!§.,:~§fesil.J!;m<lQJllllis..semen...llQI.nu:iP....de..I~.tidas..Id.ilW.llL~ ..I!!\I!lleEJOrnefeal'e.nas 0 Jecipiente,S\lacoU!rib.ui,aQ fisica se..~ pormeio..da.alimenta¢o depoisd~-'~sc~ento da Crian~a. Urn homem esfregoll seu carpa e disse 'ie tudo semen",enfatizando que seu corpo tinha sido criado por seu pai. Pais, filhos e siblings ple­nos estao Jigados para toda a vida pOI ~osdeidentidlllk.COrii;;r31: N1(9:seacredi.taque maridos e mulheres tenham os mesmos corpas:eles sll'o diferentes, feitos de di­ferentes semens e alimentados por<luerentes mie~.No;;;i;;;;i~:"paraossibling; eseus pais, quando algumacoisa aconteee a urn lie seus cOrPos,Qso1Jtr"!iO~ems-"ratetado's; "espeCiaimente quando os outros sl(o fracos ou dO~!l!l'~.. Por exemplo,qUando alguem tern urn pO infeccionado - inchado e ardendo com a infec¢o - 0

.pai, a ~e, os innaos e irIna's plenos, alem de seus fllhos, evitata'o comer pimenta,sal, a carne avermelhada de deternrinado peixe, au peixe com dentes afiados. Acre­dita-se que, urna vez que partilham basicamente a mesma subst:ineia corporal,quando urn deles come essas couridas quentes, au couridas da cor do fogo (verme­lho), ou a carne do peixe com dentes pontiagudos, as efeitos (0 calor, a pungencia)serao senlidos pelo parente doente. Seu pO ficar~ mais vermelho, mais inchado, e eletenl dares agudas como se 0 dente de peixe estivesse nele. Esses mesmos parentestomarl(o cuidado para nao se cansar demasiado pela mesma razll'o. Essa cren~ est:ina base de muitas restri\Xles alimentares e de alividades: voce lhes'obedeee nao porsi mesmo mas par urn parente pr6ximo.

Julio Melatti e Roberto Da Matta, que encontraram rela\Xles semelhantes en­tre os Krah6 e os Apinaye, chamar!lIla.~.~es la¥os entre parentes pr6ximos "rel~.­

\Xles de substweia" (Melatti 1976; Da Matt'-"19i6fEntre-os}~sefentrlonais, essasi~-es de· "substancia" ou corporais contrastam com as relac;oes cerimoniais eidentidade cerimorrial, que e transuritida com names e 000 envolve restrl,aes ali-

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mentares ou de alividade. As rela",es de nomina9ao sao important~s sob~tudo nopa~io da aldeia e nas cerml6ruas,cls rela96es de substanda sao import~_~~~_p.~s casasr"sidenciais que circundam 0 patio e na vida domestica. . '. ,

. Ha interesSa~tes correla90es entre as ideologias de conccP9ao e a sucessa:o deIideres politjcos entre os Je (ver Quadro 2, Capitulo 5, 1'.121). As duas sociedadeJlque sustentam que apenas 0 pai.!':>r':IlJUJ<rW9lLconsideram, aSlll:es.l4:Ql1.~tlilin~arcOmo ideal;aquelas que acreditarn que ambos os pais C()n\!il>'!~IllJ~m,= ideolo·

0-'"" .-. -.- - •

!lia de sucessao atraves do fIiho da iro][; 0~.!'.llh.6, que teI1J~rrtbaS ..".S, t~orias, naotern qualquer l'r~ferencia registrada por nenhurn dos tiposde,sucessao. As ideolo·gia's'di'conceP9lfo 'que envolvem apenas 0 homem no Brasil central incluem osXavante (Maybury-Lewis, comlmica.,ao pessoal), os Munduruku (com a ajuda deurn her6i cultural, como descrito por Murphy e Murphy· 1974: 102,161), os Kala­palo (Basso 1963: 76) e os Suya. Os Xavante e os Munduruku tern grupos de des­cendencia patrilineares, nos quais a participa.,ao no grupo passa do pal para seusfIihos. A posi9ao do anetu (representante da a1deia) entre os Kalapalo tambem pas­sa de pal para fIiho (mas tambem de mae para filha). Fica evidente que urna cren~

na contribui.,ao masculina exclusiva para 0 feto tern a1go que ver com urna enfaseno grupo social do pal, nao sendo, porem, essa enfasenem extensiva nem multo forte.A natureza exata dos la~s fisicos que se acre\lita haver entre os membrasdeumafa­milia e raramente descrita na literatura e uma compara.,ao exaustiva nao epossive!.

Scheffer (1973) discorre bastante para separar os sistemas de parentesco dossistemas de descendenda - os sistemas de parentesco sao defmidos como egocentri­cos, relacionando individuQs, ao passo que os sistemas de descendencia sio orien­tados pelo ancestral, referindo·se a categorias de pessoas. Embora heuristicarnenteutil, nao creio que uma distin.,ao tao radical soja possivel nas terras baixas da Ame­rica do Sui. 0 "grupo que partilha a mesma substancia" dos Suyli el\Q.Ill~smo tem­po relacionado poi.melo de urn parente comum e e urna categoria. Alem disso,tanto a descendencia - participa9ao em grupos herdada, sucessao e heranw. :=COrrt09 parentescobaSeiam-se numa mesmaid~iasobre 0 que'torna'.s pessoaueme!han·tes. Parece desnecessario estabelecer distin",es a priori entre parentesco e descen·dencia, pois estes podem estar intimamente relacionados pelos significados de al­guns simbolos como as cren9as sobre pracria.,ao e identidadefisica (ver Schneider1968,1969).

as grupgs del'esso.asrelacionadas por "substancia" saO importantes,gropos..socials em multas sociedadesindigenas brasileiras~J:lli~..ll!:upos sao urna.f9rma dep.uentela (gniJlo' de parelltes relacionados a urna dada pessoa), mas 'devNe tomarCilid'ad" especial para especificar os criterios de inclusao. As rela\Xles no..interior ~ogrupo nao sao apenas aquelas de fJlia.,ao (pai-fIiho), mas tiiiribem as de sibling, eosmembras formam grupos sociais defmidos. Certos direitos podem p;,ssar junto coma'substancia biol6gica (como 0 acesso a lideran~).Os llIup{)sque part.il1uun a mesc.ma substancia podem mesmo ser chamados de grupOs de descendencia na medidaem que urn indivfduo nasce nele~ - urn individuo e literalmente criado c"mo mem­bra de urn grupo na sua pr6pria carne, sangue e ossos. Co!!!..'!!gwna. h~~i.!ll~Q,@~.:..rllaria esses grupos de "grupos de descendencia corporal'i"ou "parentela corporal".

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(Naquelas soeiedades em que as rela~es de substancia fisica sll'o importantes

\ na forma~ao de grupos politicos, economicos e sociais, pode-se dizer que os "gru­'\ pos de descendeneia corp6rea" estll'o presentes. Eles deveriam ter as seguintes carae-\ teristicas:I, I. 0 "grupo de descendeneia corp6rea" nll'o precisa controlar propriedade,

herdar bens ou pertencer aos mesmos grupos rituais para ter uma iden­tidade de grupo. Sua identidade "corporada" e uma identidade corporalque pode expressar-se de diversas maneiras. Esses grupos podem ser con­traslados com outros grupos defmidos de modo semefuante ("nosso" gru­po versus "os outros grupos") ou pode a1iar..e com outros atraves de la-90s de "distancia" maio! ou menor ou "sangue mais ou menos comum".

2. A unidade de parenteseo mais importante engloba tres gera~es, a do egoe seus pais e nUlOS. La90S de filia9ll'0 fortes (la90s pai-fI1ho) e de siblings(la90s entre irmll'os) estarll'o presentes.

3. Esse "~po de deseendeneia corporal" nll'o teni normalmente urn ances·tral fundador, porque as rela~es mais importantes sll'o as que se estabele­cem entre os vivos de gera~es adjacentes ou da mesma gera9ll'o. Isso expli­ca a "falta de preocupa9ll'o geneal6gica" que afmnel caracterizar os Suyaquando eles discutem seus ancestrais a!em de duas gera~es.

4. Esses grupos podem ter urna ideologia unilateral (como entre os Suya,onde apenas 0 pai contribui para 0 crescimento do folo) ou varios tiposde ideologia bilateral, com diferen9a8 concomitantes na composi9ll'0 dosgrupos e nas caracteristicas da descendencia, sucessll'o ou heran9a que este­jam presentes. 0 que existe, contudo, deveria seguir a ideologia de concep­9ll'0 e gesta9ll'o nesse tipo de grupo.

5. Onde a linhagem ou a organiza9ll'0 de elll' existem, a participa9ll'o nll'o pre­cisa ser universal, ja que os grupos mais importantes sll'o de menos profun­didade (como, por exemplo, os Sanurna, entre os quais multos indivfduosnll'o fazem parte de uma organiza9ll'0 de 1inhagem [Ramos, 1974a)). Aorganiza9ll'0 de clll' e linhagem nll'o seni importante em tantos domfnios di·ferentes, como 0 e na Africa.

Multo da chamada amorna da organiza9ll'0 social das tribos nas terras baixasda America do Sui pode ser 0 resultado de buscarmos nos lugares errados os concei­tos que organizam os grupos sociais. Em alguns casos, as institui~es da heran9",sucessll'o e deseendeneia podem ter mars a ver com as ideias acerca de rela~es doque com os grupos de descendencia centrados no ancestral caracterfstico de multasoutras partes do mundo. Levi-Strauss, nasMythologiques (Uvi-8trauss 1964, 1971),demonstrou a existeneia de grandes semellian9"s nas mitologias das soeiedades sul­americanas. Talvez haj.. tra90s semelliantes nos principios da forrna9ll'o de grupossociais tambem. E dificil obter dados, e serei grato QQs comentlirios e quaisquer da­dos novos que possam ser obtidos com rela9ll'0 A importancia dos grupos corporaispara uma maior elabora9ll'o deste estudo. Ao menos Para alguns dos grupos do Brasil

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central, a ideologia de procria~o e .de identidade fistca<ie grupos de tndtvJd\l9s 6~ntral plua·uma-com!ireeiisio de sua organtza~ politica 6 social. Nas sociedadesJe, longe da Africa com suas sociedades de linhagens, a perspectiva sobre a naturezados grupos socials 6 bern diferente e requer wna reconstdera~o dos modelos antro­pol6gicos usados na aruilise das sociedadestndlgenas brasileiras.

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APRESENTA<:;Ao

Em 1977, 0 editor do Boletim Informativo e Bibliogni[u:o de Ciencias Sociais,Fernando Uricoechea, pediu a Eduardo Viveiros de Castro e a mim urn ensaio bi­bliognijico a ser utilizado por estudantes que est(fo comefllndo a estudar socieda­des fribais e por especialiJtas de outras dreas. a ensaio que se segue. consideravel­mente limitado por problemas de esparo. foi publicado no segundo nUmero do ci­tado boletim e como suplemento da revista Dados, n'! 16. Acreditamos que esteensaio seja "til e, ao republicd-Io, adicionamos novos itens e incluimos as tradu­fOes em portugues. quando estas exiJtem e incluindo os endere~os de certas enti­dades que editam pub/ic~6es mas niio silo editores comerciais. Gostariamos nova­mente de insistir em que n(/o pretendemos esgotar oassunto: esta Ii urna introdu,(foillitemtum. Info~(fo bibliognijica mais completa pode ser encontrada em outrasfontes, especialmente no terceiro volume da Bibliografia Critica cia Etnologia Brasi­lelra, jd terminada mas necessitando de editor.

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......!

CAPITULO?

PONTOS DE VISTA SOBRE OS INDIOSBRASILEIROS: UM ENSAIO

BIBLIOORAFICO'

A bibliografia sobre as popula90es indigenas brasileiras e nwnerosa e awnentaJapidarnente. Qualquer tentativa de abordar eriticamente toda essa literatura exigi­ria volumes. A consulta dos resumos bibliograficos disponiveis em varias bibliotecas(no Rio de Janeiro: Museu Naeional e Museu do indio) pennite descobrir 0 que foieserito sobre qualquer soeiedade indigena. 0 que n[o e Ucil descobrir, para 0 leigo,e por que wn autor se deu ao trabalbo de escrever 0 que esereveu, e por que alguemquereria ler essas coisas. Este ensaio pretende contextualizar uma parte da bibliogra­fIa recente sobre grupos indigenas.

1. FONTES BASICAS SOBRE OS iNDIOS BRASILEIROS

&istem algumas excelentes fontes bibliogr'fIcas sobre os indios brasileiros.Listas de bibliograIllls j' publicadas encontram-se em "Bibliografia de BibliografiasAntropol6gicas: as Americas" (Gibson 1970); e "Bibliografia das BibliografIas An·tropol6gicas das Americas" (Jaquith 1970);e "Bibliografias EtnognifIcas" (O'Leary1970).

Quem quiser estudar algum assunto especifIco, ou uma tribo em particular,ainda deve come9ar pelo Handbook of South American Indians (Steward 1946·1950), e pela Bibliogra{1fJ Cr(tica da Etnologia Brasileira, vols. 1 e 11, de H. Baldus.o Handbook, embora desatualizado, ainda e util. A obra de Baldus (1954 e 1968) ea fonte bibliognifica mals importante, trazendo cerca de 2.900 referencias comen·tadas. Vma caracteristica valiosa 8[0 seus indices por assunto, por autor e por tribo,que n[o se encontrarn nas outras bibliografias citadas adiante. 0 segundo volume daBibliogra{1fJ foi publicado em 1968 e est. desatualizado; um terceiro volume est!sendo preparado por Thekla Hartmann, da Universidade de 5[0 Paulo. Outra biblio­grafIa util e a de Timothy O'Leary (1963), que cobre toda a America do Sui. Ela

1 Agradecemos as sugestoes dos Professores Roberto Da Matta, Julio Cezar Mclatti c The­kla Hartmann, que lerarn vers6es anteriores do trabalho, mas que 0[0 tern responsabilidades pe·10 resultado final.

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traz apenas indice por tnbo, sem iodica~o separada par autor ou assunto. 0 suple­mento bibliognifico annal publicado pelo Musee de l'Home, Bibliographie America­niste (Guyot 1972), nfo pOde ser consultado pelos autores deste ensaio; maSJackson (1975: 307) <liz que ele ~ born e atua1izado.

Alguns bons ensaios bibliogrMlcos organizam 0 material em lermos hist6ricosou te6ricos. Podemos citar Baldus (1954: "Introdu~o"; 1960; 1968: "Introdu­~a:o"), Fernandes (1956-1957), e urna revisao das etnografias lecentes sobre a Amo­rica do Sul setentrional (Jackson 1975). Este Ultimo trata basicarnente do Brasilsetentrional (Norte arnazOnico), Colombia, Venezuela e Guiana. Thekla Hartmannpublicou urn trabalho sobre a bibliografia alem[ de 1966 a 1976, que trata da Etno­graf"'a brasileira (1977). Fuerst (1972) compilou uma bibliografia sobre ''Problemasda Polltica Indigenista na AmazOnia Brasileira (1957-1972)" que 0 de muita utilida­de nessa questa:o (ver tarnMm Agostioho et alii 1972 e Fuerst e Griinberg 1969).Em domlnios conexos, urn ensaio bibliogrdfico (Magalha:es 1974), e uma "Bibliogra­fIa de Lingtiistica Indigena Brasileira" (Magalha:es 1975) sao iodispensdveis na dreada Liogtiistica. TarnMm 0 Summer Institute of linguistics publica periodicamentesuplementos bibliogrMlcos sobre os trabalhos de seus pesquisadores (indexa~o porlingua estudada). Na Antropologia fisica, 0 trabalho mals geral ainda 0 0 de CastroFaria (1952). Quanto ~ Pro-Hist6ria e ~ Arqueologia, aparentemente nlro M umabibliografIa compreensiva, e 0 leitor deve consultar trabalhos especificos sobre drease temas. Deve consultar, por~m, Simoes (1972).

o mellior livro de cmter geral sobre os indios brasileiros ~, sem dUvida, 0

Indios do Brasil de J. C. Melatli (1972). Trata-5e de urna excelente iotrodu¢o aotema, onde 0 autor discute muitos t6picos de ioteresse tanto para 0 antrop6logoquanto para 0 leigo, desde a pre-hist6ria ate a situa~o atual. Sua linguagem 0 sim­ples, sem tecnicismos, mas na:o 0 superficial.

Vdrias coleUioeas de artigos tern aparecido, permitindo 0 acesso a trabalhosate enta:o dispersos em publica~es obscuras, em tome de temas vanados (ecologia,organiza~o social, religilro); aqui se iocluem as de Schaden (1972,1976), de Gross(1973), de Lyon (1974), de Galva:o (1979) e este volume. 0 livro de Lyon (1974)congrega alguns dos melliores trabalhos e traz uma excelente bibliografia.

Alguns peri6dicos trazem infoffil395es importantes sobre indios. Os maisantigos sao a Revista do Museu Paulista (Slro Paulo), a Revista de Antropologia(Slro Paulo), 0 Boletim do Museu Paraense Eml1io Goeldi (BeMm) e 0 Boletim doMuseu Nacional (Rio de Janeiro). Not:ivel tamMm sao a Sene Antropol6gica, pu­blicada pela Fun<la~lro Universidade de BrasIlia, e as publica~lles do Museu dofndio (Rio de Janeiro). A Funda~o Nacional do fndio, depais de ter encerrado 0

seu lnformativo PUNAl, publica agora a Revista de Atualidade lndigena, bimensal(FUNAI 1977), encontrada em livrarias e bancas de jomal, alom das representa~esda FUNAI. Alom de artigos ilustrados, certos nfuneros trazem urn pequeno artigobibliogrMico que sem bastante Util. No numero 2 (Ano I), por exemplo, M uma!ista de publica~es peri6dicas que 0 mals completa que a que damos aqui.

Nas pdgioas que se seguem, indicaremos os livros ou artigos que tragam biblio­graf13S particularmente ioteressantes para quem estiver ioteressado em t6picos espe-

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cificos. Qualquer bibliografIa - esta por exemplo - esta desatualizada a partir domomento em que foi escrita, de modo que se deve estar atento a trabalbos recentes.Tamb~m neste ensaio niio temos a pretenslio de exaustividade. Visamos introduzirAs diferentes correntes de pensarnento e ao material ja publicado (ou em via de pu­blica¢o) sobre os indios brasileiros. Uma pesquisa profunda e especializada devesempre ir al~m das bibliograf1as publicadas, at~ os manuscritos talvez perdidos emalgum arquivo, e, poI vezes, ate 0 campo.

2.0 ESTADO E OS CNDlOS

Em 1inhas gerais, a politica indigenista brasileira niio apresentou mudan~

bist6ricas concretas. Osci1ou ~ verdade - desde 1500 - entre 0 reconhecimento dodireito indigena a terra, esbo.,mdo tentativa de coibir a explora¢o dos nativos pe­los colonos rnissionarios, e medidas violentamente repressivas, que sustentavarn a~'guerra justa", 0 "descimento" e a escraviza¢'o dos fndios. Mas a tendl!ncia pto~

funda - que se nota tamMm em outros dominios (paoro 1975) - foi a de urn pro­gressivo aurnento do controle estatal sobre a vida dos grupos tribals, mesmo atra­v~s de uma metamorfose que, dividindo 0 trabalbo, deixava aos colonos e as frentesde expanslio a tarefa de eliminar os grupos "rebeldes" ou incomodos.

Ha varias obras que analisarn a legisla9iio e a politica do Estado colonial dian­te das popula\'Oes encontradas pelos portugueses. 0 trabalbo mais extenso, r~lativoao periodo 1500-1760, ~ 0 de J. Hemming (1978). Naud (1970) compUou docu­mentos sobre 0 indio brasileiro de 1500 a 1822, onde se destacam as Cartas R~gias

que orientam a atitude dos colonos diante do gentio. Kieman (1949, 1954) eThomas (1968) esereveram an3lises especifIcas sobre a politica indigenista no perlo­do colonial. Para 0 1m¢rio, Moreira Neto (1971) traz urna excelente documenta­¢o. Esse autor, especia1ista em politica indigenista, tem urn breve trabalbo bist6­rico geral (1967), onde descreve os processos de convergencia e afastamento entre alegisla¢o formal e a prlitica do contato entre indios e brancos.

No come90 do ooculo XX, a luta entre os colonos do Sui do pais e os Kain·gang e Xokleng motivou discussOes acirradas sobre 0 destino dos indios. Cientistascomo Von Thering propunham a elimina¢o dos indigenas (Moreira Neto 1967;Ribeiro 1970: 129). Mas a vislio positivista vitoriosa, dominante no movimento re­publicano, conseguiu a cria¢o. do Servi90 de Prote¢o aos Cndios em 1910, visandogarantir a integridade dos grupos tribals de forma que pudessem espontaneamenteaceder As luzes da civUiza¢o. A Igreja e 0 Estado separam-se, e 0 assistencialismodo SP1 rejeita a catequese. Ribeiro (1962, 1970) apresenta urna hist6ria detalbadada politica indigenista desde a cria9lio do SPI, al~m de urna boa bibliograf'lll nessalIrea (ver Ribeiro 1970:451452).

Oliveira (1947) e Otlivio (1946) compilam e analisarn a legisla¢o brasileirasobre 0 indio, sendo que 0 Ultimo acompanha as mudan9as hist6ricas na defrni9liodo sratus do indio diante do Direito. Arnaud (1973) e Turner (1971a) discutemaspectos da legisla¢o recente, especialmente 0 Estatuto do indin, que pode ser con­sultado em uma publica¢o da FUNAI (1975). Documentos hist6ricos importantesslio as publica\'Oes do Apostolado Positivista do Brasll(I909, 1910a,1910b,1912;

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cf. Ribeiro 1970), que discutem a questiro indigena e a atua'ilfo do SP1 a luz dosprincipios positivistas. Os Anwirios do SPI contem informa~lles detaThadas. 0 Con·selho Nacional de Prote~ao aos indios (1946) 0 uma bibliografia preciosa sobreRondon e os prlrn6rdios do SP!.

Alguns livros de Hist6ria do Brasil trazem infonna~es e analises sobre a rela­'ilfo entre 0 Estado e os indios. P. Carneiro da Cunha (1960), Garcia (1956), Mar·chant (1943), B. de Magalhaes (1935) podem ser citados como os que discutemmais detidarnente 0 tema. Capistrano de Abreu (Abreu 1976) 0 urndoshistoriadoresmais importantes que estudaram 0 periodo colonial, nesse aspecto. Os trabalbosde Fernandes (1960,1963) sobre os Tupinamba discotem aspectos do contato entreos indigenas do litoral e os conqnistadores europeus, alom de trazerem uma copiosabibliografia sobre os primeiros cronistas. Um artigo de Melatti (1977) 0 urna boa in­trodu~ao geral ao assunto.

Ribeiro e Cardoso de Oliveira (1960a, 1968, 1976) discutem extensivarnenteos processos hist6ricos da penetra'ilfo da sociedade nacional nos territ6rios indige­nas (ver adiante, se'ilfo sobre Cultura e Mudan~ Social), em termos da natureza dasfrentes de expansao, e, posteriormente, das modalidades de integrayaO e assinrila­'ilfo dos grupos indigenas a sociedade nacional e sua estrutura de classes. Aruilisesmais detalbadas sobre 0 papel dos Postos Indigenas ou sobre 0 papel do SPI/FUNAIem geral dentro do processo de assinrila~a:o do indio podem ser exarninadas emCardoso de Oliveira (1960b), Ribeiro (1962), Baldus (1962), Soares Diniz (1963),Junqueira (1967), Melatti (1967), Santos (1970), Stauffer (1959/1960) e Carvalho(1979).

A situa'ilfO aloal da politica indigenista brasileita tem sido examinada por lll·gumas publica~1les estrangeiras, especialmente Dostal (1972), Fuerst (1972), Davis(1978), Davis e Mathews (1976), e nas revistas Survival/ntemational Review (Sur­vival International 1975) e IWGLA Documents (IWGIA 1970), e tambom pelaCNBB (1977). A imprensa tem ventilado discussoes (e denlincias) sobre os rumosmais recentes da questao do indio e suas terras, atraves de declara~es do Minis­torio do Interior, da FUNAI, de representantes da Igreja, e dos grupos dveis deapoio as lutas indigenas como as Comisslles Pr6·indio e ANAi. Uma consulta aosarquivos dos peri6dicos 0 indispensavel para 0 exame desses pontos (especialmen­Ie 0 Estado de Sao Paulo, a Folha da Tarde e 0 JomaJ do Brasil). A Revista deCultura Vozes (1976) traz urn ninnero sobre a politica indigenista no Brasil com ar·tigos de antrop6logos, missioruirios e indigenistas. As publica~lles da ComissaoPr6-indio do Rio de Janeiro (Comissao Pr6-indio 1978,1979) tambOm sao fontesimportantes.

3. A IGREJA E OS iNDIOS

Em grande medida, a hist6ria dos indios ap6s 0 descobrimento do Brasil 0 ahist6ria da Companhia de Jesus neste pais. A partir de 1549, com a chegada dosprimeiros missioruirios jesuitas, a colonizacrao do novo continente encontra-se oft­cialmente justificada pela necessidade de conversao do "gentio". Assim, a Igreja

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e 0 Estado portugiWs estiveram profundamente associados no trabalho de redu~o

(em sentido lato) das popula911es indigenas; 0 que nlfo impediu que a Igreja e 0

Estado, quanto ~ questa:o indigena, tenham entrado em conflito inUrneras vezes.o fndio toi, de infcio e sobretudo, urn paglfo. !sso ao mesmo tempo legiti­

mava 0 extermfnio guerreiro dos grupos tribais e exigia 0 trabalho missionario deconvers[o. Tais objetivQs ora convergiam, ora contradiziam-se; para os co1000s, 0trabalho dos missiorulrios era urn estorvo que criava competi~o pela ma:<Hie-obraindfgena. Choques entre civis e missionarios foram constantes na 6poca colonial(por exemplo, a passagem do Padre Vieira pelo Maranhlfo - ver Southey 1962,tomo N). A Coroa portuguesa, por sua vez, ora a1inhava entre os civis, ora entre osmissiorulrios, conforme os grupos de presslfo envolvidos. Neves (I 978) faz urna ex­celente anaIise da ideologia da catequese no Brasil e seus aspectos institucionals ­os a1deamentos, os m6todos pedag6gicos. Metraux (1943) tern urn breve artigo so­bre as misslles jesufticas.

No ooculo XIX, leis e decretos de 1843-1845 autorizavam a vinda dos capu­chinhos para 0 Brasil e displlem sobre a instm~o cfvica e religiosa dos fndios; 0

cargo de Diretor de fndios, abolido em 1798, e reinventado.

Com a cria9lfo do SPI, em meio amare positivista e secularizante da Repu­blica - separa~o entre a Igreja e 0 Estado - 0 Estado defme urna politica que,a16m de permitir a entrada de misslles protestantes, val retirar multo do poder daIgreja sobre os indios - embora nlfo profba sua atividade (0 que quase veio a ocor­rer h:i pouco). Desde enta:o, a atividade missionaria vern perdendo legitimidade ins­titucional, embora se mantenha organizada, sendo capaz de atingir regioes inaces­sfveis ~s agencias estatals.

Atualmente, assistimos a urna radicaliza~o das posi9iies da Igreja e do Esta­do. A CNBB, atraves do Conselbo Indigenista Missiorulrio (CIMI), tern assumido po­si9iies que implicam a defesa dos gmpos indfgenas amea9"dos pelos projetos agro­pecuarios intensivos, em geral com capital estrangeiro, apoiado pelo Estado. AIgreja tern criticado veementemente 0 INCRA, a SUDAM e outros 6rgaos do Ministe­rio do Interior que implementam a polftica de coloniza~o interna. Na verdade, aquesta:o das terras indfgenas - ponto focal das denuncias da Igreja - 6 apenas partede urn problema mals geral, que 6 0 das polfticas de ocupa~o do interior brasilei­1'0. 0 Ministerio do Interior, apesar de vacila911es, persiste em urn projeto de integra­9lfo rapida dos grupos indfgenas ~ sociedade nacional; e contra isso, especialmentenas conseqiiencias fatais que acarretara,levanta-se 0 CIMI, as publica9iies da Comis­slfo Pr6-fndio (1978) e Porantim (I 978).

Nesse panorama, a tarefa missionaria tern sofrido questionamento e redenni­9iies radicals. Em primeiro lugar, h:i correntes dentro da Igreja que, ao rejeitarem osprincipios que orientam a expanslfo capita1ista brasileira, assumem a defesa dassociedades indfgenas enquanto exemplares de uma crescente conscientiza~o dainfliWncia extra-reIigiosa da atividade missionaria; isso, por urn iado, leva a urnamaior sofIstica~o das tecnicas de catequese (adaptar mitos a narrativas bfblicasetc.), mas por outro lado sugere impasses de diffcil solu¢o. 0 postulado - antro-

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pologicamcr,te pouco sustent8vel - de urna compatibilidade intrfnseca entre aideologia cat6lica e as culturas indfgenas procura resolver tal impasse; sugere-se urnaprofundamento antropol6gico do missionario com 0 objetivo de adequar suamensagem ~ cultura indfgena, e estimula-se urn processo de mudan~ social q""encurte 0 caminho. Em outra dire<;A'o, boa parte da atividade da Igreja junto aosgrupos tribais tem-se limitado - oportunamente - a urn trabalbo de base, de cons­cientiza<;A'o dos direitos civis dos fndios e de defesa da integridade flsica e territo­rial desse segmento da popula<;A'o brasileira. Em termos puramente formais, isto e,sem atentarmos para 0 conteudo ideol6gico dos discursos da Igreja atuai, assisti­mos ~ continua<;A'o da luta competitiva entre Igreja e Estado pelo fndio brasileiro,que lan~ ra{zes profundas na hist6ria do Brasil.

Os documentos da Igreja que devem ser consultados para urn exame da posi­<;A'o atuai do problema sKo: 0 Boletim do CIMI, bimensal, que traz uma discussKoprogramAtica e detalbada das questlles da terra indfgena, da atividade da FUNAI;discute tambem a ideologia atuai da catequese e traz urn balan\Xl multo util das re­ferencias aos fndios na imprensa. Sugerimos a leitura do Boletim, Ano 4, nq 13;Ano 5, nq 31; Ano 6, nq 34, e Ano 8, nq 57, para os aspectos te6ricos da nova ca­tequese. "Y-Juca-Pirarna, 0 indio: Aquele que Deve Morrer", urn documento deurgencia assinado por bispos e missionarios sobre 0 problema indfgena, tambem eimportante. Em CNBB (1977) temos urn resumo da posi<;A'o da Igreja quanto aosproblemas da coloniza<;A'o do Brasil.

4. ANTROPOLOGOS E iNDIOS

A Antropologia e 0 estudo comparativo das sociedades humanas; disciplinaque lan9a suas rafzcs no llumiuismo, tomou-se possfvel gra~ Ii expansfo coloulaleuropeia. Uma das observa9lles mais importantes que foram feitas sobre os fndiosbrasileiros, a partir dos estudos antropol6gicos, foi a de que existe uma enormevaria9[0 entre os grupos. Na-o existe urn 56 "fndio brasileiro" (como se cre ate ho­je, gra~s aos manuais de ensino elementar), mas multos grupos diferentes de fndiosbrasileiros, que falam IInguas diversas, possuem adapta9lles tealol6gicas diversas,vivendo em diferentes ambientes, e diferindo radicaimente quanta aos padrlles deocupa<;A'o do territ6rio e ~ organiza<;A'o social, ~ cosmologia, e quanto Ii situa<;A'o decontato com a sociedade brasileira.

o enfoque do interesse dos antrop6logos em sociedades tribois muda. Fernan­des (1956-1957) e Baldus (1968) observam a importancia crescente dos problemasde mudan~ cultural, organiza<;A'o social e religia'o nos estudos sobre os fndios bra'sileiros. Recentemente, outro interesse veio ~ tona: a ecologia do habitat dos fndiose as formas de adapta<;A'o a ela. Novas questlles foram levantadas nas lireas de orga­niza<;A'o social, como a posi<;A'O das mulheres, e da religi[o, como 0 \ISO dos alucin6­genos. Em ambos os casas, 0 motivo do interesse nesses ternas estli claramente asso­ciado a questlles em pauta na sociedade dos investigadores - pois os Indios n[0 mu­daram quanta a isso, enquanto os interesses antropol6gicos.sim, e radicaimente.

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5. MATERIALISMO CULTURAL

Urn livro de Meggers que acaba de ser traduzido - AmazOnia: a ilusa:o de urnpardso -, e que foi multo comentado, ~ urn exemplo do grande mimero de traba­!hos recentes sobre as retal'lles entre 0 homem e 0 meio ambiente. Tals estudosdefendem, em geral, a id~ia de que as possibilidades do ecossistema detenninamcertos tra90s da organizal'llo social e da religill:o de urn grupo. Meggers (1977) repre­senta urn caso-limite dessa posil'llO, e reduz coisas como tamanho da aldeia, restri­I'lles sexuals p6s-parto, aborto, guerra, feiti9"ria e "amor a liberdade" a causas ma­terials. Carneiro (1960, 1961), replicando trabalhos anteriores de Meggers (1954,1957), procura demonstrar que 0 tamanho da aldeia nlio esta determinado pela in­fertilidade dos solos ama:roulcos ou pela agricultura de coivara. Baseando-se em es­tudo detalhado das r09a8 Kuikfuu (Alto-Xingu), mostra que urna aldeia populosapode manter-se na mesrna drea indefinidamente. Assim, tamanho da aldeia e desio­camentos devem ser correlacionados com outros fatores. Al~m disso, afirrna Car­neiro que urn excedente alimentar poderia ser produzido, por esses grupos, semmudan~ tecnol6gica, pois cada individuo traba1ha apenas cerca de duas horas did­rias em sua planta9ll:0 de III/Uldioca. Esse foi tamb~m 0 tema de urn artigo brilhantede Marshall Sah1ins (1978), que reinterpreta 0 material existente para demonstrarque as sociedades "primitivas", "tribais", foram a "primeira sociedade de abund§n~

cia". Bamberger (1967, 1971) tambem afumou haver ~rios erros de avalial'llo daecologia dessas regiOes, que levaram a enganos na interpretal'llo dos principios cau­sals da organizal'llo social. Gross (1975), fazendo urn balan90 da controv~rsia, diraque 0 tamanho, forma e permanencia das povoal'lles, a complexidade social e os pa­drOes de guerra podem variar de acordo com diferen~, nlio da dispoulbilidade de,produtos agricolas, mas de proteina animal que ~ relativamente eseassa na AmazO­nia, em raza:o da ausencia de grandes animais gregdrios. Outros estudos (Ross,1978) sugerem que a cosrnologia e os tabus alimentares estll:o determinados porvarmveis ecol6gicas, e slio 0 resultado de urna adapta9ll:0 do homem aos animalsna regill:o ama:ronica. Reichel-Dohnatoff (1976) sugere que a riqueza simb6lica dacosrnologia dos indios Tukano ~ urn "modelo para a adaptal'llo ecol6gica" e expri­me a precisa consciencia dos indios quanta anecessidade de norrnas adaptativas.Tanto Gross (1975) quanta Ross (1978) e Jackson (1975) fomecem boas biblio­graflllS para os que se interessam por esses t6picos.

A maloria dos trabalhos que seguem essa oriental'llo procura reduzir a cultu­Ia - parentesco, casamento, residencia, e mesmo 0 simbolismo, a mitologia e a Ie­ligill:o - as condil'lles materials em que se encontram as sociedades estudadas. Aarticulal'llo proposta ~, em geral, simples e uuidirecional; nll:o se levam multo emconta os tipos de varial'llo observados (dentro do mesmo habitat), e tampouco hdurna teorla explicita sobre a natureza da sociedade - aI~m da nol'llo d~ adaptal'lloecol6giea. Outros autores tem demonstrado que ininneros fatores concorrem paraas mudan~s de aldeia e de r09a8 (ver especialmente Butt 1970).

Urn dos resultados positivos desses novos interesses, por~m, ~ que a pobrezados estudos sobre 0 uso indigerta do meio ambiente - caracteristica das d~eadas

passadas (urna das poucas excel'lles ~ Ribeiro 1955) - deu lugar a urn born nlimero

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de an3lises detalhadas (Carneiro 1960, 1961, 1970; Silverwood-Cope 1972; e Smole1976, que traz uma bibliografla razoavel).

6. ORGANlZAI;AO SOCIAL

Os antrop6logos estudam as fonnas de organiza¢o social - entre elas os sis­temas de parentesco - a fun de responder a algumas questlles fundamentais. Entreestas, estio: Qual a natureza das sociedades tribais? Que principios as organizam?Como elas se mantem historicamente? Quais as varia~es estruturais capazes de se­rem estabelecidas entre essas sociedades? Como mudam essas sociedades?

Um dos focos dos estudos de organiza¢o social ~ a descri¢o e amllise dossistemas de parentesco. A preocupa¢o com a natureza e a importancia da famniapode ser remetida aos prim6rdios da Antropologia. Assim, enquanto 0 parenteseoe a famnia euro¢ia nessa ~poca pareciam estar amea~dos pelo desenvolvimentoda sociedade industrial, as descri~s dos viajantes etn6grafos sub1inhavam a domi­nincia dos la90s de parentesco na organiza¢o das sociedades tribais. a parentescoaparecia em qualquer dominio da vida social- economia, politica, mitologia, ritual.Isso, evidentemente, levou a Antropologia a concentrar seus esfor90s no estudo danatureza dos la90s de parentesco.

Tal enfase no parentesco e na organiza9ao social talvez intrigue 0 leigo, e 0 de­sencoraje. Mas a preocupa¢o subjacente e com os principios gerais de organiza9aodas sociedades·e, por essa via, os Indios brasileiros estao sendo comparados comsociedades de outros pontos do planeta. Algumas das principais etnografias sobreos indios brasileiros tratam especificamente de parentesco (Galvao 1953; Murphy1960; Maybury-Lewis 1967; Rivi~re 1960; Melatti 1970; Basso 1973; Da Matta1976; Vidal 1977).

As sociedades indlgenas brasileiras diferem radicalmente, em termos de Olga­niza9ao social, das sociedades da Melan~sia ou da Africa, que serviram de matrizpara 0 desenvolvimento te6rico da Antropologia, junto com os exemplos chissicosda Antigiiidade. Assim, a experiencia da Am~rica do Sullevou ao questionamentode certos conceitos de organiza¢o social desenvolvidos a partir da experiencia comas sociedades grega, romana, e da Africa. Isso aconteceu com os conceitos de '1inha­gem" e residencia elaborados por Radcliffe-Brown (1973). Uma sociedade era con·siderada mais "estivel" ou "harmdnica" se 0 local da residencia p6s·marital eracompativel com a forma de descendencia. Qualquer outro arranjo seria "desarmo­nico" e, sobretudo, raro. Mas na Am~rica do Sui, especialmente no Brasil, sao muitocomuns os casos de "sistemas desarmonicos". V~rias explica~es foram sugeridaspara esse fenOmeno: algumas ap6iam..e na teoria tradicional da 1inhagem (Murphy1956, 1960); outras criticaram tais principios (Ramos 1974b; Seeger, Capitulo 6deste volume; Kracke 1976). Acresce que muitas sociedades foram "descobertas"(tamMm no Brasil, entre outros 1ugares) onde a 1inhagem nao ~ 0 principio organi­zador; os indivlduos ligam-se ao pai e amae de formas complexas e variadas (Schef­fler e Lounsbury 1971; W. Shapiro 1968; Ramos 1974b; Da Matta 1976). Muitassociedades que se acreditava possulrem linhagens, pOl terem sido descritas por et­n6grafos influenciados pelos modelos africanos, foram reinterpretadas (Da Matta

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1968,1976; Seeger 1975; Seeger, Da Matta & Viveiros de Castro 1979). Em muitassociedades, a nomina~o 0 wn principio muito iroportante na atribui~o da identi­dade social dos individuos - rnais do que a descendencia (Melatti 1968; Lave 1969;Ramos 1973; Viertler 1976). Em outra dire~o, a aparente "flexibilidade" dos sis­temas sociais - a nao-adesll'o a principios rigidos como linhagem ou descendencia ­levou a uma busca de outros principios organizacionais, como 0 grupo de substan­cia (Da Matta 1976; Viveiros de Castro 1977; Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro1979), ou a analises dos processos e .stratogias da tomada de decisOes (Basso 1970).o XLII Congresso Internacional de Arnericanistas, realizado em Paris em 1976, foicenario de ocasia'o para muita discussao desses aspectos da organiza~o social dassociedades indlgenas, publicados no segundo volwne dos Actes dessa reunia'o(SociHo des Arnoricanistes 1977).

Outra frrme suposi~o sobre a natureza da soeiedade, que consistia em adroi­tir que a intera9ao social entre seres humanos seria rnais "real" (ou diferente) que osprocessos ideativos, tambOm foi posta em questao a partir dos dados sul-americanos.Importante aqui 0 0 debate entre Levi-Strauss e Maybury-Lewis (Levi-Strauss1956, 1960; Maybury-Lewis 1960). Essas questOos foram desenvolvidas posterior­mente por Maybury-Lewis (1967), Melatti (1971), Da Matta (1976) e Seeger(1974), entre outros.

No decorrer das discussOes sobre organiza9ao soeial e parentesco, algwnas so­ciedades brasileiras tornaram-se famosas na Antropologia, especialmente os Je eBororo do llrasil central. Tais soeiedades, extremamente complexas, utilizando umamultiplicidade de principios para a forma9ao de grupos, possuem wna organiza~o

social notaveiroente elaborada, em compara9ao com seus vizinhos da floresta tropi­cal, alom de urna vida ceriroonial organizada em eiclos longos. Trabalhos pioneirosincluem Nimuendaju (1939, 1942, 1946) e Colbacchini e Albisetti (1942). Levi­Strauss (1952) sugeriu que eles fossem reestudados, pois 0 material de Nirouendajucolocava problemas para a teoria dos sistemas de casamento proposta por Levi­Strauss (1976). Essa tarefa foi empreendida por Maybury-Lewis (1967) e por disei­pulos seus (T. Turner 1966; C. Crocker 1969, 1971; Melatti 1971, 1975,1978, de­mais referenclas; Lave 1967, 1971; e Da Matta 1968, 1976). Outros antrop610gosproduziram trabafuos iroportantes sobre os 10 como Vidal (1977), W. Crocker(1971), Seeger (1974) e Carneiro da Cunha(1978,1979);ver tambom Wagley (1977)sobre os Tapirap<!. Os grupos de lingua 10 tornaram-se exemplares, tanto no que dizrespeito as contribui¢es sul-americanas a Antropologia, quanto na elabora9ao dehip6teses sobre a natureza das soeiedades em geral. As publica¢es recentes noBrasil (Da Matta 1976; Viertler 1976; Vidal 1977; Carneiro da. Cunha 1978; eMelatti 1978) e no exterior (Maybury-lewis no prelo; Da Matta no prelo), divul­gando materiais ate entao apenas mimeografados, produzirao mudan9"s iroportan­tes na Antropologia brasileira.

Como a maioria dos antrop6logos que estudaram os indios brasileiros era dosexo masculino, surgiu a suspeita de que eles desprezaram urn aspecto vital da orga­niza~o dessas sociedades - 0 papel das mutheres. Algumas tentativas de corrigiresse preconceito foram empreeodidas por Murphy e Murphy (1974), e outros

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(Bamberger 1971; Shapiro 1972). Vdrias pesquisas em andamento focalizam esseassunto. Alguns ensaios sobre comportamento sexual e intimidade levaram igual-_mente d reco10ca9irO de algwnas posi0es (W. Crocker 1964; Basso 1973; Gregor1973,1974,1978; Ramos 1979).

Alguns trabalhos recentes chamam aten¢o parl[ 0 significado social e simb6­lico de certos paptHs centrais nas sociedades tribais do continente: 0 xama, 0 "fei­ticeiro", 0 "chefe", 0 lider faccional. A literatura sobre 0 xamanismo sul·americano~ vasta; Baldus (1965-6) apresenta sugestGes de pesquisas sobre esse tema, al~m

de wna bibliografm por regia:o etnogrdfica. AlgufiUlS monografias sobre religiiro(pock 1963) ou gerais (GoldllUln 1963; Crocker 1967; Harner 1972; Basso 1973)apresentam boas informa0es sobre 0 xamanismo, situando-o dentro do repert6riode pa¢is, analisando os diferentes tipos de especialistas ,xamir, curador, lierbalista).Metraux (1944) Barandiacln (1962), Butt (1962), Miinzel (1971), Harner (1963)~ Kensinger (1974) podem ser citados quanto a ensaios especificos sobre 0 tema,al~m do livro de Reichel-DoinUltoff (1975) que discorre sobre 0 uso xamanfsticodos alucin6genos entre os Tukano. Hamer (1973) organizou wna coletanea interes­sante sobre xamanismo e alucin6genos. Butt (1965-6) e Dole (1973) trazem contri­bui9Ges sobre 0 papel politico legal do xamanismo, em termos de controle social.Baldus (1964) analisa os efeitos da acultura9iro sobre 0 xafiUlnismo Tapira¢.Me1atti (1970) correlaciona os xamils Krah6 e a mitologia, sugerindo a no¢o de"mito individual" para explicar as narrativas xamanfsticas. Apesar de inumeras dife­rengas, parecem existir certos temas recorrentes no xamanismo sui-americana, comoo uso intensivo do tabaco, a rela¢o com esplritos animais. Em tennos de enfoquete6rico geral, os trabalhos de Levi'Strauss(1949a e 1949b) sobre a "eficicia simb6­lica" sao fundamentais.

Seeger (neste volwne) compara 0 especialista ritual Suyd com 0 chefe, em ter­mos de urn dualismo caracteristico das sociedades J~. Em outra dire~iro, P. Clastres(1978) vai comparar os profetas Tup,-Guarani com os chefes. Neste ponto, surgemas questGes ligadas d questlro da autoridade politica: a Am~rica apresenta problemasinteressantes para a Antropologia politica, wna vez que aqui se encontram inumerassociedades onde 0 papel de "chefe" nlro correspondia absolutamente ds n00es deautoridade e poder tipicas do Ocidente. P. Clastres (1978) defende a tese de quetais sociedades recusam explicitamente a id~ia de poder, colocando-a como elemen­to da Natureza no seio da Cultura. a papel ambfguo, liminar, dos representantestribais (tenno mais apropriado que "chefe"), com efeito, parece ser caracteristicodas sociedades do- continente {altiplano excetuado). Levi·Strauss (1967) escreveuwn ensaio famoso sobre a chefm entre os Nambikwara, que apresenta algufiUlSid~ias Msicas a esse respeito. Urn importante trabalho recente examina os aspectossocials e psicol6gicos de poder politico com umgrupo Tupi (Kracke 1979). OliveiraFilho'(1977) discute faC0es Tiikuna no contexto do contato desse grupo com asociedade nacional.

a trabalho de Maybury·Lewis sobre os Xavante (1967) oferece wna impor­tante contribui¢o ao estudo do faccionalismo e da chefia. Nele siro analisados 0

papel do chefe grupal em suas rela0es com a lideran9a faceional, caracterizada pela

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ambigiiidade lllItre fWl9!o representativa e fWl~o de lideran~. Basso (1973) desen­wive para os Kalapalo (A1to-Xingu) essas relal'lles entre chena e faccionalismo ­em urn sistema onde 0 representativo grupal fWiciona como mediador cerimonialentre sua aldeia e as outras da ·regiao. Gregor (1978) esereveu 0 que representa amais interessante contribui9!o recente Aetnograf18 do A1to.Xingu, e contribui paraessa discuss4'o. Embora pare~ assim ser posslvel distinguir entre 0 representantetribal, slmbolo da unidade e identidade do grupo (com atribuil'lles, em 61tinJa ana­lise, rituais) e 0 llder faccional, ern muitas soeiedades esses pa¢is se confundem,""illO nos grupos Kayap6 (Turner 19M, que discute minuciosamente 0 facciona·1ismo).

Os estudos sobre a vida polltica nas sociedades sul·americanas incluem traba·lhos sobre a atividade guerreira (Fernandes 1971 para os Tupinamba; para soeie­dades atuais, ver Hamer 1972; Chagnon 1968a, 1968b), facciona1ismo e acusal'llesde feiti~. A1gumas regilles apresentam urn panorama mais comp1exo, onde co·m~reio, intercasamentos e vida ritual ligam vlirios grupos em um Unico sistema ­casos do A1to-Xingu e do Noroeste llJJllIZOnico.

o estudo do faccionalismo (inter ou intra,a\deia) pennite AAntropologia e..capar As vislles idilicas de um consenso pacifico e universal entre os mernbros de urngrupo indlgena: e as acusa~ de feiti~a surgern como tema relevante, uma vezque slo 0 idioma basico na veicu!a9!o de lutas faceionais. Maybury-Lewis (1967),T. Turner (1966), Da Matta (1976) e Seeger (neste volume) discutem feiti~a efaccionalismo entre os grupos Je, pennitindo uma compara9!o controlada interes·san~e; Rivi~re (1970) compara os tipos de acusa9!0 de feiti~a e a estrutura poliotica dos Trio e Xavante. Vma refereneia te6rica para 0 estudo das acusa<;(les de fei·ti~ slo as obras de M. Douglas (1966, 1970).

7. RELIGIAO E COSMOLOGIA

Muitos autores tratam de aspectos religiosos da vida dos Indios brasileiros (verBaldus 1954, 1968, no indice por aSSWIto). Jll no s~culo XX, algumas obras podemser consideradas importantes como Etnografla religiosa: Nimuendaju (1914) .,stu·dou a religillo e 0 profetismo de um grupo Guarani, ern tim trabalho cIassico;Metraux (1928) compilou os dados dos cronistas sobre a religia:o dos Tupinambll;H. Clastres (1978) discute os movimentos messiAnicos desses grupos; Ribeiro (1950)estuda a religillo e mitologia dos Kadiw~u. Devemos mencionar tam~m os traba·lhos de Capistrano de Abreu (ver Abreu 1914, sobre a llngua e cosmologia dosKaxinaua; e Abreu 1895, sobre llngua e cosmologia Bakalri).

Vma das regilles mais ricas para 0 estudo da religillo e simbolismo ~ 0 NolOe..te amazOnico. Trata·se de uma area densamente povoada, onde grupos diferentesintercasaram e geraram uma situa~o multilingiilstica; todos oles possuem uma vidacerimol1ial e artlstica altamente elaborada. As melhores analises publicadas sobre aorganiza9a:o soeial e a cosmologia da regiEo slo as de Koch·Grunberg (1917) e, maisrecentemente, Goldman (1963); hll pouco, Goldman (1977) exprimiu algumas reoservas quanta a seus eseritos anteriores sobre os Cubeo. Mais acesslvel, mas na:o taoborn, ~ BrUzzi (1962). Reichel·Dolmatoff fez uma deseri9!o excelente da cosmolo·

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gia dos Tukano (1968), "alguns trabalhos imeressantes come~am a surgir, baseadosem pesquisa. intensiva (Hugh-Jones 1974; cf. tamb~m a pesquisa em curso deMe1atti e Melatti sobre os Marubo [1975]). Outros grupos do Norte do pais tamb~mforam rapidamente descritos em termos de cosmologia (Chagnon 1968a para osYanomamo). A concepyao do cosmos como disposto em camadas superpostas, pre­sente entre os YanomamQ e Marubo (para citarmos dois grupos muito diferentes), ~

interessante, e impOe-se um estudo mais detalhado sobre 0 assunto.Os indios brasileiros apresentam grande variayao em sua vida religiosa, assirn

como em todos os demais aspectos culturais. Enquanto a cosmo10gia do Noroesteamaronico apresenta urn simbolismo rico e urn xamanismo desenvolvido, a cosmo­logia dos grupos Je do Brasil central estli muito mais claramente ligada aorganiza­~ao social - uma ~rea de considemvel complexidade, como j~ foi mencionado. Tal·vez por essa raz[o, os Je tern sido usados para se drmonstrar a relayao intima entreestrutura social e sistemas de cren~a (Da Matta 1976; Maybury-Lewis 1967; Seeger1974; Carneiro da Cunha 1978).

As analises da mitologia sui-americana feitas por Uvi-Strauss (1964, 1966,1968, 1971) revolucionaram 0 estudo da mitologia e cosmologia dos indios brasi­leiros, por suas hip6teses e genera1izal'6es fecundas. Elas frustraram tamb~m muitosantrop6logos (Maybury-Lewis 1969 faz um balan~ util); mas 0 resultado gera! pa­rece ter sido positivo. A con"wta aos trabalhos de Uvi-Strauss ~ indispe~vel parao entendirnento desses asp~ctos da cultura dos indios do Brasil.

Numerosas .sao as coletaneas de mitos sul-americanos (ver Baldus 1954,1968). Dentre as mais recentes e acessiveis, estao ados irmaos Villas Boas (1970)e Agostinho (1974a) para 0 Xingu, e Lu1<esch (1969) para os Kayap6. Giaccaria eHeide (1975) compilam mitos e narrativas Xavante. 0 problema da maioiia dascoletaneas de textos milicos ~ terem sido elaboradas a partir de narrativas na linguade contato (portugues), raramente na lingua nativa. Muitas vezes, e1as resumem 0que foi realmente dito pe10s indios, ou reeserevem integralmente 0 material- quan·do 11[0 censuram passagens escatol6gicas. Necessariamente, adaptam o·estilo oralao escrito; isso reduz sua utilidade como documento, e tira dos mitos muito de suavitalidade, evidente para quem quer que tenba ouvido urn indio conlar e represen­tar urn mito em sua lingua nativa: arte dificilmente captlivel pe1a p~gina impressa.Existem algumas boas coletlineas, especialmente a de Monod-Becquelin (1975)para mitos Trumai. Algumas boas aruilises, inspiradas em Uvi-Strauss, foram feitas(Da Matta 1970; Laraia 1970); outras preferiram focalizar a relayao entre mito emovimentos religiosos (Melatti 1972; Carneiro da Cunha 1973).

Os estudos de ritual sao mais raros, embora muitas etnografias tragam descri­~Oes - por vezes detalhadas, como em Nirnuendaju (1946). A analise do Kwarupxinguano feita por Agostinbo (1974a) e a monografia de Melatti sobre os rituaisKrah6 (1978) - ver tam~m Vidal (1977) - sao exce1entes.

Boa parte da literatura recente sobre religia:o trata do usa de dragas alucin6­genas entre os grupos tribais da regiao amazonica. m tres coletlineas de artigos so­bre 0 assunto (Coelho 1976; Furst 1972; Hamer 1973a). Alguns livros tratam 0 as­sonto em profundidade (Reichel·Doirnatoff 1975; Hamer 1972; Dobkin de Rios

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1972). Reichel·Dolmatoff discute em detallie os docurnentos hist6ricos sobre 0 usoda Banisteriopsis Caapi (ayabuasca, yage, caapi), e descreve sua pr6pria experienciacom droga, entre os indios Tukano. 0 mesmo faz Hamer (1973a) com os Jivaro;uma compara<;lfo desses dois e muito interessante. Os Jivaro bolivianos parecem Ie·var essa pratica ao limite, uma vez que "a vida norma!, da vigilia... e simplesmenteuma 'mentira' ou ilusao, enquanto as verdadeiras for~s que determinam os rename­nos sao sobrenaturais e 86 podem ser vistas e manipuladas por meio do usa das dro­gas a!ucin6genas" (Hamer 1972: 16). De qualquer modo, os a!ucin6genos desempe·nham urn papel centra! na cosmologia dos grupos amazOnicos. Alguns dos trabalhosdisponiveis tratam da farmacologia dos vegetais empregados (Schultz 1962; Wassen1976a e 1976b); outros descrevem etnograficamente a organizayao socia! <jas ses·sOes e dos transes provocados pelas drogas (Harner 1973; Kensinger 1973). Algunsautores sugerem a possibilidade de uma universa!idade dos simbolos e da experien·cia do transe a!ucinogenico (Reichel·Dolmatoff 1972; Harner 1973b; Naranjo 1973;La Barre 1972).

E dificil separar a "arte" dos outros dominios, em qualquer sociedade indige·na. A pintura corporal, par exemplo, e"arte", mas etambem cerimonial. cosmolo­gia (religiosa), e pode estar associada il hierarquia e il classifica<;lfo socia!. 0 mesmopode ser dito da arquitetura, da construyao de artefatos, e de desenhos em rochasou arvores. 0 que poderia ser chamado de arte, assim, e freqiientemente objeto dediscussao em trabalhos voltados para outros temas. Algumas fontes, porem, tratamem profundidade a questao. S6 podemos citar umas poucas; a maioria pode serencontrada na bibliografia de Ba!dus; para urn enfoque te6rico gera!, ver Otten(1971 ).

A arte indigena era uma preocupa<;lfo centra! de Steinen (1886, 1894). Levi·Strauss analisou a pintura facia! Kadiweu (1944-5; 1955); muitas informay<5es sobreesse grupo, nesse aspecto, podem ser encontradas em Boggiani (1945, reeditado reocentemente). Nas Mythologiques de Levi·Strauss (1964,1966,1968,1971) surgeminumeras sugestoes sobre 0 simbolismo e a arte dos indios sul·americanos (cf.,por exemplo, a analise do cromatismo, em Le ern et Ie cuit). Darcy e Berta Ribeiroescreveram urna monografia magistra! sobre a arte plumaria dos Urubu·Kaapor(1957). Irving Goldman (1963) e Reichel·Dolmatoff (1967) ana!isaram os simbolosgravados na rocha na regiao do Noroeste amaz6nico. Reichel·Dolmatoff elabora, emtrabalhos posteriores, sua analise do simbolismo (1968, 1974, 1975). Castro Faria(1 959b) ana!isou a representa<;lfo em ceramica das figuras humanas " animais.Fenelon Costa (1959, 1968) ana!isou a arte e 0 artista na sociedade Karaja; ela cole·tou, tambem (especialmente no A1to.Xingu), mllitos desenhos, fornecendo aos in·dios papel e tintas. Os desenhos podem ser de mllito interesse (embora feitos atravesde urna tecnica pouco familiar), sobretudo para 0 exame de aspectos da cosmologiados grupos em questao (Fenelon Costa, 1976). Alguns indios tornaram·se artistasconhecidos pela sociedade brasileira, produzindo obras expostas em galerias de arte(por exemplo, 0 Trumai Amati).

A venda de artesanato tern sido importante fonte de renda de varios gruposindigenas, como resultado de modificayoes tanto naorganiza<;lfo socia! de produ·

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yio quanta nos artefatos produzidos. Graburn (1976) ~ urna boa coletilnea de tra­balhos sobre esse fenOmeno; Aspelin (1975) apresenta urn minucioso 'estudo da or­ganizayio de trabalho e produyio de artefatos entre urn grupo Nambikwara.

A importancia da mUsica na vida cerimonial dos indios brasileiros tern sidofreqiientemente esquecida; s6 ha pouco a etnomusicologia tern sido levada a Sl!rio.lmportantes trabalhos nessa ~rea sa'o Cameu (1977), que trata da milsica indigenaem geral; Aytai (1976) para a musica Xavante; Bastos (1978) sobre 0 sistema sono­ro Kamayur~; Dobkin de Rios e Katz (1975) sobre a importancia da milsica no ri­tual alucinogeDieo; e Seeger (Capitulo 4 deste volume e 19·77a) sobre a relayio entreestrutura musical e cosmol6gica entre os Suy~.

8. CONTATO E MUDANc;A CULTURAL

Embora os antrop6logos tendam a estudar sociedades indigenas individuals ese utilizem de urn referencial hist6rico bastante raso (nll'o existem dados esentossobre inumeros grupos), essas sociedades mantiveram contato entre si - guerra, co­m~rcio, alian~ - e efetuaram emprestimos culturais consider~veis. As sociedadesindigenas nll'o sa'o eSlaticas, mas dinamicas. As fontes desse dinamismo, ademais,nll'o resultam apenas de fatores externos, mas de processos inerentes i pr6pria es­trutura social e aos mecanismos adaptativos da sociedade.

o primeiro contato dos brancos com urna sociedade indigena pode tomaruma variedade de formas. 0 ftime de Adrian Cowell (Uma Tribo que se Escondedo Homem) e 0 livro do mesmo n.ome (Cowell 1974) ~ uma certa iMia do que ~

urna expedi~lo de pacificayio da FUNAI. 0 despovoamento que imediatamente se­gue 0 contato, provocado por epidemias, causa profundas mudan~ na organiza­yio social (Laraia 1963; Wagley 1940, 1977); 0 grupo pode ser abandonado depoisda "pacificayiO" (Moreira Neto 1960) e dizimado por doen~ ou alcoolismo. Mu­dan~s tecnol6gicas importantes tamb6m ocorrem, embora elas tenham sido me­llior estudadas fora do Brasil. Schaden (1969) faz urna importante contribui~lo

geral aos estudos da aeulturayio e cont~m urna boa bibliografia.Os efeitos do contato com os brancos nlo sa'Q apenas fisicos ou tecnol6gicos;

provocam mudan~ ao nivel da religilo, da ideologia, e da auto-imagem (identi­dade ~tnica, tribal, pessoal). Da Matta (1970) analisa 0 mito Apinay~ de origemdo homem branco, e demonstra como ele se constitui em urn esfor~ de explica­yio feito pelos Apinay~ sobre sua situa~lo atual. Na mesma regill'o - 0 Tocan­tins - houve wrios movimentos messianicos, organizados a partir de urn simbo­lismo coerente com a mitologia do grupo (Carneiro da Cunha 1973). Esses movi­mentos foram descritos por W. Crocker (1967) e por Melatti (1972). as movi­mentos messianicos slo particularmente interessantes para 0 estudo das formas deelaborayio do contato pelos grupos tribais, e ha muitos casos no Brasil (Schaden1969; M. V. de Queiroz 1963). Eles parecern ser uma tentativa de reagir as pressOesda domina~lo branca atrav~s da criayio de uma nova realidade. Pereira de Queiroz(1965) escreveu uma anilise geral sobre os movimentos messianicos.

No estuclo dos efeitos da invasa'o da sociedade brasileira nos territ6rios e nasociedade indigena, a Antropologia brasileira legou contribui¢es importantes 11

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ci!ncia. 0 efeito geral do contato brancos-indios tern sido 0 exterminio fisico ecultural dos segundos, mas nlio M uniformidade. A melhor introdu",o ao assunto~ Ribeiro (1957). Esse artigo ~ indispensavel a quem quer que deseje tomar conhe­cimento do "problema" indigena no Brasil. Muitas id~ias apresentadas nesse traba­lho foram elaboradas em trabalho posterior (Ribeiro 1970).

o melhor trabalho geral sobre a situal'lio atual dos grupos indigenas perantea sociedade nacional ~ Davis (1978), onde ele discute os efeitos do grande inves­timento do capital no interior do pais sobre as populal'lles indigenas. Os dados nu­m~ricos estlfo atualizados em urna oorie de docurnentos. Dostal (1972) ~ urna ex­celente coletanea; possui urna boa bibliografIa, embora a melhor esteja em Fuerst(1972), que cobre 0 periodo de 1957 a 1972. 0 relat6rio de Brooks et al. (1973)traz algurnas informal'lles uteis. Narrativas mals jornalisticas sobre a situa",o atualdos Indios incluem Hanbury-Tennyson (1973), que indica 0 contraste radical entreos saud:iveis e orgulhosos Indios do Parque Nacional do Xingu e a miooria vista emoutras regilles. Bodard (1971) ~ mals sensacionalista, e nlio t[o preciso quantoDostal (1972) asslm como Mariins (1978). Jaulin (1970) causa impacto nos leitoresestrangeiros. Algumas publical'lles do International Work Group of IndigenousAffairs (IWGIA 1971) analisam situal'lles tribais especifIcas e sugerem pollticasconcretas. Docurnento nq 37 (Ramos e Taylor 1979) ~ sobre os Yanoama e a ne­cessidade de cria",o de urna reserva finica para esse grupo. Survival International(1975) tern trabaihos relevantes. Em CNBB (1977) encontram-se tamMm algumasinformal'lles.

Na analise do contato inter~tnico, fIcou claro que nlio s6 cada sociedade indi­gena ~ diferente da outra, mas cada urna defronta-se com situal'lles especifIcas nocontato. Essa varia",o deve-se ao tipo de frente de expanslfo (Ribeiro 1957,1970),mas tamMm ao tipo de recursos de que displlem os indios. Os Gavilles do Para,possuidores de vastos castanhais, controlam parcialmente urn recurso econ6micoinacessivel a outros grupos, expropriados de cada palmo de terra que urn dia possui­ram. Seeger e Viveiros de Castro (1979) discutem a questlio geral de terras e territ6­rios indigenas. Roberto Cardoso de Oliveira fez importantes contribuil'0es te6ricase empiricas ao estudo das situay6es de "fric~o inten!tnica"; esse autor critica asteorias de acultura",o e procura mostrar a vigencia de urn sistema social de domi­nal'lio que se estabelece entre brancos e indios, caracterizado pelo antagonismode interesses epela excluslfo. recfproca das vislles do mundo (Cardoso de Oliveira1960a, 1964, 1968). Moreira Neto (1960) tamMm contribuiu nessa area. Cardosode Oliveira orientou varios estudos sobre situal'lles especificas de contato (Laraiae Da Matta 1967 e 1979, Melatti 1967, Santos 1973, Oliveira Filbo 1977, entre ou­tros). Junqueira (1973) e Viertler (1969) discutem alguns tral'os da situa",o noParque Nacional do Xingu, asslm como Seeger (no prela-a) discute a rela",o dosSuya com as sociedades do Alto-Xingu antes e depois da sua pacifIcal'lio. Carvalhoestuda a hist6ria de contato dos Terena (Carvalho 1979).

Os processos hist6ricos de contato decorrentes da expanslfo brasileira sofreminflexoes especifIcas de acordo com as instituil'lles em competi",o que atuam dire­tamente na area do contato. Essas instituil'lles, atrav~s de seus agentes, .slfo manipu-

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ladas pelos indios, que tem seus pr6prios objetivos, diferentes dos de cada institui·¢o. Entre elas, a principal e a FUNAI (antigo SPI), atraves dos Postos Indigenas,cuja influencia foi estudada por Cardoso de Oliveira (l960b), Junqueira (1973),Santos (1970) e Tavener (1973); ver tambem Ribeiro (1970). Outra institui¢o,ainda nao sistematicamente estudada, sao as miss5es: ver Baldus (1964), Bonilla(1972), Butt (1960), Miller (1970), Reichel·Dolmatoff (1972). A educal'aO e ou·tro tipo de influencia, estudada por Santos (1976). Embora a1gum trabalho tenhasido feito sobre 0 papel da FUNAI e das missDes, ainda nao se sabe muito sobreisso, embora 0 impacto dessas agencias sabre indios recem-contatados seja muitogrande. Os efeitos da presenl'a do antrop6logo tambem foram pouco estudados.

Essas institui96es, bern como as segmentos da sociedade nacional presentesnas frentes de expansa'o, definem campos sociais onde se constituem as identidadesetnicas. Cardoso de Oliveira dedicou·se a esse tema (ver especialmente 1976), e DaMatta apresentou urn trabalho interessante (1976b).

A iniciativa do Govemo de "emancipar" as indios, com 0 efeito de tirar assuas garantias constitucionais a terra e aassistencia, surgiu em 1978 e [oi urn as­sunto muito debatido na imprensa e em outros meios, tanto pelos antrop6logosquanto pelos grupos de apoio ao indio que se organizaram em volta dessa amea,ajuridica ~ integridade dos grupos indigenas (grupos como a Associal'ao Nacionalde Apoio ao fndio - ANN - e Comisstles Pr6.fndio). Importantes para entenderessa discLlssao sao Agostinho (no prelo) e varios nilmeros do Boletim do CIMI(CIMI 1972). A situal'ao juridica dos indios apresenta muitas dificuidades, e vaiconstituir LIma area importante de investiga¢o (ver Agostinho 1978) embora hajapoucas coisas escritas ate agora.

9. NOTA FINAL

A Antropologia, embora tenha chegado relativamente tarde ao drama doindio brasileiro, teve urn impacto considenivel sabre a politica e a visao nacionaissobre os indios. Alguns antrop6logos tem estado vinculados ~ FUNAI (embora qua·se sempre sem dispor de poder); alguns deles a1iaram·se ~s vozes que tern criti·cado as politicas passadas e as tendencias atuais da FUNAI. A perspectiva antro·pol6gica parece ter tido a1gum efeito tambem no trabailio missionario, como ficaevidente nas publical'Des do CIMI (ver tambem Laborde, 1969·72). Antrop6logosbrasileiros e estrangeiros estiveram envolvidos em projetos que visavam as necessi­dades de sociedades tribals especificas (frequentemente, sociedades que eles estuda·ram por outros motivos). Esses projetos geralmente procuram estimuiar a autono·mia do grupo visado, libertando-o da dependencia de quaisquer das instituil'DeS queo rodeiam e invadem (0 Governo, a Igreja e os antrop610gos). Embora tenham en·contrado obstaculos a nivel local - e nacional ,sao urn importante resuitado dasanalises antropol6gicas (especialmente das teorias de contato interetnico), e repre·sentam urn aspecto relevante do desenvolvimento da Antropologia no Brasil e nomundo.

o presente ensaio pretendeu sobretudo orientar a leitura de estudantes queestao tomando contato inicial com a Etnologia, mas tambem buscar dar conta dos

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trabalhos mais recentes na :irea. No que diz respeito as fontes que indicam 0 pontode vista da Igreja e do Estado, este ensaio foi evidentemente mais breve; os autoressao antrop6logos e, alom de conhecerem meIhor a bibliografia, tenderam a inter­pretar os pontos de vista concorrentes a partir da Antropologia. Procuramos corri.gir essa distor9ao inevitavel indicando as publica0es que foram produzidas pelaspr6prias inslilui0es religiosas e estatais.

Devemos acrescentar que, embora consideremos que 0 ponto de vista antra­pol6gico oferece a vantagem de n[o implicar uma inten9"0 transformadora das so·ciedades indfgenas, e que nessa perspectiva 0 conhecimento 0 mais importante, fun­dado como esta num pluralismo cultural, isso n[o deve ser interpretado como urnademissao/omissao diante dos processos de mudan93 sofridos pelos grupos indfgenasque restam no Brasil. Muito facilmente, 0 verdade, 0 antrop610go acomoda·se numacademicismo, esquecendo que 0 conhecimento deve estar vinculado a a9"0' As for­mas de a9ao possiveis aos antrop6logos, hoje, nll'o sao muitas. Eles devem procuraros contextos mveis de entendimento com as institui90es que dispOem de podersobre os grupos tribais, evitando, porom, compromissos esterilizantes e perigosos.Devem representar os interesses dos grupos indigenas que conhecem e as lideran­9as indigenas com quem trabalham, frente as institui0es estatais e eelesiasticas.Dutro canal de a9"0, aberto nll'o somente aos antrop6logos mas aos leigos tambOm,o 0 contato com a opinill'o publica e a forma9ll'0 e fortalecimento de grupos deapoio as lutas indigenas. Os antrop6logos tambom podem contribuir com a forma·9"0 de gera0es de estudantes mais conscientes da irracionalidade radical que mar­cou a atitude dos brancos diante dos indios. Trata-se de trabalhar, do meIhor modopossivel, para dar voz aqueles que, durante soculos, foram silenciados - os indios.

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