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REORIENTAÇÃO CURRICULAR Materiais Didáticos FILOSOFIA

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Trabalho de filosofia sobre as linhas de pensamento

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REORIENTAÇÃO CURRICULAR

Materiais Didáticos

FILOSOFIA

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GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Rosinha Garotinho

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO

Claudio Mendonça

SUBSECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO

Alba Rodrigues Cruz

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GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO

SUBSECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO

EQUIPE TÉCNICACelia Maria Penedo

Esther Santos Ferreira MonteiroFlávia Monteiro de Barros

Hilton Miguel de Castro JúniorMaria da Glória R. V. Della Fávera

Roseni Silvado Cardoso Tânia Jacinta Barbosa

Rio de Janeiro 2006

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REORIENTAÇÃO CURRICULAR - EQUIPE UFRJ

Direção GeralProfª. Ângela RochaDoutora em Matemática – Instituto de Matemática da UFRJ

Coordenação GeralProfª. Maria Cristina Rigoni CostaDoutora em Língua Portuguesa – Faculdade de Letras da UFRJ

Coordenação de Ciências HumanasProfª. Gracilda AlvesDoutora em História – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor OrientadorProf. Fernando SantoroDoutor em Filosofia - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro ([email protected])

Professores AutoresAna Cláudia de Freitas Bucker C.E. Teotônio Brandão VilelaAna Regina Prazeres Lemos C.E. Prefeiro Mendes de Moraes ([email protected])

Ângela de Assis Melo C.E. Prof. Alcina Rodrigues LimaAngélica Domingues dos Santos Figueira CIEP-275 Lenine Cortes FalanteDaniel Vieira Inácio CIEP-175 José Lins do Rego ([email protected])

Devanir Rodrigues de Campos C.E. Visconde de Itaboraí ([email protected])

Dora Maria Couto Marques Cardozo I.E. Rangel PestanaIdali da Rocha Silva CIEP-275 Lenine Cortes FalanteIza Maria dos Santos C.E. Nilo Peçanha

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José Augusto da Silva Santos Júnior E.E. Prof. Hennry de Mendonça Gama ([email protected])

José Manoel Tiago Bessa da Costa C.E. Conselheiro Macedo SoaresJussara Azevedo da Silva C.E. Teotônio Brandão Vilela ([email protected])

Maria Tereza Marcelino C.E. José Fonseca ([email protected])

Patrícia Pereira Consendey CIEP-274 Lenine Cortes Falante ([email protected])

Rachel Audízio Miranda Mota CIEP-275 Lenine Cortes FalanteSérgio Lúcio Garcia Ramos E.E.E.S. Jornalista Orlando Dantas ([email protected])

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Prezados (as) Professores (as)

Visando promover a melhoria da qualidade do ensino, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro realizou, ao longo de 2005, em parceria com a UFRJ, curso para os professores docentes de diferentes disciplinas onde foram apropriados os conceitos e diretrizes propostos na Reorientação Curricular. A partir de subsídios teóricos, os professores produziram materiais de práticas pedagógicas para, utilização em sala de aula que integram este fascículo.

O produto elaborado pelos próprios professores da Rede consiste em materiais orientadores para que cada disciplina possa trabalhar a nova proposta curricular, no dia a dia da sala de aula. Pode ser considerado um roteiro com sugestões para que os professores regentes, de todas as escolas, possam trabalhar a sua disciplina com os diferentes recursos disponibilizados na escola. O material produzido representa a consolidação da proposta de Reorientação Curricular, amadurecida durante dois anos (2004-2005), na perspectiva da relação teoria-prática.

Cabe ressaltar que a Reorientação Curricular é uma proposta que ganha contornos diferentes face à contextualização de cada escola. Assim apresentamos, nestes volumes, sugestões que serão redimensionadas de acordo com os valores e práticas de cada docente.

Esta ação objetiva propiciar a implementação de um currículo que, em sintonia com as novas demandas sociais, busque o enfrentamento da complexidade que caracteriza este novo século. Nesta perspectiva, é necessário envolver toda escola no importante trabalho de construção de práticas pedagógicas voltadas para a formação de alunos cidadãos, compromissados com a ordem democrática.

Certos de que cada um imprimirá a sua marca pessoal, esperamos estar contribuindo para que os docentes busquem novos horizontes e consolidem novos saberes e expressamos os agradecimentos da SEE/RJ aos professores da rede pública estadual de ensino do Rio de Janeiro e a todo corpo docente da UFRJ envolvidos neste projeto.

Claudio MendonçaSecretário de Estado de Educação

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SUMÁRIO

13 Apresentação das reflexões e sugestões didáticas para o curso de Filosofia no Ensino Médio

Fernando Santoro

15 Reflexões iniciais: Interpretando para a sala de aula os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes à Filosofia

José Manoel Tiago Bessa da Costa & Ana Regina Prazeres Lemos

21 Transversalidade no ensino de FilosofiaSérgio Lúcio Garcia Ramos

30 A formação do cidadão e a FilosofiaDaniel Vieira Inácio

40 Aulas de Filosofia em Língua PortuguesaJosé Augusto da Silva Santos Junior

46 As religiões e o ensino da FilosofiaAna Cláudia de Freitas Bucker, Angélica Domingues dos Santos Figueira, Idali da Rocha e Silva, Jussara Azevedo da Silva, Rachel Audízio Miranda Mota & Devanir Rodrigues de Campos

50 O corpo no ensino da Filosofia?Dora Maria Couto Marques Cardozo

55 Páginas de Filosofia na InternetMaria Tereza Marcelino,Ângela de Assis Melo, Iza Maria dos Santos & Patrícia Pereira Cosendey

57 A Filosofia no Ensino Médio e a prova de Filosofia no vestibularFernando Santoro

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Apresentação 13

Filosofia

APRESENTAÇÃO DAS REFLEXÕES E SUGESTÕES DIDÁTICAS PARA O CURSO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

De setembro a dezembro de 2005, reunimo-nos, cerca de trinta professores regentes de Filosofi a das escolas estaduais do Estado do Rio de Janeiro e um professor do Departamento de Filosofi a da UFRJ, para avaliar, refl etir e discutir o ensino da Filosofi a no Ensino Médio, e para sugerir práticas didáticas para o mesmo.

Em continuidade à primeira etapa do Programa Sucesso Escolar, foi avaliado o documento preliminar produzido para Reorientação Curricular. Esta avaliação teve como balizas, primeiro, as diversas experiências docentes reunidas neste grupo, bastante heterogêneo e representativo das diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro. Nossa realidade vigente comporta vários níveis de diferenças: regiões mais ou menos servidas culturalmente, alunos com maiores ou menores níveis de carência material, professores com formação fi losófi ca menos ou mais amadurecida. Também foi largamente usado como horizonte de avaliação da orientação curricular do ensino de Filosofi a o documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN-EM).

Assim, confrontamos dois documentos orientadores e propositivos de objetivos educacionais com a variedade das nossas experiências docentes. Com isto, tanto se pôde avaliar a distância entre as realidades efetivas e as metas e caminhos educacionais almejados, como também se fez uma avaliação das diferentes vias e dos objetivos propostos pelos dois documentos. Houve um consenso na interpretação de que os PCN-EM se orientavam mais para uma formação cidadã, enquanto o documento preliminar de Reorientação Curricular era mais exigente no tocante à delimitação de uma formação fi losófi ca e à capacitação de habilidades mais específi cas, tais como a de domínio de um campo conceitual próprio. Esses dois horizontes estiveram sempre presentes, seja na avaliação de nossas carências atuais, seja nas propostas de atividades didáticas sugeridas.

Muitos dos artigos e das propostas surgiram orientados, seja para atender algum dos objetivos dos parâmetros curriculares, seja para enfrentar difi culdades experimentadas na sala de aula. Duas idéias percorreram quase todas as avaliações e sugestões didáticas: primeiro, o objetivo de buscar uma formação humanista e cidadã (contra a idéia de uma educação meramente informativa); segundo, a ênfase no caminho da interdisciplinaridade, tanto no diálogo transversal com outras disciplinas escolares, quanto no uso de meios de expressão diversos, não restritos ao universo dos textos fi losófi cos.

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14 Ensimo Médio

Os três primeiros artigos são bastante representativos da discussão geral empreendida e discutem e sustentam os princípios de todas as sugestões didáticas, tanto as suas quanto as dos demais artigos. O primeiro, de José Manoel da Costa e Ana Regina Lemos, apresenta os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, já na perspectiva de sua aplicação em sala de aula. O segundo artigo, de Sérgio Ramos, propõe um dialogo sobre as diversas transversalidades possíveis no ensino de Filosofi a e apresenta alguns exemplos de atividades didáticas. O terceiro, de Daniel Inácio, ressalta a importância da preocupação com a formação da cidadania no ensino de Filosofi a e também propõe práticas para a sala de aula.

Os artigos seguintes tratam de questões e problemas surgidos a partir das experiências docentes. O quarto, de José Augusto Santos, trata da produção fi losófi ca em Língua Portuguesa, a necessidade de ampliar o domínio das obras fi losófi cas, atravessando as fronteiras entre Filosofi a e Literatura, e as vantagens pedagógicas dessa abordagem do ensino fi losófi co. O quinto, signifi cativamente preparado a doze mãos, refl ete sobre a idéia de tolerância na relação entre Filosofi a e Religiões. O sexto, de Dora Cardozo, trata de um tema que vem sofrendo importantes transformações na vida quotidiana e na refl exão fi losófi ca: o corpo. São artigos sobre questões específi cas da docência fi losófi ca no Ensino Médio, exemplos de alguns dos muitos temas e problemas que podem ser abordados e discutidos neste campo. Há muitos outros temas, igualmente relevantes, que não foram abordados neste momento, mas que podem ser objeto de discussões futuras. Alguns deles foram sugeridos nos encontros e podem fi car como indicações para novos artigos: Filosofi a e Cultura, Meios de Comunicação, entre outros.

Quatro professoras pesquisaram algumas páginas relevantes de Filosofi a na Internet e montaram uma lista de sites que podem ser consultados tanto pelos professores quanto por seus alunos..

Durante o período dos encontros, aconteceu, paralelamente, uma discussão, promovida pelo Departamento de Filosofi a da UFRJ, sobre as formas de implementação da prova de Filosofi a no vestibular. Foi feita uma ponte entre os dois foros de discussão, o que contribuiu para o amadurecimento da questão em ambos. Por conta desta interação, acrescentamos um artigo sobre o Ensino Médio e a prova de Filosofi a no vestibular.

Nos artigos, colocamos em destaque as propostas de atividades didáticas e algumas sugestões bibliográfi cas. Houve uma ênfase em quatro tipos de atividade: interpretação de obras artísticas (poemas, fi lmes etc.); debates orientados; leitura de trechos de textos fi losófi cos; expressão escrita. Foram sempre oferecidos exemplos para cada atividade.

Nem seria preciso lembrar que estas atividades são apenas algumas poucas sugestões repertoriadas nas experiências de um pequeno universo de professores, ainda que bastante representativo; elas devem servir para atiçar a imaginação de todos nós, professores de Filosofi a, na lida com os estudantes. Os professores podem e devem usar, inverter, transformar, recriar suas próprias atividades, segundo seu repertório fi losófi co e cultural e, sobretudo, segundo as características de recepção dos estudantes da sua escola.

Fernando Santoro

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Reflexões Iniciais 15

Filosofia

REFLEXÕES INICIAIS : INTERPRETANDO PARA A SALA DE AULA OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS REFERENTES À FILOSOFIA

O Ensino Médio, como parte da educação básica, deve educar todo jovem brasileiro e tem como fundamento: formar e orientar o cidadão para suplantar obstáculos e obter uma vida adulta equilibrada, solidária e feliz. A Lei de Diretrizes e Bases estabelece, no Artigo 35, como fi nalidades do Ensino Médio:

• a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos (inciso I);• a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo (inciso II);• o aprimoramento do educando, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual do pensamento crítico (inciso III);• a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos (inciso IV).

Por essa razão, propõe-se um currículo que tenha como precedência as competências básicas e não o acúmulo de informações. Um currículo que esteja inserido nos contextos culturais, éticos e sociais em que o aluno se desenvolve e não restrito a um repertório unifi cado de textos e formulações.

A LDB, em seu Art. 36 §1º, estabelece:

“o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (inciso III).

A LDB reconhece a importância da Filosofi a na formação do indivíduo para exercer plenamente a cidadania, uma vez que este necessita compreender o universo cultural em que está inserido,

ResumoLeitura dos principais valores, instrumentos e metas, apontados pela legislação dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes ao estudo de Filosofia no Ensino Médio. Considerações sobre o modo de aplicá-los à sala de aula.

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16 Ensimo Médio

analisar os nexos que promovem a realidade na sua existência humana e ser capaz de desenvolver ações nesse contexto.

A LDB procura indicar o que é relevante aprender com a Filosofi a, extraindo, do enorme universo de conhecimentos fi losófi cos, aquilo que pode ser desenvolvido para o aluno do Ensino Médio, enfatizando a forma da atitude e atividade fi losófi ca mais do que um conhecimento de doutrinas abstratas.

Para desempenhar este exercício pleno da cidadania, entendida como horizonte de consumação das virtudes humanas, surge o papel essencial da Filosofi a numa formação humanista integral que “costura os pedaços” do agir e do saber, numa visão mais ampla e crítica dos vários conhecimentos específi cos e especializados produzidos pelo ser humano.

Conforme indicado expressamente pela resolução 03/98, a saber, no § 2º alínea b, art. 10:

“As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para os conhecimentos de Filosofia”.

Quer dizer: os conhecimentos fi losófi cos não estão restritos a um campo disciplinar exclusivo, mas podem transitar e formar elos interdisciplinares com os diversos saberes e, conseqüentemente, com as diversas disciplinas do programa escolar. Isso possibilita maior coesão na formação de uma pessoa livre e capaz de todas as potencialidades humanas, e não apenas do desempenho de uma função qualifi cada qualquer (um emprego).

Por outro lado, não se pode esquecer o caráter histórico cultural da Filosofi a, que nos remete às origens de nossa civilização. A Filosofi a surge no amplo diálogo da praça pública grega, onde cada cidadão podia se pronunciar, gerando, dessa forma, a possibilidade de cada habitante da cidade desenvolver o espírito crítico com o diálogo e o debate daquilo que era melhor para cada um e para a cidade. Nesse ponto, ressaltamos o papel da Filosofi a na sua natureza refl exiva, afl orando a capacidade de o homem pensar e avaliar a sua condição e suas relações com os outros e com o mundo em sua totalidade.

“Observadas as diferenças de intenção nas várias abordagens filosóficas, o conceito de reflexão, em geral, abarca duas dimensões distintas, que freqüentemente se confundem: a reconstrução (racional), quando o exame analítico se volta para as condições de possibilidade de competências cognitivas, lingüísticas e de ação (...); a crítica, quando a reflexão se volta para os modelos de percepção e ação compulsivamente restritos, pelos quais, em nossos processos de formação individual ou coletiva, nos iludimos a nós mesmos e, por um esforço de análise, consegue flagrá-los em sua parcialidade”.1

“(...) Aliás, é fundamental para esta proposta que ele (o professor) tenha feita a sua escolha categorial e axiológica a partir da qual lê e entende o mundo, pensa e ensina.”2

Cada professor de Filosofi a já possui um modo determinado de pensar, segundo a sua opção, que ele considera justifi cada e com a qual ele lê e entende o mundo. Essa condição é suposta

1 PCNEM. MEC / SEMT. Brasília, 1999. p.331.2 Ibidem

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Reflexões Iniciais 17

Filosofia

como ponto de partida, consolidada pela formação cultural necessária do professor, mas não implica em um uso doutrinário. Ao contrário, são justamente esses valores e categorias trazidos pelo professor, junto com os trazidos pelos seus alunos, que devem dar início à refl exão e serem, ao longo do curso, esclarecidos, avaliados, analisados, debatidos, sustentados e criticados. Assim, o aluno deve desenvolver a capacidade de analisar e avaliar quaisquer posições, valores e argumentos, com os quais ele convive normalmente, muitas vezes apresentados na lida quotidiana de forma parcial, intolerante, ideológica e mesmo falaciosa.

Mas, além da capacidade de refl exão e análise de argumentos em geral, que competências e habilidades próprias devem ser desenvolvidas na aula de Filosofi a? A Filosofi a deve levar em conta as fi nalidades do Ensino Médio, expressas na Lei 9394/96 conforme Resolução nº 03/98:

Art. 2º. A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados na Lei 9.394, a saber:

I - os fundamentos ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, ao respeito ao bem comum e à ordem democrática;II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços da solidariedade humana e de tolerância recíproca.

Art. 3º. Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:

I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável.II - a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando a constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano.III - a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e pessoal.

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18 Ensimo Médio

A Filosofi a aponta para a formação básica do aluno no Ensino Médio como cidadão, expresso nesta Resolução, aprofundando três dimensões da totalidade do ser humano: a Ética, a Estética e a Política.

Tais valores projetam um fundo de valores e atitudes, um ethos como base de formação da pessoa humana, salientando as dimensões da sensibilidade para a diversidade cultural, da responsabilidade e integridade nas atitudes e da participação cidadã, que devem permear a vivência escolar. Isto ultrapassa a idéia de educação meramente informativa, meramente voltada para a aquisição de conhecimentos. Assim, a aula de Filosofi a, não apenas se serve do amplo espectro da cultura para introduzir as especifi cidades próprias da sua disciplina; mas interage com essa cultura circundante, refl etindo sobre seus valores enquanto os apresenta e aprecia. O que se pretende é a formação autônoma do caráter, o reconhecimento dos direitos humanos e o desenvolvimento da sensibilidade “na igualdade do acesso aos bens naturais e culturais” (p.332).

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS EM FILOSOFIA

É natural o aluno desconhecer e mesmo estranhar, no início do curso de Filosofi a, as causas de se estudar esta disciplina. Herdamos uma cultura em que a “autoridade” do conhecimento é proveniente dos mais velhos ou dos mestres que nos transmitiram seus conhecimentos como “conteúdos inquestionáveis” que preenchem o “vazio” dos que ignoram as ciências e as tradições humanas. Uma disciplina que não é determinada por seus conteúdos informativos e que começa por questionar-se a si mesma em todos os seus temas é uma disciplina que causa espanto.

Alem disso, é comum a pergunta “Para quê Filosofi a?”. Já se pode sentir, na lida com os jovens, os pressupostos de uma ética utilitarista que não percebe os valores autônomos da refl exão, do conhecimento, da fruição cultural. Pressupostos que vêem a escola como mera capacitação para o mercado de trabalho e têm difi culdade de perceber uma experiência de formação humana integral, de pensamento livre, de prazer com as produções culturais.

Há de se desenvolver ações em que o educando possa perceber a importância da Filosofi a quando elucida e desenvolve princípios e suposições, desmistifi ca conteúdos considerados difíceis, possibilita reinterpretar as ciências humanas e superar paradigmas consagrados pela opinião pública, rever os pré-conceitos estabelecidos pelo senso comum, estimular o conhecimento mais desenvolvido e aprofundado de cada tema. Esse exercício de refl exão e descoberta das suposições pode incidir não apenas em temas do quotidiano, como também nos diversos saberes das diferentes disciplinas estudadas na escola. Nesse sentido, abre-se, na aula de Filosofi a, também um diálogo interdisciplinar efetivo, como uma via de integração de toda a experiência de aprendizagem escolar.

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Reflexões Iniciais 19

Filosofia

Todavia, além da consolidação de uma formação humanista integral, envolvendo o desenvolvimento geral de capacidades estéticas, éticas e políticas, a Filosofi a tem também objetivos pedagógicos específi cos, principalmente a capacitação para ler e interpretar textos fi losófi cos, isto é, os textos que constituem os produtos objetivos da história da Filosofi a. É preciso tornar familiar aos educandos os textos dos fi lósofos de forma a provocar o despertar de uma consciência crítica e um hábito de refl exão sobre o mundo em geral e, particularmente, sobre os problemas fundamentais abordados pela tradição fi losófi ca. Tais problemas envolvem a tematização do sentido do conhecimento como um todo, da existência humana, das relações entre os homens, dos valores culturais que transparecem nos hábitos, nas crenças, nas artes, entre outros. Isso, na linguagem de formulações e expressões produzidas ao longo da tradição fi losófi ca.

Ensinar Filosofi a no Ensino Médio converte-se então, também, na tarefa de estimular o estudante a ascender a uma competência discursiva fi losófi ca. É preciso familiarizar o estudante com as perspectivas, os temas, os problemas e, especialmente, com o vocabulário preciso, as categorias que são usadas pelos fi lósofos nos textos legados pela tradição.

A LDB apresenta tais competências e habilidades no quadro abaixo:

Representação e Comunicação

• Ler textos fi losófi cos de modo signifi cativo.• Ler, de modo fi losófi co, textos de diferentes estruturas e registros.• Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo refl exivo.• Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente e mudando de posição face a argumentos mais consistentes.

Investigação e compreensão

• Articular conhecimentos fi losófi cos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em outras produções culturais.

Contextualização sócio-cultural

• Contextualizar conhecimentos fi losófi cos, tanto no plano de sua origem específi ca, quanto em outros planos: o pessoal-biográfi co; o entorno sócio-político, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científi co-tecnológica.

(Extraído da LDB-PCN EM, p.349.)

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20 Ensimo Médio

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (Orientações Educacionais Complementares). www.mec.gov.br, 2005.

Ministério da Educação. LEI nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. www.mec.gov.br, 2005.

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Transversalidade no ensino de Filosofia 21

Filosofia

TRANSVERSALIDADE NO ENSINO DE FILOSOFIA

1. INTRODUÇÃO

Em algumas situações, o maior desafi o de escrever um texto não está na seleção ou na especifi cação de seu conteúdo, mas na maneira de escrevê-lo. Responder adequadamente à pergunta do como escrever constitui o primeiro e mais signifi cativo passo para se defi nir que tipo de relação se quer ter com o leitor. Entre quem escreve e a palavra escrita, há sempre uma conversa silenciosa com quem a lerá. E assim, mesmo antes de ler um texto, o leitor já esteve presente em sua concepção, como um elemento desafi ador e questionador que alavanca a produção. E, para esse texto em especial, há um fator que aprofunda a necessidade desse diálogo: ele se destina a semelhantes, vai de professores para professores. Talvez, por isso, o clima de conversa precise ser mais cuidadosamente cultivado. Portanto, caros leitores, sintam-se convidados a um daqueles papos na sala de professores, onde o magistério acontece como troca de experiências.

2. NÓS E OS NÓS DA ESCOLA“A verdadeira fi losofi a é reaprender a ver o mundo”

Maurice Merleau-Ponty

Não é de hoje que nós, professores, nos vemos às voltas com a temática da transdisciplinaridade, como quem carrega uma difícil tarefa, muito alardeada e pouco realizada. E, mesmo para aqueles que a vêem como uma grande oportunidade para a reformulação do fazer pedagógico, não há como negar que, em muitas situações, ela parece ser um desafi o maior do que as nossas possibilidades de ação. Com efeito, a Escola é uma instituição social e, como tal, está sempre em contato muito estreito com as demandas de uma sociedade em contínua transformação.

ResumoDiscussão sobre a transdisciplinaridade no ensino da Filosofia, seus obstáculos, suas vantagens, sua adequação aos valores de formação humanista e cidadã, prescritos pelos Parâmetros Curriculares do ensino de Filosofia. Algumas sugestões para situar o ensino de Filosofia no contexto social e cultural do estudante.

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22 Ensimo Médio

Dependendo da escola e do contexto cultural e social específi co no qual ela se encontra, percebemos a difi culdade de estabelecer um diálogo direto e efetivo com essas transformações. O que este trabalho pretende mostrar é que esse desafi o cotidiano tem, como principal trincheira, não o que está fora dos muros da escola, mas, sim, dentro deles. A frase acima de Merleau-Ponty nos aponta este caminho: reaprender a ver.

O frenético ritmo das mudanças culturais e sociais mundiais, ocorridas, sobretudo, na segunda metade do século passado, estabeleceu a necessidade de novos rumos para os fazeres didático-pedagógicos. Muitas e diversifi cadas foram as propostas teóricas que se apresentaram em nossa área e se colocaram sobre nossa mesa. Embora cada uma com sua peculiaridade conceitual, de uma forma geral, todas apontavam para uma mudança comum de eixo em relação ao modelo tradicional de ensino. Com certeza, já ouvimos muito sobre esse tema, principalmente os que, dentre nós, se formaram professores após a LDB/97. O foco deixaria de ser o ensino e passaria a ser o aprendizado. O quadro abaixo ilustra essa transformação de paradigmas:

Didática tradicional Didática moderna ComponentesA quem se ensina? Quem aprende? O alunoQuem ensina? Com quem se aprende? O professorPara que se ensina? Para que se aprende? Os objetivosO que se ensina? O que se aprende? As matériasComo se ensina? Como se aprende? Os métodos

Contudo, há mesmo uma enorme distância entre teoria e prática, e nós, que somos a escola, estamos situados no meio, para desfazer essa distância. Árdua tarefa? Com certeza. Mas, assim como caju que não tem cica, escola sem utopia não tem a menor graça. E cá estamos nós em nossa tarefa diária de superação, buscando novos olhares ou, como afi rmou Merleau-Ponty, reaprendendo a ver.

3. DESATANDO OS NÓS: FILOSOFIA E TRANSDISCIPLINARIDADE“... vislumbra-se de forma clara a intenção pedagógica da utilização da Filosofi a no Ensino Médio, o que supõe a aceitação de posicionamentos diferentes entre os professores de Filosofi a na escolha dos conteúdos programáticos, mas não quanto ao

norte educativo centrado na formação da cidadania.”

(PCNEM – Orientações Educacionais Complementares)

O foco em quem aprende e não mais em quem ensina trouxe-nos uma nova LDB, preocupada com a formação cidadã e a autonomia crítica e intelectual do aluno, colocando de vez, como prioridade, a questão metodológica da prática escolar. Não mais o quê? mas como?. Nesse contexto é que aparece a Filosofi a no currículo do Ensino Médio. Não são raros os momentos em que, na leitura dos PCNEM, percebemos toda a expectativa que o legislador debruça sobre essa inclusão. Por exemplo: “...enquanto os temas de ética e cidadania bordejam as demais disciplinas como refl exão transversal, no ensino da Filosofi a esses temas podem constituir os eixos principais do conteúdo

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Transversalidade no ensino de Filosofia 23

Filosofia

programático”. Essa enorme responsabilidade integradora colocada para nós, professores de Filosofi a, ou fi lósofos-educadores, como prefere nos denominar o texto dos PCNEM, resulta numa imensa oportunidade de mostrar, na prática, toda a vitalidade do pensar fi losófi co e sua importância curricular. Inclusive se, futuramente, quisermos demonstrar a necessidade de adotar a Filosofi a em todas as séries do Ensino Médio, e não mais apenas na primeira, ou até mesmo no segundo segmento do Ensino Fundamental, o que, desde já, nos parece razoável.

É que pensar transdisciplinarmente não é apenas o adendo de um poderoso instrumento para abordar concretamente um problema. Para a Filosofi a, é o seu procedimento natural, visto que a Filosofi a antecede, histórica e essencialmente, toda divisão disciplinar. De modo que pensar fi losofi camente é estar sempre habitando um entre-mundos, caminhando nas encruzilhadas dos saberes, território de fronteiras indiscerníveis. A Filosofi a não se delimita e nem tampouco se defi ne por um espaço conceitual específi co. Ao contrário das ciências, não é a delimitação do objeto que a defi ne, mas o modo de tomá-lo.

Desde os seus primórdios, já na Grécia Clássica, a Filosofi a nasce e se desenvolve tendo como principal objetivo o que Platão denomina conversão da alma. Contudo, essa tarefa não se conclui pela visão absoluta de uma verdade, mas pela reorientação do olhar. Em suas palavras, na República: “...ela (a Filosofi a) não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já a possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por levá-lo à boa direção”.

Esse foco, não no que se vê, mas no olhar que liberta, como expresso no Mito da Caverna, está presente não só em Platão, mas em toda a História da Filosofi a; na concepção de Merleau-Ponty, anteriormente citada, ou mesmo na idéia de Adorno de que o problema fi losófi co é uma ferida aberta no tempo. E nesse sentido é que os PCNEM admitem a impossibilidade de defi nir saberes ofi ciais para a disciplina da Filosofi a, estabelecendo como norte pedagógico não conteúdos específi cos, como nas outras disciplinas, mas o desenvolvimento de competências como a leitura signifi cativa, o debate argumentativo e a refl exão crítica.

4. DO MUNDO DO ALUNO PARA UM ALUNO DO MUNDO – A (RE)CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

“Não se ensina fi losofi a, ensina-se a fi losofar.”

KANT

Entende-se, então, toda a expectativa sobre a contribuição da Filosofi a no Ensino Médio. Enquanto que, para as outras disciplinas, é preciso um giro copernicano na prática pedagógica para se deslocar o foco do ensino, do saber científi co, para quem aprende; na Filosofi a, este já é um movimento natural, pois nela se tem como foco não o que se vê, mas o olhar de quem olha, ou seja, nesse caso, o aluno. Torná-lo crítico e autônomo é, portanto, um objetivo que pressupõe, sobretudo nas aulas de Filosofi a, o fortalecimento do olhar, a capacidade de enxergar a realidade de uma perspectiva para além do senso comum.

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Dessa forma, reconstruir a subjetividade é um movimento sempre de mediação entre o conhecimento que o aluno traz e a superação deste. Por isso, o diálogo da Filosofi a com o aluno precisa ser transdisciplinar, pois essa bagagem que ele traz consigo, que orienta as suas ações e pensamentos, é, na exata medida, a sua visão de mundo, o mundo que ele traz para a escola. E o mundo não vem para ele dividido em disciplinas, vem num aglomerado indiscernível de dimensões (política, cultural, artística etc.) do qual ele não dá conta, mesmo se tem a ilusão de que dá. Possibilitar-lhe um olhar analítico capaz de discernir essas camadas da realidade, pensá-las separadamente e depois relacioná-las e integrá-las é um caminho para torná-lo autônomo e crítico.

5. A LEITURA TRANS“O que não sei fazer, desconto nas palavras.”

Manoel de Barros

Como citado anteriormente, os PCNEM reconhecem a impossibilidade de estabelecer conteúdos consensuais para as aulas de Filosofi a. O que ele não transige é quanto ao norte pedagógico focado na formação da cidadania. E, quanto a este ponto, perguntemo-nos: quais são as competências a serem trabalhadas no ensino da Filosofi a para formar cidadãos? Ora, por defi nição, podemos dizer que cidadão é aquele que possui autonomia crítica para pensar e agir, protagonizando os rumos de sua sociedade. Para isso, é preciso que ele se desenvolva não só do ponto de vista intelectual, ou da organização de suas idéias, como também da construção de suas argumentações, já que é através delas que ele desenvolverá a sua atuação na coletividade.

Todas essas metas, colocadas como objetivos operacionais para nós, professores, estão fundamentadas na intensidade da relação que o aluno adquirirá com a leitura e a capacidade de compreensão e interpretação. Como pensar fora da linguagem, se nos nossos mais despretensiosos pensamentos ela se apresenta como liberdade e limite, simultaneamente? Limite do que pode ser dito e liberdade de expressar-se dizendo. É preciso então fazer com que o aluno descubra na linguagem uma porta pela qual ele abra para si a sua realidade, onde ele se coloque inteiro, de forma crítica e interpretativa. Nesse sentido é que os PCNEM, em suas orientações educacionais complementares, apresentam, como a principal ferramenta pedagógica a ser utilizada, a leitura signifi cativa de textos, fi losófi cos ou não, contanto que estes últimos sejam abordados dentro do espectro conceitual da disciplina. E, de fato, sem a perspectiva da formação de um leitor ativo não há possibilidade de formação cidadã. O ato de ler tem que promover a signifi cação do mundo e da vida. Deve despertar um certo incômodo para com a realidade, que leve o aluno a superar o conhecimento que traz dela previamente, colocando para si o desafi o da refl exão e da descoberta. Deve buscar a contextualização do texto fi losófi co com a sua realidade de vida.

Assim como música e dança são dimensões que se condensam de forma complementar, também a escrita se coloca como movimento que complementa a leitura. Além de um momento de intimidade com a refl exão, alavancado pela necessidade de produzir um texto, escrever promove a organização das idéias no sentido do desdobramento e do aprofundamento de um

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Filosofia

pensamento. Contudo, sabemos das adversidades que a realidade escolar nos apresenta. Não é incomum, principalmente para nós, professores da primeira série do Ensino Médio, receber alunos que beiram o analfabetismo funcional. E aí, o que fazer? Em primeiro lugar, não desistir do desafi o. Avaliar o aluno pelo que ele construiu ao longo do ano letivo. Estimulá-lo à prática do debate em grupo para promover a capacidade de se fazer entender e de participar. Depois, colocá-lo para escrever o que pensou e falou, estimulando o desafi o da coerência escrita. Dependendo da defi ciência com que se está trabalhando, o crescimento do aluno pode não vir a ser percebido em uma ou duas aulas apenas, mas, com uma boa dose de insistência e estímulo, ele certamente ocorrerá. Lembremos: não se constrói o leitor sem o gosto pela leitura, nem a capacidade de escrever sem ter o que dizer e a premência de dizê-lo. Quando percebe a leitura e a escrita como meios de expressão e potencialização de sua identidade e interação social, o aluno desenvolve concomitantemente a compreensão sistemática da língua.

Para essa realidade defi ciente de aproveitamento do idioma, vale também uma boa dica: por vezes o texto fi losófi co pode ser denso em demasia para ser colocado de primeira para os alunos. E é aí que cresce em importância metodológica o texto não fi losófi co. Nesse sentido, uma música (o rap, pela penetração cultural e pela postura crítica, pode ser uma boa opção), uma poesia, um pequeno conto ou até mesmo um fi lme podem servir como boas ferramentas para a abordagem de um problema fi losófi co, antes de este ser trabalhado conceitualmente. Isto facilita a entrada no texto fi losófi co e evita o desestímulo pela sensação de incapacidade de compreensão por parte do aluno.

6. MÃOS À OBRA (MAS, AFINAL, COMO POSSO FAZER?)

Quando se falou aqui sobre os nós da escola, privilegiaram-se os aspectos comuns às instituições de ensino de uma forma geral, focando a necessidade de se conectar a escola às transformações ocorridas na sociedade. Contudo, cada escola tem seu nó singular, suas especifi cidades regionais e culturais, suas carências e benefícios. Do ponto de vista de sua gestão, elas serão mais ou menos aparelhadas, mais ou menos organizadas, mais ou menos democráticas etc. Essas particularidades devem ser levadas em conta na hora de se pensar qual tipo de atividade transversal é mais adequado. É importante começar pelo possível, nem tão rápido que pareça inconveniente, e nem tão lento que se torne inviável. A escola é feita sempre de dimensões múltiplas que se condensam em realidades diferentes. Toda escola, a depender das pessoas que a fazem, terá um caráter mais tradicional ou mais transformador, mais democrático ou mais centralizador. O importante, caro colega, é que os primeiros passos transversais sejam dados, primeiramente dentro de sua sala de aula, posteriormente em uma aula conjunta com um professor de outra disciplina mais chegado a você, para aproximar o pensar fi losófi co dos saberes de outras áreas. Pouco a pouco a comunidade escolar poderá estar toda reunida em torno de projetos comuns.

Estão relacionadas abaixo algumas sugestões de atividades pedagógicas transversais, para serem utilizadas, transformadas, recriadas etc.

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7. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

1. Do senso comum ao senso crítico

Duração: 5h/aula + 2h de projeção do filme + atividade em casa

Do ponto de vista à perspectiva

Entregar um apagador na mão de um aluno e pedir para descrevê-lo (Obs.: descrever não é defi nir). Ao notar que o aluno gira o apagador para poder descrevê-lo, dizer que já é o sufi ciente. Perguntar à turma o que ele fez para poder descrever o objeto. Explicar que girar um objeto que se quer descrever é um ato inconsciente que busca multiplicar os pontos de vista e as perspectivas do objeto. Repetir e variar o exemplo. Estimular uma refl exão acerca da necessidade de se buscar ver a realidade de várias maneiras diferentes. Sobretudo, se o objeto é imaterial: uma idéia, um valor, um conceito, a sociedade etc. Apresentar o conceito de senso comum, identifi cando-o como um conhecimento parcial, irrefl etido e, por isso, mal formulado, da realidade.

Procurando o senso comum no cotidiano (1ª Avaliação)

Realizar uma atividade em grupo na qual se desenvolverá um debate para identifi car formas e situações vivas de como o senso comum se apresenta na realidade. Posteriormente, propor a elaboração de um texto justifi cando o tema escolhido e relacionando-o com o conteúdo. Verifi car o aproveitamento dos debates e auxiliar as refl exões.

Leitura do Mito da Caverna de Platão

Após a leitura, estimular um debate aberto para contextualização do texto fi losófi co com o as idéias de senso comum e senso crítico.

Apresentação do filme: “Show de Truman” – seguido de debate (2ª Avaliação)

Propor, ao fi nal, a elaboração de um texto individual livre relacionando o fi lme e o Mito da Caverna com a atualidade sob o título: “Quais são as cavernas de hoje?”

Entrega dos textos

Troca dos textos entre os alunos. Posteriormente, realizar algumas leituras para todos e estimular comentários.

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Filosofia

2. Palavra e poder

Duração: 2h/aula, atividade extraclasse

Dentro do contexto do estudo dos confl itos entre fi lósofos e sofi stas na Grécia Clássica, realizar uma visita à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal, para estimular as refl exões acerca da palavra como instrumento de poder na Polis, e promover a contextualização com a sociedade brasileira atual

3. Meu pequeno dicionário filosófico

Duração: 1h/aula

Esta atividade é interessante de ser trabalhada ao fi nal do ano letivo, como última avaliação. Iniciar perguntando qual a função de um dicionário. Mostrar que o signifi cado e o sentido de cada palavra são dados sempre por outras, e assim indefi nidamente. Escrever então a palavra FILOSOFIA no quadro e sugerir a elaboração em conjunto de um dicionário fi losófi co diferente, em que não se produzirá uma defi nição específi ca para FILOSOFIA, mas serão citadas diversas palavras que tenham uma relação estreita com ela. Estimular a citação dos termos pelos alunos e ir escrevendo em volta da palavra FILOSOFIA cada um deles na medida em que são propostos. Quando formar um universo de uns vinte termos citados pelos alunos, propor a elaboração de um texto que forme uma imagem do que eles entendem por Filosofi a, contendo necessariamente um mínimo de oito termos dentre os que foram por eles citados.

4. O julgamento de Sócrates

Duração: 3h/aula

Aula expositiva sobre o julgamento de Sócrates, na Atenas Clássica, com leitura de trechos da Apologia de Sócrates de Platão, da comédia As Nuvens de Aristófanes e da Apologia de Sócrates de Xenofonte. Em seguida, simular um julgamento, em que os alunos serão distribuídos para exercer os papéis de juiz, advogados, promotores, júri e réu. Em aula posterior, serão discutidas as formas de poder da Comunicação e a utilização política da persuasão. (3h/aula)

5. Filosofia e comunicação

Duração: 3h/aula

Objetivos1. Desconstruir o senso comum que entende a Comunicação como essencialmente lingüística, conduzindo à experimentação da arte como meio de expressão e comunicação.

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2. Discutir a Comunicação como forma de poder.3. Discutir a importância da Comunicação como expressão da liberdade humana na construção de uma sociedade, de fato, democrática.

ConteúdoIntrodução ao pensamento crítico da Teoria da Comunicação.Introdução à Filosofi a da Linguagem.Introdução ao pensamento crítico da Comunicação Social.

Procedimentos

Utilização de textos, poesias, matérias jornalísticas, músicas, telas de pintura e obras de arte em geral a serem sugeridos pelos alunos e pelo professor como instrumentos pedagógicos para as discussões.

Trabalhar a relatividade da linguagem como suposto meio objetivo de comunicação. Para tanto, utilizar três matérias atuais de diferentes jornais que se ocupem de um mesmo conteúdo para trabalhar com as diferenças de sentido. (1h/aula)

Utilizar telas de Claude Monet e Salvador Dali para trabalhar com os aspectos sensíveis, contraditórios e instáveis da Comunicação. (1h/aula)

Dividir a turma em três grupos que discutirão a comunicação a partir da poesia de uma música conhecida, de uma fotografi a do Sebastião Salgado e de uma bula de remédio respectivamente. Depois abrir uma roda para discutir os meios e maneiras da comunicação. (1h/aula)

Sugestões de textos filosóficos para serem trabalhados nesta temática

O sofi sta e a República – livros 7 e 10 – (Platão), Escola de Frankfurt de uma forma geral, nas críticas sobre a cultura de massa (sobretudo Marcuse e Adorno), De Magistro (Santo Agostinho), As Palavras e as Coisas (Foucault), Conversações (Deleuze), Uma história da Razão (François Châtelet).

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, T. W. et al. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

AGOSTINHO, Sto. De Magistro. São Paulo: Abril Cultural, 1873.

BARROS, Manoel de. O Livro das ignorãças, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.

BORNHEIM, G. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1992.

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Transversalidade no ensino de Filosofia 29

Filosofia

CASSIN, Bárbara. Ensaios sofísticos. São Paulo: Edições Siciliano, 1990. (Ed. A.L. de Oliveira e L.C.Leão).

COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofi a. Campinas: Ed. Unicamp, 1992 (Ed. F. Carotti).

CORNFORD, F.M. Principium Sapientiae - As origens do pensamento fi losófi co grego. Lisboa: F.C.G., 1981 (Ed. M.M.R. dos Santos).

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1986 (Ed. P.Civelli).

JAEGER, W. Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1979, (Ed. A. M. Parreira).

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

LAÊRTIOS, D. Vidas e doutrinas dos fi lósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988 (Ed. M.G. Koury).

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Trad. de R. Piero. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A, 1971.

ORTEGA Y GASSET. Desumanização da Arte e Outros Ensaios sobre Estética. Coimbra: Almedina.

PESSOA, Fernando. Obra Completa. (2v.) Rio de Janeiro: N.Aguilar, 1986.

PLATÃO. A República. Trad. de M.H.R. Pereira. Lisboa: F.C.G., 1987.

RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: Globo, 1953, 8ªed.1976 (Ed. P Rónai).

SCHILLER, F. Cartas sobre a educação estética do homem. Trad. de R. Schwarz e M. Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1990.

SNELL, Bruno. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu. Trad. de P. Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2001.

SOUZA, Eudoro de. Mitologia. Brasília, Ed UnB, 1980.

_________ . Origem da Poesia e da Mitologia. Lisboa: INCM, 2000.

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30 Ensimo Médio

A FORMAÇÃO DO CIDADÃO E A FILOSOFIA

1. AS CONDIÇÕES DO SURGIMENTO DA CIDADANIA E DA FILOSOFIA

O surgimento da Polis grega foi o pano de fundo histórico tanto do aparecimento da Filosofi a quanto da cidadania. A Polis1 não teve uma forma rígida, mas alguns elementos foram marcantes. Primeiramente, a palavra deixou de ter o uso ritualístico de uma correta submissão ao culto, para tornar-se o maior instrumento de disputa e determinação do poder. Este, por sua vez, advém da persuasão, o que supõe um público que precisa decidir algo, e essa decisão será o resultado do debate. A linguagem deixou o campo da obediência irrefl etida e do mando, para se tornar algo novo, instrumento efi ciente de pessoas cientes de seus interesses, de suas possibilidades e de regras. O discurso agora busca apoio dos outros para, então, tornar-se efetivo.

Mas a palavra se estabelece sobre outra grande marca da Polis: um espaço de trocas, de trânsito e de plena publicidade, a Ágora. Esse espaço indica uma submissão do privado e individual face ao interesse comum. Esse campo aberto de interesse comum marca a percepção do vínculo entre os membros; ele é uma necessidade pois, com a vontade de participar do poder, espera-se dos outros membros práticas claras e acessíveis2. Dessa forma, as condutas, os procedimentos e os conhecimentos, que antes eram restritos, vão aparecendo no espaço público e tornando-

1 Cf. Vernant, p. 39.2 Idem, p.41-42.

ResumoEncontramos, na origem da Filosofia e da vida política, algumas condições coincidentes que podem orientar a prática do professor de Filosofia. Essas condições devem aparecer também na escola e na sala de aula, para que os alunos possam seguir no seu aprendizado de cidadania. Avaliamos, por outro lado, algumas situações em que tais condições desaparecem, podendo comprometer o desenvolvimento do aluno. Por fim, conhecendo melhor o contexto necessário para a formação cidadã, indicamos caminhos (conteúdos, textos e práticas) que possam estimular a prática e o concernimento político do aluno.

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A Formação do Cidadão e a Filosofia 31

Filosofia

se elementos da cultura comum. Estes, ao chegarem à praça pública, podem ser reavaliados e confrontados. A norma deixa de ser indiscutível, e não pode mais se manter se não for adequada ao interesse público, porque a palavra que antes lhe servia obediente pode voltar-se contra ela. Para auxiliar nas necessidades de publicidade, os gregos se apoderam da escrita fenícia e a adaptam à sua língua. Dessa forma podem, além de redigir as leis, transmitir ao público, com maior facilidade, os conhecimentos que antes eram restritos a poucos3.

Mas, apesar do uso da escrita dar acesso ao conhecimento e torná-lo um bem comum, muitas vezes esse conhecimento é encarado ainda como algo misterioso. Principalmente no aspecto religioso, a publicidade não é sufi ciente para expressar o pleno sentido de seus ensinamentos, por não ser acessível por meios simples, por requisitar preparativos e iniciações. Para esse conhecimento, a exposição pública não é garantia de acesso. Os primeiros sábios tiveram a preocupação com a revelação dos mistérios, buscando a elevação do espírito humano. Porém, a cidade se dirige a ele como a um ser extraordinário, deslocado acima ou fora dela. E a publicidade que faz de seus conhecimentos é a de um ensinamento elevado, que não encontra lugar na vida cotidiana da cidade e, mesmo na praça pública, continua sendo mistério4.

Essa posição do sábio o desloca da cidade porque foge a outro elemento constante da Polis, a Philia - amizade. Um sentimento perceptível na vida militar – em que a bravura individual passa a ser menos valorizada diante da formação do grupo –, mas que envolve, de fato, todo o espírito da cidade. O sentimento de associação só pode ser assegurado no mundo devido à percepção, entre os membros, de sua semelhança e mais abstratamente de sua igualdade. Abstraindo as distinções sociais e considerando as relações recíprocas, fi camos diante do vínculo, um sentimento compartilhado de participação. Cada cidadão é a unidade do sistema político, que é guiado pelo equilíbrio. Esta relação ganhou uma forma conceitual com a palavra isonomia, “igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder”5.

Dentro desse contexto, a Filosofi a oscila entre uma total dedicação às causas políticas – como nos sofi stas e com Sócrates – e o deslocamento da cidade, que vive o Sábio – como nos pitagóricos. Entre esses dois caminhos originários, nós, professores da rede pública estadual, devemos fazer uma opção: considerar a Filosofi a um conhecimento de acesso restrito que não cabe em um espaço público como a escola, ou considerá-la um elemento acessível a todos aqueles que tiverem uma postura ativa e interessada.

Se considerarmos que a Filosofi a é um campo de difícil acesso, e que nossos alunos só poderão caminhar por ela após uma iniciação ou preparo especial, estaremos fechando a eles a possibilidade de aprenderem a Filosofi a na íntegra. Este pode não ser o objetivo do curso atual de Filosofi a no Ensino Médio, cabendo melhor a uma graduação universitária. Porém, ver a Filosofi a como algo elevado não impede que possamos abordar elementos dela, de encontrarmos textos mais acessíveis ou autores mais acessíveis, pela identifi cação com as questões abordadas, pelo uso mais leve do vocabulário teórico ou, quem sabe, um outro caminho.

3 Idem, p. 43.4 Idem, p. 47-48.5 Idem, p. 49.

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32 Ensimo Médio

Se considerarmos a Filosofi a como algo acessível, então basta o interesse pessoal para se adentrar no emaranhado de idéias dos livros de Filosofi a e alcançar o seu foco. Mas poderá faltar ao aluno esse interesse que aparece como elemento fundamental. Assim, uma crítica que podemos fazer é a de que a Filosofi a, mesmo sendo considerada acessível, é difícil para as mentes pouco amadurecidas dos alunos do Ensino Médio e, exatamente por isso, faltará interesse da parte dos alunos. Dessa forma, igualamos as duas possibilidades na difi culdade – é difícil, por isso não será interessante, e terá pouco acesso. Porém, o que esta segunda possibilidade tem em foco – e nos ligamos aos gregos nesse momento – é a percepção da sua condição de igual diante dos outros interlocutores, inclusive do texto lido. Tanto os interlocutores de um diálogo devem tratar-se como de igual capacidade, como os textos devem considerar o leitor da mesma forma. Então, cabe ao professor perceber se a falta de comunicação acontece pela falta de atenção do ouvinte ou leitor, como também da falta de habilidade de se expressar de quem diz e escreve, ou do desinteresse pelo dito e pelo escrito. O professor deve deixar afl orar no jovem a consciência de não ser maior nem menor, mas de igual capacidade.

Essa consciência é o grande elemento desejado por qualquer professor. Pois, a partir dela, o aluno deixa de ser aquele menino omisso que nada quer, para ser alguém que procura o que quer e precisa. Se, por um lado, a consciência de poder compreender é requisito fundamental para aprender, por outro, a consciência de ser parte é requisito para o agir político do cidadão. E se considerarmos a omissão como um elemento político, cada cidadão deverá se responsabilizar por abandonar nas mãos de outrem o poder que lhe cabe. E já vimos condições dessa consciência, vivida no mundo grego antigo: um sentimento de vínculo que somente os semelhantes podem ter; o poder da palavra que disputa e depois soluciona, próprio de cada um; um lugar especial onde todos possam se manifestar sobre coisas de interesse público. Sobre essas condições, os indivíduos podem convocar outros indivíduos a tomar parte numa mesma causa; interceder pelos semelhantes; como proceder a qualquer benefício imaginável envolvendo o apoio do grupo. Apoio que é convocado pela palavra e deve ser expresso em público. Publicidade que torna o conhecimento um bem comum; em que podemos perceber sua busca como uma decisão pessoal referente à sua ligação com a coletividade, e que, ao fi m, lhe oferece seus frutos.

Pensar se essa consciência pode ser promovida no aluno é pensar se as pessoas podem ser divididas entre os melhores e os piores, fortes e fracos. Acaso seria pensar como Platão, que é melhor optar por um único intelecto maior para dirigir a cidade, um Rei Filósofo, pois este poderia vislumbrar o bem, em vez de entregarmos o destino da cidade nas mãos de um grande grupo, incapaz de avaliar adequadamente o que é o bem? Mas Platão também reconhece que a impossibilidade da maioria é a proveniente da não educação, ou falta da educação correta (daquela educação para vislumbrar o bem e que deve ser ascendente), mas não da impossibilidade da educação, pois para ele o aprendizado é o vislumbrar consciente daquilo que já está impresso na alma6.

A não ser que desejemos abandonar a democracia ou abandonar a Filosofi a no Ensino Médio – pela impossibilidade de ensiná-la –, a nossa opção é a de mostrar ao aluno suas possibilidades

6 Platão. A República.

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A Formação do Cidadão e a Filosofia 33

Filosofia

educacionais e políticas, os elementos que cerceiam essas possibilidades e as condições internas e externas ao sujeito para realizá-las.

2. SOBRE O QUE SE ESPERA DE UM CIDADÃO E ALGUMAS DIFICULDADES PARA UMA FORMAÇÃO “CIDADÔ

Dentre as indicações mais importantes que podemos ter sobre o trabalho que deverá formar cidadãos, podemos considerar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Médio, com destaque para os elementos apresentados em “O sentido do aprendizado na área”, que consta na parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Após várias considerações sobre o histórico e a importância do estudo de humanidades no Ensino Médio, os PCN assumem como princípio para o desenvolvimento político “a política da igualdade, que consagra o Estado de Direito e a democracia” porque ela “está corporifi cada no aprender a conviver, na construção de uma sociedade solidária através da ação cooperativa e não-individualista”. É importante lembrar que assumem ainda a “estética da sensibilidade” devido ao sentido de “aprender a conhecer” e “aprender a fazer” como aspectos intrínsecos à experiência humana. Como também a “ética da identidade”, tentando envolver através dela a responsabilidade e a solidariedade, enfatizando o “aprender a ser”. As palavras-chave acabam sendo verbos: aprender, conhecer, fazer, conviver e ser. A preocupação com a conduta na coletividade destaca acima de tudo a preocupação de que os alunos passem a atuar. Isto é perceptível também nas noções de competência e habilidade que pautam todo o PCN.

Um homem socialmente ativo deverá construir suas relações com os outros membros da sociedade; modelos serão para ele elementos a serem avaliados e que poderão suspender, se assim o decidir. É importante, para garantir a autonomia, que ele seja capaz de avaliar opções, de pensar sobre elas, e o princípio de “aprender a conhecer”, se levado a sério, deverá libertar o aluno do professor. Não podemos considerar sufi ciente para a cidadania a posse de instrumentos para seguir orientações, pois isto, ao invés de libertar a pessoa, a manterá presa às idéias de outros. A postura reprodutora isolada dentro da escola é considerada como algo nocivo à formação do aluno, e em seu lugar busca-se erigir uma postura ativa.

A liberdade é parte da condição humana e pré-requisito para agir efetivamente. Entretanto, muitas confusões sobre o exercício da liberdade aparecem, tanto em alunos quanto em professores e administradores. Essas confusões têm origem na padronização exigida dentro da instituição: não se pode abandonar universalizações (idéias padrões para conduzir o todo), mas também se deve valorizar as singularidades (as manifestações culturais ou produções pessoais)7. Noções universais são utilizadas nas instituições por motivos óbvios como avaliação do conhecimento e comportamento, que refl etem necessidades de qualidade de ensino, de acesso, de ordem pública dentro da instituição etc. Diante dessas necessidades, pode-se ser orientado por uma idéia geral

7 A preocupação com a tendência ao totalitarismo através de sistematização teórica e práticas políticas já foi apresentada no artigo de Rosely Giordano “Políticas da educação e sistemas fi losófi cos: a vontade da exclusão”, que saiu no caderno CEDES, no número 64, dedicado ao ensino de Filosofi a no Ensino Médio.

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34 Ensimo Médio

e gerar práticas totalitárias que não prevêem as manifestações distintas do plano administrativo, pois este está fechado. Mas a escola estará diante da diferença, estampada em cada aluno, que traz porta adentro uma parte do mundo. Por isso, a escola deve preocupar-se em não negar aos alunos as condições para perceber, na convivência com os outros, possibilidades de caminhar em conjunto e potencializar forças na busca de um interesse comum.

Reconhecer-se como membro da comunidade e reconhecer as diferenças existentes dentro dela não defi ne o cidadão por completo, pois um cidadão não é uma pessoa que participa de uma sociedade previamente defi nida e com regras imutáveis, nem de uma sociedade em que há uma oligarquia defi nindo a conduta de outros; o cidadão sabe do seu poder de participar e o utiliza. Entretanto, pensa-se no aluno como um candidato a se tornar um cidadão ao sair da escola, atualmente incapaz de assumir-se como cidadão. Logo, para formar cidadãos, a escola deve transmitir conhecimentos para a inserção autônoma na sociedade. Conhecimento mínimo necessário para cumprir seus deveres e não deixar que usurpem os seus direitos, ou para que seu poder de decisão possa ser bem explorado, e assim, usufruir os benefícios de ser um cidadão. Mas há nessa perspectiva uma cilada: de considerar que a instrumentalização, por si só, forma o cidadão.

O exercício da liberdade não deve estar abaixo da instrumentalização, quando pensamos em formar cidadãos. Ter habilidades e conhecimentos necessários à vida adulta não é sufi ciente para garantir a consciência do processo político, nem da força de ser um cidadão. Se a prática política é parte elementar do processo político que o aluno precisa conhecer, deve complementar a teoria com a prática política. E em que consiste essa prática? Em ações que busquem não o interesse particular ou a destruição da instituição, mas interesses comuns, interesses públicos. Essas ações devem pautar-se por orientações normativas, que determinam limites e garantem direitos claros. Por fi m, se essas ações devem partir dos alunos, eles devem ter o direito de um espaço para manifestar seus interesses. Isso só não terá sentido se os alunos não tiverem interesses comuns compatíveis com a instituição; se a escola não se assumir como um espaço para o exercício da cidadania; se aos alunos for negado o direito de se manifestarem; se os alunos forem considerados inaptos para exercer cidadania.

A grande armadilha administrativa é permitir que as noções universais ordenadoras da escola se cristalizem e acabem reprimindo os alunos. Mas fi ca difícil debater isto com as administrações escolares quando estas precisam lidar com alunos oriundos de uma cultura violenta, irresponsável e sem compromisso; quando alunos chegam na escola encarnando a lei do mais forte e agindo como se cada espaço dado a eles fosse um sinal de fraqueza da escola; quando cada espaço dado aos alunos torna-se espaço para exercer sua força sem compromisso. Essa postura não é uma unanimidade entre os alunos, mas a existência de alunos assim é facilmente reconhecida no enfrentamento que eles fazem aos professores, na busca de realizar desejos que fogem inteiramente aos objetivos de ensino-aprendizado. E mesmo os alunos que não vivem um enfrentamento com os professores consideram sinal de fraqueza ceder espaço a esses alunos agressivos. Este é o caso em que as manifestações dos alunos não se compatibilizam com a escola: a escola não é um espaço para a simples reprodução, mas para o desenvolvimento. É preciso, por outro lado, descobrir os alunos envolvidos em atividades criativas, artísticas, esportivas etc. Se há alunos em busca de espaço para manifestar sua criação ou sua habilidade.

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A Formação do Cidadão e a Filosofia 35

Filosofia

Para os alunos “criadores”, a escola deve abrir espaço, para os alunos “baderneiros!” não. Se há o interesse em conhecer as produções dos alunos, pode-se tentar abrir o espaço aos interessados.

Se a vida de um aluno na escola desenvolve-se sob um regime totalitário, e toda a manifestação de liberdade tem um clima de interdito, um clima parecido com o de algumas imagens sociais muito difundidas sobre hierarquia de poder e poder da força, então poderemos enquadrar as seguintes difi culdades: a escola não se assume como um espaço para o exercício da cidadania, não permite aos alunos se manifestarem, nem considera os alunos aptos para a cidadania.

Primeiro, esperar o desenvolvimento cidadão onde não há espaço para um cidadão é como esperar nascer uma planta no asfalto. Se a escola não for espaço para a cidadania, não pode tentar desenvolvê-la nos alunos. Segundo, formar cidadãos sem que os aprendizes se manifestem é como tentar ensinar futebol sem tocar numa bola. O uso da palavra como elemento de enfrentamento é condição para a cidadania. Terceiro, não podemos esperar alguém tornar-se apto para a cidadania e só depois dar-lhe o direito para isto, senão estaremos vinculando o direito a uma aptidão: só terão direito à cidadania aqueles que forem aptos! E quem decide quem é apto para a cidadania? Ninguém, a cidadania é um direito de todos.

A escola não deve ser para o aluno um outro, que mesmo diante da boa vontade de alguns professores, existe para ensinar-lhe coisas das quais não consegue retirar nenhum sentido, mas ainda assim deverá aprender, e de alguma forma muito nebulosa aceitar, para conseguir emprego ou passar no vestibular. Pois, em geral, o sentido estabelecido pelos alunos não está ligado nem ao conhecimento oferecido pela escola, nem a uma idéia de cidadania, mas no diploma, como uma espécie de status exigido para participar de algumas entrevistas de emprego. Assim, muitos alunos, longe de desejar uma vida democrática, nem mesmo se interessam pelos conteúdos oferecidos e, por vezes, sequer querem ir à escola. Por contraditório que seja, os “bons alunos” são os que aceitam as normas sem nunca manifestar sua insatisfação ou lutarem contra elas, e os alunos que desenvolvem um valor de liberdade, mesmo que distorcido e irresponsável, estão sempre em confronto com as normas e insatisfeitos com a escola, não valorizam a escola e não ligam de arriscar suas notas. Ou seja, nem o aluno “comportado”, nem o “bagunceiro” está se aproximando do sentido de cidadania. E sabemos que o aluno ativo não pode se manter fora do grupo, à margem, nem considerar a ordem existente como intocável.

Agora, após observar as condições, objetivos e alguns empecilhos para a formação cidadã, cabe-nos encontrar caminhos para viabilizar tal formação cidadã e vislumbrar, dentro desses caminhos, a parcela que cabe aos professores de Filosofi a.

3. INDICAÇÕES E POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR DE FILOSOFIA

O trabalho para formação cidadã, por tudo o que já foi dito até aqui, deve envolver manifestação de pensamento e atividade coletiva, e ambas precisam abordar os assuntos referentes à

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comunidade escolar ou à sociedade como um todo. Tendo em vista o trabalho do professor de Filosofi a, pode-se indicar uma estratégia, pautada em dois pontos: o material e as atividades.

Pode-se centrar o trabalho em uma dessas três atividades ligadas à leitura: debate, pesquisa e redação. O debate deve ser mais que um bate-boca, uma tentativa de afi rmar, defender e derrubar teses. Para isso, as idéias expressas pelos alunos devem ser apontadas em forma de proposição para serem avaliadas. Mas, para que o debate não se torne uma guerra, deve-se manter claro o que buscamos: entender algo a respeito de um assunto, descobrindo idéias coerentes e defensáveis, e eliminando idéias incoerentes e indefensáveis. A pesquisa é proposta no sentido de conhecer a opinião pública, o senso comum, a respeito do assunto tratado. Isto exigirá, primeiro, que os alunos formulem perguntas objetivas; segundo, que eles avaliem o resultado da pesquisa, relacionando com as teses conhecidas (tenham surgido do debate ou da leitura). As perguntas devem ser pensadas com o professor (e não pelo professor) e aprovadas por ele. A redação pode enfocar a defesa de idéias, uma crítica sobre o resultado da leitura, da pesquisa ou do debate; mas também pode consistir em propostas dentro do tema, no intuito de corrigir os problemas encontrados.

O material básico será a fonte de leitura, que pode aparecer em três situações: um despertar para o assunto, uma defi nição conceitual e uma abordagem fi losófi ca propriamente dita. Para debate não precisa ser um texto fi losófi co, pode ser trecho de obra literária, propaganda, objeto, música ou qualquer outro, desde que seja associado ao assunto e incentive interpretações dos alunos. Ou seja, algo que chame a atenção do aluno e provoque sua fala. Defi nições conceituais podem ser encontradas em dicionários de Filosofi a, mas também em dicionários da Língua Portuguesa. Mas não pode faltar a leitura de um trecho de texto fi losófi co, pois o objetivo da disciplina Filosofi a é alcançar a expressão pública das idéias e sua defesa racional, o que acontece no texto fi losófi co; mas devemos evitar trechos demasiadamente complexos, para não tornar o trabalho de esclarecimento demasiado cansativo.

4. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

Tema: Liberdade e direito à liberdade.

Duração: 3h/aula + 2 atividades extraclasse

1º) Material

AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA

1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

2 – Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

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Filosofia

3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em confl ito com a Primeira e a Segunda Leis.

MANUAL DE ROBÓTICA

56ª Edição, 2058.

Texto para debate: Asimov, Isaac. As três leis da robótica. In: Eu, robô.

Ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ele concebe o bem-estar dos outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa, contanto que não cause dano à liberdade dos outros (isto é, ao direito de outrem) aspirarem a um fi m semelhante, e que pode coexistir com a liberdade de cada um, segundo uma lei universal possível. – Um governo que se erigisse sobre o princípio da benevolência para com o povo à maneira de um pai relativamente aos seus fi lhos, isto é, um governo paternal (imperium paternale), onde, por conseguinte, os súditos, como crianças menores que ainda não podem distinguir o que lhes é verdadeiramente útil ou prejudicial, são obrigados a comportar-se apenas de modo passivo, a fi m de esperarem somente do juízo do chefe do Estado a maneira como devem ser felizes, e apenas da sua bondade que ele também o queira – um tal governo é o maior despotismo que pensar se pode (constituição, que suprime toda a liberdade dos súditos, os quais, por conseguinte, não têm direito algum). Não é o governo paternal, mas um governo patriótico (imperium, non paternale, sed patrioticum), o único concebível para homens capazes de direitos, ao mesmo tempo em relação com a benevolência do soberano. Com efeito, o modo de pensar é patriótico quando cada qual no Estado (sem excetuar o chefe) considera a comunidade como o seio materno, ou o país como o solo paterno de que provém e no qual nasceu, e que deve deixar também atrás de si como um penhor precioso para unicamente preservar os direitos do mesmo mediante leis da vontade comum, mas não para se sentir autorizado a dispor dele segundo o seu capricho incondicional. – Este direito da liberdade advém-lhe, a ele que é membro de uma comunidade, enquanto homem, ou seja, enquanto ser que em geral é capaz de direitos.

Texto filosófico selecionado em: Kant, Immanuel. Da relação da teoria à prática no direito

político. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70.

2º) Procedimento

1- Ler com os alunos as três leis da robótica e realizar um debate. Podemos propor questões como: Os robôs são livres? Por quê? Os homens são livres? Por quê? Os robôs fazem ações além das previstas nas três leis? Por quê? (Precisaria de outra lei? Precisaria ter desejos ou sentimentos?) Os homens fazem ações além das previstas por lei? O que as leis pedem aos homens? As leis determinam nossas ações? Podem ser usadas para nos controlar?

2- Apontar defi nições e conceitos. Pode ser ao fi nal, sintetizando, ou no decorrer do debate, para dar um impulso. Conceitos-chave: liberdade, determinação, limites. Idéias abordáveis: natureza humana, controle social, autonomia e heteronomia. A intenção não é de fazê-los decorar, mas de dar apoio à leitura.

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3- Ler o trecho de Kant buscando a idéia principal (o direito à liberdade) e sua defesa. Depois avaliar se está de acordo com as conclusões do debate e com os conceitos apresentados. Pode-se, então, pedir aos alunos que apontem a idéia principal do texto e sua defesa em uma redação própria.

4- Pode-se ainda debater a relação entre direito à liberdade, limites e a escola, e como eles pensam que deveria ser a participação dos alunos dentro dela. Isto pode gerar um texto crítico, ou uma pesquisa de opinião entre os membros da escola.

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

Para introduzir questões1. Eu, Etiqueta. In: Corpo. Drummond de Andrade, Carlos.

Temas abordáveis: alienação, ideologia.2. O Operário em Construção. In: Nossa Senhora de Paris. Moraes, Vinicius de.

Temas abordáveis: alienação, ideologia, uso do poder, desigualdade social.3. Carta testamento de Getúlio Vargas.

Temas abordáveis: paternalismo, consciência política, soberania.4. Eu tenho um sonho. Discurso de Martin Luther King na Marcha para Washington.

Temas abordáveis: liberdade, direitos civis, desigualdade social, preconceito.

Filosóficas

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Ed. UNB, (Ed. M.G.Kury), 1999.

_________ . A Política. São Paulo: M. Fontes, 1991 (Ed. R.L.Ferreira).

PLATÃO. A República. Trad. de M.H.R. Pereira. Lisboa: F.C.G., 1987.

HEGEL, F.W. Introdução à História da Filosofi a. São Paulo: Abril Cultural, col. Os pensadores, 1974 (ed. A. Pinto de Carvalho).

KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70.

MORUS, Thomas. A Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

NIETZSCHE, F.W. Genealogia da Moral, São Paulo, Companhia das Letras, 998, (Ed. P.C. de Souza).

_________ . Além do bem e do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 1999,(Ed. P.C. de Souza). Em especial o § 26, onde são abordáveis: divisão social, valores sociais.

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A Formação do Cidadão e a Filosofia 39

Filosofia

_________ . Assim falava Zaratustra. Em especial os capítulos “Das três transformações” e “Do novo ídolo”.

RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977, (Ed. H. Japiassu).

RUSSELL, Bertrand. Elogio do lazer. Zahar Editores. Rio de Janeiro, RJ. Em especial o primeiro capítulo: divisão social, trabalho, ideologia, civilização.

HOBBES. Leviatã. Os pensadores. Nova Cultural. São Paulo, SP. Em especial os cap. X, XIV, XVII e XX, mas usando trechos curtos e específi cos.

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. In: http://www.dominiopublico.gov.br/. Em especial os cap. “O fato das aglomerações” e “A época do mocinho satisfeito”.

Outros livros disponíveis no site http://www.dominiopublico.gov.br/

MAQUIAVEL. O Príncipe.

ROUSSEAU. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.

_________ . Do contrato social.

MARX. Manuscritos econômico-fi losófi cos.

LUKÁCS, George. Consciência de Classe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais (Ensino Médio) – Parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias.

RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questões colocadas pelos movimentos sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 113-128, jul./dez. 2002.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

GIORDANO, Rosely. Políticas da educação e sistemas fi losófi cos: a vontade da exclusão. Cad. CEDES v.24 n.64 Campinas set./dez. 2004

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AULAS DE FILOSOFIA EM LÍNGUA PORTUGUESA

“Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção.”

Caetano Veloso, Língua in: Velô, 1984.

Na controversa questão do ensino de Filosofi a no Brasil, encontramos diversas propostas para sua prática nas escolas brasileiras. Devido a problemas de ordem estrutural e histórica, a educação brasileira ainda caminha em busca de seus paradigmas. Nesta intermitente progressão, o ensino de Filosofi a algumas vezes foi excluído (como na lei 5692/71), de forma que não consolidou, até hoje, uma tradição mais consistente.

Trazida pelos padres jesuítas no período colonial, a Filosofi a até os dias de hoje é pensada como um saber adjacente e improdutivo na escola brasileira. Permanecendo à margem na formação humanística da maioria dos brasileiros, o discurso fi losófi co ressoa como uma falação estranha e acessível a poucos. Desta forma, o lugar da Filosofi a passou a ser, e continua sendo, em nossa formação humanista, um estar entre o que é disperso pela cultura literária geral e o que é estreitamente acadêmico-universitário.

No Brasil, a responsabilidade do saber fi losófi co foi tradicionalmente confi ada à universidade. Contudo, a experiência acadêmica com tais valores produziu pouco de realmente signifi cativo e inovador dentro da cultura mais ampla. A Filosofi a, dentro da visão acadêmica brasileira, tem permanecido pouco dinâmica e muito atrelada a cânones estrangeiros, e não falamos apenas dos clássicos, o que seria natural, visto a Filosofi a ser um legado de todo o Ocidente. Na academia, raramente surge algum movimento de refl exão da realidade a partir de algum pensamento de nossa vivência – uma experiência tal como a de Ariano Suassuna, escritor e professor da cadeira de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, que repercute a cultura popular e cria a partir dela (Movimento Armorial), é, de fato, uma entre poucas exceções.

ResumoConsiderações sobre a produção filosófica em Língua Portuguesa. Ampliação do conceito de texto filosófico ou de temática filosófica. Vantagens da interdisciplinaridade com as disciplinas de Literatura e Língua Portuguesa para a formação das capacidades lingüísticas.

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Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 41

Filosofia

Porém, mesmo que de forma heterodoxa, a tradição cultural literária em Língua Portuguesa provocou manifestações de pensamento que acumularam de modo não sistemático valores que podemos chamar de fi losófi cos. Saindo do contexto acadêmico, certas questões próprias da Filosofi a manifestaram-se por variadas vias. Essa produção não acadêmica de questões fi losófi cas, essa Filosofi a alternativa tem provocado discussões dentro e fora da academia, às vezes mais do que as originadas na academia. Compreender o que é Filosofi a, compondo o que é tradicional com o que é alternativo, não é algo evidente. Porém, é nessa composição do alternativo com o tradicional que poderemos trilhar um sentido efetivo, e ao mesmo tempo mais atraente, para a Filosofi a na escola. Nas difi culdades com a docência tradicional de ensino de Filosofi a, baseada em textos de autores clássicos, acabamos por procurar a Filosofi a também em outros meios, tais como a literatura e a música quiçá por encontrar neste campo elementos mais próximos de uma vivência autêntica e original do pensamento. Dado o caráter introdutório da Filosofi a no Ensino Médio, tais vias não são apenas pedagogicamente mais efi cazes, como servem também de entrada para os textos clássicos da História da Filosofi a.

Se pudermos apontar um método corrente para o ensino da Filosofi a, certamente uma ampla maioria concordará que uma boa formação fi losófi ca passa pelo esclarecimento de questões apresentadas pelos pensadores clássicos e tradicionais da Filosofi a. Mas o problema central do Ensino Médio está em como chegar a esses textos tradicionais sem afastar o interesse do aluno com a complexidade e estranheza inerente aos mesmos. Sem entrar na questão de defi nir a tradição ortodoxa (o que, em Filosofi a, sempre é um problema, visto que a mesma é por demais fecunda), voltemos um olhar a tudo o que pode ser fi losófi co. Aquilo que realiza uma atitude fi losófi ca, ou seja, uma perspectiva de refl exão.

Com esta ampliação do olhar, possibilitamos, também, uma ativa refl exão sobre a produção fi losófi ca em Língua Portuguesa, em particular a que compõe a história da Filosofi a no Brasil. Essa polêmica discussão — existência ou não de signifi cativa Filosofi a na história do pensamento brasileiro — nos induz a indagar: devemos procurar questões fi losófi cas estritamente no que é produzido dentro da academia? Tal indagação pretende, entre outras coisas, renovar o olhar do professor quanto ao material que pode ser explorado em sua prática docente, assim como evitar uma inocente banalização da Filosofi a, em que qualquer coisa, qualquer objeto cultural, possa ser tomada como objeto fi losófi co. Não queremos, também, perder de vista os objetivos formadores do ensino de Filosofi a, por fi carmos restritos à prática muito comum, porque fácil, do debate sobre qualquer tema, e de qualquer modo.

Importante é ressaltar um aspecto metodológico do uso da Filosofi a em Língua Portuguesa. Nenhum texto, música, fi lme ou qualquer outro meio deverá ser apresentado como fi losófi co sem o direito de sê-lo, quer dizer, sem que o professor justifi que o por quê de tratá-lo como tal. Sem isso, banaliza-se a Filosofi a. Isto não impede que outras coisas do quotidiano sejam objeto de refl exão, i.e., objeto de uma abordagem fi losófi ca, mas deve fi car clara a diferença entre um texto não fi losófi co estudado por uma perspectiva fi losófi ca e um texto que não faz parte da ortodoxia fi losófi ca acadêmica mas que contém, de fato, refl exões fi losófi cas e pode ser considerado como tal. O que devemos fazer, na qualidade de professores dessa disciplina, é relacionar o pensamento produzido em Língua Portuguesa com a tradição fi losófi ca geral. Podemos até contrastar, de um lado, o que pode ser uma refl exão fi losófi ca com, de outro,

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aquilo que efetivamente não o é. Nem sempre é tão fácil fazê-lo, mas a difi culdade, nesse caso, serve à compreensão das fronteiras da Filosofi a; como diz o poeta Alberto Pucheu1: fronteiras desguarnecidas.

1. COMO ENCONTRAR QUESTÕES FILOSÓFICAS EM TEXTOS ORIGINAIS EM LÍNGUA PORTUGUESA?

Para começar, podemos ter um olhar mais fi losófi co sobre nossos autores literários. As questões fi losófi cas que a Língua Portuguesa evoca a partir de sua escritura são, muitas vezes, ora questões estéticas: “Ora, a literatura para que valha alguma coisa, há de ser o resultado emocional da experiência humana”.2; ora metafísicas existenciais: “Eu estava agora tão maior que não me via mais. Tão grande como uma paisagem ao longo. Eu era ao longe.[...] como poderei dizer se não timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. Então adoro.”3 E ontológicas, como na fi losofi a sensacionista de Fernando Pessoa4: “Vi que não há Natureza,/Que Natureza não existe,/Que há montes, vales, planícies,/Que há arvores, fl ores, ervas,/Que há rios e pedras,/Mas que não há um todo a que isso pertença,/Que um conjunto real e verdadeiro/ É uma doença das nossas idéias.”5 Estes são apenas alguns exemplos.

Nesse campo, encontraremos questões fi losófi cas, ainda que nas formas próprias da literatura: o romance, o sermão, o poema, a canção. Autores como Fernando Pessoa, Antônio Vieira, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, José Saramago e muitos outros abordarão de forma não-conceitual questões claramente fi losófi cas. Mas, às vezes, também encontraremos a Filosofi a em Língua Portuguesa na forma de ensaios e tratados fi losófi cos, com um uso conceitual autêntico, como em Fernando Pessoa, Farias Brito, Eudoro de Sousa ou José Gil. É importante também saber que um conteúdo fi losófi co pode se apresentar em diversas formas de escritura: desde os poemas dos Pré-Socráticos e diálogos de Platão, até os tratados sistemáticos de Hegel e aforismos de Nietszche.

Atentos à possibilidade fi losófi ca contida na Língua Portuguesa, podemos aproximar a fi losofi a da realidade em sala de aula. De fato, é raro encontrar alunos que tenham lido algum tratado de Filosofi a, porém, muitos deles já ouviram falar e até mesmo já leram algum autor que escreve em Língua Portuguesa. Muitas vezes são autores que já despertaram preferências e até paixões. Essa aproximação entre fi losofi a e literatura é apenas uma de tantas possibilidades do estudo de autores da língua mátria, pois há também textos interessantes no domínio da Antropologia

1 PUCHEU, Alberto. A fronteira desguarnecida. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997.2 ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio, 1916. 3ª ed.. Rio: José Olympio, 1954. p.308. 3 LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H.4 Um conceito elaborado por Fernando Pessoa: perspectiva fi losófi ca em que só existem como coisas reais as sensações.5 PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. p.70.

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Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 43

Filosofia

e demais Ciências Humanas. Nessa perspectiva, temos uma ferramenta vital para a introdução às questões fi losófi cas.

Um uso de tais materiais textuais aproxima, evidentemente, o curso de Filosofi a das disciplinas de Literatura e Língua Portuguesa. Vale lembrar que, entre os autores fi losofi camente aproveitáveis, estão os maiores mestres da língua, como já citamos. Essa interdisciplinaridade pode e deve ser explorada em atividades elaboradas em conjunto com os professores dessas áreas. O resultado pedagógico amplia-se para a aprendizagem de um melhor uso da língua, tanto no que se refere à sua compreensão quanto à sua escritura.

A produção fi losófi ca em Língua Portuguesa contribui de forma vital para o início do aprendizado de Filosofi a, visto que é mais fácil para o aluno compreender o que se pensou a partir de um contexto mais próximo. É preciso ressaltar que esta não é, de modo algum, uma preferência de ordem xenófoba, excludente dos textos clássicos da História da Filosofi a Ocidental. Ao contrário, trata-se de alçar a Língua Portuguesa à condição cosmopolita que pode lhe conferir a universalidade dos problemas fi losófi cos, universalidade conquistada por todas as culturas que produziram fi losofi a, desde os gregos até nós.

A inserção de material didático alternativo provoca no ambiente escolar uma nova visão sobre a Filosofi a, mas também uma nova visão sobre nossa própria produção cultural e nossa tarefa de semeá-la e cultivá-la. Como vimos, os seus efeitos não se restringem aos objetivos específi cos da disciplina Filosofi a, mas repercutem em toda a formação do aluno, especialmente no desenvolvimento de suas capacidades lingüísticas.

2. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

1. O que caracteriza um texto como filosófico?

Duração: 2h./aula para cada versão

Primeira versão

Apresentar dois textos sobre um mesmo assunto, um fi losófi co, outro não. Listar as diferenças entre os dois, com ajuda da turma. Depois, apresentar um novo tema e propor uma nova questão. Dividir, então, a turma em dois grupos e pedir a cada integrante dos grupos a produção um texto sobre a questão proposta. Ao primeiro grupo, um texto que aborde a questão de forma não fi losófi ca. Ao outro, um texto que aborde a questão de forma fi losófi ca. Ao fi nal, os alunos deverão descobrir e listar as diferenças entre um e outro.

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Segunda versão

Repetir os procedimentos descritos acima, mas, desta vez, utilizar três fontes didáticas para o exercício: material fi losófi co em Língua Portuguesa; material não fi losófi co em Língua Portuguesa e um texto fi losófi co tradicional da História da Filosofi a.

2. A Filosofia em diversos estilos

Duração: 2h./aula

Apresentar um fragmento de texto fi losófi co a ser selecionado a partir do tema que estiver sendo estudado. Ler o texto com a turma e realizar um debate aberto estimulando a interpretação. Posteriormente, propor a transcrição do texto em estilos diferentes (diálogo, poesia, rap, carta ou o que mais for sugerido pelos próprios alunos). A transcrição possibilita ao aluno identifi car o que há de essencial no texto, para, a partir daí, transformar apenas a maneira de dizê-lo.

3. Exemplos de bibliografia em Língua Portuguesa

a) literariamente filosófica

ANDRADE, Carlos Drummond de. O corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984.

BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões.

GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: N. Fronteira, 1986.

LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H.

MACHADO DE ASSIS, J. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Tecnoprint.

_________ . Quincas Borba. Rio de Janeiro: Tecnoprint.

PESSOA, Fernando. Obra poética.

SARAMAGO, José. Memorial do convento. Lisboa: Caminho, 1995.

VIEIRA, Antônio. Obras completas, Porto: Lello, 1951.

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Aulas de Filosofia em Língua Portuguesa 45

Filosofia

b) estritamente filosófica

BOTELHO, Afonso & BRAZ TEIXEIRA, Antônio (org.). Filosofi a da saudade. Lisboa: Imprensa Nacional, 1986.

CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes.

GIL, José. Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio d’água, 1997.

NUNES, Benedito. Introdução à Filosofi a da Arte. São Paulo: Ática, 1989.

PESSOA, Fernando. Obras em prosa.

QUADROS, Antônio. O espírito da cultura portuguesa, Lisboa: Soc. Expansão Cultural, 1967.

SOUZA, Eudoro de. Mitologia. Brasília: Ed UnB, 1980.

SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. Recife: UFPe, 1974.

_________ . Iniciação à estética. Recife: UFPe, 1975.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: 1916; 3ª ed., José Olympio, 1954 p.308

GALLO, Sílvio & KOHAN, Walter Omar. Filosofi a no Ensino Médio. 2ª ed. Petrópolis: Vozes.

PLATÃO. A República. 2ª. ed. São Paulo: Difel, 1973.

SANTORO, Fernando. Le Portugais, langue baroque, In : Vocabulaire Européen des Philosophies. Paris : Le Robert/ Seuil, 2004 pp. 967-977.

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46 Ensimo Médio

AS RELIGIÕES E O ENSINO DA FILOSOFIA

Em sala de aula, encontramos muitas vezes uma situação potencialmente confl ituosa gerada pela abordagem de temas fi losófi cos que tocam, de algum modo, os valores e as convicções vividas quotidianamente por todos nós. O professor de Filosofi a, dependendo de como aborda esses temas, pode acentuar a situação de confl ito ou pode, por outro lado, conquistar, para esses temas movedores de nossas paixões, uma relação pedagogicamente construtiva. Este artigo busca refl etir sobre algumas causas desses confl itos e propõe algumas atividades didáticas para contorná-los ou enfrentá-los de modo ética e fi losofi camente formador. A relação aqui discutida é entre as religiões e o ensino de Filosofi a, mas vale também para outras relações da Filosofi a com valores culturais, estéticos, morais, políticos, tradicionais ou não.

A chave da posição educadora do professor é a virtude da tolerância. Seja por parte do educador, seja por parte do educando, ou até de terceiros, como pais, amigos, autoridades, é a intolerância o vício que acentua situações de confl ito e pode gerar obstáculos a uma formação mais completa dos jovens.

Destacamos que a Filosofi a e as religiões apresentam pontos comuns, e por isso podem estar em situação de atrito. Esses pontos são alguns temas de preocupação como: a existência humana e a morte, os valores e as relações entre os homens, deus ou deuses e a idéia de princípio universal, entre outros. Religiões e Filosofi a, porém, implicam em atitudes essencialmente diferentes, uma vez que as religiões se baseiam na fé e na revelação de princípios, valores e relatos, normalmente inquestionáveis, enquanto que a Filosofi a visa levantar questionamentos em todos os seus temas e não se satisfaz com qualquer posição parcial ou doutrinária. O grande desafi o de cada ser humano, proposto pela Filosofi a, é a compreensão dos princípios da realidade e a

ResumoDiscussão sobre o problema da intolerância e de como é fundamental, para o exercício da Filosofia, a capacidade de analisar todas as opiniões e suposições, a começar pelas próprias, sem desrespeitar nem trivializar as diversas posições, convicções e decisões dos demais. A relação, aparentemente divergente, das atitudes religiosa e científica pode tornar-se, numa abordagem de reflexão filosófica, o ponto de partida para experimentar concretamente a virtude democrática da tolerância.

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As Religiões e o Ensino da Filosofia 47

Filosofia

refl exão de seus temas fundamentais e universais. Isso não implica necessariamente em abdicar de convicções de fé ou valores tradicionais, e muito menos em ignorar ou ridicularizar as convicções do outro, ferindo um dos princípios da alteridade e da convivência.

A relação entre a Filosofi a e as religiões, muita vezes, parece naturalmente confl itante, se de antemão as colocamos em oposição uma à outra, ou seja, as religiões acusando a Filosofi a de heresia a ateísmo, e a Filosofi a acusando as religiões de dogmatismo. Mas não é necessário que isso ocorra, e podemos até destacar a peculiaridade da relação existente entre a fé e a razão e ver como é tratada em vários textos da tradição fi losófi ca, como nos Pensamentos de Pascal ou em Temor e Tremor de Kierkegaard.

A convivência entre as religiões e a fi losofi a vem da consciência de poder relacionar-se com o mundo de várias maneiras, uma vez que as mesmas não se opõem e nem se excluem, apenas são diferentes. A oposição só surge quando uma pretende ocupar o campo de ação e signifi cação da outra – de modo intolerante.

Um dos principais papéis da Filosofi a é desenvolver uma formação humanista. Essa formação não se faz apenas com a aquisição de informações, mas, sobretudo, com o desenvolvimento de atitudes. Uma atitude essencial a desenvolver no trato com as questões fi losófi cas é a tolerância com a diversidade de idéias e posições, mesmo aquelas que nos pareçam mais estranhas ou diferentes.

O professor deve ser o primeiro a dar o exemplo da tolerância, não tratando com derrisão nenhuma das crenças ou convicções dos alunos. Mas isto não quer dizer abdicar da refl exão própria da atividade fi losófi ca, inclusive pela análise das diversas posições e suposições das convicções e seus argumentos de sustentação. Deve fi car clara, porém, a diferença entre o momento da refl exão e da análise – momento fi losófi co –, e os momentos de decisão e posicionamento, segundo valores e convicções pessoais, familiares, comunitários. Deve fi car claro, sobretudo, que não há incompatibilidade entre esses dois momentos, ao contrário, podem até fortalecer-se reciprocamente.

A Filosofi a, como disciplina, deve promover no aluno a capacidade de ler, compreender e escrever textos que tratem de questões fi losófi cas, de modo a criar os subsídios necessários à argumentação de opiniões, seja para sustentar uma posição, para questioná-la ou mesmo suspendê-la, segundo o exercício pleno e responsável da liberdade de pensamento. A Filosofi a também deve propiciar a capacidade de ouvir e respeitar essas mesmas ações, inclusive nos que pensam e agem diferente de nós. A liberdade é sempre um valor comum, que envolve reciprocidade, não uma prerrogativa exclusiva de nenhuma autoridade, muito menos de uma autoridade do saber. O professor de Filosofi a deve ser o primeiro a questionar a suposta autoridade de saber do próprio professor no âmbito da Filosofi a.

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48 Ensimo Médio

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

1

Duração: 2h/aula + atividade extraclasse

Sugere-se, como ponto de partida, a apresentação de temas com a realização de debates: a existência e a inexistência de Deus, monoteísmo e politeísmo, verdade e crença, razão e fé, entre outros. Em seguida, apresenta-se um texto fi losófi co de modo a subsidiar conceitualmente o debate iniciado (pode, também, a leitura de um outro texto, preceder a apresentação do tema). Por fi m cobra-se a elaboração de uma dissertação.

Outro recurso que pode ser utilizado para motivar os debates são obras cinematográfi cas. Algumas sugestões:

O nome da Rosa (Jean-Jacques Annaud)Em nome de Deus (Clive Donner)O sétimo selo (Ingmar Bergman)O destino (Yossef Chahine),O Evangelho segundo Mateus (Pier Paolo Pasolini), entre outros.

2

Duração: 2h/aula

As “Cartas Persas” de Montesquieu fazem um relato imaginário, sob a forma epistolar, da visita de dois persas, Rica e Usbeck, à Paris. Eles escrevem para seus amigos na Pérsia tudo o que vêem lá. Por meio dessa narrativa, o fi lósofo critica os costumes, as instituições políticas e os abusos da Igreja e do Estado na França da época.

Atividade: Sugerir aos alunos que, após a leitura refl exiva do texto, montem uma dramatização atualizada do olhar de dois estrangeiros em visita a um país com traços culturais diferentes de seu país de origem.

Avaliação: Relatar por escrito a dramatização, analisando os pontos de intolerância, e opinar como a dramatização poderia ser remontada traçando um novo fi nal com destaque para a tolerância.

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As Religiões e o Ensino da Filosofia 49

Filosofia

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Sto. Confi ssões. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

AQUINO, Sto. Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

_________ . Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. São Paulo> Iluminuras, 1992 (Ed. Jaa Torrano).

KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão, São Paulo: Abril Cultural, 1973 (trad. T.M. Bernkopf).

KIERKGAARD, Soren. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1973, (Ed. M.J.Marinho).

MONTESQUIEU. Cartas Persas. São Paulo: Nova Alexandria, 2005.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, (Ed. P.C. de Souza).

PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

VOLTAIRE, François-Marie Arouet. Zadig. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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50 Ensimo Médio

O CORPO NO ENSINO DA FILOSOFIA?

Em pleno século XXI, com toda a extraordinária evolução científi ca, tecnológica e informacional, com todas as explicações racionais sobre os fenômenos que envolvem nossa existência, ainda vemos como um desafi o a interpretação do corpo humano e seu cuidado.

Sócrates, pode-se dizer, foi um pioneiro na atividade refl exiva do homem, e sua sabedoria legendária passava também pela resistência e temperança com que cuidava do corpo. Com Platão, o corpo e a alma assumem posições antagônicas: a alma é eterna, pura, sábia. O corpo é mortal, impuro, degradável. O corpo torna-se, por assim dizer, a prisão da alma, impedindo-a de ascender ao plano ideal perfeito. Para Descartes, o homem constitui-se de duas substâncias: uma pensante, a alma, razão da existência, e outra, o corpo, simplesmente uma coisa extensa, externa, que nada tem em comum com a alma. A consciência e a refl exão fi losófi ca, então, situam-se no plano da alma, não do corpo. Para ele, a união da alma com o corpo aloja-se numa pequena glândula no cérebro, a glândula pineal. Sendo assim, caberia ao cientista o exame do corpo fi siológico, enquanto o fi lósofo se preocupa com o âmbito refl exivo da alma.

No século XX, uma corrente fi losófi ca, o existencialismo, foi responsável por uma mudança radical na forma de a Filosofi a perceber a corporeidade. Ela mostrou que não dá para pensar em corpo sem falar em consciência (alma, espírito) e vice-versa. Segundo o existencialismo, o único modo de conhecermos o corpo é vivenciá-lo.

Um dos principais fi lósofos existencialistas, Jean-Paul-Sartre, coloca três dimensões ontológicas que direcionam o ser: Primeira: “Eu existo em meu corpo”. Segunda: “Meu corpo é conhecido e utilizado pelo próximo”. Isto coloca o corpo numa dimensão de “ser para outro” (objeto, instrumento). Terceira: “Existo para mim como conhecido por outro como corpo”, que nos remete a refl exão – O que é corpo para cada um de nós?

ResumoO corpo é um tema recorrente da reflexão filosófica, mesmo quando observamos que a tradição da Filosofia tendeu a relegá-lo a uma condição subordinada ou inferior. Por outro lado, a contemporaneidade traz novos problemas, sobretudo no campo da ética, que fazem do corpo um objeto privilegiado de discussão e compreensão do mundo atual. São propostas algumas atividades para levantar esta discussão.

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O Corpo no Ensino da Filosofia? 51

Filosofia

Assim, vemos o corpo como ser sexuado, perceptível no nível de desejos e emoções recíprocas. Outro existencialista, Maurice Merleau-Ponty, foi o fi lósofo que talvez mais tenha contribuído, neste século, para a compreensão do corpo como ponto de partida para o conhecimento fi losófi co e científi co, colocando a percepção como fonte de descoberta do corpo e como experiência de propagação, que se repete na relação com as coisas e com os outros.

Assim, ao longo da história da Filosofi a construiu-se uma série de compreensões e suposições acerca do corpo, da alma e de suas inter-relações.

Hoje, com o crescimento de um caráter materialista e individualista na civilização ocidental, o homem está mais preocupado com seu corpo. Vivemos numa sociedade que cultua o corpo “jovem, belo e saudável”, que nos impõe modismos alienantes, por interesses econômicos, políticos e ideológicos.

Embora a vida presente nos imponha uma necessidade de sobrevivência nesta violenta civilização, ainda assim precisamos fazer do corpo um elemento de preocupação e mesmo de resistência face à servidão consumista. Um corpo que nos coloque no mundo e que seja capaz de “aventurar-se” para vivenciarmos novas e impensadas perspectivas de vida.

Sendo como somos, seres incompletos e ainda nascendo, estamos sempre na pré-história de nós mesmos, pois buscamos a cada dia as respostas aos confl itos de nossa alma e a cura às feridas de nossa carne.

Somos mortais, mas custa-nos acolher a morte de nosso corpo dentro da vida, porque pressentimos ou desejamos que haja algo além da morte. E suspeitamos que, num balanço geral da vida, um gesto de amor e afeto, alimente verdadeiramente nosso corpo e nossa alma.

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

Proposta 1

Duração: 1h/aula

Carta ao corpo – escreva uma carta ao seu próprio corpo, mantendo um diálogo de como vocês se percebem entre si.

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52 Ensimo Médio

Proposta 2

Duração: 1h/aula

Para reflexão e debate

O tempo humano encontra-se ainda mais distante; as pessoas têm de se subordinar cada vez mais aos ritmos impostos pelas máquinas. A sociedade hoje é marcada pelo fl uxo de informações e pela velocidade das transformações. Nesse sistema científi co-tecnológico, o Eu humano, meu corpo, perde seu lugar sensorial, transformando-se num número.

Músicas: Sorria, você está sendo fi lmado (Gabriel Pensador), Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil)

Proposta 3

Duração: 1h/aula

Refl exão sobre os estereótipos impostos pelos modismos que descaracterizam a natureza de nosso corpo (biótipo)

“... Tinha 30 anos quando fui internada. Quando comecei a fazer regime, pesava 46. Me achava gorda, me olhava no espelho e me achava horrível. Achava que tinha que perder uns 10 quilos.

Fiz tudo para emagrecer, regime de frutas, regime de tudo. Tomei injeções para perder coxa e bunda. É superdoloroso ...

Minha vida inteira foi de regime. Com 15 anos já fazia. Sempre pensando que iria fi car mais bonita se fosse magra, que iria arranjar namorado, essas coisas ...

Meu corpo é inteiro de ossos. É horrível. Quero casar e ter fi lhos. Hoje não posso nem pensar em ter fi lhos com esse peso.

Nunca mais saí, nunca mais viajei. Tenho vergonha de colocar um biquíni. Nunca mais comprei roupa. Não tenho mais prazer.”

Texto - (Folha de São Paulo, 12/3/95, Caderno Cotidiano, p.3)

Metodologia: Debate

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O Corpo no Ensino da Filosofia? 53

Filosofia

Proposta 4

Duração: 1h/aula

Para reflexão e debate

O Eu que existe em meu corpo pensa e se expressa. A arte eleva o pensamento, e o corpo se expressa através da literatura, da música, da pintura, da escultura, da dança. Por que podemos dizer que essas manifestações artísticas são a essência do mundo?

No fi nal do séc. XIX, o fi lósofo alemão Friedrich Nietzsche, nos diz:

“A partir de agora, o domínio da ciência só se produz pela arte. Trata-se de juízos de valor sobre o saber e o saber muito. Tarefa imensa e dignidade da arte nesta tarefa! Ela deve recriar tudo e recolocar sozinha a vida no mundo”(...) “A nossa visão prende-nos às formas. (...) o fi lósofo reconhece a linguagem da natureza e diz: “Temos necessidade da arte” e ‘só precisamos de uma parte do saber”’’ (do livro do fi lósofo, aforismos 39 e 51)

Proposta 5

Duração: 1h/aula

Para reflexão e debate

“Meu corpo já nasceu condenado a ser livre”, disse Sartre. A liberdade nos delega o direito de escolha. Mesmo a morte é uma escolha, e optar por ela é parte de meu exercício de liberdade... A liberdade do outro eleva a minha ao infi nito. Assim, minha liberdade não termina onde começa a do outro, mas ambas começam juntas e, uma complementando a outra, podem crescer ao infi nito.

Música: É proibido proibir (Caetano Veloso)

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

KLEIST, Heinrich V. Sobre o teatro de marionetes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997 (Ed. P.Süssekind).

NIETZSCHE, F. W. A genealogia da moral. São Paulo: Cia das Letras, 1998 (Ed. P.C. de Souza).

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54 Ensimo Médio

MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

PLATÃO. O Banquete. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

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Páginas de Filosofia na Internet 55

Filosofia

PÁGINAS DE FILOSOFIA NA INTERNET

Encontram-se, a seguir, páginas da Internet com informações e materiais úteis para o ensino e para o estudo da Filosofi a, em diversos níveis de abordagem e aprofundamento. Servem tanto aos professores quanto aos alunos. Os endereços foram atualizados em dezembro de 2005, de modo que podem sofrer alterações posteriores, da parte de seus organizadores e editores. Trata-se de uma pesquisa inicial, mas nos sítios aqui listados há elos para outras páginas interessantes, não listadas aqui. É um pequeno porto, com alguns atracadouros para dar início à navegação virtual. Recomenda-se que o professor ensine aos seus alunos as formas de navegar e também de respeitar as referências autorais nos materiais utilizados em trabalhos escolares. Lembrar que referências da Internet precisam do Autor, do Título, do endereço virtual, da data de publicação (quando disponível) e da data em que a página foi baixada no computador (visto que a Rede é extremamente dinâmica e as páginas somem tão rápido quanto aparecem!).

Navegar é preciso.

ALGUNS SÍTIOS DE FILOSOFIAhttp://www.criticanarede.com/http://www.pFilosofi a.pop.com.br/http://www.geocities.com/marceloeva/Filosofi a_no_Brasil.html (a Filosofi a no Brasil)http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/ (Laboratório de Estudos Clássicos) http://www.classica.org.br/ (Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos)http://aFilosofi a.no.sapo.pt/agendafi losofi ca.htm (lista de láginas de Filosofi a)http://www.ifcs.ufrj.br/Filosofi a/index.html (Instituto de Filosofi a e C. Sociais da UFRJ)http://www.fafi ch.ufmg.br/fi l/ (Faculdade de Filosofi a e Ciências Humanas UFMG)http://www.perseus.tufts.edu/ (Perseus Project, textos fi losófi cos em grego e inglês)http://www.scriptaclassica.hpg.ig.com.br/ (Revista Scripta Classica)

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56 Ensimo Médio

Dicionário de Filosofia LEXICONhttp://ocanto.no.sapo.pt/lexicon/dcionara.htm

Sítios de pesquisas para adultos e criançashttp://br.cade.yahoo.com/http://www.google.com.br/http://www.cbfc.org.br/

Filosofia na literatura“Funes, o Memorioso” , de Jorge Luis Borges. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/funes.htm“O Espelho”, de Machado de Assis, ou: “Sobre o problema da identidade do homem, em Rousseau”, de Gilda Maciel de Barros. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/gilda.htm“O Segredo do Bonzo”, de Machado de Assis. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/bonzo.htm“O Mistério das Cousas”, de Fernando Pessoa. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/pessoa1.htm“Diálogo Filosófi co”, C. Drummond de Andrade. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/dialogo.htm“Tabacaria”, de Fernando Pessoa. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/pessoa2.htm“A Falsa Eternidade”, de C. Drummond de Andrade. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/falsa.htm“Riobaldo: o Jagunço-Filósofo”, excertos de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/riobaldo.htm

ObservaçãoOs interessados em textos completos de alguns dos maiores nomes da literatura nacional podem consultar a página do Prof. Alckmar, intitulada: Literatura em Meio Eletrônico. http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/

Para baixar livros da Internetwww.dominiopublico.gov.br (obras de domínio público disponíveis para baixar gratuitamente)www.cultvox.com.br (sítio comercial com seção de obras disponíveis gratuitamente)www.odialetico.hpg.ig.com.br/fi lo_varioslivros.htm (livros e artigos sobre os mais diversos fi lósofos)

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A Filosofia no Ensino Médio e a Prova de Filosofia no Vestibular 57

Filosofia

A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E A PROVA DE FILOSOFIA NO VESTIBULAR

A Filosofi a é, antes de tudo, uma atividade e uma atitude; nesse sentido, a Filosofi a está sempre presente – no presente. Mas a atitude fi losófi ca é uma postura e uma ação refl exiva, quer dizer, fl exiona sobre si mesma, como se olhasse por uma janela semi-espelhada em que se pode ver o mundo e também o nosso olhar a vê-lo e, então, admira-se com esta visão reunida de efeito e causa.

Para a Filosofi a, não basta saber que as coisas estão aí à nossa frente, que há objetos no mundo de um ou de outro jeito. Ela se pergunta por quê? Por que as coisas estão aí desse modo? Qual a causa de serem assim? Quando a dúvida e o espanto se instalam em nosso pensamento é que começamos a fi losofar. O espanto e a dúvida, porém, nos retiram do presente, nos retiram pelo menos da presença estável do mundo e de suas coisas. O presente das coisas se retrai e se torna objeto do nosso pensamento. Então, o que se torna presente é o nosso pensamento, e as coisas do mundo se tornam coisas pensadas (e passadas), objetos da nossa investigação. A investigação das causas de as coisas serem assim, os gregos a chamavam de historía. Por isso, não apenas chamavam de história a investigação dos fatos humanos, mas também chamavam de história, por exemplo, a investigação empírica dos animais.

Mas a Filosofi a não é apenas uma refl exão que investiga as causas das coisas. Ela quer ir além e alcançar a causa última de todas as coisas, ela quer ser uma investigação não factual, não empírica, não de cada coisa uma por uma, mas ela quer ser total, universal, originária. Para tanto, ela usa um estratagema: ela fl exiona uma segunda vez. Para além de perguntar as causas de cada coisa, ela pergunta pela causa primeira, pelo princípio. Mas o princípio para a Filosofi a não é o começo, algo que ocorreu num passado remoto. Se buscar a causa primeira fosse buscar a causa da causa da causa de um evento, buscando o primeiro dominó do tempo que

ResumoEmbasando-se na dinâmica própria da atividade filosófica e de sua tradição, são pensadas as práticas de ensino e avaliação no Ensino Médio. Resulta dessa reflexão uma proposta de implementação da prova de Filosofia no vestibular, bem como de preparação dos estudantes para o desempenho dessa prova.

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58 Ensimo Médio

empurrou todos os demais, a Filosofi a nunca iria encontrar o seu objeto de investigação, pois em todo evento sempre há de se encontrar um anterior. Assim, a Filosofi a, quando busca o princípio, salta para fora do tempo eventual, do tempo linear, da sucessão do antes e do depois. Ela salta para dentro do universal e busca não a causa desta coisa, mas a causa de toda coisa, da coisa em geral.

Nesse movimento de refl exão, a Filosofi a fez um salto sobre si mesma: deslocou com sua atividade presente de pensamento todas as coisas para fora do presente, suspendendo-as de sua presença. Essa suspensão o grego chama de epoché – é daí que tiramos a palavra “época”. Assim, ao circunscrever a totalidade do presente, buscando as suas causas, a Filosofi a cria no seu tempo uma “época”. Mas ela faz isto mergulhando no que transcende toda época e toda particularidade, buscando o universal, o que é para todos em todo tempo.

Desse modo, mesmo se História e Filosofi a são ambas investigações das causas, elas refl etem de modo diferente o mundo das coisas. A História busca a causa na sucessão dos eventos, articulando causas e conseqüências segundo a diacronia do antes e do depois. A Filosofi a busca o princípio universal. Porém, como vimos, na busca do universal, a Filosofi a suspendeu as coisas que estavam à sua frente, afastou-se delas. Mas não se afastou para negá-las, senão para compreendê-las; como alguém que não consegue ver um grande quadro se ele está muito próximo do seu nariz e dá passos para trás para abarcar o todo. Nesse afastamento, em que se move para compreender a totalidade das coisas, a Filosofi a, encarnada num ser humano, o fi lósofo, o qual vive uma vida no tempo, produz uma ação histórica: um pensamento. Mas não um pensamento qualquer, senão um pensamento que pensa o princípio de todas as coisas, ainda que circunscrito no tempo da vivência de um ser humano.

Nesse confronto temporal entre o conteúdo universal do pensamento que pensa o princípio de todas as coisas, por um lado, e, por outro, sua realização efetiva, sempre situada numa atividade humana, é que surge a dupla possibilidade de estudo da Filosofi a. Possibilidades não excludentes, mas sempre inter-relacionadas. Por um lado, esse estudo pode ser orientado pela história e sua investigação das causas na diacronia dos eventos. Por outro, esse estudo pode ser orientado pela busca do princípio universal que reúne as épocas, os fi lósofos e suas fi losofi as numa totalidade temática.

Essa dualidade comporta dois desvios muito comuns, os quais passam por não perceber essa dualidade e, geralmente, por apoiar-se em algum extremo de modo exclusivo e excludente. O primeiro desvio é denunciado por Hegel na sua obra “Introdução à História da Filosofi a” (1816); trata-se de lidar com a Filosofi a e sua história como uma galeria de doutrinas e opiniões diferentes que se sucedem aleatoriamente e tendem a excluir umas às outras do campo da verdade. O que importa é o fato de que cada fi lósofo construiu uma Filosofi a, cujo conteúdo é acessível pelos textos que deixou, e dos quais eu posso extrair um certo número de conceitos e sentenças para compor uma coletânea ou manual. Esse tipo de História da Filosofi a existe desde a antiguidade e era chamado de “doxografi a”. É o caso, por exemplo, do “Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres” de Diógenes Laércio (séc. III), modelo até hoje do manual de história da Filosofi a, reunindo escolas doutrinárias e dispondo-as cronologicamente. Esse

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A Filosofia no Ensino Médio e a Prova de Filosofia no Vestibular 59

Filosofia

modelo é nitidamente mais historiográfi co do que fi losófi co, mas é o mais encontrado na academia, e não nos cursos de História, mas nos próprios cursos de Filosofi a.

Outro desvio, também bastante comum, é o que tende a enquadrar toda a diversidade dos eventos históricos, todos os fi lósofos e suas obras, na unidade absoluta de um sistema, organizando e distribuindo um conjunto de temas próprios da Filosofi a. Esse desvio é a praxe de abordagem da Filosofi a e sua história, da parte dos próprios fi lósofos. A “História da Filosofi a” e a “Enciclopédia” de Hegel são os grandes paradigmas dessa abordagem, mas ela existe, de fato, desde a primeira história da Filosofi a, contada por Aristóteles no primeiro livro da sua Metafísica (séc. IV a.C.). Esse tipo de abordagem, aliás, podemos denominar de abordagem metafísica; tem ela a vantagem, para o interessado em Filosofi a, de ser indubitavelmente fi losófi ca, quer dizer, voltada para um princípio universal. Tem, porém, a desvantagem, também metafísica, de descolar-se da atividade presente e tender à abstração vazia à medida que despreza a diversidade do caráter e das perspectivas de abordagem de um tema ou problema. Descola-se, assim, sobretudo, a particularidade da conjuntura atual em que esse tema ou problema também, inevitavelmente, está inserido.

Ainda que possamos ressalvar que muito do estudo da Filosofi a tem se restringido atualmente ao conhecimento superfi cial da história dos autores e suas máximas, o interesse primeiro de quem busca a Filosofi a não é a erudição histórica, mas o tratamento de temas e questões fundamentais – incluindo aí também a própria problematização da História e da Filosofi a.

Essa é a primeira consideração quando se busca uma relação autêntica com os textos de Filosofi a: interessa-nos menos que tenham dito isto ou aquilo assim ou de outra maneira; interessa-nos, sobretudo, que, com eles, podemos também agora pensar questões sempre prementes da realidade e de nossas relações com o real, com outros homens e com nós mesmos; que possamos colocar em causa o mundo, o tempo, o homem, a ação, a criação, o conhecimento, a verdade, a linguagem e outros temas de mesma relevância.

Como a Filosofi a questiona temas universais, é de sua própria natureza que a refl exão de um fi lósofo particular, em uma época também particular, possa repercutir como pensamento real e fundamental em outros homens e outras épocas – inclusive em nós. As refl exões sobre a natureza da morte que Sócrates desfi a no Diálogo “Fédon”, de Platão, por exemplo, continuam relevantes para todos nós que somos acometidos pela angústia de nossos limites de vida e pela busca de seu sentido. As considerações políticas de Aristóteles acerca da superioridade da beleza sobre a utilidade são excelentes para pensar o mundo contemporâneo da técnica. E onde encontramos uma compreensão tão clara do sentido da ciência moderna como no prefácio da “Crítica da Razão Pura” de Kant? As possibilidades são inúmeras, pois sempre há vias de iluminar um problema de relevância atual por meio de algum texto da tradição fi losófi ca.

Isso nos dá uma indicação clara e positiva sobre a maneira de apresentar a Filosofi a para quem nunca teve contato com seus textos, mas que sem dúvida já passou por temas e questões de sua alçada: justamente fazer a ligação entre tais temas e questões, em uma refl exão perspicaz, cuidadosa, rigorosa, bem argumentada, que pode ser propiciada pela leitura de um grande autor, de um texto clássico de Filosofi a.

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60 Ensimo Médio

Independente do estilo do professor de Filosofi a, de suas preferências textuais ou autorais, de sua adesão a linhagens ou escolas, o estudo e o ensino da disciplina Filosofi a na escola de ensino médio não deve e não precisa abrir mão do elemento primordial de toda abordagem fi losófi ca: a refl exão sobre questões universais com o auxílio de um texto clássico, quer dizer, um texto que faça parte de um repertório de obras decisivas para a constituição da nossa cultura e civilização. Por mais que possa haver controvérsias quando o conjunto é limitado, pode-se listar uma dezena de autores incontestavelmente decisivos, e suas principais obras. E, mais importante, a Filosofi a inteira, como atitude e atividade, pode se efetivar já com a leitura de um único texto, se não se perde de vista a pertinência real e atual das questões por ele abertas.

Há um problema, freqüentemente levantado por alguns pedagogos ou professores de outras áreas, não acostumados ao estudo da Filosofi a. Dizem que os textos de Filosofi a são de difícil leitura e sugerem, em seu lugar, seja o estudo de um manual (histórico ou temático, não importa), seja a mera discussão de opiniões acerca de um tema proposto pelo professor. Em geral, essa consideração supõe que a leitura e o estudo de um texto fi losófi co deveriam ser feitos como a de qualquer outro texto didático. Mas um texto de Filosofi a não é nem nunca poderá funcionar como um livro didático, que apresenta um programa de conteúdos positivos que o aluno possa adquirir e somar ao seu cabedal de informações. Conteúdos verifi cáveis numa prova de conhecimentos como certos ou errados.

O texto de Filosofi a não “ensina Filosofi a” didaticamente, mas é, ele mesmo, o pensamento e o acesso ao pensamento fi losófi co, de modo que precisa ser tratado como tal e não como um livro didático “mais difícil”. Efetivamente, se é buscado um conjunto de conhecimentos verifi cáveis, um cabedal de conteúdos acumuláveis, o texto de Filosofi a não só é difícil, mais até, é impossível! Não é isso que se vai encontrar num texto de Filosofi a. Um professor de Filosofi a sabe disso e sabe que o texto de Filosofi a não é um texto didático, mas um percurso de pensamento a ser experimentado e percorrido intensamente em várias direções e com muito mais vagar. Um texto em que é preciso repertoriar um vocabulário novo, um tema, um conjunto de questões, posições, suposições, intenções, conseqüências, em que é preciso acompanhar passo a passo os argumentos e justifi cativas. Em suma, um texto que precisa ser lido e relido muitas vezes e, a cada vez, com um olhar renovado pela leitura e discussão anteriores. Um texto que não se lê passivamente para aprender, mas ativamente, para interrogar, questionar e pensar.

Em mudando a atitude de leitura do texto, ele não entra mais numa escala de valor entre o mais fácil e o mais difícil, pois na experiência do pensamento não se busca resolver os problemas, mas antes encontrá-los e aprofundá-los. A função do professor de Filosofi a é a de dar esse exemplo de mudança na atitude de abordagem do texto e despertar o interesse por sua problematização. Essa função requer muitas vezes uma preparação propedêutica, pois, sobretudo no ensino médio, há mais difi culdades para realizar essa abordagem fi losófi ca de um texto fi losófi co. É que vigora, desde o ensino básico até a universidade, um grave problema conjuntural de defi ciência de leitura. Todos conhecemos os terríveis dados sobre o analfabetismo funcional, e a leitura de um texto fi losófi co requer um pouco mais de maturação na leitura de textos. De modo que o professor do ensino médio tem de colaborar, junto com seus colegas de todas as disciplinas, para a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura em geral.

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A Filosofia no Ensino Médio e a Prova de Filosofia no Vestibular 61

Filosofia

Esta função propedêutica de aprendizagem da leitura em geral implica em duas atitudes importantes no ensino atual da Filosofi a – bem reconhecidas e buscadas pelos professores do ensino médio: uso de recursos paradidáticos e prática interdisciplinar. Primeiro, o uso de material paradidático é usado para despertar o interesse fi losófi co a partir de meios mais acessíveis à sensibilidade dos jovens: canções populares, literatura, cinema, noticiário, problemas quotidianos. Segundo, a prática de uma interação com as demais disciplinas da escola leva a encontrar nas ciências, na matemática, no estudo da língua etc. questões de possível abordagem fi losófi ca. Ao mesmo tempo, essa interação encontra nessas disciplinas um auxílio para a necessária capacitação geral da leitura. Nesse sentido, são utilizáveis não apenas livros didáticos para apresentar os textos clássicos (que têm um acesso liberado por aqueles textos mas nunca são por eles substituídos!1), mas também textos e matérias usados em outras disciplinas2 ou provenientes do ambiente cultural mais próximo. É perceptível um crescente desenvolvimento editorial para a elaboração de tais materiais3.

Uma escola que desenvolve um ensino de matemática de qualidade, que desenvolve bons hábitos de leitura e escritura, e que disponibiliza um acesso variado às diversas manifestações culturais certamente está mais preparada para o ensino da Filosofi a. Mas o ensino da Filosofi a não deve esperar que o aluno fi que “bem preparado” para fi nalmente apresentar suas questões e sua abordagem. O ensino de Filosofi a deve colaborar o tempo todo com todos os caminhos que levam à formação básica de um adulto autônomo e livre, apto a iniciar todos os desempenhos humanos, cívicos, científi cos e profi ssionais; a decidir sua vida, seja nas suas dimensões éticas e existenciais, seja no desempenho de uma profi ssão com exigências gerais de qualifi cação, seja ainda no prosseguimento de estudos para uma atividade com formações específi cas adicionais. Esta colaboração interdisciplinar pode conferir à escola justamente a idéia de que as disciplinas não devem ser compartimentalizações excludentes do saber, mas instrumentos para a realização de um mesmo fi m: a formação desse cidadão esclarecido, livre e capaz. A Filosofi a, justamente por seu caráter pré-disciplinar, por não ser defi nida por um conjunto de conteúdos informativos e por sua atitude refl exiva, é o melhor caminho para a integração das diversas disciplinas escolares, e deve assumir efetivamente esse papel. O professor de Filosofi a pode buscar o trabalho conjunto com os diversos professores de outras disciplinas, buscando ler nos seus conteúdos particulares as questões de ordem fi losófi ca; e deve usar o seu tempo específi co para capacitar o aluno à leitura refl exiva de qualquer texto, auxiliando o aluno a desenvolver uma capacidade mais aprofundada de compreensão em geral.

É bom lembrar também que a compreensão de um texto em geral, a refl exão estética sobre as diversas formas da cultura e a problematização autônoma de questões éticas e políticas quotidianas são algumas diretrizes afi nadas com o que propõe a LDB. O sentido do estudo de

1 O livro de Danilo Marcondes, Textos Básicos de Filosofi a (Zahar, 1999), é um bom exemplo de acesso aos textos clássicos.2 Há relatos de experiências com estudos coordenados entre diversas disciplinas notavelmente bem sucedidos, tais como o estudo do “nome” e do “verbo” abordados do ponto de vista gramatical e fi losófi co, pelos professores das duas disciplinas em conjunto (Prof. Dr. André Valente e Prof. Dr. Fernando Santoro, turma de terceiro ano do Centro Educacional Anísio Teixeira, 1991).3 Um exemplo é o recém premiado com o Jabuti, na categoria “paradidático”, Explicando a Filosofi a com Arte de Charles Feitosa (Ediouro, 2004).

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Filosofi a no ensino médio, tal como propõe a lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira, não está na aquisição de informações sobre doutrinas ou autores da história da Filosofi a, nem na preparação específi ca para um estudante de Filosofi a de nível superior, mas na formação humanística geral que se quer para todo cidadão livre e capaz de compreender e lidar com seu próprio mundo.

Pensando primeiro na idéia de desenvolvimento geral da compreensão de um texto, sua leitura ativa e refl exiva e sua interpretação na forma de um texto escrito, mas pensando também na consolidação de uma tradição cultural que possa inserir-se de modo livre e criativo no seio de sua própria civilização cosmopolita, é salutar uma ênfase nos recursos textuais originalmente escritos em português. Em Filosofi a, quando se buscam autores clássicos, nos remetemos em geral aos gregos, alemães, franceses e outros – de modo que, no ensino médio, ao usar esses autores, fi camos limitados a traduções, o que nos dá um texto de segunda mão, nunca tão fl uente e claro como o original. Esses autores são importantes fi losofi camente e não devem ser dispensados ou preteridos; mas o uso mais intenso de autores que escreveram originalmente em português traz algumas vantagens acessórias: as diferentes edições mantêm a unidade do texto; aprende-se melhor não apenas a ler, mas também a escrever; e contribui-se para o conhecimento e a formação de uma tradição vernácula. O fato de os conteúdos de Filosofi a aparecerem nas obras em Língua Portuguesa, muito mais em livros não reputados como fi losófi cos, não deve ser visto como empecilho, mas como característica, peculiaridade da cultura e do pensamento em Língua Portuguesa e, como tal, deve ser explorada.

Enfi m, acreditamos que a ênfase maior do ensino de Filosofi a não deva ser direcionada para qualquer programa de conteúdos informativos determinados, mas para a compreensão refl exiva das questões fi losófi cas em geral e para a capacitação da abordagem dessas questões a partir da leitura de textos. Primeiro, de textos em geral, segundo, de textos propriamente fi losófi cos – quaisquer.

Acreditamos, portanto, que o ensino de Filosofi a deve priorizar o estudo e a leitura ativa de textos em geral e alcançar a capacidade de pensar com um texto fi losófi co, buscando encontrar questões universais e experimentá-las na vitalidade de sua realidade atual. Dessa forma, os instrumentos de orientação e comprovação da efetividade dessa experiência devem proporcionar e incentivar esse movimento. O Vestibular é um instrumento desse tipo: primeiro, como ferramenta de seleção que é (a despeito de todas as críticas passíveis a um instrumento de seleção para entrada no ensino superior), deve ele comprovar, num exame de Filosofi a, a capacidade de relacionar e questionar um tema universal (logo: atual) a partir de elementos textuais fi losófi cos; segundo, como bússola orientadora do que devem buscar os educadores na formação fi losófi ca geral do estudante de Ensino Médio, o vestibular deve incentivar o estudo autêntico e efetivo da Filosofi a pelo modo e pela forma de propor as questões de sua prova.

Com certeza, há muitas formas de atender a esses propósitos. O que se propõe a seguir é apenas uma dentre essas tantas, e bem simples.

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A Filosofia no Ensino Médio e a Prova de Filosofia no Vestibular 63

Filosofia

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

O formato

A prova apresentaria um trecho de um texto clássico (um parágrafo ou dois) e proporia uma questão temática de interesse atual para que o estudante disserte sobre a mesma, usando necessariamente elementos do trecho apresentado.

Variantes

1) O trecho pode ser confrontado com um outro elemento que confi gure a abordagem atual: canção, imagem, notícia etc. 2) Podem ser apresentados mais de um texto, e o estudante escolheria apenas um de sua preferência para desenvolver a questão.

Os requisitos

Ter estudado o texto apresentado, de modo a saber usar os seus conceitos, idéias, argumentos, para pensar e desenvolver uma questão temática. Para tanto, a comissão de vestibular pode estabelecer um repertório de textos clássicos, não precisa ser grande, que poderiam ter trechos escolhidos para a prova. Os livros seriam anunciados com a antecedência necessária para serem estudados e poderiam entrar num rodízio anual, de modo a não fi xar um padrão demasiado rígido de leitura. A cada ano poderiam ser anunciadas de duas a quatro obras diferentes para serem estudadas (pensando na distribuição bimestral do ano letivo4), das quais seriam extraídos os trechos da prova. Não precisam ser livros inteiros, podem ser capítulos de livros, cartas, sermões etc.

O repertório bibliográfico

Deve contemplar textos originais de fi lósofos ou escritores clássicos (ressalte-se que questões fi losófi cas podem aparecer em obras não necessariamente reputadas como de Filosofi a), mas não manuais. Devem existir edições brasileiras acessíveis (recentes, baratas). Seria interessante indicar todo ano, entre os textos a serem lidos, pelo menos um escrito originalmente em Língua Portuguesa. É recomendável também que os textos sejam trocados anualmente. Obviamente, o anúncio por si só deste repertório já mobilizaria a produção editorial e o barateamento das edições, e isto é uma das repercussões paralelas positivas da implantação dessa prova.

Abaixo, um exemplo desse repertório• Antônio Vieira - Sermão da Sexagésima, Sermão do Bom Ladrão• Aristóteles - A Metafísica , Ética a Nicômaco - livro A*

4 O ano letivo tem quatro bimestres e a Filosofi a é obrigatória nas escolas de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro pelo período mínimo de um ano. Dois a quatro textos podem ocupar parte ou todo o programa de quatro bimestres, se o professor o quiser.

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• Descartes - Discurso do Método, Meditações 1ª e 2ª*• Euclides da Cunha - Os Sertões (O Homem)• Fernando Pessoa - O Guardador de Rebanhos.• Heidegger - O que é isso a Filosofi a?*• Heráclito - Fragmentos*• Kant - O que é Esclarecimento, A religião dentro dos limites da simples razão*• Marx - A Ideologia alemã.• Nietzsche - Genealogia da Moral (1ª Dissertação)*• Ortega y Gasset - O que é Filosofi a?• Platão - Apologia de Sócrates*, O Banquete*, Fédon*, Menon• Sartre - O Existencialismo é um Humanismo*• Sérgio Buarque de Holanda - Visão do Paraíso• Sto. Agostinho - Confi ssões (Livro 11)*• Tomás de Aquino - Acerca da Verdade (Art. 1º)*• Voltaire, Cândido - Dicionário Filosófi co*• Deleuze & Guattari - O que é Filosofi a?

* Todas as obras marcadas com asterisco (*) foram publicadas na Coleção “Os Pensadores”, da

Editora Abril Cultural, em sucessivas edições, desde 1973. Sem dúvidas, essa coleção disponibiliza

uma excelente base bibliográfica utilizável para o estudo da Filosofia, do Ensino Médio até uma

inteira Graduação na área de Ciências Humanas. Recomenda-se a toda Biblioteca Escolar essa

presença em seu acervo, útil para os alunos, indispensável para os professores.

As demais obras indicadas, e outras mais, também passíveis de indicação, por serem clássicas, são facilmente encontradas em livrarias e bancas de jornal, quase todas disponíveis em edições de bolso (Coleções fi losófi cas das editoras L & PM, Martin Claret, Martins Fontes, Ediouro etc.). Ver, no quadro do artigo anterior, endereços virtuais para baixar livros fi losófi cos da Internet.

Indicações de temas e questões

Paralelamente ao anúncio dos textos a serem utilizados na prova, para orientação dos professores do ensino médio, haveria um apontamento de um conjunto de temas e questões relevantes em cada texto. Isto servirá, certamente, como orientação programática, portanto não se deve delimitar um conteúdo informativo, mas um conjunto de problemas para refl exão.

Critérios de correção• Uso dos conceitos do trecho escolhido na resposta.• Clareza e correção lingüística da redação.• Circunscrição da resposta ao tema e à questão proposta.• Aprofundamento interpretativo dos conceitos do trecho em direção à questão proposta.• Ordenação e disposição coerente dos argumentos.

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A Filosofia no Ensino Médio e a Prova de Filosofia no Vestibular 65

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Exemplos de Indicação Programática Preparatória para uma Prova de Vestibular

Textos, com indicação de temas e questões

Antônio Vieira - Sermão do Bom Ladrão• Ética e responsabilidade do Governante.• Paralelismo entre as responsabilidades do Governante e do Criador.• Hermenêutica de um texto universal (A expulsão de Adão do Paraíso) para compreensão de uma situação histórica (O Colonialismo).

Descartes - Discurso do Método, Meditações 1ª e 2ª • A dúvida metódica.• A demanda pelo fundamento e pela certeza.• O signifi cado do Cogito.

Sartre - O Existencialismo é um Humanismo• Por que, no homem, a existência precede a essência?• Qual o sentido e a amplitude da responsabilidade humana?• Que signifi ca estar condenado à liberdade?

Platão - Apologia de Sócrates• Sei que nada sei. O sentido da ignorância para a Filosofi a.• A ironia.• O sentido da acusação e da condenação de Sócrates.

Na ocasião da prova, a Comissão de Vestibular selecionará uma questão para cada texto e um trecho do texto respectivo que a ilustre ou provoque. Poderão ser acrescentados à formulação de cada questão elementos de atualidade (canção, notícia etc.). Das quatro questões, o vestibulando escolherá duas para desenvolver no formato de uma dissertação.

Atividade Didática Preparatória para a Prova

Duração: 6h/aula

Os requisitos de uma boa dissertação de interpretação de texto fi losófi co são:

1. Reconhecimento do tema. 2. Familiaridade com o texto, suas questões, seus argumentos, seus conceitos. 3. Leitura compreensiva.4. Capacidade de expressão escrita.

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A preparação desses requisitos pode, assim, seguir as seguintes etapas:

1. Apresentação do tema e suas questões: para esta etapa inicial, pode-se despertar o interesse do estudante com elementos que lhe sejam próximos e atraentes: canções, fi lmes, poemas, notícias, fatos quotidianos. Nesta etapa, são mais importantes o interesse e a participação do que propriamente um rigor fi losófi co conceitual. Despertado o interesse, passa-se à segunda etapa.

2. Apresentação de trechos relevantes do texto a ser estudado: O professor deve escolher trechos importantes do texto a ser estudado, de modo a fornecer subsídios (argumentos, conceitos) para o aprofundamento do tema.

3. Leitura ativa: o texto fi losófi co deve agora ser lido na integra em casa, mas não de modo passivo. É preciso propor uma atividade, uma tarefa a ser cumprida, que dependa da leitura do texto. Pode ser a apresentação de algum trecho por parte de um grupo, pode ser uma representação dramática, uma disputa por dois grupos de posições opostas, a montagem de um painel. É o momento de usar a criatividade para cativar o esforço de leitura.

4. Compreensão do texto: durante e depois das atividades de leitura ativa é preciso experimentar e explorar a compreensão do texto. É a hora de o professor intervir com questões e buscar extrair dos estudantes a expressão dos argumentos, dos conceitos, dos pontos relevantes do texto.

5. Escritura: O tempo todo o professor deve incentivar a expressão escrita de cada etapa anterior, visto que escrever se aprende com exercício intenso. Deve buscar que o estudante formule com clareza as suas frases, as suas idéias. Para completar a preparação, deve ser proposta uma prova de dissertação, nos moldes da que seria proposta no Vestibular, com os mesmos critérios de formulação e avaliação.