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Hansen. Int 3(2). 1978 Seções anátomo-clínicas CENTRO DE ESTUDOS "REYNALDO QUAGLIATO" (Hospital "Lauro de Souza Lima", Bauru, São Paulo, Brasil). Presidente: D.V.A. OPROMOLLA Secretário: C. TONELLO REAÇÃO DIMORFA COM COMPRO- METIMENTO ÓSSEO NAS EX- TREMIDADES SUPERIORES, EM PACIENTE COM ENDOCARDITE- BACTERIANA. Anátomo-patologista: R.N. FLEURY Clínico: Drs. J.C.A. PERNAMBUCO E D.V.A. OPROMOLLA. RESUMO — Um paciente de 54 anos, com o diagnóstico de Hanseníase dimorfa internado no Hospital para tratamento fisioterápico, apresenta quadro infeccioso sistémico de evolução subaguda, associado as manifestações inflamatórias agudas nas extremidades superiores com comprometimento ósseo. Este comprometimento caracterizou-se por lesões tipo periostite em falanges e metacarpos e áreas sugestivas de erosões ósseas. Falece em colapso tóxico-infeccioso e Insuficiência cardíaca congestiva. A autopsia evidencia Endocardite bacteriana trombo-ulcerativa e comprometimento de pele, nervos periféricos e tecido ósseo por granulomas tuberculóides onde a baciloscopia foi positiva (+). Ainda no tecido ósseo, principalmente em localização subperiosteal há fibrose cicatricial, desorganização e neoformação óssea. E discutida a relação entre o processo de Endocardite bacteriana e a reativação da hanseníase dimorfa. RESUMO CLÍNICO: Paciente de 54 anos, cor branca, sexo mas- culino, brasileiro, natural de Miracema (R.J.) e procedente de São Paulo (Capital), lavrador. Internou-se em junho de 1977 para tratamen- to fisioterápico. Sabia ser doente de hanseníase há 5 anos e em tratamento com AM 1 ano. 2 anos conta parestesias nas mãos. O exame dermatológico nesta ocasião demonstrou lagoftalmo a E e eritema na região frontal; no tronco havia placas extensas, com bordos elevados, de tonalidade eritemato-violácea, limites mais ou menos precisos com a pele normal, e centros atróficos e hipocrômi coe; uma placa ferruginosa de limites internos nítidos e externos difusos localizada na face interna do braço direito; nas nádegas e coxes placas semelhantes às do tronco e que se estendiam às pernas, envolvendo-as em bota. Apresentava garra mediano-cubital bilateral, baciloscopia negativa. O diagnóstico hanseno- lógico foi de Hanseníase dimorfa. No mês seguinte foi submetido a cirurgia de mão (oponente e enxerto da mão E). Evoluiu bem no pós-operatório e em seguida foi submetido a tratamento fisioterápico. No restante do ano de 1977 apresentou 2 episódios de dispnéia súbita, tosse, expectoração esbranquiçada e sibilos. Em fevereiro de 1978 vai Hansen. Int. 3(2): 232-239, 1978 232

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Hansen. Int 3(2). 1978

Seçõesanátomo-clínicas

CENTRO DE ESTUDOS"REYNALDO QUAGLIATO"

(Hospital "Lauro de Souza Lima",Bauru, São Paulo, Brasil).

Presidente: D.V.A. OPROMOLLA

Secretário: C. TONELLO

REAÇÃO DIMORFA COM COMPRO-METIMENTO ÓSSEO NAS EX-TREMIDADES SUPERIORES, EMPACIENTE COM ENDOCARDITE-BACTERIANA.

Anátomo-patologista: R.N. FLEURY

Clínico: Drs. J.C.A. PERNAMBUCOE D.V.A. OPROMOLLA.

RESUMO — Um paciente de 54 anos, com o diagnóstico de Hanseníase dimorfa internado noHospital para tratamento fisioterápico, apresenta quadro infeccioso sistémico de evolução subaguda,associado as manifestações inflamatórias agudas nas extremidades superiores com comprometimentoósseo. Este comprometimento caracterizou-se por lesões tipo periostite em falanges e metacarpos e áreassugestivas de erosões ósseas. Falece em colapso tóxico-infeccioso e Insuficiência cardíaca congestiva. Aautopsia evidencia Endocardite bacteriana trombo-ulcerativa e comprometimento de pele, nervosperiféricos e tecido ósseo por granulomas tuberculóides onde a baciloscopia foi positiva (+). Ainda no tecidoósseo, principalmente em localização subperiosteal há fibrose cicatricial, desorganização e neoformaçãoóssea. E discutida a relação entre o processo de Endocardite bacteriana e a reativação da hanseníasedimorfa.

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Paciente deculino, brasile procedente dInternou-se emto fisioteráphanseníase hcom AM háparestesias nnesta ocasiãoeritema na rplacas extenstonalidade erimenos precisoatróficos e hip

coe; uma placa ferruginosa de limites internosnítidos e externos difusos localizada na faceinterna do braço direito; nas nádegas e coxesplacas semelhantes às do tronco e que seestendiam às pernas, envolvendo-as em bota.Apresentava garra mediano-cubital bilateral,baciloscopia negativa. O diagnóstico hanseno-lógico foi de Hanseníase dimorfa.

No mês seguinte foi submetido a cirurgia demão (oponente e enxerto da mão E). Evoluiu bemno pós-operatório e em seguida foi submetidoa tratamento fisioterápico. No restante doano de 1977 apresentou 2 episódios de dispnéiasúbita, tosse, expectoração esbranquiçada esibilos. Em fevereiro de 1978 vai

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ESUMO CLÍNICO:

54 anos, cor branca, sexo mas-eiro, natural de Miracema (R.J.)e São Paulo (Capital), lavrador.

junho de 1977 para tratamen-ico. Sabia ser doente deá 5 anos e em tratamento

1 ano. Há 2 anos contaas mãos. O exame dermatológico

demonstrou lagoftalmo a E eegião frontal; no tronco haviaas, com bordos elevados, de

temato-violácea, limites mais ous com a pele normal, e centros

ocrômi

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Reação dimorfa com comprometimento ósseo

a consulta queixando-se desde há 3 dias deanorexia, náuseas, dor epigástrica e dispnéia.O exame físico evidencia palidez discreta,mucosas levemente descoradas, sopro sistólicono foco mitral, bulhas hipofonéticas e rarosestertores. Aproximadamente 2 meses apósvolta à consulta referindo edema vespertinodos membros inferiores e dispnéia aos grandesesforços. O exame físico mostrou PA: 10 x 7T: 38°C, mucosas levemente descoradas. Otórax era enfizematoso, simétrico, com boaexpansibilidade; a ausculta o murmúrio vesi-cular estava presente com sibilos dissemina-dos; a ausculta cardíaca revelou bulhas rítmi-cas hipofonéticas, sopro sistólico ejetivo naponta, bordo external esquerdo e foco aórtico;as artérias tinham elasticidade diminuída; ehavia edema avaliado em 2 cruzes nos membrosinferiores, frio, e mole.

Um RX de Tórax, Hemograma, dosagemde uréia e creatinina realizados na ocasiãonão mostraram alterações. Com o diagnóstico deBronquite crônica, arteriosclerose, foi me-dicado com diuréticos bronco-dilatadores edilta. Evoluiu bem.

Um mês após nova consulta onde se queixavade edema de mãos há 3 meses. Há 15 diaso edema se acentuou, acompanhando-se deeritema, dor à movimentação, com limitaçãode movimentos, mais evidente à esquerda. ORX de mãos mostrou características sugestivasde periostite em falanges, metacarpos, bemcomo sinais de erosão óssea. Os exames labo-ratoriais da ocasião demonstraram: látexpositivo (++++); Hemograma Hemogl.:10g%; leucócitos 8.000 (bast. 4,5; segm.65,8%; eosin. 1%; linf. 27,5%; monoc. 2%);Acido úrico: 6,6 mg%; VHS: 118 mm; Fatorantinúcleo: 1/40; pesquisa de célula L.E.:negativa. Foi medicado com antiinflamatóriosnão hormonais.

Na mesma tarde desta última consulta voltaao ambulatório, queixando-se de tonturas,escurecimento da visão, febre e calafrios. Aoexame físico apresentava-se febril (38,5°C),com sudorese intensa, hipotensão (9/5). Haviatiragem intercostal inferior, roncos e sibilosdisseminados; o coração mostrava bulhas rít-micas hipofonéticas, sopro sistólico ++ ejetivona ponta, bordo external esquerdo, e focoaórtico, o abdomen era plano, flácido, indolor,com fígado palpável a 2 cm do rebordo comcaracterísticas normais e baço percutível epalpável no rebordo.

Foi internado, mantendo-se o tratamentoantiinflamatório, evoluindo sem febre, com bomapetite, sem tonturas e com regressão dasmanifestações das mãos.

Seis dias após passou a queixar-se de dorem queimação, de forte intensidade, no pré-

-cordio, sem irradiação e com duração de váriashoras, tendo inicio súbito e piorando pelacompressão local. A PA era de 8/6 e a aus-culta cardíaca mostrava bulhas rítmicas comsopro sistólico ejetivo na ponta, foco aórticoe bordo external esquerdo, com 2° componen-te abafado, sem pulsos amplos. Foi medicadocom Demerol, vasos dilatadores. O Eletro-cardiograma registrou bloqueio de ramoesquerdo e sobrecarga ventricular esquerda,sem sinais de insuficiência coronariana aguda.Os exames solicitados na ocasião demonstra-ram: Glicemia: 100,0 mg%; Sódio: 150 mEq/1;Potássio: 4.6 mEq/1; creatinina fosfoquinase;36,4 UI (N até 50), Desidrogenase Tática:95,7 U e TGO: 80 U.

No dia seguinte às 10,00 horas queixava-seda dor pré-cordial intensa, mal caracterizada,que não respondeu aos vasodilatadores. A. P.A.era de 8/6; P = 76; a ausculta pulmonardemonstrou roncos e sibilos disseminados; asbulhas cardíacas não eram audíveis: nãohavia estase jugular. Um RX de área cardíacademonstrou acentuação de trama vasobrônqui-ca com área cardíaca normal.

A dor pré-cordial prosseguiu e às 18,00horas deste dia acompanhava-se de intensadispnéia, cianose de extremidades, agitaçãopsicomotora, sudorese intensa, contactuandobem. A PA era de 0/0, os pulsos periféricosnão eram palpáveis, as bulhas cardíacas eraminaudíveis. Feita medicação com Isordil, De-merol, ligado a Revivan e oxigênio. Entrouem bradipnéia e apnéia irreversível, falecendoàs 18,30 horas.

RELATÓRIO ANATOMOPATOLÓGICO

No ato da autopsia tínhamos um paciente,adulto, de cor branca, sexo masculino, apa-rentando 50 anos de idade, em regular estadogeral de nutrição. O exame externo mostravaamiotrofias e discreta retração dos quirodác-tilos nas extremidades superiores. No troncoe membros havia máculas eritemato-hipocrô-micas extensas. A abertura as cavidades nãomostravam conteúdo anômalo. Os pulmõeseram enfizematosos, enquanto o fígado, estô-mago e intestinos apresentavam sinais deestase sanguínea-crônica e edema. Estesachados juntamente com os dados clínicos eo aumento global de volume do coração permi-tiram o diagnóstico de Insuficiência cardíacacongestiva. No coração aumentado de volumeera nítido o predomínio de Ventrículo esquerdocom hipertrofia e dilatação de grau moderado.A válvula aórtica tinha suas lascíneas aumen-tadas de espessura, retraídas, com superfíciesirregulares e calcificadas. Sobre a valvaanterior havia depósito de material irregular,friável e aderente que se estendia profunda-

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H

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mente na parede valvular, parede aórtica emiocárdio subjacente. Ainda no miocárdio, doVentrículo esquerdo, na parede posterior,observamos áreas deprimidas, de cor castanhoescura, diminuídas de consistência e de limitesmau definidos. As artérias coronárias mostra-vam redução da elasticidade, e placas deateroma na superfície interna. Estas placas,mais extensas, eram também presentes aolongo da superfície interna da Aorta abdomi-nal. O Baço, muito aumentado de volume(650 g), apresentava as características daesplenomegalia infecciosa, e uma lesão pira-midal, subcapsular, sugestiva de infarto isquê-mico. Entre os rins havia uma grande discre-pância de pesos (D = 200 g . E = 60 g), e ascaracterísticas macroscópicas sugeriam hipo-plasia renal a esquerda. O encéfalo mostravacongestão dos vasos superficiais, alargamentodas circunvoluções, tumefação das amígdalascerebelares com sulcos de compressão.

A microscopia confirmou a maior parte dasimpressões diagnósticas colhidas no examemacroscópico. Assim ficou definido o diagnós-tico de Endocardite bacteriana trombo-ulcera-tiva assestada sobre valvulite aórtica cicatri-cial, de natureza reumática, com estenose einsuficiência aórticas. As lesões do miocárdiocorrespondiam a necroses isquêmicas em orga-nização, o mesmo ocorrendo com a lesãoesplênica. Encontrou-se um foco de microamo-lecimento em substância branca, e glomerulitesproliferativas e exsudativas renais. Definiu-sesubstrato histológico para o enfizema pulmo-nar, e no fígado, além da congestão passivacrônica, evidenciou-se focos disseminados denecrose isquêmica centro-lobular. Ambos osrins mostravam arterioloesclerose.

Do ponto de vista das lesões especificas dehanseníase, observamos ao longo das máculaseritemato-hipocrômicas reação focal, granulo-matosa de tipo tuberculóide, com baeilosco-pia ++ (bacilos granulosos) em nível defiletes nervosos. Este tipo de reação tambémfoi encontrado em troncos nervosos periféri-cos, com fibrose, hialinização, e ao nível deplanos profundos dos quirodáctilos, incluindoperiósteo, sinovia e porção óssea cortical. Abaeiloscopia nestas áreas foi também positi-va ++ (bacilos granulosos) enquanto ao nívelde amígdalas, Laringe, gânglios linfáticos eBaço a pesquisa bacilar resultou negativa.

COMENTÁRIOS:

Deixando-se de lado a patologia hansênica,estamos diante de um paciente com Valvulitereumática cicatricial Aórtica e que apresentaprocesso de Endocardite bacteriana. Do pontode vista anátomo-patológico não tentamos

classificar este quadro valvular dentro doscritérios clássicos, isto é, como forma agudaou como forma subaguda. Pelo fato de existirentre estas 2 formas, características evoluti-vas e anatômicas que se superpõem, nos diasde hoje procura-se fundamentalmente classi-ficar a Endocardite bacteriana em relação aoagente etiológico, o que é essencial para otratamento. Se formos levar em conta oaparecimento relativamente recente da sinto-matologia clinica, e o caráter destrutivo dalesão valvular ficaríamos com o diagnósticode Endocardite aguda, porém, o envolvimentode válvula previamente lesada (Endocarditereumática cicatricial), a existência de lesãoisquêmica, por embolização, já cicatrizada, aonível do Baço, encaminham o diagnóstico paraa forma subaguda. Sendo assim, como nãotemos a identificação do agente etiológico,preferimos dar a designação genérica deEndocardite bacteriana trombo-ulcerativa queengloba aspectos encontrados nas duas formasclássicas. Do ponto de vista clinico chamaatenção a maneira relativamente assintomáti-ca pela qual esta infecção se desenvolveu.Este fato lembra muito a forma subagudaclássica e é possível que este paciente jáviesse apresentando há alguns meses o pro-blema valvular, mascarado no entanto, peloquadro de bronquite crônica. Assim em umaconsulta em 10 de fevereiro deste ano o pacien-te apresentava temperatura subfebril, mal-es-tar geral, palidez e aspecto anêmico dasmucosas, e este pequeno cortejo semiológicopoderia já ocorrer por conta do grave proces-so infeccioso que se desenvolvia ao nível dasválvulas aórticas. Na fase final, embora oprocesso febril não fosse constante, as mani-festações já foram mais evidentes chamandoatenção o quadro de dor pré-cordial. O subs-trato anatômico deste quadro doloroso foi apresença de areas de necrose em organizaçãoencontradas no miocárdio da parede posteriorde Ventrículo esquerdo. A ausência de com-prometimento embólico das coronárias e ascaracterísticas puramente isquêmicas do infar-to, afastam a possibilidade de embolizaçãoséptica do miocárdio e estas necroses segura-mente decorrem de um agravamento da Insu-ficiência aórtica pré-existente condicionandouma menor perfusão diastólica dascoronárias e conseqfientemente isquemia demiocárdio. Como mecanismo final de óbitotivemos provavelmente a associação de umaInsuficiência cardíaca com quadro tóxico-infeccioso grave.

Em relação ao problema de Hansenfasetudo indica tratar-se de um paciente do GrupoDimorfo na faixa Tuberculóide. As caracte-rísticas das lesões dermatológicas eritemato-sas infiltradas, ou eritemato hipocrômicas,em geral de limites externos bem definidos,

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Reação dimorfa com comprometimento ósseo

em grande número e extensas, aliadas a com-prometimento neurológico múltiplo, e a baci-loscopia negativa sugerem esta situação dopaciente no espectro da hanseníase. Ao que tudoindica, o paciente vinha apresentando melhora doquadro dermatológico com evidente regressão daslesões cutâneas, quando após as primeirasmanifestações sistêmicas sugestivas da infecçãovalvular, apresentou quadro decomprometimento agudo nas extremidadessuperiores com edema, eritema, dor, impotênciafuncional e evidentes lesões ósseas demonstradasnas radiografias. Este quadro regrediu, mas noato da autópsia o exame de partes molesprofundas, Ossos e articulações dos dedos damão esquerda revelou intenso comprometimentoinflamatório banal e específico com baciloscopiapositiva em filetes nervosos ao longo das partesmoles e periósteo. Havia concomitanteproliferação fibrovascular atingindo tecidomedular e intensa neoformação ósseasubperiosteal. Outras lesões específicas ativas,mas provavelmente em regressão foram

observadas na pele, e nervos periféricos, combaciloscopia positiva (discreta). Disto podemosconcluir que este paciente apresentou reativaçãoda hanseníase na época em que os sintomas dasextremidades superiores se manifestaram, e foijustamente ao nível das partes moles e dascamadas mais superficiais do tecido ósseo que areação inflamatória foi mais intensa, deixandoseqüelas cicatriciais e reacionais intensas dostecidos envolvidos. Seria uma Reação Borderlineque freqüentemente se manifesta com edema daspartes moles das mãos, sem que tenhamos idéiada profundidade que as alterações inflamatóriasespecíficas atingem. Ii também provável que aqueda de resistência decorrente da infecçãobacteriana valvular tenha contribuído para areativação da hanseníase com reagudização docomprometimento bacilar, compensado por umaresposta tecidual local eficiente, mas altamentelesiva para os tecidos envolvidos (nervosperiféricos, partes moles e tecido ósseo).

Foto 1 — Via de saída do Ventrículo esquerdo demonstrando lesão trombo ulcerativa sobre válvulaaórtica irregular, espessada e calcificada.

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Foto 2 — Corte histológico ao nível do 1.° quirodáctilo da mão esquerda com neoformação ósseasubperiosteal, em meio à proliferação fibrosa. Granuloma tuberculóide nas partes molesadjacentes — H. E. Aumento: 16:1

Foto 3 — Corte histológico ao nível do 1.° quirodáctilo da mão esquerda. Granuloma tuberculóideem área de proliferação fibrosa ao longo de trabécs1as ósseas irregularessubperiosteais. H. E. Aumento: 16:1

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Reação dimorfa com comprometimento ósseo

Foto 4 — Detalhe da foto anterior. H. E. Aumento: 40:1

Foto 5 — Tronco nervoso periférico. Envolvimento inflamatório de feixes nervosos. H. E. Aumento: 16:1

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Foto 6 — Tronco nervoso periférico. Granuloma tuberculóide. H. E. Aumento: 40:1

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Reação dimorfa com comprometimento ósseo

SUMMARY

A patient, 54 year old, with a diagnosis of dimorphous Hanseniasis, interned in thehospital for physical therapy, presents a systemic infectious involvement of sub-acute evolutionassociated with acute inflamatory manifestations in the upper limbs, with bone involvement.This involvement is characterized by periostitic lesions of the phalanges and metacarpus andby areas suggesting bone erosions. He died of toxic-infectious shock and congestive heartfailure. The autopsy indicated bacterial endocarditis with thrombotic ulcerations and theinvolvement of skin, peripheral nerves, and bone tissue by tuberculoid granulomas with apositive (+) B.I. Cicatricial fibrosis, disorganization, and bone neoformations are also notedin the bone tissue, principally in sub-periosteal locations. The relationship between bacterialendocarditis and dimorphous hanseniasis reactivations are discussed.

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