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6. Transformada de Laplace Página 1 da Secção 6 Secção 6. Transformada de Laplace. (Farlow: Capítulo 5) A transformada de Laplace é, basicamente, um operador matemático que transforma uma função numa outra. Essa operação é definida da seguinte forma: { } dt e t f t f s F st - = = 0 ) ( ) ( ) ( L É de notar que a função original, f(t) , é uma função de t , enquanto que a função transformada, F(s) , é uma função de s. Ou seja, enquanto que a função f(t) está definida no domínio da variável t , a função F(s) está definida em s, designado como o domínio de Laplace. Antes de discutirmos qual a utilidade desta transformação na resolução de equações diferenciais, vamos familiarizar-nos com a operação de transformação e com as suas propriedades. Vamos calcular a transformada de Laplace da função: t t f = ) ( . De acordo com a definição da transformada: 2 0 1 ) ( s dt e t s F st = = - Propriedades da transformada de Laplace A seguir apresentam-se algumas propriedades importantes da transformada de Laplace: { } () () () () ft gt Fs Gs = L { } () () cf t cF s = L Transformada da derivada: Usámos aqui a designação t para a variável independente pois a transformação de Laplace aplica-se apenas a funções definidas no domínio ]0, + [ (ver o limite inferior do integral na definição da transformada), como é o caso de funções definidas no domínio do tempo. Se o domínio de definição da função correspondesse ao intervalo ]- , + [, a transformada não seria aplicável. Definição Transformada de Laplace Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 1 da Secção 6

Secção 6. Transformada de Laplace. (Farlow: Capítulo 5) A transformada de Laplace é, basicamente, um operador matemático que transforma uma

função numa outra. Essa operação é definida da seguinte forma:

{ } dtetftfsF st−∞

∫==0

)()()( L

É de notar que a função original, f(t), é uma função de t, enquanto que a função

transformada, F(s), é uma função de s. Ou seja, enquanto que a função f(t) está definida no

domínio da variável t†, a função F(s) está definida em s, designado como o domínio de

Laplace.

Antes de discutirmos qual a utilidade desta transformação na resolução de equações

diferenciais, vamos familiarizar-nos com a operação de transformação e com as suas

propriedades.

Vamos calcular a transformada de Laplace da função:

ttf =)( .

De acordo com a definição da transformada:

20

1)(

sdtetsF st == −∞

Propriedades da transformada de Laplace A seguir apresentam-se algumas propriedades importantes da transformada de Laplace:

{ }( ) ( ) ( ) ( )f t g t F s G s+ = +L

{ }( ) ( )cf t cF s=L

Transformada da derivada: † Usámos aqui a designação t para a variável independente pois a transformação de Laplace aplica-se apenas a funções definidas no domínio ]0, + ∞ [ (ver o limite inferior do integral na definição da transformada), como é o caso de funções definidas no domínio do tempo. Se o domínio de definição da função correspondesse ao intervalo ]- ∞ , + ∞ [, a transformada não seria aplicável.

Definição Transformada de Laplace

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 2 da Secção 6

{ } )0()()(' fssFtf −=L

{ } )0(')0()()('' 2 fsfsFstf −−=L

Derivada da transformada:

{ } )()1()( sFdsd

tftn

nnn −=L

Deslocamento em s:

{ } )()( asFtfe at −=L

Transformada do integral:

{ }0

1( ) ( )

tf u du F s

s=∫L

Teorema do valor inicial:

(0) lim ( )s

f sF s→∞

=

Teorema do valor final:

0( ) lim ( )

sf sF s

→∞ =

Já que falamos de propriedades, nunca é demais frisar que, da mesma forma que o

integral de um produto não é igual ao produto dos integrais, a transformada de Laplace de

um produto de duas funções não é igual ao produto das transformadas:

{ }( ) ( ) ( ) ( )f t g t F s G s× ×≠L .

Todas estas propriedades são demonstráveis com base na definição da transformada

de Laplace. Eis um exemplo:

Demonstre a seguinte propriedade da transformada de Laplace:

{ }

=

as

Fa

atf1

)(L

Pela definição da transformada:

{ } dteatfatf st−∞

∫=0

)()(L .

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 3 da Secção 6

Efectuando a mudança de variável u = at :

==

−∞−∞

∫∫ as

Fa

dueufaa

udeuf uasasu 1

)(1

)( )/(

0

/

0, c.q.d.

Vejamos agora como estas propriedades nos podem ser úteis na obtenção da

transformada de uma determinada função, sem termos que recorrer à definição da

transformada, a qual poderia conduzir ao cálculo de integrais complexos.

Qual a transformada de Laplace de 2 2( ) tf t t e−= ?

Comecemos por recordar a propriedade da derivada da transformada:

{ } )()1()( sFdsd

tftn

nnn −=L

Aplicando à nossa função:

{ } { }2 2 2 ( )tt e t f t− =L L { }2

2 22( 1) td

eds

− = − L .

Temos agora que calcular a transformada de 2te− . Recorrendo à propriedade do

deslocamento em s:

{ } )()( asFtfe at −=L ,

teremos que:

{ } { }2 2 1t te e− −= ×L L { }( 2 )1

s += L .

A transformada de f(t) = 1 é simples de calcular directamente:

{ }0

1 1 ste dt∞ −= ×∫L [ ]

0

1 1 10 1ste

s s s∞− = = − − = −

.

Logo:

{ } { }2( 2)

11

2t

se

s−

+= =

+L L .

E portanto:

{ } { }2 2

2 2 2 22 2 3

1 2( 1)

2 ( 2)t td d

t e eds ds s s

− − = − = = + + L L .

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 4 da Secção 6

Normalmente não teremos que determinar transformadas de Laplace de forma tão

tortuosa. Poderemos simplesmente utilizar uma tabela de transformadas‡. Aí, poderemos

encontrar as transformadas de muitas funções que iremos encontrar pela frente. Por

exemplo, para a resolução do exemplo anterior, poderíamos ter utilizado directamente a

seguinte informação:

f(t) F(s)

( 1,2,...)at ne t n = ( ) 1

!n

n

s a+

Transformada inversa Existe um operador que permite a transformação de uma função do domínio de

Laplace para o domínio do tempo. É a transformada inversa de Laplace, designada pelo

símbolo 1-L :

{ }( ) ( )F s f t= L { }1( ) ( )-f t F s= L

A transformada inversa é sempre obtida recorrendo a uma tabela de transformadas,

pois o seu cálculo directo é normalmente demasiado complexo.

Aplicação à resolução de equações diferenciais A estratégia é simples: em vez de resolver directamente a equação diferencial,

vamos aplicar- lhe a transformada de Laplace, resolver a equação resultante nesse domínio e

inverter o resultado final:

‡ Uma tabela bastante razoável é fornecida nas primeiras páginas do Farlow.

L

L-1

f(t)

domínio do tempo

F(s)

domínio de Laplace

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6. Transformada de Laplace

Página 5 da Secção 6

Em vários casos, como veremos, a equação é de resolução bastante mais simples no

domínio de Laplace do que no domínio do tempo. Eis um exemplo:

'' 2 ' 2 24 2 4

y y t y yπ π π + = = = −

Primeiro vamos aplicar a transformada de Laplace à EDO, transformando-a parcela

a parcela. Por conveniência, usaremos a notação: { }y y= L . De acordo com a propriedade

da transformada da segunda derivada, a transformada de y’’ será:

{ }''y =L 2 (0) '(0)s y sy y− − ,

e a equação fica:

22

1(0) '(0) 2s y sy y y

s− − + = .

Neste caso, a resolução da equação no domínio de Laplace resume-se à resolução de uma

equação algébrica!

22

1( 1) 2 (0) '(0)s y sy y

s+ = + +

2 2 2 2

2 1(0) '(0)

( 1) 1 1s

y y ys s s s

= + ++ + +

esta via pode ser mais trabalhosa

Problema no

domínio do tempo Solução no

domínio do tempo

Problema no domínio de Laplace

Solução no domínio de Laplace

L

L-1

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 6 da Secção 6

2 2 2 2

1 1 12 (0) '(0)

1 1 1s

y y ys s s s

= − + + + + +

Podemos agora inverter a transformada de y, de forma a obter a solução no domínio do

tempo. Recorrendo a uma tabela de transformadas, obtemos que:

1 12 2

1sin( ) cos( )

1 1- - s

t ts s

= = + +

L L .

Logo:

( )( ) 2 sin( ) (0)cos( ) '(0)sin( )y t t t y t y t= − + + .

y(0) e y’(0) são valores desconhecidos, uma vez que condições do problema não se referem

ao ponto x = 0 mas sim a x = π/4. No fundo, y(0) e y’(0) desempenham o papel das

constantes de integração que surgem sempre na solução geral e poderiam ser simplesmente

substituídos por C1 e C2. Vamos aplicar as condições do problema à solução obtida por

forma a determinar y(0) e y’(0):

1 1 12 (0) '(0)

4 2 2 4 2 2 2(0) '(0) 2

y y y

y y

π π π π = ⇒ = − + + ⇒

⇒ + =

( )'( ) 2 1 cos( ) (0)sin( ) '(0)cos( )y t t y t y t= − − + .

1 1 1' 2 2 2 2 2 1 (0) '(0)

4 2 2 2(0) '(0) 0

y y y

y y

π = − ⇒ − = − − + ⇒ ⇒ − + =

Ou seja:

(0) 1'(0) 1

yy

==

E a solução particular da EDO é:

( ) 2 cos( ) sin( )y t t t t= + − .

Torna-se evidente que muitas equações diferenciais anteriormente resolvidas por

outros métodos podem também ser solucionadas por aplicação da transformada de Laplace.

Vejamos um exemplo.

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6. Transformada de Laplace

Página 7 da Secção 6

'' ' 0 (0) 1 '(0) 0y y y y y+ − = = =

Resolução 1: Resolver como uma equação linear homogénea de coeficientes constantes

A solução geral será:

1 1 2 2hy C y C y= +

As soluções particulares deverão ter a forma:

rty e= 2 1 0r r⇒ + − = 1 21.618 0.618r r= − =

Logo:

1.618 0.6181 2

t ty C e C e−= +

Aplicando as condições iniciais:

1 2

1 2

(0) 1 1'(0) 0 1.618 0.618 0

y C Cy C C

= ⇒ + == ⇒ + =

1

2

0.6182.2361.6182.236

C

C

=⇒ =

( )1.618 0.6181( ) 0.618 1.618

2.236t ty t e e−= + .

Resolução 2: Aplicar a transformada de Laplace

{ } 2 2'' (0) '(0)y s y sy y s y s= − − = −L

{ }' (0) 1y sy y s y= − = −L

A EDO transformada fica então:

2 1 0s y s s y y− + − − =

O que é, mais uma vez, uma equação algébrica em y .

2

11

sy

s s+

=+ −

1( 1.618)( 0.618)

ss s

+= =

+ −

1( 1.618)( 0.618) ( 1.618)( 0.618)

ss s s s

= ++ − + −

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 8 da Secção 6

1( 1.618)( 0.618) ( 1.618)( 0.618)

sy

s s s s= +

+ − + −

Recorrendo à tabela de transformadas, verificamos que:

F(s) f(t)

1( )( )s a s b− −

( )1 at bte ea b

−−

( )( )s

s a s b− − ( )1 at btae be

a b−

Logo:

( )1.618 0.6181( ) 0.618 1.618

2.236t ty t e e−= + .

Como não poderia deixar de ser, ambas as resoluções conduzem ao mesmo

resultado. Qual delas é a melhor? Depende do problema e depende das preferências de cada

um…

Mas será que a aplicação da transformada de Laplace transforma sempre a equação

diferencial numa equação algébrica?... Vejamos outro exemplo.

'' ' 0 (0) 1 '(0) 0ty y y y y+ − = = =

Trata-se de uma equação de segunda ordem, linear, homogénea, de coeficientes

variáveis. A transformada de 'y é:

{ }' (0) 1y sy y s y= − = −L

A transformada de ''ty pode ser obtida pela propriedade da derivada da transformada:

{ } [ ]( ) ( 1) ( )d

tf t F sds

= −L .

Assim:

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 9 da Secção 6

{ } { }'' ''d

ty yds

= − L L .

Como:

{ } 2 2'' (0) '(0)y s y sy y s y s= − − = −L ,

então:

{ } 2'' 2 1d y

ty s y sds

= − − +L .

A EDO transformada fica:

22 1 0d y

sy s s y yds

− − + − − =

2 ( 1) 1d y

s s yds

+ + = −

2 2

1 1d y sy

ds s s+

+ = −

Obtivemos agora uma equação linear de primeira ordem no domínio de Laplace! Tudo por

causa do termo ''ty , cuja transformada envolve a primeira derivada de y em ordem a s.

Teríamos que resolver esta EDO pelo método do factor integrante (note que a equação não é

de variáveis separáveis), de forma a obter y em função de s.

Neste último exemplo, a resolução no domínio de Laplace ainda é, apesar de tudo,

mais simples do que a resolução no domínio do tempo. Vamos ver outro caso, no qual isso

não acontece.

2 '' ' 0 (0) 1 '(0) 0t y y y y y+ − = = =

Trata-se novamente de uma equação de segunda ordem, linear, homogénea, de

coeficientes variáveis. Vamos transformá-la:

{ } { }2 2 2

2 2 22 2 2'' '' 4 2

d d d y d yt y y s y s s s y

ds ds ds ds = = − = + + L L

A equação diferencial original fica então:

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 10 da Secção 6

22

2 4 ( 1) 1d y d y

s s s yds ds

+ + + = −

Mas esta é uma equação de segunda ordem não-homogénea! Ou seja, o nível de dificuldade

da resolução no domínio de Laplace é superior ao da resolução no domínio do tempo. Neste

caso não seria boa ideia aplicar a transformação de Laplace.

Função degrau unitário (função Heaviside) Vamos agora ver como a transformação de Laplace nos permite lidar com algumas

funções bastante úteis, mas que seriam trabalhosas de processar se tivéssemos que operar no

domínio do tempo. A primeira dessas funções é a função Heaviside, ou função degrau

unitário. A sua representação gráfica é dada por:

Ou seja, trata-se de uma função em degrau: é 0 para t < a e 1 para t ≥ a. Matematicamente,

vamos representar esta função por H(t-a):

0,( )

1,t a

H t at a

<− = ≥

Uma outra função de interesse é o pulso unitário:

1

0 a t

1

0 a t b

Definição Função Heaviside

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6. Transformada de Laplace

Página 11 da Secção 6

Esta função pode ser representada simplesmente pela diferença de dois Heavisides:

0,

( ) ( ) 1,0,

t a

H t a H t b a t bt b

<

− − − = ≤ < ≥

Se bem que consigamos compreender o significado da função H(t-a), ela não deixa

de ser uma abstracção matemática: a sua manipulação algébrica implica sempre um

tratamento separado para t < a e para t ≥ a.

Mas vejamos qual o aspecto da transformada de Laplace da função Heaviside:

{ }( )H t a−L0

( ) 1st st

ae H t a dt e dt

∞ ∞− −= − = =∫ ∫st sa

a

e es s

∞− − = − =

Ou seja: apesar de H(t-a) ser uma função descontínua no domínio do tempo, no domínio de

Laplace tal não acontece! É assim bastante mais simples tratar com Heavisides no domínio

de Laplace…

Eis mais algumas propriedades interessantes de transformações envolvendo funções

Heaviside§:

{ }( ) ( )H t a f t a− −L { }( )ase f t−= L

{ }( ) ( )H t a f t−L { }( )ase f t a−= +L

Mas qual é a utilidade prática destas funções? Muitas vezes é útil poder representar

matematicamente um degrau ou um pulso, como é demonstrado no próximo exemplo.

Um automóvel desloca-se a uma velocidade v = 120×t km/hr (com t em horas)

durante a meia hora inicial do percurso. Depois, a velocidade passa a v = 60 km/hr. Qual a

distância percorrida ao fim de uma hora e meia?

A velocidade do automóvel pode ser representada da seguinte forma:

120 , 0 0.560, 0.5

t tv

t≤ <

= ≥

§ Demonstre estas propriedades com base na definição da transformada de Laplace.

Transformada de Laplace da função Heaviside

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 12 da Secção 6

Mas, se usarmos Heavisides, podemos escrever o resultado anterior na forma:

[ ]120 1 ( 0.5) 60 ( 0.5)v t H t H t= − − + − .

Como a velocidade é a variação da distância percorrida com o tempo:

[ ]120 1 ( 0.5) 60 ( 0.5)dx

t H t H tdt

= − − + − .

Usando a função Heaviside, conseguimos usar uma única equação matemática para

representar um fenómeno descontínuo!

O processo em causa é assim representado por uma EDO de primeira ordem. A

equação é de variáveis separáveis. No entanto, se optássemos pela integração directa,

teríamos que voltar a decompor a equação:

120 , 0 0.5

60 ', 0.5

td t C tdx

dt C t

+ ≤ <= + >

∫∫

Vamos antes resolver o problema usando a transformada de Laplace:

{ }120 120 ( 0.5) 60 ( 0.5)dx

t tH t H tdt

= − − + −

L L

Primeiro temos que determinar a seguinte transformada:

{ } { }0.5 0.52

1 0.5( 0.5) 0.5)s stH t e t e

s s− − − = + = +

L L .

Agora já podemos transformar toda a equação diferencial:

0.50.5

2 2

120 1 0.5(0) 120 60

ss e

sx x es s s s

− − = − + + =

( )0.5

0.52 2 2

120 120120 1

sse

es s s

−−= − = −

Obtemos assim:

( )0.52

1201 sx e

s−= − .

Invertendo a transformada:

2 2( ) 60 ( 0.5)( 0.5)x t t H t t = − − − .

Que é como quem diz:

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6. Transformada de Laplace

Página 13 da Secção 6

2( 0.5) 60x t t≤ =

2 2

2 2

( 0.5) 60 ( 0.5)

60 ( 0.25) 60( 0.25)

x t t t

t t t t

> = − − = − − + = −

Respondendo à questão do enunciado:

[ ]1.5hr 60 1.5 0.25 75kmt x= ⇒ = − = .

Este exemplo podia realmente ter sido resolvido sem recorrer ao uso de funções

Heaviside. No entanto, esta técnica permitir-nos-á tratar problemas complexos de forma

simplificada e matematicamente mais “elegante”.

Função impulso unitário (função delta de Dirac) Consideremos o seguinte pulso de magnitude n e duração 1/n:

Este pode ser representado por:

( ) 1( )f t n H t a H t a

n = − − − +

.

Note-se que o integral de f(t) é unitário:

0

1( ) 1f t dt a a n

n

∞ = + − × = ∫ .

Consideremos agora que n aumenta, ou seja, a largura do pulso diminui ao mesmo

tempo a sua altura aumenta, de forma que a sua área continua a ser unitária:

n

0 a a+1/n

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6. Transformada de Laplace

Página 14 da Secção 6

No limite, com n → ∞, obteremos um pulso de largura infinitesimal, localizado em t = a,

mas cuja área é ainda unitária. A tal chamámos impulso unitário, ou delta de Dirac**, que

designámos por δ(t-a):

( ) 1lim ( )n

n H t a H t a t an

δ→∞

− − − + = −

,

0( ) 1t a dtδ

∞− =∫ .

Note-se que, enquanto que a função H(t-a) é adimensional, δ(t-a) tem unidades de t-1!

Convenciona-se que o delta de Dirac é representado graficamente por uma seta

vertical centrada no ponto t = a:

A transformada de Laplace do delta de Dirac 醆:

{ }δ −− =( ) asL t a e .

Outra propriedade importante é: ** Muitas vezes designa-se a função δ(t-a ) simplesmente por Dirac. †† Demonstre este resultado aplicando a definição da transformada à equação de definição do delta de Dirac.

0 a

a a+1/n

Definição Função delta de Dirac

Transformada de Laplace da função delta de Dirac

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6. Transformada de Laplace

Página 15 da Secção 6

( ) ( ) ( )f t t a dt f aδ∞

−∞− =∫ .

Vamos agora ver um exemplo, que procura comparar a aplicação da função Heaviside e da

função delta de Dirac.

Pretende-se injectar 2 g de uma substância no sangue de um paciente. Obtenha e

resolva a equação de balanço material dessa substância no sangue, para os dois casos

seguintes:

a) A injecção dura 3 s, durante os quais o êmbolo da seringa se move a velocidade

constante.

b) A injecção é muito rápida, praticamente instantânea.

Considere que a substância não é absorvida pelo organismo e que a sua quantidade inicial

no sangue é nula.

a) A equação de balanço é dada por:

Acumulação = Entradas – Saídas

A parcela de acumulação é dada por:

Acumulação = dmdt

unidades = [g/s],

em que m designa a quantidade mássica (em g) de substância no sangue.

A parcela de entrada corresponde à injecção de 2 g de substância, que dura 3 s. Ou

seja, durante os 3 s iniciais, entrou no sangue um caudal mássico constante de 2/3 g/s de

substância:

Entradas = [ ]2( ) ( 3)

3H t H t− − unidades = [g/s].

A equação de balanço será então, notando que H(t) = 1, pois 0t ≥ :

[ ]21 ( 3)

3dm

H tdt

= − − .

Aplicando transformadas de Laplace:

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 16 da Secção 6

32 1(0)

3

sesm m

s s

− − = −

.

Resolvendo para m :

3

2 2

2 13

sem

s s

− = −

.

Invertendo para o domínio do tempo obtemos a m em função de t :

( ) ( )2 2( ) ( 3) 3 1 ( 3) 3 ( 3)

3 3m t t H t t t H t H t = − − − = − − − − .

Graficamente:

b) Se a injecção durar, não 3 s, mas sim um intervalo de tempo δt, a parcela de entradas será

representada como:

Entradas = [ ]2( ) ( )H t H t t

δ− − unidades = [g/s].

No limite em que a injecção é instantânea, ou seja, 0t∆ → :

Entradas = [ ]0 0

2 ( ) ( )lim ( ) ( ) 2lim 2 ( )

t t

H t H t tH t H t t t

t tδ

δδ

→ ∆ →

− − − − ∆ = = ∆ ∆

Vemos assim que a entrada instantânea de 2 g de substância no sangue é representada por

2 ( )tδ ‡‡. Note-se que, uma vez que a função impulso, ( )tδ , tem unidades de inverso de

tempo, o produto 2 ( )tδ tem unidades de g/s, tal como requerido.

A equação de balanço fica assim:

2 ( )dm

tdt

δ= .

Aplicando transformadas fica simplesmente:

‡‡ Se, por exemplo, a injecção tivesse lugar, não no instante t = 0, mas sim no instante t = 2 s, seria fácil demonstrar que a entrada seria descrita por 2 ( 2)tδ − .

3

2

m(t)

t

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6. Transformada de Laplace

Página 17 da Secção 6

22sm m

s= ⇒ = .

Invertendo:

( ) 2m t = .

Graficamente, obtemos o resultado que com certeza já esperávamos:

Eis mais um exemplo de aplicação da função delta de Dirac.

Verificou-se que a taxa de diminuição da quantidade de um dado medicamento no

sangue é proporcional à quantidade existente em cada instante. Se um paciente tomar duas

injecções desse medicamento, de m1 e m2 gramas respectivamente, nos instantes t1 e t2, qual

será a quantidade existente no sangue do paciente, em função do tempo? Assuma que no

instante t = 0 não existia nenhum medicamento no sangue do paciente?

Trata-se de um problema de balanço material. Neste caso, vamos balancear a

quantidade (mássica) de medicamento existente no sangue em qualquer instante. Como

usual:

Acumulação = Entradas – Saídas

A parcela de acumulação é simples de definir:

Acumulação = dmdt

Quanto às entradas de medicamento no sangue:

Entradas = injecção 1 + injecção 2

2

m(t)

t

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 18 da Secção 6

Estas entradas estão localizadas no tempo: para t = t1 entrou (instantaneamente) uma massa

de medicamento m1 e para t = t2 entrou uma massa de medicamento m2. Em qualquer outro

instante as entradas são nulas. Para representar na nossa equação de balanço as entradas

instantâneas de m1 e m2 vamos usar a função impulso unitário :

Entradas = 1 1 2 2( ) ( )m t t m t tδ δ− + −

O termo 1 1( )m t tδ − descreve a entrada, em unidades de massa por unidade de tempo

(recordemos que 1( )t tδ − tem unidades de inverso de tempo), de uma massa m1 durante um

instante de tempo infinitesimal. Ou seja: uma entrada instantânea.

As saídas correspondem ao desaparecimento do medicamento do sangue, o qual é

proporcional à sua quantidade em cada instante:

Saídas = -km

Assim, a equação de balanço será:

1 1 2 2( ) ( )dm

m t t m t t kmdt

δ δ= − + − − .

Aplicando a transformada de Laplace:

1 21 2(0) t s t ssm m km m e m e− −− = − + + ,

1 21 2

t s t sm e m em

s k

− −+=

+.

Invertendo obtém-se (demonstre que assim é):

1 2( ) ( )1 1 2 2( ) ( ) ( )k t t k t tm t m H t t e m H t t e− − − −= − + − .

Podemos agora esboçar graficamente a evolução de m com o tempo:

t1 t2

m1

m2

0

m(t)

t

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6. Transformada de Laplace

Página 19 da Secção 6

Produto de convolução Mais uma vez, recordemos que a transformada de um produto não é igual ao produto

das transformadas! No entanto, existe um outro “produto” para o qual essa propriedade é

válida: o chamado produto de convolução, que é definido da seguinte forma:

0( ) ( )

tf g f u g t u du∗ = −∫

A sua transformada de Laplace é então dada por:

{ } { } { }f g f g∗ = ×L L L

Este resultado é interessante pois oferece-nos uma forma simplificada de calcular o produto

de convolução: em vez de calcular o integral da definição (normalmente bastante custoso),

podemos calcular a sua transformada (que é simplesmente igual ao produto das

transformadas das duas funções) e seguidamente inverter o resultado.

Calcular o seguinte produto de convolução: cos( )t t∗ .

Vamos primeiro calcular a transformada de Laplace do produto de convolução:

{ } { } { } ( )2 2 2

1 1cos( ) cos( )

1 1s

t t t ts s s s

∗ = × = =+ +

L L L .

Da tabela de transformadas obtemos que a inversa do resultado anterior é:

f g∗ 0

( ) ( )t

f r g t r dr−∫

{ }f g∗L { } { }f g×L L

L

L-1

Definição Produto de convolução

Exemplo

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6. Transformada de Laplace

Página 20 da Secção 6

( )2

11 cos( )

1t

s s

= −

+

-1L .

Logo:

cos( ) 1 cos( )t t t∗ = − .

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6. Transformada de Laplace

Página 21 da Secção 6

Sumário da Secção 6

• Definição da transformada de Laplace

• Propriedades da transformada de Laplace

• Transformada inversa

• Aplicação à resolução de equações diferenciais

• Função degrau unitário (função Heaviside)

• Função impulso unitário (função delta de Dirac)

• Produto de convolução