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SÃO SÃO PAULO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO LUISA AMOROSO GUARDADO FAU USP 2012

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Relatório do TFG São São Paulo, de Luisa Amoroso Guardado (FAU USP junho 2012)

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Page 1: São São Paulo - Relatório TFG

SÃO SÃO PAULOTRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

LUISA AMOROSO GUARDADOFAU USP 2012

Page 2: São São Paulo - Relatório TFG
Page 3: São São Paulo - Relatório TFG

SÃO SÃO PAULOTRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

LUISA AMOROSO GUARDADO

ORIENTADOR LUIS ANTÔNIO JORGE

FAU USP 2012

Page 4: São São Paulo - Relatório TFG

4

Para Betânia, Marta, Paulo e Sérgio. Agradecimentos

Aos professores e amigos: Luis Antônio Jorge, pela orien-

tação paciente e precisa; José Lira, Luciano Migliaccio e

Odilon Moraes, pelos comentários cuidadosos e por com-

por a banca examinadora; Helena Ayoub Silva e Feres

Khoury, pelos comentários e pelo humor delicioso.

Aos amigos e professores, especialmente: Ricardo Gus-

mão, que acompanhou e participou carinhosamente desse

processo; Denise Yui e Marília Ferrari, que auxiliaram o

projeto gráfico; Hannah Machado e Marina Rago, que

me ajudaram a estudar e fotografaram as ilustrações so-

bre Alcântara Machado; Catarina Bessel e Sandra Javera,

que inspiram com seus trabalhos e compartilham genero-

samente seus talentos; Alexandre Gaiser, Maira Fernan-

des e Marina Smit, que se aproximaram desse trabalho

garantindo sempre ótimos pitacos.

Page 5: São São Paulo - Relatório TFG

5

ÍNDICE

1

2

3

4

5

6

7

06

07

10

16

17

22

24

26

29

30

33

38

41

44

46

Introdução

Espaço, Poética e Tradução

São Paulo

Artistas

Mário de Andrade

Antônio de Alcântara Machado

Adoniran Barbosa

Itamar Assumpção

São São Paulo

Interpretação e processo das ilustrações

Mário

Alcântara

Adoniran

Itamar

Conclusão

Bibliografia

Page 6: São São Paulo - Relatório TFG

6

Page 7: São São Paulo - Relatório TFG

7

São, São Paulo

Quanta dor

São, São Paulo

Meu amor

São oito milhões de habitantes

De todo canto em ação

Que se agridem cortesmente

Morrendo a todo vapor

E amando com todo ódio

Se odeiam com todo amor

São oito milhões de habitantes

Aglomerada solidão

Por mil chaminés e carros

Caseados à prestação

Porém com todo defeito

Te carrego no meu peito

São, São Paulo

Quanta dor

São, São Paulo

Meu amor

Salvai-nos por caridade

Pecadoras invadiram

Todo centro da cidade

Armadas de rouge e batom

Dando vivas ao bom humor

Num atentado contra o pudor

A família protegida

O palavrão reprimido

Um pregador que condena

Uma bomba por quinzena

Porém com todo defeito

Te carrego no meu peito

São, São Paulo

Quanta dor

São, São Paulo

Meu amor

Santo Antonio foi demitido

Dos Ministros de cupido

Armados da eletrônica

Casam pela TV

Crescem flores de concreto

Céu aberto ninguém vê

Em Brasília é veraneio

No Rio é banho de mar

O país todo de férias

E aqui é só trabalhar

Porém com todo defeito

Te carrego no meu peito

São, São Paulo

Quanta dor

São, São Paulo

Meu amor

São São PauloTom Zé, 1968

Page 8: São São Paulo - Relatório TFG

8

O presente trabalho pretende apresentar ilustrações com

o tema São Paulo, abordando a cidade a partir de olhares

poéticos que foram lançados sobre ela. Foram escolhidos

quatro artistas para compor esse conjunto: Mário de An-

drade, Antônio de Alcântara Machado, Adoniran Barbosa

e Itamar Assumpção.

São Paulo foi objeto de grande parte dos estudos reali-

zados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

no meu período de graduação. A aproximação teórica é

somada à própria vivência na cidade, que em si já coloca

o desafio da “cidade fragmentada, que aparenta não ser

fruto da ordem, mas sim filha do caos, da competição

mais selvagem e desgovernada de projetos individuais de

ascensão ou sobrevivência, do sonho de gerações sucessi-

vas de imigrantes que vieram em busca das oportunidades

distantes e da potência da grande cidade.”1 A aproximação

com a cidade dos artistas partiu da curiosidade de conhe-

cer trabalhos que tiveram essa mesma São Paulo como

inspiração de obras poéticas.

Dentre as obras dos artistas foram selecionadas aquelas

que se referiam diretamente a São Paulo, sendo a cidade

ora tema, ora cenário, ora ambos. A coletânea de obras

ilustradas varia na linguagem, no tempo e no próprio espa-

ço dentro da cidade, compondo um grupo heterogêneo de

visões sobre o mesmo objeto.

Neste trabalho a São Paulo de cada um dos artistas foi in-

terpretada e traduzida graficamente em ilustrações – cada

uma delas formando uma série, com um partido gráfico e

um caderno diferente.

Esse processo de transposição de linguagens é propositivo,

na medida em que enfoca um mote que não necessaria-

mente é principal na obra de origem, mas procura preser-

var o sentimento de cada uma das obras ilustradas – se

colocando assim como uma tradução vinculada à composi-

ção original. O resultado então é uma interpretação pesso-

al da cidade de cada um dos quatro artistas, que procurou

manter-se fiel aos elementos fornecidos pela obra.

1

Introdução

1 ROLNIK, Raquel. São Paulo. São Paulo: Publifolha,

2001, p. 10;

Page 9: São São Paulo - Relatório TFG

9

2

Espaço, poética e tradução

Na definição de Milton Santos lugares hoje são o suporte

de relações globais que sem eles não se realizariam. São,

portanto, partes funcionais de um todo, e a ele se reme-

tem. Segundo o geógrafo estamos acostumados à ideia de

região como um espaço elaborado, uma construção está-

vel. “Mas o que faz uma região não é a longevidade do

edifício, mas a coerência funcional que a distingue das ou-

tras entidades, vizinhas ou não”2. Todo o espaço, segundo

Santos, vive um processo de fragmentação e globalização,

individualização e regionalização.

Assim, enquanto a unidade é característica da História e

do Planeta, ambos totalidades em permanente transforma-

ção, a diversidade é própria dos lugares – esses também

em permanente transformação.

Milton Santos define também o subespaço: uma área con-

tígua que pode ser de diferentes categorias, de acordo com

as relações que estabelece, e tendo sempre presente o cará-

ter solidário – solidariedade no sentido de tarefas conjun-

tas ou comuns, sem conotação ética ou emocional - que

o define subespaço, região ou lugar. O autor coloca ainda

que hoje a relação menos hierárquica entre os subespaços

faz com que a distinção entre região e lugar seja menos

importante, ambos são subespaços cuja evolução depende

do tempo como possibilidade e da geografia como opor-

tunidade. Cada temporalização tem uma espacialização

prática que desrespeita as solidariedades e os limites ante-

riores e cria outros.

Em todos os tempos há um mosaico de subespaços co-

brindo o Planeta, e seu desenho é fornecido pela História.

Partindo da análise de Milton Santos é possível abordar a

cidade de São Paulo em seu caráter fracionário, em suas

constâncias e transformações. Ainda que os problemas

urbanos da cidade em grande medida acompanhem a es-

cala da metrópole – pensando em questões como infra-es-

trutura urbana, transporte e habitação, e suas respectivas

deficiências – e devam ser atacados na mesma escala total,

as leituras sobre a ocupação ou sobre a produção cultural

de São Paulo podem trazer a abordagem da cidade por

lugares, diferentes uns dos outros, e assim possibilitar a

comparação entre diferentes visões e usos dos diferentes

espaços da metrópole.

Em Saudades de São Paulo o antropólogo Claude Lévi-

-Strauss ao comentar o sentido de “saudade” no título de

seu trabalho explica: “não foi por lamento de não mais

estar lá. De nada me serviria lamentar o que após tantos

anos não reencontraria. Eu evocaria antes aquele aperto

no coração que sentimos quando, ao relembrar ou rever

certos lugares, somos penetrados pela evidência de que

não há nada no mundo de permanente nem de estável em

que possamos nos apoiar”3.

É com essa citação que Luis Antônio Jorge inicia o artigo

“São Paulo: transformação e permanências para uma

cultura cosmopolita”4, e coloca que o singular crescimento

da cidade nos seus três séculos de desenvolvimento urbano

aponta para o estado de permanente transformação que Lé-

vi-Strauss estaria colocando. “Se associarmos estes espanto-

sos números do crescimento demográfico às maneiras como

os grupos humanos ali se estabeleceram, relacionando-se

2 SANTOS, Milton. Da Totalidade ao Lugar. São Paulo:

EDUSP, 2005, p. 157;

3 LÉVIS-STRAUSS, Claude. Saudades de São Paulo.

São Paulo: Instituto Moreira Salles / Cia. das Letras,

1996, p.7;

4 JORGE, Luís Antônio. São Paulo: transformation and

preservation for a cosmopolitan culture. Area n. 114,

fev 2011, Milão;

Page 10: São São Paulo - Relatório TFG

10

num intenso intercâmbio de costumes ao mesmo tempo em

que construíam seus sistemas de valores e suas formas de

ocupar a cidade, poderemos nos aproximar de um sentido

da cidade que escapa aos seus visitantes.”5

Considerando a forte presença das correntes migrantes e

imigrantes na conformação dos espaços de São Paulo, An-

tônio Jorge coloca: “Em uma cidade historicamente cons-

truída por correntes migratórias internas e externas, por

uma urbanização e crescimento demográfico explosivos,

por um amálgama de costumes conviventes nos mesmos

espaços, indagar a presença persistente das representações

de identidades ‘estrangeiras’ é uma forma de entendimen-

to de uma relação singular entre espaço urbano e cultura.

São Paulo pode ser vista como um mosaico de lembranças

de outros lugares que cada imigrante ou cada grupo social

trouxe como valor de cidade ou de urbanidade.”6

O autor acrescenta que “tais temas são frequentes nas

crônicas da época, nas narrativas literárias, configuran-

do rótulos, estigmas, preconceitos, mas também, signos

privilegiados de natureza identitária.”7

É através dessa produção escrita e musicada que o pre-

sente trabalho procurou abordar diferentes visões sobre a

mesma cidade. As marcas de diferentes tempos e diferen-

tes apreensões de São Paulo podem ser resgatadas em suas

poesias, músicas e histórias.

Os personagens escolhidos para o conjunto aqui propos-

to são, primeiramente, figuras que falaram da São Paulo

através da poesia e da literatura, trazendo olhares sensí-

veis da convivência ou da contemplação desse espaço.

São falas poéticas sobre a dura cidade.

Sobre a poética e sua relação com a linguagem Roman

Jakobson coloca: “a poética trata fundamentalmente do

problema: que é que faz de uma mensagem verbal uma

obra de arte?”8. Dentro da Linguística, ciência global da

estrutura verbal, a poética aborda as questões da própria

estrutura verbal.

Ainda segundo Jakobson, muitos dos procedimentos es-

tudados pela poética não se confinam na arte verbal, vide

tantos exemplos de textos transformados em filmes, qua-

drinhos, danças ou artes gráficas. Essas versões podem ser

discutidas, mas em geral preservam traços estruturais do

enredo do texto original. E justamente porque discutimos

a validade de tais versões mostra que “as diferentes artes

são comparáveis”. “Numerosos traços poéticos pertencem

não apenas à ciência da linguagem, mas a toda teoria dos

signos, vale dizer, à Semiótica geral”9. Essa afirmação vale

para todas as formas de linguagem, não apenas a arte ver-

bal. Da mesma maneira, todas as relações entre a palavra

e o mundo dizem respeito não apenas à arte verbal, mas a

todas as espécies de discursos.

A intenção do presente projeto de ilustração é realizar

uma tradução das obras selecionadas, de uma estrutura

verbal para um discurso gráfico, tendo o objeto São Paulo

como foco central. A ilustração compreendida como

tradução se alinha à colocação de Jakobson, de que dife-

rentes artes são comparáveis e passíveis de transposição

de discursos. Assim, o processo de tradução não tem uma

perspectiva de neutralidade: é entendido aqui como ver-

são, que acarreta no refazer, como o reescrever do tradu-

tor. A transposição de discursos, do escrito ou musicado

ao gráfico, pressupõe um novo trabalho.

Um bonito exemplo da tradução como uma refeitura

é o poema The Tyger , de William Blake, na tradução

de Augusto de Campos, O Tygre10. O texto original em

inglês é um poema métrico, composto em 1794, com forte

presença estilística e intrínseca ao discurso verbal (sem

5 JORGE, Luís Antônio. Op. Cit. p.23;

6 JORGE, Luís Antônio. Op. Cit. p. 24;

7 JORGE, Luís Antônio. Op. Cit. p. 24;

8 JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação.

São Paulo: Cultrix, 2007, p. 118;

9 JAKOBSON, Roman. Op. Cit. p.119;

10 CAMPOS, Augusto. Viva Vaia – Poesia 1949-1979.

São Paulo: Ateliê Editoria, 2000;

Page 11: São São Paulo - Relatório TFG

11

elementos gráficos a princípio). A tradução de Augusto de

Campos, de 1975, analisa com complexidade a explora-

ção poética original, não se atendo à tradução da mensa-

gem apenas, mas trabalhando com todos os recursos em-

pregados na sua transmissão, como a rima ou a aliteração,

que são elementos tão importantes quanto o significado

de cada uma das palavras.

A tradução de Augusto de Campos traz apenas um trecho

do poema, reinventado: a tipografia desenhada especial-

mente para essa obra carrega parte da mensagem, junto

com os tigres espelhados desenhados que remetem a tipo-

grafias orientais – a simetria e a lembrança indiana sendo

aspectos importantes do conteúdo e do momento do texto

original – aspectos do discurso verbal que são traduzidos

em discurso gráfico.

A primeira dupla do trabalho de Campos explicita ao

leitor o processo de tradução escolhido, ao reproduzir o

texto original em inglês na primeira página. Tendo o meio

do livro como eixo de espelhamento, o reflexo em portu-

guês se remete ao original em inglês e escolhas do tradu-

tor, como a preservação da aliteração da primeira frase,

levando a tradução não literal de cada uma das palavras,

ficam registradas.

O Tygre é um caso de tradução como refazer e de transfe-

rência de discursos, onde original e tradução mantém uma

raiz comum – e demonstram diferentes obras compará-

veis, como coloca Jakobson.

Page 12: São São Paulo - Relatório TFG

12

11 ROLNIK, Raquel. São Paulo. São Paulo: Publifolha,

2001, p. 10;

Rua 15 de Novembro, 1892.

Vista de São Paulo, 1895 / Instituto Moreira Salles.

3

São Paulo

Cada um dos quatro artistas aqui ilustrados é um olhar

sobre uma cidade diferente: diferentes lugares, visões e

épocas ao longo do século XX. E todos eles trazem em seus

depoimentos íntima relação com os respectivos contextos

urbanos e históricos de São Paulo, que pretendo apresentar

junto a uma breve retomada da história da cidade.

Em um ensaio introdutório sobre São Paulo Raquel Rolnik

coloca as sensações de dureza e dificuldade na vivência de

seus moradores frente ao processo de grande crescimento,

que parece ser fruto da desordem absoluta, desvinculado

de qualquer diretriz ordenatória, política ou social. De-

fende que “longe de ser caótico, esse processo foi direta-

mente influenciado por opções de política urbana, tomadas

em períodos fundamentais de sua história”11. A autora

coloca que são sucessivos modelos de cidade colocados

para um lugar que cresceu de 30 mil para mais de 2,5

milhões de habitantes entre 1854 e 1954, e passou dos 10

milhões nas décadas seguintes.

Fundada em 1554, desde o século XVII expedições

bandeiristas saíam da Vila de São Paulo. Seu destaque

econômico começou com o comércio e cultivo de café,

iniciado no Vale do Paraíba em meados do século XIX,

a cidade sendo a primeira parada depois do porto

de Santos, estabelecendo fundamental ligação entre

produção e distribuição.

Em função da economia cafeeira a primeira ferrovia

foi implantada, Santos-Jundiaí, em 1867. Grande parte

da elite da época passou a convergir para São Paulo,

nascente centro econômico, e começou a imprimir seus

ideais na cidade. A economia em ascensão atraiu também

grandes fluxos imigratórios – entre 1888 e 1900 pas-

saram por São Paulo mais de 900 mil imigrantes, 70%

provenientes da Itália.

Em decorrência da movimentação econômica a partir do

café o Brasil vive seu primeiro surto industrial no começo

do século XX, grande parte dele se manifestando na cidade

de São Paulo. As indústrias têxteis e alimentícias foram os

primeiros gêneros e ocupavam principalmente as várzeas

e as áreas atravessadas pela ferrovia – caracterizando

ocupações de regiões como a Lapa, Bom Retiro, Pari, Brás,

Mooca, Ipiranga – onde também se instalaram as primei-

ras colônias de imigrantes.

Nessa fase São Paulo vive ainda o primeiro surto de

“urbanidade”: investimentos em infra-estrutura urbana

como sistema de esgoto, pavimentação de ruas e sistema de

transporte público, com os bondes elétricos, foram algumas

das grandes transformações da cidade. O centro histórico

recebeu especial atenção, com a implementação do conceito

francês de Boulevard no Vale do Anhangabaú, a consoli-

dação do triângulo São Bento-Rua Direita-Rua 15 de

Novembro, e o início da expansão para o Centro Novo (em

torno da Praça da República). A intenção da nova elite pau-

lista em formação se expressava com clareza na abertura

de ruas, implantação de equipamentos culturais e comércio

voltado ao consumo de alto padrão da época.

Formavam-se também os bairros populares, periféricos em

relação aos investimentos centrais, onde proliferavam as

chaminés industriais misturadas aos cortiços, tendo como

Page 13: São São Paulo - Relatório TFG

13

infra-estrutura urbana disponível praticamente apenas o

transporte por bonde.

Assim, nesse momento a oposição entre centro e periferia já

se manifestava na cidade de São Paulo, sendo uma área equ-

ipada e continuamente recebendo manutenção dos serviços

públicos de infra-estrutura urbana, e outras tantas respon-

sáveis por grande parte da produção da cidade mas restritas

a condições precárias de moradia e trabalho.

A esse contexto podemos aproximar a chegada da família

de Adoniran Barbosa, que se mudou para Jundiaí em 1918,

onde havia oportunidades de trabalho, e Adoniran ajudava

o pai como carregador de vagões da São Paulo Railway

(futura Santos-Jundiaí). É fácil cantarolar Aguenta Mão,

João ou Viaduto Santa Efigênia (ainda que sejam com-

posições posteriores)relembrando as condições de reno-

vação urbana e carência de infraestruturas do período, que

se estenderiam por mais algumas décadas.

A clara segregação espacial era manifestada também com a

criação de bairros voltados para a elite burguesa: em 1879,

é fundado o bairro Campos Elíseos, em 1890, Higienópolis,

em 1891, a Avenida Paulista. Junto com esses loteamentos

a ação discriminatória dos serviços públicos, que atendiam

tais localidades e o centro elitizado exclusivamente. A

Avenida Paulista nasce com uma legislação específica para

ela, obrigando largos recuos “a serem ocupados por jardins

e arvoredos”, medida que estabelece um modo de ocupação

relativo a apenas um segmento social. “Nesse período se

esboça o fundamento de uma geografia social da cidade, da

qual até hoje não se consegue escapar”12.

A possibilidade de participação política nesse momento

era também bastante restrita: votavam brasileiros, maiores

de 21 anos, alfabetizados, e o voto não era secreto. Em

uma cidade de imigrantes e analfabetos, apenas uma

pequena elite tinha direito ao voto - composta, no começo

do século XIX, basicamente por proprietários rurais,

negociantes ricos, banqueiros e profissionais liberais liga-

dos a esses grupos por vínculo familiar ou empregatício.

O processo eleitoral era, ainda, corrompido, controlado

pelos grupos que disputavam a governança e assim

configurando a eleição dada pelas articulações políticas

mais do que pelo número de votos em si. “Esse modelo

liberal e privatista, e toda construção de relações políticas

que lhe correspondia, entra em crise nos anos 20, vítima

da voracidade de sua criatura: uma cidade que em 1920

chega aos 600 mil habitantes, densa e concentrada como

um barril de pólvora preste a explodir”13.

Os anos de 1920 em São Paulo entram em uma cidade

em processo de modernização, se refletindo no projeto

estético lançado pelo movimento modernista nas artes

plásticas, inspirados pelas vanguardas europeias. Nesse

Porto de Santos, entre 1935 e 1937/ Claude Lévi-Strauss.

Avenida Paulista, 1902 / Instituto Moreira Salles.

12 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 19;

13 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 23;

Page 14: São São Paulo - Relatório TFG

14

Rua 15 de Novembro, 1920.

contexto Mário de Andrade é um protagonista fundamen-

tal: idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922, seu

livro Paulicéia Desvairada, publicado no mesmo ano, traz

a tese de uma cidade arlequinal, composta por tantas cul-

turas diferentes, e que em um movimento antropofágico

digere e reinventa essas culturas, se constituindo como a

Paulicéia de que fala.

Os abalos na Europa, por conta da Primeira Guerra

Mundial (1914-1918), levam a um segundo grande surto

industrial paulista, iniciado com a substituição de impor-

tações – em decorrência São Paulo receberia ainda um

novo grande fluxo imigratório, levando a novo amplo

crescimento demográfico e a formação de um proletari-

ado urbano. Frente a essas mudanças a cidade viveria

ainda período de grande carência na produção tanto de

bens de consumo, como roupas e alimentos, quanto de

habitação e outras necessidades urbanas básicas, acar-

retando em uma disparada inflacionária. Assim, no final

da década de 1920 o cenário de São Paulo era de escassez

e inflação, somadas à epidemia de gripe espanhola, que

matou milhares de cidadãos.

O movimento sindical emergiu com força nesse momento,

inspirado pelos anarquistas da Itália e da Espanha. Frente

à insatisfação com a cidade os bairros operários foram

permeados por essa tensão social. Ao mesmo tempo a ci-

dade dos imigrantes nessa fase vinha constituindo mais um

grupo social, a classe média urbana, formada por comer-

ciantes, funcionários públicos, pequenos empresários, que

não tinham voz política. A aliança desses dois grupos foi

fundamental para o tom radical da revolução de 1930.

Com a Revolução de 1930 tem fim o período da Repúbli-

ca Velha, com a deposição de Washington Luis e im-

pedimento da posse de Júlio Prestes, colocando Getúlio

Vargas como chefe do “governo provisório”. O modelo

político da Primeira República é substituído por um

governo intervencionista, nacionalista, que dialoga com

as classes mais baixas.

Do ponto de vista urbano São Paulo foi marcada pelo

aumento de automóveis nos anos 20, assinalando o modelo

rodoviarista que persistiria, associado também à indús-

tria automobilística, e introdução dos primeiros ônibus.

Começara a era das grandes obras viárias, de maiores in-

vestimentos para serviços públicos e metas de “expansão da

periferia como estratégia de acomodação dos assentamentos

populares”14. – Dr. Washington Coelho Penteado, person-

agem de Alcântara Machado, exaltaria orgulhoso a quanti-

dade de automóveis que circulava rapidamente pela cidade.

Nesse período a Cia. Light, empresa de capital canadense,

atuava em São Paulo nas atividades de geração e dis-

tribuição de energia, transporte público com bondes e

negócios imobiliários. Com a crescente demanda de energia

a prioridade da Cia. era obter a concessão do rio Pinheiros,

para reverter seu curso e alimentar o reservatório Billings

(através das estações elevatórias de Traição e Pedreira), que

geraria energia através da usina Henry Borden.

A ampliação da rede de bondes não era uma prioridade

para a Light, diretriz que acirrou a insatisfação dos bair-

ros populares – em 1924 começam a circular os primeiros

ônibus clandestinos. Os ônibus ganhando espaço sobre o

bonde, e a corrente inflação, criavam uma situação cada

vez menos favorável à Cia. – vale lembrar do bonde abar-

rotado incomoda a personagem Platão Soares, no conto

O Filósofo Platão, de Alcântara Machado. A situação da

Light em São Paulo foi ficando cada vez mais delicada:

suas propostas encaminhadas ao poder público para reno-

vação de contrato foram negadas pelo Partido Democráti-14 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 23;

Largo de São Bento, 1920.

Page 15: São São Paulo - Relatório TFG

15

Praça da Sé com a Catedral em construção, 1938.

Bondes em São Paulo, entre 1935 e 1937/ Claude

Lévi-Strauss

co, que vinha se opondo à gestão Republicana anterior, e

a grande enchente de 1929, que atingiu pela primeira vez

bairros nobres e foi atribuída às suas ações. Estava criado

um cenário bastante desfavorável para a continuidade das

atividades da empresa na cidade. Como agravante final,

a proposta da Light não era compatível com o Plano de

Avenidas de Prestes Maia, assim o governo decide pela não

renovação do contrato com a empresa.

A proposta do Plano de Avenidas começa a ser implemen-

tada na cidade na década de 1940, quando Prestes Maia

assume a prefeitura de São Paulo. O plano é uma escolha

pelo modelo rodoviarista que viria a se estender até os dias

de hoje, com o ônibus como base do transporte público,

abertura de largas avenidas e a possibilidade de expansão

da cidade com base no deslocamento rodoviário.

É com o Plano de Avenidas que se caracteriza pela primei-

ra vez em São Paulo o padrão de rios enclausurados entre

grandes avenidas ou canalizados em galerias subterrâneas,

com avenidas sobre seu curso, como a Avenida do Estado,

locada sobre o rio Tamanduateí. Assim como o rodovi-

arismo, a relação entre o rio e a cidade que se estabelece a

partir do Plano de Avenidas é uma herança com a qual a

cidade convive nos dias de hoje.

Para atender às pressões sociais por serviços públicos era

necessário que a crescente periferia, que até então era colo-

cada como uma diretriz oficial do Estado para prover hab-

itação de baixo custo, com base na autoconstrução, fosse

agora incorporada à gestão urbana de maneira regular. Em

1932 foi acrescentado um dispositivo no Código de Obras

que dava a possibilidade de reconhecer loteamentos irregu-

lares, no entanto não estabelecia critérios claros para tal. O

reconhecimento das habitações, que significaria o acesso a

todos os direitos e obrigações do Estado para com a cidade,

dependia dos técnicos do próprio Estado. Rolnik coloca

que “inaugura-se, assim, a era da cidadania consentida: a

condição de legalidade urbana, fundamental para a incor-

poração de vastas massas urbanas como objeto das políti-

cas públicas, é uma concessão, seletiva, do Estado”15. A au-

tora explica que a ideia de ‘ideologia da outorga’ é fundada

a partir desse momento, “o ato fundador da cidadania é

uma relação de doação do Estado para o povo. Finalmente,

o termo que fecha e dá sentido à relação é ‘retribuir’. Quem

recebe um presente cria um vínculo, que leva naturalmente

a retribuições”16. No período Vargas o governante era a

figura do “doador”, e essa relação é perpetuada mesmo de-

pois da redemocratização, na prefeitura de Jânio Quadros,

e nos anos seguintes, com medidas que reforçam a relação

de direitos concedidos, e que não garante o estado de plena

cidadania a todos os cidadãos.

Na década de 1940 as zonas centrais de São Paulo são

verticalizadas e tem-se a consolidação do eixo centro-

zona oeste como regiões privilegiadas do ponto de vista

da infra-estrutura pública, configurando as áreas mais

elitizadas da cidade. Foi pavimentada a rodovia Dutra

(ligando São Paulo ao Rio de Janeiro) e implantada a

rodovia Anchieta (acesso da cidade ao porto de Santos) e

configurou-se um novo eixo de expansão industrial, com

base principalmente nas indústrias metalúrgicas, metal-

mecânica e elétrica.

O processo de crescimento e adensamento dos bairros

próximos às rodovias continuou na década de 1950,

quando São Paulo, que já era o mais importante centro

industrial do país, torna-se também o principal centro

financeiro e maior cidade do Brasil.

O grande crescimento econômico atrai migrantes de

todo país, em um período marcado pela diminuição da

15 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 36;

16 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 37;

Rua da Liberdade, 1930.

Page 16: São São Paulo - Relatório TFG

16

Barracas eleitorais, 1950.

imigração (ainda que a chegada de estrangeiros tenha

continuado). O movimento migratório é uma caracterís-

tica de São Paulo absolutamente evidente na realidade

urbana hoje: “Da estranha mistura de pastel, pizza,quibe

e cheeseburger obrigatória em qualquer lanchonete de

esquina às dezenas de sushiman nordestinos espalhados

pelos restaurantes da cidade, são muitos os sinais dessa

presença mesclada. De um bairro como o Bom Retiro da

década de 1950, onde se falava iídiche nas ruas, ficaram as

confecções e lojas populares de roupa, agora sob controle

coreano. (...) A sedução fácil de uma teoria de convivência

harmoniosa e divertida é negada, entretanto, pela geografia

socioeconômica das origens. (...) Quanto mais distante e

precária, mais negra, mulata e imigrante”17.

Na década de 1970 o consumo das elites foi deslocado

na direção da Avenida Paulista e Jardins. Até então a

elite divide o espaço mais equipado da cidade, o “Centro

Tradicional” e o “Centro Novo”, com habitações de renda

mais baixa, como os cortiços da região do Glicério e da

Bela Vista – “simultaneamente a boca do lixo e do luxo”18.

Ao longo dos anos 1960 as sedes de banco e grandes

empresas se mudam para a Paulista, e os equipamentos do

centro começam a apresentar sinais de deterioração. “Pela

primeira vez na história da cidade, o metro quadrado do

Centro Histórico deixa de ser o mais caro”.

Nesse momento pela tem-se também inédita diminuição

da ocupação dos bairros centrais como a Mooca e o Brás,

enquanto o centro se expandia em bairros adjacentes como

Higienópolis, Santa Cecília e Consolação.

Desde a década de 1950 edifícios modernos tomavam a

paisagem, muitos deles na Avenida Paulista. O Conjunto

Nacional, construído em 1956, foi o primeiro edifício de

uso misto – residencial e comercial – na avenida e inaugur-

ou o eixo de comércio que viria a se desenvolver na Rua

Augusta pouco depois. Em 1968 o MASP é transferido do

centro para o novo edifício de Lina Bo Bardi na Paulista,

com expressivo projeto moderno tanto em sua forma

quanto no projeto que o casal Bardi lançava à cidade, in-

cluindo educação e o projeto de cultura com maior acesso

para a população.

É nesse mesmo momento de expansão da cidade que

começam as primeiras leis de zoneamento. Com exceção de

alguns bairros, projetados pela Cia. City e exclusivamente

residenciais, poucas áreas de São Paulo tinham restrições

quanto a uso ou gabarito das edificações até meados da

década de 1950, quando o crescimento indeterminado

começou a ser questionado por um grupo de engenhei-

ros liderado por Anhaia Melo. As primeiras limitações de

gabarito são de 1957 e, em 1972 entra em vigor o zonea-

mento que limitava usos e formas de ocupação para toda a

área urbana do município. Ao zoneamento novas restrições

foram acrescentadas em 1981, definindo a ocupação de uma

faixa da zona rural para habitações populares.

Nas décadas de 1970 e 1980 a COHAB atuou com uma

política habitacional de conjuntos exclusivamente hab-

itacionais nas regiões periféricas da cidade. As áreas de

implantação dos projetos eram problemáticas, devido à

proximidade com os rios, canalizados ou não, levando a

terrenos com problemas graves de erosão e impróprios

para a permeabilização que sofreram. O modelo de im-

plantação isolava, ainda, os habitantes contemplados pelos

programas habitacionais nas áreas mais distantes do cen-

tro e carentes de infra-estrutura. “Não há dúvidas de que a

bomba-relógio da violência, que explodiu nos anos 90 na

cidade, guarda um nexo forte com a estrutura urbana que

acabamos de descrever.”19

17 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 45;

18 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 45;

19 ROLNIK, Raquel. Op. Cit. p. 51;

MASP em contrução, 1965.

Vista do Anhangabaú, década de 1950 / B. J. Duarte.

Page 17: São São Paulo - Relatório TFG

17

Inundaçao em São Paulo, 1970.

Vista do Parque do Ibirapuera, 1970. Vista do Parque do Ibirapuera, anos 2000 / SPTursm.

Vista da região da Sé, 1970.

Page 18: São São Paulo - Relatório TFG

18

4

Artistas

O primeiro esforço do presente trabalho foi a com-

posição de uma coletânea de obras a serem ilustradas.

O primeiro critério foi abordar trabalhos que expressas-

sem a cidade através da linguagem poética, e em seguida

sentiu-se a necessidade de trabalhar sobre obras que ex-

plicitassem São Paulo – a cidade ou seus lugares deveriam

ser diretamente mencionados, facilitando o enfoque que

este trabalho pretendia.

Como uma revisão completa da produção cultural sobre

São Paulo seria inviável nesse trabalho, o universo de obras

estudadas para compor a coletânea partiu da possibilidade,

os artistas que conhecia e que pude conhecer com essa in-

vestigação. Ainda outros agentes que poetizaram São Paulo

poderiam ser estudados no exercício aqui proposto.

A seleção dos artistas procurou trazer um conjunto com

diferentes linguagens – música, poesia e prosa – e diferentes

tempos – de 1922 à década de 1990. Assim a coletânea de

escritos e músicas aqui ilustrados tem como autores Mário

de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Adoniran

Barbosa e Itamar Assumpção.

Page 19: São São Paulo - Relatório TFG

19

20 “O modernismo dos anos 20, como um todo, foi

um manifesto fenômeno Pau(lista) Brasil”. PIGNATARI,

Décio. Sabiá sem Palmeiras. Introdução de Brás, Bexi-

ga e Barra Funda. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 9;

21 LAFETÁ, João Luiz. Mário de Andrade, o arle-

quim estudioso. In: PRADO, Antônio Arnoni (org.)

A Dimensão da Noite e outros ensaios. São Paulo:

Editora 34, 2004;

22 LOPEZ, Telê Ancona. In De São Paulo – cinco

crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921. São Paulo:

Editora Senac São Paulo, 2004, p. 10;

23 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p. 14;

Mário de Andrade por Benedito J. Duarte.

Mário de Andrade

Mário Raul de Moraes Andrade (São Paulo, 1893-1945)

foi uma personagem complexa. Grande agitador e ator

do movimento moderno (“Movimento Pau(lista) Brasil”

como coloca Décio Pignatari20), foi um dos primeiros

musicólogos brasileiros, estudando principalmente ritmos

nordestinos, diretor do Departamento de Cultura da Pre-

feitura Municipal de São Paulo entre 1937 e 1938, fun-

dador da Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo

e do Centro de Pesquisas Folclóricas (primeiro museu de

folclore em São Paulo) cronista, poeta. Teve larga atuação

na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, da segunda

metade da década de 1910 a fevereiro de 1945, quando fa-

leceu. A obra Paulicéia Desvairada foi publicada em 1922,

composta por poemas livres que tratam São Paulo com a

liberdade que Mário propõe, na cidade natal do movimen-

to moderno que surgia.

Sobre sua biografia pessoal, João Luiz Lafetá21 conta que

foi um homem ligado à família, tendo na mãe uma figura

carinhosa e acolhedora, e no pai uma relação mais cinzen-

ta, como expressa em suas obras. Menino desinteressado

nos estudos, passou a jovem extremamente empenhado, es-

tudando especialmente música e literatura, mas sem perder

o gosto peculiar que o levou à fama de “louco” da família.

Mário começou sua carreira de escritor no Conservatório

Dramático e Musical. Segundo Telê Ancona Lopez, o Con-

servatório era, ao lado da Sociedade de Cultura Artística

e do Curso de Filosofia do Mosteiro de São Bento, um

“centro de irradiação na São Paulo que se industrializava,

metrópole do século XX. Apesar disso, essas instituições

não se mostraram suficientemente atualizadas e capazes de

desencadear reviravoltas na vida ainda bastante provincia-

na da cidade.”22 A partir do trabalho da autora, que aborda

Mário através de sua participação em periódicos, é possível

ter um esboço do pensamento do jovem poeta.

Em 1920 a Revista do Brasil publicou um primeiro con-

junto de ensaios de Mário, “A arte religiosa no Brasil”,

trabalho desenvolvido depois de uma viagem para pes-

quisar o barroco mineiro, e que já apresentava elementos

importantes na obra de Mário, como a presença da reli-

giosidade e a inclinação para historiador, segundo Lopez.

Nesta fase estarão presentes ainda a “defesa de um projeto

neocolonial para a arquitetura” e a “postura modernista de

primeira hora, sobretudo quanto ao uso da língua portu-

guesa no Brasil e à valorização do nacional.” Em termos de

arquitetura, interessava-lhe a pesquisa encetada por Gaudí

e outros europeus, mas refuta a imitação tácita da geome-

tria secessionista alemã ou do futurismo italiano.”23

A revista Papel e Tinta publicada de maio de 1920 a 1921

“congrega, em São Paulo, escritores e artistas plásticos

desejosos de renovar”. Um de seus colaboradores é Ivan,

provável pseudônimo de Mário de Andrade, que escreve

sobre Victor Brecheret no segundo número da revista. A

obra de Brecheret era nessa fase reconhecida pelo grupo

de artistas modernos em formação, e seu nome era levan-

tado para a execução do Monumento das Bandeiras: “Os

vanguardistas da Paulicéia consideravam o Monumento

das Bandeiras não apenas representação do desbravamen-

to heroico no passado, mas sinônimo de uma cidade e

Page 20: São São Paulo - Relatório TFG

20

um estado comprometidos com a modernidade, prontos

para proclamar essa sintonia nacionalmente do centenário

da Independência.”24 A escultura celebraria seus ideais à

semelhança dos monumentos públicos europeus, citados

nos artigos das revistas por Ivan. Mário defende nacional-

mente o valor da obra de Brecheret, como símbolo de toda

obra não acadêmica, e desafia o cenário de produção de

arte pública, que até então dava espaço à arte tida como

conservadora pelo grupo moderno.

A revista Illustração Brazileira foi mais um veículo das

ideias renovadoras do período. “Um exame que se detenha

em 1920 e 1921 detecta grande variedade de seções, uso

farto da fotografia, de vinhetas e ilustrações, muitos anún-

cios, alguns de página inteira, como o da revista infantil O

Tico-tico (...)”25 - as descrições aproximam a exploração

gráfica da revista Illustração Brazileira à Papel e Tinta,

inclusive a primeira reapresenta a fotografia da maquete

do Monumento das Bandeiras de Brecheret e trechos do

memorial divulgado em Papel e Tinta.

Na publicação são veiculadas as cinco crônicas da série “De

São Paulo”, que, segundo Lopez, apresentam linguagem

próxima à poética que seria explorada em Paulicéia Desvai-

rada pouco depois26. Nas crônicas, assim como no livro, já

está presente a sua postura de “tratar a Paulicéia como um

ser vivo. Esse tratamento implica a informação jornalísti-

ca, mas multifacetada no olhar que privilegia o prisma do

sentimento, das impressões, debruçando-se sobre a comple-

xidade e o mistério”. “Supõe, logicamente, a superação da

objetividade do ato de informar, arrastando o texto para o

campo da linguagem poética; amarra as pontas da crônica

como um gênero híbrido – jornalismo e literatura.”27

A narração que Mário assume tem a intenção de forma-

ção. Ainda que pudesse perceber criticamente a sua pró-

pria defesa – pensando no poema de Bilac, “O caçador de

esmeraldas”, que coloca a destruição das aldeias indíge-

nas pelos conquistadores europeus e a contradição da na-

cionalidade e da presença das bandeiras, a autora coloca

que a produção textual de Mário até 1920 ainda não tem

“a ironia amarga e moderna com a qual, poeta, moldará

os versos de ‘Tietê’ em 1922, derrubando a idealização

do bandeirante e vendo, no monumento de Brecheret, o

fecho do passado e o signo do presente na metrópole do

século XX, a desvairada Paulicéia.”28

Em dezembro de 1920 as crônicas de Mário em Illustra-

ção Brazileira ficam definidas no formato de cartas para a

publicação, e nesse momento “colocam-se claramente no

propósito de persuadir, na difusão do modernismo.”29 São

endereçadas a um leitor coletivo, como maneira de expan-

dir o alcance da mensagem - nesse período Mário ainda

trocaria extensas correspondências com intelectuais da

época. Sua escrita nesses textos traz as marcas da mudan-

ça, com a mistura da fala brasileira junto à linguagem do

passado, entre tantos elementos que trazem estranhamento

em seu texto, apontam para “a ausência de recursos para

flagrar as próprias contradições.”30

Seus textos de 1920-21 têm na arte as referências mais

importantes, usadas para sua defesa. Elege o instrumento

musical alaúde como imagem, instrumento dos trovadores

aludido por Musset e Gonçalves Dias. Ambos “haviam se

valido do alaúde para estabelecer os respectivos projetos

de atualização nacionalista”, sendo que Dias, em “Can-

ção” tem o eu-lírico separado em três partes simbolizadas

por instrumentos, assim a harpa correspondendo à poe-

sia religiosa, a lira à mulher amada e cabendo ao alaúde

simbolizar o Brasil. “O alaúde, tornado ‘vertiginoso’ como

o novo século, logo saltará para uma poética do fragmen-

24 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p. 21;

25 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.19;

26 Grande parte do trabalho de Mário de Andrade

sustenta a defesa de uma linguagem mais próxima da

fala do povo, uma ruptura drástica em relação ao par-

nasianismo do meio acadêmico. “Cria, portanto, nova

linguagem literária, mais afeita ao vernáculo brasileiro.

Trabalha com a sonoridade das palavras e resgata um

vocabulário mesclado de termos oriundos de línguas

indígenas e dos neologismos e estrangeirismos dos

bairros italianos da capital paulista.” In: NUNES, Apare-

cida Maria. As andanças de arlequim e suas múltiplas

percepções na Paulicéia de Mário de Andrade. Univer-

sidade Vale do Rio Verde – Unincor, 2005;

27 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p. 27;

28 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p. 28;

29 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.29;

30 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.30;

Page 21: São São Paulo - Relatório TFG

21

to, arlequinal”31. Nesse momento o alaúde ainda “não

compõe a definição do poeta brasileiro moderno (...) Isso

ocorrerá na profissão de fé ‘O Trovador’, em Paulicéia

Desvairada, dois anos depois, sintetizada no verso final:

‘Eu sou um tupi tangendo um alaúde’”32.

No número 6 da revista Mário publica uma reflexão sobre

a arquitetura brasileira. Vale-se do vasto conhecimento so-

bra a arquitetura do passado para ironizar a nova sede da

Banca Francesa e Italiana e defende a arquitetura neocolo-

nial. A argumentação em favor do neocolonial se dá frente

a um contexto de produção arquitetônica específico, e a

posição de Mário parece se alinhar com clareza ao estilo

que, apesar de antigo, tinha afinidade nacional mais do

que as imitações de estilos europeus. Apenas em 1925, com

a arquitetura funcionalista de Gregori Warchavchik, Mário

encontraria a afinidade temporal e estética para a vanguar-

da da arquitetura. Lopez acrescenta que esse descompasso

de referências, que pode ser compreendido pelo momen-

to vivido mais do que acusado de simples contradição,

explica o descompasso entre a produção de artes plásticas

e a produção arquitetônica expostos na semana de arte

moderna de 1922.

Em março de 1921 Mário tematiza em sua crônica o

lançamento da edição de luxo da publicação As Máscaras,

ocasião que foi o lançamento público do modernismo. O

poema de abertura de Paulicéia Desvairada, “inspiração”,

retoma o encontro, trazendo o acontecimento celebrado

junto à crítica ácida de Mário. A figura do arlequim aparece

na obra As Máscaras, que é acomodada em lugar “seguro”

para a época, sem explorar outras posições da personagem,

como faria Mário: “tirar do arlequim novas e modernas

dimensões de busca e contestação”33. O poema “O reba-

nho” retoma também essa cena, assim como “Paisagem n°2”

e “Religião”. Na crônica de Illustração Brazileira “relata a

complexa afirmação do modernismo paulistano, o segundo

sentido que a cor verde ocupa na criação do poeta: corro-

são, azinhavre; metáfora da decomposição”34.

O livro de poemas livres Paulicéia Desvairada, segundo

Lafetá, causa estranhamento nos leitores até hoje, ainda

que diferentemente daquele dos contemporâneos à obra,

“o estranhamento é tomar contato, pela primeira vez,

com versos que ‘não foram escritos para leitura de olhos

mudos’, mas para serem cantados, urrados, chorados”35.

A poesia foi “baixando o tom” ao longo do século, de

maneira que nos acostumamos com a poesia branda, “à

força insinuante de Manuel Bandeira, ao poder suave da

fala de Drummond, ao encanto antidiscursivo de João

Cabral, é inevitável que tenhamos a estranha sensação de

deslocamento diante desse que foi o primeiro esforço de

se criar entre nós o verso moderno, capaz de representar

a agitação e o tumulto da vida nas grandes cidades –

agitação e tumulto que de resto, hoje em dia, também nos

parecem tão relativos.”36

O livro surtiu grande efeito na época, tanto para aqueles

que o repudiavam quanto para os que com ele viram novos

horizontes, como Oswald de Andrade, que depois de Pauli-

céia escreve “O meu poeta futurista”, ou Manuel Bandeira,

que foi “estimulado a modificar seus rumos criativos a par-

tir do impacto de Paulicéia.”37 - “sua novidade desarmava e

desconcertava as resistências”38. Para entender a influência

de Paulicéia nos poetas da época é necessário estudar sua

presença ao longo dos primeiros anos do Modernismo.

Mas estudando apenas o fenômeno desse livro, “veremos

que seu caráter de novidade desconcertante tem papel

decisivo na recepção entusiástica dos contemporâneos. O

charme da novidade tinha raízes num impulso profundo

31 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.33

32 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.33

33 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.42

34 LOPEZ, Telê Ancona . Op. Cit. p.47

35 LAFETÁ, João Luiz. A representação do sujeito lírico

na Paulicéia Desvairada. In: BOSI, Alfredo (org.) Litera-

tura e Poesia. São Paulo: Editora Ática, 1996. p. 53;

36 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 54;

37 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 54;

38 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 54;

Capa da edição fac-símile de Paulicea Desvairada.

Page 22: São São Paulo - Relatório TFG

22

das mudanças.”39 Precisava se apoiar no estímulo interior

que vinha do contato com as vanguardas européias assim

como com a própria cidade de São Paulo com suas agitadas

mudanças no começo da década de 1920.

Lafetá mostra que o contexto da criação de Paulicéia vem

com uma anedota: parece que Mário tentava escrever um

livro de poesias sobre São Paulo, sem conseguir faze-lo.

Quando procurou comprar uma obra de Brecheret, um bus-

to, sua família se opôs, gerando um conflito família tradicio-

nal x arte moderna, a partir do qual Mário teria se sentido

motivado e, de uma vez, escreveu Paulicéia Desvairada.

Na obra a personagem do Arlequim é recorrentemente

chamada pelos poemas. A figura ficou popularizada nos

carnavais de rua brasileiros no final do século XIX e co-

meço do século XX, como uma interpretação nacional do

bobo-da-corte, que contracena com o Pierrô, seu inimigo, e

com a Colombina, sua amada. O Arlequim se aproxima da

figura nacional do malandro, na medida em que é respon-

sável por contínuas peripécias. Assim como o personagem

original da Commedia Del’Arte, o Arlequim de Mário é

uma figura errante por São Paulo, em um nomadismo simi-

lar ao das trupes de artistas. Sua veste tradicional é uma

roupa feita de retalhos de panos coloridos na forma de

losangos, ideia de composição a partir do fragmento que

também é incorporada na exploração poética de Mário,

como metáfora da cidade de São Paulo.

Aparecida Maria Nunes analisa que “Paulicea Desvaira-

da40 funde poeta e cidade em Arlequim, mediante o traje

de retalhos metaforicamente apresentando São Paulo

como um conjunto de ‘losangos’, no mapeamento de ruas

e locais. A cidade, então, passa a ser descrita: uma polifo-

nia simetricamente saltitante, leve e reveladora. Mário de

Andrade representa a cidade sob vários lados, permitindo

visão do real estilhaçado. Do aspecto fortuito vai sendo

moldado o total. O instantâneo, ao passar pela ótica

marioandradina, pouco a pouco alinhava os pedaços de

tecido do traje do palhaço.”41

Ao longo das poesias de Paulicéia Desvairada o Arlequim é

chamado, e, por vezes, omitido. Segundo Nunes, “em senti-

do conotativo, extremamente amplo, o Arlequim é gerado

pela cidade, ele é uma necessidade da cidade. Por isso, suas

características de ora estar ausente (apenas observando) ora

agindo (interferindo na mutação do meio urbano). É desse

desempenho que Arlequim já não se configura como mero

habitante, uma personagem anônima tais quais os integran-

tes da massa populacional das metrópoles.”42

Para a autora, a cidade está impressa nas andanças, como

cenário, tanto quanto é agente ativo na cena em que o Ar-

lequim perambula: “Pelos aspectos escolhidos para compor

a Paulicea Desvairada, notamos que se trata de uma leitura

calcada no estranhamento que a cidade paulistana oferece

ao relacionamento humano das suas correlações intrín-

secas. O tecido urbano é flagrado pelo poeta, adquirindo

sentido camuflado por modismos e imposições, comodis-

mos e alienações. Mário de Andrade, a cada passo, des-

nuda essa cidade, mediante suas percepções, um Arlequim

andarilho, que com travessuras atribui significado à cidade

no seu aspecto contextual. Só que no mesmo instante em

que flagra, Mário de Andrade também é flagrado por essa

polifonia literário-urbana: som, festa, gesto, odor em toda

gama de sensações a que o ser humano está submetido. O

usuário de ator passa a autor, de espectador a diretor, de

agente passivo a ativo, e vice-versa. A arlequinada se faz

assim presente.”43

Lafetá comenta que o próprio Mário analisava sua obra

percebendo defeitos e qualidades. Em um texto de 1924

39 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 55;

40 A autora mantem em seu trabalho a grafia do

título original.

41 NUNES, Aparecida Maria.Op. Cit. p.13;

42 NUNES, Aparecida Maria.Op. Cit. p.5;

43 NUNES, Aparecida Maria. Op. Cit. p.10;

Page 23: São São Paulo - Relatório TFG

23

colocara que os sentimentos em Paulicéia são do tipo que

duram pouco, a cólera, a revolta, e que os poemas foram

muito corrigidos, mas ainda exprimiriam sentimentos pas-

sageiros. Nem por isso, ainda segundo Mário, deveriam ser

refeitos, já que não deixam de transmitir emoções sinceras:

“tudo quanto era representativo do estado da alma, e não

desfalecimentos naturais em toda criação artística, aí se

conservou. Uma obra de arte não é expressiva só pelas

belezas que contém. (...) Muitas vezes os defeitos são mais

interessantes e comoventes que as belezas. Direi mais: mui-

tas vezes o defeito é uma circunstância da beleza.”44

Sobre a questão do momento histórico, Lafetá cita Ador-

no: “Quase se poderia medir a grandeza da arte de van-

guarda com o critério de saber se os momentos históricos,

como tais, fizeram-se nela essenciais, ou, pelo contrário,

afundaram-se na intemporalidade”45. No caso de Paulicéia

Desvairada, “justamente o ‘momento histórico’ fez-se essen-

cial” a partir da frase de Adorno, o autor coloca que “ela

indica que o momento histórico moderno – a coisificação, a

prepotência do mundo, o esmagamento da subjetividade, a

negação do humano (vários os nomes do mesmo fenômeno

básico) – tornou-se essencial na arte moderna porque in-

corporou-se à sua linguagem, virou procedimento artístico,

foi integrado no coração da forma de tal modo que fez-se

‘representativo’. No caso de Paulicéia, como bem viu Mário

de Andrade, era preciso manter ‘exageros’, pois eles eram

bem ‘representativos’ do ‘estado de alma’ – (...) eles eram

marcas negativas (quase no mesmo sentido em que se fala

de negativo fotográfico) do momento histórico.”46

Lafetá busca mostrar como isso se dá em Paulicéia, foca-

lizando “o problema da representação do sujeito lírico,

como se sabe central na arte moderna desde Baudelai-

re, e que as vanguardas do começo do século tentaram

resolver em duas direções principais: ora equacionando a

relação sujeito/objeto em formas construtivas e objetivas

(na linha do futurismo, do cubismo e do abstracionismo),

ora invertendo a ênfase através da elaboração de formas

destrutivas e subjetivas (na linha do expressionismo, do

dadaísmo e do surrealismo)”47.

“Talvez esse seja o grande problema de linguagem de

Paulicéia Desvairada: equilibrar a notação objetiva dos

aspectos da cidade moderna com o tumulto de sensações

do homem moderno, no meio da multidão.(...) A delicada

cristalização do lirismo, que segundo Hegel consiste na

passagem de toda objetividade à subjetividade, é pertur-

bada pelo movimento incessante entre a Paulicéia e do

desvairado trovador arlequinal. Mas o fato de ter tentado

forjar essa modernidade da representação, foi o lance feliz

de Mário de Andrade: nesse instante, e retomando agora

a frase de Adorno, um momento histórico fez-se essen-

cial na sua obra.”48 Ou seja, a perturbação do lirismo na

poética de Paulicéia é também representação da pertur-

bação da vida moderna – e os defeitos reafirmados como

parte da beleza pelo próprio Mário estariam justificados.

“A subjetividade está ali submetida a grande pressão, que

estoura tudo – o eu, a linguagem, a cidade -, tudo subme-

tendo à fragmentação.”49

44 ANDRADE, Mário. In: LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 58;

45 ADORNO, T. W. Lukács y equivoco del realismo. In

LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 58;

46 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 59;

47 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 59;

48 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 62;

49 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 63;

Page 24: São São Paulo - Relatório TFG

24

Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) nasceu em

São Paulo e descreve cenas da cidade nos anos 1930 muito

bem localizadas. A coletânea de contos Laranja da Chi-

na (1928) traz histórias curtas, intitulada pelos nomes de

seus personagens principais – figuras que conduzem, sob a

narração em terceira pessoa, a cena contada. A prosa ágil

e certeira, característica de Alcântara, conduz a narrativa

e pinta personagens complexos que em poucas páginas

sempre viram a opinião do leitor, revelando contradições

em suas essências dentro de pequenas cenas, como a ida de

um funcionário ao trabalho, de bonde, ou o passeio de uma

família em São Paulo para fazer compras.

Alcântara Machado faleceu com pouco mais de 30 anos,

deixando três obras “modernas e não apenas modernistas,

e por isso mesmo representativas como conteúdo artístico

desse mundo em ebulição”, como coloca Francisco de

Assis Barbosa50: Pathé-Baby (1926), Brás, Bexiga e Barra

Funda (1927) e Laranja da China (1928) “notícias do

cotidiano paulista, flagrantes da classe proletária e da bur-

guesia endinheirada, dos pequenos núcleos de imigrantes,

italianos na sua maioria, que vão adensar a classe média

ainda rarefeita de pequenos comerciantes e burocratas”51.

Barbosa realça a capacidade da obra de Alcântara de

incorporar as muitas mudanças tecnológicas e estéticas

que o mundo vivia no pós-Primeira Guerra Mundial. A

velocidade das informações vinha sendo acelerada, espe-

cialmente com o começo do rádio e do cinema na década

de 1920, e somadas ao olhar atendo de um jornalista,

segundo o autor, são o cenário e a disposição para compor

a “sua prosa ágil e flexível”.

Sobre a escrita jornalística de Alcântara Machado, Décio

Pignatari coloca: “Sua teoria da prosa não resulta simples-

mente da formulação idiossincrática de um jornalista mi-

litante. Espanca nuvens e deixa entrever novos horizontes

interrogativos: ‘E é ai que a porca torce o rabo desesperada-

mente. Creio mesmo que a superabundância de versos exis-

tentes no mercado se deve em grande parte à facilidade que

a poesia oferece (tal como é geralmente compreendida) em

comparação com a prosa. Esta é dura de se roer.’ Impressio-

nante oxímoro, cegante avesso. Raras notações da teoria e

da crítica literária atingem o instigante patamar da seguinte

afirmação: ‘A poesia vai evoluindo, vai abandonando certos

gêneros, vai se simplificando. A prosa é a mesma imensidão

desde que nasceu.’ Que a palavra ‘mesma’ esteja espalhada

dentro da palavra ‘imensidão’ dá a medida do calibre poéti-

co do homem que defendeu a prosa pura.”52

A agilidade da escrita e a qualidade dos tipos que Alcântara

compõe são também comentados na edição fac-simile de

Laranja da China, pela organizadora, Cecília de Lara, e

por críticos que esta edição traz, como Tristão de Athayde

(pseudônimo de Alceu Amoroso Lima) e José Lins do Rego.

Esse compara Alcântara aos dois Andrade, colocando que

Mário e Oswald travaram uma guerra contra os estilos an-

teriores, Mário tendo “alma de poeta”, e Oswald atuando

como um guerreiro nesta batalha (“Foi assim admirável na

derrubada, mas pouco plantou de grande.”53).

Localiza Laranja da China nesse tempo combativo, e

compara com Macunaíma, colocando que Alcântara supera

50 BARBOSA, Francisco de Assis. In: Comentários e

notas à edição fac-similar de 1982 de LARANJA DA

CHINA. LARA, Cecília de. São Paulo: Convênio IMESP/

DAESP, 1982, p. 07;

51 BARBOSA, Francisco de Assis. Op. Cit. p.07;

52 PIGNATARI, Décio. Op. Cit., p. 15;

53 LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-

-similar de 1982 de LARANJA DA CHINA. São Paulo:

Convênio IMESP/DAESP, 1982. p. 71;

Antônio de Alcântara Machado por Benedito J. Duarte.

Antônio de Alcântara Machado

Page 25: São São Paulo - Relatório TFG

25

Mário na linguagem: “A língua de Macunaíma é um fabu-

loso apanhado de modismos que chega a dar um dicioná-

rio. Mas às vezes a erudição embaraça o grande escritor. O

entusiasmo poético, a espontaneidade se perdem.(...) E a

língua se resseca, perde o cheiro e o gosto de terra molhada.

(...) A língua de Alcântara é livre, vem de dentro de seus

personagens, se articula com uma pureza admirável. Dele

podia ter saído o grande romancista de São Paulo, porque

Antonio de Alcântara Machado dispunha como pouca gen-

te do elemento essencial para o romance, que é a capacida-

de que tem o escritor de se encontrar em intimidade com a

vida e não balizar a vida.”54

Em Laranja da China as personagens falam muito alto.

Essa força dos tipos se desenrola, entretanto, em um cená-

rio preciso e também bastante típico: desde a linguagem do

texto até a caracterização das cenas remete intensamente a

hábitos, cacoetes, manias brasileiras ou paulistanas. Nessas

expressões encontra-se muito do entendimento de Alcânta-

ra Machado da cidade de São Paulo.

54 LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-

-similar de 1982 de LARANJA DA CHINA. São Paulo:

Convênio IMESP/DAESP, 1982. p. 71;

Capa da edição fac-símile de Larabja da China.

Page 26: São São Paulo - Relatório TFG

26

55 MUGNAINI Jr., Ayrton. Adoniran: Dá Licença de Con-

tar... São Paulo: Ed. 34, 2002. p. 30;

56 CAMPOS Jr., Celso de. O Palhaço Triste.In: KANZ,

Leonel e LODDI, Nigge (org.). Trem das Onze – A poé-

tica de Adoniran Barbosa. Rio de Janeiro: Aprazível,

2010,p.17;

57 CAMPOS Jr., Celso de. Op. Cit. P. 18;

58 Nome e sobrenome viriam de sambistas segundo

Ayrton Mugnaini Jr. Segundo Celso de Campos Jr, o

nome Adoniran era em homenagem a um funcionário

dos Correios, amigo do sambista. In: CAMPOS Jr.,

Celso de. Op. Cit., p.18;

59 CANDIDO, Antônio. Introdução. In: KANZ, Leonel

e LODDI, Nigge (org.). Trem das Onze – A poética

de Adoniran Barbosa. Rio de Janeiro: Aprazível,

2010;p.11;

60 MUGNAINI, Op. Cit. p.39;

61 MUGNAINI, Op. Cit. p. 43;

62 MUGNAINI, Op. Cit. p.62;

Adoniran Barbosa

Adoniran Barbosa (1912 - 1982) foi um dos personagens

de João Rubinato, um artista-ator -sambista, entre muitas

outras atividades que realizou, famoso pelo talento e pelo

humor. A data oficial de seu nascimento é 1910, como con-

sta na certidão de nascimento, mas o próprio a localizava

entre 1909 e 1912 – Ayrton Mugnaini Jr. relaciona a vari-

ação às frequentes brincadeiras de Adoniran (“levava a sério

suas brincadeiras”55 afirma) – em Valinhos, então bairro da

cidade de Campinas, filho de imigrantes italianos.

Na adolescência teve muitos trabalhos diferentes e morou

em diferentes cidades da grande São Paulo. A família se

mudou para a cidade de São Paulo em 1932, Adoniran

trabalhou no Liceu de Artes e Ofícios como metalúrgico, e

em inúmeros outros rápidos empregos. Segundo Mugnaini,

Adoniran se aproximara da música através das marchinhas

e dos bailes na época que residia em Santo André. Em São

Paulo conheceu grupo de artistas da rádio Cruzeiro do Sul,

onde começou a trabalhar em 1935 depois de um concurso

de talentos – surpreendentemente, segundo Celso de Cam-

pos Jr, e talvez para o próprio Adoniran, que teria confes-

sado “o homem do gongo devia estar dormindo”56.

O trabalho na rádio Cruzeiro do Sul durou pouco, e foi

depois de uma segunda negativa no rádio (“A culpa só

pode ser desse nome macarrônico”57)que João Rubinato

resolveu adotar o nome de Adoniran Barbosa, home-

nagem aos sambistas Luiz Barbosa e Adoniran Alves58 - “

A ideia foi excelente, porque um artista inventa antes de

mais nada a sua própria personalidade; e porque, ao fazer

isso, ele exprimiu a realidade tão paulista de cerne que

exprime a sua terra com a força da imaginação alimenta-

da pelas heranças necessárias de fora”59. Em 1940 passou

a trabalhar na a Rádio Record, “onde se firmou como

ator e humorista”60.

Lançou três meios discos na década de 1930: “Agora pode

chorar”, “Se meu balão não se queimar” e “Não me deu sat-

isfações”, só voltando a gravar sambas em 1951. Na década

de 1940 firmou seus personagens como ator, em diversos

tipos como Charutinho e Zé Conversa, e teve sua estreia

como ator de cinema na comédia musical Pif-Paf.

Até a década de 1960, Adoniran era conhecido como ator

e pelos nomes de seus personagens no rádio – matérias da

época e o próprio material de divulgação de seus sam-

bas traziam o espanto com o Adoniran “que também faz

samba”, como a primeira gravação de Samba do Arnesto

de 1951 “trazia um esclarecimento entre parênteses:

‘Adoniran Barbosa (Zé Conversa)’”61.

As diferentes experiências artísticas de Adoniran se

mostram muito próximas quanto aos temas abordados:

personagens vividos no rádio aparecem ou se parecem com

os dos sambas, assim como os temas, por exemplo, a malo-

ca, que além de ser mote de uma de suas mais conhecidas

composições, foi assunto de um dos programas de rádio

que participou, “Histórias das Malocas” - que se passava

na fictícia favela do Piolho, no bairro da Liberdade, e o

personagem principal era Charutinho, “um crioulinho

avesso ao trabalho”62, vivido por Adoniran.

A linguagem empregada em seus sambas é próxima à fala,

com forte presença do sotaque italiano, e os típicos “er-

Page 27: São São Paulo - Relatório TFG

27

63 CAMPOS Jr., Celso de. Op. Cit. p. 103;

64 CANDIDO, Antônio. Op. Cit. p. 11;

65 CANDIDO, Antônio. Op. Cit. p. 12;

Adoniran Barbosa no viaduto 9 de Julho.

ros”, sobre os quais o próprio Adoniran disse: “Escrever

errado é a coisa mais difícil que existe. Se não for feito do

jeito certo, vira piada, vira deboche”63. Cândido discorda

daqueles que colocam que a linguagem do compositor

é uma mistura do italiano com o português: “Adoniran

colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira,

em que as melhores cadências do samba e da canção,

alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se

aliaram com naturalidade às deformações normais de

português brasileiro”. “A fidelidade à música e à fala

do povo permitiram a Adoniran exprimir a sua cidade

de modo completo e perfeito. São Paulo muda muito, e

ninguém é capaz de dizer onde irá. Mas a cidade da nossa

geração (Adoniran é de 1910) foi a que se sobrepôs à

velha cidadezinha caipira, entre 1900 e 1950; (...) Nossa

cidade, que substituiu a São Paulo estudantil e provin-

ciana, foi a dos mestres de obras italianos e portugueses,

dos arquitetos de inspiração neoclássica, floral e neoco-

lonial, em camadas sucessivas. São Paulo dos palacetes

franco-libaneses do Ipiranga, das vilas uniformes do Brás,

das casas meio francesas de Higienópolis, da salada da

Avenida Paulista”64.

“Lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado, com o

encanto insinuante da sua antivoz rouca, o chapeuzinho de

aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta

dos outros tempos, ele é a voz da Cidade”65.

Page 28: São São Paulo - Relatório TFG

28

66 CHAGAS, Luiz. Ouvidos Atentos! In: CHAGAS, Luiz

e TARANTINO, Mônica (org.). Pretobrás por que que

eu não pensei nisso antes? – O livro de canções e

histórias de Itamar Assumpção. São Paulo: Ediouro,

2006, p.14;

67 AMOROSO, Maria Betânia Itamar Assumpção. In:

Música Popular Brasileira Hoje. NESTROVSKI, Arthur

(org.). São Paulo: Publifolha, 2002, p. 116;

68 CHAGAS, Luiz. Op. CIt..p.12;

Itamar Assumpção em frente à coluna do MASP/

Jairo Torres.

Itamar Assumpção

Francisco José Itamar de Assumpção (1949 - 2003) foi

um músico que nasceu em Tietê, residiu em São Paulo

na maior parte da vida, onde produziu sua extensa obra,

principalmente entre as décadas de 1980 e 2000. A person-

alidade forte, assim como o caráter “marginal” e inventivo

de seu trabalho e de sua figura foram traços marcantes de

toda a sua produção, assim como a presença da cidade de

São Paulo em suas composições.

Itamar foi considerado um dos líderes da chamada

Vanguarda Paulista, ao lado de Arrigo Barnabé, grupo

Rumo e grupo Premeditando o Breque, que segundo

Luiz Chagas pode-se definir “como a série de ocorrên-

cias na área cultural, gestadas e consumidas na virada

dos anos 1980, com o fim do regime militar, e concen-

tradas em volta do teatro Lira Paulistana, do bairro da

Vila Madalena e da USP, uma área de classe média na

Zona Oeste paulistana.”66

Atuando na época pré-internet, manter-se independente

das gravadoras significava tanto a liberdade de arbitrar

sobre a própria obra quanto a dureza de arcar com a

produção e distribuição dos próprios LPs. Mesmo tendo

conseguido trabalhar com gravadoras em parte de seus

discos, Itamar “mantém-se firme em seu projeto de inde-

pendência artística, que, para os desavisados, é resistência

turrona em não ceder ao canto da sereia da gravadora e à

vida do sucesso garantido – mas o sucesso não é a música,

dirá Itamar. Sua música subsiste pela experiência do

choque, que é de cada um de nós no desconforto da vida

em São Paulo, inquieta a cada esquina, surpreendente em

cada bairro, atordoante em todos os cantos.”67

“Atordoante” parece de fato uma adjetivação pertinente

quando se toma contato com a obra de Itamar. Chagas,

guitarrista da banca Isca de Polícia, comenta que “as

canções de Itamar soam complicadas porque vêm em

camadas. Suas bandas, notadamente a Isca de Polícia e as

Orquídeas do Brasil, têm por volta de oito elementos que

tocam e trocam informações o tempo todo e, o que é mais

comum, se privam de executar determinados componentes

que ainda assim parecem soar em sua ausência. É o que

Zé Natálio, baixista gaúcho e membro do trio PretoBrás,

outra agremiação Itamariana, chamou de ‘o suingue da

pausa’.” E completa: “(...) as canções apenas soam compli-

cadas, mas não são.”68

A “complicação” pode ser também na poética do artista,

em letras fortes que, junto à sobreposição de instrumen-

tos e vozes, sobrepõe imagens e ideias. Quando esquecida

parte de uma letra no show, ela era inventada teatral-

mente pelo seu intérprete autor, no mesmo movimento

que, como Chagas revela, estava presente nas transfor-

mações constantes dos arranjos e repertórios: “uma das

Page 29: São São Paulo - Relatório TFG

29

69 CHAGAS, Luiz. Op. Cit. p.13;

70 AMOROSO, Maria Betânia. Op. Cit. p. 115;

71 TATIT, Luiz. A transmutação do Artista. In: CHAGAS,

Luiz e TARANTINO, Mônica (org.). Op. Cit. p.21;

72 TATIT, Luiz. Op. Cit. p. 22;

73 TATIT, Luiz. Op. Cit. p. 23;

74 TATIT, Luiz. Op. Cit. p. 29;

características da música de Itamar era sua mutabilidade.

Ninguém nunca assistiu ao mesmo show duas vezes. Nem

na mesma temporada. Os espetáculos eram entremeados

por exaustivos ensaios com as músicas sendo constante-

mente reformuladas.”69

O primeiro disco, Beleléu (1980) lançava a personagem

“Nego dito beleléu leléu eu”- o caráter teatral de Itamar se

manifestava tanto nos palcos quanto nas gravações. “Tea-

tralmente, personagem e criador se fundem, nascendo para

a música brasileira o típico morador da periferia metropol-

itana, que circula pela cidade entregando ‘imposto predial’,

que ‘vai levar geral, mãos pra cima e coisa e tal, viaja de

camburão para averiguar, que decepção’”70.

Luiz Tatit coloca que “Itamar Assumpção pode ser com-

preendido como o artista que fez caber um ‘eu’ imenso

nos limites da canção”. Essa presença se manifestava na

criatividade que transformava cada caso, piada, história

em letra; na sobreposição de vozes; na presença da person-

agem Beleléu, sempre acentuada. “A pergunta essencial e o

grande desafio para quem quiser começar a refletir sobre o

fenômeno Itamar Assumpção podem talvez se resumir na

seguinte formulação: como esse ‘eu’, tão fecundo quanto

característico, acabou se alojando no cerne da canção bra-

sileira e se tornando marca de qualidade artística disputada

por grandes expoentes de nossa música?”71

Sobre essa presença do “eu” na música Tatit desenvolve:

quando há qualquer indício de que o emissor se dirige

a alguém, com o uso de vocativos, nomes próprios, etc.,

está colocada necessariamente a presença de um “eu” que

fala para alguém. E quando o texto é oral, seja falado ou

cantando, essa presença é física, nem que seja na memória

da voz em uma gravação. “Assim, toda canção tende a ser

a história do intérprete (...) o que temos, normalmente, é

um jogo de oscilações entre formas subjetivas e objetivas

de veicular a canção, de maneira que o ouvinte possa tanto

se encantar com a sinceridade do cantor quanto se divertir

com a ironia ou crítica velada ao conteúdo da letra. (...)

Itamar trouxe de sua vivência teatral de juventude um

personagem que sempre o acompanhou nas apresentações

musicais, como uma espécie de ‘eu’ absoluto, cuja história

só poderia ser desvendada pelas canções.”72

Assim, com a aparição da personagem Beleléu tem-se a

primeira íntima identificação entre personagem e artista.

Ela se manifesta com “a negritude, a marginalidade musi-

cal, a loucura descrita em muitas passagens das letras, tudo

isso convocaria a figura magra e enigmática do autor, o

qual, por sua vez, nada fazia para dissociar o personagem

do ser de carne e osso.”73

Sobre o andamento da personagem, Tatit descreve que

nos primeiros álbuns a presença do “eu” é bem marcada,

nos temas e na voz grave de Itamar. A partir de Intercon-

tinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!! (1988) Ita-

mar conseguiu maior sutileza no “eu” das canções, dentro

também da tentativa de fazer o disco funcionar do ponto

de vista comercial (este foi o primeiro disco de Itamar

que não era uma produção independente). Essa sutileza

marcaria a produção dos anos 1990, quando lançou a

trilogia Bicho de Sete Cabeças, acompanhado pelas oito

mulheres da banda Orquídeas do Brasil. Os três discos

contavam, cada um, com uma participação especial “cujo

timbre musical já denunciava a trincheira em que Itamar

se situava: Rita Lee, Tom Zé e Jards Macalé.”74 Os dois

primeiros participam de músicas que falam especifica-

mente de São Paulo, Venha Até São Paulo e É Tanta

Água, respectivamente, e nelas suas inconfundíveis vozes

e sotaques são fundamentais ao arranjo e ao comentário

Capa do volume 1 do Songbook PretoBrás - Por que

que eu não pensei nisso antes? O livro de canções e

histórias de Itamar Assumpção.

Page 30: São São Paulo - Relatório TFG

30

que as músicas propõem.

Em 1998 lançou PretoBrás, seu último disco em vida, so-

bre o qual Tatit coloca que “o ‘eu’ contraventor de outros

tempos encarnou-se definitivamente no significante da

canção e, como já vinha acontecendo desde Intercontinen-

tal, os conflitos subjetivos se transformaram em contrastes

entoativos de enunciação, em fricção entre as palavras, idi-

omas, nomes próprios, mas todos os choques de conteúdo

apaziguados por rimas, ressonâncias e sobretudo refrões

(básicos ou itinerantes). Não cessaram, porém, os pro-

nunciamentos em forma de manifesto criticando a cultura

de sua época (Cultura Lira Paulistana) ou a ironizando o

padrão de eficácia preconizado pelo capitalismo de última

geração (Reengenharia).”75

Para Tatit, a conclusão dessa presença do “eu” na obra de

Itamar se dá com a música Vida de Artista, com ela “Ita-

mar assinalou em tom discreto, apena com voz e violão,

o desenlace do seu processo de transmutação. (...) Aquele

personagem-réu, herói-bandido, que sempre estivera por

trás das próprias obras, garantindo-lhes motivação extra,

instalou-se definitivamente no interior das canções e passou

a adquirir as mais distintas fisionomias (no caso de Vida

de Artista, o autor assume 24 papéis sociais), todas elas

compatíveis com o canto de qualquer intérprete interes-

sado. O Itamar-Beleléu era o cantor quase exclusivo de suas

75 TATIT, Luiz. Op. Cit. p. 33;

76 TATIT, Luiz. Op. Cit. p. 35;

77 AMOROSO, Maria Betânia. Op. Cit. p. 117;

78 Cultura Lira Paulistana, Itamar Assumpção, Preto-

Brás (1998).

79 Queiram ou não Queiram, Itamar Assumpção,

PretoBrás (1998).

composições. O Itamar-PretoBrás se diluía em ‘passageiro’,

‘motorista’, ‘costureiro’, ‘datiloscopista’, ‘macumbeiro’,

‘adventista’, ‘mensageiro’, ‘pára-quedista’ e outras numero-

sas identidades que poderiam ser assumidas com facilidade

e entusiasmo por outros cantores. A marca do nego-dito

continuava presente, agora não tanto pelo inconfundível

timbre de voz, mas pelo engenho de construção da letra e

de adequação melódica, de tal maneira que por mais que os

novos intérpretes modificassem os arranjos, era inevitável o

comentário: ‘esta canção só pode ser do Itamar’.”76

Betânia Amoroso77 coloca que, nesse mesmo último

álbum que anuncia “a ditadura pulou fora da política/ e

como a dita cuja é craca é crica/ foi grudar bem na cultura/

nova forma de censura”78 Itamar relembrava: “queiram

ou não queiram/ coincidência ou não/ PretoBrás é o gi-

gante negão”79.

Vista de São Paulo, 2008 / Eduardo Pompeo.

Page 31: São São Paulo - Relatório TFG

31

5

São São Paulo Interpretação e processo das ilustrações

O objetivo central desse TFG foi realizar ilustrações que

pretendem, além da transferência de linguagem, da verbal

para a gráfica, uma mudança de enfoque: o discurso grá-

fico busca trazer em primeiro plano a cidade que os textos

descrevem mais do que cenas de suas histórias. Obra a

obra, vê-se que o sentimento dos personagens ou do eu-

lírico se confunde com a cidade por onde anda ou da qual

se fala. Assim o destaque da cidade não significou uma

negação da narrativa ou reinvenção livre sobre o conto –

procurou-se manter a emoção e o clima de cada uma das

narrativas nas ilustrações de suas cidades.

Cada um dos quatro artistas dessa coletânea fala a partir

de pontos de vista diferentes. Além relatarem diferentes

épocas de São Paulo, falam de diferentes condições, posi-

cionamentos e regiões.

Nesse capítulo pretendo trazer novamente as quatro perso-

nagens, enfocando a análise da cidade em suas obras, que

determinou as ilustrações, e os partidos gráficos escolhidos

para cada uma das séries.

Page 32: São São Paulo - Relatório TFG

32

Mário

Paulicéia Desvairada80 foi o meio escolhido no presente

trabalho para aproximação com a cidade de Mário de An-

drade. Lafetá destaca que o tema da obra está cristalizado

desde o título, com a definição de “Paulicéia”, e a cidade

moderna, vista como um ser vivo, é reforçada pela adje-

tivação que remete ao movimento – desvairada. Mesmo

a junção de São Paulo com a ideia de epopeia remete à

agitação do objeto.

Os sentimentos são a voz mais alta dos poemas. No

Prefácio Interessantíssimo, introdução do livro, Mário já

coloca: “Mas todo êste prefácio, com todo o disparate

das teorias que contém, não vale coisíssima nenhuma.

Quando escrevi ‘Paulicea Desvairda’, não pensei em nada

disso. Garanto porém que chorei, que cantei, que ri, que

berrei... Eu vivo!”81

Tanto a análise de João Lafetá, quanto a de Telê An-

cona82, colocam a oposição entre sujeito e cidade,

subjetividade e objetividade. Recurso recorrente nos

poemas, como “luz e bruma, fogo e inverno morno”83,

a contraposição é também sobreposição, a personagem

do arlequim sendo tanto metáfora do homem na cidade

quanto da cidade no homem.

A personagem do arlequim metaforiza também a ideia

de Mário sobre a composição da cultura brasileira, feita

a partir de retalhos de diferentes culturas, locais e imi-

grantes, reinterpretados. A trama de losangos do traje do

arlequim representa essa colcha de retalhos que é a person-

agem, o homem e a própria São Paulo.

Os sentimentos aparecem ligando figura e espaço – as

frequentes passagens sobre o clima, oscilando entre frio e

calor, são um exemplo de como sensações sobre o corpo

são características do espaço, e vice e versa. A cidade

não aparece nos poemas em descrições do que se vê, mas

através das sensações que provoca no eu-lírico.

A oposição/sobreposição entre cidade e eu-lírico pode ser

vista com clareza nos três primeiros poemas de Paulicéia

Desvairada: Inspiração, O Trovador e Os Cortejos. Esses

foram, então, os poemas selecionados para serem ilustra-

dos nesse trabalho.

O poema de abertura, Inspiração, coloca com clareza que

a cidade não é objeto de descrição, mas sim “uma es-

pécie de musa concreta moderna”, ser ativo, como expõe

Lafetá. O arlequim também é apresentado, com o mesmo

tom de exaltação que São Paulo é colocada. As oposições

também estão presentes, assim como sensações que mis-

turam corpo e espaço. Todos esses elementos fundamen-

tais ao conjunto do livro são apresentados em Inspiração

com emotiva exaltação.

No segundo poema, O Trovador, parece se voltar à apre-

sentação do eu-lírico, depois que a cidade já foi intro-

duzida em Inspiração. Há uma oposição com o primeiro

poema, quente, no segundo, mais frio. Ainda que haja

preponderâncias, em ambos o clima é oscilante.

Lafetá coloca que “estamos aqui [em O trovador] em meio

ao mais completo subjetivismo, e de tal modo que a cidade

nem é referida em seus versos. Sua presença, no entanto,

é determinante. Aliás, entre todas as composições do livro

(et pour cause...) parece ser o caso extremo de expulsão

80 No caderno ilustrado foi mantida a grafia original,

retirada da edição fa-símile de Paulicéa Desvairada.

81 ANDRADE, Mário. Prefácio Interessantíssimo. In:

Paulicea Desvairada, edição fac-símile, p.8. A ortogra-

fia não foi alterada.

82 Ver capitulo 3 deste relatório.

83 ANDRADE, Mário. Inspiração. In Paulicéia Desvaira-

da, Op. Cit.

Retrato de Mário de Andrade por Anita Malfatti, 1923.

Retrato de Mário de Andrade por Lasar Segall, 1927.

Page 33: São São Paulo - Relatório TFG

33

dos elementos descritivos e de pura expansão do sujeito.”84

Ao mesmo tempo o eu toma-se como objeto, falando de si

mesmo – ainda que a composição resulte subjetiva, é muito

pouco introspectiva. O sujeito não se parece com a ideia de

indivíduo, reforçando sua mescla com a cidade.

No terceiro poema, Os Cortejos, a oposição entre sujeito

e objeto aparece, ainda que não haja perda da identi-

ficação entre os dois. Segundo Lafetá a identidade, ou

fusão sujeito-objeto, se dá já no primeiro verso (“monot-

onia das minhas retinas” – metonímia) e os dois versos

seguintes correspondem à expansão do discurso, estando

o primeiro verso contido no segundo e no terceiro. A

linguagem se mantém metafórica, ainda que em algumas

passagens seja traduzida, como em: “Horríveis as cidades/

vaidades e mais vaidades”. Enunciada assim a subjetivi-

dade hermética se perde, compondo uma passagem mais

descritiva, mas que continua sendo metafórica – “a ótica

do emitente continua a afetar a mensagem e a atingir o

real representado.”85).

Em sua análise Lafetá comenta ainda a presença de dis-

sonâncias na obra de Mário. Em Paulicéia Desvairada,

coloca, parecem ser de dois tipos: desejadas ou involun-

tárias. As desejadas seriam como a oposição entre luz e

bruma, que se integram ao tom do poema; as involuntárias

seriam aquelas que escapam do domínio do sujeito lírico,

rompendo a unidade de tom, trazendo alguma explicação

mais clara, menos lírica (como a última estrofe de Os Cor-

tejos: “Estes homens de São Paulo/ todos iguais e desiguais,

/ quando vivem dentro de meus olhos tão ricos, / parecem-

me uns macacos, uns macacos.”86).

Esse segundo caso pode abrigar os “defeitos” que Mário

admite e escolhe manter, “testemunhas de sua tentativa de

representar em linguagem moderna a aventura do homem

na grande cidade”87.

As ilustrações dessa série começaram com estudos mais

próximos à representação dos losangos do arlequim.

Desde o princípio havia a intenção de, com as cores,

remeter aos sentimentos opostos dos poemas, frio e calor,

introspecção e exaltação.

A solução final adotada foi o livro mais próximo a um

livro-objeto, onde o próprio suporte pretende participar

da passagem da mensagem. A geometria do traje arlequi-

nal está no formato, de retângulos e triângulos, e esses são

compostos por diferentes estampas, que procuram trazer a

oscilação de sentimentos que os poemas colocam. Algumas

estampas são inspiradas em referências gráficas das culturas

de que Mário fala, da colonização, imigração e culturas na-

tivas – como forma sutil de introduzir diferentes linguagens

na composição desta colcha de retalhos arlequinal.

84 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 67;

85 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 69;

86 ANDRADE, Mário. Os Cortejos. In: Paulicea Desvai-

rada, Op. Cit.;

87 LAFETÁ, João Luiz. Op. Cit. p. 70;

Retrato de Mário de Andrade por Cândido Portinari, 1935.

Estudos para Arlequim.

Page 34: São São Paulo - Relatório TFG

34

Estudo de ilustração para o poema Inspiração. Estudo de ilustração para poema Paisagem no 1.

Estudo de ilustração para o poema Inspiração. Estudo de ilustração para o poema O Trovador. Estudo de ilustração para o poema Os Cortejos.

Page 35: São São Paulo - Relatório TFG

35

Alcântara

A cidade de Alcântara Machado foi investigada a partir da

coletânea Laranja da China. O livro, publicado em 1928,

traz contos curtos, intitulados pelo nome dos personagens

principais, que conduzem histórias em geral cotidianas

com a narração em terceira pessoa sempre muito próximas

dessas figuras. Essas personagens são tipos muito paulista-

nos ou brasileiros, e remetem, a partir de suas particulari-

dades, a um cotidiano mais geral de São Paulo nas décadas

de 1920/1930.

O primeiro dos artistas a ser ilustrado nos exercícios desse

trabalho foi Alcântara Machado, comecei a tentar ilustrar

Laranja da China conto a conto, tentando representar suas

personagens. Em seguida, tentando trazer as cenas descri-

tas. Nos dois casos a ideia de mostrar São Paulo estava se

perdendo, e essa análise motivou a mudança de enfoque

dos trabalhos gráficos.

Quatro contos da coletânea de Alcântara foram selecio-

nados para serem ilustrados: O Patriota Washington, O

Filósofo Platão, O Aventureiro Ulisses e O Tímido José.

Foram incluídas histórias que se desenrolavam, total ou

parcialmente, ao longo de um percurso pela cidade. Em

alguns deles, como em O Patriota Washington, através dos

pontos citados é possível imaginar com mais fidelidade qual

seria o caminho percorrido; em outros casos a trajetória é

menos clara, como por exemplo, o conto O Tímido José,

no qual só se compreende a região onde a história se passa,

sem dados claros dos pontos visitados.

Cada um dos contos de Alcântara traz uma sensação dife-

rente de São Paulo: as personagens têm vivências diferentes,

assim cada ilustração procurou trabalhar uma cidade dife-

rente, receptiva ou assustadora, transitável ou labiríntica,

conforme a interpretação de cada estória.

A partir dos percursos a unidade gráfica dos trabalhos foi

explorada pela técnica, colagens com volumetria, como

maquetes ou pequenos cenários, e pela presença de mapas.

A partir da base Sara Brasil tem-se o centro da cidade da dé-

cada de 1920, tanto na sua configuração urbana um pouco

diferente da atual, quanto o registro cartográfico da época,

um dado gráfico interessante de ser explorado.

As maquetes dessa série foram fotografadas , sendo esses

registros bidimensionais as ilustrações propriamente. As

fotografias acrescentam elementos às composições físicas:

a luz é um elemento central para o clima das ilustrações,

trabalhando sobre as cores dos objetos e assim reforçan-

do a sensação de cidade que se procurou transmitir; a

possibilidade de trabalhar o foco das imagens auxiliou a

compor atmosferas mais centradas – focadas – como, por

exemplo, a ilustração do conto O Patriota Washington,

ou a sensação de falta de sentido, como a que era buscada

para a ilustração de O Tímido José, onde a falta de foco

Bonde lotado, 1937.

Estudo para o conto o Revoltado Robespierre.

Page 36: São São Paulo - Relatório TFG

36

nas laterais trabalha junto com a confusão visual que o

próprio objeto procurava transmitir, com o mapa volu-

métrico que não permite a leitura habitual do mapa como

orientação geográfica.

Em O Patriota Washington a personagem Dr. Washington

Coelho Penteado passeia com a família de carro no feriado

de comemoração da República. Enquanto o doutor exalta

cada ponto turístico por onde passam a família manifesta,

sutilmente na narração onipresente, tédio com o passeio

ou aflição da velocidade do automóvel, em uma contrapo-

sição que garante a comicidade da cena. A cidade do Dr.

Washington é da exaltação, assim a ilustração reproduz o

trajeto percorrido e os pontos destacados com orgulho pela

personagem para sua aborrecida família.

O tom cômico também é presente no segundo texto da

coletânea, O Filósofo Platão. O conto acompanha Platão

Soares desde sua reticente saída de casa para provavelmen-

te procurar emprego no Serviço Sanitário. O personagem

transparece uma elegância que se confunde com a arrogân-

cia no diálogo com outros personagens, especialmente por

se mostrar falseada em várias passagens. A cidade impõe

dificuldades - desde o bonde abarrotado, a distância do

Serviço Sanitário, o sol e, finalmente, a grande fila de es-

pera que leva a personagem a desistir (pela décima vez) de

esperar para ser atendido - que se somam à hesitação que

parece própria de Platão, formando uma das cenas mais

divertidas da coletânea. A cena da escada foi destacada na

ilustração, sendo esse o elemento principal da ilustração,

junto com o trecho final do conto, que coloca as tramas

mentais que o filósofo desenvolve para justificar sua pró-

pria desistência.

No conto O Aventureiro Ulisses o herói é Ulisses Serapião

Rodrigues, um homem simples, provavelmente vindo da

roça e manifestando todo o desconforto com sua condição.

Ulisses se parece com um estrangeiro, além de estar sem

dinheiro, sem sapatos, sem rumo, demonstra dificuldade

com todas as poucas interações que faz com outros homens

na rua. O tom dessa estória é mais triste que os anteriores,

sendo a cidade muito pouco receptiva àquela figura que não

lhe pertence. A ilustração procurou transmitir a desorien-

tação do percurso pouco legível de Ulisses, com a frieza da

cidade com a qual parece mal conseguir conviver.

A coletânea de Alcântara é encerrada com O Tímido José,

talvez o conto mais triste. Nele José Borba espera o último

bonde para a Lapa quando passa uma mulher. Atraído por

essa figura ele começa a segui-la, sem ter coragem de falar

com ela. Percebe que outro homem também está segundo

a mulher, o que desperta a preocupação de José. Até que

entra em cena uma terceira figura masculina. Esse é clara-

mente violento, o que leva José da preocupação ao deses-

pero, mas mesmo assim o protagonista não consegue ter a

iniciativa de intervir – a mistura entre desejo e zelo sobre a

misteriosa personagem feminina, assim como a angústia da

vontade, mas incapacidade de interagir com ela, permeiam

os pensamentos de José ao longo de todo o conto. A cena

começa perto do vale do Anhangabaú, e depois a cidade

enevoada, labiríntica e sombria prevalece. A região é regis-

trada na ilustração, sem trajetos definidos e com a presen-

ça do emaranhado de névoa que é tanto o percurso quanto

o conflito da personagem.

Estudo para o conto A Apaixonada Elena.

Estudo para o conto A Apaixonada Elena.

Page 37: São São Paulo - Relatório TFG

37

Estudos para o conto O Patriota Washington.

Estudo de foto para ilustração do conto O Patriota Washington.

Page 38: São São Paulo - Relatório TFG

38

Estudo de ilustração para o conto O Filósofo Platão. Estudo de foto para ilustração do conto O Filósofo Platão/ H. Machado.

Page 39: São São Paulo - Relatório TFG

39

Estudo de ilustração para o conto O Aventureiro Ulisses.

Estudo de ilustração do conto O Tímido José. Estudo de foto para ilustração do conto O Tímido José.

Estudo de foto para ilustração do conto O Aventureiro Ulisses.

Page 40: São São Paulo - Relatório TFG

40

Adoniran

Do cotidiano nos bairros operários de São Paulo na

metade do século XX saíram os motes para grande parte

dos sambas de Adoniran Barbosa89. Por vezes são falados

lugares da cidade, e em outros momentos as histórias das

músicas, ainda que não localizadas, parecem falar da reali-

dade das ocupações desse período.

Seu olhar parte de um ponto de vista específico: do ile-

trado, do morador dos bairros operários, do desabrigado

na cidade crescente ou deslumbrado – e assustado – com

esse crescimento. “Adoniran se notabilizou por enxergar

a cidade invisível à maioria de seus habitantes. Sua ca-

pacidade de vislumbrar poesia nos cenários mais impro-

váveis – ‘fazer samba sobre Ipanema é fácil. O difícil é

fazer sobre Itapecerica da Serra’ – e nas situações mais

prosaicas o permitiu cunhar pequenas obras-primas sobre

o cotidiano de São Paulo”90.

Segundo Antonio Cândido, a cidade do bonde, do Triângu-

lo, do trem da Cantareira, que é a São Paulo de Adoniran

e também a dele próprio, não existe mais, mas foi imortali-

zada pela obra de Adoniran.

“A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasilei-

ras em geral e paulistanas em particular. Sobretudo quando

entram (quase sempre discretamente) as indicações de lugar,

para nos porem no Alto da Mooca, na Casa Verde, na Ave-

nida São João, na 23 de Maio, no Brás genérico, no recente

metrô, no antes remoto Jaçanã”91.

As letras trazem recorrentemente temas ligados à cidade

em transformação, como as reformas urbanas em anda-

mento ou a precariedade dos bairros operários. Ambos

são presentes tanto em histórias alegres quanto tristes: as

mudanças da cidade aparecem positivamente em Praça

da Sé, que ficou bonita e tão diferente que é melhor não

ir sozinho, “que o senhor vai se perder”92, assim como em

Venha Ver Eugênia “como ficou bonito o Viaduto Santa

Efigênia”93; por outro lado, a música Iracema coloca a

dificuldade com a crescente metrópole, relatando o atrope-

lamento da noiva do eu-lírico na Avenida São João – “eu

sempre te disse/ cuidado ao travessar essas ruas”94. Da

mesma maneira, a precariedade da vida na cidade é em

algumas cenas vista com humor e descontração, como em

Luz da Light (“Lá no morro quando a luz da light pifa/ A

gente apela pra vela/ que alumeia também (quando tem)/

Se não tem não faz mal/ A gente samba no escuro, que é

muito mais legal (e é natural)”95) e em outras com grande

pesar, como é o caso da letra de Saudosa Maloca (“Cada

tauba que caía doía no coração”96).

Sobre os sentimentos das composições, Campos coloca:

“Tal qual um palhaço triste, Adoniran Barbosa fez das

contradições a matéria prima de sua arte. O riso e a lágri-

ma que consomem e alimentam o grande astro do picadei-

89 Uma coletânea com as composições que mais

influenciaram as ilustrações deste trabalho está

anexada ao presente relatório.

90 CAMPOS Jr., Celso de. Op. Cit. p. 170;

91 CANDIDO, Antônio. Op. Cit. p. 12;

92 Praça da Sé, Adoniran Barbosa;

93 Venha ver Eugênia, Adoniran Barbosa;

94 Iracema, Adoniran Barbosa, 1956;

95 Luz da Light, Adoniran Barbosa, 1964;

96 Saudosa Maloca, Adoniran Barbos, 1951;

Adoniran Barbosa no Bexiga, 1970.

Page 41: São São Paulo - Relatório TFG

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97 CAMPOS Jr., Celso de. Op. Cit. p. 16;Estudos de estampas para série do Adoniran.

Sede da Rádio Record, centro de São Paulo.

São Paulo, 1958/ Benedito J. Duarte.Feira de flores do Largo do Arouche, 1942 / H. Rosenthal. Fotografias

como essa inspiraram as personagens que estão nas ilustrações de

Adoniran desse trabalho.

ro desdobram-se, em sua vida e em sua obra, num perene

debate entre trágico e cômico, entre a boemia e a reclusão,

entre o lirismo e o sarcasmo, entre o moderno e o antigo,

entre a malandragem e a ingenuidade, entre o sucesso e o

fracasso.”97

Ainda que as letras de Adoniran frequentemente abordem

temas críticos, a leveza do samba e da sua personagem

bem humorada traz às composições em geral o clima

descontraído. Suas cenas são, ainda, cotidianas, contando

passagens de casais, grupos de amigos, famílias, reforçando

o clima íntimo e agradável de suas músicas.

Com a interpretação de uma cidade única na obra de

Adoniran, as ilustrações desta série procuraram transmi-

tir uma São Paulo agradável, aquarelada em tons pastéis,

povoada por figuras comuns em São Paulo nas décadas

de 1950/1960. As construções representadas foram ins-

piradas em casas simples da cidade nesse período, procu-

rando remeter aos bairros operários, principalmente o Be-

xiga – bairro frequentemente associado a Adoniran e que

conserva até hoje alguns aspectos físicos daquela época.

A composição conta ainda com estampas realizadas com

técnicas diversas, a sanfona final sendo uma colagem

composta po essas imagens, as construções, personagens

e, por fim, as letras de algumas das músicas de Adoniran

que inspiraram o trabalho.

Page 42: São São Paulo - Relatório TFG

42

Estudos de sobrados para série do Adoniran.

Page 43: São São Paulo - Relatório TFG

43

Itamar

Interpretando as músicas tendo em foco a cidade que

transparecem, a obra de Itamar Assumpção98 parece ter

uma ideia coesa quanto à São Paulo. Elementos como a

velocidade e a caoticidade são presentes em praticamente

todas as músicas que se voltam para a metrópole – ainda

crescente e atordoante na década de 1980.

Traz as “chuvas e trovoadas”, às quais é sujeito, e se

coloca como um sujeito da cidade – a São Paulo parece im-

pressa no corpo. É escancarada desde o título das músicas:

Sampa Midnight, Sujeito a Chuvas e Trovadas, Eu Persigo

São Paulo, Cultura Lira Paulistana, Outras Capitais, Venha

até São Paulo, Vou de Vai-vai.

Junto com a poesia cantada que sobrepõem lugares, os ar-

ranjos das músicas sobrepõem instrumentos e vozes nessas

composições. Com essa polifonia é criada uma atmosfera

sonora que transparece velocidade, caoticidade, na mesma

perspectiva quase surreal das poesias. Um exemplo é a

música É Tanta Água99, na qual o ritmo vai acelerando

conforme o coro de mulheres se sobrepõe, junto à fala

marcada pelo timbre inconfundível de Tom Zé que ex-

clama “É tanta água despencando lá do céu/meu Deus

do céu meu Deus do céu/ o que que está acontecendo?/

É São Pedro que ficou pinéu com raiva de São Paulo/ É

primavera é primavera só que só fica chovendo”. Betânia

Amoroso retoma os versos e coloca que “quando Itamar

recomenda, para os estômagos fracos, que procurem outra

capital – ‘venha até São Paulo ver o que é bom pra tosse’

– é porque, coisa de gente grande, seu experimentalismo

traduz a anomia de nossa vida social paulistana em melo-

dias e ritmos”100.

São Paulo é abordada recorrentemente na obra de Itamar e

esta mesma cidade desordenada de Bicho de Sete Cabeças

ou Sampa Midnight é retomada no disco póstumo Preto-

Brás III – Devia ser Proibido101 na homenagem Eu Persigo

São Paulo. Aqui o tom mais calmo102 coloca uma curta e

intensa declaração de amor (que não é amor exatamente):

“São Paulo é outra coisa/ Não é exatamente amor / É

identificação absoluta/ Sou eu/ Eu não me amo/ Mas me

persigo/ Bonita palavra perseguir/ Eu persigo São Paulo/

São Paulo sou eu”103.

O sentido “atordoante” da sua obra se manifesta também

na geografia dessas composições: não traz cenas figurativas

ou locadas, mas remete à cidade na escala total. Mesmo

quando menciona lugares específicos, o faz mais no sentido

de enumerações caóticas, como em Venha até São Paulo

(com sua profusão de lugares que são nomes de santos, no-

mes de santas, nomes divertidos, brincando com o sentido

dessas atribuições), sem trazer cenários específicos. A São

Paulo do Itamar é geral.

Nesse sentido os estudos gráficos não foram produzidos

98 Uma coletânea com as composições que mais

influenciaram as ilustrações deste trabalho está ane-

xada ao presente relatório.

99 Itamar Assumpção, PretoBrás, 1998;

100 AMOROSO, Maria Betânia. Op. Cit. p. 117;

101 Selo pelo SESC SP, disco integra a coletânea Caixa

Preta, 2010;

102 A produção desse disco é assinada Paulo Lepetit e

os arranjos foram compostos por ele e banda Isca de

Polícia.

103 Eu Persigo São Paulo, Itamar Assumpção, 2010;

Inauguração da estação República do Metrô, 1982.

Desenhos de Itamar Assumpção.

Page 44: São São Paulo - Relatório TFG

44

música a música ou exclusivamente relacionados a cada

uma delas. São ilustrações para a “São Paulo geral” colo-

cada por Itamar e elas próprios gerais, sem endereço.

A ideia de sobreposição de lugares e cenas, presente nas

poesias assim como nos arranjos de Itamar, somadas ao

caráter pouco figurativo de suas letras, levaram à ex-

ploração da colagem como solução gráfica para as ilus-

trações. Essa foi a técnica preponderante, desde os estudos,

até as ilustrações finais. Pretendeu-se remeter à imagem de

skyline, bastante conhecida, e desconstruir seus elementos

a partir da representação com formas simples, como retân-

gulos, preponderantes nas ilustrações. O uso de diferentes

materiais e camadas parece uma maneira interessante de

traduzir também a polifonia presente nos arranjos das

músicas do artista. Foram explorados poucos desenhos de

linha e mais massas dadas pelos recortes, sendo a diferença

de cores e texturas responsáveis pela variação gráfica das

composições. Procurou-se ainda usar materiais simples,

comuns, como maneira de remeter à cidade em escala,

velocidade e inconstância da metrópole de Itamar.

Estudos para ilustrações do Itamar Assumpção.

Page 45: São São Paulo - Relatório TFG

45

Estudos para ilustrações do Itamar Assumpção.

Page 46: São São Paulo - Relatório TFG

46

O trabalho se propôs a estudar, interpretar e traduzir a

visão de quatro artistas sobre São Paulo. A experiência de

abordar a cidade através de diferentes olhares, voltando-se

para a produção cultural de diferentes períodos, permitiu a

aproximação com personagens diversos e afastados daque-

les que produzem e criticam o desenho da cidade e de suas

construções diretamente, para perceber caso a caso como

esses outros agentes interagem, atuam e também modifi-

cam o cenário de São Paulo.

A sensibilidade e leveza dos artistas, que vivenciam e

poetam a “selva de pedras”, inspiram novas imagens e

críticas, trazendo a possibilidade de uma contribuição den-

tro da arquitetura a partir de composições fora da disci-

plina. Os quatro artistas aqui abordados, recorrentemente

tendo suas obras adjetivadas como “a cara de São Paulo”,

imortalizaram seus períodos e suas propostas estéticas,

também arquitetaram São Paulo e mostraram que a grande

metrópole teve e tem várias caras.

Ao mesmo tempo em que os artistas lançam olhares difer-

entes, há convergências, como, por exemplo, a perplexi-

dade frente a rápidas mudanças na cidade, que marca a

cidade arlequinal de Mário; os comentários sarcásticos nas

personagens de Alcântara; os sambas de Adoniran, ora or-

gulhosos da cidade que mal se reconhece, ora atropelados

por essa modernidade desenfreada; e a velocidade no ritmo

e na poesia da São Paulo caótica de Itamar. Esses vários

rostos se mostram aproximáveis, sem perder suas diferen-

ças. Da pluralidade exposta e reiterada também podemos

perceber, paradoxalmente, a emersão de uma São Paulo

que é única, desenhada por um sentimento que se esquiva

da multiplicidade para imaginar uma indefinível unidade.

São tantas e uma só cidade.

O exercício gráfico pretendeu revelar, a partir de uma

interpretação pessoal, rostos que me parecem afeitos à dis-

cussão do vasto tema. A exploração de diferentes técnicas,

tais como colagem, aquarela, nanquim, lápis, carimbo, foi

uma necessidade suscitada a partir das tão distintas lin-

guagens e posições dos artistas, constituindo uma primeira

diferenciação gráfica importante entre as inúmeras São

Paulo de cada um deles.

Os diferentes formatos dos cadernos ilustrados pretendem

expor que essas séries de ilustrações são diferentes e quase

independentes, porém reunidos em torno de uma mesma

questão central – São Paulo – criam uma correspondência

física com a análise que coloca cidade plural, que poderia

ser vista como uma grande colcha de retalhos de olhares,

agentes, tradições e reinvenções. Muitos e um só trabalho.

A pluralidade de olhares que esse pequeno universo aqui

6

Conclusão

Page 47: São São Paulo - Relatório TFG

47

proposto procurou trazer retoma a ideia da cidade em

permanente transformação colocada por Milton Santos

e Lévi-Strauss, assim como a cidade mosaical de que fala

Luis Antônio Jorge e que propõe Mário de Andrade com

sua metáfora do Arlequim.

Vista de São Paulo, 2010 / Larissa Guelman.

Page 48: São São Paulo - Relatório TFG

48

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Itamar AssumpçãoCaixa Preta Itamar Assumpção. Selo pelo SESC SP,

2010.

Principais músicas: Sampa Midnight, Sujeito a Chuvas

e Trovoadas, Eu Persigo São Paulo, Cultura Lira Pau-

listana, Vou de Vai-vai, É tanta Água, Outras Capitais;

Adoniran BarbosaPrincipais músicas: Saudosa Maloca, Aguenta Mão,

João, No Morro da Casa Verde, Iracema, Samba

Italiano, Conselho de Mulher, Triste Margarida (Sam-

ba do Metrô), Viaduto Santa Efigênia, Despejo na

Favela, Vide Verso Meu Endereço, Luz da Light, Praça

da Sé;

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7

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