são paulo segregação urbana flavio villaça

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 ESTUDOS  A  V ANÇADOS 25 (71), 2011  37 Introdução ROVAVELMENTE o maior avanço ocorrido no campo da ciência da geograa em todos os tempos tenha sido a consciência e a recente difusão da ideia (Lefèbvre, Harvey, Gottdiener e tantos outros) de que o espaço social – no nosso caso, o espaço urbano – é socialmente produzido, ou seja, não é dado pela natureza, mas é produto produzido pelo trabalho humano. A partir dessa concepção do espaço social, e só a partir dela, foi possível inserir seu estudo na lógica do materialismo histórico, da dominação e do conito de classes, coisa que não só não tinha sido possível antes, como também vinha entravando o de- senvolvimento da geograa, impedindo-a de ultrapassar a etapa primária de uma ciência humana que se limitava à simples descrição do espaço. Este texto procura mostrar uma abordagem do espaço urbano como pro- duto produzido. Parte da premissa de que nenhum aspecto da sociedade brasileira poderá ser jamais explicado /compreendido se não for considerada a enorme desigualdade econômica e de poder político que ocorre em nossa sociedade. O maior problema do Brasil não é a pobreza, mas a desigualdade e a injustiça a ela associada. Desigual- dade econômica e desigualdade de poder político. Daí decorre a importância da segregação na análise do espaço urbano de nossas metrópoles, pois a segregação é a mais importante manifestação espacial- urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade. No caso das metrópoles brasileiras, a segregação urbana tem uma outra característica, condizente com nossa desigualdade: o enorme desnível que existe entre o espaço urbano dos mais ricos e o dos mais pobres. Transferido para o campo do urbano, a pre- missa dada passa a ter o seguinte enunciado: nenhum aspecto do espaço urbano brasileiro poderá ser jamais explicado/compreendido se não forem consideradas as especicidades da segregação social e econômica que caracteriza nossas metrópoles, cidades grandes e médias. Da mesma forma, a segregação urbana só pode ser satisfatoriamente en- tendida se for ar ticulada explicitamente (e não apenas implicitamente ou suben- tendida) com a desigualdade. Essa explicitação se dá desvendando-se os vínculos especícos que articulam o espaço urbano segregado com a economia, a política e a ideologia, por meio das quais opera a dominação por meio dele. São Paulo: segregação urbana e desigualdade F LÁVIO V ILLAÇA P

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 2011 37

Introdução

rovavelmente o maior avano ocorrido no campo da ciência da geograaem todos os tempos tenha sido a consciência e a recente diusão da ideia(Leèbvre, Harvey, Gottdiener e tantos outros) de que o espaço social –

no nosso caso, o espao urbano – é socialmente produzido, ou seja, não é dadopela natureza, mas é produto produzido pelo trabalho humano. A partir dessaconcepão do espao social, e só a partir dela, oi possível inserir seu estudo nalógica do materialismo histórico, da dominaão e do confito de classes, coisaque não só não tinha sido possível antes, como também vinha entravando o de-senvolvimento da geograa, impedindo-a de ultrapassar a etapa primária de umaciência humana que se limitava à simples descrião do espao.

Este texto procura mostrar uma abordagem do espao urbano como pro-duto produzido.

Parte da premissa de que nenhum aspect da sciedade brasileira pderá 

ser jamais explicad /cmpreendid se nã r cnsiderada a enrme desigualdade ecnômica e de pder plític que crre em nssa sciedade. O maior problema doBrasil não é a pobreza, mas a desigualdade e a injustia a ela associada. Desigual-dade econômica e desigualdade de poder político.

Daí decorre a importância da segregaão na análise do espao urbano denossas metrópoles, pois a segregaão é a mais importante maniestaão espacial-urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade. No caso das metrópolesbrasileiras, a segregaão urbana tem uma outra característica, condizente comnossa desigualdade: o enorme desnível que existe entre o espao urbano dosmais ricos e o dos mais pobres. Transerido para o campo do urbano, a pre-missa dada passa a ter o seguinte enunciado: nenhum aspect d espaç urban 

brasileir pderá ser jamais explicad/cmpreendid se nã rem cnsideradas as 

especifcidades da segregaçã scial e ecnômica que caracteriza nssas metróples,

cidades grandes e médias.

Da mesma orma, a segregaão urbana só pode ser satisatoriamente en-tendida se or articulada explicitamente (e não apenas implicitamente ou suben-tendida) com a desigualdade. Essa explicitaão se dá desvendando-se os vínculos

especícos que articulam o espao urbano segregado com a economia, a políticae a ideologia, por meio das quais opera a dominaão por meio dele.

São Paulo: segregaão urbanae desigualdadeF LáVIo V ILLAçA 

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Os avanços

Destacamos, neste texto, seis aspectos nos quais nossas refexões sobre segre-gação urbana (Villaça, 2009) se articulam explicitamente com a desigualdade e a do-minação e avançam em relação à maioria dos estudos brasileiros atuais sobre o tema:

Elas avanam no sentido de:

1) ... negar a orma clássica de segregaão que se apresentaria sob a ormade círculos concêntricos, com os mais ricos no centro e os mais pobres na peri-eria.

2) ... historicizar a segregaão. A alta de inserão histórica é uma das res-ponsáveis por várias das limitaões nas análises atuais sobre segregaão urbana.

3) ... mostrar como se dá a relaão entre a segregaão e a totalidade dasestruturas social e urbana. Sem isso, os estudos sobre segregaão cam incom-pletos e por isso inaceitáveis.

4) ... mostrar a relaão entre a dominaão e a segregaão, esclarecendo as

especicidades da dominaão através d espaç urban , ou seja, mostrar o papeldo espao urbano no processo de dominaão.

5) ... abordar a segregaão, não mais por bairro, mas por regiã geral da ci- dade ; essa abordagem traz um enorme potencial explicativo muito maior que oda segregaão por bairro, e só ela é capaz de explicar as relaões aqui indicadas.

6) Finalmente, e em síntese, avanam no sentido de explicar a segregaão,e não apenas no de denunciá-la, descrevê-la ou medi-la.

Os estudos tradicionais da segregaão (como os da sociologia urbana ame-

ricana entre as décadas de 1950 e 1970), e alguns produzidos no Brasil, nãomostram objetivamente (às vezes, nem implicitamente) as relaões entre, de umlado, a segregaão e o restante da estrutura urbana, e, de outro, suas relaõescom os demais aspetos da totalidade social, ou seja, com seus aspectos econômi-co, político e ideológico.

 A orma mais tradicional de estudo da segregaão urbana é aquela queaborda o centro versus perieria urbanos. Essa orma raramente é apresentadacomo segregaçã nem é analisada sob essa óptica. Tem o mérito de não ser porbairro, mas por região urbana ou conjunto de bairros. Entretanto, limita-se

undamentalmente a uma descrião. As abordagens sob a óptica centro versus  perieria, quando ultrapassam a descrião, limitam-se a denunciar a injustia,não conseguindo explicar a segregaão nem articulá-la ao restante da estrutu-ra urbana e da totalidade social. Além disso – e isso já seria motivo sucientepara rejeitá-la –, é alsa como descrião da segregaão. Segundo ela, em nossasmetrópoles (e também nossas cidades médias e grandes), a segregaão dar-se-iasegundo círculos concêntricos, com os mais ricos no centro e os mais pobres naperieria. Essa alsa visão decorre da teoria dos círculos concêntricos da Escolade Chicago, do início do século XX. O Rio de Janeiro, por exemplo, sempre

desmentiu essa visão, pois a Zona Sul nunca teve perieria pobre. Seja no iníciodo século XX, tempo em que Ipanema e Leblon eram perieria, seja no tempo

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em que Barra da Tijuca o era, seja hoje, quando o Recreio dos Bandeirantes o é.Favela incrustada na mancha urbana (como a Rocinha) não é perieria segundonenhum conceito do termo. Além disso, em São Paulo, Granja Viana, Alphavilleou Aldeia da Serra mostram que há décadas existem áreas mais ricas não só orado centro, mas na perieria aastada.

 Abordagens recentes da segregaçãoTalvez a orma mais destacada de estudo da segregaão moderna seja sua

maniestaão sob a orma dos condomínios echados. Esses estudos – como amaioria daqueles sobre segregaão – não colocam a segregaão num contextohistórico nem a articulam com o restante da estrutura urbana, como tambémnão mostram explicitamente (às vezes deixando apenas subentendidas) as arti-culaões entre a segregaão e as eseras econômicas, políticas e ideológicas dasociedade. Enm, não explicam esse tipo particular de segregaão, limitando-sea articulá-lo ao advento da segurana, da violência urbana, dos interesses imobi-

liários, da cultura e dos novos valores por esses criados e/ou divulgados.Em que os condomínios echados se distinguem das tradicionais ormas

de segregaão, por classe e por bairro, que existem há mais de um século emnossas cidades? Em que se distinguem do Jardim América, Pacaembu ou Altode Pinheiros? Só no tocante à proteão contra a violência? Aos controles de por-taria? À produão imobiliária? No tocante à novidade imobiliária, eles em nadase distinguem desses bairros há 50 ou 80 anos. Há poucas interpretaões dessasnovidades que ultrapassem as relaões com os interesses imobiliários (a criaãode um novo “produto” imobiliário) ou com a questão da segurana. Em que epor que esses aspectos são algo signicantemente novo? Claro que são novos.

 A questão é, insistimos, se são signifcantemente novos. Em que e por quê sãoirrelevantes ou relevantes? Como integrar sua análise a processos socioespaciaismas amplos? Como interpretar os condomínios echados superando a denúnciae os interesses dos moradores? Sobre isso pouco ou nada tem-se alado.

Esses estudos – como muitos estudos urbanos – têm um undo não mui-to claro e nunca explicitado. É um undo moral, ético, que destaca a injustiça.Quando destacam a opressão ou a dominação, azem-no sob a óptica da injustiça.

Como sua causa real não é estudada nem claramente explicitada, ela passa ao leitor(o que deve ocorrer também na cabeça de muitos dos autores) a ideia de que suacausa é a maldade, a ganância e os interesses mesquinhos dos homens. Nessa baseética está o maior perigo de qualquer análise social, as urbanas incluídas. Isso já oidenunciado há mais de um século por F. Engels ao criticar os socialistas utópicosque criticavam o capitalismo com base na ética. Criticou-os por acreditarem quecom esse socialismo despontava o reino da razão e que com ele “a superstição, ainjustiça, o privilégio e a opressão, seriam substituídos pela verdade eterna, pelaeterna justiça, pela igualdade baseada na natureza e pelos direitos inalienáveis do

homem” (Engels, s. d., p.19). A segregação é, assim, vista por esses estudos sob aóptica da justiça e da razão e assim moralmente condenável.

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Quais são os limites dos estudos da segregaão por bairro, por classe social,ou daqueles que abordam os condomínios echados ou o centro versus perieria?

Já mostramos antes que essa visão é alsa. A descrião centro versus perierianão permite, por exemplo, que se articule a segregaão com as estruturas urbanae social. Essa descrião não explica, por exemplo, por que o centro tradicional de

nossas cidades cresce mais numa determinada direão do que em outras (ou issonada tem a ver com a segregaão urbana?). Pela própria lógica do esquema centroversus perieria, o centro deveria crescer mais ou menos uniormemente em todasas direões. No entanto, há mais de um século isso não ocorre em nossas metró-poles. Não explica ainda a articulaão da segregaão com as eseras econômicas,que se dá por meio da atividade econômica que maior interesse tem no espao ur-bano: a atividade imobiliária. Não toca sequer nas articulaões entre, de um lado,a segregaão e, de outro, o poder político e a ideologia. Como tantas análisesda segregaão, ela enatiza – explícita ou implicitamente – a desigualdade como

injustia, não deixando clara se ela é ou não devida à maldade dos homens.É preciso ultrapassar não só a descrião, mas especialmente a explicaãoundada em razões éticas e morais.

Em obras anteriores, abordamos a segregaão por classes, mas não porbairros, mas por grandes conjuntos de bairros, ou seja, por grandes regiões da ci-dade. Com isso abriu-se uma enorme possibilidade de explicaão e compreensãonão só do próprio processo de segregaão, mas também com suas articulaõescom aspectos undamentais da sociedade.

Descrever e explicar

 A dierena entre descrever e explicar não é simples e varia de um grupode ciências para outro; ciências exatas abstratas (matemática), ciências exatasaplicadas, ciências da natureza ou ciências sociais. Vamos abordar apenas o casodas ciências sociais, de uma maneira simplicada, porém undamental, e de umúnico processo social: a segregaão urbana.

Em que consiste explicar ou entender a segregaão urbana? Temos insis-tido que a abordagem da segregaão por região da cidade tem um poder expli-cativo muito maior do que sua abordagem por bairro. Isso porque ela permite

uma melhor explicaão da estrutura urbana como um todo e de suas articulaãocom os processos sociais undamentais e do próprio processo de segregaão.Simplicadamente, explicar qualquer processo social – a segregaão urba-

na incluída – é articulá-lo à totalidade social (os aspectos econômico, político eideológico da sociedade) e a seus movimentos. É por meio dele mostrar comoa segregaão se articula com a mais importante (mas não a única) das manies-taões explicativas das transormaões sociais, ou seja, a dominaão social, quegera a desigualdade, especialmente acentuada no Brasil.

Não basta, portanto, nem denunciar, nem medir a segregaão em nossasgrades cidades e metrópoles, seja por bairros, seja por conjuntos de bairros. Épreciso explicá-la.

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 2011 41

 A participação do espaço urbano na dominação social

Para haver uma boa interpretaão ou explicaão de um processo social, épreciso haver antes uma boa descrião desse processo. Essa, entretanto, é umacondião necessária, mas não suciente para uma boa explicaão. Uma boa des-crião não leva necessariamente a uma boa interpretaão, mas uma má descrião

leva necessariamente a uma má interpretaão, a não ser por coincidência ouacaso (o que, cienticamente, não tem nenhum valor).No caso particular das cidades brasileiras, é indispensável articular o papel

da segregaão urbana nas produão da desigualdade e da dominaão sociais.Isso porque a segregaão (em geral, e em inúmeras de suas maniestaões “o-ciais”) é aquela orma de exclusão social e de dominaão que tem uma dimensãoespacial. Essa dimensão aparece, por exemplo, na determinaão, comum nos Es-tados Unidos até a década de 1970, de que os negros ocupem os últimos luga-res dos ônibus (componente espacial), usem sanitários separados (componente

espacial), requentem escolas separadas (componente espacial) etc.Nenhum estudo do espao urbano será satisatório se não entender a se-

gregaão espacial urbana.Há muitas décadas, a segregaão residencial vem sendo objeto de inves-

tigaão por muitos estudiosos. Entretanto, não só as articulaões aqui mencio-nadas não têm sido esclarecidas, como também apenas a segregaão residencialtem sido estudada.

Há tempos estamos desenvolvendo a tese de que a segregaão deve seranalisada por região da cidade (e não por bairros) e ultrapassar a segregaãoresidencial. Vamos aqui abordar essa ultrapassagem e analisar, também, a segre-gaão dos empregos, do comércio e dos servios.

O estudo das relações entre espaço e sociedade é tão antigo quanto comple-xo. Nossa tentativa de enrentar essa complexidade levou-nos a simplicar o “ladosocial” e o “lado espacial” da análise. Nasceu assim a ideia da região da cidade .

O poder explicativo da segregaão cará tão maior quanto mais simplese proundo ele or, ou seja, quanto mais se conseguir sair do terreno movedioque, em geral, envolve o estudo das classes sociais. Do “lado social”, dividimos

então a sociedade metropolitana (no caso, São Paulo) em apenas duas classessociais que chamaremos: “os mais ricos” ou “as camadas de mais alta renda”, eos mais pobres ou os de ”mais baixa renda”.

Do lado do espao, essa simplicaão teve suas consequências. Tendo em vista que qualquer metrópole tem centenas de bairros, a segregaão por bair-ro acaba perdendo seu poder explicativo, pois essa quantidade leva a análisepara um lado abstrato, já que conduz o estudo a bairros ideais ou tipologias debairros. Esses poderiam, então, ser agrupados em regiões homogêneas. Isso,entretanto, não tem sido eito. Foi esse o caminho que exploramos ao analisar

conjuntos de bairros ou regiões urbanas.Inicialmente, vejamos como se dá a segregaão na capital paulista.

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 Analisando distribuião espacial das classes sociais no município de SãoPaulo, verica-se que há uma região geral da cidade onde ocorre uma excep-cional concentraão das classes de mais alta renda. Essa região é integrada por

 vários bairros, das mais distintas classes sociais, porém a maior parte daquelasclasses está concentrada nessa região. Ela oi por nós chamada de Região de

Grande Concentraão das Camadas de Mais Alta Renda. No caso de São Paulo,é seu Quadrante Sudoeste mostrado nas guras 1 a 8. Essas guras mostram asegregaão das camadas de mais alta renda do Quadrante Sudoeste de acordocom uma grande variedade de indicadores. Elas já oram apresentadas em outrasobras nossas.1 Chamamos a atenão especialmente para o mapa que mostra oclima na cidade (Figura 4). Até o clima – que supostamente não seria obra doshomens – é mais ameno no Quadrante Sudoeste do que no restante da cidade.Isso se deve ao ato de essa região ter muito mais parques e ser muito mais arbo-rizada do que o restante da cidade (como também da metrópole). No caso do

Rio de Janeiro, o clima não é produzido (como em são Paulo), mas as camadasde mais alta renda sempre se apossaram das regiões ambientalmente mais avorá- veis. Desde o nal do século XIX, essa região é sua conhecida Zona Sul.

O estudo da segregaão das camadas de mais alta renda, ou dos mais ricos(e por oposião, a das classes de mais baixa renda), encarado do ponto de vistade uma região geral da cidade, permite as seguintes articulaões:

• Com os aspectos políticos: por meio da legislaão urbanística, da atua-ão do Estado, especialmente sobre o sistema de transportes (produtor,

como veremos adiante, de “localizaões”) ou da localizaão dos apare-lhos do Estado. O Quadrante Sudoeste, enatizado antes, é privilegiadotanto por esse sistema como por essas localizaões.

• Com os aspectos econômicos: especialmente por meio do mercado daterra, ormaão dos preos da terra e pela atividade imobiliária. Essassão muito mais dinâmicas no Quadrante Sudoeste e a terra ali tem preomais alto (outras coisas sendo iguais).

Basta olhar os cadernos de imóveis dos principais jornais de qualquer me-trópole brasileira para ver a concentraão da atividade imobiliária nas respectivasáreas de concentraão das camadas de mais alta renda.

 A Figura 1 mostra que, no Quadrante Sudoeste, concentram-se as áreascom “nenhuma ou baixa privaão” social (áreas essas que respondem por 22,1% da populaão), numa pesquisa sobre Vulnerabilidade Social (Flha de S.Paul, 23.2.2002, p.C-3).

Segundo a onte, o conceito de “vulnerabilidade social” desenvolveu-seultimamente, azendo parte, até mesmo, da Proposta de Carta Mundial do Di-reito à Cidade, aprovada no Fórum Social das Américas, realizado em Quito,

Equador, em julho de 2004. A Figura 1 mostra os distritos de menor Vulnera-bilidade Social do Município de São Paulo.

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Fonte : Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Ce-brap), em pesquisa encomendada pela Secretaria da Assistência Social da Preeitura de São Paulo.

Figura 1 – Vulnerabilidade social.

Fonte : Cepid/Fapesp, Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento (Cebrap).Figura 2 – Distritos com no máximo 10% de negros – Censo 2000.

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 201144

Fonte : Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). A gura mostra esses dez distritos.

Figura 3 – Os melhores locais para jovens. 

Fntes : Deesa Civil do Município, Nasa, Augusto José Pereira Filho, Atlas Ambiental do Muni-

cípio de São Paulo e “Ilhas de calr nas metróples: exempl de Sã Paul” .Figura 4 – Clima: temperaturas no município.

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 2011 45

Fnte : Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade – PMSP.

Figura 5 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Fnte : Pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrô, em 1977.

Figura 6 – Renda domiciliar média.

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 201146

 

Fnte : Feldman (1996).

Figura 7 – Zoneamento 1972-2004. Zonas exclusivamente residenciais uniamiliares (Z-1).

Fnte : Programam de Aprimoramento das Inormaões de Mortalidade no Município de SãoPaulo (Pro-Aim). Elaboraão: Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla)/Departamento

de Estatística e Produão de Inormaão (Dipro).Figura 8 – Número de óbitos por homicídio por 100 mil habitantes.

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 2011 47

 A Figura 2 mostra a distribuião de negros na cidade. Ela mostra que, noQuadrante Sudoeste, está concentrada a maioria dos distritos com menor popu-laão negra. Neles há, no máximo, 10% de negros (pretos e pardos, na termino-logia da pesquisa) (Flha de S.Paul, 21.9.2003, p.C-4).

 A Figura 3 mostra que, no Quadrante Sudoeste, estão localizados todos os

dez distritos considerados os “melhores locais para jovens” (nota acima de 0,65 numa escala de 0 a 1: quanto mais alta a nota, melhor para jovens é a região).Nessa pesquisa, oram considerados “percentuais de populaão jovem, mãesadolescentes e viagens por lazer, além de crescimento populacional, mortalidadepor homicídios, escolaridade, índice de mobilidade e rendimento amiliar” (Re- 

vista da Flha , 24.8.2003, p.6). A Figura 4 mostra que o clima, no Quadrante Sudoeste, é mais ameno

que no restante da zona urbana do município. Nesse Quadrante, a temperatura varia entre 25 e 29 graus, enquanto, na Zona Leste, varia de 29 a 33 graus. Nele

a temperatura chega a ser 9 graus menor que na Zona Leste (Flha de S.Paul ,15.2.2004, p.C-8). Nossa interpretaão é que isso se deve ao ato de o Qua-drante Sudoeste ser mais arborizado e ter mais praas e áreas verdes que a ZonaLeste, por exemplo. O ato não tem relaão com a altitude, como se poderiaimaginar. A maior parte dos bairros ao longo do Rio Pinheiros, e mesmo aasta-dos dele, como os Jardins América e Europa, Alto de Pinheiros e City Butantã,por exemplo (todos no Quadrante Sudoeste), tem a mesma altitude que a maiorparte da Zona Leste. A Figura 4 mostra as Áreas de Temperatura Mais Amena,excetuadas, evidentemente, as regiões serranas da Zona Norte (Serra da Canta-

reira) e do extremo sul do município. A Figura 5 mostra que, no Quadrante Sudoeste, estão concentrados todos

os seis distritos com mais alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) domunicípio. Numa escala de 0 a 1, sendo os valores mais altos representativos demelhores índices, esses distritos eram: Moema, com IDH igual a 0,884, o maisalto do município; Morumbi, com 0,860; Jardim Paulista, com 0,850; Pinhei-ros, com 0,833; Itaim Bibi, com 0,811; e Alto de Pinheiros, com 0,801. NesseQuadrante, estava também localizada a maioria dos distritos com IDH acima

de 0,651. Esses distritos reuniam apenas 13,53% da populaão do município.Dentre esses, apenas os distritos de Mooca, Tatuapé e Santana estavam ora doQuadrantes Sudoeste.

 A Figura 6 mostra que o Quadrantes Sudoeste concentra a totalidade dosdistritos com as mais altas rendas médias domiciliares (acima de R$ 3.000,00, em

 valores da época) segundo a Pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrôem 1997.

 A Figura 7 mostra que, no Quadrante Sudoeste, estavam localizadas prati-camente todas as Zonas Z-1 (Zonas Exclusivamente Residenciais Uniamiliares)

do zoneamento que vigorou no município entre 1972 e 2004 (Feldman, 1996,p.164-5). Segundo o zoneamento aprovado em 2004 nos Planos Regionais, a

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ESTUDOS A  VANçADOS 25 (71), 201148

absoluta maioria da Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER) continuava con-centrada no Quadrante Sudoeste.

Embora com alguns distritos na Zona Norte, a maioria dos distritos commenor número de óbitos por homicídio por 100 mil (abaixo de 5) estava locali-zada no Quadrante Sudoeste.

Com processos ideológicos, por meio dos quais a classe dominante pro-duz e diunde ideias que visam esconder os processos reais de produão do espa-o urbano desigual, que não é necessariamente centro versus perieria.

Tendo em vista que este último é muito pouco abordado e conhecido(apesar de sua grande importância), vamos alar mais sobre ele. A ideologiadomina o pensamento da maioria que o adota como verdadeiro. Trata-se deentender quem produz esse pensamento e com que nalidade. Daremos apenasdois exemplos, lembrando sempre que, sem a nossa abordagem da segregaãopor regiões urbanas, eles seriam impossíveis. O primeiro se reere à identicaão

com “a cidade”, daquela parte da cidade de interesse da classe dominante. Osegundo, mostra, além desse aspecto, também outro que chamaremos de “natu-ralizaão dos processos sociais”. O primeiro é ilustrado pela seguinte ideia domi-nante: “A cidade do Rio de Janeiro está comprimida entre o mar e a montanha”.Nada mais also. Isso vale apenas para a Zona Sul. Essa zona (a zona ocupadapela classe dominante) é assim identicada com “a cidade”. Assim, quando apreeitura abre uma nova via na Zona Norte, ela está beneciando a Zona Nor-te. Quando ela abre uma via na Zona Sul, ela está beneciando “a cidade”.

O segundo exemplo mostra os dois casos antes mencionados. A ideia do-minante é: o centro da cidade está se “deterirand ”. A deterioraão, ou apo-drecimento, é um processo natural que só ocorre com os seres vivos. Essa ideiapretende esconder o processo real rotulado de “decadência!” e que é de respon-sabilidade da classe dominante, mas que não quer assumi-lo. A verdade é que achamada “decadência” decorreu do ato de essa classe ter abandonado o centro,dele retirando suas lojas, escritórios, cinemas etc., e mesmo suas moradias, comoas da Av. São Luís. Justamente a partir do momento em que o centro deixa deser patrocinado pelas elites e passa a ser patrocinado pela maioria popular, cria-se

a ideia de que ele está se deterirand . Mais ainda. Justamente quando a maioriatoma conta do centro, cria-se a ideia de que esse não é mais o centro da cidade , eque essa teria um nv centro. Esse ter-se-ia mudado para a Av. Paulista, ou paraa Av. Faria Lima, ou para toda a região que inclui dessa avenida até o vale do RioPinheiros. Torna-se também dominante a ideia de que essa suposta decadência 

seria motivada pela velhice e obsolescência dos ediícios centras (deterioraão).Essa ideia tornou-se plenamente aceita pela maioria das populaões de nossasmetrópoles. Se a idade dos ediícios osse uma importante causa da “decadên-cia” dos centros, o que seria dos centros de Roma, Paris, Berlin, Madri ou Lon-

dres? A realidade é que a classe dominante considera que o centro que or seu  (e não o da maioria) será o centro da cidade . Há mais de um século, a clientela

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de alta renda vem abandonando o centro de São Paulo e deixa seus “restos”para as camadas populares (às quais pertence hoje todo o centro “velho”). Odeslocamento do centro de São Paulo – sempre na direão de crescimento dosbairros residenciais dos mais ricos – pode ser traado pelo deslocamento de ruasque sintetizam o comércio e/ou servios das elites. Inicialmente a Rua XV deNovembro (até o nal do século XIX) depois a Rua Direita, depois a Rua Barãode Itapetininga, depois para a Av. Paulista e parte do nal da Rua Augusta, atéchegar hoje à Av. Faria Lima, à Marginal do Rio Pinheiros e à Av. Luís CalosBerrini. Já no nal da década de 1940, prenunciando sua “decadência”, a RuaDireita tornou-se, nas noites de m de semana, um tradicional ponto do ting  dos negros.

 A produão dessa ideologia seria impossível sem a abordagem da segrega-ão por região da cidade.

Em outras oportunidades,2 já desenvolvemos várias consideraões a respei-

to dessas ideias, que azem parte de um processo mais amplo de dominaão pormeio do espao urbano. Resumidamente, podemos já adiantar, essa dominaãose dá pela desigual distribuião das vantagens e desvantagens do espao produ-zido; essas vantagens e desvantagens dizem respeito especialmente à manipula-ão, pela classe dominante, dos tempos gastos nos deslocamentos espaciais doshabitantes da cidade.

 A estrutura urbana e os deslocamento espaciais

A importância que a segregaão por região apresenta para a compreensão

da estrutura urbana é mostrada ao longo de todo esta seão, mas vamos destacarapenas os seguintes aspectos, que mostram como:

a) ... a abordagem da segregaão por região da cidade permite seu relacio-namento com toda a estrutura urbana, ao ocalizar a inter-relaão entre a produ-ão do espao urbano como um todo, com a segregaão das residências dos maisricos (e, por oposião, a dos mais pobres), com a segregaão dos seus locais deemprego e servios e nalmente com a dominaão por meio do espao urbano.

b) ... ela az aforar novos possíveis tipos de segregação problematizando seuconceito. É o caso da segregação dos locais de emprego destacada neste texto.

 A segregação dos empregos: o espaço 

 Ao alarmos da segregaão e da localizaão dos empregos, estaremos a-lando do espao.

 As ideias desenvolvidas a seguir sobre estrutura urbana e segregaão doslocais de emprego reerem-se a São Paulo, mas poderiam pereitamente reerir-se a Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Salvador. Acredito que o estudiosode cada cidade ou metrópole brasileira não encontrará diculdade em azer asnecessárias adaptaões. Essa possibilidade, aliás, é uma outra esclarecedora van-

tagem da abordagem da segregaão por região da cidade. Toda cidade brasileiraacima da média tem uma região geral segregada tal como a aqui descrita para

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São Paulo. Ela existe no Rio, com sua conhecida Zona Sul, especialmente emdécadas mais recentes, com o crescente advento da Barra da Tijuca como localde shppings , servios e escritórios em geral, e corporativos em particular. Omesmo ocorre com todas as Regiões Metropolitanas do Brasil, como em Por-to Alegre (Independência/Moinhos de Vento), em Belo Horizonte (Lourdes/Savassi), em Recie (Boa Viagem), em Curitiba (Batel), em Fortaleza (Aldeota),ou Salvador (região do Iguatemi). Isso acilita muito aos moradores dessas me-trópoles a transposião, para elas, das questões aqui apresentadas.

Iniciemos destacando que a localizaão dos empregos terciários apresentaum duplo interesse para a populaão que deles se utiliza; na maior parte doscasos (os empregos que atendem o público), cada ponto de emprego desse setoré não só um local de emprego, mas também um local de atendimento da popu-laão nas suas compras e nos seus servios. Assim, a concentraão dos empregosterciários tem um duplo interesse, coisa que não ocorre com o setor secundário,

que não atende o público.Todas as nossas metrópoles desenvolveram sua Área de Grande Concen-

traão das Camadas de Alta Renda. Como já oi aqui mostrado, no caso daRegião Metropolitana de São Paulo, essa área é seu Quadrante Sudoeste (verguras 1 a 8, especialmente a Figura 1). Partindo do centro, situam-se nesseQuadrante os bairros de Higienópolis, Pacaembu, Consolaão, Av. Paulista, VilaMariana, Aclimaão, Ipiranga, Sumaré, Perdizes, Vila Pompeia, Altos da Lapae Pinheiros, Jardins, Butantã, Morumbi e vizinhanas, Moema, Brooklin, Altoda Boa Vista, Granja Julieta etc. Para aqueles que pensam que aí está tut São

Paulo, lembramos que essa região, incluindo os bairros populares nela contidos,não abrange nem 20% da populaão da Região Metropolitana, e que dela estãoexcluídos as zonas Norte e Leste (até Mogi das Cruzes), além de ABCD, Mauáe Ribeirão Pires, Guarulhos, Osasco, Carapicuíba etc. Dela estão também exclu-ídos, embora localizados ora do município, porém dentro do Quadrante Sudo-este ou suas bordas (conrmando nossa tese de direão única de crescimento),os bairros de Granja Viana, Tamboré, Alphaville e Aldeia da Serra. No caso doRio, a segregaão é ainda mais acentuada. Sua conhecida Zona Sul, da Glóriaao Recreio dos Bandeirantes, e incluindo a Rocinha e suas demais avelas, temapenas 10% da populaão da Região Metropolitana.

 A segregaão residencial tem sido muito estudada há décadas. Vamos ape-nas acrescentar a ela a segregaão dos empregos e dos locais de compras e ser-

 vios. Trata-se de uma abordagem tão particular quanto undamental. Vamosmostrar o caso de São Paulo, destacando as concentraões dos empregos damaioria (os mais pobres) e da minoria mais rica.3 

É sabido que a absoluta maioria dos empregos em nossas metrópoles éconstituída pelos empregos do setor terciário. Nesse setor, trabalha a maioria

dos mais ricos (a recíproca não é verdadeira). No setor terciário, está a grandeconcentraão dos empregos dos mais ricos, especialmente nos escritórios (das

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 várias prossões liberais e ainda os das atividades modernas como o marketing , apublicidade, comunicaão, propaganda, inormática etc.) nas sedes das corpora-ões multinacionais, nos bancos e nas nanceiras, nas sedes das empresas médiase grandes das mais variadas naturezas, consultórios etc., e ainda no comércio

 varejista. Esses empregos estão concentrados numa única área, que é precisa-mente a mesma onde estão concentradas suas residências dos mais ricos, que é

 justamente o Quadrante Sudoeste da cidade. As já mencionadas guras mostrama segregaão dos mais ricos nesse Quadrante segundo vários indicadores.

No Quadrante Sudoeste de São Paulo, concentram-se não apenas os locaisde emprego dos mais ricos, mas também seu comércio (seus shppings ), suasescolas elementares e secundárias, as escolas de judô ou nataão (que requente-mente exigem também o deslocamento da mãe), os salões de beleza, os hospi-tais, os parques, os pet-shps , as choperias e áreas de diversão (Vila Madalena ouMoema), os médicos, as academias de ginástica, os dentistas... até suas igrejas

e cemitérios! Enm, toda uma innidade de servios prestados aos mais ricos. Assim, os mais ricos minimizam os tempos de deslocamento para os locais dediversão, lazer, compras e servios de todos os membros da amília.

 A maior parte dos mais ricos trabalha no setor terciário. A maior parte dosmais pobres também trabalha no setor terciário. Os mais ricos produziram umaúnica área de concentraão dos seus empregos (os do terciário). Entretanto, essaárea é também uma área de concentraão dos empregos dos mais pobres. Só quepara esses ela está longe de ser a única.

Os mais pobres têm várias áreas de concentraão dos seus empregos, além

de tê-los (ao contrário dos mais ricos) tanto no setor secundário (indústrias)como no terciário.

 Antes de prosseguir, destacamos que, quando se ala em “local do empre-go”, está-se alando tanto do emprego da mulher como do marido; no caso dosmais pobres, como também no dos lhos adolescentes (majoritariamente, o casodos mais pobres).

Iniciemos pelos locais de concentraão dos empregos terciários.Os estabelecimentos do setor terciário são extremamente espalhados pelo

espao urbano; basta pensar nas centenas de lojas, armácias, ocinas diversas,bares e padarias, pequeno comércio etc. que há espalhados por toda a cidade,até mesmo nos bairros pobres. Há, entretanto, áreas onde esses empregos sãoexcepcionalmente concentrados.

 Apesar de os empregos terciários serem espalhados, a classe dominante,que neles predominantemente trabalha, produziu uma única área onde essesempregos são mais concentrados. Isso não quer dizer que os empregos dos maisricos ali predominem; pelo contrário. Além disso, a classe dominante tambémproduziu a área de grande concentraão das suas moradias, onde ocorre igual-

mente a grande concentraão de seus próprios locais de emprego, comércio eservios. Como já oi dito, nessa área ocorre também uma grande concentraão

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dos empregos dos mais pobres (pessoal de limpeza, garons, vendedores, bal-conistas, auxiliares em geral, pessoal de mais baixa qualicaão, seguranas etc.)que nelas, aliás, predominam.

 Além dessa, os mais pobres têm várias outras áreas de concentraão deempregos terciários. Em primeiro lugar, destacam-se os “decadentes” centros

principais de nossas metrópoles, que são, cada vez mais, áreas de grande con-centraão de empregos dos mais pobres. Não vamos desenvolver aqui a questãoda importância do centro “antigo” para a estrutura urbana. No passado, ele jáoi um elemento undamental. Hoje, já não se pode armar isso com tanta se-gurana. Além dele, há ainda as concentraões representadas pelos subcentrosde comércio e servios, todos eles populares, com diminuta participaão dosmais ricos (subcentros da Lapa, de Pinheiros, de Santo Amaro, da Penha etc.), eainda os centros – todos eles populares – que são os centros principais de muitosmunicípios da Região Metropolitana, como o centro de Santo André, o de São

Bernardo, o de Guarulhos, o de Osasco, o de Mauá, o de Poá etc. Todos são nãosó centro de empregos, como também centros de comércio e servios. Note-seque essas são apenas as áreas de grande concentraão dos empregos terciários,pois, como já oi destacado, tais empregos são muito espalhados. Isso dicultaainda mais os deslocamentos moradia/trabalho dos mais pobres.

 Vejamos agora as concentraões espaciais dos empregos industriais. A participaão dos mais pobres sobre o total de empregos industriais é

muito maior que a participaão dos mais ricos. Numa indústria de tamanhomédio ou maior, há relativamente poucos empregos dos mais ricos para muitos

milhares de empregos dos mais pobres. Assim, uma zona industrial é uma zonade concentraão dos empregos dos mais pobres, mas não é uma zona de con-centraão dos empregos dos maios ricos.

 A grande maioria dos que trabalham na indústria é constituída pelos maispobres. Não é verdade que a recíproca seja verdadeira, mas a parcela dos maispobres que trabalha na indústria é bem maior que a dos mais ricos. Assim, asegunda onte de emprego, que é a indústria, é muito mais importante para osmais pobres do que para os mais ricos. Daí decorre que a localizaão das zonas

industriais é muito mais importante para os mais pobres do que para os maisricos, que, aliás, moram aastados delas. A proximidade ao emprego industrial não é disputada pelos mais ricos, por

isso os mais pobres a disputam. Assim, sempre que possível, os trabalhadoresdessas zonas procuram localizar-se perto das zonas industriais (especialmente ABCD, Guarulhos e Osasco).

Isso mostra por que a Zona Leste – que quase não tem indústrias –, doBelém/Mooca a Mogi das Cruzes, é a grande região dos mais pobre da metró-pole. Servida por apenas uma linha de metrô (incompatível com suas dimensões

demográcas ) e por um péssimo servio erroviário suburbano, é a região dos“derrotados”, ou seja, dos que perderam a disputa (de pobre versus pobre) pela

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proximidade do emprego industrial e da maior concentraão de empregos terci-ários da metrópole (que na época já era também sua maior concentraão dessesempregos dos mais pobres: o centro “velho”). Dada a pobreza de sua popula-ão, também não se desenvolveu na Zona Leste (ao contrário do QuadranteSudoeste ou do ABCD), uma grande rede de subcentros de comércio e servios.

 A Zona Leste já teve, no passado, o segundo (depois do centro principal) maiorsubcentro diversicado da metrópole – o Brás. O processo de “decadência” porque passou esse bairro, semelhante ao do centro principal, bem refete o empo-brecimento da populaão da região por ele polarizada – a Zona Leste – a partirde meados do século XX. Além disso, o Brás tornou-se muito central; por isso,consideramos que a Zona Leste se inicia no Belém/Mooca.

Os mais pobres têm, então, várias áreas de concentraão de seus empre-gos. Várias concentraões terciárias e várias zonas industriais. Os mais ricos têmapenas uma.

 Ao comandar a produão do espao urbano, a classe dominante comandanão só a sua produão material e direta, seu valor e seu preo (comandando omercado imobiliário). Comanda também as aões do Estado sobre esse espao(legislaão urbanística, localizaão dos aparelhos de Estado, produão do siste-ma de transportes etc.) e ainda a produão das ideias dominantes a respeito dele.Tudo isso na verdade é o que especica o espao urbano.

Os deslocamentos espaciais: o tempo 

 Ao alarmos dos deslocamentos da populaão, estamos alando do tempo.

 Vamos alar muito da relaão espao/tempo mais adiante. Já adiantamos, po-rém, que a otimizaão dos tempos gastos no deslocamento espacial (tempo) dosmoradores das cidades é o mais importante ator explicativo da organizaão doespao urbano e do papel desse na dominaão social que se processa por meiodele. A classe dominante manipula a produão desse espao priorizando semprea otimizaão dos seus tempos de deslocamento.

Os tempos gastos pelos habitantes das cidades em seus deslocamentos es-paciais há muitas décadas vêm sendo objeto de pesquisas muito desenvolvidaspela engenharia de tráego. São pesquisas que investigam os deslocamento da

populaão entre os locais de moradia e de trabalho, compras, ensino etc., eainda as razões desses deslocamentos. Em São Paulo, essas pesquisas vêm sendoeitas decenalmente pela Cia. do Metrô há mais de quatro décadas, e em toda aGrande São Paulo. São as chamadas Pesquisas OD, ou seja, de Origem e Destinodas viagens eitas pela populaão. As pesquisas OD partem de um espao urba-no dado. Mesmo quando baseadas em projeões das transormaões do espaourbano, essas se azem a partir de tendências histórias de comportamento domercado, especialmente o mercado imobiliário. A partir daí, avaliam os maisdiversos deslocamentos territoriais da populaão (incluindo os a pé) segundo os

meios de transporte utilizados e os motivos dos deslocamentos (trabalhar, ir àscompras, à escola etc.).

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Vista da Favela d Jaguaré, na Zna oeste da capital paulista.

Foto Jorge Maruta/Jornal da USP

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Baseados na ideia exposta no início – a de que o espao urbano não é umdado da natureza, mas é produto produzido –, estamos procurando mostrarcomo é produzido esse espao que, por sua vez, produz determinados desloca-mentos dos habitantes da cidade.

 As pesquisas OD estudam deslocamentos que sempre partem da mora-

dia: moradia/local de emprego, moradia/local de compras, moradia/escola etc.Tendo em vista que os mais pobres têm várias concentraões de seus locais detrabalho, o que ocorre então com os deslocamentos dos membros das amíliasmais pobres? O marido trabalha num local, a esposa em outro local dierente(em geral, não só longe de sua moradia, mas também longe do emprego domarido), os lhos adolescentes trabalham em outro local e as crianas vão a umaescola ou a uma creche que, talvez, por sorte, esteja perto da casa ou dos locaisde trabalho da mãe ou do pai. A eventual existência de escolas ou creches pertodas residências dos mais pobres não chega a atenuar minimamente seus proble-

mas de deslocamento.Embora as mais importantes viagens urbanas sejam as que ligam os locais

de moradia aos locais de trabalho, há outras viagens – típicas das pesquisas OD –também importantes; são as viagens moradia-escola, moradia-compras e servios,e moradia-lazer. Entretanto, a importância dessas outras viagens para os maisricos é muito dierente do que o é para os mais pobres.

Tal como entre os mais ricos, também entre os mais pobres o deslocamen-to moradia-emprego envolve tanto o deslocamento do marido como o da mu-lher. Mas a semelhana para por ai. Entre os mais pobres, é maior o número detrabalhadores por amília, pois o número de adolescentes que trabalha é maiorque nas amílias ricas. Por isso, seus deslocamentos, além de mais numerosos,são também mais penosos. Isso produz um grande impacto sobre a amília maispobre, especialmente sobre a economia amiliar e sobre a saúde dos seus mem-bros (cansao e reduão das horas de sono, por exemplo). Para os mais pobres,é pequeno o peso dos deslocamentos motivados pelo destino das crianas. Essasevidentemente não vão à aula de nataão, nem de judô, nem de balé. Vão com amãe para alguma creche ou escola que, por sorte, possa haver perto do emprego

da mãe, ou cam em casa (com a avó ou com alguma vizinha), ou vão a pé à es-cola próxima. Além disso, os deslocamentos entre moradia-comércio e moradia-servios (shpping centers , academias, parques, diversões, cinemas, restaurantes,bancos, salões de beleza, pet-shps etc.) são muito maiores entre os mais ricos doque entre os mais pobres. Portanto, para os mais ricos, além dos deslocamen-tos moradia-trabalho, há vários outros também importantes, embora não tantoquanto esses. Para os mais pobres, não.

Finalmente, cabe destacar – apenas no tocante aos deslocamentos urbanos– que os mais pobres não são penalizados somente pela estrutura espacial urbana

que produz os locais de origem e destino de suas viagens. São também muitopenalizados por outros atores associados aos deslocamentos espaciais, especial-

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mente a propriedade e o uso de veículos privados (os mais ricos têm dois, trêsou mais automóveis por amília, que os usam quase diariamente e para as mais

 variadas nalidades)4 e ainda pelos sistemas viário e de transportes que, sabida-mente, sempre privilegiaram os mais ricos.5

O peso das obras urbanas reerentes a transporte – tempo de deslocamen-

to – é enorme. Nossos governantes – preeitos e outros – conerem uma es-candalosa prioridade às obras voltadas para o transporte privado individual, emdetrimento do transporte coletivo público. Em qualquer metrópole brasileira,o sistema viário da área de concentraão dos mais ricos é muito melhor e maiorque no restante da cidade. No Rio, enquanto 90% da populaão é atendida porum péssimo servio de trens suburbanos e ônibus, o metrô já está em Ipanemae em breve chegará ao Leblon e à Barra da Tijuca. Em São Paulo, são gastosbilhões de dólares em rodoanéis, túneis e via expressas, enquanto sua RegiãoMetropolitana tem um metrô menor que o de Santiago do Chile (onde a cons-

truão do metrô é caríssima pela necessidade de proteão contra terremotos),cuja populaão da Região Metropolitana é um quarto da de São Paulo.

Conclusão

O controle do tempo de deslocamento é a ora mais poderosa que atuasobre a produão do espao urbano como um todo, ou seja: sobre a orma dedistribuião da populaão e seus locais de trabalho, compras, servios, lazer etc.Não podendo atuar diretamente sobre o tempo, os homens atuam sobre o espa-o como meio de atuar sobre o tempo. Daí decorrem a grande disputa social emtorno da produão do espao urbano e a importância do sistema de transportecomo elemento da estrutura urbana.

Daí decorre também a segregaão como um mecanismo espacial de con-trole dos tempos de deslocamento.

É assim que é produzido o espao que, por sua vez, produz os pontos deorigem e destino dos deslocamentos das populaões urbanas.

No Quadrante Sudoeste da Cidade de São Paulo, ocorre uma tripla se-gregaão dos mais ricos: das suas residências, de seus empregos (os do setorterciário) e ainda do seu comércio e de seus servios.

Este texto apresentou não só uma visão mais ampla da segregaão socio-espacial típica de nossas metrópoles, mas também uma visão que mostra comoo espao urbano se integra à desigualdade socioeconômica e o seu papel nadominaão social.

 A obscena desigualdade que existe na sociedade brasileira se maniesta naenorme segregaão que se observa em nossas cidades. Essa segregaão cria umônus excepcional para os mais pobres e uma excepcional vantagem para os maisricos.

 Ao contrário do que se pensa, o tempo e o espao urbanos não são obras

da natureza, mas produtos do trabalho humano. No caso urbano, o tempo semaniesta undamentalmente por meio do tempo gasto pelos moradores da ci-

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dade em seus deslocamentos espaciais. Como mostramos, esse tempo está intrin-secamente ligado ao espao urbano produzido. Assim, tanto quanto o clima emSão Paulo ou seu espao urbano, também o tempo não é produto da natureza.

No espao urbano, como em outras eseras sociais, a dominaão social seaz mediante desigual distribuião, entre as classes sociais, dos rutos do traba-

lho.

Notas

1 Para que as Camadas de Alta Renda não sejam caracterizadas – como diz o nome– apenas pela renda, mas também por outros indicadores, repetimos aqui (acrescen-tando apenas do mapa reerente a homicídios) guras que já aparecem em nosso site  (<faviovillaca.arq.br>) no texto  As ilusões d plan diretr, e também, no mesmo site ,na pesquisa realizada juntamente com a Proa. Dra. Silvana Zioni (o transprte sbre 

trilhs na regiã metrplitana de Sã Paul ), hoje docente da Universidade Federal de

São Paulo.2 C. Villaa (2009, espec. a partir da p.311), e ainda Souza et al. (1999, p.221). Para asrelaões entre a segregaão e a ideologia e o poder político, ver também nossos textossobre o Rodoanel, no site <faviovillaca.arq.br>.

3 Em 1997, cerca de 80% da populaão integravam amílias com renda amiliar inerior a20 salários mínimos. Embora a pobreza tenha diminuído nos últimos anos, a desigual-dade na distribuião da riqueza, ou seja, entre os rendimentos do trabalho e os rendi-mentos do capital (não conundir com a desigualdade de salários aqui mencionada),tem se alterado pouco.

4 Por mais que se diunda a ideia (o discurso que esconde a realidade) de que “hoje emdia todo mundo tem automóvel”, a verdade é que a uma violenta desigualdade deriqueza corresponde também uma violenta desigualdade no uso de automóveis, celula-res, televisores, geladeiras, computadores etc.

5 Na pesquisa que zemos juntamente com a Proa. Dra. Silvana Zioni (ver nota 2), oimostrado que, desde que comeou a uncionar, o Metrô tem atendido, crescentemente,as populaões e os bairros do Quadrante Sudoeste. A própria prioridade dada ao Metrôem detrimento da modernizaão das errovias de subúrbio mostra a prioridade dada àpopulaão mais rica. Enquanto na Área Metropolitana de São Paulo os poderes estaduale municipal gastam bilhões em obras para o automóvel (túneis sob o Rio Pinheiros ou

sob o Parque Ibirapuera, e inúmeros túneis menores, rodoanel, alargamento das mar-ginais etc., além de obras bilionárias anunciadas, como um túnel de vários quilômetrosligando a Av. Roberto Marinho à Rodovia os Imigrantes e novas vias expressas para acidade).

Reerências

ENGELS, F. D scialism utópic a scialism científc . São Paulo: Global, s. d.

FELDMAN, S. Planejament e zneament . São Paulo 1947-1972. São Paulo, 1996.Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Pau-lo.

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SOUZA, A. de et. al. Metróple e glbalizaçã. Eeitos do espao sobre o social na me-trópole brasileira. São Paulo: Cedesp, 1999.

 VILLAçA, F. Espaç intra-urban n Brasil . São Paulo: Studio Nobel, Fapesp, LincolnInstitute, 2009.

r esumo – O texto se inicia com a ideia de que o espao urbano não é um dado da natu-reza, mas um produto do trabalho humano. Propõe então uma nova maneira de abor-dar a segregaão urbana, utilizando para isso o caso da cidade de São Paulo. Mostra,entretanto, que essa nova abordagem vale também não só para a Região Metropolitanade São Paulo, como também para todas as demais Regiões Metropolitanas do Brasil. Es-clarece os avanos por ela possibilitados, a saber: tanto o relacionamento da segregaãocom a estrutura espacial urbana como um todo, como seu relacionamento com todosos componentes da totalidade social. Nesse sentido, az uma análise da segregaão es-pacial dos empregos da populaão na cidade de São Paulo, mostrando a relaão entre a

segregaão residencial e a segregaão dos locais de emprego, bem como a relaão dessassegregaões com a desigualdade e a dominaão sociais. Finalmente, mostra a relaãoentre a produão social do espao e a produão social do tempo, mediante análise darelaão entre o espao urbano e o tempo gasto pelos moradores das metrópoles em seusdeslocamentos nesse espao.

p  alavras - chave : Espao urbano, Segregaão urbana, Desigualdade social, Metrópolebrasileira, Dominaão social.

 a bstract  – The paper starts with the idea that urban space is not a product o nature buto men´s labour. It proceeds presenting a new way o ocusing and analyzing urban se-

gregation, using the city o São Paulo as a case study. Through several social indicators,presented in 8 illustrations, it shows urban segregation in São Paulo. It shows howeverthat this new way also applies to any Brazilian metropolitan area. Important aspects sho- wn by this new way are: on the one hand, the possibility it oers o analyzing the rela-tionship between urban segregation o residences, working places and the overall urbanspatial structure; on the other hand, the possibility o analyzing the relationship betwe-en urban segregation and the social inequality which prevails in Brazilian society as wellas with social domination. It nally shows the relationship between human productiono urban space and human production o time and the importance o the ormer.

k eywords : Urban space, Urban segregation, Social inequality, Brazilian metropolitam

areas, Social domination.

Flvi Villaa é proessor aposentado de Planejamento Urbano da Faculdade de Ar-

quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

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Recebido em 10.2.2011 e aceito em 23.2.2011.