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XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba

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SÃO JOSÉ DOS CAMPOS: CIDADE E GRAFFITI ENCLAUSURADOS (2003-2009)

Fabio Leite da Silva 1, Valéria Zanetti, Prof ª Dr.ª2

1UNIVAP/Curso de história, Rua Candido das Neves 418, [email protected]

2Shishima Hifumi, 1920, Urbanova/ Laboratório de Pesquisa e Documentação Histórica/ IP&D da Univap, [email protected]

Resumo- O graffiti, enquanto forma de expressão social urbana, em especial das periferias das grandes cidades vem, cada vez mais, sendo estudado pela arte, história e sociologia. Evidentemente, esse interesse dessas áreas pela manifestação, muitas vezes estigmatizada como vandalismo, carrega em si uma vasta gama de signos que estão intimamente ligados aos sujeitos que os reproduzem. Em outras palavras, são formas de expressão que caracterizam e se tornam formas de linguagem de indivíduos dentro de seu meio social e de seu tempo, ou seja, o graffiti representa um traço de sua identidade. Em São José dos Campos, assim como em várias outras grandes cidades do mundo, o graffiti é fortemente restringido pelas políticas públicas que acabam por enclausurar os agentes dessa expressão dentro de núcleos de atividades que são vigiadas pelo município. Ou seja, a cidade acaba por fazer do graffiti uma espécie de oficina cultural que, como um pássaro de penas aparadas, fica cingido numa pequena gaiola tendo que limitar todo o seu potencial. É sobre essa dinâmica entre a cidade e o sujeito e como ambos se relacionam dentro do mundo do graffiti que tratamos neste trabalho. Palavras-chave: grafite, graffiti, São José dos Campos, arte urbana, linguagens Área do Conhecimento: Ciências Humanas Introdução

Em várias grandes cidades do mundo não é difícil encontrarmos inúmeras inscrições em suas paredes. Dizeres pintados em várias formas, de várias maneiras, com letras estranhas impossíveis de serem compreendidas, por não nos apropriarmos dos códigos para sua decifração. Grande parte desses dizeres sequer são palavras, mas formas e cores que traduzem os sentimentos e pensamentos de seus executores. Essas mensagens espalhadas em muros, pontes, marquises e até mesmo no chão são uma das várias formas de expressão do ser social suburbano. O jovem da periferia das grandes cidades encontra no graffiti formas de buscar atenção, espaço e reconhecimento de seus pares, tentando deixar no mundo em que vive a sua marca.

Nascida de um ambiente de pobreza e violência dos guetos norte americanos, a arte do graffiti, que carrega em si o apelo dos grupos de desfavorecidos por melhores condições de vida dentro dos grandes centros urbanos, espalhou-se mundo afora, ainda na década de 1970, levado também pelos artistas que viram nesse fenômeno das artes plásticas uma nova tendência inovadora. No Brasil, essa arte subversiva encontrou solo fértil para criar raízes e fazer cabeças. Apesar de serem contextos sociais históricos e culturais muito diferentes, a cultura Hip Hop norte

americana refletiu na juventude suburbana das grandes capitais brasileiras que, adaptando os conceitos desse movimento, o acabam fazendo explodir nas grandes capitais brasílicas em forma de som, dança, Rap, e artes plásticas

É nessa efervescência cultural que exploramos o graffiti inserido no contexto da cidade de São José dos Campos na atualidade. É muito raro vermos expostas, em vias públicas, na cidade de São José dos Campos, uma gravura feita por grafiteiros. A cidade industrial, símbolo do poder econômico do Vale do Paraíba, legou ao graffiti um status de transgressão, vinculada à sujeira e poluição visual. Combatendo sua pulverização, a política pública mantém a intocável imagem da cidade livre de conflitos sociais e próspera. O graffiti, arte materializada em linguagem subversiva, pela retórica materializada, não pode e não deve ser exposta, pois revela os verdadeiros nichos sociais que isolam determinados segmentos dessa sociedade, que se querem tão promissores e adiantados. Metodologia

Propõe-se fazer uma análise das políticas públicas da cidade de São José dos Campos com relação à convivência da administração com os grafiteiros. As estratégias de silenciamento ou

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coibição da prática do grafite estabeleceram a criação das estratégias públicas materializadas nas oficinas culturais. A expressão, qual agora permitida na cidade durante todo o ano e em locais determinados, de certa forma, descaracterizou a arte original, exatamente por se manter tutelada ao poder público. Por sobre essa base, discutimos a questão do patrimônio cultural baseando-nos em autores como Carlos A. C. Lemos, Dea Fennelon e Marilena Chauí. Para o entendimento da problemática levantada, é imprescindível o conceito de graffiti, aqui entendido como arte, amparado nos estudos “A história da arte” de Gombrich e “Graffiti” de Sandrine Pereira Resultados

Como resultado direto deste projeto espera-se evidenciar as maneiras como a cidade marginaliza e coopta as produções artísticas e culturais das baixas camadas sociais promovendo políticas que discriminam e ao mesmo tempo mascaram as intenções protecionistas da cidade quanto à idéia da comunhão estética e até certo ponto ideológico dos grupos hegemônicos. Discussão

Quando falamos em graffiti muitas pessoas quase que imediatamente o liga à pichação e ao vandalismo. Parte dessa idéia formada pelo senso comum se deve exatamente pela legislação federal, reunida na lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 que atribui ao graffiti uma condição marginal passível de penalidade jurídica, sob crime contra o meio ambiente. O artigo 65 dessa mesma lei estabelece como crime pichar ou grafitar edificações ou monumentos urbanos.

Para iniciarmos nossa discussão queremos frisar o enunciado dessa lei: Seção IV: Dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. Uma primeira observação a ser feita diz respeito ao conceito que se tem de cultura. O enunciado dissocia essa forma de expressão da cultura, sequer permite a possibilidade de ser considerada como patrimônio cultural.

De imediato, percebemos que essa restrição legal contra o graffiti careceu (e ainda carece) de maior aprofundamento antes de ter sido posta em prática primeiramente por não distinguir o que é pichação do que é grafite (grafia nacional).

O graffiti é uma forma de arte plástica pictórica. Por associação, podemos dizer que o homem já grafitava desde o período neolítico, marcando as paredes das cavernas e grutas com imagens e símbolos que remetiam a sua vida cotidiana, seus elementos culturais e seus anseios espirituais.

Todavia, se buscarmos pela característica mais marcante do graffiti moderno, que é o seu teor sarcástico e subversivo, podemos verificar uma grande representação dessa condição no período clássico da História nos muros das cidades romanas. Ainda hoje, muitos grafites preservados nas cinzas da cidade de Pompéia onde podemos encontrar textos e figuras, muitas erotizadas, que serviam para expressar várias idéias que iam desde o relacionamento amoroso até atos políticos como propaganda e até chacota aos governantes da época.

Figura 1- Caricatura política dos muros de Pompéia.

Figura 2- Propaganda de candidatos a magistrado nos muros de Pompéia.

Podemos dizer que o ser humano possui, de longa data, aspiração para essa arte. Contudo, é apenas no final da década de 1960 e início de 1970 que o graffiti moderno será moldado dentro da cultura Hip Hop, oriunda dos guetos norte americanos do bairro do Bronx.

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A efervescência do movimento negro buscando igualdade civil nos Estados Unidos, em meio a uma situação de desemprego e violência das periferias de Nova York, formou um solo fértil para uma nova maneira de protesto contra a ordem das coisas. Se, num período anterior, as diversas gangues de rua buscavam afirmação, espaço, reconhecimento e respeito de seus pares e da sociedade através do medo e da violência, no final da década de 1960 essa postura passou a ser transposta para a arte. As brigas e as lutas agora são travadas com outras armas em outros palcos.

O Rap, a batida do funk e do soul, a street dance juntamente com o graffiti e a pichação são agora meios para que esses grupos sociais registrem sua marca no mundo. Essa nova forma de se expressar logo ganhou o mundo e chegou ao Brasil no fim da década de 1970 e início de 1980 e foi logo absorvida e adaptada pelos jovens das periferias das grandes cidades brasileiras, especialmente na cidade de São Paulo.

O graffiti é uma pintura idealizada que tende a levar uma mensagem geralmente implícita cujo teor em geral é subversivo. Segundo Ana Célia Garcia de Sales, as características do graffiti enquanto arte podem ser:

Estéticas: - Expressão plástica figurativa e abstrata; - Utilização do traço e/ou da massa para definição de formas; - Natureza gráfica e pictórica; - Utilização recorrente de imagens do inconsciente coletivo, produzindo releituras de imagens já editadas e/ou criações do próprio artista; - Repetição de um mesmo original por meio de uma matriz (máscara), característica herdada da Pop Art; - Repetição de um mesmo estilo quando feito à mão livre. Conceituais: - Subversivo, espontâneo, gratuito, efêmero; - Discute e denuncia valores sociais, políticos e econômicos com muito humor e ironia; - Apropria-se do espaço urbano a fim de discutir, recriar e imprimir a interferência humana na arquitetura da metrópole; - Democratiza e desburocratiza a arte, aproximando-a do homem, sem distinção de raça ou credo; − Produz-se predominantemente em espaços urbanos abertos. Museus e galerias ainda o consideram arte marginal (SALES, 2007).

É notório que o graffiti vem cada vez mais tomando espaço dentro das grandes galerias de arte e museus. Grandes ícones dessa marca são Otávio e Gustavo Pandolfo conhecidos mundialmente como “os gêmeos“, cujos trabalhos podem ser vistos em diversas partes do mundo e

inclusive no Tate Modern, famoso museu de arte moderna em Londres.

Figura 3- Fachada do Tate Modern em Londres com trabalhos dos “Gêmeos” e “Nunca” Artistas do grafite brasileiros.

Ainda marginal, o graffiti começa a ocupar espaço também dentro dos ciclos fechados das instituições tradicionais de arte.

As características apontadas que aproximam o graffiti enquanto arte evidencia sua distinção com a pichação. Embora ambas sejam expressões artísticas vinculadas ao mundo da transgressão e tenham raízes similares, a pichação se difere quanto ao estilo e proposta ideológica. Na pichação, seu conteúdo não é tão rico quanto o do graffiti.

A pichação é uma espécie de tag (assinatura) e sua produção tem um caráter mais competitivo, sinalizando identidade e territorialidade; cada pichador tem seu próprio traço e tenta demarcar seu espaço imprimindo no mesmo a sua assinatura, chamando atenção mais pelo o local onde se picha do que propriamente pelo o que picha.

O caráter transgressor da pichação está mais centrado no local a se alcançar para pichar do que propriamente pelo seu teor, mesmo assim, com fundo político e social. A transgressão, na pichação, está centrada no fato de se apropriar de espaços privados. Com relação à auto-afirmação do jovem e do adolescente, isso fica implícito na competitividade entre pichadores e/ou grupo de pichadores que tentam se afirmar diante de todos pichando locais de difícil acesso e perigosos, tanto no sentido do risco físico como do aspecto jurídico penal.

Com exceções, o graffiti, por sua vez, é feito em espaços geralmente cedidos pelos donos, dessa forma, funcionando como uma espécie de mural, ou seja, ainda que se aproprie dos espaços urbanos ele tem o consentimento dos proprietários, não ferindo assim o patrimônio privado. Apesar da sua condição marginal, o graffiti tem sido apreciado como afresco. Esse tipo de questão suscita pensarmos nos movimentos

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por trás das obras. O estigma não está na obra em si, mas em seus autores.

Sobre a questão do patrimônio cultural a que se refere a lei 9.605, faz-se necessário entender o que é patrimônio cultural. Seguindo a linha de Carlos Lemos, por sua vez seguidor de Hugues de Varine Boham, podemos dizer que o Patrimônio Cultural se refere ao conjunto de elementos que abrangem três segmentos:

• Natural • Conhecimento (know how) • Bens culturais

Carlos Lemos nos diz que os bens culturais têm suma importância, pois os mesmos são um amalgama do conhecimento do homem transformado em artefato. Logo, cada artefato está intimamente ligado com o espaço e o tempo em que foi produzido, onde o sujeito criador tem consigo toda uma bagagem cultural e cognitiva para produção de tais artefatos. Assim, podemos concluir que toda a produção humana é de fato um patrimônio cultural, porém há entre esses os eleitos, os que são oficializados e assim legalmente preservados para posteridade.

Ainda que o graffiti, como vimos anteriormente seja uma forma de arte efêmera, isto é, suas gravuras tendem a ser substituídas por outras, pelos próprios autores, isto não significa que essa forma de expressão não possa ser encarada como um patrimônio cultural, pois como também vimos anteriormente essa arte pictórica tem antepassados ilustres e, portanto tem em si, todo um know how estilístico que advém da mistura das várias técnicas e motivos utilizados nas pinturas em paredes muito mais antigas do que o próprio surgimento do graffiti no século XX.

A oficialização de um artefato enquanto patrimônio cultural (que engloba todas as outras espécies de patrimônio) é feita através de conselhos onde são decididos o que deve ou não ser preservado em prol da memória, seja ela a de um grupo, de um bairro, de uma cidade ou até mesmo de um país. Esses conselhos geralmente são formados por profissionais de diversas áreas do conhecimento, mas encontramos certa ênfase no plano arquitetônico; percebemos uma tendência a preservar o patrimônio concreto deixando um tanto de lado o patrimônio imaterial, tal como as danças folclóricas, comidas típicas, contos entre outros de uma infinidade de possibilidades.

O COMPHAC (conselho municipal de preservação do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e cultural) da cidade de São José dos Campos é um desses órgãos responsáveis pela oficialização dos patrimônios. Devemos deixar claro que esse conselho não fica inerte dentro da sociedade, pois a mesma tem o direito e a

obrigação de acionar este e qualquer outro órgão de preservação para que se faça valer os interesses da população e preservar o que é de importante dentro de sua cultura e história.

Todavia, cabe aqui um apontamento interessante: dentro do site oficial do COMPHAC de São José dos Campos encontramos o link leis “leis” e este nos envia para uma página contendo a já referida lei 9.605 e com um grifo especial em vários artigos, mas no que nos interessa aqui neste momento, grifa também o artigo 65 que trata sobre grafite e pichação. Dentro de nossa discussão e, em se tratando de um órgão respeitado e de suma importância como o COMPHAC, percebemos as dificuldades de distinguir a arte do graffiti do simples vandalismo.

O patrimônio tem como meta preservar a memória. O graffiti, enquanto arte, enquanto cultura pode também ser encarado como um patrimônio cultural e, portanto, ser respeitado da mesma maneira.

Em geral os patrimônios oficiais têm muito pouco a ver com a grande população em si. Estão sempre mais ligados aos grupos hegemônicos e são símbolos de seu poder sobre a sociedade. Quanto à arte de rua dos grafiteiros, dos dançarinos de street dance e dos rapers por não estar enquadrada no que a elite chama de arte, por ser oriunda das periferias das cidades, a mesma dever ser sufocada? É óbvio que não! A cultura é um bem de todos e para todos. Todos têm direito a cultura, todos têm direito a preservar sua memória e por conseqüência seu patrimônio cultural seja ele oficial ou não.

Até 2007 a cidade de São Paulo vinha na vanguarda das cidades brasileiras com uma política liberal para grafiteiros e comunidades do Hip Hop, liberando a produção de graffitis em vários pontos de destaque na cidade e até mesmo propondo o dia nacional do grafite no dia 27 de março. Contudo, a atual administração através da lei cidade limpa, acabou retrocedendo em todos esses avanços. Outdoors, fachadas e qualquer outro tipo de propaganda visual foram restringidos, inclusive os grafites. Muitos foram literalmente apagados por equipes da prefeitura. Até mesmo obras dos já citados “gêmeos” também foram retiradas do cenário paulistano. Quando a prefeitura foi questionada sobre o assunto, afirmou que os funcionários não souberam diferenciar o graffiti dos demais objetos que deveriam ser apagados.

Exemplos como esses deixam claro que há carência de uma educação voltada para o patrimonial e cultural em todo o país.

Na cidade de São José dos Campos, palco específico de nosso objeto de análise, percebemos a carência de perspectivas mais sociais relacionadas à cultura. É fato que a cidade

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oferece lazer e diversão aos seus munícipes através dos parques, ações sociais e shows promovidos esporadicamente. No entanto, tudo isso dentro de parâmetros pré estabelecidos pela indústria cultural que diverte, mas também aliena. Em outras palavras, o movimento cultural espontâneo da população fica podado vindo à tona eventualmente nesta ou naquela festividade.

Com o graffiti não é diferente. Sua reprodução em espaços fora dos considerados próprios pelo município é passível de prisão e multa. A prefeitura alega que está fazendo cumprir a lei e assim se exime de sua responsabilidade social. Ora, se esse posicionamento do município é verdadeiro, qual a razão então dele próprio incentivar e ensinar a grafitar dentro das oficinas culturais?

De maneira nenhuma queremos afirmar que a cidade toda deva se tornar uma tela para produção dos grafiteiros, tampouco estamos dizendo que são necessárias áreas específicas para a produção do graffiti. O que estamos querendo enfatizar é a pressão do município sobre essa arte, onde nem mesmo os muros cedidos pelos próprios donos podem ser marcados pelas tintas do Hip Hop.

Uma matéria do jornal Valeparaibano do dia 29 de abril de 2009 apresentou duas posições com relação ao graffiti: a posição do prefeito de São José dos Campos e de dois grafiteiros. O representante do poder público alegou proibir o graffiti argumentado no que chamou formas de burlar as regras de cidadania, por possibilitar a poluição visual, o que engloba também outdoors e propagandas. No entanto, a própria matéria do jornal alegou que tais regras carecem de serem mais específicas, pois há sempre modos de se conciliar várias situações sem que cheguemos aos extremos.

Na mesma matéria os grafiteiros Diego de Souza Barbosa (Mickey) e Alexandre Corrêa de Souza (Alemck) se posicionaram a favor do prefeito Eduardo Cury, porém a fala dos mesmos reflete bem a condição dualista da cidade. As falas são sugestivas:

O evento Ação Juventude é um bom espaço para praticar, mas hoje, infelizmente, não temos onde aprimorar nossos desenhos (Mickey,2009). Me sinto estranho, pois no Ação Juventude, por exemplo, somos tratados como 'estrelas' e na rua como marginais" (Alemck, 2009).

O grafiteiro Mickey percebeu a necessidade de

um espaço delimitado pra produção do graffiti na cidade. Mas, por outro lado, pode-se inferir que essa forma de proteger o grafite o torna enclausurado. A liberdade de grafitar é inerente a

essa arte. Liberdade no sentido de que o cidadão que queira ter seu muro grafitado possa tê-lo e que o grafiteiro não fique restrito a este ou aquele espaço que lhe for dado pelo poder público. Ou seja, uma amplitude de espaço sem que com isso invada a privacidade de pessoas alheias.

Cremos que a questão da identidade da cidade está fortemente ligada à restrição do graffiti, pois existe um choque de interesses. Se voltarmos para a questão do patrimônio e da memória, a cidade tenta de várias maneiras, tais como as já aqui tratadas suplantar essas memórias. A imagem de uma cidade limpa e sem conflitos sociais ideal para política e propaganda só existe por de trás dos muros e ficam expostas quando o graffiti junto a tantas outras formas de expressão do ser social suburbano são praticados e dão vozes aos excluídos. Cada grupo social tem direito de procurar e manter vivas suas raízes e por conseqüência sua herança cultural.

Conclusão

O estigma de vandalismo do graffiti ainda mais acentuado pela lei 9.605/98 dá margens para que o Estado sufoque o movimento cultural do graffiti marginalizando seus praticantes. A questão cultural não analisada a fundo pelas autoridades públicas dificulta ainda mais a ascensão desse movimento das artes plásticas que apesar de tudo vem se destacando no cenário mundial com toda a força de seu conteúdo social e político tratado com sarcasmo e humor.

As grandes cidades brasileiras ainda carecem de maior verticalização na questão do graffiti dando maior liberdade de expressão às camadas menos favorecidas da sociedade percebendo assim que a arte não está apenas nos museus e galerias, mas também nas ruas e avenidas. Referências -ABREU, Marta. Cultura imaterial e patrimônio histórico nacional. In.: Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007

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