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2016 Orlando Fernandes Município da Póvoa de Lanhoso Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

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2016

Orlando Fernandes

Município da Póvoa de Lanhoso

Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

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Índice

1 – Localização Geográfica da freguesia de Garfe ......................................................... 3

2 – Evidências arqueológicas na freguesia de Garfe ...................................................... 3

3 – Contextualização histórico-arqueológica dos santuários rupestres ............................ 5

4 – Santuário rupestre de Garfe ..................................................................................... 7

5 – Santuários rupestres – interpretação à luz dos dados atuais ...................................... 8

6 – Intervenção autárquica no património cultural concelhio ......................................... 9

7 – Dinâmicas futuras para o santuário rupestre de Garfe ............................................ 11

8 – Bibliografia ........................................................................................................... 12

ANEXOS .................................................................................................................... 13

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

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1 – Localização Geográfica da freguesia de Garfe

O concelho da Póvoa de Lanhoso situa-se em pleno coração do Minho e, com uma área

de 130km2, está repartido por 22 freguesias, localizando-se geograficamente entre a

margem esquerda do rio Cávado e, maioritariamente, na margem direita do rio Ave.

Este concelho, que integra a sub-região do alto Ave, zona de montanha por excelência, é

caracterizado por pendentes declivosas, relevos acentuados, vales encaixados, com uma

exposição dominante ao quadrante norte, indiciador de uma zona fria e de clima

rigoroso.

A delimitar o concelho da Póvoa de Lanhoso estão os concelhos de Braga, Guimarães,

Fafe, Vieira do Minho e Amares.

A freguesia de Garfe, situada a cinco quilómetros da Póvoa de Lanhoso, encontra-se no

extremo sul do concelho, sendo juntamente com Sobradelo da Goma as únicas

freguesias situadas na margem esquerda do rio Ave.

Com aproximadamente 1000 habitantes, distribuídos por uma área de 5,44km2, Garfe é

das freguesias mais dinâmicas do concelho, com a realização anual dos já populares

presépios de Garfe, envolvendo todos os lugares da freguesia, bem como a realização de

outras atividades de cariz cultural.

2 – Evidências arqueológicas na freguesia de Garfe

A abundância de pequenos cursos hídricos, tributários do rio Ave, a fertilidade dos solos

e a cadeia montanhosa, repartida pelos concelhos da Póvoa de Lanhoso, Guimarães e

Fafe, apresentaram-se como fatores preponderantes para o assentamento e

desenvolvimento do povoamento na freguesia de Garfe desde, pelo menos, o I milénio

a.C., a julgar pelos vestígios de um povoado fortificado1, atribuível à Idade do Ferro,

situado no lugar de Castelo de Baixo (fig. 1).

1 Este sítio arqueológico foi referenciado por Armando Coelho na sua tese de doutoramento, sobre A Cultura

Castreja no Noroeste de Portugal, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1987. Porém,

este trabalho académico, apenas refere a existência de um povoado fortificado no Castelo de Baixo, não mencionando

qualquer espólio exumado. Para a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) os serviços de património, da Câmara

Municipal da Póvoa de Lanhoso, identificaram, no topónimo supramencionado, alinhamentos pétreos atribuíveis,

possivelmente, a estruturas domésticas, e um conjunto significativo de fragmentos cerâmicos micáceos, atribuível à

Idade do Ferro.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

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Os primeiros contactos diretos entre os romanos e as populações indígenas devem-se ao

general romano Decimus Iunus Brutus, entre 138 e 136 a.C.2. No decorrer dessas

invasões travaram-se inúmeras batalhas contra os habitantes castrejos, mas, por estarem

bem defendidos nos altos dos montes e protegidos pelas suas imponentes muralhas, nem

sempre a vitória romana foi fácil de alcançar. Todavia, o processo de romanização não

se resumiu apenas a episódios bélicos, terá sido, maioritariamente, consolidado através

de um sistema complexo de alianças entre invasor e autóctone.

Reveste-se de significativa importância, como sinal evidente da passagem dos romanos

pela freguesia de Garfe, a descoberta de uma necrópole romana, em janeiro de 1968, no

lugar de Salgueiros. Tratou-se de uma descoberta involuntária por parte dos

trabalhadores da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, quando procediam a uma

terraplenagem junto à escola primária, para a construção de uma cantina. Fruto deste

achado acidental, no mesmo mês, foi publicado no jornal Maria da Fonte a descoberta

de três valas de barro, tendo cada uma 5 metros de comprimento, 70 cms. de largura e

1,30 de altura, estando os vasos e ânfora num “caixão” de barro distanciados entre si

uns vinte centímetros3. No decorrer dos trabalhos surgiram pregos oxidados, vidros e

algumas contas de colar, entretanto desaparecidas.

Do espólio exumado, salienta-se uma pequena bilha e um púcaro que foram objeto de

estudo por parte de Helena Carvalho, da Unidade de Arqueologia da Universidade do

Minho4.

Após comparação com outras necrópoles de Bracara Augusta, a autora do artigo refere

que, pelo legado encontrado, esta necrópole esteve em uso desde o século I até finais do

século III d. C..

A construção de um santuário rupestre, vulgarmente conhecido por “Pia dos Mouros”,

ou “Penedos das Pias”, vem atestar, uma vez mais, a forte presença dos romanos nesta

freguesia. Este monumento implantado num afloramento rochoso apresenta uma forma

tendencialmente circular, em que no topo estão dispostos três tanques.

2 SILVA, Armando Coelho Ferreira, 2007, A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal, 2.ª Edição, Museu

Arqueológico da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira, pág. 51. 3 Jornal Maria da Fonte, janeiro, 1968.

4 CARVALHO, Helena Paula Abreu, 1991/1992, Materiais inéditos das necrópoles romanas de Garfe e Brunhais,

Póvoa de Lanhoso, Cadernos de Arqueologia, Série II, 8-9, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho,

Braga, pág.159-176.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

5

Francisco Martins Sarmento, ilustre arqueólogo vimaranense, entre 1878 e 1898,

efetuou inúmeras incursões científicas num território que corresponde ao Entre-Douro-

e-Minho, com o propósito de identificar vestígios da ocupação humana. Durante estas

duas décadas, de incansável procura dos nossos antepassados, o arqueólogo vertia as

suas notas para um caderno de apontamentos, sendo editadas posteriormente pela

Sociedade Martins Sarmento5.

Ao analisarmos estes preciosos apontamentos depreende-se que o arqueólogo

vimaranense tinha especial afeição por Garfe. Motivado pelos inúmeros vestígios

arqueológicos dispersos pela freguesia deslocou-se, mais que uma vez, a este local,

dando especial relevância às Pias dos Mouros, que lhe faziam lembrar os “lagos” de

Panóias, perto de Vila Real6.

Todas as deslocações eram muito bem documentadas e, o distinto arqueólogo, fazia-se

acompanhar por cicerones, muito conhecedores das antiguidades.

3 – Contextualização histórico-arqueológica dos santuários rupestres

O santuário rupestre de Garfe, descrito com alguma minúcia pelo Francisco Martins

Sarmento, enquadra-se num reduzido número de monumentos interpretados, até à data,

como espaços sagrados da Antiguidade Clássica, caracterizados por se identificarem

com grandes afloramentos rochosos, conotados com divindades veneradas pelos povos

indígenas.

Na área de influência da cultura castreja, a informação sobre a religião destes povoados

é deficitária. Mercê da epigrafia rupestre e fontes literárias, sabemos que estas

sociedades destacavam alguns aspectos relacionados com a guerra e alguns outros

sobre o seu carácter astral e naturalista, com divinização do Sol e da Lua, dos rios, das

águas, fontes, rios, montes, rochedos e outros seres e forças da natureza7.

Testemunho da romanização desses espaços sagrados é a existência de tanques

quadrangulares de vários tamanhos, sobre rochas ao ar livre, por vezes com inscrições

5 SARMENTO, Francisco Martins, 1999, Antíqua, Apontamentos de Arqueologia, Leitura, fixação do texto,

organização, apresentação e índices, António Amaro das Neves, Sociedade Martins Sarmento, Guimarães.

6 O arqueólogo vimaranense atribui a construção deste monumento aos romanos, comparando-o aos célebres “Lagos

de Panóias”. Contudo, a época de construção deste monumento ainda hoje é passível de discórdias.

7 SILVA, Armando Coelho Ferreira, 2007, A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal, 2.ª Edição, Museu

Arqueológico da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira, pág. 397.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

6

rupestres associadas. Um tanque de perfeita planta quadrangular escavado num duro

rochedo granítico pressupõe o conhecimento das técnicas de cantaria, no contexto do

chamado opus quadratum, ou seja, com ângulos rectos verificados a esquadro e o uso

do cinzel, instrumentos que só viriam a ser introduzidos pelos romanos no nosso

território…8.

Aponta-se a título de exemplo o santuário rupestre conhecido por Pias dos Mouros, na

freguesia de Argeriz, concelho de Valpaços, distrito de Vila Real. Neste espaço verifica-

se a existência de dois tanques dispostos paralelamente, no sentido nascente-poente, um

mais comprido que o outro. Neste monumento não existem molduras indicadoras de

aplicação de tampa, mas, em contrapartida, o rochedo em que se encontram escavados

apresenta aos lados, paralelamente, rebaixamentos cortados a cinzel. Estes têm sido

interpretados como escadas de acesso, mas na realidade serão encaixes para o apoio

horizontal de opera quadrata, silhares cantariados de um edifício sagrado que, na

época romana, ali teria sido construído para melhor delimitação do templum do

santuário9 (fig. 2).

Porém, o exemplo mais emblemático que ajuda a compreender e a estudar este tipo de

monumentos é o santuário rupestre de Panóias (fig.3), localizado na freguesia de Vale

de Nogueiras, concelho e distrito de Vila Real.

Esta estação arqueológica alicerça-se em três afloramentos rochosos, nos quais foram

talhados degraus e cavidades que parecem definir, no seu conjunto, um determinado

percurso; mas, sem dúvida, o mais importante é a presença, in situ, de várias inscrições

rupestres que descrevem uma sequência de procedimentos litúrgicos, através dos quais

sabemos para que serviam as cavidades a elas associadas10

.

Parte deste santuário rupestre teve origem, possivelmente, no período pré-romano,

atestado pelo acesso o terceiro afloramento, em que é realizado através de uma

sequência de nove degraus, de feição mais grosseira e irregular do que os existentes

nas outras rochas e que conduzem a cinco grandes cavidades rectangulares abertas no

8 MACIEL, Manuel Justino, Imagens de Arquitectura: Quadrata, Lacus e Laciculi nos santuários rupestres do

período romano em Portugal, Revista de História da Arte, Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pág. 26. 9 Idem, pág. 29. 10

SANTOS, Maria João Correia, 2010, Santuários rupestres no ocidente da Hispania indo-europeia. Ensaio de

tipologia e classificação, Palaeohispania 10, pág. 149.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

7

afloramento11

. Este monólito granítico situa-se na área mais elevada do recinto e com

amplo domínio visual sobre todo o conjunto rupestre.

Estes exemplos de grandes rochedos, apresentando tanques quadrangulares, ainda hoje

criam interrogações sobre a imagem, ou as imagens, que temos deste tipo de arquitetura,

se eram simples santuários em rocha ao ar livre, ou se estavam enquadrados dentro ou

entre construções mais ou menos influenciadas pela arquitectura clássica12

.

4 – Santuário rupestre de Garfe

Este monumento rupestre, rodeado de campos de cultivo e mato, situa-se numa encosta

de pendor suave voltada à ribeira de Teire, tributária do rio Ave. Localiza-se

administrativamente no lugar de Pena, freguesia de Garfe, concelho da Póvoa de

Lanhoso, distrito de Braga.

Implantado num afloramento granítico, de forma tendencialmente circular e superfície

arredondada, exibe no topo três tanques escavados: o maior em forma de T, apresenta

uma orientação de E-O, numa clara alusão ao nascimento-morte; o segundo, de menor

dimensão e menos profundo, ostenta uma forma retangular, e está paralelo ao primeiro;

o terceiro, e último, também retangular, foi construído perpendicularmente aos dois

primeiros.

Na vertente sul, do penedo, e na continuidade do terceiro tanque, são visíveis dois

degraus de acesso talhados, de uma forma grosseira, no afloramento, ligados a um

carreiro, desgastado pelo uso sistemático do monumento (fig. 4).

A face do penedo, voltada a oeste, foi intensionalmente rasgada a pico, de forma a criar

um altar.

Em alguns afloramentos da envolvente, apesar de cobertos pela densa vegetação, são

percetíveis entalhes e alinhamentos de outras estruturas, provavelmente relacionadas

com o santuário rupestre. Pelos motivos expostos anteriormente, pode-se depreender

que este espaço será maior e mais complexo (fig. 5).

11 Idem, pág. 150. 12 MACIEL, Manuel Justino, Imagens de Arquitectura: Quadrata, Lacus e Laciculi nos santuários rupestres do

período romano em Portugal, Revista de História da Arte, Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pág. 27.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

8

Até à presente data, devido à forte concentração de vegetação e musgo que cobre o

penedo, ainda não foi possível identificar inscrições rupestres. Esta possibilidade não é

posta de parte, mas só será possível corroborar a sua existência mediante uma

intervenção arqueológica.

A ausência de estudos aprofundados sobre este monumento, não nos permite aferir com

rigor a cronologia deste espaço. Através da comparação, com outros monumentos

similares, pode-se adiantar que, no caso das Pias dos Mouros de Garfe, pela

configuração dos tanques, em opus quadratum, sejam incluídos no contexto da

romanização da Península Ibérica.

5 – Santuários rupestres – interpretação à luz dos dados atuais

Estes espaços sagrados, caracterizados por se identificarem com grandes afloramentos

rochosos, são, por definição, um espaço onde a comunicação como o divino é possível.

Um lugar sagrado revela-se por si próprio e, mais do que as características físicas que

este possa apresentar – tais como a sua situação topográfica, a eventual presença de

eminentes afloramentos rochosos, nascentes ou cursos de água, determinadas espécies

vegetais que possam estar aí localizadas –, é o impacto emocional que a dada altura

desperta nos indivíduos que assinala a sacralidade. Por conseguinte, um lugar sagrado

nunca é escolhido: ele revela-se por si mesmo…13

.

Estrabão, célebre geografo e historiador grego, que nasceu por volta do ano 54 a.C., mas

residiu durante muitos anos em Roma, refere que, os lusitanos sacrificam

frequentemente aos deuses, examinam as entranhas sem as arrancar do corpo das

victimas, observam tambem as veias do peito, e tiram tambem certas indicações do

simples contacto. Consultam mesmo em certos casos as entranhas humanas, servindo-

se para isso dos prizioneiros de guerra, que revestem previamente do sagum para o

sacrifício, e quando a victima cahe com o ventre aberto pela mão do arúspice tiram o

primeiro presagio da propria queda do corpo. Muitas vezes tambem cortam a mão

direita aos captivos e as oferecem aos deuses14

.

13 SANTOS, Maria João Correia, 2010, Santuários rupestres no ocidente da Hispania indo-europeia. Ensaio de

tipologia e classificação, Palaeohispania 10, pág. 147. 14

PEREIRA, Gabriel, 1878, Descripção da Peninsula Iberica; Livro 3ª da Geographia de Strabão (1ª parte),

Associação dos Architetos e Archeologos Portugueses, e da Sociedade de Geographia de Lisboa, pág. 30.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

9

Fruto das informações que Estrabão recebia, dos mercadores e guerreiros romanos que

convergiam para Roma, sabemos que, estes montanheses…nos seus sacrifícios ao deus

Marte immolam tambem bodes, e os prisioneiros de guerra e cavallos… fazem

hecatombes de cada espécie de victima15

.

Pelas exímias descrições, deixadas por Estrabão, sabemos que os sacrifícios de animais,

e, por vezes, de seres humanos, já eram praticados pelos castrejos, sendo aceites e

englobados, posteriormente, pelos romanos no processo de aculturação.

Estes santuários, em rochas ao ar livre, estão ligados a estes rituais de sacrifício

confirmados, em alguns casos, pelas inscrições rupestres como é o caso do santuário de

Panóias, onde se lê: Aos deuses e deusas deste espaço sagrado. As vítimas, que caem

mortas, aqui, são imoladas. As entranhas são queimadas dentro dos reservatórios

quadrangulares que se encontram em frente16

.

Em suma, parece atestada a funcionalidade enquanto altares/tanques rituais de

sacrifício, purificação e iniciação.

Esta prática, da veneração dos penedos aos deuses indígenas, persistiu, pelo menos, até

ao séc. VI d.C., quando São Martinho de Dume critica os sacrifícos nos altos dos

montes e nos bosques frondosos, assim como a erecção de altares aos deuses onde lhes

sacrificavam sangue, não só de animais como até de homens, acreditando presidirem

aos rios, às fontes ou às florestas17

.

6 – Intervenção autárquica no património cultural concelhio

As autarquias, aos olhos da sociedade local, surgem como a instituição mais prestigiada

e como agente de poder efetivo de mudança, tendo capacidade para intervir no

território, mudar mentalidades, corrigir erros, formar e sensibilizar uma sociedade,

garantindo, desta forma, a melhoria dos estilos de vida dos grupos sociais locais e o

próprio desenvolvimento económico, essencial para a potencialização do crescimento

local.

15 Idem, pág. 30. 16 MACIEL, Manuel Justino, Imagens de Arquitectura: Quadrata, Lacus e Laciculi nos santuários rupestres do

período romano em Portugal, Revista de História da Arte, Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pág. 33. 17 MACIEL, Manuel Justino, Imagens de Arquitectura: Quadrata, Lacus e Laciculi nos santuários rupestres do

período romano em Portugal, Revista de História da Arte, Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pág. 36.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

10

Sendo o património cultural símbolo das identidades, saberes e particularidades, é

imperioso a sua proteção e valorização enquanto reflexo de um povo. É, por estas

razões, reconhecido como um produto local de forte valor, sendo, assim, necessário a

sua proteção, que não pode restringir-se ao poder público, mas sim envolver ativamente

a sociedade civil, porque o homem é o primeiro interveniente nas situações de

emergência, necessárias à preservação da nossa herança cultural.

A correta gestão do património cultural faz com que exista um fortalecimento da

imagem de qualidade do território. Desta forma, devemos potencializar os recursos

endógenos existentes, como fator de desenvolvimento local, porque uma comunidade

desenvolve-se à medida que impulsiona as suas potencialidades, não somente

económicas, mas culturais e sociais18

.

Posto isto, o município da Póvoa de Lanhoso entende que é fundamental uma correta

gestão e valorização da riqueza patrimonial concelhia, apostando em ações concertadas

e articulando sinergias entre os vários agentes locais, permitindo, desta forma, a

preservação, salvaguarda e promoção do nosso legado histórico, garantindo o

enriquecimento contínuo da nossa identidade, potenciando, por outro lado, o

desenvolvimento económico.

Assim, a Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso encetou contactos com o atual

proprietário do santuário rupestre de Garfe com o propósito de estabelecer uma permuta

referente à área envolvente ao monumento, suficiente para a sua interpretação científica,

e de um acesso pedonal (fig. 6), para a alçada do município, porque pela sua relevância

arqueológica, enquanto monumento fulcral para o entendimento das práticas pagãs dos

nossos antepassados, a sua inclusão nos domínios da autarquia permitirá alavancar este

sítio arqueológico ímpar, possibilitando a implementação de um conjunto de estratégias

diferenciadoras capazes de o potencializar, permitindo, por outro lado, o

desenvolvimento cultural e turístico do concelho da Póvoa de Lanhoso.

18

LOURENÇO, Elsa Catarina Petinga, Autarquias e Turismo: Estratégias e programação para a geração de

dinâmicas de desenvolvimento local: o caso da Golegã, Instituto Politécnico de Tomar, Tomar, pág. 28.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

11

7 – Dinâmicas futuras para o santuário rupestre de Garfe

Concluída a permuta, entre o atual proprietário das Pias dos Mouros e a Câmara

Municipal da Póvoa de Lanhoso, pretende-se implementar um conjunto de dinâmicas

que, além da preservação, visem a potencialização e valorização cultural e turística

deste espaço arqueológico, como sejam:

- Intervenções arqueológicas, estabelecendo parcerias com Universidades;

- Musealização, garantindo a integridade e prossecução do monumento, para a fruição

pública das gerações vindouras;

- Interpretação do santuário rupestre, recorrendo a painéis informativos;

- Divulgação turística, através da criação de desdobráveis e inclusão nos roteiros do

Turismo do Porto e Norte de Portugal;

- Dinamização de serviços educativos;

- Promoção de visitas guiadas;

- Criação de um Roteiro Arqueológico, pela freguesia de Garfe, tendo em conta quatro

sítios: Santuário rupestre de Garfe, Castro do Castelo de Baixo, penedo das Pucarinhas e

vestígios da capela da Srª do Monte;

- Publicação dos resultados da escavação arqueológica;

- Colóquio sobre as práticas pagãs, no contexto da romanização da Península Ibérica;

- Disponibilizar a história e uma visualização 3D do santuário, no site da Câmara

Municipal da Póvoa de Lanhoso;

- Criação de uma linha de Merchandising;

- Recriações históricas, que visem as crenças e os atos praticados na Pia dos Mouros;

- Criar um pequeno centro interpretativo, caso se justifique.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

12

8 – Bibliografia

CARVALHO, Helena Paula Abreu, 1991/1992, Materiais inéditos das necrópoles

romanas de Garfe e Brunhais, Póvoa de Lanhoso, Cadernos de Arqueologia, Série II, 8-

9, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Braga.

Jornal Maria da Fonte, janeiro, 1968.

LOURENÇO, Elsa Catarina Petinga, Autarquias e Turismo: Estratégias e programação

para a geração de dinâmicas de desenvolvimento local: o caso da Golegã, Instituto

Politécnico de Tomar, Tomar.

MACIEL, Manuel Justino, Imagens de Arquitectura: Quadrata, Lacus e Laciculi nos

santuários rupestres do período romano em Portugal, Revista de História da Arte,

Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da

Universidade Nova de Lisboa.

PEREIRA, Gabriel, 1878, Descripção da Peninsula Iberica; Livro 3ª da Geographia de

Strabão (1ª parte), Associação dos Architetos e Archeologos Portugueses, e da

Sociedade de Geographia de Lisboa.

SANTOS, Maria João Correia, 2010, Santuários rupestres no ocidente da Hispania

indo-europeia. Ensaio de tipologia e classificação, Palaeohispania 10.

SARMENTO, Francisco Martins, 1999, Antíqua, Apontamentos de Arqueologia,

Leitura, fixação do texto, organização, apresentação e índices, António Amaro das

Neves, Sociedade Martins Sarmento, Guimarães.

SILVA, Armando Coelho Ferreira, 2007, A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal,

2.ª Edição, Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

13

ANEXOS

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

14

Figura 1 – Vista sobre o monte do Castelo de Baixo, onde foi identificado um povoado

da Idade do Ferro.

Figura 2 – Pias dos Mouros de Argeriz, concelho de Valpaços. Na parte superior do

monumento são evidentes os dois tanques em opus quadratum.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

15

Figura 3 – Santuário rupestre de Panóias, concelho e distrito de Vila Real.

Figura 4 – Vista geral do santuário rupestre de Garfe.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

16

Figura 5 – Cavidade em opus quadratum, nas imediações do santuário rupestre de

Garfe.

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Santuário rupestre de Garfe, Póvoa de Lanhoso

17

Fig. 6 – Delimitação da área do monumento e respetivo acesso pedonal.