santos, francisco josé leitão dos. a universidade da aviação civil

56
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA FRANCISCO JOSÉ LEITÃO DOS SANTOS A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL: entidade pública de ensino de excelência Rio de Janeiro 2012

Upload: vonga

Post on 07-Jan-2017

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

FRANCISCO JOSÉ LEITÃO DOS SANTOS

A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL:

entidade pública de ensino de excelência

Rio de Janeiro 2012

Page 2: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

FRANCISCO JOSÉ LEITÃO DOS SANTOS

A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL:

entidade pública de ensino de excelência Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Eng Aer R/1 Osvaldo Albuquerque

Fonseca

Rio de Janeiro 2012

Page 3: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

C2012 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________

Francisco José Leitão dos Santos

Biblioteca General Cordeiro de Farias SANTOS, Francisco José Leitão dos

A universidade da aviação civil: entidade pública de ensino de excelência / Especialista em Regulação da Aviação Civil Francisco José Leitão dos Santos. Rio de Janeiro: ESG, 2012.

54 f.

Orientador: Cel Eng. Aer R/1 Osvaldo Albuquerque Fonseca Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012.

1 Infraestrutura para o desenvolvimento. 2. Capacitação profissional. 3. Aviação civil. I. A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL: entidade pública de ensino de excelência.

Page 4: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

Para os crentes,

Deus está no princípio das coisas.

Para os cientistas, no final de toda reflexão.

Max Planck

Page 5: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

AGRADECIMENTOS

Ao Cel Int Aer Gilberto Barros Santos por acreditar e por incentivar a minha

participação no CAEPE 2012.

À Professora Doutora Maria Célia Barbosa Reis da Silva e à Ten Cel Aer Jaqueline

Barradas pela dedicação e pelo apoio carinhoso na realização deste Trabalho de Conclusão

de Curso.

Ao Corpo Docente da Escola Superior de Guerra - ESG pela eficiente condução do

CAEPE 2012.

Ao Orientador Cel Eng Aer R/1 Osvaldo Albuquerque Fonseca por dividir comigo

sua vasta experiência na administração do Sistema de Aviação Civil

Page 6: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

Aquele que quer voar um dia precisa primeiro

aprender a ficar de pé, caminhar, correr, escalar

e dançar, ninguém consegue voar só

aprendendo voo.

Friedrich Nietzsche

Page 7: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

RESUMO

Esta monografia trata da Infraestrutura para o desenvolvimento do Brasil,

enfatizando a capacitação profissional para a Aviação Civil. O objetivo deste estudo

é identificar os óbices que impedem a formação de excelência do profissional de

aviação no Brasil, que precisa tornar-se coerente com os modernos recursos

tecnológicos que equipam as aeronaves fabricadas atualmente pela indústria

brasileira e mundial. Partindo do diagnóstico da situação atual do Sistema de

Aviação Civil e de suas entidades de ensino, buscaram-se ações positivas que

possam assegurar a elevação da qualidade da formação profissional do pessoal da

aviação civil. A metodologia adotada comportou pesquisa bibliográfica e documental,

buscando referências teóricas e identificando na legislação os requisitos para a

concessão de habilitações para pilotos e a capacidade das entidades de ensino do

Sistema de Aviação Civil de suprir a demanda por profissionais pelo mercado, no

que se referir à qualidade e, também, à quantidade daqueles profissionais. A

Conclusão indicou a possibilidade real de que se consiga garantir, simultaneamente,

através de recursos financeiros gerados pela aviação civil, a melhoria da segurança

do transporte aéreo, a formação de reserva mobilizável qualificada para a Força

Aérea Brasileira e formação de excelência para o pessoal da aviação civil, e

consequentemente, a formação de importante base de infraestrutura para o

desenvolvimento.

Palavras chave: Infraestrutura para o desenvolvimento. Capacitação profissional.

Aviação civil.

Page 8: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

ABSTRACT

This paper discusses Brazil's economic development framework, with emphasis on

the training environment for local civil aviation professionals. The study aims to

identify the structural obstacles which prevent the development of top-notch Brazilian

civil aviation professionals, whose existing skills are inconsistent with the state-of-the-

art technological resources that currently equip the aircraft manufactured by Brazilian

and global aerospace firms. The paper features a comprehensive analysis of the

state of Brazil's Civil Aviation System (SAC) and extracts proactive solutions to

ensure the improvement of both scope and scale of training for civil aviation

personnel. The adopted methodology encompasses primary and secondary research

on pilot-licensing legislation as well as on the capacities of the existing educational

institutions of the Civil Aviation System to supply the increasing demand for skilled

aviation professionals in the Brazilian market The conclusion indicates the real

possibility to reinvest the funds generated by the civil aviation industry to attain

tangible improvements in air transport safety standards, to develop a qualified home-

grown training staff, to provide key reserve personnel for the Brazilian Air Force and

to provide a fundamental launching pad for Brazil's development framework.

Keywords: Development Framework. Professionals Training. Civil Aviation.

Page 9: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANAC Agência Nacional da Aviação Civil

DAC Departamento de Aviação Civil

EFOMM Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante-

EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FADEC Sistema Automático de Partida e Gerenciamento dos Motores

FMS Flight Management System (Sistema de Gerenciamento de Voo)

GPS Global Position System (Navegação por Satélite),

GPS Sistema de Navegação Referenciado em Sinais Oriundos de Satélites

ICAO International Civil Aviation Organization (Organização da Aviação Civil Internacional)

IFR Instrument Flight Rules (Regras de Voo por Instrumentos)

IFRH Instruments Flight Rules – Helicopter (Habilitação para Voo em Condições Meteorológicas Adversas em Helicóptero).

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

NASA National Aeronautics and Space Administration (Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço)

NBAA National Business Aviation Association (Associação dos Operadores da Aviação Executiva)

OACI Organização de Aviação Civil Internacional

PANAIR Pan American Airways (Linhas Aéreas Pan-Americanas)

RBAC Regulamento Brasileiro de Aviação Civil

RBHA Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica

VANT Veículos Aéreos Não Tripulados

Varig Viação Aérea Rio Grandense

VLJ Very Light Jets (Jato Super Leve)

Page 10: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 A AVIAÇÃO NO BRASIL ............................................................................... 11 2.1 BREVE HISTÓRICO ............................................................................................. 11

2.2 OS PRIMEIROS PASSOS DA AVIAÇÃO NO BRASIL ...................................... 11

2.3 A VISÃO BRASILEIRA DO EMPREGO DO PODER AEROESPACIAL ......... 17 3 A CONFERÊNCIA DE CHICAGO .................................................................. 19

4 O SISTEMA ATUAL ................................................................................................. 24 4.1 AS ESCOLAS DE AVIAÇÃO CIVIL ................................................................ 24 4.2 A INSTRUÇÃO DE VOO ................................................................................ 26 4.3 A QUALIDADE DE FORMAÇÃO E SEUS ÓBICES ....................................... 27 5 OS DESAFIOS ............................................................................................... 31 5.1 AS PROJEÇÕES DA BOEING ....................................................................... 31 5.2 O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL .................................................. 33 5.3 O DESAFIO TECNOLÓGICO: NOVOS TIPOS DE AERONAVES ................. 34 5.4 FORMAÇÃO E AVALIAÇÃO DOS PILOTOS DE VLJ .................................... 36 5.5 O DESAFIO DO PRÉ-SAL E A DEMANDA POR PILOTOS DE HELICÓPTERO .............................................................................................. 39 5.6 REQUISITOS MÍNIMOS PARA OPERAR NAS PLATAFORMAS .................. 41 5.7 O DESAFIO DA CRESCENTE DEMANDA .................................................... 41 6 OS FATORES HUMANOS E OS ACIDENTES NA AVIAÇÃO ...................... 43 7 A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL ....................................................... 45 7.1 OS MODELOS DE SUCESSO ....................................................................... 47 7.1.1 O Modelo Marinha Mercante ........................................................................ 47 7.1.2 O Modelo Força Aérea .................................................................................. 48 7.1.3 O Modelo Norte-Americano ......................................................................... 49 8 CONCLUSÃO ................................................................................................. 51

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 53

Page 11: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

10

1 INTRODUÇÂO

A primeira organização de aviação no Brasil nasceu na forma de

aeroclube, logo após o final da primeira década do século XX, e permanece em

atividade até os dias de hoje, sem que tenha acompanhado a evolução

tecnológica da aviação e sem mostrar sinais de que tenha capacidade de futura

evolução.

O crescimento econômico dos últimos anos trouxe ao mercado novos

consumidores que anteriormente não dispunham de potencial econômico-

financeiro para a utilização do avião como meio de transporte. Simultaneamente,

a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo da camada do pré-sal,

acena com uma explosão da demanda pelo transporte aéreo público entre o litoral

e as plataformas de exploração distantes em média 250 km, às quais somente

helicópteros de última geração têm autonomia para alcançar.

A Empresa Brasileira de Aeronáutica acaba de lançar um novo conceito

de transporte executivo, que, pelo aparato tecnológico embarcado, permite que

um único piloto possa ser responsável por sua operação. Enquanto isso, o

sistema de adestramento da aviação civil permanece baseado em escolas de

aviação e aeroclubes que dispõem de pouca capacidade financeira de investir em

aeronaves modernas, em simuladores e até em manter instrutores.

Como o país vai responder a tamanhos desafios? Como capacitar

profissionais para as diversas funções envolvidas na operação de aeronaves tão

complexas? Como melhorar os índices de segurança da aviação brasileira e

cumprir os compromissos assumidos perante a comunidade internacional na

Convenção de Chicago?

O Sistema de Aviação Civil e suas instituições de ensino possuem

estrutura para responder quantitativamente e qualitativamente à demanda por

profissionais especializados?

Há soluções possíveis para tantos problemas? A importação de pessoal

qualificado é uma solução?

O Brasil não pode prescindir da aviação civil e, em vista do exposto,

propõem-se soluções para melhorar a formação de pessoal e simultaneamente

melhorar a segurança operacional (segurança de voo).

Page 12: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

11

2 A AVIAÇÃO NO BRASIL

2.1 BREVE HISTÓRICO

Voar sempre foi um sonho do homem, que desejava experimentar a

liberdade desfrutada pelos pássaros. A mitologia grega retrata esse desejo

através da lenda de Dédalo e seu filho Ícaro, para quem Dédalo construiu asas

feitas de penas de pássaros, que foram coladas com cera. Ícaro foi orientado a

não voar muito alto, de forma que não se aproximasse do sol, para evitar que a

cera derretesse e nem voar perto do mar para que as asas não se tornassem

pesadas. Conta a lenda que Ícaro desobedeceu seu pai e teve derretida a cera

que prendia as penas de suas asas e caiu, afogando-se no Mar Egeu (INCAER,

1990).

A história da humanidade reporta que vários gênios sonharam com a

conquista dos ares: Leonardo da Vinci, Bartolomeu de Gusmão e outros grandes

visionários. Entretanto, somente no final do século XIX as experiências

intensificaram-se, principalmente, as experiências com balões dirigíveis.

Coube ao brasileiro Alberto Santos Dumont a primazia de voar com um

veículo mais pesado que o ar. Em 23 de outubro de 1906, no Campo de

Bagatelle, em Paris, na França voou por 60 metros a uma altura de

aproximadamente 2 metros.

2.2 OS PRIMEIROS PASSOS DA AVIAÇÃO BRASILEIRA

A obra A história geral da Aeronáutica Brasileira, resultado de extensa

pesquisa promovida pelo Instituto Histórico Cultural da Aeronáutica (INCAER),

lançado no ano de 1990, cita que a primeira organização de aviação, no Brasil, foi

fundada no dia 14 de outubro de 1911: o Aeroclube do Brasil, órgão que foi

decisivo para a difusão do entusiasmo pela aviação no Brasil. A área escolhida

para ser a sede do clube foi a Fazenda dos Afonsos, situada na zona suburbana

da cidade do Rio de Janeiro e próxima à Vila Militar de Deodoro, que foi cedida

pelo Presidente da República Hermes Rodrigues da Fonseca. Alberto Santos

Dumont foi escolhido como presidente honorário, enquanto o Almirante José

Page 13: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

12

Carlos de Carvalho foi eleito presidente efetivo, em assembleia realizada na sede

do jornal A Noite, gentilmente cedida pelo seu diretor Irineu Marinho, grande

entusiasta da aviação e incentivador do Aeroclube. (INCAER, 1990)

O clamor da sociedade brasileira para que se criasse a aviação brasileira

de guerra, capaz de garantir segurança e soberania à nação, crescia através da

adesão de cidadãos civis e militares.

A direção do Aeroclube do Brasil iniciou campanha para levantamento de

fundos, mediante subscrição pública, em todo o país. Em 1912, com os recursos

obtidos na campanha, foi possível a criação da Escola de Aviação do Aeroclube,

vinculada ao Aeroclube do Brasil, que teve como primeiro diretor o Tenente

Ricardo Kirk, primeiro aviador do exército e que havia sido brevetado na França

em outubro de 1912. A formação de pilotos civis e militares foi o maior objetivo da

primeira entidade de ensino da aviação brasileira (INCAER, 1990).

Em 1914, o Aeroclube cedeu duas aeronaves ao Exército Brasileiro, para

a realização de missões de reconhecimento, em apoio às tropas federais na

Guerra do Contestado. Nesse conflito, faleceu o tenente Ricardo Kirk, tornando-

se, assim, a primeira vítima de acidente aéreo da aviação militar no Brasil.

Ainda em 1914, o Exército Brasileiro inaugurou o primeiro curso de piloto

militar do Brasil, incentivado pelo General Vespasiano Gonçalves de Albuquerque

e Silva, Ministro da Guerra. O local escolhido foi a Fazenda dos Afonsos, onde já

funcionava o Aeroclube do Brasil, tendo a Marinha do Brasil matriculado 25

oficiais, dentre os primeiros 60 alunos. Esse curso deu origem à Escola Brasileira

de Aviação.

Em 1916, o Ministro da Marinha do Brasil, Almirante Alexandrino Faria de

Alencar, inspirado pelos êxitos alcançados pela Marinha dos Estados Unidos da

América e sua Aviação Naval, influenciou o Presidente da República Wenceslau

Brás a criar a Escola de Aviação Naval, com sede na Ilha das Cobras, na cidade

do Rio de Janeiro, sendo esta a terceira escola de aviação do Brasil que, por ter

sido criada durante a Primeira Grande Guerra, foi a pioneira na preparação de

pilotos para o uso do avião como plataforma bélica, para a execução de missões

de defesa, reconhecimento estratégico e de combate aéreo. Ainda em 1916, após

o término da Guerra do Contestado, os aviões cedidos ao Exército são

recuperados e a instrução de voo é retomada pela Escola de Aviação do

Page 14: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

13

Aeroclube do Brasil, com uma nova turma composta de sete alunos civis e dois

alunos militares.

Como consequência da eclosão da Primeira Grande Guerra, e devido às

dificuldades impostas à importação de componentes aeronáuticos, de aeronaves,

e de mão de obra especializada, a Escola Brasileira de Aviação, a primeira a

funcionar com recursos públicos, teve suas atividades paralisadas, enquanto a

Escola de Aviação Naval dispunha, apenas, de três hidroplanos Curtiss, no início

do ano de 1917. Essa estagnação representou grande óbice ao desenvolvimento

da aviação no nosso país.

Ainda em 1917, o ataque a navios mercantes brasileiros, por submarinos

alemães, levou o Presidente Wenceslau Brás a reconhecer o estado de guerra,

com consequências diretas para a aviação brasileira. O Exército Brasileiro criou o

Serviço Geral da Aviação. O Congresso Nacional instituiu o Serviço de Defesa

das Costas e Fronteira do Brasil por meio de Engenhos Aéreos, a cargo da

Marinha do Brasil, com o objetivo de realizar o patrulhamento aéreo do litoral e

evitar novos ataques. A sociedade civil mobilizou-se, liderada pela diretoria do

Aeroclube do Brasil, através de uma campanha pelo renascimento da Aviação

Nacional, a qual conseguiu arrecadar recursos para aquisição de aeronaves para

instrução de novos pilotos, assim como para aquisição de aeronaves militares.

Ao final do primeiro grande conflito mundial, em novembro de 1918, a

Marinha do Brasil, que enviara aviadores navais para treinamento de patrulha

aérea junto à Marinha Real Britânica, já dispunha de 33 aeronaves, entre aviões

de instrução, bombardeio e reconhecimento, demonstrando assim o sucesso da

campanha nacional pelo renascimento da Aviação Nacional.

Em 1921, o Presidente Epitácio Pessoa estabelecia duas linhas de

navegação aérea entre as cidades de Rio de Janeiro e Porto Alegre, com o

objetivo de defesa da costa, a cargo do Ministério da Marinha, que definiu o

patrulhamento aéreo do litoral como sendo a missão principal da aviação naval.

Em consequência, foram construídos os Centros de Aviação Naval da Ponta do

Galeão, na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro; o de Santos, no

litoral do Estado de São Paulo; e o de Florianópolis, no litoral de Santa Catarina.

A criação desses centros provocou o aumento, substancial, do quadro de pilotos

e, assim, em 1922, a Escola de Aviação Naval passou a formar aviadores civis

Page 15: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

14

para o corpo temporário. Os oficiais do Corpo Temporário da Marinha

permaneceriam no posto de segundo tenente do quadro de aviadores, pelo prazo

mínimo de 5 anos, em serviço militar ativo, propiciando, desta forma, um efetivo

jovem que atenderia às necessidades da Aviação Naval e representaria o início

de formação de contingente mobilizável para a reserva da Aviação Naval e,

simultaneamente, formaria profissionais para eventual aproveitamento na Aviação

Civil, enquanto os oficiais de carreira, formados no curso regular da Escola de

Aviação Naval passariam a integrar o quadro permanente.

Em dezembro de 1926, como forma de minimizar a carência de pilotos no

Brasil, os civis brevetados pelo Aeroclube do Brasil, os oficiais reformados ou

demissionários passaram a integrar o Corpo de Oficiais da Reserva Aérea.

Com o falecimento do Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino Faria de

Alencar, responsável pelo desenvolvimento e progresso da Aviação Naval, em

especial, e pela Aviação Brasileira no geral, a Escola de Aviação Naval formou a

última turma em 1927.

Simultaneamente à Aviação Naval, a Aviação do Exército, também,

experimentou grande desenvolvimento, destacadamente, a partir da criação do

Grupo de Aviação do Sul, sediado na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do

Sul, em 1922.

Ainda em 1927, foi criada a quinta arma do Exército, a Aviação, ao lado

da Infantaria, da Cavalaria, da Artilharia e da Engenharia, o que representava a

confirmação do valor e a força da aviação, com regulamentos e doutrina próprios,

e sua aplicação em cenários conflituosos.

A criação do Corpo de Aviação da Marinha, em 1931, a criação da quinta

arma do Exército, em 1927, além da exigência estabelecida pelo Ministério da

Viação e Obras Públicas de que, a partir de 1933, todas as aeronaves com

matrícula brasileira, efetuando transporte aéreo, fossem tripuladas por brasileiros,

serviram para fomentar a aviação civil, com um imediato aumento do número de

candidatos à carreira, incentivados pelas perspectivas de ascensão profissional

possibilitadas pelos novos quadros de oficiais aviadores no Exército e na Marinha

inclusive, e pela migração de pilotos com formação militar para a prestação de

serviços na aviação civil (INCAER, 1990).

Page 16: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

15

Na década de 1930, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas

(1930/1945), houve grande impulso ao processo de industrialização do Brasil, por

meio de privilégios às indústrias nacionais e diminuição da dependência externa,

além de medidas protecionistas, investimento em infraestrutura e regulamentação

do mercado de trabalho.1

A aviação, de uma maneira geral, foi beneficiada com os novos

incentivos. A Varig (Viação Aérea Rio Grandense), que havia sido fundada em

1927, a Condor, fundada no mesmo ano, e a Panair, fundada em 1929,

experimentaram significativo crescimento.

O desenvolvimento da aviação brasileira na década de 30 propiciou o

fortalecimento da teoria de emancipação do poder aéreo e a formulação de

estratégias de emprego de meios aéreos de forma independente. Nas forças

armadas, o pensamento de unificação das aviações do Exército e da Marinha

começava a ser debatido com intensidade, por influência das ideias de alguns

visionários, como, por exemplo, as do General italiano Giulio Dohet (1868/1930),

considerado ‘o profeta da guerra aérea’, que havia lançado, em 1921, o livro

intitulado O domínio do ar.

Giulio Douhet, que era oficial da arma de artilharia, sofreu severa

oposição dos estrategistas do Exército e da Marinha por ter defendido que os

meios aéreos deveriam ser disponibilizados sob comando único e argumentava:

Várias vezes fiz a seguinte pergunta aos meus oponentes do Exército e da Marinha: O que aconteceria a um exército ou esquadra obrigados a operar contra um inimigo que tivesse o domínio do ar? Nunca consegui obter uma resposta explícita a essa pergunta. (apud SANTOS, 1989, p. 45)

Douhet, também, lançou o conceito-chave que corresponde à

supremacia aérea. Segundo suas previsões, as guerras futuras consistiriam no

controle do espaço aéreo, tanto para usá-lo com liberdade, como para impedir

que o inimigo pudesse fazê-lo. “[...] Dominar o ar significa estar em condições de

impedir o voo do inimigo, ao mesmo tempo em que se garante esta faculdade

para nós mesmos” (DOUHET, 1921, p.48).

1 Para maiores informações, consultar Cultura Brasil. Disponível em:

<www.culturabrasil.org/desenvolvimentismo.htm>. Acesso em: 09 jun. 2012.

Page 17: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

16

Simultaneamente ao pensamento do General italiano Giulio Douhet, nos

Estados Unidos da América, crescia o sentimento de que a criação de uma força

aérea independente da Força Naval e da Força Terrestre deveria ser incentivada.

Em ambiente diferente daquele vivido pelo General Douhet, mas não menos

hostil, William Mitchell, originariamente oficial de infantaria do Exército norte-

americano, tornou-se defensor da organização autônoma da Força Aérea.

Mitchell, a exemplo de Douhet, sofreu enorme oposição dos militares americanos,

tendo sido submetido à Corte Marcial e apenado com cinco anos de suspensão

de suas funções de Assistente Chefe da Aviação, quando já havia sido promovido

ao posto de General e publicado vários livros sobre a autonomia de uma futura

Força Aérea. Vale destacar que William Mitchell havia participado da Primeira

Grande Guerra, quando foi enviado à Europa e conheceu a situação da aviação

militar de vários países, e, principalmente, a situação da aviação militar britânica.

O Reino Unido, em 1918, criou a Royal Air Force, após ter, em 1917, sua

capital Londres castigada por massivos bombardeios empreendidos pelos

alemães. Lá, outro General, originariamente oficial de infantaria, Hugh Trenchard,

foi o responsável pela organização da Royal Air Force, resultado da fusão das

aviações da Marinha e do Exército britânicos, com o apoio de Sir Winston

Churchil que havia assumido o cargo de Ministro da Defesa. Na ocasião, Churchil

declarou:

Para o bem ou para o mal, o domínio do ar tornou-se a suprema expressão do poder militar, e o Exército e a Armada, embora necessários e importantes, devem aceitar um papel subordinado. Esta é uma conquista memorável na marcha do homem. (apud, SANTOS, 1989, p. 63).

A presença decisiva da Aviação em todas as frentes de combate na

Segunda Grande Guerra levou a vitória àqueles que argumentavam em favor da

criação de uma força aérea autônoma, também no Brasil. A imprensa e a maioria

dos oficiais aviadores da Marinha e do Exército eram favoráveis à unificação das

Aviações Naval e Militar.

Em 20 de janeiro de 1941, através do Decreto Lei nº 2.961, o Presidente

Getúlio Vargas criou o Ministério da Aeronáutica, nomeando Joaquim Salgado

Filho como o primeiro titular da pasta. O Ministério da Aeronáutica nasceu como

órgão central de planejamento, coordenação, controle e emprego do Poder Aéreo,

Page 18: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

17

além da administração da Aviação Civil, da Infraestrutura Aeronáutica e a

Indústria Aeronáutica.

2.3 A VISÃO BRASILEIRA DO EMPREGO DO PODER AEROESPACIAL

Com a criação do Ministério da Aeronáutica configurava uma integração

que se poderia chamar de ‘mentalidade aeronáutica única’ (SANTOS, 1989). A

concepção integrada do emprego dos meios aéreos da Aviação Naval, dos meios

aéreos da Aviação Militar e a subordinação das atividades da Aviação Civil

significaram benefícios doutrinários quanto aos seguintes aspectos: o papel da

Aviação Civil como fator de mobilização dos meios; a necessidade de

investimentos em pesquisa para a busca de independência na obtenção de

equipamentos e meios aéreos; a participação brasileira na criação da

Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), a partir da Convenção de

Chicago em 1944 que nos ensejou acompanhar a evolução das normas de

navegação aérea internacional.

O conceito de Poder Aeroespacial, como componente do Poder Nacional,

foi extraído dos fundamentos axiológicos debatidos na Escola Superior de Guerra:

“Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto de homens e meios que

constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em

conformidade com a Vontade Nacional” (ESG, 2009).

Com efeito, para satisfazer às necessidades, aos interesses e às

aspirações nacionais, que se traduzem como objetivos, o cidadão brasileiro,

movido por sua vontade, deve utilizar-se de meios adequados e disponíveis. Entre

os Objetivos Fundamentais da Nação Brasileira estão a Integração Nacional e a

Soberania, assim, o Poder Aeroespacial Brasileiro é a capacidade resultante da

integração dos recursos (Força Aérea, Aviação Civil, Infraestrutura Aeroespacial,

Indústria Aeronáutica e Complexo Científico-tecnológico Aeroespacial), para

alcançar e manter, entre outros Objetivos Fundamentais, a Soberania e a

Integração Nacionais em conformidade com a vontade do nosso povo.

Vale ainda comentar que culturalmente a Aviação Civil e a Aviação Militar

brasileiras, desde a fundação do Aeroclube do Brasil, sempre estiveram ligadas.

Preservar o constante intercâmbio entre os pilotos civis e militares é altamente

Page 19: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

18

desejável e, esse saudável intercâmbio faz parte da nossa cultura aeronáutica. A

criação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) e a consequente

desvinculação da Aviação Civil do Departamento de Aviação Civil (DAC)

administrado pela Força Aérea Brasileira, não deve impedir a interação e

colaboração entre esses dois importantes elos do Poder Aeroespacial Brasileiro.

Page 20: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

19

3 CONFERÊNCIA DE CHICAGO

Com o término da Segunda Grande Guerra, inspirados pelo ideal de

contribuir para criar e preservar a amizade e o entendimento entre as nações e os

povos do mundo, com o firme propósito de evitar conflitos e promover a paz

mundial através do desenvolvimento da Aviação Civil Internacional, reuniram-se,

em Chicago, representantes de 52 Estados para uma conferência que resultou na

aprovação da Convenção sobre Aviação Civil Internacional e na criação de uma

agência especializada das Nações Unidas, a Organização da Aviação Civil

Internacional-OACI.

Ao redor do globo, havia surgido a preocupação de estabelecer padrões

gerais mínimos que elevassem a segurança no transporte aéreo.

Independentemente do esforço isolado de alguns países em estabelecer rígidos

contornos sobre a atividade aérea, formou-se o consenso da necessidade de

normas internacionais sobre o transporte aéreo.

A imperiosa necessidade de impor regras — para evitar acidentes e de

adotar medidas para que não se repitam — constitui preocupação e necessidade,

não só de caráter local ou regional, pois o avião não está circunscrito ao território

de sua bandeira, mas tem importante papel como fator de integração entre os

países e continentes.

A relação entre os Estados — quer seja no campo do comércio ou em

relação a políticas de cooperação internacional — tem consolidado a importância

do direito internacional, conforme palavras de Celso Alburquerque Duvivier Mello

“a interdependência cada vez maior entre os Estados têm feito com que os

tratados se multipliquem na sociedade internacional” (1992, p. 156).

Os tratados Internacionais, quanto ao número de Estados participantes,

podem ser classificados como bilaterais ou multilaterais. Em ambas as

configurações, representam, em última instância, a vontade dos Estados em

realizar um contrato internacional, a fim da união de esforços na preservação de

um conjunto de valores que foram considerados valiosos pelos signatários,

representando a vinculação jurídica obrigacional no plano internacional que deve

ser respeitada por todos os envolvidos.

Page 21: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

20

Não há que duvidar dos efeitos jurídicos vinculantes das Convenções,

uma vez que o ânimo de submeter-se aos termos e condições pactuados, sem

este compromisso obrigacional resultante da vontade soberana das partes, não

faria sentido a própria existência do instituto. O Estado que deseja ser respeitado

deve aplicar as normas consagradas em seu arcabouço legal, acatar a dignidade

da pessoa humana e honrar os compromissos formais que entabulou com países

ou organismos internacionais.

O jurista Francisco Rezek – na obra Direito Internacional: curso elementar

– explica a diferença entre Acordo e Tratado Internacional:

A distinção entre tratado internacional e gentlemen’s agreement –

sugerida pelo próprio nome deste último – tem sido feita à consideração

inicial não do teor do compromisso, mas da qualidade dos atores. Quase

tudo que se tem escrito a respeito induz ao abandono da pesquisa dos

efeitos jurídicos, em favor da apuração pretensamente mais simples, de

quais sejam as partes pactuantes. Assim, afirma-se que o gentlemen´s

agreement não é um tratado pela razão elementar de que os

contratantes não são pessoas jurídicas de direito internacional. Não são

Estados. São pessoas humanas, investidas em cargos de mando, e

hábeis para assumir externamente – sobretudo em matéria política

prospectiva – compromisso de pura índole moral, cuja vitalidade não

ultrapassará aquele momento em que uma dessas pessoas deixe a

função governativa. (REZEK, 2010, p.19).

O tratado ou convenção, em sua essência, representa um ato jurídico em

que um vínculo jurídico pode ser criado, modificado ou mesmo extinto

(PEDERNEIRAS, 1953, p. 284). Neste sentido, o descumprimento no todo ou em

parte sujeita o Estado inadimplente a sanções internacionais.

Hodiernamente, já assenta na doutrina majoritária do Direito Internacional

Público que o Estado não está vinculado às obrigações derivadas do tratado ou

convenção em razão de sua mera participação na fase negocial, ainda que o

Chefe do Executivo tenha participado dos debates. No sistema brasileiro, há a

necessidade de consulta do Poder Legislativo, após a assinatura do tratado ou

convenção, para que ocorra a ratificação. Portanto, para que o Brasil se obrigue

aos termos e às condições, no todo ou parte, do tratado, exaustivo debate é

realizado sobre o interesse ou não do país filiar-se a determinada prática

internacional.

Page 22: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

21

Para alguns doutrinadores do direito internacional, o fundamento dos

tratados internacionais, isto é, de onde eles tiram sua obrigatoriedade, está na

norma pacta sunt servanda, que é um dos princípios constitucionais da sociedade

internacional e que teria seu fundamento último no direito natural (MELLO, 1992,

p. 165).

Convém lembrar que boa parte dos tratados e convenções comporta a

hipótese de manifestação de reserva por parte dos Estados, portanto

definitivamente o descumprimento de tratado representa um desrespeito a toda a

comunidade internacional. Haja vista que os Estados têm o direito de exercitar,

como reflexo de poder soberano, a chamada denuncia ao tratado, a fim de que

cessem seus compromissos na órbita internacional, se considerar que as

diretrizes não se amoldam aos interesses do Estado.

Cada país tem seu sistema legislativo de “recepção” do Direito

Internacional, incorporando-o ao seu direito. No Brasil, essa incorporação

processa-se por dois decretos. Primeiramente, há necessidade de ser o tratado

aprovado pelo Congresso Nacional, graças a um decreto legislativo. Após a

aprovação do Parlamento, compete, exclusivamente, ao Presidente da República

a ratificação do tratado através de decreto do Poder Executivo.

Uma questão que suscita maior reflexão reside na necessidade ou não da

edição de uma norma com o escopo de regulamentar e dar efetividade aos

tratados em nosso país. Esta questão foi objeto de estudos em outros países.

Celso Mello lembra que foi a Corte Suprema norte-americana a primeira a

pronunciar-se sobre o tema, surgindo, em 1887, a expressão self executing muito

embora a doutrina de Marshall já tivesse utilizado esta expressão em 1829 para o

instrumento normativo que “operava por si mesmo”. “Os doutrinadores posteriores

é que criaram à distinção self executing and non self executing treaties. A prática

tem consagrado o critério de Marshall, mas reconhece que em alguns casos pode

ser necessária a implementação pela legislação” (MELLO, 1992, p. 169).

O Estado, nos limites de seu território, exerce em plenitude sua soberania.

Quando os termos do tratado não ensejarem uma normatização complementar ou

carecer de regulamentação de cunho processual, sua eficácia self executing

treaties, ou seja, a partir do Decreto executivo que incorpora o tratado a nosso

Page 23: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

22

ordenamento, Se o tratado foi um enunciado principiológico, ou que exija uma

regulamentação para sua plena efetividade, será non self executing treaties.

Sobre a teoria da incorporação, Celso Mello assevera que

Para que uma norma internacional seja aplicada no âmbito interno do Estado é preciso que este faça primeiro a sua “transformação” em direito interno, incorporando-a ao seu sistema jurídico. É isto uma consequência da completa independência entre as duas ordens jurídicas, o que significa que o tratado “não é um meio em si de criação do direito interno”. Ele é um convite ao Estado para um ato particular de vontade do Estado, distinto de sua participação no desenvolvimento jurídico internacional. (1992, p. 83).

Este processo de transformação da norma internacional em norma

nacional confere a vigência dos postulados bilaterais ou multilaterais que se

tornam necessários em razão do grau de inter-relação dos mercados.

Ao tratar do tema, Marcelo Varella ressalta que o Brasil tem consagrado,

em sua jurisprudência, o sistema dualista moderado, embora a Constituição

Brasileira não determine a obrigatoriedade da edição de um Decreto Executivo, a

doutrina e a jurisprudência assentaram esse procedimento, que através de sua

promulgação e publicação, marcam o inicio da efetividade dos tratados em nosso

país (VARELLA, 2011, p. 86).

No Brasil, os tratados ingressam no ordenamento jurídico com uma

hierarquia infraconstitucional, com efetividade em todo o território nacional.

A hierarquia das normas internacionais provenientes de tratados foi

discutida pela internacionalista Carmen Tiburcio, que sobre o tema traz os

seguintes ensinamentos:

Por muito tempo, o país praticou um isolacionismo em matéria internacional. Como recentemente o Brasil tem ratificado um número bastante expressivo de tratados internacionais a questão do conflito entre normas provenientes de tratado e lei interna tem sido cada vez mais frequentes. (TIBURCIO, 2006, p. 8). [...] A jurisprudência nacional tem se orientado de acordo com o monismo moderado, segundo o qual tratado e lei federal possuem a mesma hierarquia, sendo a prevalecia de um ou de outro determinada pela sucessão no tempo. (TIBURCIO, 2006, p. 46).

Conclui-se, portanto, que o tratado sobre Aviação Internacional celebrado

em 1944 e promulgado pelo Decreto 21.713 de 27 de agosto de 1946, deve ser

valorizado como lei federal.

Page 24: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

23

Não há dúvidas da validade da incorporação ao ordenamento brasileiro

das obrigações assumidas em razão da Convenção de Chicago de 1944, portanto

esta fonte de Direito Internacional Público é, a partir de 1946, o elemento de

primordial para a prevenção de acidentes aéreos no Brasil, não depende de

outras normas para sua efetiva utilização em nosso Estado. Negar validade a

Convenção de Chicago de 1944 e a seus anexos representaria uma ofensa ao

Direito Internacional e conspiraria para o descrédito de nosso país no cenário

internacional.

Uma preocupação natural que veio a reboque da necessidade de

incrementar a atividade aérea e, portanto objeto de debates e consenso na

Convenção de Chicago era a questão da segurança indispensável ao setor aéreo,

A segurança na aviação deve ser tratada no aspecto preventivo, o que

incumbe à Autoridade Pública competente a estabelecer um conjunto normativo

baseado em critérios técnico-objetivos, a serem observados por todos os setores

envolvidos na atividade aeronáutica, e a fiscalizar, diligentemente, o adequado

cumprimento das normas aplicáveis.

As medidas para prevenção de acidentes ou incidentes aéreos,

conduzidas pelas autoridades de Aviação Civil competentes, possuem relevância

metaindividual e, portanto, devem ser compreendidas como um importante fator,

na medida em que sua compreensão poderá contribuir para que outros acidentes

sejam evitados.

Page 25: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

24

4 O SISTEMA ATUAL

4.1 AS ESCOLAS DE AVIAÇÃO

As Escolas de Aviação são reguladas pela Lei nº 7.565 de 19 de

dezembro de 1986 do Código Brasileiro de Aeronáutica cujos trechos estão

transcritos a seguir:

Lei Nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – DOU DE 19/12/86 – Código Brasileiro de Aeronáutica Capítulo VIII. Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal Seção I. Dos Aeroclubes Art. 97. Aeroclube é toda Sociedade Civil com patrimônio e administração próprios, com serviços locais e regionais, cujos objetivos principais são o ensino e a prática da aviação civil, de turismo e desportiva em todas as suas modalidades, podendo cumprir missões de emergência ou de notório interesse da coletividade. § 1º Os serviços aéreos prestados por aeroclubes abrangem as atividades de: I - ensino e adestramento de pessoal de voo; Il - ensino e adestramento de pessoal da infra-estrutura aeronáutica; III - recreio e desportos. Seção II. Da Formação e Adestramento de Pessoal de Aviação Civil Art. 98. Os aeroclubes, escolas ou cursos de aviação ou de atividade a ela vinculada (art. 15, §§ 1º e 2º) somente poderão funcionar com autorização prévia de autoridade aeronáutica. (BRASIL, 1986).

A lei 7565 de 19 de dezembro de 1986 permite, em seu art. 97, parágrafo

1º, que entidades sociais sejam as difusoras da cultura aeronáutica, naquilo que

se refere à instrução e ao adestramento, não fazendo qualquer distinção entre os

currículos adotados para aqueles que pretendam realizar atividades como puro

diletantismo daqueles que abraçam a atividade aeronáutica como profissionais e

que necessitam reunir aptidões cognitivas, aptidões psicomotoras e,

principalmente aptidões afetivas que são imprescindíveis para quem vai tomar

decisões que influenciarão diretamente na segurança de centenas de vidas

humanas e que comandam aeronaves que a cada dia se tornam mais complexas.

Urge diferenciar, desde o início da formação, os pilotos que têm a aviação como

forma de lazer daqueles que vão tornar-se pilotos profissionais.

Page 26: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

25

O Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica 141, de (RBHA

141), dispõe que2:

Regulamento 141 Subparte A - Disposições Gerais 141.1 - Aplicabilidade (a) Este regulamento estabelece normas, procedimentos e requisitos concernentes ao processo de concessão de autorização para funcionamento de escolas de preparação de pessoal para a aviação civil brasileira. Estabelece, ainda, os padrões mínimos que devem ser atendidos pelas diferentes entidades para a homologação dos diversos cursos a serem ministrados, a saber: (1) pilotos de avião e de helicóptero; (2) instrutores de voo de avião e helicóptero; (3) mecânicos de manutenção aeronáutica, nas diferentes habilitações; (4) mecânicos de voo; (5) despachantes operacionais de voo; e (6) comissários de voo (b) Este regulamento é aplicável a: (1) entidades constituídas na forma da lei, cujo objeto social é, exclusivamente, a capacitação de pessoal (2) entidades constituídas na forma da lei que necessitam ministrar cursos com vista à obtenção de licenças e certificados emitidos pelo DAC (3) órgãos da administração pública, nos âmbitos federal, estadual e municipal, que ministram ou pretendem ministrar cursos na área da aviação civil (4) aeroclubes e clubes de aviação que se proponham a desenvolver um ou mais cursos citados na seção 141.11 deste regulamento. (c) As entidades referidas no parágrafo (b) desta seção são denominadas, neste regulamento, genericamente, “escolas de aviação civil” ou, simplesmente, “escolas”. (ANAC, 1995)

Confirmando o previsto no Código Brasileiro de Aeronáutica, lei 7565, o

Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica admite em 141.1 (b) 4 que

entidades sociais, como são chamados os aeroclubes, ministrem instrução para

formação de pilotos de avião e helicóptero assim como as Escolas de Aviação

que têm exclusivamente a destinação de preparar pessoal para a Aviação Civil.

Isso significa que esportistas e futuros profissionais não são diferenciados pelas

entidades de ensino.

2 Referência disponível em: <http://www2.anac.gov.br/biblioteca/rbha/rbha141.pdf>. Acesso em:

22 jul. 2012.

Page 27: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

26

4.2 A INSTRUÇÃO DE VOO

De acordo com a teoria sobre ensino e aprendizagem desenvolvidos por

Robert M. Gagné (1977), a aprendizagem ocorre quando há uma modificação na

capacidade do indivíduo, após ser submetido a uma condição de ensino. Para

que a aprendizagem realmente aconteça, essa mudança deve ter um caráter

duradouro, isto é, não deve se extinguir quando o indivíduo for retirado da

condição de ensino.

A aprendizagem é uma modificação na disposição ou na capacidade do homem, modificação essa que pode ser retirada e que não pode ser simplesmente atribuída ao processo de crescimento. O tipo de modificação a que se dá o nome de aprendizagem manifesta-se como uma alteração no comportamento e infere-se que a aprendizagem ocorreu, comparando-se o comportamento possível antes de o indivíduo ser colocado em uma “situação de aprendizagem” e o comportamento apresentado após esta circunstância. A modificação pode ser, e o é frequentemente, um aumento da capacidade para alguns tipos de performance. A modificação deve ter mais que uma permanência momentânea, isto é, deve ser capaz de ser retida durante algum tempo e, finalmente, deve ser diferenciável do tipo de modificação atribuída ao crescimento, tal como uma alteração ou desenvolvimento dos músculos através de exercício. (GAGNÉ, 1977. P.3).

Em todo e qualquer ramo de atividade, a formação de pessoal tem crucial

importância na qualidade profissional do trabalhador e consequentemente na

qualidade dos serviços ofertados à sociedade. Na Aviação, a importância da

formação profissional é ainda maior, na medida em que eventuais erros podem

significar risco a vidas humanas e, simultaneamente, riscos a equipamentos que

valem centenas de milhões de dólares.

A modificação denominada aprendizagem, referida por Gagné, altera o

comportamento e deve começar com a modificação da importância que se atribui

à Instrução de voo e, consequentemente, à formação do profissional de aviação.

Os requisitos para a função de instrutor de voo de Escolas de Aviação,

segundo o RBHA 141, no item 141.77.a, remete-nos para o Regulamento

Brasileiro de Aviação Civil - RBAC 61(2012).

141.77 Instrução Teórica E Instrução Prática (a) Nas escolas de aviação civil só podem ministrar a parte prática da instrução de voo os instrutores que possuírem as qualificações mínimas especificadas no RBHA 61 e estejam legalmente habilitados.

Page 28: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

27

Os requisitos para função de instrutor de voo segundo o RBAC 61 (2012)

são:

61.233 Concessão de Habilitação de Instrutor de Voo (a) O candidato a uma habilitação de instrutor de voo deve cumprir o seguinte: (1) pré-requisito: ser titular de um CPL ou de uma licença de piloto de planador, piloto de balão livre, piloto comercial ou de linha aérea da categoria para a qual é requerida a habilitação de instrutor de voo; (2) ter completado, com aproveitamento, um curso teórico de instrutor de voo aprovado pela ANAC, na categoria apropriada, segundo requisitos estabelecidos pelo RBHA 141 ou RBAC que venha a substituí-lo; (3) ter sido aprovado em exame teórico da ANAC para a habilitação de instrutor de voo referente à categoria a que pretenda obter a habilitação; (4) instrução de voo: ter recebido de instrutor de voo devidamente habilitado e qualificado, dentro de um período de 3 (três) meses precedentes à solicitação, instrução de voo que deve incluir, no mínimo, os seguintes aspectos: (i) técnicas de instrução, incluindo demonstração, instrução prática de voo, reconhecimento e correção de erros normais dos alunos pilotos; e (ii) praticas de técnicas de instrução em todas as manobras e procedimentos de voo previstos para o nível de habilitação do solicitante e aplicáveis à categoria de aeronave para a qual é solicitada a habilitação; (5) experiência: ter, pelo menos, o seguinte tempo de voo como piloto: (i) para a categoria planador: 50 (cinquenta) horas de voo, das quais, pelo menos, 40 (quarenta) horas em voos solo; (ii) para a categoria balão livre: 50 (cinquenta) horas de voo realizadas em, pelo menos, 40 (quarenta) ascensões; (iii) para as demais categorias de aeronaves: 2 (dois) anos após a data de publicação deste Regulamento, o solicitante deve possuir a experiência requerida para a concessão de uma licença de piloto comercial apropriada à categoria de aeronaves corresponde à licença na qual será averbada a habilitação de instrutor de voo, exceto para a habilitação de instrutor de voo por instrumento, quando, então deve comprovar, adicionalmente, possuir experiência mínima de 50 (cinquenta) horas de voo IFR real em comando. A partir de 2 (dois) anos após a data de publicação deste Regulamento, o solicitante deve possuir 200 (duzentas) horas de voo como piloto em comando na categoria de aeronave para a qual requeira sua habilitação de instrutor de voo, sendo que, pelo menos 15 (quinze) dessas horas devem ter sido realizadas nos 6 (seis) meses precedentes a sua solicitação [...]

4.3 A QUALIDADE DA FORMAÇÃO E SEUS ÓBICES

A responsabilidade do instrutor de voo é grande, tanto perante seus

alunos, como perante a sociedade. Ele será diretamente responsável pelos

hábitos de voo e, de modo geral, pela segurança dos seus alunos durante toda a

carreira como piloto. O instrutor ainda será indiretamente responsável pela

segurança, não somente dos seus alunos, mas também do equipamento, e da

Page 29: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

28

vida dos passageiros confiados mais tarde aos cuidados de seus alunos (STOLT,

2012).

O instrutor deve preparar o aluno para enfrentar as mais variadas

situações que podem aparecer na vida do piloto, e isso requer um planejamento

cuidadoso e dedicação constante.

A arte de voar envolve três atributos que são exigidos durante toda a

carreira do piloto: atributo cognitivo, psicomotor e afetivo.

O atributo cognitivo será avaliado pela preparação teórica do aluno que

dependerá de sua dedicação ao estudo das diversas ciências envolvidas na

atividade aérea, como aerodinâmica, termodinâmica, psicologia, direito,

fisiologia, medicina, eletrônica, informática, meteorologia e geografia, entre

tantas outras.

O atributo psicomotor será avaliado pela suavidade, velocidade e

intensidade com que o aluno faz uso dos comandos de voo, de acordo com as

diversas etapas e situações enfrentadas no domínio da aeronave durante o voo,

desde o acionamento do motor, rolagem, decolagem, manobras e aproximação

para o pouso.

O atributo afetivo será avaliado pelos valores éticos e pela adesão do

aluno às regras de segurança que traduzem, em última análise, o respeito à vida

e ao bem-estar do seu próximo.

A adaptação do aluno ao ambiente aéreo depende principalmente da sua

dedicação e de suas aptidões, porém, os métodos de treinamento, os

conhecimentos e a capacidade técnica do instrutor são fatores de grande

importância.

São raros os instrutores de voo que fazem dessa atividade uma carreira

no Brasil. A grande maioria das escolas de aviação padece de falta de pilotos

qualificados para o quadro de instrutores. O que ocorre com frequência é o piloto

utilizar a oportunidade de tornar-se um instrutor como ponte ou trampolim para

conseguir posições profissionais mais rentáveis. Os instrutores aproveitam a

chance de acumular experiência e de atingir a quantidade de horas de voo

requeridos pelas grandes empresas aéreas do país de uma forma gratuita. Para a

escola de aviação a vantagem é ter um instrutor por um baixo custo. Para o

instrutor é a forma menos dispendiosa de acumular experiência e horas de voo e

Page 30: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

29

assim aproximar-se da experiência mínima exigida pelas grandes empresas que

oferecem remunerações bem mais atrativas do que as oferecidas por uma escola

de aviação.

O preço de uma hora de voo, em aeronave monomotor T23 Uirapuru, que

tem menor complexidade e baixo valor de aluguel, custa R$ 324,00 no Aeroclube

do Brasil3. A Empresa Aérea Gol, em maio de 2011, ofereceu oportunidade de

admissão para 62 pilotos, e o requisito de experiência mínima de entrada era de

1000 horas de voo4. Isso pode significar que um piloto que tenha adquirido sua

habilitação de piloto comercial, após ter atingido a marca de 200 horas de voo,

precisará investir em outras 800 horas. Se considerado o preço da hora de voo

R$ 324,00 o investimento será de R$ 259.200,00. Esse valor torna a profissão

inalcançável para a maioria dos brasileiros e faz a profissão de instrutor a única

ponte ou um trampolim para alcançar a experiência mínima demandada pela

empresa aérea.

Já a Azul Linhas Aéreas tem como requisito mínimo de entrada apenas a

habilitação de piloto comercial. Isso significa que o candidato a voar uma aeronave

complexa como Embraer 190 precisa ter acumulado 200 horas de voo5, além de

possuir uma habilitação de piloto comercial, e habilitação IFR (abreviatura da

expressão “Instrument Flight Rules” que, na língua inglesa, significa que o piloto

possui habilitação para voar em condições meteorológicas adversas, sem contato

visual com o terreno ou com o horizonte natural e quando a condução da aeronave

é referenciada nos instrumentos que a equipam). Observamos que os requisitos de

entrada na Empresa Azul Linhas Aéreas são em termos de experiência (200 horas

de voo) os mesmos requeridos para quem se candidate ao emprego de Instrutor de

Voo. Naturalmente, a admissão na empresa aérea será a opção mais vantajosa

para a carreira do potencial instrutor de voo.

3 Dados à disposição no site do Aeroclube do Brasil. Disponível em:

<http://www.aeroclubedobrasil.com.br/precos.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012. 4 Informações contidas no site do jornal Folha de Vitória. Disponível em:

<http://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/empregoseconcursos/2011/05/13/gol-abre-262-vagas-de-emprego/>. Acesso em: 05 abr. 2012).

5 Dados encontrados no site elancers informação. Disponível em: <http://www.elancers.net/frames/voeazul/frame_geral.asp>. Acesso em: 05 abr. 2012

Page 31: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

30

A estabilidade do Corpo Docente é desejável a qualquer instituição

educacional que almeje a excelência no ensino. A formação de pilotos no Brasil

conta, via de regra, com instrutores pouco vocacionados e, muito frequentemente,

com pouca experiência em ensinar, porque assim que atingem as marcas

mínimas para a admissão em grandes empresas de transporte aéreo regular

deixam a posição de instrutor. Alguns, muito poucos, experientes instrutores

permanecem vinculados a escolas de aviação e aeroclubes, porém, há, na

instrução, uma atividade subsidiária, que exercem tão somente quando a

atividade principal lhes permite, seja nas raras folgas permitidas quando

trabalham para grandes empresas de transporte aéreo regular, como, por

exemplo, TAM e Gol Linhas Aéreas, seja nas pouquíssimas folgas permitidas pelo

empregador, geralmente um dirigente ou executivo de uma grande indústria,

quando os pilotos trabalham na Aviação Executiva.

Fica patente, então, a necessidade de mudança do paradigma vigente na

formação de aviadores civis, focado apenas na apreensão da técnica de

pilotagem, atributo psicomotor e nos escassos conhecimentos básicos, para uma

formação de caráter acadêmico, executada em instituições de ensino superior, e

inserida no contexto da ciência e da tecnologia contemporâneas, além dos

atributos cognitivos e psicomotores, a instituição de ensino deve transmitir o mais

nobre valor da profissão do aviador: respeito à integridade e à vida do seu

semelhante.

Vale lembrar que educação é ensino com transmissão de valores. Ensinar

alguém a dominar uma aeronave, sem que o candidato a aviador conheça a real

dimensão de suas responsabilidades com relação à segurança da vida do seu

próximo, pode significar grave ameaça à sociedade. A formação de aviadores,

assim como de todos os profissionais da aviação civil, precisa ter o viés da

educação.

Page 32: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

31

5 OS DESAFIOS

5.1 A PROJEÇÃO DA BOEING

A maior fabricante de aviões do mundo, a empresa Boeing, prevê que à

medida que a frota mundial comercial aumentar para mais de 39.500 aviões, ao

longo dos próximos 20 anos, as companhias aéreas do mundo têm de contratar

460.000 pilotos e 650.000 técnicos de manutenção, tanto para voar como para

manter os novos aviões, além de substituir o pessoal com tempo de

aposentadoria prevista para o período6.

Fabricantes de aviões e funcionários da indústria da aviação precisam

acompanhar as novas tecnologias, e descobrir maneiras de instigar pilotos e

técnicos a apreendê-las. A crescente diversidade de pilotos e técnicos de

manutenção em treinamento exigirá que instrutores tenham habilidades

interculturais, além de ferramentas de treinamento digitais e atualizadas sobre os

sistemas dos aviões. Os programas de formação devem ser adaptados para

permitir aos operadores de avião usufruir a vantagem dos recursos inovadores

oferecidos na última geração de aviões, como o Boeing 787 Dreamliner.

Os sinais de uma escassez global de pilotos são evidentes, com as

companhias aéreas expandindo suas frotas e dilatando os horários de voos para

atender à crescente demanda nos mercados emergentes. Companhias aéreas

asiáticas, em particular, estão enfrentando atrasos e interrupções operacionais,

devido às restrições de programação nas escalas de trabalho de pilotos. A

previsão de duplicação da frota mundial de aviões comerciais enfatiza a crescente

necessidade de bom preparo para os técnicos e pilotos da aviação mundial.

O maior crescimento esperado na demanda por pilotos continua a vir da

região da Ásia, com uma exigência de 183.200 pilotos ao longo dos próximos 20

anos. A necessidade de novos pilotos para a China é esperada para um número

próximo a 72.700. A Europa precisará de 92.500 pilotos; a América do Norte, de

6 Dados obtidos no site da Empresa Boeing. Disponível em:

<http://www.boeing.com/commercial/cmo/pilot_technician_outlook.html>. Acesso em: 05 abr.

2012.

Page 33: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

32

82.800; A América Latina, 41.200; o Oriente Médio, 36.600; a África, 14.300; e a

Rússia, de 9.000.

A demanda por pessoal de manutenção treinado cresce em proporção à

frota global em expansão. Muitos mercados emergentes precisam, atualmente,

recrutar pessoal treinado de fora da região para atender à sua necessidade

crescente de mecânicos de manutenção, técnicos e gestores. Haverá uma forte

necessidade de formação de competências básicas nesses mercados

emergentes para desenvolver uma fonte local de técnicos.

A necessidade de pessoal de manutenção deve crescer

proporcionalmente à frota na região Ásia-Pacífico, o que vai exigir 243.500 novos

profissionais. A demanda da China deve ser a maior da região, com uma

necessidade prevista para 99.400 postos de trabalho para pessoal de

manutenção. A América do Norte vai precisar adicionar 92.500 profissionais de

manutenção; a Europa, de 129.700; o Oriente Médio, de 53.000; a América

Latina, 52.500; a África, 19.200; e a Rússia, de 13.500 novos mecânicos.

Na Aviação Civil, a demanda de passageiros aumenta em razão direta

das distâncias a serem vencidas e do potencial econômico-financeiro da

população. O Brasil ocupa 40% da área total da América Latina e colabora com

43% do PIB da região. Uma projeção de 40% de incremento no número de

aeronaves de transporte é, portanto, bastante realista. Isto significa que se pode

prever um incremento de 40% a 43% da demanda total de pilotos para a América

Latina nos próximos 20 anos, procurando ser mais conservativo no cálculo, ou

seja, prevendo um aumento de 40% de 41.200 pilotos, resultando um total de

16480 pilotos, considerando-se aqui somente a demanda de pilotos para a

aviação de transporte aéreo regular, que é o mercado estudado pela Boeing. Se

há a projeção de uma função linear, deve haver a capacitação anual de 824

pilotos profissionais para jatos de grande porte, durante 20 anos. Tomando como

parâmetro a Academia da Força Aérea Brasileira que tem três pistas de pouso

paralelas com 2.000 metros de extensão, corpo docente estável, excelente

contingente de manutenção, e recursos materiais suficientes, e que forma, em

média, 120 aviadores anualmente, tem-se a dimensão do desafio que o Sistema

de Aviação Civil deve enfrentar.

Page 34: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

33

5.2 O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

Segundo a Escola Superior de Guerra, a Integração Nacional é:

[...] a incorporação de todo o território ao contexto político e socioeconômico da Nação. A Consolidação da comunidade nacional, com solidariedade entre seus membros, sem preconceitos ou disparidades de qualquer natureza, visando à sua participação consciente e crescente em todos os setores da vida nacional e no esforço comum para preservar os valores da nacionalidade e reduzir desequilíbrios regionais e sociais (ESG, 2009)

A Escola observa ainda que:

A Integração Nacional é um dos Objetivos Fundamentais da Nação e é voltado para o alcance dos mais elevados interesses da Nação e preservação de sua identidade e subsistem por longo tempo e não são estabelecidos nem fixados. Derivam do processo histórico-cultural e emergem, naturalmente, à medida que as necessidades da comunidade se cristalizam na consciência nacional, representando aspirações que independente de classes, regiões, credos religiosos, ideologias políticas, origens étnicas ou outros atributos, a todos irmanam. (ESG, 2009)

Um dos maiores desafios para o Brasil com dimensões territoriais

continentais e, muito próximo ao inicio de um novo ciclo de desenvolvimento, é o

de consolidar a ocupação sustentável do território e promover a integração de

suas regiões. Trata-se de impulsionar, no âmbito de um vasto território, o

desenvolvimento nas suas vertentes econômica, social e ambiental, reduzindo os

desequilíbrios existentes entre os principais centros promotores do avanço

socioeconômico e as fronteiras agrícolas e as regiões remotas de ocupação mais

recente. O desafio torna-se ainda mais complexo, quando a integração diz

respeito às áreas localizadas em meio a biomas pressionados pela exploração

desordenada e predatória, como a Amazônia e o Pantanal.

Na ausência de outros modais, o transporte aéreo tem sido por décadas –

e deverá ser ainda por muito tempo – o meio de integração nacional por

excelência em países com dimensões continentais e cenários geográficos

extremamente variados. Sua infraestrutura de apoio irradia-se de forma pontual

pelo território, uma vez que não tem o caráter linear dos outros modais, a exemplo

do transporte terrestre e do transporte ferroviário, o que permite vencer os

obstáculos naturais sem grande dificuldade e com menores danos ambientais. A

Page 35: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

34

velocidade de operação, por sua vez, propicia a ligação de extremos de países

continentais em um mesmo dia.

Uma vantagem adicional é a da escolha das aeronaves, que podem ser

adaptadas facilmente às condições da demanda. São muitas, portanto, as

vantagens comparativas e competitivas do transporte aéreo, como elemento

estratégico para a integração do território nacional. No entanto, ao lado de suas

vantagens como um meio de transporte rápido, ele é também aquele que torna as

suas fragilidades visíveis e súbitas,. Considerem-se, neste caso, especialmente,

aquelas relacionadas: i) à viabilidade econômica decorrente, tanto das estreitas

margens de rentabilidade das operações das empresas aéreas quanto do ritmo

acelerado das mudanças tecnológicas; e ii) à dificuldade que têm os gestores das

infraestruturas aeroportuária e aeronáutica têm de acompanharem o rápido

crescimento das necessidades dos usuários, intermediários e finais, da aviação

civil. A demonstração inequívoca da importância da aviação como fator de

integração está na região norte onde a cidade de Manaus não tem ligação

rodoviária com a Capital Federal ou qualquer outra cidade da a região Centro-

Oeste, e nem mesmo com outras grandes cidades da Região Norte. Para

alcançar grandes capitais como Belém (PA) ou Porto Velho (RO). A única opção é

o transporte fluvial com longa duração de viagem.

Ainda como parte dos desafios à integração nacional está a necessidade

de incentivos à aviação regional, o que possibilitaria melhores condições de

mobilidade para os usuários de transporte aéreo da Região Norte.

5.3 DESAFIO TECNOLÓGICO: NOVOS TIPOS DE AERONAVES

A partir dos anos 2000 os fabricantes de aeronaves executivas

observaram a possibilidade de utilizar a tecnologia desenvolvida para a aviação

na produção de um novo modelo de jato, de menor porte e com recursos

tecnológicos avançados, mas com custo de aquisição e operação reduzidos

quando comparado com os jatos até então produzidos. Tais aeronaves,

denominadas de VLJ (Very Light Jets) representam um novo nicho dentro do

mercado da aviação executiva, pois, em virtude do avançado grau tecnológico e

Page 36: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

35

dos custos reduzidos em relação aos jatos executivos maiores, tornaram-se

disponíveis a um número maior de potenciais clientes.

Uma aeronave VLJ possui peso máximo de decolagem de até 4540 kg

(10.000 lb), permite ser operada com um único piloto, e agrega recursos

tecnológicos de jatos maiores, tais como: navegação por satélite (GPS), painel

com tecnologia digital, sistema de gerenciamento de voo (FMS), sistema

automático de partida e gerenciamento dos motores (FADEC). Além disso, essas

aeronaves em geral têm capacidade de transportar de três a sete passageiros,

capacidade de voar em condições de formação de gelo, e em velocidades e

altitudes semelhantes às utilizadas por grandes jatos da aviação comercial. Cabe

destacar que o grande avanço tecnológico está na possibilidade de transportar

passageiros em aeronave equipada com dois motores a reação (jato) e utilização

de um único piloto, anteriormente, o mínimo de dois pilotos era necessário para

esse tipo de operação.

Atualmente, no mundo todo, existem 14 fabricantes de VLJs, inclusive a

Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) com o VLJ batizado de Phenom,

em duas versões: o série 100 e o série 300.

Em decorrência do avançado grau tecnológico dos VLJs, é grande sua

repercussão para o segmento de aviação civil. De acordo com Burian (2007), a

introdução dos VLJs no mercado traz muitos desafios para diversos aspectos da

indústria aeronáutica.

É uma aeronave com tecnologia comparável aos grandes jatos e com

custos de aquisição e operação menores, o que significa que esse tipo de avião

deve atender a um número maior de potenciais clientes (empresas de táxi aéreo,

governos e empresários), ou seja, os VLJs foram desenvolvidos para explorar um

novo nicho de mercado da aviação executiva. De acordo com Febeliano et. al.

(2006), estima-se que um voo de VLJ operado por empresas de táxi aéreo no

Brasil terá o custo de cerca de três vezes o valor de uma passagem da aviação

comercial, com a facilidade de ir direto ao destino (sem escalas) nos horários de

maior conveniência. Além disso, estima-se que até 2016 cerca de 12.000 novas

aeronaves executivas devem entrar no mercado mundial, sendo que dessas

2.650 serão VLJs (GOMES, 2007).

Page 37: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

36

Portanto, a expectativa de que os VLJs venham a modificar o cenário da

aviação executiva é considerável. Sendo assim, operadores desse tipo de

aeronave têm de se adequar aos requisitos tecnológicos, operacionais e de

manutenção para a aviação executiva. Isto é particularmente relevante para os

pilotos que vão operar os VLJs.

5.4 FORMAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PILOTOS DE VLJ

Os critérios de avaliação e as formas de treinamento de tais pilotos ainda

não estão bem definidos pelos fabricantes, autoridades aeronáuticas, instituições

de treinamento, operadores e demais partes interessadas nesse tipo de aeronave.

De acordo com a NBAA - Associação dos Operadores da Aviação

Executiva dos EUA. (2005), os requisitos mínimos para se iniciar o treinamento

para operar um VLJ são: ter licença de piloto privado ou piloto comercial,

habilitação IFR e multimotor (NBAA, 2005).

No Brasil, os requisitos exigidos são similares a esses. O RBAC 61

determina quais os Requisitos para Concessão de Licenças de Pilotos e de

Instrutores de Voo (ANAC, 2012), estabelece que, de maneira geral, a experiência

mínima para a licença de Piloto Privado é de 40 horas de voo e para a habilitação

de voo por Instrumentos (IFR) um mínimo de 40 horas de voo, sendo que destas

20 podem ser realizadas em simulador de voo. O mesmo RBAC 61 estabelece

para Piloto Comercial o mínimo de 200 horas de voo, sendo que dentro destas

podem estar inclusas as horas necessárias ao treinamento IFR.

Além das licenças de Piloto Privado ou Piloto Comercial e da habilitação

de voo por instrumentos, o piloto que desejar pilotar um VLJ deverá obter a

habilitação de “tipo”, ou seja, aquela específica ao tipo da aeronave que ele irá

pilotar.

O treinamento de tipo na aeronave é previsto no RBAC 61.2137 que

estabelece que o piloto deve receber treinamento teórico (atributo cognitivo) sobre

os diversos aspectos da operação dos sistemas da aeronave, além de instrução

prática (atributo psicomotor) que contemple:

7 Dados obtidos no site da ANAC. Disponível em: <www.anac.gov.br;legislação;rbac>. Acesso

em: 05 maio 2012.

Page 38: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

37

a) procedimentos normais do voo e manobras durante todas as fases do voo, b) procedimentos anormais e de emergência e manobras em eventuais falhas ou mau funcionamento de equipamentos, motores, sistemas e estrutura, c) procedimentos de voo por instrumentos, incluindo procedimentos de aproximações por instrumentos, aproximações perdidas, e pousos sob condições normais, anormais e de emergência, incluindo falha de motor, d) procedimentos para a incapacitação de um tripulante de voo e coordenação da tripulação, quando exercida a opção de equipar a aeronave com dois pilotos, alocação de tarefas de pilotagem, cooperação da tripulação e uso das listas de verificação. (ANAC, 2012)

A avaliação durante a fase teórica, em geral, utiliza provas objetivas sobre

a aeronave, seus sistemas, características de operação e utilização. Já a

avaliação prática de voo, em geral ocorre durante as sessões de simulador de voo

ou em voos de treinamento na aeronave. Além disso, deve ocorrer voo de

verificação do piloto no qual ele é avaliado por examinador credenciado pela

ANAC.

A legislação permite que um piloto, com experiência inferior a uma

centena de horas totalizadas durante a carreira, possa comandar uma aeronave a

jato, que voa a grandes altitudes e a velocidades próximas à velocidade do som,

isso pode indicar sob o ponto de vista regulatório que um piloto está qualificado

para a aeronave, mas pode não significar que o piloto possua o nível de

experiência ou expertise que as empresas fabricantes ou seguradoras esperam

de um piloto de jato. Nesse caso, qual treinamento adicional deveria ser realizado

e como ele estaria relacionado com a experiência anterior do piloto?”

Outro aspecto a ser considerado na formação de pilotos de VLJ é uma

avaliação dos principais riscos associados à operação desse tipo de aeronave,

como forma de serem mitigados durante os programas de treinamento. Conforme

NBAA (2005), existem 21 aspectos de maior risco associados à operação dos

VLJs, sendo que seis deles merecem maior atenção, pois estão relacionados com

fatores de risco identificados em relatórios de acidentes e incidentes da aviação

geral nos EUA, e que tendem a ter influência na operação dos VLJ.

A NBAA recomenda que depois de o piloto estar habilitado a voar no VLJ,

deve se analisar também a necessidade de se utilizar por um determinado

período a figura do Mentor Pilot, ou seja, um piloto que já tenha experiência com

aeronaves a jato e VLJs para orientar os novos pilotos durante seu período inicial

de operação.

Page 39: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

38

No entanto, como essa prática é nova no mercado de VLJs, ela precisa

ser mais bem avaliada e compreendida. Alguns aspectos precisam ser mais bem

avaliados: Qual o papel do Mentor Pilot a bordo da aeronave, Instrutor ou

Comandante? Se o Mentor Pilot estiver na função de Instrutor ou Comandante

será ele o responsável pela condução da aeronave, significando que o piloto que

estiver sob sua orientação estará em instrução, ou seja, não estará em condições

plenas de conduzir a aeronave. Quais devem ser as qualificações do Mentor

Pilot? Como ele deve ser selecionado, e como se encaixam dentro da legislação

para treinamento e qualificação de pilotos?

Diante do exposto, percebe-se que a formação e avaliação de pilotos de

VLJ ainda é um assunto novo no meio aeronáutico, e que precisa ser mais bem

estudada para produzir o resultado que esse tipo de avião e operação demanda.

O que se buscou evidenciar neste capítulo foram os critérios utilizados na

formação e avaliação de pilotos, bem como chamar a atenção para a necessidade

de se aumentar o número de pesquisas na área com o objetivo de tornar a

operação dos VLJs segura e eficiente.

Embora o treinamento e a avaliação de pilotos sejam temas comuns

dentro do meio aeronáutico, a avaliação de pilotos de VLJ é um tema novo em

virtude de esse tipo de aeronave ter sido recentemente introduzida no mercado.

Através da revisão de literatura, constatou-se que a legislação atual não

contempla critérios específicos para a avaliação dos aviadores desse tipo de

aeronave. Os critérios existentes são genéricos e, de certa forma, incompletos, e

não estão integrados em um modelo que permita uma avaliação global dos pilotos

de VLJ. Além disso, ao se elaborar programas de treinamento e formas de

avaliação de tais pilotos, é importante considerar o fato dos VLJs estarem

potencialmente disponíveis a um número maior de pilotos, que devem ter a

formação reavaliada, e compatibilizada com a evolução tecnológica.

Page 40: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

39

5.5 O DESAFIO DO PRÉ-SAL E A DEMANDA POR PILOTOS DE HELICÓPTEROS

O site da Empresa Petrobrás informa que8:

[...] O termo pré-sal refere-se a um conjunto de rochas localizadas nas porções marinhas de grande parte do litoral brasileiro, com potencial para a geração e acúmulo de petróleo. Convencionou-se chamar de pré-sal porque forma um intervalo de rochas que se estende por baixo de uma extensa camada de sal, que em certas áreas da costa atinge espessuras de até 2.000m. O termo pré é utilizado porque, ao longo do tempo, essas rochas foram sendo depositadas antes da camada de sal. A profundidade total dessas rochas, que é a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo abaixo da camada de sal, pode chegar a mais de 7 mil metros. [...] As maiores descobertas de petróleo, no Brasil, foram feitas recentemente pela Petrobras na camada pré-sal localizada entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, onde se encontrou grandes volumes de óleo leve. Na Bacia de Santos, por exemplo, o óleo já identificado no pré-sal tem características de um petróleo de alta qualidade e maior valor de mercado.

Estima-se que a demanda por helicópteros que transportam passageiros

até as plataformas em alto-mar (offshore) dobre em cinco anos.

A quantidade de pilotos capazes de comandar essas aeronaves vai

crescer na mesma proporção. Ocorre que a atual estrutura alocada nas escolas e

nos aeroclubes não permite a capacitação de profissionais para assumir esses

postos de trabalho. Entre as mais de duzentas entidades de formação do Sistema

de Aviação Civil, não há uma escola ou aeroclube capaz de preparar pilotos de

helicópteros para a obtenção de habilitação IFRH, que permite o voo em

condições meteorológicas desfavoráveis, sem referências visuais com o terreno

ou o horizonte natural, quando o voo é referenciado nos instrumentos instalados a

bordo da aeronave. A habilitação IFRH é um requisito mínimo para a admissão

em empresas aéreas que prestam serviço de transporte de passageiros, requisito

esse imposto pela OGP9, a Associação Internacional de Produtores de Gás e

8 Informações coletadas do site da Petrobrás Disponível em:

<http://www.petrobras.com.br/minisite/presal/pt/perguntas-respostas/>. Acesso em: 09 abr. 2012.

9 Informações coletadas no site da Associação dos Produtores de Gás e Petróleo (OGP)

disponível em < http://www.ogp.org.uk/news/2010/flight-magazine-lauds-aviation-safety-

subcommittee >. Acesso em: 09 abr. 2012

Page 41: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

40

Petróleo que padroniza os requisitos para a operação aérea em plataformas de

exploração de petróleo marítimas de todo o mundo.

Existe uma corrente de pensamento, liderada por algumas empresas que

prestam serviço de transporte aéreo para as plataformas. Essa corrente defende

a importação de pessoal qualificado para ocupar os assentos de comandantes

dos helicópteros e aposta na mudança da legislação.

O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7565 de 19 de dezembro de

1986, no artigo 156, parágrafo primeiro, prevê:

Art. 156. São tripulantes as pessoas devidamente habilitadas que exercem função a bordo de aeronaves. § 1° A função remunerada a bordo de aeronaves nacionais é privativa de titulares de licenças específicas, emitidas pelo Ministério da Aeronáutica e reservada a brasileiros natos ou naturalizados.

O projeto de Lei 6.716/2009, em tramitação no Congresso, tendo como

seu relator, o deputado Rodrigo Loures (PMDB/PR), inseriu uma emenda no

projeto que, na prática, permitirá a importação de pilotos, ao estender o tempo de

permanência desses profissionais no Brasil para cinco anos, contrariando o

previsto. O projeto será submetido à apreciação pelo plenário na Câmara dos

Deputados do Congresso Nacional.

A Escola Superior de Guerra apregoa que desenvolvimento é:

Um processo social global em que todas as estruturas passam por contínuas e profundas transformações. Desenvolvimento não deve ser confundido com crescimento. Este embora indispensável, não envolve o sentido de abrangência do primeiro. Assim entende-se o desenvolvimento do homem como um processo de permanente aperfeiçoamento de seus atributos físicos espirituais, intelectuais e morais, para que ele, comungando com as aspirações nacionais, participe da formação e dos benefícios de uma sociedade cada vez mais próspera. (ESG, 2009).

Adaptando o pensamento difundido pela Escola Superior de Guerra ao

Sistema de Aviação Civil pode-se dizer que a estrutura da formação de pessoal

para a aviação civil precisa sofrer profundas transformações para permitir o

aperfeiçoamento dos atributos intelectuais de brasileiros, futuros pilotos e

técnicos, para que participem de uma sociedade mais próspera. Sem a

participação de brasileiros na futura prosperidade que vai ser gerada com a

produção de riquezas, será um crescimento sem desenvolvimento.

Page 42: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

41

5.6 REQUISITOS MÍNIMOS PARA OPERAR NAS PLATAFORMAS

A Associação Internacional de Produtores de Petróleo e Gás - OGP

estabelece os requisitos mínimos para os pilotos que operam nas plataformas de

petróleo. Os requisitos mínimos são 500 horas de voo e habilitação para voo por

instrumentos em helicópteros (IFRH)10.

O custo da hora de voo do Helicóptero mais simples custa em torno de R$

700,00 e para conseguir as sonhadas 500 horas o gasto vai a R$ 350.000,00. Se,

eventualmente, o candidato se dispuser a assumir um valor tão alto, não

conseguirá concluir o curso IFR, porque não há, nas instituições de ensino,

nenhum helicóptero certificado para voo por instrumentos, demonstrando, assim,

que o Sistema de Aviação Civil precisa de investimentos para que a formação de

pessoal ocorra em sincronia com o desenvolvimento do Brasil.

5.7 O DESAFIO DA CRESCENTE DEMANDA

Segundo pesquisa do Instituto Data Popular, os gastos da chamada

classe C, formada por famílias com renda mensal entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00,

per capta, cresceram 277,3% no período compreendido entre 2002 e 201211.

Em pesquisa encomendada pelo Ministério do Turismo, a Fundação

Getúlio Vargas (FGV), apontou que em dezembro de 2011 34% das famílias

brasileiras entrevistadas pela Sondagem de Intenção de Viagem do Consumidor

tinham planos de viajar. Em 2010, o índice foi menor: 29,7% dos consultados

disseram ter a intenção de conhecer outros lugares. Uma das leituras que o

estudo permite é que o mercado de turismo, se bem explorado, pode garantir o

sucesso de quem empreende neste nicho.12

10 Dados obtido no site oficial da OGP. Disponível em: <http://www.ogp.org.uk/pubs/390.pdf>.

Acesso em 31 jun. 2012 11 Dados do site do Instituto Data Popular. Disponível em:

<http://www.datapopular.com.br/home_publicacoes_pt.htm>. Acesso em 31 jun. 2012. 12 Dados obtidos no site. Disponível em:

<http://invertia.terra.com.br/empreendedor/noticias/0,OI5551585-EI19586,00-Classe+C+impulsionara+turismo+no+Brasil+em.html>. Acesso em 30 jun. 2012.

Page 43: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

42

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em Infraestrutura

econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025, expõe com clareza

os desafios da Aviação Civil Brasileira no que se refere à crescente demanda:

O Brasil passa por um momento promissor, com perspectivas muito favoráveis de continuidade do seu desenvolvimento. Neste sentido, o transporte aéreo tem respondido rapidamente à mudança de perfil socioeconômico do país. De fato, há mais pessoas utilizando os serviços aéreos, seja voltando a utilizá-lo por terem recuperado renda, seja por os utilizarem pela primeira vez, em razão de alternativas mais acessíveis de preços e financiamento das passagens. O mercado de carga aérea, por sua vez, vem crescendo consistentemente, em paralelo ao transporte de passageiros, embora de forma menos visível [...] Muito provavelmente, a demanda por serviços de transporte aéreo continuará crescendo e pressionando as infraestruturas existentes. Isto poderá ser uma medida de sucesso ou de fracasso, dependendo da abordagem da questão. Sucesso, porque um número maior de pessoas, a quem o acesso ao avião era negado devido à barreira econômica, poderá viajar, a lazer ou a trabalho, refletindo, mas também estimulando, o crescimento da economia brasileira. Fracasso, se os investimentos públicos e privados, no setor de aviação civil, não acompanharem as crescentes exigências do mercado. (IPEA, 2010. p. 340).

Page 44: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

43

6 OS FATORES HUMANOS E OS ACIDENTES NA AVIAÇÃO

Dados estatísticos recentes levantados pela Boeing mostram que 62%

dos acidentes aéreos envolvendo aeronaves de grande porte são causados por

erro humano (MARQUES, 2004). Estão incluídos, neste resultado, todos os

fatores contribuintes conhecidos: falha de treinamento, estresse, fadiga,

desatenção, imprudência, imperícia, negligência, erro de julgamento, falha de

planejamento, supervisão deficiente, falta de coordenação entre a tripulação,

falhas de comunicação, operação indevida do equipamento e outros.

Segundo a International Civil Aviation Organization (ICAO, 2003, p.1-1), o

elemento humano é

[...] a parte mais flexível, adaptável e valiosa dentro do sistema aeronáutico, mas é também a que está mais vulnerável às influências externas que poderão vir a afetar negativamente o seu desempenho.

Na aviação, o estudo do Fator Humano reúne todos os aspectos do

comportamento e desempenho humanos: a tomada de decisões e outros

processos cognitivos; o projeto dos instrumentos e das cabines de pilotagem; as

comunicações e o suporte lógico dos computadores; mapas, cartas, manuais de

operações de aeronaves; lista de verificações, entre outros, transformando-se

numa ciência multidisciplinar por natureza (ICAO, 2003).

O ponto crucial acerca dos FH reside no fato de que as pessoas não

devem ser consideradas de maneira isolada de outros componentes, dado que

todos estão em interação, tornando impossível que se mude um aspecto do

sistema sem considerar seus efeitos nos outros elementos.

Para a ICAO (2003), o conceito de Fator Humano refere-se ao estudo das

capacidades e das limitações humanas oferecidas pelo local de trabalho. É o

estudo da interação humana em suas situações de trabalho e de vida: entre as

pessoas e as máquinas e equipamentos utilizados, os procedimentos escritos e

verbais, as regras que devem ser seguidas, as condições ambientais ao seu redor

e as interações com as outras pessoas.

O Brasil tem o desafio de atingir os índices de segurança compatíveis

com os índices alcançados pelos Estados Unidos da América do Norte e pela

Page 45: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

44

União Européia até o ano de 2014. Esse desafio foi proposto pela Sra. Solange

Vieira ao assumir a Presidência da Autoridade de Aviação Civil (ANAC) em 2007.

A primeira e melhor oportunidade para forjar a doutrina voltada para a

segurança é a formação profissional inicial. A mentalidade de segurança deve ser

incentivada desde as primeiras lições. Está no atributo afetivo a chave que poderá

tornar a Aviação Brasileira mais segura.

Page 46: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

45

7 A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL

O investir em capacitação profissional é investir em infraestrutura para o

desenvolvimento. O Professor Doutor Eduardo Siqueira Brick, em palestra

proferida na ESG, por ocasião do Simpósio sobre a Base Logística de Defesa, em

29/06/2012, destacou que o maior óbice para a formação de Infraestrutura para o

Desenvolvimento da Base Industrial de Defesa no Brasil é a carência de

profissionais capacitados. Explicou Eduardo Brick: “É preciso reconhecer que a

limitação de recursos humanos, mesmo que ocorra aumento nos gastos com

defesa, será uma realidade que afetará a Base Logística de Defesa”.

O tema capacitação, privilegiando as entidades de formação do Sistema

de Aviação Civil, já foi debatido exaustivamente, porém, jamais obteve-se a

execução de qualquer planejamento voltado para resolver as deficiências na

formação de pessoal objetivamente. O descrito pelo Jurista José da Silva

Pacheco, na obra Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, esclarece:

A portaria 110/DGAC, de 27 de fevereiro de 1987, considerou, com razão, que a constituição do Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal tornou-se matéria relevante e prioritária no desenvolvimento da Aviação Civil brasileira, aprovando normas e procedimentos para a implantação do Instituto da Aviação Civil. De acordo com tais normas, deveria este organizar-se de forma que pudesse emitir instruções para todas as fases de implantação e de operação da Escola de Aviação Civil. Competia ao IAC identificar a demanda de recursos humanos das várias especialidades, criar cursos, estabelecer critérios para recrutamento, elaborar programas de instrução, celebrar convênios e proceder ao controle de todo o processo de formação e credenciamento de recursos humanos vinculados à aviação civil. A nova linha de capacitação de recursos humanos voltados para a aviação civil não seria exclusiva e os procedimentos tradicionais deveriam ser mantidos através de estímulos às escolas de formação já existentes e de suporte aos aeroclubes, para que possam completar a demanda já configurada no mercado de trabalho. A Escola Nacional de Aviação Civil deveria ministrar diretamente, ou mediante convênios já celebrados com esse fim, cursos nas seguintes áreas, em função das instruções que recebesse do IAC: A) Formação acadêmica de pilotos comerciais e de linha aérea, com vista a atender ao mercado da aviação comercial para transporte aéreo regional, nacional ou internacional; B) Formação acadêmica e prática de instrutores de voo para os Centros Regionais, aeroclubes e outras escolas de pilotagem reconhecidas; C) Formação de instrutores nas diversas áreas de especialização, para os cursos de tecnólogo de aviação civil, que seriam ministrados pelos Centros Regionais.

Page 47: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

46

D) Formação de administradores de aviação civil nas áreas de direito, economia, gestão de aeroportos e outras julgadas necessárias. (PACHECO, 2006, p.161).

Segundo José da Silva Pacheco (2006), a partir da entrada em operação

da Escola Nacional de Aviação Civil e dos Centros Regionais, todos sob a

coordenação do IAC, a aviação civil contaria com duas linhas de formação de

recursos humanos: uma institucional e outra tradicional, cuja origem estaria nos

aeroclubes e nas escolas que existiam à época. Ele destaca que os parâmetros

de treinamento estabelecidos na linha institucional, deveriam ser estendidos à

linha tradicional, no sentido de que futuramente a aviação civil pudesse contar

com um quadro de pessoal homogêneo e altamente qualificado.

A Escola Nacional e Centros Regionais de Aviação Civil seriam

conduzidos de forma a minimizar as despesas para os alunos, com o intuito de

proporcionar oportunidades iguais a todos os jovens que revelassem vocações

para atividades relacionadas com a aviação civil e evitar a elitização dos

quadros.(Pacheco,2006)

No texto comentado pelo Jurista José da Silva Pacheco (2006), percebe-

se a preocupação do Diretor Geral de Aviação Civil que, já no ano de 1987 já

previa a necessidade de melhorar a qualidade e a quantidade dos adestrados de

modo que, determinou que o Instituto de Aviação Civil organizasse uma academia

de ensino público de excelência para suprir a aviação civil com profissionais de

alta qualificação.

Outra iniciativa no sentido da melhora da formação profissional na aviação

civil surgiu na IV Conferência Nacional de Aviação Comercial, realizada em

setembro de 1986 e concluiu por fazer recomendações com o objetivo de

incrementar a formação e aperfeiçoamento de recursos humanos e cooperação

entre empresas aéreas com destaque para reorientação e reorganização do

Subsistema dos Recursos humanos da Aviação Civil, enfatizando as atividades

de formação e especialização de profissionais visando corrigir distorções que

vinham ocorrendo no ensino e aprendizado. A Conferência recomendou também,

a inclusão, nos diversos cursos de aviação, das disciplinas Doutrina de

Segurança de Voo e O homem e suas Limitações no Contexto Profissional

(PACHECO, 2006).

Page 48: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

47

Como derradeira e importante recomendação surgida na IV Conferência

da Aviação Civil, destaca-se a proposta de desvinculação do percentual de 10%

dedutíveis do lucro tributável, para fins do imposto de renda das empresas de

transporte aéreo para custear o aperfeiçoamento profissional, em especial dos

aeronautas, considerando o alto custo da formação, além da proposta para que o

Governo estimulasse o desenvolvimento técnico profissional em todos os níveis

através do fundo aeroviário.

Existe significativa defasagem entre a qualidade da formação do

profissional da Aviação Civil preparado nas entidades de ensino do Sistema e a

capacidade necessária para operar equipamentos tecnologicamente avançados.

Se não houver planejamento estratégico e investimento em capacitação, em

breve, o Brasil vai sofrer com falta de profissionais especializados nesse setor

essencial para a integração e para o desenvolvimento e pode-se dizer essencial,

também, para a estratégia de defesa.

Propõe-se a construção de uma Universidade, onde estudantes das

várias atividades relacionadas à aviação possam obter formação em excelente

nível. A Universidade da Aviação Civil será um Complexo Tecnológico onde

pilotos, engenheiros e técnicos vão obter capacitação para desempenhar suas

funções com eficiência no Brasil e no mundo.

Existem alguns modelos que, se aplicados, têm grande chance de

tornarem-se sucesso, também, na aviação.

7.1 OS MODELOS DE SUCESSO

7.1.1 Marinha Mercante

A Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante- EFOMM é uma

Entidade Pública de ensino pertencente à Marinha do Brasil e é, também, uma

Universidade do Mar, um centro de referência para a formação de Oficiais da

Marinha Mercante. A EFOMM forma profissionais altamente qualificados do

Brasil, e de diversas nações amigas, como Peru, Panamá, Equador, e República

Dominicana.

Page 49: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

48

Na EFOMM, são formados oficiais em duas opções de curso: os de

Náutica e os de Máquinas. Tanto no curso de náutica quanto no de máquinas, os

alunos permanecem em regime de internato durante três anos. Nesses anos, os

alunos são militares, por estarem realizando a Formação de Oficiais da Reserva

da Marinha. Após o término do terceiro ano, são declarados Praticantes e os

alunos são desligados do Serviço Ativo da Marinha do Brasil e incluídos como

Guarda-Marinha na Reserva. Ao terminarem o estágio como Praticantes, os

alunos são declarados Bacharéis em Ciências Náuticas (curso de nível superior),

e passam a integrar o Quadro de Oficiais da Reserva não remunerada da Marinha

do Brasil, no posto de segundo tenente13.

Nesse modelo os alunos permanecem em regime de internato e dispõem

de todo o tempo para concentrarem-se na vida acadêmica. Ao final do curso, o

profissional será aproveitado pelo mercado, tendo assimilado valores como o

sentimento patriótico e respeito às instituições, além de apreender as táticas

usadas pela Marinha do Brasil que vai dispor de importante recurso mobilizável.

7.1.2 O Modelo Força Aérea

A Força Aérea Brasileira inaugurou em 06 de março de 1970, na cidade

de Natal-RN, o Curso de Formação de Pilotos Militares que ficou ativo até o dia

primeiro de janeiro de 1974. Destinava-se a formar Oficiais da Reserva da Força

Aérea. (INCAER,1990). Ao término do curso o aluno tinha a opção de prosseguir

na ativa e seguir para a Academia da Força Aérea ou permanecer na Força como

oficial-aviador temporário por cinco anos, aliás, esse modelo havia sido adotado

pela Marinha em 1922.

No modelo adotado pela Marinha do Brasil, em 1922, e pela Força Aérea,

em 1970, o oficial-aviador temporário tinha a oportunidade de acumular

experiência e, após cinco anos, prosseguir sua carreira na Aviação Civil,

enquanto as Forças Naval e Aérea obtinham reserva mobilizável.

13 Dados no site oficial da Marinha do Brasil. Disponível em:

<http://www.mar.mil.br/ciaga/efomm/inicio.htm>. Acesso em: 20 jun. 2012

Page 50: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

49

7.1.3 O Modelo Norte-Americano

A Universidade Embry-Riddle cuja sede principal está localizada na

cidade de Daytona Beach, no Estado da Flórida, EUA, foi fundada em 1926, como

escola de aviação para a preparação de pilotos.14 Em 1965, a Escola de

Formação de Pilotos passou, simultaneamente, a formar técnicos em manutenção

de motores, aproveitando o mesmo hangar da escola de pilotos e ganhou a

certificação para atuar como escola técnica. Três anos depois, em 1968, alcançou

a certificação para formar tecnólogos e logo no ano seguinte, conseguiu a

certificação para atuar como instituição de ensino superior.

Hoje, além do campo de Daytona Beach- Flórida, a Universidade conta

com outro Campus, situado no Estado do Arizona, na cidade de Prescott que foi

inaugurado em 1978, para atender à demanda da Costa Oeste dos Estados

Unidos. Essa Instituição disponibiliza quarenta diferentes cursos entre graduação

e pós-graduação, inclusive instrução prática para pilotos, com pistas de pouso

exclusivas em ambos os Campus e aplica, anualmente, somente em pesquisa, 13

milhões de dólares.

A Graduação em Ciências Aeronáuticas é o principal programa da

universidade, e tem o currículo de treinamento de voo mais avançado do mundo,

combinando a prática de voo aos estudos acadêmicos. O programa de Ciências

Aeronáuticas prepara o estudante para carreiras na aviação comercial, militar,

corporativa e, também, é o ponto de partida na carreira de vários astronautas da

NASA.

Outros cursos oferecidos são: Aeronáutica, Engenharia Aeroespacial,

Gestão de Tráfego Aéreo, Meteorologia Aplicada, Administração de Negócios da

Aviação e Manutenção de Aeronaves (Células e Motores), Segurança da Aviação

Contra Atos Ilícitos, Engenharia Mecânica, Engenharia Eletrônica Aplicada à

Computação, Física Espacial, Sistemas de Veículos Aéreos Não Tripulados

(VANT), Engenharia de Transportes e Segurança Operacional (Segurança de

Voo).

14 Disponível em:< http://www.erau.edu/about/story,html>. Acesso em: 17 ago. 2012

Page 51: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

50

A Universidade Embry-Riddle International disponibiliza cursos acelerados

em que o aluno pode receber um Diploma de Bacharel e um outro de Mestre em

cinco anos de estudo.

Esse é o melhor modelo para a Aviação Civil Brasileira. Uma

Universidade localizada em área exclusiva, dispondo de toda a infraestrutura para

formação de profissionais de elevado padrão.

Page 52: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

51

8 CONCLUSÃO

A última vez que se discutiu, seriamente, o futuro da aviação civil no

Brasil, foi no calor das chamas resultantes do acidente aéreo do voo TAM 3054,

ocorrido em 17 de julho de 2007. A aeronave, após aproximar-se para pouso na

cabeceira 35 do Aeroporto de Congonhas em São Paulo, chocou-se com um

edifício após ultrapassar a cabeceira oposta. Em dois de agosto, do mesmo ano,

reuniram-se diversas autoridades para um Fórum Extraordinário e consequente

discussão sobre medidas que deveriam ser tomadas imediatamente para evitar

novos acidentes. Entre as autoridades presentes, estavam o Sr. Nelson Jobim,

Ministro da Defesa à época, que tinha a Autoridade de Aviação Civil sob sua

subordinação e Mauro Gandra, ex-Ministro da Aeronáutica e ex-Diretor do

Departamento de Aviação Civil que declarou:

Há a necessidade de ser dada grande ênfase, pela Autoridade de Aviação Civil (ANAC), à formação dos recursos humanos para a aviação civil, que devem estar em constante interação com as escolas de aviação e de pilotagem, com os aeroclubes, [...] (Jobim...[et al.],2007, p.41 )

Gandra apresentou 13 sugestões para a melhoria do Sistema de Aviação

Civil, entre as quais, sugeriu:

Conscientização das autoridades econômicas do país de que não é lógico e porque não dizer, nem ético, o contingenciamento de recursos, seja para que finalidade for; considerando que tais recursos são provenientes de taxas e tarifas para serviços exclusivos aos usuários que as pagaram, para obtenção também exclusiva daqueles serviços. (Jobim...[et al.],2007, p.32)

A aviação gera recursos suficientes através dos fundos aeronáutico e

aeroviário. Falta de recursos financeiros, definitivamente, não vai ser fator

impeditivo para investimento em capacitação.

O Brasil não precisa de uma nova tragédia para que se discutam e se

tomem decisões cruciais.

A Aviação Civil Brasileira enfrenta diversos desafios em consequência do

crescimento econômico, da evolução tecnológica e, principalmente, em

Page 53: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

52

consequência da falta de planejamento estratégico no que se refere à

infraestrutura para suportar o desenvolvimento. Nesse trabalho, procura-se

demonstrar a necessidade de investimento na formação de pessoal qualificado

para a aviação civil do Brasil como forma de superar óbices recorrentes, uma vez

que o atual Sistema, baseado em escolas e aeroclubes, vem demonstrando não

ser capaz de promover a melhora do padrão do profissional e torná-lo compatível

com o estágio evolutivo e tecnológico da aviação.

Uma entidade pública de ensino de excelência, dotada de estrutura

adequada (pistas de pouso, oficinas de manutenção para aeronaves, inclusive),

com acesso por concurso público, ou pelo Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM), a Universidade da Aviação Civil, será a melhor solução para que a nossa

aviação possa continuar a contribuir para a integração e o desenvolvimento

nacionais. A nova universidade permitirá a uniformidade da formação profissional,

garantindo, prioritariamente, a qualidade e, também, a quantidade suficiente de

profissionais habilitados. Permitirá, também, a evolução dos índices de segurança

operacional (segurança de voo), fato que trará benefícios diretos para toda a

sociedade.

Independentemente do modelo a ser adotado, pode-se obter a

oportunidade de treinar os oficiais da reserva da nossa Força Aérea, segundo a

doutrina operacional e as táticas aplicadas pela FAB, com a participação de

instrutores da própria força. Adicionalmente, pode-se oferecer oportunidades a

profissionais de nações amigas, destacadamente, àqueles de nosso maior

interesse geopolítico: nações da África e da América do Sul.

Assim sendo, justificados por todos os motivos expostos, pode-se concluir

que, a construção da Universidade da Aviação Civil significa a implementação de

importante base de sustentação para o Desenvolvimento, além de suporte

indispensável para Defesa Nacional.

Page 54: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

53

REFERÊNCIAS

BOCCHINI, Bruno. Ildo Sauer defende Petrobras como centro operacional do pré-sal. Agência Brasil. Empresa Brasil de Comunicação. 31 de ago. 2009. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2009-08-31/ildo-sauer-defende-petrobras-como-centro-operacional-do-pre-sal>. Acesso em: 19 jul. 2012.

BARNES, R. B. The global need for very light jet training best practices. European Aviation Training Symposium. Berlin, 2007.

BOEING, Long-term pilots and technician outlook. Burgeoning demand for highly trained personnel. Disponível em: <http://www.boeing.com/commercial/cmo/pilot_technician_outlook.html>. Acesso em: 05 abr. 2012.

BRASIL. Decreto-lei nº 2961 de 20 de janeiro de 1941. Criação do Ministério da Aeronáutica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03//constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 22 jun. 2012.

______. Constituição(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 30 jun. 2012.

_______.Ministério da Defesa. Comando da Aeronáutica. Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos Conceituações de Vocábulos, Expressões e Símbolos de Uso no SIPAER: NSCA 3-1. Brasília; DF: CENIPA, 2008.

BURIAN, B. K. Very light jets in the national airspace system. In: Proceedings of the 14th International Symposium on Aviation Psychology. Dayton, OH: Wright State University, 2007.

DOUHET, Giulio. O domínio do ar. Rio de Janeiro. Tradução do Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR) Rio de Janeiro: Itatiaia. 1921. (Coleção Aeronáutica).

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico: Elementos Fundamentais. Rio de Janeiro: ESG, 2009.

FEBELIANO, A.C.F.; LOPES, D.R.; URBINA, L.M.S. The impact of very light jets on airport and airspace capacity: the brazilian case. São Paulo: Instituto Tecnológico da Aeronáutica, 2006.

GAGNÉ,R.M. Como se realiza a aprendizagem. Tradução Therezinha Maria Ramos Tovar. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.

GOMES, B. Longe da Crise. Aeromagazine, São Paulo, ano 13, n 155, p. 44-48, abr 2007.

Page 55: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

54

INSTITUTO HISTÓRICO CULTURAL DA AERONÁUTICA - INCAER. História geral da aeronáutica brasileira. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1990.

INSTITUTO DE AVIAÇÃO CIVIL, (IAC). Piloto privado: avião. Rio de Janeiro: Instituto de Aviação Civil, 1991.

INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (ICAO). Human Factors Guidelines for Aircraft Maintenance Manual (Doc 9824). Montreal, Canadá: ICAO, 2003. Disponível em: <http://www.icao.int/ANB/humanfactors/Documents.html> Acesso em: ago. 2012.

INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS – IPEA. Infraestrutura econômica no Brasil: diagnóstico e perspectivas para 2025. Brasília, DF: Ipea, 2010

JOBIM, N….et al. Transformando a crise em oportunidades: diagnósticos e bases para um plano de desenvolvimento da aviação comercial brasileira (com segurança). Rio de Janeiro: José Olimpio, 2007.

MARQUES, E. Fator humano. Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI). In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FATOR HUMANO, São José dos Campos, Anais...São José dos Campos,SP.:CTA, 6/7 out. 2004

MAURIÑO, D. Prefácio. In: PEREIRA, M.C. (Org.) Voando com o CRM: da filosofia operacional técnica à filosofia interativa humana. Recife: Comunigraf, 2004. p. 13-17.

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 9. ed. São Paulo: Renovar, 1992. v1.

NATIONAL BUSINESS AVIATION ASSOCIATION- NBAA. VLJ training guidelines. EUA, 2005.

PACHECO, José da Silva. Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

PEDERNEIRAS, Raul. Direito internacional compendiado. 12. ed. rev. amp. por Oscar Tenório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1953.

REZEK, José Francisco. Direito internacional: curso elementar. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

STOLT, F. R. A responsabilidade dos instrutores de voo. Disponível em: <http://www.asasbrasil.com.br/artigo.php?id=00000012 >. Acesso em: 02 ago. 2012.

SANTOS, Murilo. Evolução do poder aeroespacial. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1989.

TIBURCIO, Carmen. Temas de direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

Page 56: SANTOS, Francisco José Leitão dos. A universidade da aviação civil

55

VARELLA, Marcelo D. Direito internacional público. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

VIDAL, M. C. Introdução à ergonomia. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ergonomia Contemporânea) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: <http://www.gente.ufrj.br/ceserg/arquivos erg001.pdf>: Acesso em: 25 jul. 2012.

VLJ MAGAZINE. Very Light Jet Magazine. EUA, 2007. Disponível em: <http://www.verylightjetmagazine.com/>. Acesso em: 26 jul.2012