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43 DESCONSTRUINDO A MENORIDADE: A PSICOLOGIA E A PRODUÇÃO DA CATEGORIA MENOR 1 Érika Piedade da Silva Santos A psicologia e o menor: ruídos no processo de silenciamento Como psicólogos, habituamo-nos a pensar que o principal instru- mento de nosso trabalho é a escuta subjetiva, a atenção ao “sujeito”. Natu- ralizamos o “indivíduo psicológico”, enquanto subjetividade intimizada 2 , consciente de si e de seus sentimentos, e assim neutralizamos que sua própria constituição está diretamente relacionada às práticas políticas, econômicas e sociais da Modernidade (FIGUEIREDO, 1999). Em consonância com a análise desenvolvida por Foucault (2002), consideramos que a Psicologia se constitui enquanto discurso e, como tal, depende estreitamente do campo sociopolítico em que se insere. Nessa pers- pectiva, o surgimento do discurso psicológico emergiu como um aconteci- mento possível na composição de forças constituintes do mundo moderno. Sob o prisma arqueológico, no qual reflete sobre a importância dos registros discursivos na produção de realidades sociais, Foucault delineia a noção de épistèmé como a rede de ligações que se estabelecem, em cada período histórico, entre os discursos científicos e as produções sociais daí decorrentes, relacionando à cultura os modos de pensar dominantes em 1 Agradeço aos professores Jorge Coelho e Luís Antônio Baptista, orientadores do mestrado e doutorado, e à professora Lília Lobo, com carinho e admiração pelo aprendizado de que, enquanto as práticas cien- tíficas se guiam pela ótica de que “navegar [deve ser] preciso (exato)”, as práticas “psi” devem se guiar por uma ética nos encontros, já que “viver não é preciso (acabado)”. 2 “Intimizar a vida quer dizer colocá-la para dentro, destituí-la da história das práticas humanas esvaziando sua multiplicidade de formas e de conexões” (BAPTISTA, 1999: 34).

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Desconstruindo a Menoridade

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DESCONSTRUINDO A MENORIDADE: A PSICOLOGIA E A PRODUÇÃO DA CATEGORIA MENOR 1

Érika Piedade da Silva Santos

A psicologia e o menor: ruídos no processo de silenciamento

Como psicólogos, habituamo-nos a pensar que o principal instru-mento de nosso trabalho é a escuta subjetiva, a atenção ao “sujeito”. Natu-ralizamos o “indivíduo psicológico”, enquanto subjetividade intimizada2, consciente de si e de seus sentimentos, e assim neutralizamos que sua própria constituição está diretamente relacionada às práticas políticas, econômicas e sociais da Modernidade (FIGUEIREDO, 1999).

Em consonância com a análise desenvolvida por Foucault (2002), consideramos que a Psicologia se constitui enquanto discurso e, como tal, depende estreitamente do campo sociopolítico em que se insere. Nessa pers-pectiva, o surgimento do discurso psicológico emergiu como um aconteci-mento possível na composição de forças constituintes do mundo moderno.

Sob o prisma arqueológico, no qual reflete sobre a importância dos registros discursivos na produção de realidades sociais, Foucault delineia a noção de épistèmé como a rede de ligações que se estabelecem, em cada período histórico, entre os discursos científicos e as produções sociais daí decorrentes, relacionando à cultura os modos de pensar dominantes em 1 Agradeço aos professores Jorge Coelho e Luís Antônio Baptista, orientadores do mestrado e doutorado, e à professora Lília Lobo, com carinho e admiração pelo aprendizado de que, enquanto as práticas cien-tíficas se guiam pela ótica de que “navegar [deve ser] preciso (exato)”, as práticas “psi” devem se guiar por uma ética nos encontros, já que “viver não é preciso (acabado)”. 2 “Intimizar a vida quer dizer colocá-la para dentro, destituí-la da história das práticas humanas esvaziando sua multiplicidade de formas e de conexões” (BAPTISTA, 1999: 34).

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determinado contexto3. As ciências humanas – a sociologia, a análise das literaturas e dos mitos e a psicologia – nasceram ao final do século XVIII, com a Épistèmé Moderna, como consequência da fragmentação do campo representacional da Epistèmé Clássica4 e da concomitante assunção do para-digma da racionalidade empírica.

Do novo modelo empírico derivaram a Economia, enquanto saber que analisa a produção das riquezas a partir do trabalho humano concebido como a origem de todo o valor objetivo; a Biologia, na forma de um saber que supera a História Natural e apresenta-se capaz de sistematizar e nomear semelhanças e diferenças entre os seres, constituindo-se como uma ciência sobre a vida que toma o homem como ser singular e privilegiado, o único dotado de consciência de si mesmo; e a Filologia, na qual a linguagem passa a assumir papel central na concepção do homem como ser singular, posto que o único dotado da palavra.

Portanto, no enfoque discursivo, considera-se que as ciências humanas (FOUCAULT, 2002) só foram possíveis no século XIX a partir da emergência da figura do homem como duplo empírico-transcendental, ou seja, desde o momento em que ele passa a ser visto tanto como sujeito do conhecimento quanto como objeto a ser conhecido, inaugurando uma nova forma de pensamento.

Na mesma obra, Foucault também se preocupa com os atravessa-mentos existentes entre as ciências empíricas e as ciências humanas, consi-derando que a Psicologia articula-se à Economia enquanto conhecimento sobre o comportamento individual: que tem substancial importância para a produção laboral, justamente no momento histórico em que o valor das coisas passa a ser medido levando em conta a quantidade de trabalho despendido em sua fabricação. Já a Biologia impacta os saberes psicológicos com a noção evolucionista, tomada como paradigma de desenvolvimento e também influente na própria determinação da conduta.

Na verdade, o pensamento de Foucault se inclina para a análise das práticas, sejam elas discursivas (como as epistemológicas5), sejam não discur-3 “O descontínuo – o fato de que em alguns anos, por vezes, uma cultura deixa de pensar como fizera até então e se põe a pensar outra coisa e de outro modo (...). Em última análise, (...) as relações do pensamento como cultura” (FOUCAULT, 2002: 69).4 No modelo epistemológico clássico, as ideias de ordenação, medição e representação estavam na base da relação com o mundo. Naquele contexto, a tarefa do ego cogito consistia em “reproduzir a ordem do mundo e não produzi-la” (CASTRO, 2009: 121).5 Por práticas discursivas compreendemos “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas

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sivas, quer dizer, dispositivos interligados especialmente às relações de poder que se estabelecem em determinado sistema social.

Atentando para as relações dos dispositivos com a arquitetura do poder, Foucault (2000) indica que a repetição de pequenas práticas insig-nificantes e descontínuas transborda na disseminação das grandes institui-ções e dos paradigmas sociais. Como eloquente exemplo desse surgimento vil e ordinário, Foucault discorre sobre o nascimento da prisão, que não emerge das grandes teorias penalistas do século XVII6, mas está atrelado à difusão de duas práticas: as “lettres de cachet”7 e as clausuras, práticas que regulavam o confinamento nos conventos, o regime integral de perma-nência dos corpos dos operários nas fábricas e dos “doentes” nos hospitais (FOUCAULT, 2003B).

Entre os séculos XVII e XVIII, foi inventada uma nova mecânica de poder, em princípio incompatível com a teoria da soberania (FOUCAULT, 2005a): a disciplina. Os mecanismos de poder que caracterizavam a sobe-rania vinculavam-se à terra e aos seus produtos, ao deslocamento e à apro-priação dos bens e da riqueza, enquanto que a disciplina se exerce sobre os corpos e sobre o que eles fazem, constrangendo-os no tempo e no trabalho e sistematizando contínua e permanentemente a vigilância sobre cada indivíduo (FOUCAULT, 2005a).

Apesar da separação entre os registros jurídicos e disciplinares, do alheamento das práticas disciplinares frente ao discurso legal, da diferença entre norma e lei (FOUCAULT, 2005a), houve uma espécie de deslizamento e conjugação entre os dois registros na segunda metade do século XIX, no que Foucault (2005b: 41) considera “jogo da dupla qualificação médica e judiciária”, no qual as circunstâncias atenuantes, a qualificação, a apreciação e o diagnóstico do criminoso e a associação entre crime e loucura passaram a prevalecer sobre a ocorrência do crime, emprestando relevo ao criminoso

no tempo e no espaço, que definiram para uma época dada e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT apud CASTRO, 2009: 337). 6 Que pensavam primordialmente nas penas de morte, de suplício e humilhação, de talião e de degredo, como formas exemplares de castigo.7 As lettres de cachet, que em português poderiam ser traduzidas como “cartas de encarceramento”, eram práticas em que pessoas comuns demandavam ao soberano que seus desafetos fossem presos, encar-cerados até “aprenderem seu erro” e modificarem seu comportamento. Assim, filhos que colocassem em risco a honra do clã, devedores etc., seriam submetidos a tal procedimento, que, na época, não era iden-tificado com uma pena, mas como estratégia de correção eficaz. A disseminação do modelo prisional procede, portanto, de práticas sociais que originariamente não foram pensadas juridicamente, tendo uma origem totalmente diversa.

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e entrelaçando as práticas jurídicas e disciplinares aos discursos médicos, psiquiátricos e psicológicos.

A junção entre os dois tipos de discurso – o judiciário e o médico – circunscreve e inventa o indivíduo perigoso, ou seja, aquele que nem é louco e nem criminoso, mas que eventualmente pode ser perigoso. Além disso, também consolida a noção de perversidade em relação à loucura, ou seja, uma série de constantes biográficas conceituadas no exame médico-legal, como maldade, orgulho ou obstinação, que se organizam através de modelos de moral e família:

... a junção do médico com o judiciário implica e só pode ser efetuada pela reativação de um discurso essencialmente parental-pueril, parental-infantil, que é o discurso dos pais com os filhos, que é o discurso da moralização mesma da criança. (...) é o discurso que não apenas se organiza em torno do campo da perversidade, mas igualmente em torno do problema do perigo social: isto é, ele será também o discurso do medo, um discurso que terá por função detectar o perigo e opor-se a ele. (...) um discurso cuja organização epistemológica [é] toda ela comandada pelo medo e pela moralização. (FOUCAULT, 2005b: 44)

Assim, no cumprimento de dupla estratégia de controle diante do perigo social pressentido nas massas e de moralização das condutas, o amál-gama médico-jurídico revelou-se estratégia bastante potente na mecânica de poder do século XIX.

Da articulação entre os discursos jurídicos e psicológicos no século XIX, centrados na imagem do “indivíduo”, bem como na necessidade de controle do “social”, do conhecimento sobre a psicologia do “criminoso”, da “testemunha” e da “vítima”, podemos depreender que a constituição da psicologia como saber esteve, desde o início, atravessada por demandas jurí-dicas e morais (FOUCAULT, 2005b; BRITO, 1993).

No Brasil, as primeiras ideias “psi” estão associadas ao encontro com as práticas jurídicas e judiciárias, seja no universo da tipificação do louco/crimi-noso nas primeiras décadas do século passado, seja na classificação e exame dos “menores” por psicologistas pouco após a promulgação da primeira lei sobre menores, em 1927. Expressando a ambição científica do período em conhecer o homem e a sociedade, a psicologia esteve a serviço de distinguir

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o indivíduo “normal” e controlar o “desviante”8. Na consideração de que o saber psicológico se inscreve nos discursos que construíram historicamente o homem na sociedade moderna, cabe pensar forçosamente que as teorias e práticas psicológicas participam ativamente na constituição de cenários sociais que valorizam alguns comportamentos e repudiam outros. Em outros termos, considerar que a psicologia se constituiu enquanto discurso depen-dente do campo sociopolítico é radicalmente diferente de pensar que o conhecimento psicológico represente a verdade sobre o sujeito.

Nessa perspectiva, a intenção do presente texto é conhecer alguns sentidos das práticas psicológicas que estiveram e estão historicamente presentes nas Varas de Infância e Juventude. Que práticas e alianças vêm sendo hoje construídas pela Psicologia face ao adolescente em conflito com a lei? É possível problematizar novas formas de inserção dos discursos “psi” ou continuaremos acriticamente perpetuando a existência de infâncias desi-guais em nosso país? Privilegiaremos os impactos da produção da categoria menor no Brasil e sua oposição à noção de criança, mapeando os discursos psicológicos na construção desses perfis.

Crianças e Menores no Brasil

Para compreendermos a invenção de práticas diferentes para as crianças e para os menores no Brasil, é necessário que retrocedamos ao século XIX para conhecermos a intrincada e complexa trama tutelar que o Estado brasileiro modelou para as crianças e os jovens em nosso país.

No Brasil, as primeiras menções à expressão menor estão presentes no Código Criminal do Império, definindo as penas aplicáveis no caso de cometimento de crimes “por menores de idade”. A expressão resvalou do universo jurídico para o social ao final do século XIX, passando a designar as crianças nascidas nas camadas mais baixas da pirâmide social. Nesse trajeto, do jurídico ao social, a expressão assume conotação de controle, pois, ao segmentar setores sociais, cria categorias de crianças consideradas “suspeitas” e “potencialmente perigosas”, na associação entre o perigo e a pobreza, tal

8 A esse respeito, consultar as duas edições de Clio-psyché – Histórias da Psicologia no Brasil, ambas orga-nizadas por Jacó-Vilela, Jabur e Conde Rodrigues; a primeira foi publicada em 1999 pela EdUERJ e a segunda, em 2001 pela Relume-Dumará. Ver ainda a coletânea organizada por Brito, Temas de Psicologia Jurídica, publicada em 1999 pela Relume-Dumará.

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como sonhara a Epistéme Moderna e tal como o Higienismo propôs logo a seguir.

Importante destacar que as dinâ-micas sociais presentes no Brasil Colônia, e mesmo no Brasil Império, se caracteri-zavam pela supremacia do poder decisório dos patriarcas familiares, com ínfima parti-cipação do poder público (notadamente da Igreja Católica)9 no âmbito privado.

Segundo Lobo (2008), mesmo com a vinda da Corte para o Brasil os hábitos coloniais permaneceram inalterados em grande parte do país durante o século XIX (com exceção do Rio de Janeiro e da Bahia). Predominavam as pequenas vilas com as habitações parcamente mobiliadas; o convívio indiferente com a sujeira, fosse como estratégia para proteção contra maus-olhados e feitiçarias, fosse porque aqui ainda não se desenvolvera uma sensibilidade higiênica; os hábitos fami-liares de reclusão nos espaços das varandas, “tão isoladas do mundo como se encontrassem nas profundezas de uma floresta...” (PRIORE, 2000: 86-87). Até a transferência da Corte, as famílias da elite pouco iam às ruas, perma-necendo no interior das residências com camisolões, pés descalços, seios nus, camisas desabotoadas e chinelas, o que contrastava com o exagero de enfeites nas raras ocasiões em que saíam de casa, quando se cobriam com joias, rendas, sedas e mantilhas (LOBO, 2008).

Naquele contexto, a imagem da criança, inventada pela Modernidade, não existia. Postman (2002) considera que, apesar da crescente importância que o conceito de infância assumiu nos países protestantes europeus desde o século XVI, nos países católicos a instituição infância só apareceu muito mais

9 No período colonial o Tribunal da Inquisição esteve presente por três vezes no Brasil, em 1591 e 1618 na Bahia e em 1763 no Grão Pará, objetivando o controle sobre os cristãos-novos, detentores de riquezas que interessavam ao Reino português, além de também pretender evitar a “perdição da alma” das classes dirigentes que aqui habitavam, em contato direto com gentios e ex-judeus (LOBO, 2008: 77-78).

Perigo e pobreza foram paulatinamente associados pelas ciências humanas (antropologia, sociologia, psicologia) pois, desde o advento das Revoluções Burguesas, os aglomerados populacio-nais e as multidões nas ruas passaram a ser percebidas como potencialmente perigosas e desestabilizadoras da ordem. O higienismo, como discurso médico específico, será peça fundamental na conjugação entre pobreza e risco social, na medida em que se preocupava com a invenção do conceito de saúde, dife-renciando-se da medicina clássica, que atuava diante do surgimento da doença. Assim, visando à saúde das populações, o higienismo criou toda uma sistemática de cuidados e controle dos corpos por especialistas em higiene social, o que incidiu na desqualificação dos comporta-mentos dos mais pobres e na produção de estratégias de controle sobre tais grupos. (COIMBRA e NASCIMENTO, 2003)

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tarde, com a perpetuação medieval da invisibilização da criança, precocemente associada ao adulto10 ou, então, vista como um ser sem expressão social.

Essa digressão nos permite compreender o choque cultural de Luccock no Brasil do século XIX, ao presenciar o funeral de uma criança:Foi ouvida uma mãe que assim se exprimia: “Ó como estou feliz! Ó como estou feliz, pois que morreu o último dos meus filhos! Que feliz estou! Quando eu morrer e chegar diante dos portões do céu, nada me impedirá de entrar, pois que ali estarão cinco criancinhas a me rodear e a puxar-me pela saia, exclamando: Entra, Mãe, entra! Ó que feliz estou!”, repetiu ainda, rindo à grande. Se isso fosse um exemplo isolado dos sentimentos maternais estranhos poderia ser considerado efeito de um desvio mental passageiro, o caso porém, é que a satisfação em tais momentos é geral demais... (LUCCOCK, 1820, apud LOBO, 2008: 309)

Segundo Postman, o surgimento da infância está diretamente relacio-nado à invenção da tipografia e à disseminação do livro impresso:

...o Homem Letrado (...) [foi criado]. E ao chegar deixou para trás as crianças. Pois no mundo medieval, nem os jovens e nem os velhos sabiam ler e seu interesse era pelo aqui e agora, o “imediato e local’, como disse Munford. (...) Mas quando [surgiu] a prensa tipográfica (...), uma nova espécie de idade adulta [foi inventada]. (...) Depois da prensa tipográfica, os jovens teriam de aprender a ler (...) e para realizar isso precisariam de educação. Portanto a civilização européia reinventou as escolas. E, ao fazê-lo, transformou a infância numa necessidade. (POSTMAN, 2002: 50)

Para o mesmo autor, a consolidação da infância seguiu trajetórias distintas nos países católicos e nos países protestantes em razão da valori-zação da capacidade de ler a Bíblia na língua nacional pelos últimos, opos-tamente às sociedades em que predominava o catolicismo e, portanto, asso-ciavam a leitura às práticas hereges dos reformadores religiosos que contes-tavam os dogmas oficiais.

10 Freyre nos conta que, no Brasil Colônia, meninas e meninos, tão logo cumpriam o sacramento da primeira comunhão, eram automaticamente considerados adultos, podendo inclusive se casar (FREYRE, 2000).

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Em meados do século dezesseis os católicos começaram a se afastar da alfabetização socializada, vendo a leitura como um agente desinte-grador (...) e a leitura foi equiparada à heresia. (...) Um dos resultados do desinteresse dos católicos pela tipografia e da aliança que fizeram com ela os protestantes foi uma assombrosa inversão da geografia intelectual da Europa. (...) Entre outras coisas (...) a infância evoluiu desigualmente, porque após a filtragem das complexidades históricas, surge uma equação bastante simples: onde a infância foi sempre alta-mente valorizada, havia escolas e, onde havia escolas, o conceito de infância desenvolveu-se rapidamente. (POSTMAN, 2002: 51-53)

Ratifica essa hipótese a constatação de que a escolarização não era valorizada no Brasil colônia, embora a vinda da família real tenha produ-zido mudanças nesse panorama. Segundo Lobo (2008), a mudança da comitiva real trouxe consigo os primeiros autores que reconheciam a impor-tância do processo educacional, principalmente no período do 2º Império. Multiplicaram-se os internatos para meninos ricos, justificados por argu-mentos médico-pedagógicos que avaliavam positivamente o afastamento das crianças de suas famílias pois tais núcleos, recentemente emersos do universo colonial, ainda apresentavam características consideradas nocivas ao desenvolvimento da nova elite que os higienistas se propunham a formar, elite essa que deveria zelar pelos valores burgueses em ascensão.

Afastar as crianças dos pais e do mundo externo significava, também, afastá-las da cidade, lugar das aglomerações e dos abafamentos. As regras de higiene prescreviam as condições de salubridade dos colé-gios, a começar pela localização longe do centro da população, em situação mais elevada, em edifício espaçoso, vizinho à vegetação. (LOBO, 2008: 312)

Além disso, no Brasil Colônia, o espaço das ruas era ocupado apenas pelos escravos e desclassificados; foi a chegada da nobreza portuguesa que tornou imperativo construir uma dimensão pública na qual as classes dominantes pudessem transitar. Em resposta a tal necessidade, os discursos higienistas estabeleceram concomitantemente a urgência da repressão dos desviantes e desclassificados nos espaços coletivos (que deveriam estar libe-rados para o trânsito das famílias de bem) e a valorização dos espaços privados associada ao cultivo da interioridade (ARIÈS, 1981; SENNETT, 1999).

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Não por acaso, a presença das camadas mais pobres nos espaços públicos, comum no período colonial, passou a ser vista como potencial-mente conflitiva, violenta e contestadora da ordem instituída. A crimina-lização dos pobres e a patologização dos locais públicos expressavam os temores das classes dominantes e revelaram-se estratégias eficazes para a liberação daqueles lugares para a elite.

Ao mesmo tempo, era imperativo investir na construção de um novo imaginário do trabalho, até então amplamente desqualificado pela população livre e branca, que identificava o trabalho como coisa de negro. Assim, fazia-se frente às resistências da população branca em trabalhar e construía-se um sentimento de identidade nacional, visto que era comum, ainda no Brasil Império, que a população se identificasse regionalmente. Ser gaúcho, mineiro ou baiano era referência mais central que ser brasileiro (BAPTISTA, 1999).

A montagem de sucessivas estratégias discursivas foi crucial para destacar o valor positivo do trabalho (“Deus ajuda quem cedo madruga!”); a disposição do brasileiro para o trabalho, exaltada na frase “Brasileiro é um povo trabalhador!”, parecia ignorar a franca contradição com o fato de que, por mais de três séculos, só os escravos trabalhavam no país. Outras expres-sões buscavam mais diretamente a coesão e a identidade brasileiras: a frase “Brasileiro é honesto, brasileiro é alegre”, queria deixar para trás as formas mais tradicionais de reconhecimento que apelavam para os regionalismos.

No período marcado pela Independência, pela passagem à República, pela abolição da escravatura e pelos grandes impactos potenciais dessas mudanças políticas, dominava a preocupação com o controle e com a ordem. Nessa conjuntura, o controle dos escravos recém-libertos e a preocupação com a temática da infância se mesclaram nas dimensões médicas, pedagó-gicas, policiais e jurídicas.

O sistema de trabalho abandonava o escravagismo e exigia o disci-plinamento das massas, sobretudo porque a oferta de postos de trabalho atraía imigrantes europeus, entre eles os descontentes com a disciplina por lá exigida (RAGO, 1985). A caracterização da irracionalidade das massas e das (psico)patologias sociais se tornaram estratégias de controle dessa multidão populacional que exigia o ingresso no cenário público.

Ademais, é importante enfatizar a contribuição de alguns argumentos eugenistas no incentivo da imigração européia, pois tais teóricos defendiam

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a importância da melhoria da raça brasileira, que eles avaliavam ter grandes riscos de degenerescência em função da quantidade de negros no país (cerca de ¾ da população), estimulando a entrada de imigrantes brancos que pode-riam depurar a descendência (LOBO, 2008). Ao mesmo tempo, destacavam a incapacidade dos negros para se qualificarem pela aprendizagem, conside-rando-os incapazes para exercerem o trabalho livre, dificultando, ou quase inviabilizando, sua assimilação como mão-de-obra paga, principalmente nas cidades, empurrando-os para o trabalho braçal nas zonas rurais.

Delineia-se, portanto, o impacto dos discursos científicos na natu-ralização das diferenças sociais. Assim, a pobreza foi associada a certos grupos ou indivíduos: a ociosidade, a indolência e os vícios seriam inerentes aos pobres, de modo que a miséria que os afetava seria derivada de sua preguiça e de sua inferioridade. Falamos aqui de um tempo que popula-rizou a antropometria, a medição de ossos, crânios e cérebros, tecnologia que identificava nos corpos os sinais tangíveis da inferioridade dos mais pobres (COIMBRA e NASCIMENTO, 2003).

Assim, os impactos dos saberes científicos que estavam sendo cons-truídos sobre a infância, dentre eles a pediatria, a pedagogia, a puericultura e as influências da Escola Positiva de Cesare Lombroso e de suas noções biodeterministas – a degenerescência, a predisposição ao crime, as tendên-cias antissociais e a transmissão hereditária – revelaram-se fundamentais na diferenciação entre crianças (filhas das famílias ricas) e menores (filhos dos pobres), respaldando e naturalizando a lógica de dominação política pelo viés da anormalidade, da disfuncionalidade e da doença.

Essas distinções visavam o enorme contingente de ex-escravos que passou a ocupar as ruas e a preocupar as classes mais altas (SANTOS, 2000b). De fato, a apropriação dos saberes médicos, psicológicos e antropológicos revelou-se estratégia eficaz para controlar esse contingente populacional e tranquilizar as famílias da elite, assustadas com o que os filhos de suas mães-pretas lhes poderiam fazer (BATISTA, 2003).

Nesse percurso, o corpo biológico é transformado em corpo (e problema) político, já que é expressão e face visível de algo que é da ordem da interioridade, mas que não pode mais fugir nem do escrutínio da ciência nem dos imperativos do controle.

Na verdade, como já considerava Donzelot (1986), a distinção entre os conceitos criança e menor expressa origens de classe, sendo a infância niti-

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damente uma construção burguesa. No Brasil, as famílias provenientes da elite econômica e intelectual foram cooptadas e adestradas pelos discursos médico e pedagógico, que as identificaram com os ideais de conduta que se propunham implementar. Os segmentos mais pobres da população foram atingidos de forma distinta, através da captura de seus comportamentos e do controle de seus corpos pelos registros policiais e jurídicos. Dessa forma, durante todo século XX, a expressão menor preencheu a necessi-dade de diferenciar os bem-nascidos e os potencialmente perigosos para a sociedade, introduzindo um traço diferencial entre crianças e menores em situação irregular, a estes últimos creditando riscos sociais de ruptura da ordem. Em função dos riscos que evidenciavam, os menores foram sistema-ticamente internados, afastados de suas famílias, enquanto que as crianças – que no século XIX tinham sido enviadas para os grandes internatos – passaram a ser educadas junto aos seus núcleos familiares de origem, após o disciplinamento das famílias da elite pelos apelos higienistas (RIZZINI e RIZZINI, 2004; AYRES, 2001).

Na identificação das diferenças entre os grupos familiares de acordo com sua origem social, os discursos psicológicos que começavam a influen-ciar os meios acadêmicos europeus e norte-americanos instituíram parâ-metros de normalidade. As condutas boas e saudáveis eram assimiladas aos modelos familiares dos mais ricos, ao passo que os padrões de conduta das camadas mais pobres passaram a ser vistos como desviantes, patológicos ou irregulares, como ocorreu com a condenação da liberalidade sexual e afetiva comum entre os ex-escravos e pessoas pertencentes aos grupos mais baixos do estrato social.

A preocupação do projeto preventivista foi o trabalho e a família. (...) Nas fábricas, o cotidiano operário, devido ao grande número de negros e mestiços, foi convertido em risco e necessitado de atenção. A casa ‘promíscua’, o botequim como foco desencadeador do alco-olismo, as praças freqüentadas por vadios, os jogos, o ócio, tudo foi motivo de preocupação; em resumo, a produção científica da época e os programas de higiene mental localizaram no cotidiano das classes populares hábitos nocivos ao equilíbrio urbano. O ‘povo’ sem a tutela médica trouxe o caos à cidade. (BAPTISTA, 1999: 120)

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A tessitura das leis e instituições dirigidas ao menor

Como visto, os conceitos médico-pedagógicos predominaram na definição da criança, enquanto os atravessamentos jurídico-policiais foram fundamentais para a categorização do menor. Não por acaso, a assimi-lação jurídica dos preceitos higienistas realizou-se, no Brasil, através da construção da Doutrina da Situação Irregular. Essa Doutrina foi a prer-rogativa legal utilizada para embasar os dois Códigos de Menores que vigiram no Brasil: o primeiro promulgado em 1927 e o segundo, em 1979. Ressalte-se que, coincidentemente, ambos tiveram suas trajetórias ligadas a ditaduras políticas, sendo que o primeiro antecedeu em poucos anos o Estado Novo de Vargas, enquanto que o segundo foi promulgado em plena Ditadura Militar.

Ambos caracterizavam-se por partilhar o entendimento de que apenas os menores em situação irregular seriam alvo do Poder Tutelar do Estado – o que, na prática, elegia os menores abandonados, delinquentes, pervertidos ou em perigo de o ser, ou seja, os mais pobres. Esta concepção doutrinária identificava os menores como objeto do Direito (ARANTES, 2000) e criava mecanismos que permitiam ao Estado atuar diretamente nesses núcleos familiares: a suspensão do pátrio poder do pai ou da mãe que, por abuso de autoridade, negligência, incapacidade ou impossibilidade de exercer o seu poder, faltasse habitualmente ao cumprimento dos deveres paternos (RIZZINI e PILOTTI, 2009).

Aqui, convém salientar que a ação destinada à menoridade era reco-nhecida, no próprio círculo jurídico, como uma atuação menor, pois, segundo alguns juristas, seus parâmetros não correspondiam aos princípios mais basilares do Direito. Essa avaliação serve como crivo analítico da prática proposta pelo modelo da Situação Irregular: intervenção sobre o menor, enquanto categoria forjada à parte da infância, e sobre sua família de origem, sem qualquer referência aos direitos de um ou de outro; em síntese, uma desqualificação da própria ideologia da igualdade perante a lei.

Alegavam os defensores da Doutrina da Situação Irregular que a intervenção do Juiz seria sempre supostamente protetiva, o que garantiria a preservação dos interesses de seus tutelados sem a necessidade do recurso ao contraditório, à ampla defesa ou aos prazos de representação e contestação

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da sentença. Esses argumentos, contudo, ignoravam o interesse da ordem na criminalização do jovem pobre e na privação de sua liberdade através da internação (BATISTA, 1998), interesse forjado no olhar criminal do século XIX e perpetuado no modelo da Situação Irregular.

Não por coincidência, as primeiras referências à utilização do discurso “psi” na sociedade brasileira datam das primeiras décadas do século XX, pouco após a criação do primeiro Juízo de Menores, em 1923, e da promul-gação do Código de Menores de 1927, na corrente de preocupações com o destino que deveria ser dado à infância desadaptada e às crianças difíceis. A partir de então, os instrumentos de avaliação e diagnóstico psicológicos foram sendo paulatinamente incorporados pelas instituições de abrigo e/ou correção de menores, a despeito da própria profissão de psicólogo não ser ainda reconhecida à época11.

Dito de outro modo, o discurso e a prática psicológica sobre a infância caracterizaram-se no Brasil como instrumento de adaptação e controle da menoridade, constituindo-se o menor como um dos primeiros objetos de estudo que se conhece na história da psicologia brasileira (COIMBRA, 2002).

Nesse momento, é importante destacar que, durante todo o século XVIII, na constituição das teorias do Direito Penal Positivo, emergiu como principal objeto desta ciência definir o que é o crime, visto como alguma forma de transgressão efetiva a uma norma escrita e codificada. Em contra-partida, durante o século XIX, outro objeto foi sendo paulatinamente elabo-rado, qual seja, o valor do conhecimento e da identificação da figura do criminoso (FOUCAULT, 2003), sendo secundário o efetivo cometimento da infração à lei. Pretendeu-se, assim, atuar sobre o criminoso em potencial, sobre sua identidade interior e perigosa, controlando-o antes de qualquer ato criminoso, o que no Brasil foi sancionado através da apreensão por atitude suspeita no início do século XX:

Na linguagem policial, a expressão ‘atitude suspeita’ não foi nunca usada para indicar que o jovem estivesse fazendo algo suspeito, mas para indicar que ele era considerado automaticamente suspeito pelos sinais de sua identificação com um determinado grupo social. (BARATTA, 1998: 12)

11 A profissão “psicólogo” só viria a ser reconhecida legalmente no Brasil em 1962.

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O Laboratório de Biologia Infantil, inaugurado no Rio de Janeiro em 1936, pretendeu constituir critérios para a institucionalização de menores e oferecer subsídios para os programas desenvolvidos nos estabelecimentos correcionais, apresentando os fatores psíquicos, sociais, intelectuais e orgâ-nicos que estariam na gênese do comportamento delinquente. Em outras palavras, o Laboratório queria estabelecer as bases científicas para a desti-nação asilar e para o tratamento dos menores qualificados em situação irregular e submetidos à tutela estatal. O que se pretendia era constituir um conjunto de critérios científicos para embasar as decisões judiciais, numa época em que a sociedade conferia grande crédito à ciência (OLIVEIRA, 2001). É digno de nota que, na composição da equipe do Laboratório de Biologia Infantil, esti-vesse representada a nata da intelectualidade de então; por seu intermédio, a sociedade brasileira foi apresentada às teorias mais avançadas da época, incor-poradas do pensamento europeu com claros propósitos de controle social. Entre outros saberes, a psicanálise era, nas palavras de Nunes (1992: 72), valorizada enquanto um saber que poderia se tornar um instrumento útil para os programas de eugenia (...). O que interessava era a possibilidade que alguns de seus postulados abririam para o projeto de controle e transformação dos indivíduos.

Com a anexação do Laboratório de Biologia Infantil ao Instituto Sete de Setembro em 1938, torna-se ainda mais claro seu modelo de ação: inves-tigar e classificar social, médica, pedagógica e psiquicamente o menor, como meio de promover o resgate do “desviante, enquadrando-o à normatividade dos registros de mão-de-obra infanto-juvenil” (OLIVEIRA, 2001: 240). Vê-se assim que a apropriação de discursos psicológicos foi útil para capturar, obje-talizar e adestrar os menores.

As décadas que se seguiram assistiram à crise do complexo tutelar de assistência à infância, nos moldes propostos pelo Código de Menores de 1927. Essa crise tinha raízes tanto na crítica contundente aos parâmetros de exclusão e repressão que imperavam nas políticas para a infância quanto na necessidade de desonerar um sistema que se havia agigantado. Outra crítica relacionava-se à extrapolação da ação dos Juízos de Menores para além da esfera judicial, através da atuação no que seria (ou deveria ser) de competência executiva.

No plano das práticas, as instituições alteraram a forma de tratamento destinado às famílias dos internos, passando a reinvesti-las de autoridade.

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O discurso oficial passou a defender a internação como último recurso e a postular que os menores fossem mantidos junto a seus familiares. Paralela-mente, as primeiras ideias de defesa da importância da adoção de crianças passaram a ser apresentadas à sociedade, pela primeira vez desvinculando a adoção de um cunho patrimonial e dando-lhe caráter assistencial.

Na realidade, a proposta de que as famílias “abrissem seus corações” a novos membros não era habitual entre os brasileiros das primeiras décadas do século XX, que normalmente utilizavam o recurso jurídico da adoção para legitimar filhos bastardos, diante da inexistência de filhos legítimos, evitando-se que os bens familiares fossem herdados por outros que não os membros da família.

Em 1959, a ONU sanciona a Declaração de Direitos da Criança, cujos efeitos, embora não tenham sido imediatos, marcarão as gerações futuras do pensamento sociojurídico brasileiro.

Pouco depois da elaboração da Carta da Assembleia das Nações Unidas, aconteceu o Golpe Militar no Brasil, em 1964. A Política de Segu-rança Nacional pautava todas as ações federais e, neste contexto, também a menoridade foi alçada à condição de problema de segurança máxima. O regime militar proclamava que os grupos de menores que circulavam livre-mente pelas vias públicas colocavam em risco a segurança coletiva, pois parti-cipavam ostensivamente de crimes contra o patrimônio, seriam autores de homicídios (BAZÍLIO, 1985) e por isso deveriam ser controlados e contidos. Em consequência, o Estado passou a adotar um conjunto de medidas que tem por alvo a conduta antissocial do menor, como o recolhimento de jovens pela polícia e seu posterior encaminhamento à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada em 1964.

O segundo Código de Menores surge no período da abertura política e se constitui numa tentativa de responder às críticas ao modelo repressivo em vigor, que ecoavam discussões internacionais sobre o garantismo legal e a criminologia crítica. Cedendo a essas críticas apenas em questões menores e em aspectos pouco relevantes, a lei Nº 6.697 – promulgada em 1979 – manteve a concepção de menor como objeto jurídico, na perspectiva doutri-nária da Situação Irregular. O texto abria mão da classificação da infância em abandonada ou delinquente, mas disfarçava a categoria abandonado na análise das condições sociais e econômicas da família, defendendo a falta de condi-

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ções materiais da família como argumento jurídico para a cassação, tempo-rária ou definitiva, do pátrio poder. Com base em tais paradigmas, o Código de 1979 ampliou em muito o poder dos magistrados, praticamente centrali-zando sobre os juízes o poder de acusar, defender e sentenciar os processos sobre sua responsabilidade.

As críticas ao Código de 1979 evidenciaram-se desde a sua promul-gação e, na esteira do processo de redemocratização da sociedade brasileira, movimentos sociais se manifestaram a favor da publicação de um novo texto para a infância e juventude, articulando-se através do Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente (o Fórum DCA), cujo principal alvo polí-tico era a Reforma Constitucional. Esse movimento conquistou importante vitória ao inscrever, no texto constitucional de 1988, pela primeira vez na história brasileira, a concepção da criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos de direitos sociais, políticos e jurídicos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) é o texto legal que consolida esses direitos constitucionais.

A Doutrina da Proteção Integral é a principal inspiração do ECA e se insere no contexto em que o Brasil assume – diante da comunidade inter-nacional – o compromisso de implementar e defender a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção dos Direitos da Criança de 1989. Destaque-se que o Brasil foi o primeiro país da América Latina a considerar tais normativas na constituição de uma lei para a infância e a adolescência.

Dentre as inúmeras inovações introduzidas pelo ECA, enfatiza-se a submissão do texto legal aos princípios, regras, técnicas e conceitos da ciência jurídica: ao Juiz, cumpre compor litígios; ao Ministério Público, incumbe fiscalizar a lei e a titularidade das ações protetiva e socioeduca-tiva; o advogado ou o defensor público devem representar a criança e o jovem no interior do processo legalmente constituído; as questões da Polí-tica Social passam à responsabilidade das administrações locais; além de ser nítida a valorização das avaliações da equipes técnicas interprofissionais, introduzindo o profissional psicólogo no quadro institucional das Varas de Infância e Juventude.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adoles-cente restituíram às crianças e aos menores brasileiros, ao menos na letra da lei, a igualdade jurídica.

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Apesar da importância dos dispositivos mencionados, no início da década de 1990 assistimos à entrada dos discursos neoliberais no cenário político brasileiro, o que, na prática, representou enorme entrave para que os princípios e ideais constitucionais e estatutários fossem efetivamente apli-cados. Assim, o neoliberalismo redimensionou o papel do Estado, desquali-ficando a participação estatal nas políticas sociais de base (saúde, educação, trabalho etc.) e propugnando a filosofia do Estado Mínimo, caracterizada pelo retraimento nas ações sociais e incremento de sua face penal.

Apesar da nova legislação propor a substituição do termo estigma-tizante menor pelas expressões criança e adolescente, estas não são usadas ainda pela maior parte dos operadores do Direito (BULCÃO, 2002). Esse pode ser considerado um sinal de que, em que pese a promulgação do ECA, prevalece entre os operadores jurídicos o imaginário menorista. Obser-vamos ainda que algumas ações estrategicamente dificultaram a efetivação do Estatuto , como ocorreu com o Juízo de Menores no Rio de Janeiro, criado em 1923 e que, em 1989, foi desmembrado em duas varas, sendo a 2ª Vara da Infância e Juventude formada com a competência exclusiva de processar e julgar os atos infracionais praticados por adolescentes. Tal ato tem sido alvo de vários questionamentos pois, se um dos principais pressupostos do Estatuto é a superação da distinção histórica entre as cate-gorias menor e criança, a criação de um Juizado com a competência exclu-siva de examinar os feitos relacionados à infração e ao delito termina por ratificar espaços de segregação, estigmatização e exclusão social, remetendo o jovem autor de infração penal a um atendimento jurídico diferenciado. Dessa forma, tal desmembramento choca-se com a concepção doutrinária da Proteção Integral, construindo (ou mantendo) estruturas que se pautam no discurso penalista e criminalista (CURY, SILVA e MENDEZ, 1996).

Com essa separação, o Tribunal de Justiça Fluminense assumiu posi-cionamento que deu margem a interpretações judiciais que cindiram a aplicabilidade das medidas protetivas e socioeducativas de acordo com a clientela atendida. Como desdobramento desse entendimento, a dimensão protetiva seria aplicável aos carentes, enquanto que somente a medida socio-educativa seria cabível aos infratores, interpretação que contradiz a própria lei 8069/90 (ECA), que estabelece a garantia de aplicação de medidas protetivas ao adolescente, ainda que cometa atos infracionais.

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Além disso, ancorado na inimputabilidade penal prevista no artigo 228 da Constituição Federal, o cometimento de infrações por adolescentes deverá ser compreendido através dos princípios previstos na Doutrina Proteção Integral, ou seja, deve-se avaliar e considerar quais sejam as medidas protetivas e socioeducativas mais adequadas para transformar positivamente a conduta dos jovens, pugnando por sua reeducação e ressocialização. Assim, contrapondo-se à segregação, estigmatização e penalização dos Códigos de Menores, o ECA propõe a inclusão social, a defesa de direitos das crianças e jovens e a aplicação de medidas protetivas e socioeducativas.

Todavia, a perspectiva criminalizante e punitiva prevista nos Códigos de Menores inspira ainda parte expressiva das práticas institucionais que se dirigem aos adolescentes que cometem atos infracionais.

Por sua vez, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança (CONANDA), órgão responsável pela deliberação e fiscalização de políticas de atenção a crianças e adolescentes em nível nacional, instituiu em 2006 o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), disposi-tivo que padroniza nacionalmente os procedimentos jurídicos que devem ser seguidos para os adolescentes em conflito com a lei, desde a apuração do ato infracional até a aplicação das medidas socioeducativas. Dentre outras transformações no atendimento, o SINASE prevê alterações na arquitetura das unidades de internação do sistema socioeducativo, que deverão atender, no limite, a 90 adolescentes por vez, em quartos para no máximo três jovens. Outro ponto destacado é a horizontalidade das construções, bem como prio-rização do direito à educação, saúde, lazer, cultura, esporte e profissionalização. Além disso, corroborando os resultados de pesquisas internacionais que asso-ciam elevados índices de reincidência à maior institucionalização, o SINASE prioriza as medidas em meio aberto (prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida) em detrimento das restritivas de liberdade (semiliberdade e internação em estabelecimento educacional), na perspectiva de que as duas últimas só devam ser aplicadas excepcionalmente e de forma breve.12

O Estatuto da Criança e do Adolescente contempla as mais modernas reflexões na área: seus princípios pautam-se na adoção plena de institutos

12 As discussões internacionais contemporâneas têm ressaltado a importância da descriminalização dos jovens, em particular no cometimento de "delitos de bagatela”. Entende-se que delitos menores, quando praticados por jovens, inscrevem-se em um processo amplo de descoberta de limites e testagem da autoridade. Além disso, estudos recentes mostram que a repressão do Estado não reduz sua incidência. Ao contrário, faz com que ela aumente (SANTOS, 2000: 169-179).

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jurídicos de defesa de direitos; oferecem as diretrizes e os meios para a formulação e a implementação de políticas públicas em prol da dignidade, da igualdade e da liberdade das crianças e jovens brasileiros; tratam o ato infra-cional segundo os mais modernos parâmetros internacionais. Contudo, sua implementação efetiva requer condições para o exercício pleno da cidadania. Essas ainda não estão dadas. Desse contraste decorre o discurso recorrente segundo o qual não se instituiu a aplicação integral do texto legal. A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a sociedade consegue assimilar as propostas de mudança. Essa assimilação, por sua vez, é atravessada pelo impacto da mídia, que frequentemente conclama à punição, à prisão ou à internação dos jovens infratores, em particular se são pobres, fomentando a cultura do medo e a projeção paranoica dos temores sobre os destituídos.

Nesse sentido, é importante analisarmos um discurso que vem ganhando fortes adeptos entre os juristas: aquele que prega que o inadequado funcionamento do sistema socioeducativo é derivado da ausência de um Direito Processual Penal Juvenil 13. Alega-se que a constituição de um ramo de direito especializado garantiria a execução correta das Medidas Socioe-ducativas (MSE) que, aí sim, pugnariam pela ressocialização e reeducação.

Em nosso entendimento, contrariamente, o precário funcionamento do sistema socioeducativo se articula à continuidade do olhar penal sobre o adolescente em conflito com a lei, ou seja, a prevalência da convicção de que o adolescente que comete algum ato infracional é um criminoso e que a internação nada mais é do que uma prisão juvenil.

Importante frisar que o sistema jurídico brasileiro tem como pilares as normativas ditadas pela Constituição Federal de 1988 e que o artigo 228 esclarece que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, ou seja, a Carta Magna determina que os adolescentes jamais possam ser considerados como criminosos, o que é distor-cido todos os dias nas práticas jurídicas e policiais que apresentam atos infra-cionais a partir das leis penais, mencionando os artigos do Código Penal (lei 2.848/1940) e da Lei de Entorpecentes (lei 11.343/2006), em flagrante contradito com o texto constitucional.

13 Tramita atualmente no Congresso Nacional projeto de lei sobre a Execução das Medidas Socioeduca-tivas nesta perspectiva (GOMES NETO e RUIZ DIAZ, s/d; ARANTES, 2004).

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Alegam tais atores que esta prática se justifica pelo artigo 112 do ECA, onde o ato infracional é definido como análogo ao crime ou à contra-venção penal. Cabe aí a compreensão do que seja analogia ou comparação, ou seja, estratégias de aproximação de sentido, mas jamais de formação de identidade. Assim, na comparação estabelecida pelo legislador, o ato infra-cional não é tornado idêntico ao crime ou à contravenção penal, devendo-se considerar inclusive a abissal distância existente entre os princípios que regem a pretensão punitiva do direito penal e a concepção de proteção inte-gral da pessoa em desenvolvimento – base doutrinária e principiológica que atravessa todo e qualquer processo que incida sobre crianças e adolescentes em nosso país.

Por outro aspecto, mesmo que queiramos utilizar o Direito Penal como referência judicativa, esta não se sustenta no momento de caracteri-zação do ato infracional praticado por adolescentes, pois os princípios exis-tentes na perspectiva penalista consideram que, na hipótese de existência de duas leis que rejam um ato criminoso, deverá forçosamente prevalecer aquela que possa favorecer ao réu sobre todas as demais (POLASTRI, 2009), o que, no caso em análise, indiscutivelmente é o Estatuto da Criança e do Adoles-cente. Outro princípio jurídico que pode ser invocado deriva da ideia de que, entre uma lei geral e uma lei especial, prevalecerá a lei especial, ou seja, novamente, o ECA.

Consoante o que dispõe o SINASE, não é demais destacar que há de se priorizar sempre que a criança e o adolescente que cometam um ato infra-cional sejam inseridas em medidas efetivamente protetivas e socioeducativas que pugnem por sua ressocialização e reeducação, não se concebendo, na correta interpretação dos princípios do ECA, que o caráter penal se disse-mine para esta faixa etária.

Donde cabe produzir os questionamentos a seguir:1. Por que, no julgamento de segunda instância de processos de atos

infracionais praticados por adolescentes, a competência para julgar recai sobre Câmaras Criminais14? 14 O Judiciário brasileiro tem constitucionalmente a previsão de que as pessoas insatisfeitas com as decisões de primeira instância dos juízes monocráticos (chamadas sentenças) podem recorrer a uma instância superior, hipótese em que seus processos serão julgados por grupos de desembargadores, que se reúnem em Câmaras, sendo suas decisões nomeadas como acórdãos. Em nosso país, a regra é de que os recursos derivados de processos de Varas de Infância sejam julgados em Câmaras Cíveis, com exceção dos atos infracionais praticados por adolescentes que, como no Rio de Janeiro, podem ser remetidos para Câmaras Criminais. Conforme já problematizado, essa prática considera subliminarmente a aplicabilidade

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2. Não seriam tais práticas afrontas ao preceito constitucional de inim-putabilidade, na medida em que naturalizam a perspectiva criminal para os constitucionalmente inimputáveis?

3. Por que não criar turmas recursais próprias para a apelação de processos oriundos dessas varas, principalmente na concepção da especifici-dade da lei e do sistema de atendimento nas dinâmicas que se relacionam à questão da infância e juventude?

Em suma, acreditamos que, apesar de hoje já ser fato suficientemente conhecido que as penas privativas de liberdade fracassam de forma reiterada em suas proposições preventiva e corretiva – o que, na análise de Baratta (1999), parece estar articulado a objetivos velados do próprio sistema penal –, o propósito punitivo permanece como emblema-mor da rede penal, sendo amplamente divulgado pela mídia formadora de opinião.

De forma eloquente a perspectiva penal vem prevalecendo atual-mente. Muito embora pretenda, como na primeira metade do século XX, o controle dos corpos e espaços potencialmente úteis para o mercado de trabalho, a prisão objetiva na nova lógica social a posse do tempo daqueles que são privados de sua liberdade (VIRILIO, 1996). Tal transformação é exemplificada na transformação dos clamores sociais diante da ideia da prisão. Assim, verificamos claramente que a profissionalização dos apenados perdeu sua razão de ser, ao passo que as demandas se repetem para que os prisioneiros permaneçam, pura e simplesmente, mais tempo presos, não para serem transformados positivamente nesse período, mas controlados no tempo em que a pena durar.

Em todo caso, os questionamentos sobre o alcance das leis sobre os adolescentes não devem se restringir aos juristas, devendo ser exercício de cidadania de todo brasileiro e especificamente dos profissionais que traba-lham com este público.

Alguns caminhos vêm se revelando mais receptivos à diferença, e veremos, a seguir, a formação do paradigma da Justiça Restaurativa no Brasil e como esse modelo pode nos apontar diretrizes que compatibilizem o prin-cípio da Proteção Integral e a aplicação das medidas socioeducativas.

do olhar penal ao adolescente em conflito com a lei, mesmo em contradição com o texto constitucional.

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Justiça Restaurativa no Brasil: o ECA e a responsabilização do adolescente em conflito com a lei

O Brasil vem assistindo, desde 2003, à consolidação de três experiên-cias pioneiras de práticas restaurativas, através da parceria estabelecida entre o Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvol-vimento (PNUD) (SLAKMON, VITTO e PINTO, 2005). A proposta do projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasi-leiro” é participar da constituição do processo restaurativo como meio alter-nativo à resolução de conflitos no país.

A iniciativa brasileira encontra amparo nas Resoluções promulgadas pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (26/1999; 14/2000 e 12/2002), que estabelecem princípios para construção de programas restaurativos no âmbito da Justiça Criminal, bem como na Declaração sobre os Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Crimes e Abusos de Poder, produzida pelo ONU em 1985, que apresenta de forma inédita a ideia de que a atenção e cuidado com a vítima também sejam parte das políticas criminais.

Nas Resoluções mencionadas, a ONU apresenta uma base ampla de princípios, procedimentos e resultados que definem o que se espera das práticas restaurativas, mas sem limitar as possibilidades de experimentação e constituição de processos díspares em função das diversidades regionais e culturais. Assim, merecem destaque as várias modalidades de aplicação dos processos restaurativos em países como a Argentina, Colômbia, África do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Canadá e Estados Unidos.

Atualmente, estão em curso no Brasil os projetos-piloto de São Caetano do Sul, Brasília e Porto Alegre (PINTO, 2005). Dentre estes, dois especificamente abordam dinâmicas envolvendo adolescentes em conflito com a lei: São Caetano do Sul e Porto Alegre. Apesar de tratarem da mesma população-alvo, os projetos de São Caetano do Sul e de Porto Alegre são substancialmente diferentes entre si, não obedecendo a um único modelo.

Na primeira cidade, as intervenções acontecem nas escolas da rede municipal de ensino e consistem basicamente na formação de círculos restaurativos em que se fazem presentes adolescentes envolvidos em conflitos no ambiente escolar (ofensores e vítimas), um facilitador, uma

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liderança pedagógica, conselheiros tutelares e familiares dos adolescentes envolvidos. Apesar do apoio prestado pela Vara da Infância e Juventude local, os encontros e procedimentos ocorrem fora do espaço do Fórum, priorizando-se o ativismo comunitário.

Em Porto Alegre, todavia, o foco é distinto, pois as práticas restaura-tivas acontecem no interior da Vara de Infância e Juventude, com a presença de facilitadores (normalmente membros das equipes técnicas interprofissio-nais do Juízo, ou seja, psicólogos e assistentes sociais), adolescentes (autores) que já tenham processo de ato infracional instaurado naquele juízo, as vítimas dos atos praticados e familiares de ambas as partes. O procedimento apresenta consequentemente cunho judiciário, embora seja protagonizado por todos os interessados no deslinde do conflito.

Em ambos os projetos, os resultados são muito positivos, indicando que a reincidência é praticamente inexistente e que o nível de satisfação das pessoas envolvidas é bastante elevado: ao término dos círculos ou reuniões restaurativas, os participantes vêm expressando que se sentiram atendidos em suas necessidades, entendendo que alcançaram a solução mais justa e viável para todos. Para que isso ocorra, parece fundamental que o ofensor possa encontrar apoio no grupo, conseguindo ressignificar seus atos, compreendendo-os do ponto de vista da vítima e reorientando seus posicio-namentos; igualmente essencial é que a vítima também se sinta amparada e acolhida, de forma a poder expressar seus sentimentos e elaborar suas vivências traumáticas.

O paradigma da Justiça Restaurativa é bastante oportuno na formação de uma nova cultura jurídica e social mais comprometida com o que ECA preconiza há quase vinte anos. Na ênfase da responsabilização, da participação ativa e do protagonismo juvenil, detectamos valiosos instru-mentos para consecução das metas almejadas pela lei especial, ou seja, a reeducação, a ressocialização e a ressignificação pelo adolescente dos atos que vier a cometer.

Além disso, a Justiça Restaurativa conclama toda a sociedade a se coresponsabilizar por construir uma realidade mais digna e mais justa, na acepção mais abrangente do que seja justiça social.

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Psicologia e Direito: Desafios do Presente

Em 1992, na então recém-criada Vara para atendimento exclusivo de adolescentes em conflito com a lei (a 2ª Vara da Infância e Juventude, sob titularidade do MM Juiz Siro Darlan), foi criado o primeiro Núcleo de Psicólogos atuantes no Tribunal de Justiça do Estado, através do desvio de função de profissionais concursados para outros cargos. O Núcleo se manteve até fevereiro de 1999 e foi politicamente atuante, inclusive inter-pondo-se tecnicamente à naturalização de algumas dinâmicas institucionais para o adolescente em conflito com a lei.

Em 1998, no Rio de Janeiro, foi realizado o primeiro concurso de psicólogos para o Tribunal de Justiça do Estado, sendo os primeiros profis-sionais “psi” convocados, em fevereiro de 1999, para atuarem em Varas de Família; de Infância e Juventude e na Vara de Execuções Penais. A entrada dos psicólogos concursados no sistema foi atravessada por peculiaridades das Varas de Justiça em que foram lotados, caracterizando-se o início das ativi-dades pela existência, ou não, de alianças com as assistentes sociais, com os funcionários dos cartórios, com a rede de recursos existentes e, também, com os juízes. Tão logo ocorreu a inserção dos primeiros psicólogos, delinearam-se diversas demandas a este grupo profissional, principalmente a elaboração de laudos periciais anteriores ao momento das audiências judiciais, de modo a melhor embasar a decisão do magistrado. Além disso, solicitações de acompanhamentos posteriores às audiências e encaminhamentos para a rede também se tornaram reiteradas.

Desde então, uma série de questionamentos sobre os alcances e limites éticos que atravessam as práticas psicológicas vem se constituindo, o que se torna nítido nos diversos encontros promovidos pela categoria em todo o Estado, ocasiões em que se discutiu desde a importância da devolução das entrevistas aos sujeitos atendidos (inclusive quando em conflito com a lei), a problematização sobre o que um laudo deve conter (preservando o sigilo sobre temas e questões que não tenham relação com o processo) e, ainda, sobre a implicação dos sujeitos nos processos em que estão envolvidos.

Efetivamente, reconhecer que uma das principais contribuições do psicólogo consista em resgatar a autoria dos envolvidos na dinâmica proces-sual é assunto exaustivamente explorado por psicólogos que atuam nas Varas

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de jurisdição voluntária. Mas o que dizer sobre a possibilidade de as pessoas participarem de processos de jurisdição não voluntária – quando o Estado inicia a ação, como é o caso dos processos de atos infracionais praticados por adolescentes – e se tornarem sujeitos nessas situações, podendo transformar o processo judicial em um instrumento de afirmação e potência subjetivas? Para tanto, o reconhecimento do potencial político da psicologia é essencial para pôr em marcha algumas práticas que apontam para a resolução desse impasse, tais como: cursos de sensibilização dos cartorários e funcionários das instituições que trabalham com Varas de Infância e Juventude diante da mudança de paradigma trazida pelo ECA; formação de alianças e de práticas alternativas ao projeto penal-represssivo, como a Justiça Restaurativa; além da própria utilização do laudo como instrumento político de marcação de singularidade e afirmação da diferença.

Sobre esse último aspecto, e sem qualquer pretensão de construir modelos, partilhamos uma interessante experiência sobre a qual foi deman-dada a confecção de um laudo psicológico há alguns anos. Foi solicitado que produzíssemos um estudo psicológico sobre o adolescente Antônio15, 13 anos, com vistas à sua transferência para uma unidade de semiliberdade.

O adolescente ficou abrigado desde os sete meses, permanecendo na primeira instituição asilar que funcionava sob regime de casa lar até os 9 anos, sendo depois transferido para outras três instituições, dada a dificuldade de vagas para meninos em sua cidade natal. Apesar do abandono familiar que vivenciou desde bebê, o processo de Destituição de Poder Familiar só foi proposto quando a criança já estava com 9 anos, o que dificultou sua colo-cação em família adotiva, tendo sido realizada uma única e fracassada tenta-tiva de adoção, aos 12 anos. Antônio já havia retornado há sete meses para o abrigo quando fugiu da instituição, sendo encontrado na estrada rodoviária que circundava o município. Ao ser encaminhado para o Conselho Tutelar, Antônio disse que se chamava João, que se perdera de sua família, que era muito feliz com seus pais e que desejava reencontrá-los.

Ao tomar conhecimento do ocorrido, a direção do abrigo solicitou que o adolescente fosse transferido para uma “instituição para menores infra-tores”, posto que havia cometido “crime de falso testemunho” e que já teriam tido problemas com Antônio anteriormente, já que o jovem teria solicitado

15 Os nomes das pessoas foram trocados com o objetivo de preservação das identidades.

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uma camisa de presente de aniversário e depois a teria “destruído”, levando-a para o colégio, onde a roupa foi assinada por todos de sua classe. Essa decisão foi ratificada pelo parecer da equipe técnica.

O pedido de elaboração do estudo à equipe técnica do Juizado procu-rava manter um olhar punitivo que se dirigia sobre o menino e não construía uma relação com o mesmo. Na elaboração do texto, procuramos destacar o quanto Antônio era invisível na instituição em que estava há quase um ano e que não conseguia dimensioná-lo em sua complexidade, atentando para alguns de seus comportamentos e ignorando outros.

Assim, o desejo de uma outra história (tal como a que contou para o conselheiro tutelar) e a vontade de tornar seu um objeto que lhe foi dado (tal como fez com a camisa que lhe deram) eram condutas iden-tificadas negativamente pelo abrigo, tomadas como comportamentos destrutivos e até “criminosos”.

Anteriormente ao laudo e à posterior devolução verbal que fizemos, o abrigo não questionara a responsabilidade do Estado na longa institu-cionalização daquele adolescente e, principalmente, no que o próprio Antônio pensava sobre tudo aquilo. Na intervenção, procuramos desmontar a produção do perfil delituoso que estava sendo imputado ao adolescente, implicando o abrigo nesse processo e demarcando a escolha de lentes que montaram um olhar de desconfiança e culpa sobre aquele jovem.

Concluindo de forma não conclusiva

A ciência é formada por repetições, padrões e assujeitamentos e o discurso psicológico há muito oscila entre a sedução do cientificismo e a assunção de posicionamentos mais críticos e políticos no mundo. Proble-matizar as articulações entre as aspirações científicas no discurso psicoló-gico e a trajetória das práticas, que historicamente vem sendo constituídas pela psicologia frente à infância e juventude brasileiras, foi o propósito do presente texto.

No atendimento às demandas da instituição judiciária, há sempre o risco de ratificarmos o entendimento estereotipado de um certo discurso jurídico sobre as pessoas que são as “partes” nos processos, impondo a elas os efeitos do saber psicológico, sem que efetivamente atuemos na defesa da subjetividade e da singularidade. Atentos às filigranas no processo avaliativo

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dos indivíduos, escapa-nos justamente que, na repetição da relação de poder, “objetalizamos” os sujeitos que supostamente deveríamos acolher e escutar.

Como perpetuadores de uma visão (clássica) da psicologia, consi-deramos muitas vezes que a qualidade da prática psicológica depende da capacidade de estabelecer diagnósticos através do recurso a técnicas formais. Nessa concepção, o psicólogo trabalha acriticamente diante da positividade da lei, distante e inatingível, que não deve ser questionada ou sequer conhe-cida, não sendo parte do conhecimento “psi”16.

Consideramos fundamental atentarmos para a importância e urgência do questionamento ético-político das nossas práticas, o que implica inclusive o conhecimento da lei e de sua efetividade na sociedade. Além disso, já é hora de refletirmos sobre as crescentes demandas que são lançadas aos psicólogos do Judiciário em todo o país, pois entendemos que a instituição judiciária é palco de várias relações de poder, sendo evidente que o discurso psicológico forçosamente expressa posições diante das relações que ali se constelam, seja ratificando o instituído e docilizando os corpos na malha judiciária17, seja colocando-se a favor, consoante as palavras de Basaglia, da “positivação e politização da criatividade [como] estratégias de enfrentamento ao silêncio e à indiferença” (BAPTISTA, 1999: 117).

Será possível construirmos uma realidade de práticas de liberdade e não de assujeitamento dentro da instituição Judiciária, ou nos amansaremos através de constructos assépticos que constroem a “patologia do adolescente”, a “imaturidade parental” ou a “repetição de padrões familiares”?

Na indagação preciosa de Mello,

...será possível olhar as pessoas, sentir o cheiro das gentes, molhar-se com as águas da pobreza das ruas e ainda assim estar falando de psicologia? (...) Podemos, num ato voluntário de reconhecimento, aproximarmo-nos da humanidade que procura se furtar aos olhares carregados de desprezo e ou indiferença? (MELLO, 1999: 10)

16 A criminologia crítica, desde a década de 1970, alerta sobre a seletividade do sistema penal, que torna criminosas algumas condutas, enquanto naturaliza outras. Coimbra e Ayres tecem interessante análise sobre o papel que a criminalização da pobreza desempenhou na separação entre crianças e seus respon-sáveis no Brasil recente. Embora desde o advento da Constituição Federal de 1988 a miséria não possa mais ser elencada como razão para ruptura de laços familiares, a culpabilização dos núcleos familiares mais pobres continua agora sob a chancela da “violência doméstica” e da “negligência” (COIMBRA e AYRES, 2009).17 Recordamo-nos nesse momento das palavras de Ramos e Shaine que, na apresentação do trabalho do psicólogo em São Paulo, referem-se à ideia de que é demandado ao psicólogo que “cozinhe” os conflitos, demarcando que, na acomodação dos primeiros psicólogos no Fórum de São Paulo, os locais escolhidos foram a cozinha e a copa (RAMOS e SHAINE, 1994).

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Acreditando que é possível a militância no espaço público e o estra-nhamento à indiferença e apatia dominantes, implicamo-nos na construção de um presente e um futuro em que a atenção à singularidade seja o norte-ador do trabalho diante de crianças, adolescentes e suas famílias, pois apos-tamos no encontro, como no dizer do poeta:

Estou preso à vida e olho meus companheiros, estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Carlos Drummond de Andrade, Mãos Dadas.

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