santo tomas de aquino joão ameal

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FILOSOFIA E RELIGIONOVA SRIE1." VOLUMESO TOMS DE AOUIMO, PARAN r OCO jAJOO AMEALda Academia Portuguesa da Histria" .SO TOMS DE AQUINOIniciao ao estudo da sua figura e da sua obra,0 5" BIBLIOTECA FCO. BELTROPARAN O ,Carta-Prefcio de Jacques MaritainCher Monsieur:Je me rcjouis de tout coeuv que vous prsentiez au public portugais un expos si intressant et si bien informe de la doctrine de saint Thomas d'Aquin. Je me souviens de nos conversations de Lisbonnc, et de Vmotion que fprouvais alors vous entendre parler du Docteur Ang-lique avec un si fecvent duouement. Je suis heureux de souhaiter aujourd'hui bon succs au travail que vous publicz, et fespre quil donnera beaucoup le dsir d'entrer plus avant, par une tude dirccte et oersonnelle, dans la connaissance du thomisme.Tout en tant en continuit avec le sens commun, la pense thomiste est sigulirement difficile et dlicate saisir dans ses profondeurs; fai toujours pense que pour cela Vaide des grands oommentateurs est prcieuse, et quil nest pas de meilleur guide ce point de vue que votre et notre puissant et genial Jean de Saint-Thomas. Puissiez-vous lui susciter des disciples et des admirateurs en Portugal! Puisse votre livre aider au dveloppement d'un thomisme vivant, aussi fidle aux moindres prncipesJacques Maritain.Jacques Maritain.VIII carta-prefcioJacques Maritain.Jacques Maritain.du maitrc que soucieux de comprendre Ia pense modevne et de se renouveler son contact! Plus 1'organisme est integre, plus forte est Vassimilation.Saint Thomas n apparent pas au Moyen Age; dans la puret transcendante de sa mtaphysique et de sa tho-* logie, il apparent tous les temps. Plus '{avance dans la vie, plus '{admire la merveilleuse fcondit de sa pense. Gardons-nous. en ce qui concerne notammcnt son rapport aux sciences de la nature ou aux choses de 1'ordre social ou politique, de croire que cette sublime pense se laisse enfer-mer dans les cadres des ralisations historiques de son temos. Sur les applications particulires quelle comporte de nos jours, de bons thomistes peuvent avoir des opinions dlff-rentes. Quil s'agisse de la relation entre les sciences et la philosophie de la nature, ou de la situatiort exacte de la phi-losophie morale, ou des problmes sociaux de notre temps vous connaissez mes positions, telles quelles sont exposes dans mes derniers livres. Je ne connais pas encore celles que vous proposerez dans Vouvrage sur les ides sociales et politiques de saint Thomas d'Aquin que vous annoncez. Mais je suis bien sur, en tout cas, que nous sommcs daccord sur ce point que, ternellement jeunc, la doctrine de saint Thomas, repense avec une force suffisante, est capable de fournir les rponses anciennes et nouvelles aux divers problmes qui font Vangoisse du monde moderne:En souhaitant encore une fois bonne chance votre si intressant et vivant ouvrage, je vous prie de croire, cher Monsieur, mes sentiments bien cordialement dvous.10, rue du Pare Meudonie 7 Dcembre, 1937(Seine et Oise)Trecho de uma carta dirigida ao autor por Jacques Maritain, a propsito da segunda edioAmbassade de France prcs le Saint-Sigc Rome. le 29 Septembre 1945.Cher Monsieur,Cette dition nouvelle me donne penser que la pre-mire aura eu au Portugal le succs que mritc ce livre. La premire partie en est d'un historien minent et dun homme de coeur: elle sait nous montrer en Saint Thomas tout ce qui a ou le faire appeler le Docteur Anglique. La secondc partie est dun penseur averti qui apporte une belle pierre 1'difice d'un thomisme toujours vivant et qui donnera Saint Thomas des admirateurs nombreux et certainement aussi des disciples [idies.]'ai t heureux aussi de lire la trs remarquable con-frence que vous avez faite sur Saint Thomas d'Aquin Mai-tre de 1'Ide-Neuvc. Aujourd'hui plus que jamais il nous faut nous imprgner de ces admirables ides que Saint Thomas mcttait en lumire au milieu dun Moyen-Age dans lequel sa pense ne s'est jamais laiss enfermer.En vous renouvelant mes flicitations les meilleures. je vous pric de croire, cher Monsieur, mon amical sou-venir et mes sentiments trs dvous.Palavras prviasiEm todos os grandes centros estrangeiros de cultura se d hoje especial importncia ao estudo das filosofias medievais e, no primeiro plano, daquela filosofia que mereceu o ttulo justo de perene e que a voz insuspeita de Bergson no hesitou em chamar a metafsica natural da inteligncia humana. Longe vai o tempo-graas a Deus! em que se falava a srio no obscurantismo medieval e era de bom-tom exibir, a propsito da Escolstica, um desdm to soberano como grotesco. Nos nossos dias, seja qual for o conceito que se forme do valor c do alcance da especulao dos Doutores medievos, ningum se atreve a contestar a necessidade e a vantagem de se conhecer a fundo um perodo que tanto enriqueceu a civilizao universal.No" deficientssimo panorama da actual literatura portuguesa, a falta de trabalhos de exposio e vulgarizaoXIIpalavras prviasXIIpalavras prviasdos maiores autores da Meia-idade faz-se sentir h muito. Entre eles, superior a todos, avulta o nome de Toms de Aquino, que a Igreja proclamou seu Doutor preferido e cuja obra, desde o sculo xm, alimenta vasta corrente do pensamento teolgico e filosfico, de novo em pleno e fecundo reflorescimento. Por assim o entenderem, e muito bem, que os dirigentes da considerada Livraria Editora Tavares Martins nos pediram, para a sua coleco de Filosofia e Religio, um volume acerca de So Toms, que oferecesse ao pblico uma sntese fiel e acessvel da personalidade e da" doutrina do glorioso Mestre dominicano.Acedemos a esse pedido com alvoroo tal o jbilo que nos causou a idia de reavivar, ante os portugueses de hoje, a imagem daquele que consideramos o maior pensador de todos os tempos. Acedemos e o arrependimento no tardou. A tarefa era pesada demais para ns, que ao seu servio apenas podamos pr um culto j antigo pelo Doutor Anglico e o vivo desejo de colaborar, dentro dos nfimos recursos que possumos, na expanso da perennis philosophia.O livro est pronto e vai seguir o seu destino. Ao rel-lo agora, salta-nos vista a enorme distncia entre o muito que sonhmos - e o pouqussimo que fizemos. Com toda a sinceridade: apenas nos satisfazem as pginas em que transcrevemos directamente o Aquinense. As outras, em que procurmos glos-lo ou resumi-lo, parecem-nos duma ilimitada pobreza...Feita esta confisso, nada mais teramos a dizer se no julgssemos ainda til dirigir a quem ler, algumas explicaes prvias.XIIIpalavras prviasXIIIpalavras prvias2Antes de mais nada: porque resolvemos dar primeira parte um desenvolvimento pouco usual?Na maioria dos livros estrangeiros similares, a biografia ocupa meia dzia, quando muito uma dzia, de pginas. Afigurou-se-nos melhor seguir outro critrio, j que nos movia o empenho de interessar os leitores modernos no estudo e no convvio de So Toms de Aquino. Ora os leitores modernos preferem o contacto directo de figuras humanas vaga apario de personagens remotas. Se lhes falssemos rapidamente do Doutor Anglico, imagin-lo-iam submerso na poeira dos sculos, hiertico e descarnado, mais smbolo abstracto do que mestre vivo. Quisemos, por isso, dar-lhes uma idia do que foi a sua existncia terrena, desde a oblatura no Monte-Cassino e as fainas escolares em Npoles, at extraordinria acti-vidade nas ctedras de Paris e de Itlia sem esquecer o lance dramtico das lutas com a famlia para assegurar o triunfo completo duma vocao irresistvel. Quisemos, tambm, situar o Aquinense na sua moldura prpria, desenhar o quadro da vida intelectual do tempo, dos grandes debates que a agitaram, dos principais companheiros e adversrios que rodearam So Toms.Difcil era a empresa, pois no abundam, neste captulo, dados precisos. s fontes primaciais a excelente biografia de Guilherme de Tocco seguida dos depoimentos feitos no Processo de Canonizao de Toms de Aquino, os trabalhos honestos de Bernardo Guidonis e de Pedro Calo, as Vitae Fratrum, a Historia Ecclesiastica de Ptolo-meu de Luca, o Bonum Uniuersale de Apibus de Toms de Cantimpr juntmos os elementos fornecidos porMandonnet (no Sigcr de Brabant et laverroisme latin au. XIIh'm* sicle e nos estudos de pormenor dispersos em vrias revistas), por Martim Grabmann, por Toms Pegues, por Petitot, por Maritain. Esformo-nos por integr-los todos numa narrativa equilibrada e sequente, de modo a evitar os saltos bruscos, as omisses chocantes, os anacronismos inverosmeis que em tantas biografias de So Toms nos surpreendem e desgostam. A novidade, o pequeno mrito, da primeira parte deste livro, esto nisso apenas: em se terem aproveitado materiais esparsos e fragmentrios no intuito de chegar a uma sntese construtiva. Dos textos das Vitae Fratrum, como dos do Chartularium Universita-tis Parisiensis, no pudemos alcanar directo conhecimento: citmo-los atravs dum autor de absoluta confiana: o sbio e probo Mandonnet. Quanto s restantes obras mencionadas, e a outras ainda, que nos prestaram esclarecimentos secundrios, foi cuidadosa a nossa consulta. Diligencimos, ao corrigi-las e complet-las entre si, extrair delas o que maior valor tivesse para o objectivo em vista.Anima-nos a esperana de ter assim conseguido aproximar, dos leitores portugueses, a figura humana de Toms de Aquino sem fices romanescas ou dramticas, mas sem a secura e a frieza usadas, com freqncia, por alguns dos seus bigrafos.3Agora, a segunda parte. Depara numerosas dificuldades quem, como ns, tenta expor, mesmo de forma sinttica ( mais exacto dizer: sobretudo de forma sinttica), as linhas gerais do pensamento tomista. Certos escritores fantasistas e pouco escrupulosos recorreriam, em caso semelhante, ao processo mais cmodo: alinhar com sugestiva eloqncia frmulas vistosas e imagens arrojadas. Chamariam a isso a sua interpretao de So Toms de Aquino e encontrariam, sem dvida, quem lhes elogiasse a potente originalidade... A essa originalidade tanto em voga - preferimos ns uma fidelidade simples. Nada nos interessa valorizar o nosso obscuro nome custa do Doutor Comum. Interessa-nos, sim, reproduzir o melhor que soubermos a sua doutrina.Dizamos, pois: grandes so as dificuldades relativas prpria obra do Aquinense e tambm exigncia de comunicar, em linguagem acessvel ao pblico actual, idias expressas h sete sculos, para um pblico de h sete sculos.As dificuldades da primeira espcie resultam, principalmente, da vastido das matrias, da disperso dessas matrias na obra imensa de So Toms e, ainda, da lentido soberana e magistral com que o Doutor de Aquino procedia s suas discusses e demonstraes.Ningum ignora a espantosa fecundidade do Anjo da Escola. Durante uma curta vida menos de cinqenta anos! produziu elevadssimo nmero de trabalhos sobre os assuntos mais diversos e mais imprevistos. Parte dessa obra gigantesca foi determinada pelas exigncias do ensino que ministrava aos seus discpulos de Paris, de Roma, de Orvieto, de Viterbo ou de Npoles. Parte, pelas questes suscitadas nos debates ordinrios ou quodlibetais que periodicamente se efectuavam nas grandes Universidades medievas. Parte, pelas constantes polmicas em que o Mestre dominicano se via envolvido ou pelos esclarecimentos e conselhos que lhe eram solicitados. Da, a quase desanirrradora riqueza do tesouro insondvel oferecido a quem busque descobrir, na leitura de to variados escritos, as directrizes dum pensamento uno, o esquema essencial duma viso do Universo.Alm disto eis-nos perante outro dos aspectos indicados por virtude da sua vida movimentada de pensador e professor, deixou So Toms disperso em milhares de pginas esse sistema de conjunto que ambicionaramos surpreender e, dentro do possvel, resumir. Assim, por exemplo, algumas questes culminantes da Teodiceia, da tica, da Lgica, da Psicologia so estudadas em tratados diferentes e vistas sob diferentes prismas: aqui, constituem o ponto fundamental a examinar; acol, mero e acessrio pormenor. O nico recurso colher, atravs de cuidadosa pesquisa integradora, os mil subsdios espalhados por todos esses textos. Acontece at ver o prprio Doutor Anglico modificar ou rectificar certo ponto de vista, expendido em qualquer dos seus trabalhos, quando, num trabalho posterior, volta ao assunto, que supe incompletamente esclarecido. Quem se houver limitado verso inicial corre, pois, o risco de ser precipitado ou infiel na reproduo do seu pensamento.Enfim, deve-se recordar que, no sculo xni, o ritmo da vida em geral, e da vida intelectual em particular, no era apressado como nos nossos dias. So Toms, ao escrever para a sua poca, f-lo com a serena lentido da sua poca. Esprito lucidssimo, rigorosamente metdico, visava sempre a anlise exaustiva dos problemas. Expunha-os com ateno e mincia; sondava-os nos mais complexos meandros; pesava o pr e o contra de todas as solues; s se julgava habilitado a concluir depois de ter atingido a medula daquilo que estava em causa, esgotado os argumentos adversos, estabelecido com firmeza a tese proposta. Dar um resumo das suas idias quase impossvel tal a harmonia do edifcio tomista, em que tudo quanto necessrio se contm e tudo, no fim de contas, necessrio.Se assim se enumeram e sublinham as dificuldades ingentes que defrontmos, no para afirmar, com absurdo orgulho, t-las vencido. Ao contrrio: para justificar os lapsos e as deficincias, certamente inumerveis, desta tentativa, efectuada com boa f e boa vontade, mas, insistimos, com a certeza antecipada da enorme desproporo entre um quadro to sumrio e o monumento de que esboa, quando muito, algumas linhas mestras.Havia a escolher entre dois mtodos: uma exposio exclusivamente tcnica, que seguisse passo a passo So Toms e uma exposio literria, em prosa corrente, desprovida de citaes. Ficmos a meio caminho de ambos: o primeiro no parecia compatvel com as dimenses do volume e com o seu caracter de vulgarizao; o segundo seria duma superficialidade imperdovel. Resolvemos, pois, conservar-nos o mais perto possvel dos textos tomistas, indicar constantemente as nossas referncias e transcrever em notas a verso latina dos trechos citados, quando no fossem demasiado extensos. Aqui e alm, socorremo--nos de alguns dos melhores expositores modernos como, entre outros, Sertillanges (nos dois volumes do seu j clssico 5. Thomas d'Aquin e em Les grandes thses de la philosophie thomiste), Gilson (nas belas lies da Universidade de Lille, reunidas em Le Thomisme), Farges e Barbedette (no conhecido e modelar Cours de Philosophie Scolastique), o eminente professor do Seminrio de Coimbra D. Tiago Sinibaldi (nos substanciosos Elementos de Philosophia), etc. Isto sempre na inteno de abreviar e tornar mais claro o nosso trabalho.BTalvez, por havermos escolhido este meio termo, desagrademos aos doutos, que acharo o livro demasiado ligeiro e aos leigos, que o acharo demasiado pesado. Antecipadamente nos resignamos a estas, ou outras, censuras, persuadido de no nos ser possvel contentar a todos. Nem mesmo a ns prprio, que tanto lamentamos no ter podido consagrar um largo captulo Teoria dos Anjos e desenvolver a Ontologia, a Lgica e a Poltica tomistas.De tudo quanto acabamos de dizer resulta a seguinte evidncia: s o contacto directo com So Toms pode dar um conhecimento adequado do Tomismo. Feliz nos consideraremos se conseguirmos inspirar a quem nos oua o irreprimvel desejo de procurar nesse directo contacto aquilo que to imperfeita e precariamente lhe fazemos entrever.4Dentro do plano primitivo, esta obra compreendia uma terceira parte: Actualidade de So Toms. Nela se examinaria no s o que o Tomismo trouxe de novo ao pensamento medieval, mas tambm a Histria da Filosofia desde o Renascimento aos tempos modernos e, por fim, o que o Tomismo deve trazer Idade-Nova. No inclumos essa terceira parte no presente volume porque iramos aument-lo quase para a dobro. Mas pensamos em convert-la numa obra a publicar. Este livro ficar assim como iniciao ao estudo da figura e da obra de So Toms em simples perspectiva histrica. O livro seguinte mostrar a sua projeco ao longo do tempo na perenidade da sua eficincia orientadora e progressiva.Por hoje, j que no nos lcito dedicar ao assunto largo espao, contentemo-nos em afirmar que nunca foram to actuais as lies do Doutor Anglico. De facto, s a Filosofia do Ser, da Verdade, da Inteligncia, do Senso Comum pode salvar, e reconduzir ao caminho de que se extraviou, um pensamento em naufrgio, que apenas considera a mobilidade universal, ou se dissolve num cepti-cismo negador, ou retrograda idolatria msera do Instinto, ou aceita por boas as explicaes fornecidas pelo delrio subjectivo, quando no pelos transes caticos do Inconsciente. Contra as aberraes do mobilismo total, So Toms afirma o Ser como ponto de apoio estvel; contra as negaes suicidas do cepticismo, afirma a existncia da Verdade; contra a mitologia inferior do Instinto, afirma a espiritualidade e a soberania da Inteligncia; contra os desatinos subjectivos e as fbulas do Inconsciente, afirma o predomnio realista do Senso Comum, fundado na claridade inabalvel dos primeiros princpios.E no recorram os adversrios da ocrennis philoso-phia ao mais fcil e mais frvolo argumento! No se declarem incompatveis com a Escolstica tomista sob o pretexto de que se resume a vaga srie de abstraces, a puro jogo verbal. As abstraces do Aquinense correspondem a realidades cingem-nas e interpretam-nas veridica-mente. Essncia e existncia, matria e forma, substncia e acidentes, etc. - so termos que iluminam, com decisiva fora, a especulao humana.Que autoridade teriam, alis, os que assim protestassem? Quase todas as filosofias modernas enfermam do mesmo mal ou antes, dum mal maior, porque a, sim, o que vemos so abstraces em srie e vocbulos fictcios, a encobrir confuso, mistificao ou ignorncia. Algum pode definir com preciso tantas expresses de Kant e dos seus epgonos? O noumcno porventura uma noo clara? E as abstrusas frmulas de Hegel, de Schelling, de Fichte, de Schopenhauer, de Krause? E, mais perto de ns, as trgicas introspeces dum Kirkegaard, as egol-tricas epilepsias dum Nietzsche, o misterioso lan vital dum Bergson, sero modelos de objectividade e de realismo ou autnticos poemas, loucos poemas psicolgicos e metafsicos?... Bem dizia Lantsheere que a filosofia perdeu o seu caracter cientfico para se revestir dum mero caracter esttico! Veja-se por exemplo a moderna escola dos fenomenologistas alemes: - quem sustentar que a Wesenschau (viso das essncias) de Husserl, ou a Einsfuhlen (unidade completa entre dois eus psquicos) de Scheler, ou a Hingelten (tendncia para um valor heterogneo) de Lask, ou a Aporetik (anlise das antinomias, aporias) de Hartmann, ou a Befindlichkeit (intuio emocional) de Heidegger, no rivalizam com as piores entidades verbais da Escolstica da decadncia, da Escols-tica no-tomista ou anti-tomista? Flatus voeis, sem dvida, apenas flatus voeis... E, atravs destas mil quimeras, destes mil fantasmas, destas mil invenes gratuitas a filosofia tem rolado de declive em declive, perdida em hesitaes, em perplexidades irremediveis, em rebeldias estreis, em dramticos becos sem sada... preciso reencontrar a via construtiva e unificadora, dentro da qual o homem vena os seus demnios ntimos, ultrapasse as suas miragens informes, as suas alucinaes pueris, a sua cmica hipertrofia, - para se entregar, com humildade esclarecida, a uma disciplina que o leve conquista da Verdade.Da Verdade absoluta? Pelo menos, da verdade relativa que, sombra da Verdade absoluta e s desde que a reconhea e a respeite humanamente atingvel.Filosofia dogmtica, a de So Toms... Isto afasta os adeptos inconseqentes da liberdade do erro? Mas dum regresso ao dogmatismo que o pensamento humano necessita, para voltar a encontrar-se a si prprio!Filosofia impregnada de teologia insiste-se. Santo Agostinho tinha razo: Verum philosophum est amator Dei. E um autor de agora, Carlos Dunan, ps corajosamente o dilema: Para a filosofia moderna, os problemas transcendentes no existem. Mas a recproca verdadeira: se esses problemas transcendentes existem, o que no existe "a filosofia moderna...So Toms de Aquino clama-nos e demonstra-nos, em todas as pginas que escreveu, a necessidade, a inevitabi-lidade da existncia dos problemas transcendentes. E, primeiro, do Problema Transcendente por excelncia o da existncia dum Deus uno, imutvel, omnipotente, inteligente, sem o qual o mundo no teria sentido, nem razo de ser, nem explicao, nem viabilidade.Porque a Idade-Nova, tal como a antevemos, ser justamente aquela em que outra vez o homem supere os estreitos limites da contingncia e da materialidade, se liberte do crcere em que o encerrou uma longa era antro-pocntrica, se descubra como esprito actuante, ordenado a um alto destino, espelho e servo do seu Criador porque a Idade-Nova ter de ser isto, que no nos basta proclamar So Toms de Aquino Mestre dos tempos passados e presentes, porque o saudmos como o grande e seguro Mestre dos tempos futuros!Casa de Santo Antnio do Vai Ameal - - Setembro de 1937.Principais abreviaturas usadas neste livroSuni. Theol.,, Summa Th.eologica.;>P; P-IP'; IP-IP*; IIP Prima Pars; Prima Pars se-cundae Partis; Secunda Pars secundae Partis; Tertia Pars.Q.; art.; Resp.; ad primum, etc. Quaestio; articulus; Respon-deo; responsio ad primum argumentum, etc.Lib.; cap.; lect. Liber; caput; lectio.Dist Distinctio.Comm Commentaria.As Quaestiones Disputatae so unicamente designadas pelo seu ttulo particular: De Veritate, De Potentia, De Anima, De Maio, De spiritualibu^s creaturis, De Virtutibus in communi, etc.Os ttulos dos comentrios de So Toms, quer aos livros de Aristteles quer aos de outros autores, so geralmente, e apenas, antecedidos da preposio In.PRIMEIRA PARTEEsboo histrico-biogrficoIO FRADEUma famlia medievalMf\ DOIS de Fevereiro do ano de 962, como prmio ^^^^k de ter defendido o Pontfice romano Joo XII do *W ^ Rei Berengrio da Lombardia, Oto-o-Grande, filho de Henrique de Saxe, obtm o direito de cingir a coroa de oiro do Santo Imprio e assim reergue em seu proveito o ceptro abatido de Carlos Magno. Desde ento, nunca mais os novos e arrogantes senhores da Europa Central deixam de ameaar, claramente, a soberania temporal dos Chefes da Igreja. Visto s poderem usar o ttulo de Imperadores depois da coroao em Roma, adquirem o costume de se dirigir capital do mundo cristo seguidos de exrcitos que tudo devastam na sua passagem e trituram sem escrpulo as liberdades locais das pequenas repblicas italianas, to ciosas dos seus direitos e da sua independncia. O prprio Oto-o-Grande depe Joo XII por um acto de fora, ao convencer-se de que o Papa se lhe tornou adverso. Anos mais tarde, Henrique IV, da dinastia de Conrado da Franconia, embrenha-se em nova6so toms de aquino6so toms de aquinoI"I"questo com Gregrio VII o clebre conflito das invs-tiduras, em que um lance teatral leva o csar tudescor humilhado e contrito, ao mea~culpa de Canossa. Durante largo perodo, a rivalidade dos Welf e dos Hohenstaufen, senhores de Weiblingen, que em Itlia se traduz pelas dissidncias dos Guelfos, fiis Santa S, e dos Gibelinos, partidrios do Imprio, vem fragmentar a Alemanha, absorv-la nas suas lutas internas. Frederico Barbarroxa, um Hohenstaufen, levanta de novo o poderio imperial e, atravs da guerra com o Papa Alexandre III, reata a tradio anti-romana dos seus antecessores. Como tem o cuidado de casar o herdeiro do trono com a Princesa Real das Duas-Siclias (onde ento reinam Prncipes norman-dos), a extenso dos domnios de seu filho Henrique VI suscita por parte da Santa S uma hostilidade que no passa, afinal, de legtima defesa. Efectivamente, os Estados Pontifcios podem ser assim atacados de dois lados, pelo Norte e pelo Sul, desde que os Soberanos alemes se decidam a abrir nova campanha.A morte de Henrique VI parece auxiliar os desgnios de Roma. Frederico, seu nico filho, investido no trono das Duas-Siclias, uma criana de quatro anos. Habilmente manobrados, os Prncipes germnicos dividem-se e enquanto alguns deles preferem aclamar Filipe de Su-bia, irmo de Henrique VI, outros escolhem Oto de Brunswick, da famlia dos Welf. Chamado a arbitrar a contenda, o Papa declara-se a favor do ltimo, coroado Imperador com toda a solenidade sob o nome de Oto IV, em 1198.Mas o entendimento no dura. E a primeira metade do sculo xni assinala-se, especialmente na Itlia, por nova srie de conflitos entre o Papado e o Imprio. Oto IV depressa se revolta contra quem lhe permitiu cingir a coroa.Ento, a Santa S excomunga-o e ope-lhe o legtimo rival, o jovem Rei Frederico das Duas-Siclias. Derrotado em Bouvines, por Filipe Augusto de Frana (1214), Oto renuncia luta. E sobe ao trono Frederico II, um dos grandes Imperadores da Germnia medieval, que os seus cortesos ho-de chamar um dia stupor mundi.Tambm com esta experincia a desiluso vai ser cruel. Homem complexo e superior, inteiramente desprovido de escrpulos, animado de ambies formidveis, Frederico II passar a vida em pugnas intermitentes com os Pontfices romanos at ser excomungado a 20 de Maro de 1239 por Gregrio IX, deposto a 17 de Julho de 1245 por Inocncio IV no Concilio de Lio e definitivamente vencido, j prximo da morte, em 1250.(*) O condado de Aquino desapareceu em 1067 e o ttulo extinguiu-se em 1130. (V. Suma Teolgica de Santo Toms de Aquino, Madrid, 1947, tomo I. Introduccin General, por Frei Santiago Ramirez, O. P., pg. 2).A famlia dos Condes de Aquino (*) toma parte importante em alguns destes acontecimentos. Poderosos senhores feudais cujo domnio se exerce sobre largo territrio, habitam o castelo de Roccasseca, que, pela sua posio no alto duma colina de escarpas abruptas, constitui verdadeira fortaleza. Um dos seus mais notveis representantes, o Conde de Somacla, capito-general de Frederico Barbarroxa, como recompensa dos servios que lhe presta, recebe em casamento a prpria irm do Imperador, Francisca de Subia. O filho de ambos, Landolfo de Aquino, desposa Teodora de Teate, filha dos Condes de Chieti, descendente dos Prncipes normandos conquistadores da Siclia. Est,7o frade8so toms de aquinoportanto, ligado s mais ilustres dinastias da Europa e no lhe falta mesmo um elo de parentesco com o grande Monarca francs Lus IX. As tradies militares, dominantes na famlia, so mantidas por alguns novos cavaleiros, filhos de Landolfo e Teodora: Aymon, Filipe e Adenolfo. Tiago de Aquino consegue ser eleito, a 11 de Fevereiro de 1217, abade de S. Pedro de Canneto, dignidade clerical representativa de apreciveis benefcios de fortuna; mas a eleio anulada por colidir com os direitos da Santa S (*). Enfim: os casteles de Roccasseca formam um ncleo tpico de grande famlia feudal, cujos membros se notabilizam, acima de tudo, nos torneios, nos episdios de caa e principalmente na guerra (2).Mas a Idade Mdia apresenta sempre duas faces: a guerreira e a religiosa durante longo perodo, a primeira subordinada segunda. As Cruzadas fazem da espada a anunciadora e propagadora da Cruz. Pouco a pouco, nesse dealbar do sculo xin, principia-se a sentir um impulso de ascenso: a hegemonia do Esprito tende a estabelecer-se sobre o confuso tumulto dos prlios armados. Os cavaleiros de Aquino acham-se ainda presos era dos prestgios blicos, das rapinas, dos violentos golpes de fora. Outro poder mais alto se levanta. Outra guerra, mais nobre e no menos intensa, vai encontrar em Roccasseca o seu heri.(') Documenta, ed. de M. H. Laurent, O. P., em Fontes vitae S. Thomae, pgs. 532-535.(2) Ver, a este respeito: Pro Roccasecca, ptria di S. Tommaso, por Pellegrini e Scandone e La famiglia di S. Tom-maso de Aquino, por F. Pelster (Civilt Cattolica, 1923, vol. 2).H uma curiosa histria, ouvida por Guilherme de Tocco a Catarina de Morra e depois reproduzida no processo de canonizao de Toms de Aquino. Baseia-se num relato feito por Teodora de Teate quela sua neta (*). Certo eremita com fama de santo, que habita na montanha onde se debrua o castelo de Roccasseca, procura-a para lhe dizer: Nobre senhora, alegrai-vos. Dareis em breve luz um filho. Pensareis, de acordo com o vosso marido, em o consagrar vida monstica no Monte-Cassino, onde descansa o bem-aventurado Bento, na esperana de o ver governar mais tarde essa Abadia e usufruir importantes rendimentos. Mas os desgnios de Deus so diversos. Pertencer Ordem dos Pregadores. Brilhar com "tal fulgor na cincia, com tal santidade na vida, que outro no haver que se lhe compare na sua poca. E o eremita, que tem o nome de Frei Buono, acrescenta que o nascituro dever chamar-se Toms, nome que significa abismo e j por si misterioso...Deve ser apenas uma lenda. usual, neste tempo, rodear as biografias de Santos de prodgios simblicos. Guilherme de Tocco, o mais autorizado bigrafo e pane-girista de Toms de Aquino, atribui inteiro crdito anunciao de Frei Buono visivelmente decalcada da do Anjo Gabriel Virgem Maria e fornece ainda alguns pormenores sobre os primeiros anos do filho mais novo dos Senhores de Aquino. Verdadeiros? Imaginrios? Nem vale a pena demorar-nos na investigao da sua autenticidade porque nada afectam o essencial e porque seria impossvel decidir de maneira positiva.(') Catarina filha de Guilherme de Sanseverino e de Maria de Aquino, irm de So Toms. Em 1269, casa com seu tio Francisco de Morra.Parece certo o nascimento de Toms em Roccasseca, nos finais de 1244 ou nos princpios de 1225, antes de(l) Tem sido largamente debatida a data do nascimento de Toms de Aquino. Autores dos mais categorizados variam a este respeito. Por exemplo: Martim Grabmann (Thomas von Aquin. Eine Einfhrung in seine Persnlichkeit und Gedanken-welt, pg. 171), Santiago Ramirez, (op. cit., pg. 2), indicam o final de 1224 ou o comeo de 1225. Flix Sartiaux (Foi et Science au Moyen Age, pg. 153), prefere 1224. A. D. Sertillan-ges (Saint Thomas d'Aquin, vol. i, pg, 1) e G. K. Chesterton (Santo Toms de Aquino, trad. H. Mufioz, pg. 62), optam por 1226. O cardeal Gonzalez (Histoire de la Philosophie, trad. de Pascal, n, pg. 242) oscila entre os anos de 1225 a 1227; e o mesmo se l no Grand Dictionnaire Larousse du XIX* sicle, vol. xv, pg. 145, captulo Thomas d}Aquin. Salomo Reinach (Lettres a Zo, n, pg. 36) d, expressamente, 1127 assim como Andr Lefvre (La Philosophie, pg. 233), A. Penjon (Prcis d'Histoire de la Philosophie, pg. 196), R. Moray (Nou-velle Histoire de Vglise, pg. 160) e C. G. Mortimer (Eucharistic Hymns of St. Thomas Aquinas in latin and english, pg. 6).Graas a Pedro Mandonnet, no entanto, que trata o assunto num estudo magistral (Revue Thomiste, xxn, 1914, pgs. 652 a 664), o problema pode-se considerar esclarecido. Com fundamento na informao de Guilherme de Tocco acerca da morte do Doutor Anglico (7 de Maro de 1274), que, segundo diz, ocorre anno vero vitae suae quadragesimo nono (Vita S. Thomae Aquinatis, cap. lxvi), deve-se optar, com segurana, pelo ano de 1225, antes de 7 de Maro. Manifestam-se de acordo Paulo Janet e Gabriel Sailles (Histoire de la Philosophie Les problmes et les coles, pg. 1002), D. Barbedette (Histoire de la Philosophie, 3.* dition, pg. 265), Toms Pegues (Commentaire7 de Maro (*). Guilherme de Tocco fala de um incidente revelador da assistncia providencial que desde logo lhe concedida. Desencadeia-se formidvel tempestade na regio e uma fasca vem cair sobre a torre onde a criana, no seu bero, dormita. Angustiada, Teodora de Aquino corre ao quarto do filho. Toms e a sua ama esto inclumes.Outro prodgio: o da folha de papel que, numa obstinao invencvel, a criana aperta entre as mos e na qual se acham escritas as palavras miraculosas da Av-Maria.Littral, vol. I, pg. Xlii; Initiation Thomiste, pg. 65), Maurcio de Wulf (Histoire de la Philosophie Mdievle, II, pg. 1), Windelband (Storia delia Filosofia, trad. italiana de C. Dentice di Acadia, vol. I, pg. 396), Wbert (Saint Thomas d'Aquin, le gnie de VOrdre, pg. 12), Gonzaga Truc (La pense de S. Thomas, pg. 7), Maritain (Le Docteur Anglique, pg. 1), L. A. Petitot (Saint Thomas d'Aquin, pg. 26), P. Lahr (Cours de Philosophie, 25.e dit., II, pg. 615), Ernesto von Aster (Historia de la Filosofia, trad. de Emlio Huidobro e de Edith Tech de Huidobro, pg. 170), E. Chiochetti (S. Toms de Aquino, trad. de Jos Prez, pg. 13), F. J. Thonnard (Prcis d'Histoire de la Philosophie, pg. 318), Andr Cresson (Saint Thomas d'Aquin, sa vie, son oeuvre, sa philosophie, pg. 1), Joo Zarageta (S. Toms de Aqumo, no seu tempo e agora, trad. do Prof. Arnaldo de Miranda Barbosa, pg. 8), Grabmann (Filosofia Medieval, trad. de Salvador Minguijn, pg. 92; Historia de la Teologia Catlica desde fines de la era patristica hasta nuestros dias, trad. do Pe David Gutirrez, pg. 94) e Estvo Gilson (Le Thomisme, ed. de 1923, pg. 9). Por sua vez, Sertillanges, num trabalho mais recente, Le Christianisme et les Philosophies, pg. 246, adere tambm a este ponto de vista.Note-se: Cayr (Prcis de Patrologie, vol. II, pg. 527), hesita entre os fins de 1244 e os comeos de 1225; na sua esteira, Mandonnet admite uma ligeirssima probabilidade a favor do nascimento nos fins de 1224, mas logo acrescenta que essa probabilidade quase sem valor (ngligeable) Loc. cit., pg. 655.Tudo isto deve pertencer, apenas, cndida simblica medieval. Assim como a imagem daquele outro bigrafo acerca da predestinao singular do nome de Aquino, cuja origem filia na imensa torrente de gua que jorra das montanhas prximas, se espalha nos vales e os fertiliza tal como o far, alegricamente, a doutrina do Doutor Anglico nos domnios da inteligncia crist...(') Toms de Cantimpr, Bonum universale de apibus, lib. I, cap. x, ed. de G. Colvenierius, Douai, 1627, pgs. 81-83.Sobre os pormenores relativos ao prestigioso estabelecimento beneditino: Storia delia Badia di Monte Cassino, de Lus Tosti, que ali exerceu, nos finais do ltimo sculo, as funes de Abade.A vida de Toms de Aquino sai das brumas lendrias e atinge o limiar da verdadeira Histria quando, em 1230, entra como oblato na Abadia beneditina de Monte-Cassino, vizinha de Roccasseca, e confiado a seu tio, o Abade Sinibaldo. Esta resoluo de Landolfo e Teodora obedece sobretudo s finalidade apontadas na profecia, verdica ou no, do virtuoso Frei Buono. De facto, a Abadia de Monte-Cassino representa importante domnio territorial, alta dignidade honorfica e excelente posio estratgica dentro do xadrez poltico e militar do tempo. Toms de Cantimpr, outro dos bigrafos do Santo, descreve-a como a principal Abadia da Aplia e da Campnia. Compreende sete dioceses e centro dum amplo patrimnio senhorial. Alm disso, pode-se transformar em autntica praa forte (*). Em 1229, Frederico II pe-lhe cerco e s consegue a sua rendio graas ao auxlio prestado pelos Cavaleiros de Aquino, que participam da campanha e do saque, aps a vitria. Ora em 1230 conclui-se uma paz provisria entre o Papa Gregrio IX e o Imperador alemo. H reconciliao geral. E Landolfo considera hbil da sua parte enviar o filho mais novo Abadia como penhor de bom entendimento, acompanhado dum princi-pesco dote de vinte onas de oiro oferecidas por ocasio da oblatura de Toms, no s em homenagem ao uso vulgarizado entre as famlias opulentas quando algum dos seus entra em religio, mas tambm com o fim de ajudar a reparar os destroos causados pela guerra do ano anterior. Assim se estabelece recproca aliana, com vantagens para ambos os lados: os poderosos Senhores de Aquino instituem-se defensores e protectores da Abadia,* esta fica tcitamente destinada a ser usufruda um dia pelo oblato de alta estirpe que lhe agora entregue, com significativa pompa.Que se sabe da vida de Toms em Monte-Cassino? Pouco, mas o bastante para desde logo ficar definido o seu perfil moral. Envolto no hbito negro dos oblatos beneditinos, ajuda missa, toma parte nas procisses e cerimnias da Igreja, aprende a ler o latim e a cantar os salmos nos ofcios sagrados, diante do imenso antifonrio do convento cujas pginas volta, uma a uma. A atmosfera profundamente concentrada e mstica exerce nele sugesto que no se apagar. Mais tarde, como fundo sentimental e esttico a todas as suas meditaes de filsofo, adivinha-se sempre a lembrana do ambiente religioso de Monte-Cassino, entre monges diligentes e humildes, molduras constitudas por finos claustros ogivados, celas brancas onde o crucifixo abre clara apario de paz e de resgate ou penumbras de templo sob a fantasmagoria surda dos vitrais policro-mos. Nunca mais o pequeno oblato esquecer todo este cenrio que rodeia as primeiras revelaes da sua vida interior e a marca de serena, espiritual harmonia.Aos dez anos, Toms, que j l e escreve correntemente, estuda os primeiros elementos do latim, da aritmtica c da gramtica. Aos treze, conhece grande parte do Saltrio, dos Evangelhos, das Epstolas de S. Paulo.O Abade Sinibaldo, seu tio e preceptor, encaminha-o tambm nas tradues das obras-primas da Patrstica: os escritos morais de S. Gregrio, as cartas de S. Jernimo, os fragmentos mais acessveis de Santo Agostinho. Assim o iniciam na cultura religiosa do tempo semelhana de qualquer outro oblato de famlia aristocrtica.Precocemente, contudo, mostra-se pensativo e taciturno. Dir-se- que j pesam no seu esprito, aberto muito cedo aos mais largos horizontes, as interrogaes decisivas da metafsica. Horas seguidas, queda-se numa contemplao misteriosa. Certo dia, a um frade que lhe pergunta qual a razo do seu alheamento, responde, com olhar que se perde em distncias remotas: Que Deus?V aqui Guilherme de Tocco ntido pressgio. De facto, esta frase de to profunda simplicidade anuncia j a misso essencial do futuro Mestre dominicano. Viver para Deus, para O adorar e O conhecer eis o seu destino. Ele mesmo o resumir, ao fazer sua a legenda expressiva de Hilrio da Aquitnia no De Trinitate: Tenho a conscincia de ser este o ofcio por excelncia da minha vida inteira, dever-me a Deus, para que todos os meus discursos falem de Ele e O confessem (*).Toms de Aquino vai ser escrupulosamente fiel ao programa assim traado: na sua obra, tudo fala de Deus e a Deus se eleva. Ningum melhor do que o Doutor Anglico responder, neste mundo, pergunta formidvel do oblato de Monte-Cassino.D Ut enim verbis Hilari utar, ego hoc vel praecipuum vitae meae offlcium debere me Deo conscius sum, ut eum omnis sermo meus et sensus loquatur {Summa contra Gentiles, lib. i, cap. ii).Pugil fideiAS a guerra entre o Papa e o Imperador 0 H reacende-se. A 20 de Maro de 1239, Gre-^ W ^1 grio IX excomunga solenemente Frederico II, resolvido a consider-lo inimigo com o qual no pode j haver contemplaes.O csar germnico reage sem demora. No mesmo ano, as suas tropas invadem a Itlia: outra onda de sangue e de violncia alastra sobre os domnios pontifcios. A Abadia de Monte-Cassino, j experimentada por mais duma vez em circunstncias idnticas, um dos fortes baluartes da causa do Papa. Frederico investe-a portanto, atira para o exlio os frades que a habitam. Como tirano implacvel, saqueia depois todos os seus territrios, parece querer extinguir-lhe de vez o poderio espiritual e material.Toms de Aquino, devolvido famlia, volta para Roccasseca. Declara Guilherme de Tocco ser o jovem oblato afastado de Monte-Cassino e encaminhado para16so toms de aquino16so toms de aquinoa Universidade de Npoles por conselho do Abade Sini-baldo, ou talvez do prprio Abade de Monte-Cassino, Estvo de Corvario, a quem se afigura necessria a sua melhor preparao cultural, depois de ter dado tantas provas de precoce inteligncia. certo que Toms revela, j ento, excepcionais dotes de compreenso e de memria e se mostra possuidor de raras aptides para estudos mais desenvolvidos. No entanto, ser intil invocar outros motivos alm deste, que plenamente constitui caso de fora maior: encerrada a escola de Monte-Cassino pelos soldados do Imperador da Alemanha, s duas solues se oferecem ao filho mais novo dos Senhores de Aquino: a residncia pura e simples em Roccasseca ou a busca de novo centro de estudos.Pr o dilema , evidentemente, resolv-lo. No podem ser desprezadas e desaproveitadas as belas qualidades de Toms. Alm disso, bem sabem seus pais que os fluxos e refluxos da poltica do tempo devero restaurar, mais tarde ou mais cedo, a Abadia de Monte-Cassino na plenitude dos seus bens e do seu prestgio. Longe de renunciarem ao sonho de a ver um dia governada por um membro da famlia, mantm integralmente os projectos estabelecidos em torno da oblatura de 1230.Para que Toms de Aquino possa, no futuro, ocupar to importante dignidade, ser vantajoso tambm faz-lo obter o grau de Doutor em Teologia. Aps longo colapso, a cultura cientfica e filosfica progride, com renovado esplendor, em todo o mundo cristo. Dois Conclios realizados em Latro e as diligncias constantes de trs Papas Inocncio III, Honrio III, Gregrio IX impulsionam o clero para os estudos superiores.Tudo isto determina o envio do jovem oblato para a Universidade de Npoles, onde se instala provavelmente no pequeno cenbio de S. Demtrio, que pertence Abadia de Monte-Cassino.Segundo a orientao pedaggica de ento, consagra-se Toms de Aquino ao estudo das chamadas artes liberales, divididas em dois grupos: as arres triviales, ser-monicales, rationales, que constituem o trivium: gramtica, retrica e dialctica; as arres quadriviales, reales, physica, mathematica, que constituem o quadrivium: aritmtica, geometria, astronomia e msica.No primeiro grupo, tem por mestre em Npoles Pedro Martinus, que lhe ministra ampla cultura humanstica e o pe em contacto com os velhos poetas e oradores greco--latinos: Virglio e Horcio, Ovdio e Terncio, Juvenal e Sneca, Csar e Quintiliano, Ccero e Mrio Victorino, e tambm com alguns escritores dos incios da Idade Mdia: Orosio, Bocio, Gregrio de Tours. Ao mesmo tempo, industria-o no conhecimento ntimo da dialctica, logo admirvelmente apreendida e que mais tarde Toms utilizar com mestria inexcedvel.No segundo grupo (quadrivium), ensina-o Pedro de Irlanda notabilizado pelos seus comentrios sobre Por-frio, e sobre o Perihermenias e o De longitudine et bre-vitate vitae de Aristteles que ser chamado gemma ma~ gistrorum et laurea morum. A influncia exercida por este professor no esprito do seu discpulo adivinha-se profunda, no tanto pelos vagos e incompletos dados enciclopdicos de autores antigos que lhe fornece: os tratados de Bocio, o Astrolabio de Gerberto, as teorias euclidianas mas porque atrai pela primeira vez a sua ateno para o nome e a obra de Aristteles. Este simples facto marca um lugar a Pedro de Irlanda na histria do pensamento humano: ter sido, porventura, o instrumento do encontro inicial de Toms de Aquino e do Estagirita.Os progressos do moo escolar de Npoles so rpidos e sensveis. Afirma Guilherme de Tocco, de acordo com o depoimento dos contemporneos, que nas aulas o seu gnio comeou a brilhar por tal forma e a sua inteligncia a revelar-se to perspicaz que repetia aos outros estudantes as lies dos mestres de maneira mais elevada, mais clara e mais profunda do que as tinha ouvido (:). No admira, pois, que se torne clebre nos meios universitrios napolitanos. Enchia de admirao os mestres e os discpulos e atravs das escolas voava a sua fama (2).(') In quorum scholis tam luculenti coepit esse ingenii, et intelligentiae perspicacis, ut altius, profundis et clarius aliis audita repeteret quam a suis Doctoribus audivisset (Vita 8. Thomae Aquinatis, ed. de D. Prmmer, em Fontes vitae S. Thomae, cap. vi).(*) Magistros et alios in admirationem adducebat, et per scholas celebris ejus fama volabat. (Vita 8. Thomae Aquinatis, cap. vil).() L. H. Petitot: Saint Thomas d'Aquin, 5.* dit, pg. "52; La vie intgrale de Saint Thomas d'Aquin, pg. 12.(4) P. Mandonnet: Thomas d'Aquin, novice Prcheur (Revue Thomiste, tomo vil, n. 28, pg. 378). j nessa fase de justa nomeada que entra em relaes com os Dominicanos, como afiana Petitot (3), ou, como diz Mandonnet (4), ao dar os primeiros passos na vida estudantil, no Outono de 1239? Inclinamo-nos mais para a ltima verso. Com efeito, os Pregadores, quando Toms de Aquino chega a Npoles, j ali ocupam desde 1231 situao excepcional. Chamados a exercer aco evangelizadora, abriram, conforme os estatutos da Ordem, tima escola prtica de Teologia que foi incorporada na Universidade. Tanto em Npoles como em Paris, dum modo geral nas cidades universitrias, a igreja dos Predadores o centro da vida religiosa dos estudantes. E, ao recordar os hbitos adquiridos por Toms em Monte-Cassino, deve-se presumir que, atravs dos servios devotos, logo freqente os Dominicanos.(') ...futuros pugiles fidei et vera mundi lumina ., na coleco Studt e Testi, vol. 108, Roma, 1943.Sobre os diversos Correctoria e seus autores: Mandonnet, Premiers travaux de polemique thomiste. {Revue des Sciences philosophiques et thologiques, 1913, pg. 55 e seg.); Ehrle, Der Kampf um die Lehre des heiligen Thomas von Aquino, in den ersten fnfzig Jahren nach seinem Tod. (Zeitschrift fr Katho-lische, 1913, pg. 316); F. Pelster, Thomas von Sutton, O. P., ein Oxford Verteidiger der thomistischen Lehre. (Zeitschrift fr Katolische Thologie, 46 (1922), pg. 371); Martim Grabmann, especialmente: Bernardo de Trlia, Mestre de Saint-Jacques, que expe de forma luminosa a teoria tomista do conhecimento no De cognitionc animac conjunctac e ataca com vivacidade o Doctor solcmnis; Bernardo de Alvernia, Bispo de Clermont, polemista de excepcionais recursos; Guilherme de Mackefield, autor de Contra Henricurn dc Gandc qui-bus impugnai Thomam; Roberto de Herford, autor de Contra dieta Henrici dc Gande. E h que mencionar ainda: Herveu Natalis (ou de Ndellec), Superior Geral da Ordem dos Pregadores, que escreve a Defensio doctrinac Divus Thomae (:) e vigilante adversrio, em especial, de Durando de Saint-Pourain combatido tambm por Durando dAurillac na Evidcnciae contra Durandum; Toms de Sutton, ou Toms Anglico, uma das figuras maiores do Tomismo britnico, autor do Liber propugnato-rius contra Joannem Scotum. o primeiro, talvez( a atribuir ao Aquinense o nome de Doctor Communis ("); NicolauLe correctorium corruptorii du dominicain Johannes Quidort de Paris. (Revue noscolastique de Philosophie, 1912).(') Acerca de H. de Ndellec: Herv de Ndellec, General des Frres Prcheurs. por B. Haurau. (Histoire littraire de la France, vol. xxxiv, pgs. 308 a 352); Thologie und Wissenschaft nuch der Lehre der Hochscholastik. An der Hand der Defensio doctrinae S. Thomae des Hervaeus Natalis, de E. Krebs.(-) O ttulo mais antigo que os contemporneos do ao Aquinense parece ser o de Doctor Exmius. A maioria no lhe cita o nome, como ento usual. Assim sucede com Gil de Lessines e Joo Quidort, por exemplo, ou com Bernardo de Trilia, que se contenta com transcrever-lhe os textos entre as solemnes opiniones. Nicolau Trivet, porm, chama-lhe venerabilis frater Thomae. Pertence a Toms de Sutton, segundo as maiores probabilidades, a iniciativa de o designar como Doctor comyyiunis, numa frase conhecida: in ore omnium communis doctor dicitur frater Thomae, ou, pelo menos, como se v, a iniciativa de176SO TOMS DE AQUINO175O SANTOTrivet, escritor enciclopdico e inconfundvel; Remigio de Girolami, discpulo de Toms e mestre de Dante Alighieri, que d ao Altssimo Poeta a formao tomista evidenciada na Divina Commedia, no De Monarchia, na Vita Nuova C1). E quantos outros de que, j agora, s podemreproduzir por escrito o ttulo que j se generalizava na tradio oral. Eis as concluses de Ehrle no seu estudo Thomas de Sutton, sein Leben, seine Quodlibet und seine Quaestiones disputatae, publicado no volume de homenagem da Sociedade de Goerres a G. von Hertling (Munique, 1913), pgs. 426 a 450 e de Mandonnet, em Les titres doctoraux de Saint Thomas d'Aquin. (Revue Thomiste, 1909, pg. 604). Acrescenta Mandonnet que o ttulo de Doctor Angelicus deve s ter aparecido na primeira metade do sculo xv. (Ibidem, pg. 606).Note-se, porm, que autores coevos de Toms de Sutton espontaneamente atribuem ao Aquinense a designao de Doctor communis, ou andam perto de atribuir-lha. Dois exemplos: Modernos Doctor es (Thomas) transcenda in Philosophia sive in Theologia, sive in quacunque matria secundum commu-nem hominum intelligentiam et opinionem, et inde in schola hodie Parisiensi communis Doctor appellatur propter suam cla-ritatem doctrinae escreve Ptolomeu de Luca na Historia Ecclesiastica nova. (Lib. XXII, cap. 24).Condensa luminosamente Tiago Capocci de Viterbo, em conversa com o seu amigo Bartolomeu de Cpua, por este reproduzida: In scriptis ipsius communis veritas invenitur, communis claritas, communis illuminatio, communis ordo et doctrina perveniendi at perfectam intelligentiam. (Depoimento no Processo de Canonizao).E no Captulo Geral de Metz (1313) j a doutrina do Doutor Anglico celebrada como sanior et communior.Assinale-se, sobre este tema, a valiosa obra de Joaquim Berthier, O. P., S. Thomas Aquinas, Doctor communis Eccle-siae, tomo i, pg. lvii.(') V. Grabmann: Die Wege von Thomas v. Aquin zu Dante: Fra Remigio de Girolami, O. P., Schler des hl. Thomas mencionar-se os nomes: Arnaldo de Villeneuve ('), Bernardo Lombardo, Joo de Parma, Nicolau de Estraburgo, Leonardo de Perugia, Humberto de Prulli, Jacob de Lau-sana, Gerardo de Bolonha, Humberto de Gendrey, Gerardo de Nogent, Joo Picardi de Lichtenberg...No se esquea ainda que, a par desta actividade propriamente combativa, os Dominicanos desenrolam uma actividade de outra ordem, destinada a propagar e facilitar o estudo do Mestre por meio de resumos dos seus grandes textos em especial da Summa e das chamadas Concordantiac, nas quais se colocam em paralelo fragmentos dos Comentrios s Sentenas, da Summa, dos Opsculos, de maneira a conjug-los e harmoniz-los. Ainda no sculo xm, por 1288, a pedido de Joo de Verse-und Lehrer des Dantes. (Dantesjahrbuch, 9 (1925) pgs. 257 a 277). E, sobre a substncia teolgica e filosfica da poesia de Dante: Dante Abhandlungen, de Dyroff, Krebs, Baumgartner e Sauer; Die gttliche Komodie, de K. Vossler; Dante and Aqui-nas, de P. H. Wicksteed; Dante Studies, de P. Toynbee; // signi-ficato e il fine de la Divina Commedia, de F. Flamini; Saggi di filosofia dantesca, de B. Nardi; II pensiero poltico di Dante, de F. Ercole.(') Arnaldo de Villeneuve, autor de Misterium cimbalorum, mdico de estranhas tendncias msticas, o primeiro a aludir (em 1304) a um grupo de adeptos do Doutor de Aquino que se intitulam tomatistas. Parece ter sido inventado o termo por Jacob Albi. Quando o dominicano Joo Vigouroux o ataca por ter anunciado a vinda do Anti-Cristo, responde Arnaldo de Villeneuve com o panfleto Gladius jugulans thom-atLstas. A expresso tomatistas ainda usada num documento de 1474. (V. Ehrle: Ar-naldo de Villanova ed i Thomatiste, Gregorianum, 1920, pg. 475).A palavra tomista aplicada pela primeira vez, segundo se presume, por um franciscano, Pedro de Tornaparte, no ano de 1337.178SO TOMS DE AQUINO178SO TOMS DE AQUINOlhas, escreve o dominicano Galieno de Ozto uma Abbre-viatio da Sccunda-secundae. Segundo o catlogo de Stams, cabe a Toms de Sutton a autoria do tratado De Concor-dantia librorum Thomae, elaborado no mesmo perodo. Em 1323, por encargo recebido do Papa Joo XXII, o frade Pregador Joo Dominici compe um volumoso trabalho que uma espcie de sntese de Summa Theologica e, em muitos pontos, de explicao clarificadora. Bento d'Assignano, telogo parisiense, na Concordantia discordantium, pe sobretudo em relevo o pensamento do Doutor Anglico acerca dos temas metafsicos mais importantes.Assim se criam excelentes instrumentos de estudo e de vulgarizao, da mxima utilidade para quem no pode ir beber directamente fonte e tomar contacto, sem intermedirios, com a obra imensa de Toms de Aquino. Assim se fornecem armas decisivas na luta para impor e generalizar as suas doutrinas, frmulas e solues.Antes de terminar o primeiro quartel do Sculo xiv vai, porm, surgir um facto novo - golpe mortal nos adversrios do Anjo da Escola e primeiro passo decisivo para a sua consagrao como Doutor da igreja.A 18 de Julho de 1323, o Papa Joo XXII faz publicar em Avinho a Bula de Canonizao de Toms de Aquino. Seis anos antes, em Setembro de 1317, reunido o Captulo Provincial da Ordem na cidade de Gaeta, o Vigrio Geral, Roberto de So Valentino, designou dois religiosos dominicanos o Prior de Benavente, Guilherme de Tocco e o leitor Frei Roberto para inquirir da vida e milagres do Doutor Anglico.Guilherme de Tocco um dos raros contemporneos de Toms ainda vivos, possui larga ilustrao e fama de escrupulosa probidade. Em Novembro de 1317, para abrir o seu inqurito, visita Toms de Sanseverino, sobrinho do Autor da Summa, nos Abruzos. Manifesta-lhe Sanseverino grande interesse pela misso que ali o traz e aconselha-o a consultar Catarina de Morra, sua prima, que conta mais de setenta anos mas conserva perfeita lucidez e a memria ntida do passado. Encontra-se o Prior de Bena-vente no ms seguinte com Toms de Aversa, em Salerno. E ouve em Mrsico, em Fevereiro de 1318, Catarina de Morra. Depois, continua as suas diligncias em Piperno junto de Fossa-Nova e, sempre activo, incansvel, colhe informaes das personalidades mais categorizadas e competentes. De tudo isto resultar a elaborao da famosa Vita S. Thomae Aquinatis, uma das melhores biografias do Santo Doutor.Na Bula de Canonizao, Joo XXII traa o elogio circunstanciado de Toms de Aquino, expe com grande mincia as suas muitas virtudes e conta alguns dos seus milagres; no hesita em declarar que a sua doutrina s pode ter origem numa interveno miraculosa de Deus: - doctrina ejus non potuit esse sine miraculo (').A 7 de Maro de 1324, no ano seguinte portanto, celebra a Universidade de Paris, pela primeira vez, a festa de So Toms de Aquino. Perante a assemblia magna dos professores, o notvel Pedro Roger - que ser mais tarde o Papa Clemente VI traa, em eloqentes e calorosos perodos, o seu panegrico. Chama-lhe Doctor noster. Classifica a sua doutrina como verdadeira sem contgio algum de falsidade, clara sem qualquer sombra, fecunda sem arrastar a curiosidades viciosas, ampla e abundante pelo alcance universal: vera sine contagio falsitatis. claraC) Cit. em Berthier, S. Thomas Aquinas, "Doctor Communis Ecclesiae, tomo I, pg. XLV.sine tacdio obscuritatis, [ruetuosa sine vitio curiositatis, copiosa ambitu suac generalitatis.Afirma, adiante: Deus enviou Igreja, para salvao do Mundo, trs grandes Doutores como trs grandes sis: So Paulo no tempo dos falsos apstolos, Santo Agostinho no tempo das heresias, So Toms nos tempos modernos... (*). Por este paralelo se avalia a altura a que, no seu parecer, deve ser colocado o Doctor Communis. E os aplausos que sublinham o discurso de Pedro Roger bem demonstram a concordncia e o aplauso dos Mestres parisienses.Aplauso e concordncia que se. manifestam vivamente no solene documento que o novo Bispo de Paris, Estevo de Borreto, a H de Maio do mesmo ano, torna pblico, a anular as interdies de Tempier. Depois de ouvida e consultada toda a Faculdade de Teologia, presta homenagem entusistica memria, obra e ao exemplo incom-parvel do Santo de Aquino (2).Desde ento, passa a ser muito mais difcil e melindroso discutir a sua doutrina, contestar-lhe a perfeita conformidade com o pensamento da Igreja. O Tomismo vai-se expandir livremente, exercer insupervel influncia em todo o Universo cristo.No cabe nos estreitos limites desta obra um minucioso panorama de tal influncia, que se amplia atravs dos tempos como vivaz e fertilizadora corrente.J salientmos os primeiros nomes dignos de especial registo. Ao longo do Sculo xiv, outros merecem ser assi-(') Editado por M. H. Laurent. O. P.. em Pierre Roger et Thomas d'Aquin. {Revue Thomiste, 36 (1931), pgs. 167 a 170).(2) Documenta, ed. de M. H. Laurent. O. P., em Fontes vitae S. Thomae Aquinatis. Saint-Maximin, 1937, pg. 668.nalados: Agostinho Triunfo, originrio de Ancona, discpulo de Toms em Paris e depois Mestre universitrio, tra-tadista fecundo, enciclopdico, de quem citaremos especialmente o De cognitione et de potentiis animae, pela fidelidade com que expe a Psicologia Tomista e a teoria do conhecimento; Toms de Bailly, chanceler da Universidade parisiense, apreciado sobretudo pelos escritos quodlibetais; Joo de Npoles, que Grabmann considera a maior figura da antiga Escola Tomista, defensor veemente das teses condenadas por Estvo Tempier; o Cardeal Guilherme de Godin, tambm seu desvelado partidrio; Armando de Bellovisu (ou de Belvezer), de quem se salienta o substancioso comentrio ao De ente et essentia; o Bispo de Elna, Guido Terreni, Mestre de Paris, que reflecte os ensinamentos do Aquinense no Tratactus de perfectione vitae; Bartolomeu de S. Concrdio, em cujo Compendium philo-sophiae moralis se patenteia a obedincia orientao do Doutor Anglico; Herveu de La Queue, telogo reputado, que entre 1350 e 1368 compe um precioso ndice alfabtico (tabula) das matrias tratadas na Summa; Rainerio de Pisa, com a conhecida Pantheologia; o historigrafo Henrique de Herford, com a Catena urea entium, de ntida veia albertino-tomista; o dominicano Joo de Dambach, com a sua Consolatio theologiac; e o professor da Sor-bona Joo de Pouilly; e o mstico alemo Henrique de Lbeck; e o inquisidor espanhol Nicolau d'Eymeric; e Pedro de Palude, Patriarca de Jerusalm; e o carmelita holands Siberto de Beek; e o exegeta britnico Toms de Walleis... Propositadamente quase nos contentamos em mencionar um vulto de cada nacionalidade para sublinhar melhor como se expande e generaliza o dominador ascendente do Tomismo.No tardar a expandir-se e a generalizar-se muito mais. Precisamente nos ltimos anos desta centria e nos primrdios da seguinte, verifica-se o seu triunfal aparecimento na alta cultura bizantina. J no Sculo xm se esboam tentativas de unio com Roma nos trabalhos de Nicc-foro Blemmydes e de Joo Bekkos. No segundo Concilio de Lio esse movimento unificador chega a obter xito, sob a gide do Imperador Miguel VIII Palelogo e a seu pedido traduz Mximo Planudes os livros De Trini-tate de Santo Agostinho. Mas surge a violenta reaco anti-intelectualista e anti-ocidentalista dos hexiquiastas, sob a chefia de Neilo Kabasilas e de Gregrio Palamas. E para a combater os seus adversrios procuram inteirar-se melhor da Teologia ocidental e vulgariz-la, a fim de nela se apoiarem. ento que Demtrio Kydones, ministro do Imperador Joo VI Cantacuzeno e autor de vasto saber e prestgio, escreve uma apologia de S. Toms, da sua doutrina e dos seus mtodos e traduz, alm da Summa contra Gentiles (j antes quase integralmente reproduzida por Gregrio Akindynos), as duas primeiras partes da Summa Theologica. A terceira parte vertida para o grego por seu irmo, Prochoros Kydones, que tambm faz a traduo do opsculo De aeternitate mundi. Outros paladinos se erguem, contra os erros de Kabasilas e Palamas. Nomearemos apenas trs: Manuel Kalekas. com o De princips fidei catholicae; o clebre Jorge Scholarius, Patriarca de Constantinopla sob o nome de Gendio II, tradutor das Summulae Logicales do nosso Pedro Hispano, do tratado De ente et essentia (T), dos Comentrios aos livros Dc(') Existe outra verso grega do De ente et essentia, na mesma poca, executada por J. Argyropulos.anima e que elabora um ptimo resumo da Prima-secundac; e o Cardeal Bessarion, incansvel propugnador da unio com o Ocidente, cujo papel no Concilio de Ferrara-Flo-rena no pode ser esquecido (x).O movimento tomista na primeira metade do Sculo xv , porm, dominado, pela alta figura de Joo Capreolo, que empreende esse autntico monumento de dialctica e polmica Defensiones theologiae Divi Thomae Aquinatis. Trata-se de uma defesa sistemtica, dirigida contra os maiores adversrios, citados no Pcoemium pelo prprio autor: Guilherme de La Mare, Durando de Saint-Pourain, Escoto, Joo de Ripa, Henrique de Gand, Guilherme de Ockam, Gregrio de Rimini, e outros. Firmado nos textos do Doutor Anglico, com eles que responde e desfaz as emaranhadas controvrsias acumuladas por escotistas e ocamistas. Pela clareza magistral com que executa os seus objectivos, merece Joo Capreolo o sobrenome de Princeps(') V. / codici Vciticaui delia versionc greca delle opere di S. Tommaso d'Aquino, por Nicolau Franco (na Miscelnea < Nel giubileo episcopale di Leone. XIII, omaggio delia Biblioteca Vaticana, publicada em Roma, em 1893); Demetrios Kydones ais Verteidiger u>id Uebersetzer des hl. Thomas von Aquin, de M. Racke (Separata do Katholik de Mogncia, 1915); Dmtrius Cydons et la thologie latine Byzance aux XIV' et XVe sicles, por M. Jugie. (chos d'Orient, 27 (1928), pgs. 385 a 402); Dmtrius Cydons, Correspondance, Texte indit, tabli et tra-duit, por G. Caramelli; Notizia di Procoro e Demetrio Cidone, Manuele Caleca e Teodoro Meliteniota et alteri, Apunti per la storia delia teologia e delia letteratura bizantina dei secolo XIV, por G. Mercati; Georges Scholarius et Thomas d'Aquin, por M. Jugie. (Mlanges Mandonnet, I, pgs. 423 a 440); Kardinal Bessarion ais Theologe. Humanist und Staatsmann, por L. Mohler.184SO TOMS DE AQUINO183O SANTOThomistarum. pois at ele a nenhum melhor poderia competirNeste perodo, h a salientar nova galeria de tomistas ilustres: o prestigioso doutrinador britnico Joo Fortescue, que formula as normas reguladoras do Estado no seu Pas, em The Governance of England, or the difference betiuecn an absolute and a limited monarchy apologia da monarquia temperada de So Toms, a cujo perceptorado expressamente se acolhe; o professor de Colnia Henrique de Gorkum, director do Colgio da Montanha, que, sob a epgrafe de Quaestiones in partes S. Thomae, escreve uma introduo modelar para a traduo alem da Summa impressa, mais tarde (1473), em Essling; o afamado e eruditssimo Bispo de vila Afonso de Madrigal, el Tostado, que, pela sua ilustrao e fecundidade, se torna o espanto dos coevos; Santo Antonino, Bispo de Florena, que, alm do Chronicon ou Summa historialis, espcie de vasto panorama da Histria Universal, se notabiliza pela valiosa Summa theologiae movalis, onde constantemente se manifesta discpulo do Doutor Anglico desde o Prlogo, em que se lhe refere com a expressiva frase: quem omnibus propono, aos diversos captulos relativos a problemas ticos, sociais e econmicos ('-'); o eminente(') Na edio das Dejensiones theologiae publicada em Veneza em 1588, o escritor tomista Aquarius publica um suplemento no qual, alm de outros autores no visados por Capreolo, ataca o carmelita Joo de Baconthorp pelas suas opinies adversas ao Doutor de Aquino. H uma edio moderna, sada em Tours, comeada a aparecer no ano de 1900.(:) V. Saint Antonin, archevque de Florence, por R. Mor-ay (Paris, 1914) e Saint-Antonin, 1389-lJf53, por A. Masseron (Paris, 1926).Cardeal Joo de Torquemada, telogo dos maiores, entreas obras do qual figuram as Flores sententiarum D. Tho-mae Aquinatis; outro nome de primeiro plano, glria daEscolstica germnica dos fins da Idade Mdia Denisde Rickel, vulgarmente apelidado de o Cartuxo (pois seretira nos seus ltimos anos para a Cartuxa de Rormond),autor de numerosos trabalhos de superior categoria, sem-pre luz da doutrina tomista, em particular a Summa fideiorthodoxa que ele mesmo classifica de medulla opeiumS. ThomaeGerardo Teutegen de Heerenberg (ouGerardo de Monte), comentador do De ente et essentia e, na polmica com Heimerico de Campo e o seu grupo, autor da Apologetica... qua ostensorern concordiac inter S. Thomam et venerahilis Alhertum magnum impugnai opprobriis auctoritatibus et rationibus omissis; o hebrasta Pedro Swartz, defensor do pensamento do Aquinense no seu Clypeus thomistarum; Pedro de Brgamo, que compe a preciosa Tabula urea e um utilssimo Index generalis in ornnia D. Thomae opera; o ilustrado monge Clemente de Terra Salsa, com as suas bem ordenadas Conclusioncs formales super prima parte, super prima secundae et tertia parte, nas quais fornece seguros resumos dessas grandes divises da Summa Theologica; Joo Versorius, que comenta o De ente et essentia e Pedro Hispano; Domingos da Flandres, professor de Bolonha, que redige, dentro da linha tomista pura, uma Summa divinae philosophiae; Pedro Nigri, a quem se deve, tambm, um Clypeus thomistarum; Miguel Savarretius, adversrio dos seguidores de Escoto em Quaestiones de analogia contra scotistas; Francisco Taegius, que firma um bom comentrio sobre(') -V. Ueberweg-Geyer, Die Patristische und scholastische Philosophie, pg. 789).o De [allaciis; e ainda: Joo de Monzn, Francisco de Retz, Joo Nider, Miguel Zanardi, Joo Swartz, Raul o Breto, Paulo Barbo Soncinas, Joo de Lpide, o clebre pregador Jernimo Savonarola i1), Lamberto de Monte, Toms Claxton, o frade hngaro Nicolau de Mirabilibus todos a reflectir nos seus escritos as claridades soberanas do Anjo da Escola, a proclam-las e a difundi-las.Acentue-se que antes dos finais da centria, por 1480, comeam alguns telogos dominicanos a adoptar a Summa Theologica como livro de ensino universitrio. Distin-guem-se, frente dos arautos desta importante reforma: Gerardo de Elten, na Universidade de Colnia; Gaspar Grnwald, na de Friburgo-em-Brisgau; Conrado Wim-pina, na de Leipzig; Leonardo de Brixental, na de Viena; Cornlio Sneek e Joo Stoppe, na de Rostock.E aproveite-se o ensejo para assinalar o incremento das Universidades neste perodo. J desde o sculo xm algumas haviam sido criadas: a de Pdua em 1222, a de Npoles em 1224, as de Salamanca, Oxford e Cam-bridge um pouco mais tarde, a de Coimbra em 1290. Nos sculos xiv e xv, multiplicam-se por toda a parte. Fundam-se: a de Praga em 1348; a de Viena em 1365; a de Heidelberg em 1386; a de Colnia em 1389; a de Erfurt em 1392; a de Cracvia em 1397; a de Leipzig em 1409; a de Roctock em 1419; a de Dol em 1421; a de Lovaina em 1425; a de Poitiers em 1431; a de Caen em 1432; a de Bordus em 1439; a de Friburgo em 1456; a de Bale em 1460; a de Ingolstadt em 1472; a de Tubingen em 1477: a de Wittemberg em 1502. Em todas o influxo tomista depressa se faz sentir. Em algumas, porm, logo o Dou-(') V. Savonarola, Ein Kulturbild aus der Renaissanre, por J. Schnitzer.tor Anglico se encontra segundo a expresso incisivade Leo XIII como Soberano no seu reino: em Pariscomo em Toulouse, em Pdua como em Npoles ou comoem Bolonha e, de modo especialssimo, em Colnia,em Lovaina e nas Universidades peninsulares. Em Col-nia, nada mais natural pois a lembrana de AlbertoMagno e de Toms de Aquino deve ali permanecer edominar. Lovaina segue-lhe na esteira, sem reservas, desdea sua fundaoQuanto Pennsula, merecem refe-rncia primacial: Salamanca, onde, no Convento dominicano de Santo Estvo, mais cedo que em qualquer outro lugar, a Summa Theologica c escolhida como manual do ensino ("-') e o mesmo no tarda a suceder na prpria Universidade ("); Alcal de Henares (a velha Complutum dos romanos), onde o grande Cardeal Francisco Ximenes(') A este respeito, ver: Histoire de la philosophie scolas-tique dans les Pays-Bas et la Principaut de Lige e Histoire de la philosophie en Belgiquc, por Maurcio de Wulf; L'introduction officielle de la Somme de Saint Thomas Vancienne Universit de Louvain, por R. Martin {Revue Thomiste, 18, 1910, pgs. 230 a 239); L\incicnne faculte de thologie de Louvain au premier sicle de son existence (1^32-151^0), por H. de Jongh; Une insti-tution d'enseignement suprieur sous Vancien regime: VUniversit de Louvain, por L. Van der Essen.(:) V. Historiadores dei Convento de San Esteban de Salamanca, por J. Cuervo; Historia de un Convento e De Vitoria a Godoy. La Edad de Oro de San Esteban de Salamanca, por L. G. A. Getino {La Cincia Tomista, 4, 1913, ii, pgs. 201 a 291).(3) Ver, para uma apreciao de conjunto acerca do renascimento da Escolstica na Espanha do sculo xvi, o grande livro d^ Gustavo Schnrer, Kirche und Kultur im Mitteralter, rir. pgs. 407 e seg. Em especial, quanto a Salamanca e o seu centro universitrio: Historia de la Universidad de Salamanca (em dois volumos). por E. Esperah y Artrnga e Los manuscritos de losKS8SAO TOMS DE AQUINO187O SANTOde Csneros cria, em 1499, outro notvel centro universitrio e promove a elaborao e publicao da clebre Poliglota complutensc, assistido de um grupo de colaboradores admirveis (!); Coimbra e vora, de que adiante melhor se falar. Entretanto, a Summa Theologica imposta, a par da obra clssica de Lombardo, na Universidade de Leipzig ( 1502); na de Friburgo, j anteriormente (desde 1490) servia como texto para os cursos de teologia e o mesmo se dar na de Rostock em 1520. Pontos de partida, apenas, de uma irradiao que ir em crescimento contnuo.Sublinhe-se, ainda, comenas vrias Ordens Religiosas o Doutor Comum acatado e seguido. No apenas entre os Pregadores, cujo hbito revestiu e dos quais constitui a mxima, a mais fulgurante glria mas entre os Carmelitas, que esto longe de lhes ficar atrs no zelo pela genuna doutrinao tomista, entre os Beneditinos, mesmo entre os Agostinhos, apesar do prestgio de Escoto, de Ockam e de tantos outros divergentes ou opositores do Aquinense. E a nova Ordem que Incio de Loyola levanta.telogos de la escuela salmantnia, pelo P." Beltro de Heredia (La Cincia Tomista, 22, 1930, li. pgs. 327 a 349).(') Ocupam-se das partes grega e latina: Demtrio Ducas, Antnio de Nebrija, Diogo Lpez de Zuniga, ^ernando Nunez fel Pinciano) e Joo de Vergara; das partes hebreia e caldaica, Afonso de Zamora, Paulo Coronel e Afonso de Alcal.Consultar, a este respeito: Kardinal Ximnez, por K. J. Hefele; Kardinal Francisco Ximnez de Csneros, por J. B. Kis-sling; Ximnez, crateur du mouvement thologique espagnol, por D. Caylus (tudes Franciscaines, 20, 1908, pgs. 449 a 454); Csneros y su siglo: estdio histrico de la vida y actuacin poltica dei Cardenal Francisco Ximnez de Csneros, por C. F. de Retana. E ainda: La ensenayiza de Santo Toms en la Univer-sidad de Alcal, por Beltro de Heredia (Cincia Tomista, 13, 1916, pgs. 245 a 270, e 392 a 410; 14, 1916, pgs. 267 a 297;para as batalhas da Contra-Reforma e para as mais esforadas misses evangelizadoras e culturais, imediatamente se coloca sob a sua gide, e o escolhe por guia seguro e incomparvel (*). Como Soberano no seu reino se encontra tambm nas diversas Ordens Religiosas o Anjo da Escola, pelo expresso consenso dos melhores.Todos os factores se conjugam, pois, para o aparecimento, na era de Quinhentos agora atingida por este sumrio esboo cronolgico de algumas personalidades culminantes da histria do movimento tomista.Comece-se por: Pedro Crockaert, ou Pedro de Bruxelas, comentador de Aristteles, do De ente et essentia e da Secunda-secundae, que parece ser um dos primeiros a explicar a Summa Theologica na Universidade de Paris, onde professor, cerca de 1509; outro precursor, Frei Diogo de Deza, Arcebispo de Toledo, que escreve as Novavum defensionum doctrinae B. Thomae de Aquino15, 1917, pgs. 210 a 224; 16, 1917, pgs. 51 a 64); La Poliglota de Alcal. por M. Revilla, O. S. A.Da fidelidade da Universidade complutense ao Doutor Anglico fala expressivamente Vicente de La Fuente, ao escrever que, suprimida em 1836 pelo esprito iconoclasta do liberalismo anti-tradicional, muri con la Summa en los brazos... (La cnseiianza tomistica en Espana, pg. 39).(l) O prprio Santo Incio prescreve que na Companhia cie Jesus seja seguida a doutrina de So Toms (Const. S. J., }\ iv, c. 14. n." 1).A propsito da aco dos Jesutas nestes domnios: Die Stellung der Gesellschaft Jesu zur Lehre des Aristteles und des hl. Thomas vor 15S3, por A. Inauen (Zeitschrift fr Katholische Thologie. 40, 1916, pgs. 201 a 237); La ensenanza de Santo Toins en la Compania de Jesus durante cl primer siglo de su existncia, por Beltro de Heredia (La Cincia Toynista, 6. 1915. i. pgs. 388 a 408 e li, pgs. 34 a 48).Quaestiones Silvestre Prierias, autor de um aprecivel Compendium operum S. Thomae, ex verbis ipsis Doctoris Angelici concinnatum; o regente dominicano do Studium de Bolonha, depois Geral da Ordem, Francisco Silvestre de Ferrara, autor desse magistral In librum S. Thomae de Aquina contra gentes commentaria que mereceu ser considerado indispensvel complemento da Summa Philosophica e por isso foi includo juntamente com ela na edio leonina; o mesmo se passa com o denso e penetrante Comentrio Summa Theologica (tambm anexado edio leonina) de Toms de Vio, denominado Cajetano, Cardeal em 1517, Bispo de Gaeta em 1519 e por fim Legado Pontifcio na Hungria, verdadeira sumidade na Teologia como na Exegese lumen Ecclesiae, chama-lhe Clemente VII na constituio De benignitate um dos mais privilegiados espritos de que a Ordem de S. Domingos se orgulha. Em Heidelberg e depois em Colnia, onde rege o Studium gcnerale dos Pregadores, publica na mesma altura Conrado Kllin um comentrio de valor Prima--Secundae e o professor de Leipzig Jernimo Dungerheim d'Ochsenfurt umas Conclusiones cum orationibus ad partes Summae Theologiae. Afonso de Crdova, decano salman-tino, claro expoente de fidelidade ao Aquinense: seguia mucho en la ctedra y en el pblico assevera-nos, na sua Crnica, o Beato Orozco la doctrina dei Anglico Doctor Santo Toms ('-'). Salamanca vai conhecer, porm,(') A este respeito, ver: Fray Diego dc Deza: Ensauo biogrfico, por Cotarelo y Valledor; Fr. Diego de Deza, campen de la doctrina de Santo Toms, por M. Garcia {La Cincia Tomista, 14, 1922, li, pgs. 188 a 198).(-) Obras dei siervo de Dios Fr. Alfonso de Orozco. Ma-drid, 173G.um vulto de primeira grandeza, pai desta escola e ainda de toda a Escolstica espanhola nos sculos xvi e xvn, na afirmao de Grabmann ('): o grande Francisco de Vitria, que recebe em Paris rigorosa formao tomista nas aulas de Pedro Crockaert e, ao iniciar a sua vida de professor na velha cidade espanhola, toma como livro-base do ensino, em vez das Sentenas de Lombardo, a Summa Theologica. de cujas Prima-secundae e Secunda--secundae faz substanciais comentrios, assim como do De ente et essentia. Desenvolve extraordinria aco de orientador e animador de um escol bem capaz de lhe continuar a obra e a cruzada. Atribua-se-lhe tambm o titulo justo de fundador do Direito Internacional (habitualmente mal aplicado a Hugo Grcio). com o memorvel tratado De Indis et jure helli ('-'); e no se condenar por exagerado o exaltante conceito de Grabmann, porque Vitria ocupa, sem dvida, no triunfal ressurgimento da Escolstica em Espanha, quando j a via moderna principia a desnortear e a intoxicar larga zona da Europa nobilssimo posto de comando ('').Tanto assim que os nomes que deparamos agora so, na sua maioria, de companheiros ou discpulos seus:(') Die Gescliichte s. (Su-m. Theol., I, Q. 2, art. 2, ad primum).{-) Dev.m esse, scundum quod non est per se notam quoad nos. demonsl robile est per effectus nobis uotos . (>Si. {Summa contra Gentiles, lib. III, cap. 1).ls) In Periermeniam, l, lect. 14.D Comm. in VI liber Metaphysicorinn. lect. 3.Causa suprema, pois ela a causa do ser como ser e dela deriva a ordem de contingncia ou de necessidadeAs nossas incertezas, as nossas perplexidades, derivam duma falsa noo da Causa Divina. Imaginamo-la de natureza semelhante s outras causas, s a mais poderosa de todas. Imaginamo-la Primeira Causa, sim, mas primeira numa escala ascendente, primeira numa srie de que, no entanto, faz parte. Sendo assim, evidente que Deus ter de intervir em tudo, de colaborar com todas as causas, e se algum dos efeitos representar o malogro duma causa haver tambm malogro da Causa Divina. E ficaremos cingidos a inevitvel dilema: ou negar a possibilidade do malogro da Causa Divina e, por isso, a possibilidade da contingncia, isto , dum efeito acidental e fortuito; ou negar a interveno dessa Causa e, portanto, admitir que a natureza no est subordinada a uma ordem, que nela se expande o livre jogo duma anarquia espontnea.O dilema, porm, falso. Mais uma vez, as dificuldades se solucionam pelo conceito fundamental da transcendncia de Deus. A Primeira Causa no faz parte da srie das causas; est acima delas: Super-Causa. Como Super-Causa, confere s causas criadas o seu ser, confere--Ihes a qualidade de produzir efeitos necessrios ou contingentes. Ao criar o contingente cria-o contingente. Ao criar o necessrio cria-o necessrio. Ambas as modalidades pertencem essncia do ser; no do Ser Absoluto, Necessrio, Incriado, Acto Puro, que s Deus mas do ser relativo, contingente, criado, composto de acto e potncia, que todo o que existe no mundo. Um esforo a mais, e teremos alcanado esta verdade, para ns para-ti De subtantiis separatis, cap. XV.doxal: Deus determina o contingente, mas dctcrmina-o a ser indeterminado. Determina-o a ser indeterminado, sem que isto implique uma contradio nos termos visto aqui a determinao estar fora e acima do prprio princpio de nc-contradio, isto : em Deus, suprema fonte de todo o ser. A estranheza que o facto nos provoca s mostra a insuficincia, a inadequao primacial do nosso conhecimento de tudo quanto diz respeito a Deus. Para Deus, nada contraditrio, visto tudo ser transcendido pela Sua Unidade Soberana. O que se realiza no tempo, de maneira sucessiva, pode aparecer como contraditrio; mas Deus absorve-o numa intuio nica, intemporal. Daqui resulta acentua ainda, clarividentemente, So Toms que os futuros contingentes, que nos aparecem unicamente como tais, no podem ser certos para ns. So-no, todavia, para Deus, cujas concepes esto na eternidade, acima do tempo (*). E ilustra esta afirmao com a imagem dum homem que avance por uma estrada e no veja aqueles que o seguem, ao passo que outro homem postado sobre uma eminncia abraa num s olhar a estrada toda, v, ao mesmo tempo, quantos a percorrem. Imagem que s analgicamente pode servir para nos explicar a Viso Divina viso de conjunto, una e total, no submetida, como a nossa, aos obstculos, s surpresas, aos enigmas, s servides constantes da jornada.Uma concluso se impe: o contingente, na medida em que o , fica inacessvel inteligncia humana. S(') Unde nobis, quia cognoscimus futura contingentia ut talia sunt, certa esse non possunt; sed soli Deo, cujus intelligere est in aeternitate supra tempus. (Sum. Theol., I, Q. 14, art. 13, ad tertium).conhecemos o necessrio; s no necessrio firmamos a nossa certeza. Quanto ao resto, podemos admitir que se produza; no podemos ter a certeza de que se produza (*). E o motivo desta limitao que nos condiciona h que procur-lo na prpria operao da inteligncia a qual, para conhecer, abstrai da matria e, ao abstrair da matria, abstrai do indeterminado em que se insere o contingente. Isto mostra como o homem se encontra na impossibilidade de submeter aos quadros rgidos das leis toda a riqueza e todo o imprevisto do real (2) embora todo o real, com o seu imprevisto e a sua riqueza, esteja contido na Lei Suprema que o gera, isto , na Causalidade Divina, na eminente perfeio do Super-Ser. Dessa Lei ntegra, absoluta, que paira na eternidade sem limites e dimana dum s acto, simples e completo, estamos condenados a apreender unicamente, o evolutivo desdobramento no tempo, os dbeis reflexos mal entrevistos na espessura das sombras que nos cercam e ocultam, ou pelo menos velam, a sua transcendncia luminosa.(') Quod scitur a nobis, oportet esse necessarium, etiam secundum quod in se est: quia ea quae in se sunt contingevtia futura, a nobis sciri non possunt. (Sum. Theol., I, Q. 14, art. 13, ad tertiam).(2) De Anima, Quaest. un., art. 20, Resp.A vidaOS princpios gerais da natureza passemos ao estudo das manifestaes concretas. No vasto conjunto dos seres criados, observam-se con-tnuos movimentos o que se exprime por este axioma: o ser dinamognico. Mas, como se trata de seres diversos, as suas formas de actuar e de se mover tambm variam. Em certos casos, verifica-se que o agente, ou o motor, exterior ao sujeito; noutros, que o mesmo sujeito (embora no sob o mesmo aspecto de outro modo seria desmentido o princpio de no-contradio) agente e paciente, motor e movido. Quer dizer: h seres que se movem a si prprios. Estes, chamam-se seres vivos. Eis-nos diante dum fenmeno misterioso e extraordinrio: a vida (*).Que a vida? Para o sabermos, ser melhor escutar directamente o Doutor Anglico: Merecem propriamente o nome de vivos os seres que se movem ou operam(') Da, o adgio conhecido: Vita in motu. E uma definio muito vulgarizada entre os Escolsticos: Vivum est ens mi convenit secundum suam naturam movere seipsum ad operandum.366SO TOMS DE AQUINO366SO TOMS DE AQUINOo princpio especfico de que resulta e qual a origem remota de tal principio. Da noo de movimento imanente nas criaturas ergue-se noo de alma princpio dessa imanncia e por fim viso do Supremo Criador.Vamos, no entanto, apenas de corrida, tocar a soluo tomista de problemas conexos soluo deduzida com inteira legitimidade das bases fundamentais que expusemos.O primeiro, forosamente, ser: como se desenvolveu a vida sobre a terra? As cincias geolgicas dizem-nos que o seu desenvolvimento foi gradual, que apareceram de incio os vegetais, depois os animais irracionais e per fim o homem. Dizem-nos tambm que nos dois primeiros graus (vegetal e sensitivo) se desdobrou em vrias espcies. No ltimo grau o intelectual apenas uma espcie surgiu: a espcie humana, diferenciada em variedades e raas. Qual a explicao destes factos?Logo reflectimos em que os diversos graus no foram provocados por uma evoluo do grau inferior visto o efeito ser, em tal hiptese, superior causa, o que absurdo. S duma causa que contivesse de modo eminente aqueles graus de vida eles poderiam derivar quer dizer, s Deus poderia determinar o aparecimento dos diversos graus de vida pela Sua interveno soberana.E s de igual maneira pela interveno divina se explica o aparecimento das vrias espcies dentro de cada um dos graus. Prov-lo-emos atravs de raciocnios semelhantes aos anteriores. Antes de mais nada: uma espcie inferior no se transformaria nunca numa espcie superior, no s porque seria inadmissvel que a si prpria desse uma perfeio que no possua, mas tambm por-E assim podemos chegar noo do que a vida: a actividade da substncia que, pela sua natureza, capaz de se mover a si mesma, seja qual for a espcie de movimento, e de produzir operaes imanentes. Tambm h quem sintetize, numa frmula breve: o movimento ima-nente, operao da prpria substncia viva. Mas esta definio refere-se apenas vida tomada em acto segundo (*). So Toms explica muito claramente: A palavra vida extrai-se dum fenmeno aparente, que o movimento autnomo; mas no tem por misso significar esse fenmeno; significa a substncia qual convm, pela sua natureza, mover-se a si mesma ou, de qualquer maneira, encaminhar-se prpria operao. De acordo com isto, viver existir numa tal natureza; e a vida significa isso mesmo, dum modo abstracto, como a palavra corrida significa abs-tractamente o facto de correr. Essa designao: vivo, no constitui um predicado acidental, mas substancial ('-').Donde, evidentemente, se segue que a vida exige, nos seres em que se manifesta, unidade substancial, quer dizer subordinao ao todo das diversas partes do organismo e das operaes por elas exercidas (3).(') Pode-se considerar a vida em acto primeiro ou em acto segundo. Considerada em acto primeiro a prpria substncia, capaz de se mover a si mesma e produzir operaes. Em acto segundo a operao vital. Vita dicitur dupliciter. Uno modo, ipsum esse viventis... Alio modo dicitur vita, ipsa operatio viventis, secundum quam principium vitae in actum reducitur. (Sum. Theol, Ia-IIa", Q. 3, art. 2, ad primum).(-) Vivum non est praedicatum accidentale, sed substan-tiale. (Sum. Theol, I, Q. 18, art. 2, Resp.).(:|) Para Aristteles, se o organismo for dotado de perfeita continuidade no poder produzir movimentos imanentes. A parte que move tem de se distinguir da parte que movida tal comoa) Os trs graus de vida.Os seres vivos aparecem-nos divididos em trs grandes grupos segundo o grau de vida que possuem. Com efeito, sabemos que a vida se revela pela imanncia do movimento; sabemos que em todas as operaes h a distinguir o fim para o qual se orienta, a forma pela qual se regula e a execuo. Ora, encontramos seres que executam as suas operaes e se movem por um princpio intrnseco (os vegetais), mas sem modificar a forma reguladora nem conhecer o prprio fim. Estes, representam o grau mais inferior da vida. Outros (os animais irracionais) executam as suas operaes e pelos sentidos apreendem a forma que os modela, mas so incapazes de atingir e determinar o seu fim. Estes, representam, por contraste com o grau nfimo (o vegetal), o segundo grau ascendente da vida o sensitivo. Outros seres ainda (os animais racionais), alm de executarem as suas operaes e de conhecerem, pela inteligncia, a sua forma, podem determinar o seu fim e proceder escolha dos meios para o atingir. No dependem pois, na sua operao, de qualquer agente externo. Constituem o grau mais alto da vida: o intelectual. Eis a jerarquia dos seres vivos.o agente do paciente (In VIII liber Physicorum, lect. 7). Ainda no comentrio ao Estagirita, So Toms diz que o organismo de alguns animais inferiores uno em acto, embora mltiplo em potncia, /n illis animalibus quae decisa vivunt, est una anima in actu, et multae in potentia. (De Spiritualibus creaturis, Quaest. un., art. 4, ad decimumnonum).b) O princpio vital.Todos possuem um princpio vital, uma fora de que as operaes imanentes provm. Ningum poder negar a existncia deste princpio sob o pretexto de que no se alcana pelos sentidos e no constitui objecto directo de experincia. Tantas das grandes foras naturais, como a atraco ou a afinidade, esto nas mesmas circunstncias! Os olhos no vem o princpio vital mas a inteligncia descortina-o quando abstrai do visvel e remonta dos efeitos aparentes s causas neles implicadas.Confundir-se- o princpio vital com a prpria matria? Impossvel admiti-lo, visto a matria inerte ser indiferente a qualquer movimento, incapaz de dar origem por isso ao movimento imanente que caracteriza a vida. Se o princpio vital residisse na matria, como ela entra na composio de todos os corpos seria necessrio que todos os corpos vivessem o que sabemos falso.No entanto, quem nos diz que, sem residir na matria elementar, indistinta, passiva o princpio vital resulta da matria quando elevada a certo grau de organizao? A hiptese igualmente inaceitvel. Primeiro: como explicar ento que a espcie e a figura dos seres vivos se conservem idnticas enquanto a matria sofre transformaes constantes? Segundo: como explicar ainda que a matria se organize, apesar da sua indiferena a toda a estrutura e a toda a forma: que que a organiza?Temos que buscar a origem do princpio vital fora da matria; temos que busc-la na forma substancial pois no ignoramos que a forma substancial o elemento especificado: dos seres vivos (').E assim j nos ser fcil descobrir algumas das suas propriedades principais: a simplicidade por ser distinto da matria, embora, no grau nfimo da vida, dela dependa nas suas operaes e na sua existncia; a unicidade pois um s princpio vital d conta da ordem que se regista nos organismos vivos ('-'); a [ora espontnea, que origina a imanncia das operaes no corpo por ele informado.Falta-nos atribuir ao princpio vital o nome que lhe compete. Quando se trata, como aqui, dos seres corpreos, deve-se-lhe chamar alma. A significao de alma propriamente esta: princpio de movimento ou de operao espontnea. Da, dizerem-se animados os seres vivos e ina-nimados os que o no so. A alma est para o corpo como o acto para a potncia ("").(') A adaptao da matria ao princpio de vida que a informa que explica o trabalho contnuo e admirvel do organismo para se restaurar a si mesmo. Eis um texto do Aquinense a tal respeito: Si consideretur caro secundum speciem, id est, secundum id quod est formale in ipsa, sic semper manet, quia semper manet natura carnis, et dispositio naturalis ipsius. Sed si consideretur caro secundum materiam, sic non manet, sed paulatim consumitur et restauratur. (Sum. Theol., i, Q. 119, art. 1, ad secundum).() Ensina So Toms que todo o ser uno na medida em que ser. Ab eodem aliquid habet esse et unitatem; unum enim consequitur ad ens. (Summa contra Gentiles, lib. ii, cap. 58). J vimos que esta unicidade entitativa no exclui a multiplicidade potencial.(3) Matria corporis vivi est id quod comparatur a d vitam sicut potentia ad actum: et hoc est anima actus, secun-A alma pode-se definir sob um duplo ponto de vista: como forma, o acto primeiro do corpo natural e organizado; como origem de operaes, o primeiro princpio pelo qual esse corpo opera de modo imanente. Sublinhe-se ainda, a este propsito: nunca a alma actualiza, informa um corpo no-organizado ou artificial ('); a alma princpio de operaes, no sujeito de operaes. Una na substncia (comunica ao ser vivo a unidade substancial), multplice nas faculdades, ordenadas s diversas operaes das quais realmente se distingue quanto essncia (2).dum quem corpus vivit. (Comm. in Aristotelis librum Dc Anima, lib. II, lect. 1).(*) Ver a dcima terceira tese tomista, no Apndice.() Efectivamente, como a essncia est sempre em acto. se as faculdades se confundissem com ela estariam, do mesmo modo, sempre em acto. Ora isto falso: um ser que possui alma no est sempre em acto quanto s operaes vitais. Invenitur habens animam non sempre esse in actu operum vitae. (Sum. Theol, I, Q. 77, art. 1, Resp.).(3) Ver a dcima quarta e a dcima quinta teses tomistas, no Apndice.Aos trs graus de vida acima discriminados correspondem trs espcies de alma: a vegetativa, a sensitiva, a intelectual. As duas primeiras no so subsistentes, esto condicionadas pela matria na sua existncia e operaes: a terceira subsistente, pois no depende, quanto aos dois aspectos referidos, da matria. S esta portanto espiritual (3).c) Origem da vida.A vida e o seu princpio j nos so conhecidos. Ignoramos, porm, ainda a sua origem. Donde veio? E quando? Este, agora, o problema a elucidar. uma verdade geralmente aceita que a vida teve comeo. Quando se recua na histria do mundo, depara-se uma fase em que a temperatura da terra impossibilitava a existncia de qualquer ser vivo. A vida comeou, sem dvida. Mas como? Seria pela evoluo da matria primitiva, que subiu do estado inorgnico ao estado orgnico e da ao estado vital?Aquilo que j estabelecemos nas pginas antecedentes habilita-nos a uma categrica resposta negativa. Visto a alma, princpio vital, no ter podido resultar da matria organizada a vida tambm no comeou por evoluo da matria, muito menos da matria inorgnica. Demais, todo o efeito reclama uma causa que