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Santiago 2009 World Congress of Political Science
Política Pública de Acesso à Justiça e Grupos de Interesse:
Desvendando o Processo Decisório Estadual Paulista
Andréa Cristina Oliveira Gozetto
Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil
[email protected]; [email protected]
Artigo a ser apresentado na LOC Session nº 10 – Political Parties: crisis or change?
Versão Preliminar - Não citar sem a permissão da autora
Resumo
Apesar da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 prever em seu
artigo 134 que uma lei complementar organizaria a Defensoria Pública nos estados da
Federação, o processo de criação desses órgãos, essenciais à função jurisdicional do Estado
foi bastante moroso. A Lei Complementar nº 80 foi aprovada apenas em 1994 e o estado de
São Paulo iniciou o processo legislativo para a criação desse órgão e, portanto de uma política
pública de acesso à justiça em 2005. O presente trabalho tem como objetivo discutir a
influência dos grupos de interesse no processo decisório estadual paulista tomando como
objeto de análise a tramitação do Projeto de Lei Complementar nº. 18/2005 que cria a
Defensoria Pública nesse estado. Optamos por um estudo etnográfico em que se aliou uma
pesquisa bibliográfica e documental. Foram analisadas matérias jornalísticas veiculadas pela
imprensa e os Boletins Eletrônicos do Movimento pela Criação da Defensoria Pública do
estado de São Paulo. Entrevistas semi-estruturadas com representantes dos grupos de
interesse também foram realizadas. Analisamos a tramitação do PLC, construímos o cenário
político que envolveu tal processo decisório e identificamos os principais atores políticos. A
tramitação do PLC 18/2005 foi bastante rápida e recebeu 102 emendas, das quais, apenas 24
foram incorporadas ao projeto que viria a ser aprovado. Os grupos de interesse que atuaram
de forma mais contundente foram: Movimento pela criação da Defensoria Pública do estado de
São Paulo (MDP), Associação dos advogados da Fundação “Manoel Pedro Pimentel” de
Amparo ao Preso/FUNAP (ASAF), Associação dos Servidores da Secretaria de Relações do
Trabalho (ASSERT) e Ordem dos Advogados do Brasil/SP (OAB/SP). Nossa análise mostrou
que interesses corporativistas se sobrepuseram ao interesse público e que o MDP, grupo de
interesse melhor estruturado tanto financeira quanto tecnicamente obteve maiores ganhos, o
que denota que variáveis externas ao Parlamento influenciam potencialmente o resultado do
processo decisório estatal.
Palavras Chave: lobbying, grupos de interesse, processo legislativo estadual, acesso à justiça,
defensoria pública do estado de São Paulo.
Política Pública de Acesso à Justiça e Grupos de Interesse: Desvendando o Processo
Decisório Estadual Paulista
Andréa Gozetto, Uninove.
Introdução
A criação de um órgão específico que garanta justiça gratuita de qualidade a quem não têm
condições de constituir advogado as suas expensas é uma demanda bastante antiga da
sociedade civil brasileira. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 essa demanda
foi atendida parcialmente, pois era necessária a edição de uma lei complementar que
organizaria a Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal. Essa lei
complementar foi aprovada apenas em 1994.
Apesar das dificuldades apresentadas pela população de baixa renda em acessar a Justiça,
fruto não só da desigualdade social, mas também da crise em que se encontra o Poder
Judiciário no Brasil, no início dos anos 2000, o estado de São Paulo, juntamente com Goiás e
Santa Catarina eram os únicos entes da federação que ainda não contavam com uma
Defensoria Pública.
A mobilização da sociedade civil paulista foi essencial para pressionar o Governador do Estado
de São Paulo a iniciar o processo legislativo que culminaria com a criação da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo.
Em 23 de junho de 2002, o Movimento pela Criação da Defensoria Pública de São Paulo foi
lançado em um evento ocorrido no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São
Francisco. Estiveram presentes importantes personalidades e representantes de mais de 300
entidades subscritoras do Manifesto do Movimento.1
Um Anteprojeto de Lei Orgânica da Defensoria Pública foi inicialmente elaborado pelo
Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades
Públicas do Estado de São Paulo (SINDIPROESP) e largamente discutido e aprimorado pelos
movimentos populares. Com o objetivo de ver esse anteprojeto avaliado pelo Poder Executivo
estadual e encaminhado à Assembléia Legislativa pelo Governador Geraldo Alckmin, durante o
evento corrido no Largo São Francisco, esse anteprojeto foi entregue ao Procurador Geral do
Estado.
Analisado por um grupo de trabalho formado por 11 membros da Procuradoria Geral do
Estado, o anteprojeto passou também pelo Conselho Superior do Ministério Público que, atento 1 Dentre elas, a Comissão Justiça e Paz, a Fundação Abrinq, a Associação dos Juízes pela Democracia, a
Comissão Teotônio Vilela, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (Boletim eletrônico n° 1, julho de 2002).
ao projeto formulado pelo SINDIPROESP aprovou modificações a fim de fortalecer o caráter
autônomo e transformador da Defensoria Pública e de estabelecer critérios de seleção mais
específicos2.
A liderança dos Procuradores do Estado nos deixa ver como o Estado, longe de ser um bloco
monolítico é composto por uma série de agências que defendem interesses diversos, agindo
como grupos de interesse na disputa por verbas ou competências, inclusive no âmbito do
Poder Legislativo nos três níveis de governo.
Democracia implica em competição pelo poder e essa competição pelo exercício do poder se
dá entre grupos de interesse, partidos políticos, agentes governamentais, movimentos sociais e
populares e etc. e, se reflete no processo decisório estatal.
Os trabalhos já realizados sobre o processo decisório estadual paulista são escassos3 e, em
sua maioria, se centraram em avaliar a influência de variáveis internas, como as funções
exclusivas do Legislativo previstas no Regimento Interno da Assembléia Legislativa. Nesses
trabalhos foram analisadas algumas variáveis externas como partidos políticos, a relação entre
o Poder Executivo e o Poder Legislativo e a capacidade do Poder Executivo em determinar a
agenda parlamentar. Porém, não houve um esforço analítico contundente quanto ao peso dos
grupos de interesse ou o grau de participação da sociedade civil nesse processo.
Como em trabalho anterior4 (OLIVEIRA, 2004) foi possível detectar a forte influência de
algumas variáveis externas, como a ação de grupos de interesse e a participação da sociedade
civil no processo decisório federal, surgiu o interesse em avaliar qual o impacto dessas
variáveis externas ao Parlamento no que tange a elaboração e implementação de políticas
públicas.
Assim, o presente trabalho enquanto integrante de um projeto temático intitulado “A história da
criação da Defensoria Pública no Estado de São Paulo”5 tem como objetivo identificar os grupos de
interesse que atuaram durante a tramitação do projeto de lei complementar 18/2005, que cria
esse órgão no estado de São Paulo a fim de apreender os interesses que os grupos
defendiam, seus principais argumentos e o que os motivava a atuar.
2 MELO, L. W. T. A Defensoria Pública como meio de acesso do cidadão à Justiça. Trabalho de Conclusão de Curso, UNIFOR, 2007. mimeo. 3 Ver: KINZO, M. D. G. Partidos e representação política: os deputados estaduais e seus vínculos partidários na legislatura 1987-1990. São Paulo: IDESP, 1990. SADEK, M. T. A interiorização do PMDB nas eleições de 1986 em São Paulo. In: História eleitoral do Brasil – eleições 1986. São Paulo: Vértice, 1989. ANDRADE, R. (org.) Processo de governo no município e no estado: uma análise a partir de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1998 e SANTOS, F. (org.) O Poder legislativo nos Estados: diversidade e convergência. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001. 4 OLIVEIRA, A. C. J. Lobby e Representação de Interesses: lobistas e seu impacto sobre a representação de interesses no Brasil. Tese de Doutorado. Unicamp, 2004. 5 Projeto temático de Iniciação Científica, apoiado pela Diretoria de Pesquisa e Diretoria do Curso de Direito da Universidade Nove de Julho (Uninove) e iniciado em agosto de 2007.
Com esse trabalho aliamos dois temas pouco estudados pela Ciência Política brasileira: grupos
de interesse e processo legislativo estadual.
Devido a nossa experiência anterior6 acreditamos que há prevalência de interesses de
determinados grupos na tramitação legislativa. Grupos melhor estruturados financeira e
tecnicamente tendem a obter acesso facilitado aos tomadores de decisão e são capazes de
formular e colocar em prática estratégias de ação mais elaboradas.
Assim, partimos do pressuposto de que o processo legislativo é competitito e que os grupos de
interesse melhor organizados e que possuem melhores condições financeiras são dotados de
condições privilegiadas para influenciar o processo estatal de tomada de decisão. Acreditamos
que, na condução cotidiana do processo legislativo interesses particularistas e, não raro,
corporativistas obtêm prevalência sobre interesses coletivos, o que contraria o fundamento do
Estado Democrático de Direito, qual seja, a consecução do bem comum.
Assim, com esse trabalho esperamos poder contribuir para a compreensão mais ampla do processo
decisório estadual, principalmente no que tange às variáveis externas que o influenciam, haja vista que
poucos trabalhos7 sobre a influência dos grupos de interesse na formulação e implementação de
políticas públicas foram realizados. Dentre esses trabalhos, a arena decisória avaliada é
federal.
Grupos de interesse, processo legislativo e instituições
A criação das Defensorias Públicas em todos os entes da Federação faz parte do processo de
construção de políticas públicas de acesso à justiça. Esse processo de construção de políticas
públicas se inicia com a colocação de um determinado tema na agenda de discussões do país,
passando pela formulação de normas que instituam a nova política pública e o
acompanhamento de sua implementação, inclusive no que tange a avaliação de sua eficiência.
Todo esse processo é interdependente, envolvendo uma série de instituições estatais e a
própria sociedade civil como demandante e agente de pressão.
6 Op. Cit.
7 Ver: RAMOS, D. P. Comportamento parlamentar e grupos de pressão: um estudo de caso da reforma da previdência (1995-1998). 2005. 226f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política, Brasília, 2005. TAGLIALEGNA, G. H. F. & CARVALHO, P. A. F. Atuação de grupos de pressão na tramitação do Projeto de Lei de Biossegurança. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília a.3, nº 169, jan./mar. 2006. MANCUSO, W. P. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas: Edusp, 2007. ROCHA, M. M. & FRANCISQUINI, R. Entendendo o fracasso presidencial: conjuntura, cálculo e estratégia no processo decisório em torno da CPMF. Mimeo.
Entre as diversas teorias em Ciência Política que objetivam explicar o processo de formulação
de políticas Públicas podemos destacar o pluralismo, o elitismo, o neocorporativismo e o
neoinstitucionalismo.
Entendemos que o neo institucionalismo é a melhor ferramenta teórica para balizar o olhar
sobre nosso objeto, uma vez que ressalta o papel das instituições, ou seja, regras ou práticas
que regulam a tomada de decisão no processo de formulação das políticas públicas.
Essa perspectiva analítica desloca o foco da explicação das preferências individuais para as
instituições, ou seja, para a análise de processos políticos, onde as variáveis independentes
mais relevantes passam a ser as instituições, em lugar das preferências dos atores políticos.
As instituições políticas e as políticas governamentais podem facilitar a organização de
interesses pelo reconhecimento de interesses particulares de grupos de interesse e/ou
delegação de funções governamentais a eles. Mais fundamentalmente, ações governamentais
podem encorajar ou desencorajar a mobilização de interesses pelo reconhecimento da
legitimidade de reivindicação particular ou até possibilitar a esses indivíduos a oportunidade de
ouvir suas reclamações.
Não apenas as instituições políticas, como as autoridades políticas e a cultura política podem
ter um papel crucial na definição, mobilização e organização de interesses, mas a estrutura das
oportunidades políticas formará as estratégias de interesses organizados e suas crenças a
respeito da eficácia de diferentes tipos de ação política. As instituições moldam as percepções
humanas até um ponto em que os indivíduos são incapazes de reconhecer que há definições
de identidade competindo e interesses que forçam a ação humana para um caminho
específico.8
O neo institucionalismo enfatiza a relativa autonomia das instituições políticas, as
possibilidades de influenciar a história e a importância da ação simbólica para entender a
política. Insiste em uma maior autonomia para as instituições políticas afirmando que o Estado
não é o único afetado pela sociedade, mas também a afeta. Desse modo, a democracia política
não depende apenas das condições econômicas e sociais, mas também do desenho das
instituições políticas e nosso olhar estará completamente voltado para a Assembléia Legislativa
do estado de São Paulo.
Esse é o ponto de ruptura entre o institucionalismo tradicional e o neo institucionalismo. Para
os neo institucionalistas, o Estado não é a instituição política privilegiada, ou algo material e
palpável, que observe aspectos organizacionais. As instituições políticas são formas,
8 IMMERGUT, E. M. The Theoretical Core of the New institucionalism. In: Politics & Society, vol. 26, nº 1, march 1998.
procedimentos e regras que condicionam o comportamento dos atores políticos, o que
certamente influenciará suas preferências.
As agências burocráticas, os comitês legislativos e a Corte, são arenas para conter as forças
sociais, mas são também um agrupamento de procedimentos operacionais e estruturas que
definem e defendem interesses. Para IMMERGUT, eles são atores políticos por direito.9
O argumento de que as instituições podem ser tratadas como atores políticos é uma
reivindicação de coerência e de autonomia institucional. A reivindicação de coerência é
necessária, uma vez que encara as instituições como tomadores de decisão.
A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo: autonomia x subordinação
A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) é composta por 94 deputados
estaduais advindos, em sua grande maioria, do interior do estado e normalmente exercendo
seu primeiro mandato.
Em comparação com a Câmara de Vereadores e o Congresso Nacional, a ALESP possui baixa
visibilidade político eleitoral e isso se deve as atribuições “residuais” dos governos estaduais
dentro do federalismo brasileiro. Aos estados foram atribuídas menores competências
legislativas e materiais.
O Poder Legislativo desempenha uma série de atividades como fiscalizar o trabalho do Poder
Executivo e produzir iniciativas regulamentando a vida dos cidadãos e as questões de
interesse da sociedade. Para isso, no exercício de suas atribuições ele depende de variáveis
internas e externas ao Parlamento. As funções exclusivas do Legislativo previstas no
Regimento Interno da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo devem ser consideradas
como variáveis internas. Já as variáveis externas são as que englobam suas
“relações com o Poder Executivo e a capacidade deste em determinar a agenda parlamentar, através da influência do Judiciário e dos órgãos de controle, os impactos e/ou checks and balances de outros entes federativos, o peso dos grupos de interesse, o grau de participação da sociedade e o accountability exercido por ela, e por fim, as competências legislativas e materiais do nível de governo em questão” 10.
De um lado, a Constituição Federal de 1988 reforçou as prerrogativas constitucionais do poder
legislativo estadual, mas por outro lado, criou uma estrutura federativa que favoreceu os
interesses estaduais aumentando o peso do Executivo sobre a Assembléia Legislativa.
9 Op. Cit.
10 ABRUCIO, F. L.; TEIXEIRA, M. A. C.; COSTA, V. M. F. O papel institucional da Assembléia legislativa paulista: 1995 a 1998. In: SANTOS, Fabiano. O poder legislativo nos estados: divergências e convergências. RJ: Ed. FGV, 2001. pág. 222.
Assim, o Executivo estadual é capaz de: distribuir recursos através dos bancos estaduais, adiar
e não quitar o endividamento junto à União, criar milhares de cargos públicos, manipular o
orçamento público e estimular a multiplicação dos municípios, o que fragmenta a base de apoio
dos deputados estaduais.
Porém, o governador não tem constitucionalmente a capacidade de editar medidas provisórias
e precisa, dessa forma, travar um bom relacionamento com o Legislativo com vistas a construir
uma maioria parlamentar sólida a fim de ver os interesses de sua administração prejudicados
Essa vantagem institucional faria com que a Assembléia Legislativa assumisse um papel
central no controle da administração pública e na negociação da agenda política.
No entanto, o estudo dos autores supracitados revela que o poder Executivo domina
amplamente o processo decisório estadual. Segundo os autores, em São Paulo, tem vigorado
um sistema ultrapresidencialista de governo, no qual o Poder Executivo se torna hipertrofiado
no processo de governo e detêm forte influência sobre as estruturas institucionais que
deveriam controlá-lo.
Para os autores é o poder legislativo estadual paulista que apesar de suas prerrogativas
constitucionais delega poder e responsabilidades ao governador. Tal delegação de poder e de
responsabilidades ocorre sem que haja forte capacidade de monitorar o agenciamento por
parte da ALESP. Assim, o governador domina quase completamente o processo de governo no
estado de São Paulo.
A subordinação do Poder Legislativo ao Poder Executivo atestada pelos autores decorre de
uma série de fatores externos (político-institucionais) e internos (organizacionais), além da
própria carreira de deputado estadual ser uma das menos atrativas do sistema político
brasileiro. Podemos destacar alguns desses fatores: a restrição da atuação das Assembléias
devido à competência residual que o novo pacto federativo construiu; a ausência de estruturas
governamentais intermediárias, o que faz com que o deputado estadual seja visto, única e
exclusivamente como um intermediário entre suas bases e o governador; a fragilidade
organizacional e institucional dos partidos políticos no nível estadual e o fato dos deputados
estaduais dependerem diretamente dos recursos do Poder Executivo estadual para o sucesso
de sua carreira política.
Sendo assim, trocas clientelísticas garantem ao governador uma maioria governista que se
dispõe a homologar os projetos enviados pelo governo.
Análise da tramitação do Projeto de Lei Complementar 18/2005
O Deputado Renato Simões (PT) presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa já alertava seus colegas e o Poder Executivo estadual quanto à necessidade da
criação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo desde 2001. Entre o início de 2001 e
março de 2002, a Comissão de Direitos Humanos da ALESP realizou quatro audiências
públicas e organizou um Seminário Nacional sobre o assunto, que contou com o apoio da
Procuradoria Geral do Estado, da Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania e do
SINDIPROESP.
No entanto, a fragilidade política da ALESP e o “rolo compressor” da maioria governista se
mostraram obstáculos intransponíveis para esses atores e, apenas em 6 de julho de 2005 o
governador Geraldo Alckmin apresentou à ALESP o Projeto de Lei Complementar 18/2005 que
organizava a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e instituía o regime jurídico da
carreira de defensor público, em obediência ao artigo 134, § 1º, da Constituição Federal.
A iniciativa de um projeto de lei complementar constitui a primeira fase do processo legislativo.
Como a organização administrativa, judiciária, do Ministério Público, da Procuradoria Geral do
Estado e da Defensoria Pública é de competência exclusiva dos Chefes dos Poderes Executivo
e Judiciário, foi preciso por parte dos grupos de interesse que defendiam a criação da
Defensoria Pública centrar seus esforços em convencer o governador Geraldo Alckmin a iniciar
tal projeto.
Contrariando as expectativas dos membros do MDP, a PLC 18/2005 não foi submetida à
apreciação dos deputados em regime de tramitação de urgência11 e sim ordinária, o que
prolongou o tempo para sua aprovação.
O PLC foi protocolado na sessão plenária, lido e publicado para que todos o conhecessem.
Iniciou-se assim a discussão, segunda fase do processo legislativo. Esse é o momento de
oferecimento de emendas pelos deputados estaduais. As Emendas foram publicadas e o PLC
e suas emendas foram enviados pelo Presidente da Mesa Diretora da Assembléia para a
análise e deliberação das Comissões Permanentes12.
11 Há 3 possíveis regimes de tramitação: de urgência; de prioridade e de tramitação ordinária. O tempo de tramitação em regime de urgência é substancialmente menor, uma vez que os prazos para as deliberações são menores. 12 As comissões podem aprovar a proposta em debate através de um substitutivo e também podem realizar Audiências com os cidadãos. As Comissões Permanentes são: de Constituição e Justiça; de Economia e Planejamento; de Finanças e Orçamento; de Saúde e Higiene; de Educação; de Assuntos Municipais; de Serviços e Obras Públicas; de Administração Pública; de Promoção Social; de Cultura, Ciência e Tecnologia; de Transportes e Comunicações; de Redação; de Assuntos Metropolitanos; de Esportes e Turismo; de Agricultura e Pecuária; de Segurança Pública; de Relações do Trabalho; de Defesa do Meio Ambiente; de Fiscalização e Controle; de Direitos Humanos; de Defesa dos Direitos do Consumidor; de Assuntos Internacionais; de Legislação Participativa.
A Mesa Diretora da 15ª Legislatura eleita em 15 de março de 2005 era composta por: Rodrigo
Garcia (PFL) – Presidente; Jorge Caruso (PMDB) – 1º Vice-Presidente; Valdomiro Lopes (PSB)
– 2º Vice-Presidente; Fausto Figueira (PT) – 1º Secretário; Geraldo Vinholi (PDT) – 2º
Secretário; Ricardo Castilho (PV) – 3º Secretário e Adilson Barroso (PRONA/PTB/PSC) – 4º
Secretário.
A Mesa Diretora tem como função controlar e dirigir os trabalhos legislativos durante as
sessões plenárias e decidir sobre as questões administrativas das quais dependem o
funcionamento e a infra-estrutura da ALESP. Constitui-se como uma instância decisiva
extremamente importante.
Segundo ABRUCIO, TEIXEIRA & COSTA,
“É a Mesa Diretora, em consonância com as lideranças partidárias, que decide sobre a agilidade de uma matéria e que, muitas vezes, utiliza todos os instrumentos de obstrução para adiar a apreciação de outras”.13
Todas as proposições iniciadas passam obrigatoriamente pelas comissões, que tem como
objetivo principal discutir e votar conclusivamente proposições e dar parecer sobre proposições
referentes aos assuntos de sua especialização. As comissões são Permanentes ou
Temporárias e se tenta garantir tanto quanto possível a representação proporcional de todos os
partidos. Os membros das Comissões Permanentes são indicados pelos líderes de cada
Partido e nomeados pelo Presidente.
Assumir a presidência de comissões permanentes estratégicas é de fundamental importância
para que o governo obtenha respostas positivas aos projetos enviados ao Legislativo, uma vez
que as comissões permanentes são também uma instância decisiva extremamente importante.
A Comissão de Constituição e Justiça e Comissão de Finanças e Orçamento tem sua
importância reforçada, já que possuem o poder de obstruir a tramitação de um projeto de lei.
Enquanto a Comissão de Constituição e Justiça avalia a legalidade das proposições
apresentadas e envia-as para arquivamento caso seja declarada sua inconstitucionalidade, a
Comissão de Finanças e Orçamento avalia as proposições que podem trazer ônus para os
cofres públicos. A obtenção de parecer favorável da Comissão de Finanças e Orçamento é
garantia de que a propositura seguirá para votação em plenário.
A Comissão de Constituição e Justiça era presidida pelo deputado Donisete Braga (PT) e a
Comissão de Finanças e Orçamento por Mário Reali (PT).
Dada a importância dessas duas comissões, o Poder Executivo procura garantir que a
presidência delas seja ocupada por deputados governistas.
13 Op. Cit. pág. 228.
O Presidente da Comissão é responsável por nomear o relator da proposição. É ele também
quem fixa o prazo para o relator apresentar seu parecer14. O parecer é lido durante sessão da
comissão e as discussões têm início em seguida. Encerrada a discussão, segue-se
imediatamente a votação do parecer, que, se aprovado em sua completude será tido como da
Comissão, assinando-o os membros presentes.
De maneira geral, quando a matéria depende de pareceres das Comissões de Constituição e
Justiça e de Finanças serão estas ouvidas em primeiro e em último lugar, respectivamente. Foi
o que aconteceu durante a tramitação do PL 18/2005.
O PLC 18/25 foi avaliado pelas seguintes comissões: Comissão de Constituição e Justiça15,
Comissão de Administração Pública16, Comissão de Finanças e Orçamentos17, Comissão de
Redação e mais uma vez pela Comissão de Administração Pública18. Ao todo o PLC 18/2005
recebeu 102 emendas que versavam sobre os mais diversos assuntos. Das 102 emendas
apresentadas pelos deputados estaduais, apenas 31 delas foram incluídas ao PLC 18/2005.
Inicia-se aqui a terceira fase do processo legislativo, a deliberação. Nessa fase, o projeto é
submetido à votação, que, em regra, deve realizar-se no plenário19, embora alguns possam ser
votados nas comissões através de substitutivos. Submetido à votação pode ser aprovado,
rejeitado ou emendado. Se aprovado, é remetido à Comissão de Redação caso tenham sido
acatadas as emendas apresentadas e publicado um Autógrafo20. O PLC 18/2005 teve seu
autógrafo publicado em 19 de dezembro de 2005.
É atribuição do Poder Executivo sancionar ou vetar o autógrafo emitido pela ALESP. O
Governador Geraldo Alckmin vetou 03 das 31 emendas que os deputados estaduais
ofereceram ao PLC 18/2005. Um desses vetos dizia respeito a inclusão dos advogados da
14 Parecer é o pronunciamento de Comissão sobre matéria sujeita ao seu estudo. Ele é constituído por três partes: relatório, voto do relator e decisão da Comissão com a assinatura das Deputadas e Deputados que votaram a favor e contra. 15 A Comissão de Constituição e Justiça deu parecer favorável ao PLC 18/05, com várias emendas e subemendas. Fizeram parte de Subemenda proposta as emenda nº 1, 2, 3, 6, 15, 30, 46, 58, 65, 79, 80, 87, 88, e 89, 48, 28 e 71, 7, 8, 9, 11, 14, 16, 17, 18, 26, 29, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 67, 69, 72, 73, 74, 75, 76, 78, 84, 85, 86, 90, 91, 92, 93, 94 e 98, respectivamente. Essa Comissão foi contrária às emendas nº 4, 5, 10, 12, 13, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 66, 68, 70, 77, 81, 82, 83, 95, 96, 97, 99, 100, 101 e 102. 16 Essa comissão concedeu parecer favorável ao Projeto, às emendas nºs 43, 55 e 59, na forma das subemendas apresentadas, e às emendas nºs 7, 8, 9, 10, 17, 18, 22, 24, 26, 41, 44, 45, 51, 52, 53, 61, 67, 70, 82, 84, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 101 e 102; e contrário às demais emendas e às subemendas da Comissão de Constituição e Justiça. 17 Essa comissão ofereceu parecer favorável ao projeto com a emenda apresentada, favorável à emenda e às subemendas propostas pela Comissão de Constituição e Justiça, e contrário ás subemendas propostas pela Comissão de Administração Pública e às emendas no.s 04, 05, 10, 13, 22, 25, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42, 70, 77, 81, 82, 83, 88, 99, 100, 101 e 102. 18 Essa Comissão ofereceu parecer favorável ao PLC 18/2005. 19 É a instância máxima de debate e deliberação. Pode propor novas emendas, que devem voltar às Comissões para serem também analisadas, de modo a produzir o acordo político entre as propostas e, finalmente, aprovar ou rejeitar a proposição através do voto. 20 É um decreto da Assembléia Legislativa expressando a forma final da proposta aprovada pelos deputados estaduais.
FUNAP e dos orientadores trabalhistas nos quadros da Defensoria Pública sem necessidade
de concurso. Essa é a quarta fase do processo legislativo e o veto do governador pode ser total
ou parcial. O veto deve atender a dois fundamentos: contrariedade ao interesse público ou
inconstitucionalidade. Como se viu, o veto do governador foi parcial. Após acalorado debate e
algumas mudanças de posição, a ALESP decidiu manter o veto. Porém, é importante ressaltar
que caso os deputados estaduais discordem, devem rejeitar o veto por maioria absoluta e
promulgar a Lei.
A Lei Complementar no. 988 foi promulgada em 06 de janeiro de 2006, constituindo assim a
quinta fase do processo legislativo. Com sua promulgação o Chefe do Poder Executivo
assevera que a ordem jurídica foi inovada validamente e com sua publicação, o processo
legislativo tem fim.
Influenciando o processo decisório estadual paulista: os grupos de interesse em ação
Em sociedades democráticas a criação e implementação de políticas públicas estão
condicionadas ao processo de tomada de decisões estatal, em que numerosos fatores
relevantes interagem de forma complexa e no qual os grupos de interesse são importantes
estruturas de articulação de interesses21. Indivíduos e grupos apresentam suas demandas aos
tomadores de decisão e cada sistema político processa essas demandas de determinada
maneira.
Para Almond & Powell22, os indivíduos são importantes como articuladores de seus próprios
interesses. Essa auto-representação está normalmente disfarçada em interesses coletivos ou
de grupos e é inerente aos sistemas políticos modernos.
Levando em consideração que o Estado e instituições do governo podem ser consideradas
como grupos de interesses e a necessidade de obter uma concepção mais restrita desse
termo, há alguns autores que os entendem como aquelas organizações que entram em contato
com os tomadores de decisão estatal com o objetivo de influir em suas decisões.
Entendemos grupos de interesses como associações ou organizações de indivíduos ou
instituições púbicas ou privadas que, com base em uma ou mais preocupações ou em
interesses compartilhados, tentam influenciar a política pública a seu favor.23
21 Articulação de interesses pode ser entendida como “o processo pelo qual os grupos apresentam demandas aos tomadores de decisões políticas”. ALMOND, G. A. e POWELL JR., G. B. Uma Teoria de Política Comparada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. pág. 52. 22 Op. Cit.
23 THOMAS, C. S. Research guide to U.S. and international interest groups. Greenwood Publishing Group, 2007.
De maneira geral, os grupos de interesses atuam dentro de uma faixa própria de interesses
dos seus membros em um ambiente supra-ideológico e supra-partidário. Porém, os grupos
possuem caráter ultrapartidário e, diferentemente dos partidos, não buscam o exercício direto
do poder.
Com relação aos movimentos sociais, as diferenças existentes podem ser caracterizadas a
partir de dois prismas. O primeiro é meramente ideológico e o segundo relaciona-se aos canais
de participação que utilizam.
Os movimentos sociais ao surgirem apresentaram um caráter mais combativo, rebelde e
autônomo em relação ao Estado. Já os grupos de interesses fortalecem-se com o claro objetivo
de atuar nas esferas institucionais de poder e influenciar o processo decisório. Para isso, esses
grupos necessitavam de membros qualificados e capazes de compreender as engrenagens do
poder, uma vez que é preciso entender as regras do jogo político para jogá-lo.
Espontaneidade e informalidade são características muito mais utilizadas para descrever os
movimentos sociais do que os grupos de interesses. Os últimos construíram uma ação pautada
pela busca de eficácia e eficiência. Coletar informações, sistematizá-las, moldá-las as suas
intenções, oferecê-las aos tomadores de decisão para depois pressioná-los a fim de defender
seus interesses é o principal objetivo dos grupos de interesses. Dessa forma, não existe
repúdio por parte desses grupos no que tange as formas institucionalizadas de fazer política,
ao contrário, sua atuação as privilegia.
Em suma, os movimentos sociais apresentam um discurso e uma ação mais transformadora e
menos institucionalizada e os grupos de interesses, por sua vez, jogam o jogo segundo as
regras pré-determinadas pelo Estado e assim, buscam reformá-lo.
Consideramos o MDP como grupo de interesse, uma vez ele que procurou durante todo o
tempo de sua existência jogar o jogo segundo as regras pré-determinadas pelo Estado.
Esse grupo de interesse efetuou um trabalho de grande qualidade técnica, elaborando
planilhas e quadros em que se discutiam os interesses em jogo e apresentava-se a posição do
grupo. Todo esse material veiculado pelo site do MDP24 foi utilizado durante o transcorrer de
nosso trabalho.
O anteprojeto de lei orgânica enviado pela PGE ao governador respeitou 80% do havia sido
sugerido pelo anteprojeto elaborado pelo SINDIPROESP. Esse fato, analisado isoladamente já
denota o êxito da ação do grupo.
Porém, algumas questões foram deixadas de lado e passaram a ser o foco da ação do MDP
durante a tramitação do PLC 18/2005.
24 http://www.movimentopeladefensoriapublica.hpg.ig.com.br/
Os operadores do Direito tendem a apresentar uma posição de resistência quanto à
participação da sociedade civil no processo decisório. A proposta de Defensoria Pública
desenhada pelo MDP, no entanto, como se pretendia transformadora, incluía três idéias
bastante ousadas:
a) promoção da participação da sociedade civil na formulação do Plano Anual de Atuação da
Defensoria Pública, por meio de conferências abertas à participação de todas as pessoas;
b) estabelecimento de critérios que garantissem que no concurso de ingresso e no treinamento
dos defensores, fossem selecionados profissionais vocacionados para o atendimento
qualificado às pessoas carentes e,
c) A implantação de Ouvidoria independente, com representação no Conselho Superior, como
mecanismo de controle e participação da sociedade civil na gestão da Instituição também era
uma idéia importante a ser defendida.
Por conta dos interesses defendidos pelo grupo, a inclusão de emendas oferecidas pelos
deputados estaduais incluindo advogados da Fundação “Manoel Pedro Pimentel” de Amparo
ao Preso (FUNAP) e os orientadores trabalhistas oriundos da Secretaria de Relações do
Trabalho nos quadros da Defensoria Pública sem necessidade de concurso gerou uma grande
polêmica. É possível, afirmar inclusive que esse fato foi o principal embate entre interesses
conflitantes ocorrido durante a tramitação do PLC 18/2005.
O quadro abaixo discrimina as emendas que foram oferecidas ao PLC 18/25 sobre esse
assunto.
Quadro 1
Emendas oferecidas ao PLC 18/2005 que versavam sobre a inclusão de advogados da FUNAP
e orientadores trabalhistas sem necessidade de concurso aos quadros da Defensoria Pública,
segundo autoria.
Nº Emenda Autoria
06 e 89 Renato Simões (PT)
15 Jorge Luis Caruso (PMDB)
30 e 31 Marcelo Siqueira Bueno (PDT/PTB)
46 Giba Marson (PV)
58 Antonio Carlos de Campos Machado (PTB)
65 José Carlos Stangarlini (PSDB)
79, 80 e 81 Antonio Salim Curiati (PPB/PP)
87 e 88 João Carlos Caramez (PSDB)
Com relação a essa questão identificamos os seguintes grupos atuando a fim de ver seus
interesses atendidos:
1) Movimento pela criação da Defensoria Pública (MDP)
2) Associação dos Advogados da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao
Preso (FUNAP)
3) Associação dos Servidores da Secretaria de Emprego e Relações de Trabalho (ASSERT)
5) Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP)
6) Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP)
7) Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE)
8) Associação Juízes para a Democracia (AJD)
9) Ordem dos Advogados do Brasil – seccional São Paulo (OAB/SP)
O MDP atuou fortemente alertando tanto os deputados estaduais quanto a sociedade civil
sobre o equívoco em incluir profissionais que não atendessem ao perfil ideológico e a
qualificação técnica necessária a um defensor público. Foi apoiado pela APADEP, ANADEP,
CONDEGE e AJD, que publicaram nos mais importantes meios de comunicação nota de
esclarecimento e apoio ao grupo, sempre ressaltando a inconstitucionalidade do pleito e a
diferença entre as funções desempenhadas por esses profissionais e as que seriam
desempenhadas pelos defensores.
Já os advogados da FUNAP e os orientadores trabalhistas da Secretaria de Emprego e
Relações de Trabalho foram capazes de sensibilizar os deputados estaduais efetuando um
forte corpo-a-corpo nos corredores da Assembléia Legislativa. Valeram-se também pareceres
jurídicos elaborados por renomados juristas25.
Apesar da oposição cerrada dos membros do MDP quanto à aprovação de tais emendas26,
segundo Melo, a ASAF e a ASSERT efetuaram forte pressão sobre os deputados estaduais, o
que fez com que a Comissão de Constituição e Justiça da ALESP conferisse parecer favorável
a tal pleito.27
Os quadros 2 e 3 resumem os argumentos utilizados pelos principais grupos de interesse sobre
essa questão.
25 O professor Henrique Savonitti Miranda elaborou parecer jurídico a pedido dos advogados da FUNAP.
A íntegra do parecer pode ser obtida através do endereço: http://www.eneascorrea.com/news/154/ARTICLE/1123/2/2005-09-09.html 26 O Boletim Eletrônico do MDP de novembro de 2005 discute essa questão. Os membros do MDP argumentam que, “(...) essas pessoas, (...) não foram submetidas a concursos públicos equivalentes ao da Procuradoria. Os cargos que hoje ocupam não se assemelham ao de um defensor público, sendo seu âmbito de atuação extremamente restrito e especializado. A incorporação automática desses advogados como defensores públicos viola frontalmente a Constituição Federal e coloca em risco a qualidade do trabalho a ser prestado às pessoas carentes em nosso Estado.” 27 Op. Cit.
Quadro 2 Grupos de interesse que defenderam a exclusão dos advogados da FUNAP e dos orientadores trabalhistas ao quadro efetivo da Defensoria Pública
Grupo de Interesse Lobista Principal argumento defendido
Movimento pela criação da Defensoria Pública (MDP)
Antonio Mafezzoli, presidente do SINDIPROESP
É importante que a instituição seja formada por profissionais vocacionados, bem selecionados, treinados constantemente (inclusive para o trabalho interdisciplinar) e fiscalizados. Como manda a Constituição Estadual, os primeiros membros de nova instituição devem vir da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que há mais de 50 anos exerce a função de assistência judiciária às pessoas carentes em São Paulo. Os procuradores do Estado que optarem pela Defensoria Pública foram aprovados em concursos públicos extremamente concorridos, nos quais foram avaliados em todas as áreas em que a nova instituição atuará. A incorporação automática desses advogados como defensores públicos viola frontalmente a Constituição Federal e coloca em risco a qualidade do trabalho a ser prestado às pessoas carentes em nosso Estado.
Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP)
Presidente da Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP)
Além dos advogados da fundação e os orientadores não terem feito concurso público, e sim processos de seleção mais simples, que seriam incompatíveis com a função de defensor público, para esse tipo de transformação deve haver uma identidade substancial entre as carreiras, o que não existe. Esses profissionais não estão habilitados para as demais áreas em que a DP atua – os funcionários da FUNAP seriam escolhidos por meio de um processo seletivo interno, focado somente no direito penal relacionado à questão penitenciária. Além disso, o próprio serviço público da assistência judiciária correria o risco de ser interrompido, antes mesmo a Defensoria se consolidar, em função de um possível cancelamento do concurso já marcado para as vagas não preenchidas pelos procuradores.
Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP)
Leopoldo Portela Junior, Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP)
Esses profissionais não atendem aos requisitos necessários para o adequado desempenho da função de Defensores Públicos. Os orientadores trabalhistas são oriundos da Secretaria de Relações do Trabalho e não atuam judicialmente, fazem apenas atendimentos de orientação na área de Direito do Trabalho, matéria que sequer é de competência da Defensoria Pública Estadual. Vale dizer, não atuam em área em nada semelhante às funções dos Defensores Públicos.
Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE)
Fernando Antônio Calmon Reis, Secretário-geral do Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais (CONDEGE)
Os advogados da FUNAP trabalham em presídios por meio de um convênio com a Procuradoria-Geral do Estado e passariam de empregados regidos pela CLT a servidores públicos estatutários com todas as garantias, inclusive estabilidade.
Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Marcelo Semer, presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
A entrada dos advogados preteridos atenta ao princípio da igualdade, do concurso público e da moralidade.
Quadro 3 Grupos de interesse que defenderam a inclusão dos advogados da FUNAP e dos orientadores trabalhistas ao quadro efetivo da Defensoria Pública.
Grupo de Interesse Lobista Principal argumento defendido
Associação dos Advogados da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (ASAF-FUNAP)
Sérgio Luiz de Andrade, presidente da Associação dos Advogados da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (ASAF) e Fausto Bittar Filho.
Se o nosso concurso não foi específico, o dos procuradores também não foi. A princípio, eles deveriam apenas defender o Estado. A Constituição garante a isonomia para todos os advogados do Estado. Todos os advogados da FUNAP que pleiteiam o direito de ingresso na nova Defensoria Pública através da opção ou realizaram concurso público de provas e títulos - prova que obedece a princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade - ou já exerciam a função antes da instalação da Assembléia Nacional Constituinte de fevereiro de 1987, tendo este direito garantido por Lei. Em outros estados que se criaram Defensorias Públicas, os antigos profissionais que prestavam assistência judiciária tiveram garantido o direito de integrar o novo órgão.
Associação dos Servidores da Secretaria de Emprego e Realções de Trabalho (ASSERT)
Maria Kátia Daher Olival, orientadora trabalhista e representante da Associação dos Servidores da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho (ASSERT)
As funções dos orientadores trabalhistas são similares às de um procurador do Estado, o que foi reconhecido num parecer da Procuradoria de 1974.
Ordem dos Advogados do Brasil – seccional São Paulo
Luiz Flávio Borges D’ Urso, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional São Paulo
Os advogados que compõem o quadro da FUNAP, possuem experiência no atendimento jurídico da população carente, função precípua da Defensoria Pública. Eles estão aptos a contribuir com o novo órgão, no âmbito carcerário, à plena realização da Justiça, o pleito de derrubada do referido veto. Da mesma forma, o ingresso na FUNAP, desde e por força da Constituição Brasileira de 1988, é realizado
mediante concurso público, estando abrangido na expressão todo certame seletivo efetivado pela Administração Pública, assegurando condições de igualdade das condições na postulação a cargo público, com prévia e ampla divulgação das condições, visando à aprovação de servidores competentes e com qualificação técnica adequada que, no caso, é a inscrição como advogado perante a Ordem dos Advogados do Brasil, e em estrito cumprimento dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, entre outros, o que desqualifica o argumento da ausência de concurso público.
Considerações Finais
Ao analisar a influência dos grupos de interesse durante a tramitação do PL 18/2005 foi
possível trazer subsídios para a compreensão tanto do processo decisório estadual paulista
quanto da participação da sociedade civil nesse processo.
Se comparado ao grau de associativismo de algumas democracias liberais tradicionalmente
estabelecidas, o associativismo brasileiro ainda é incipiente.
Porém, nossos dados repelem a propalada apatia política da sociedade civil brasileira, pois
esse é um discurso que desqualifica a cultura, as formas de agir, de pensar e de participar do
povo brasileiro.
É importante notar que para o êxito de um regime democrático é necessária certa dose de
associativismo, uma vez que quanto maior a participação social, maior a eficácia do governo
democrático.
Há diferentes grupos se organizando em torno de seus interesses e construindo estratégias de
ação para ver seus objetivos atendidos. Assim, essa certa dose de associativismo parece-nos
estar sendo suficiente para garantir que os grupos de interesse sejam capazes de influenciar o
processo decisório, como já afirmado.
Os deputados estaduais não foram capazes de diferenciar demandas que atendiam pura e
simplesmente a interesses corporativistas e demandas que primavam pelo interesse público,
como se vê no caso do oferecimento de emendas que visavam a inclusão dos advogados da
FUNAP e orientadores trabalhistas nos quadros da Defensoria Pública.
Nossa análise mostrou que interesses corporativistas se sobrepuseram ao interesse público e
que o MDP, grupo de interesse melhor estruturado tanto financeira quanto tecnicamente obteve
maiores ganhos, ao pressionar o Poder Executivo estadual a iniciar o processo legislativo que
criaria a Defensoria Pública e ao elaborar um anteprojeto de lei orgânica que foi respeitado em
cerca de 80% pelo grupo de estudo da PGE.
Foi necessário o veto do governador aludindo a inconstitucionalidade da proposta para frear
esses interesses corporativistas. No entanto, a influência dos grupos de interesse sobre o
Poder Executivo estadual que, como afirmou ABRUCIO, TEIXEIRA & COSTA28 controla o
processo legislativo paulista não pôde ser analisada, já que ia além do objetivo proposto
inicialmente.
Em suma, é possível afirmar que variáveis externas ao Parlamento, como os grupos de
interesse influenciam potencialmente o resultado do processo decisório estatal.
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28 Op. Cit.
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