sam llewellyn · 2017-02-14 · ... confeitando uma bomba surpresa feita de açúcar de...

11

Click here to load reader

Upload: lamthuy

Post on 02-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

Outro livro muito bom sobre crianças muito más

SAM LLEWELLYN

IlustraçõesDavid Roberts

TraduçãoRicardo Gouveia

12250-queridosanjinhosmaus.indd 3 6/24/09 5:21:08 PM

Page 2: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

Copyright do texto © 2005 by Sam LlewellynCopyright das ilustrações © 2005 by David Roberts

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Publicado originalmente na Inglaterra, em 2005, por Puffin Books, uma divisão da Penguin Books Ltd.

Título originalBad, Bad Darlings

CapaDavid Roberts

PreparaçãoAndressa Bezerra da Silva

RevisãoAna Luiza CoutoAngela das Neves

[2009]Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz ltda.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 — São Paulo — sp

Telefone (11) 3707-3500Fax (11) 3707-3501www.companhiadasletras.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Llewellyn, Sam Queridos anjinhos maus : outro livro muito bom sobre crianças muito más / Sam Llewellyn ; ilustrações David Ro-berts ; tradução Ricardo Gouveia. — São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

Título original : Bad, Bad Darlings.isbn 978-85-359-1485-6

1. Literatura infanto-juvenil i. Roberts, David. ii. Título.

09-04933 cdd-028.5

Índice para catálogo sistemático:1. Literatura infanto-juvenil 028.5

12250-queridosanjinhosmaus.indd 4 6/24/09 5:21:08 PM

Page 3: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

15

No dia em que os problemas começaram, os anjinhos da família Querido, como de costume, estavam tendo aulas na classe do transatlântico Cleptomania. Margarida (a mais velha), Cassiano (o do meio) e Primavera (a mais jovem) estavam sentados em poltronas estofadas em couro com botões, es-crevendo sobre pranchetas. Na frente deles estava Dolores de Sasta, uma senhora ladra de extração espanhola.

“Bien”, disse Dolores.“Quê?”, disse Cassiano.“Ela disse que a aula acabou”, disse Primavera.“Mas faltam três minutos”, disse Margarida, severa.O sorriso escarlate de Dolores tornou-se um pouco fi -

xo. Ensinar aos anjinhos era um pouco como ser sugada por vampiros. Automaticamente, ela começou a testá-los em palavras de ladroagem. O velho e bom vocabulário voltou seus pensamentos para dias passados, quando o Cleptoma-nia se transformou no covil de uma promissora equipe de ladrões. Mas, depois que o navio atravessou o Atlântico, as coisas mudaram. Cerca de cem assaltantes, arrombadores e ladrões genéricos desertaram do navio nas Índias Ocidentais

12250-queridosanjinhosmaus.indd 15 6/24/09 5:21:12 PM

Page 4: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

16

e fundaram um parque temático sobre ladroagem e espaço para festas chamado Clube Mad. Agora o Cleptomania estava avançando a todo vapor rumo à Flórida, lar de milionários, onde a Comandante planejava transformar o navio em um hotel de luxo, para que os ladrões remanescentes pudessem Tornar-se Honestos.

Dolores suspirou. Ela não curtia muito Ficar Honesta.“Vamos dar o fora daqui”, disse ela.“¡Vámonos!”, exclamaram as crianças fluentemente.“Excelente”, disse Dolores.As crianças puseram-se em pé com a cortesia antiquada

que lhes tinha sido martelada na cabeça por dezessete babás de categoria peso-pesado, uma após a outra.

“Obrigado, Dolores”, disseram educadamente em coro. Aí tinha chegado a hora do chocolate, preparado como sem-pre por Primavera, que era genial na cozinha. E então tinha chegado a hora do Tempo Livre. Naturalmente, Primavera foi para a cozinha e Cassiano foi para a sala de máquinas. Mar-garida subiu para o passadiço.

Papai Querido estava ao timão. Do lado de fora das ja-nelas, o mar azul se estendia até o horizonte. À direita, ou estibordo, havia uma ilha coberta de palmeiras. À frente havia um pequeno arranhão de água branca.

“Vagalhões à frente”, disse Margarida.O Cleptomania seguiu em frente. Junto aos enormes cilin-

dros de bronze na sala de máquinas, Cassiano e o engenhei-ro-chefe Príncipe Herdeiro Beowulf da Islândia (deposto) discutiam uma válvula cormopropulsora que estava esquen-tando. Entre os grandes fogões de ferro fundido na cozinha, Primavera estava, como exercício, confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem para ser barmen, arrombadores para ser porteiros e receptado-res para cuidar da recepção.

“Ahã”, disse Margarida, um pouco mais alto. “Vagalhões à frente.”

12250-queridosanjinhosmaus.indd 16 6/24/09 5:21:12 PM

Page 5: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

17

“Não seja boba”, disse Papai Querido.As milhares de toneladas do Cleptomania mergulhavam

e guinavam a cada pequeno movimento do timão em suas mãos. Aquilo o fazia sentir-se muito poderoso e o ajudava a persuadir a si mesmo de que ele estava certo e todo mundo estava errado. Outrora os dons de persuasão de Papai Queri-do funcionavam com quase todos. Hoje em dia, a pessoa com quem funcionavam melhor era ele mesmo.

Eles não funcionavam de jeito nenhum com bancos de areia.

O chão tremeu de leve. O Cleptomania diminuiu a marcha e parou. Das salas de jantar, muito abaixo, veio o estrondo retininte de toneladas de vidro e porcelana caindo das prate-leiras de madeira no chão metálico.

“Eu falei, vagalhões à frente”, disse Margarida, apertan-do os lábios e dando batidinhas no convés com a ponta da botina.

Logo do lado de fora da janela da direita havia uma ilha tropical de tamanho médio. Presumivelmente, eles tinham encalhado em um pedaço dela. Papai Querido olhou para a filha mais velha, para o seu queixo firme, seu olho acusador e o perfeito esmalte de unhas. O suor escorria pela testa dele. Ele olhou para o lugar no seu pulso onde, nos tempos de riqueza, brilhara o Rolex de ouro.

“Meu Deus, já é essa hora?”, murmurou ele, e deslizou para as profundezas do navio.

Margarida suspirou. Tinha sido uma longa e estranha viagem até esse banco de areia, desde as ruínas de sua casa incrivelmente luxuosa, no Número Um da Avenida Marechal Garboso. Ela nunca devia ter acontecido. De fato, nunca te-ria acontecido se Papai Querido tivesse se interessado menos por joias, férias e concretagem de reservas naturais. Se ele não tivesse se interessado por tudo aquilo, os Querido teriam passado mais tempo sendo uma família feliz, e a aaa Aardvark Disciplina Infantil e Segurança nunca teria existido, e não teria havido nenhum navio e nenhum Bolinho Sonolento, e

12250-queridosanjinhosmaus.indd 17 6/24/09 5:21:12 PM

Page 6: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

18

o piano da Avenida Marechal Garboso nunca teria sido de-safinado...

Espere um minuto. Estamos indo depressa demais. Ora, você deve estar se perguntando, aonde ele quer chegar? Por que ele não me conta quem é toda essa gente, põe os fatos em ordem e começa a contar a sua história com tudo na se-quência certa?

Caro leitor, você tem razão. O leitor sempre tem. Colo-que o cinto de segurança. Equipagem da cabine, tomar as-sentos para decolagem.

Aí vamos nós.As crianças Querido, Margarida, Cassiano e Primavera,

vieram a bordo do Navio Mau Cleptomania quando seguiram um ladrão depois que ele entrou na casa de luxo deles disfar-çado de babá. Revelou-se que a Comandante do Cleptomania era a mãe deles, havia muito perdida. O assistente-chefe dela era um ladrão gentil mas sem rodeios, Pete Mitraglia. A tripu-lação consistia de mais ladrões e o engenheiro-chefe maluco, que tinha sido outrora o Príncipe Herdeiro Beowulf da Is-lândia. Depois de cruenta batalha contra Dan da Van Branca e seus vilanescos Empreiteiros, o Cleptomania tinha navega-do através do Atlântico e recolhido Papai Querido, o pai das crianças e ex-marido da Comandante, que fora abandonado em uma ilha deserta pela sra. Secretária Querido, sua segun-da esposa. Fora dada a Papai a oportunidade de aperfeiçoar a sua personalidade limpando as privadas do navio. Não seria verdade afirmar que ele estava feliz com isso.

A Comandante era bondosa, musical, chique, audaz e mais ou menos tudo o que se pode desejar de uma mãe. Se ela tinha algum defeito, era uma tendência de ver as coisas pelo Lado Bom. Como salientei, ela decidira transformar o navio em um hotel de luxo. Logo, todos se Tornariam Hones-tos e viveriam felizes para sempre.

Ficou claro? Muito bem, então.Bem agora, a Comandante era parte do grupo de pes-

soas no passadiço do completamente encalhado Cleptomania.

12250-queridosanjinhosmaus.indd 18 6/24/09 5:21:12 PM

Page 7: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

19

A brisa morna agitava o seu vestido justo em azul da prússia, e ela estava vendo as coisas pelo lado bom, com a ajuda de uma poderosa luneta.

“Uma ilha tropical!”, exclamou ela. “E encantadora tam-bém, e, pelo jeito, desabitada!”

“Mas o navio está totalmente encalhado no fundo do mar”, disse Pete Mitraglia.

“E pode ser que nunca consigamos sair”, disse Cassia-no, que estivera examinando as marés em um grande alma-naque azul.

“Detalhes, detalhes”, disse a Comandante, vagamente. “Tempo para um mergulho.”

Pete soprou no seu tubo de voz e passou a palavra a Margarida Querido, que passou a Primavera, que passou ao chef de cozinha, que passou a Dolores de Sasta, que passou a Mala Gigante, que passou ao engenheiro-chefe, que contou ao seu urso de pelúcia. No fim as marés chegaram às pri-vadas do convés inferior, onde Papai Querido estava tendo uma reunião com o soturno ex-arrombador de cofres Eddie Sinistro, agora seu assistente executivo.

“Sinistro”, dizia Papai, “temos um acordo, estou certo ou certo?”

“Você está certo”, disse Sinistro. “Eu faço o seu serviço, limpando as privadas. E você me paga um monte de dinheiro quando o seu dinheiro chegar.”

“E você está reagindo brilhantemente a esta situação de delegação de funções”, disse depressa Papai Querido.

“Mas o que eu quero saber”, disse Sinistro, “é como essa pessoa que está mandando esse dinheiro vai saber o seu en-dereço?”

“Fique tranquilo quanto a isso, meu bom homem”, disse Papai Querido. “Eu lhe pagaria em dinheiro agora mesmo, mas deixei a minha carteira no outro terno.”

“Você não tem outro terno”, disse Sinistro, obstinado. “Eu quero agora.”

12250-queridosanjinhosmaus.indd 19 6/24/09 5:21:13 PM

Page 8: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

20

“Perfeitamente razoável”, disse Papai. “Mas um tanto imposs...”

Sua voz emudeceu. De repente, o navio ficou cheio de gritos de alegria e pés correndo. Através da vigia do banheiro, ele viu botes sendo remados por alegres ex-ladrões rumo a uma praia da mais pura areia branca. Alguns já estavam na-dando. Outros estavam começando a construir castelos de areia. Ele notou a cara de sabujo de Sinistro, iluminada de admiração, ao lado da sua, junto à vigia.

“Pô”, disse Sinistro.“Oi!”, disse Papai.“Você sabe o que pode fazer com o seu serviço”, disse

Sinistro. “Eu vou nadar.” E foi embora no galope.Papai Querido sacudiu a cabeça, soltou um suspiro para

a francamente nojenta privada diante dele e estendeu a mão para as luvas de borracha.

“Yiiii-ha!”, gritou Xereta Mancada ao passar ventando como uma abelha nervosa. “Apothto que lá them um the-souro!”

Papai Querido fez um bico para o pequeno idiota e co-meçou a esfregar o chão diligentemente. Enquanto ele esfre-gava, sua cabeça estava muito longe.

Sua antiga empresa, a Colosso Querido S/A, nivelara mon tanhas, aterrara lagos, fizera detestáveis cachoeiras indis-ciplinadas caírem dentro de adoráveis tubulações disciplina-das, e ganhara prêmios por concretar reservas naturais. Sobre essas perfeitas superfícies cinzentas, a cq construíra milhares de casas feitas de papelão e espuma plástica, as quais a cq então vendera por bilhões.

Aqueles tempos, agora, tinham ficado para trás, é claro. Ele prometera à Comandante e aos filhos. Mas Xereta Man-cada desencadeara estranhos pensamentos na cabeça de Pa-pai Querido. Pouco a pouco, um quadro se formava.

O quadro era daquela ilha tropical, mas não orlada por areia branca e verde de palmeiras. Oh, não. Na tela de cinema mental de Papai Querido as praias tinham se transformado

12250-queridosanjinhosmaus.indd 20 6/24/09 5:21:13 PM

Page 9: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

21

em estradas de concreto carregadas de carros, ao longo das quais pessoas vendiam a outras pessoas abajures de mesa fei-tos de conchas e camisetas que diziam eles foram ao paraí-so e tudo o que me trouxeram foi esta camiseta horrorosa. Havia centenas de apartamentos grilados e as chaminés fu-megantes de uma fábrica de fertilizantes. Acima da completa e sórdida destruição elevava-se uma enorme torre branca de concreto com um anúncio de néon que dizia hotel colosso querido tropicana. Entre os edifícios, apinhavam-se milhares de turistas de bermudas medonhas e carteiras abertas...

Papai Querido percebeu que a sua boca estava se en-chendo de água como uma descarga de privada. Ele conti-nuou esfregando o chão, a cabeça fervilhando.

Para um executivo entusiástico como Papai Querido, to-das as ilhas eram ilhas do tesouro. Era só questão de achar a abordagem correta.

Os Queridinhos estavam sentados em espreguiçadei ras, na área do passadiço, bebericando sorvetes batidos com soda limonada preparados por Primavera e observando a cena ani-mada. Uma comissão de crianças e ladrões dera provisoria-mente à ilha o nome de Banco do Esqueleto. Agora as crian-ças observavam o tropel de ladrões vestindo roupas de banho listradas, a pular nas ondas.

A Comandante juntou-se a elas.“Estão aproveitando o bom tempo?”, perguntou ela.“Vai ser bom quando conseguirmos sair deste banco de

areia bobo”, disse Margarida.A Comandante olhou de relance para Cassiano por sob

seus grandes cílios.“Receio que não seja possível”, disse Cassiano.“Ora, por que não?”, disse Margarida.“Estamos seriamente encalhados no topo da maré mais

alta do ano”, disse Cassiano. “Portanto, basicamente, não te-remos chance de nos mover até o ano que vem.”

“Ano que vem?”, disse Primavera.“Se é que vamos”, disse a Comandante, passando a mão

12250-queridosanjinhosmaus.indd 21 6/24/09 5:21:13 PM

Page 10: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

22

lindamente manicurada pela testa nobre. “O navio está... bem, Cassiano?”

“Mal”, respondeu Cassiano assumindo um ar náutico. “Os navios são feitos para flutuar na água, e não para ficar as-sentados em terra. As anteparas números um a treze já estão apresentando rachaduras diminutas. Nós abrimos furos para detê-las, mas isso é preocupante, muito...”

“Como é que é?”, perguntou Primavera.“Acho que o querido Cassiano está tentando dizer do seu

jeito docemente técnico”, disse a Comandante, “que o velho e querido Cleptomania está ruindo com seu próprio peso.”

“Em termos leigos”, disse Cassiano.Fez-se o silêncio, quebrado apenas pelo ritmo contagian-

te da coqueteleira da Comandante e pelos gritos distantes dos que brincavam na praia.

Finalmente, Margarida disse:“Então precisamos de outro navio.”“Tempos houve em que não tínhamos nenhum”, disse

a Comandante.“Mas você fica acostumado a ter as coisas”, disse Cas-

siano.“Especialmente navios”, disse Primavera.“Uma grande verdade”, completou a Comandante.Mais silêncio, carregado de pensamentos profundos.“Enquanto isso”, disse a Comandante, “alguém deveria

explorar a ilha.”“Nós cuidaremos disso”, disse Margarida.“Obrigada, muito obrigada”, disse a Comandante.“Je vous en prie”, disse Primavera.Três canudinhos rugiram em uníssono.

As crianças Querido foram para a praia em um dos bo-tes do navio. Enquanto exploravam as regiões costeiras, Cas-siano fez um mapa acurado. Quando ele terminou, os três sentaram-se em uma pedra, ao lado de uma queda-d’água. Primavera distribuiu cocos verdes e eles examinaram o que Cassiano havia desenhado.

12250-queridosanjinhosmaus.indd 22 6/24/09 5:21:14 PM

Page 11: SAM LLEWELLYN · 2017-02-14 · ... confeitando uma Bomba Surpresa feita de açúcar de confeiteiro, crème de menthe e dina-mite de verdade. Por todo o navio, gatunos faziam reciclagem

23

Contornando a ilha havia bosques de coqueiros, fran-jados por praias do mais puro prateado. Acima dos bosques de palmeiras erguia-se uma montanha, pequena mas de for-mação peculiar, com o cume abobadado marcado por de-pressões não muito diferentes dos olhos e da boca de uma caveira. De um dos olhos da caveira subia um tênue fio de fumaça. O rio junto ao qual estavam sentados saía da boca da caveira, saltava por diversas quedas-d’água e chegava até um pântano. No pântano jaziam coisas que pareciam ser ár-vores caídas.

Cassiano, examinando mais de perto, notou que uma das árvores escancarava uma boca cheia de dentes pontiagudos.

“Jacarés”, disse ele.“Chocante”, disse Margarida. “Montanha acima!”Eles estavam caminhando fazia dez minutos quando Pri-

mavera gritou:“Olhem!”Eles olharam. Uma pequena figura parda chispou pela

encosta, parou, olhou fixamente para eles e foi-se aos pulos, correndo através da mata o mais depressa que podia.

“Um menino selvagem!”, gritou Primavera, apertando as mãos.

“De fato”, disse Margarida, que não aprovava inteira-mente a selvageria.

“Ao que tudo indica, é muito frequente encontrá-los em ilhas tropicais”, disse Cassiano. “Vivem principalmente de raí - zes e frutas.”

“Pobre menino!”, disse Primavera, o coração derretendo como manteiga em uma frigideira sobre fogo moderado.

“Montanha acima!”, gritou Margarida, impaciente.Montanha acima eles foram.À medida que eles escalavam a encosta, colhendo uma

papaia aqui, uma flor de maracujá ali, as órbitas da caveira do cume revelaram ser cavernas. Embaixo da caverna da esquer-da havia uma estranha estrutura.

“Uma escada”, disse Cassiano.

12250-queridosanjinhosmaus.indd 23 6/24/09 5:21:14 PM